1
IVONE MOREIRA
O PENSAMENTO PEDAGÓGICO
DE ANTÓNIO SÉRGIO
DOC UMENTA HISTÓRICA
EDITORA
RIO DE JANEIRO
2009
2
A autora: Ivone Moreira é Licenciada
em Filosofia,
Mestre em Ciências da
Educação e doutora em Filosofia, pela
Universidade Católica Portuguesa
onde é Professora Convidada.
3
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
a) Nótula biográfica
b) O seu pensamento pedagógico
CAPÍTULO I – O IDEALISMO GNOSIOLÓGIO
DE ANTÓNIO SÉRGIO
1.
2.
3.
4.
Caracterização da actividade-mundo
Crítica à coisa-em-si
A construção do percepto
Criatividade da mente e interesse: o seu
papel na construção do real conhecido
A actividade do intelecto e os seus vários
5.
níveis
6.
A actividade da razão e o postulado de um
dever-ser-uno-inteligível
7.
Conhecimento e verdade
8.
O uno unificante e o seu significado
CAPÍTULO II – CONCEITO E FINS DA
EDUCAÇÃO
4
1.
Origem da educação
2.
O que significa educar
3.
Pedagogia da acção, autonomia dos
sujeitos e a escola do trabalho
4.
O município escola e a formação das
crianças. Abordagem crítica
5.
Equívocos da educação contemporânea
CAPÍTULO III – A PRÁTICA EDUCATIVA
PROPOSTA POR ANTÓNIO SÉRGIO
1.
Portugal
2.
Portugal
3.
3.1.
3.2.
4.
4.1.
4.2.
4.3.
4.4.
4.5.
Diagnóstico da situação do ensino em
Estratégias para a reforma do ensino em
Métodos propostos
O auto-governo
O método Montessori
A estrutura escolar proposta por Sérgio
O ensino infantil
A escola primária
As escolas de continuação
As escolas secundárias e liceus
A universidade
CAPÍTULO IV – EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
1.
A escola de intervenção
1.1. A função social dos estudantes e o papel das
elites
5
1.2. O pragmatismo da nova escola
1.3. A escola para a cultura da autonomia e o ideal
de Estado Cooperativo
1.3.1. Descentralização e auto-governo
1.3.2. O cooperativismo
CAPÍTULO V – A INTERVENÇÃO POLÍTICA
DE ANTÓNIO SÉRGIO NO DOMÍNIO DA
EDUCAÇÃO
1.
2.
Sérgio e a prática política em educação
A Comissão para a Reforma do Ensino em
1918
3.
A União Cívica e as onze medidas da
reforma pedagógica
4.
O projecto da Junta de Orientação dos
Estudos
5.
A proposta de reforma de João Camoesas
6.
António Sérgio Ministro da Instrução
Pública
6.1. A criação do Instituto do Cancro
6.2. A extinção das Escolas Primárias Superiores
6.3. O ensino liceal e a universidade
6.4. A Junta de Orientação dos Estudos
6
Introdução
a) Nótula biográfica
António Sérgio de Sousa Júnior nasce em 1883, na
Índia Portuguesa, em Damão. É neto do Visconde Sérgio
de Sousa e filho do Vice-Almirante António Sérgio de
Sousa, que foi governador de Diu, de Damão e do distrito
do Congo em Angola. Por parte da mãe, que tem origem
7
indiana, é neto do General-Almirante Henrique Carlos
Henriques.
Sérgio parte muito cedo da sua terra natal para
Lisboa, para daí seguir aos seis anos para Angola,
acompanhando o pai que havia sido nomeado governador
do Congo. Volta a Lisboa com onze anos para ingressar
no Colégio Militar. Em 1901, seguindo a tradição da
família, ingressa no serviço da Armada e no Curso de
Marinha na Escola Naval, que conclui em 1904. Ao
serviço da Armada viaja, entre 1905 e 1907, por Macau,
Inglaterra e Cabo Verde.
Em meados de 1910 casa com Luísa Epifânio da
Silva que será durante toda a sua vida uma companhia
leal e um apoio inestimável. Como Agostinho da Silva
afirmou numa entrevista, era a figura discreta, culta e
amável de Luísa Sérgio que lhe ordenava os pormenores
práticos mais elementares da vida e lhe administrava
judiciosamente os remediados recursos.
A sua carreira na Armada acabará por ser
interrompida no final de 1910 com a proclamação da
República. Com grandes amigos monárquicos, António
Sérgio é preso e, quando o libertam, alegando um
8
problema de saúde, requer uma licença ilimitada na
Armada, que acabará no seu pedido de exoneração cinco
anos mais tarde. Segundo Carlos Leone1, o seu pedido de
exoneração está relacionado com o desejo de prosseguir
livremente, sem a disciplina da Marinha, a sua carreira de
doutrinador, sendo Sérgio em 1915, quando pede a
exoneração, um autor já reconhecido.
Em 1911, a pedido de Jaime Cortesão, colabora no
lançamento da 2ª Série da revista A Águia, do movimento
Renascença Portuguesa2; o primeiro volume da nova
1
Carlos Leone, (2008), O Essencial sobre António Sérgio, INCM, p.
12.
2
Importante movimento cultural cuja pujança data da segunda
década do Séc. XX. Conta entre os seus membros notáveis figuras da
cultura portuguesa vindas de vários sectores culturais: poetas,
filósofos, ideólogos, agrónomos, economistas, pedagogos. Fizeram
parte da Renascença Portuguesa nomes como Mário Beirão, Ezequiel
Campos, Mário de Sá Carneiro, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão,
Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Raul
Proença, António Sérgio e Afonso Lopes Vieira, entre outros. Com
sede no Porto o Movimento tinha como órgão a revista A Águia.
Cedo começam a surgir tensões no interior do movimento que
acabam na sua cisão e que dão origem a tantas revistas quantas as
facções formadas. Um grupo de dissidentes, que conta com Mário de
Sá Carneiro e Fernando Pessoa, funda o Orfeu; de um outro grupo,
no qual se encontram Mário de Azevedo, Jaime Cortesão, Raul
Proença, Câmara Reis e António Sérgio, que se lhes junta mais tarde,
acaba por formar-se o grupo Seara Nova que publica a revista com o
mesmo nome. Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes mantém-se
fieis ao grupo primitivo. A própria revista A Águia existe até 1932 e
9
série sai em Janeiro de 1912. Pouco tempo depois, a
índole saudosista da revista, sob a influência de Teixeira
de Pascoaes, acaba por afastar várias figuras, entre as
quais se encontra António Sérgio, que se demarca, quer
da Revista, quer do movimento Renascença Portuguesa,
embora mantenha ainda durante algum tempo uma
colaboração
esporádica.
Numa
carta
a
Joaquim
Montezuma de Carvalho, explica as suas críticas à
Renascença, afirmando que o nacionalismo estéticopsicológico-político de Pascoaes não servia, a seu ver,
para caracterizar adequadamente o que pensava o grupo.
A partir de 1912 enceta uma colaboração duradoura
com a editorial Kellog. Entre 1912 e 1914 vive e publica
no Brasil, no Rio de Janeiro. No regresso a Portugal,
passa por Genebra, à procura de conhecer os novos
métodos pedagógicos e observar a sua aplicação.
Em 1917, por sua iniciativa, forma-se a Liga de
Acção Nacional, com o objectivo de constituir uma frente
de intelectuais empenhada em renovar as elites e em
o seu espírito prolongar-se-á na revista Portucale, cuja publicação se
inicia em 1928.
10
reformar a opinião pública. Ao serviço desse mesmo
objectivo, em 1918, funda e dirige a revista Pela Grei.
Em 1921 é convidado a aderir ao grupo Seara Nova
– formado a partir da cisão do grupo Renascença
Portuguesa do qual já se tinha afastado – para com ele se
empenhar na publicação da revista com o mesmo nome;
no entanto, só a partir de 1923 passa a pertencer aos
corpos directivos desta importante revista de intervenção
política, onde tem um papel preponderante, pelo menos
até 1938.
A sua participação na política governativa, à qual é
dedicado o Apêndice deste livro, foi sempre tumultuosa e
breve: a participação na Comissão para a Reforma
Pedagógica de 1918 dura pouco tempo e é interrompida,
alegando A. S. falta de confiança nos restantes membros
da Comissão; a intervenção na Reforma do Ministro João
Camoesas, em 1923, permite-lhe verter em projecto de lei
algumas das suas ideias pedagógicas, mas também a
passagem por aqui é fugaz e não pacífica; finalmente, a
sua meteórica e polémica passagem pelo Ministério da
Instrução Pública dá-lhe a possibilidade de realizar muito
pouco do que seria a sua intenção, não lhe permitindo,
11
por exemplo, concretizar o seu projecto mais querido - a
criação da Junta Orientadora dos Estudos - nem criar as
Escolas de Continuação. Em contrapartida, a sua
actuação fica negativamente marcada pela extinção das
Escolas Primárias Superiores, medida considerada muito
impopular. Criou o Instituto do Cancro, para promover a
investigação e o tratamento da doença, o que constitui a
medida de maior vulto do seu Ministério.
O golpe militar de Maio de 1926 instaura um
regime ao qual Sérgio se irá opor tenazmente, que o
levaria mesmo a esforçar-se por impedir o apoio
estrangeiro ao regime, quando a situação de Portugal
requeria um empréstimo internacional. Em 1927 participa
numa revolta para derrubar o regime, que acaba por
gorar-se; para evitar ser preso, foge para França, onde
permanece exilado durante sete anos. Foi amnistiado em
1933, tendo regressado. Como continuasse fiel ao seu
pendor de activista pela liberdade, é preso pouco tempo
depois e permanece na cadeira durante oito meses. Uma
vez posto em liberdade, exila-se em Madrid por breve
trecho, durante 1935.
12
Volta a Lisboa pouco tempo depois, onde
permanece e se empenha no combate à ditadura do
Estado Novo, através da sua escrita, pela prossecução dos
seus ideais de liberdade: promover o povo através da
função demopédica dos seus escritos; educar para a
formação de uma sociedade cooperativista – tema que
será tratado mais adiante neste livro. Vive da actividade
editorial, independente e também dependente, dos seus
trabalhos de tradução, e também de ministrar lições
particulares. Enfrenta desassombradamente o que reputa
de tacanhez intelectual do regime, apostando sobretudo
na formação da juventude.
b) O seu pensamento pedagógico
Disse de si mesmo, numa entrevista a Campos de
Matos “sou apenas um pedagogista, uma sorte de
pregador, um filósofo, um campeador pela cultura e pelo
bem do povo ”. E, noutro ponto, acerca da sua pedagogia
afirma:
“Se quisesse definir em poucas palavras a
pedagogia que preconizo, desde há doze ou
quinze anos, diria que é uma pedagogia do
13
Trabalho, contra a pedagogia da Leitura; uma
pedagogia
da
Produção,
contra
a
Armazenagem de conhecimentos; uma
pedagogia de Acção Social, contra a
pedagogia das Ideias Abstractas - essa
tradicional pedagogia que, separando
absurdamente a prática da teoria, o trabalho
da ciência, a vida do saber, - esteriliza as
inteligências, torna parasitas os que
estudaram, e cava assim separações entre as
classes sociais: de um lado, uma falsa ciência
puramente especulativa, uma ciência inútil e
de vadiagem; do outro uma prática de puro
empirismo, rotineira”1.
Se mais motivos não houvesse para estudar as
ideias pedagógicas de António Sérgio, este conjunto de
afirmações, que faz acerca do seu pensamento sobre o
tema bastaria largamente para justificar o seu estudo.
Nesta síntese está o ideário que norteia muitos anos de
actividade, que ele entendeu como essencialmente
pedagógica, numa interpretação socrática da pedagogia:
instrumento de crescimento do indivíduo e dos povos,
acto de fazer desabrochar a alma do homem.
1
António Sérgio, Seara Nova, nº 38, Set-Out de 1924. De agora em
diante: Seara Nova seguida do nº e da página.
14
A sua pedagogia é correlata de muitas outras áreas
do saber e do viver. Assim, mexer nesta „peça‟ da
complexa construção do seu pensamento não é tarefa
simples, porque nos põe em relação com todos os outros
âmbitos do seu pensar.
Vemos, em muitos dos seus textos, a sedução pelo
pensamento científico, o louvor do seu método, o
conselho a que o estendamos a todo o nosso pensar: o
que importa à razão é ultrapassar o seu particular
condicionamento
para
abraçar
verdadeiramente
o
Universal. Mas o pensamento do nosso autor é pleno de
vivacidade e, talvez por essa razão, não se disciplinou
inteiramente. Se a opção ideal é a de tornar científico e
sistemático o pensamento, a escolha feita no exercício do
seu próprio pensar é bem mais contingente, processa-se
frequentemente por reacção, por resposta, em polémicas.
Ele mesmo reconhece esse traço do seu carácter e do seu
trabalho intelectual.
É verdade que anseia pela clareza apolínea das
ideias e dela fala incessantemente, do mesmo modo que
gosta de ver-se a si próprio como “um urso pacatíssimo”,
alegando que as polémicas em que se envolve só surgem
15
no seu percurso porque a isso é obrigado. A todos os
homens acontece ser difícil distinguir, na ideia que de si
mesmos fazem, o que é objectivo, do que é desejo.
Cremos que a veia polémica do nosso autor é mais
intrínseca à sua natureza do que ele mesmo gostaria que
fosse e que a clareza apolínea das ideias nem sempre lhe
sorriu, embora o caminho por ele andado permitisse
lançar luz sobre a temática da educação, uma luz que não
perdeu a sua função. É tão útil hoje, quanto o foi em
meados do Século XX, o seu pensar sobre a questão da
eficácia da educação.
Pensar é o belo risco, diziam os Gregos, e não há
percurso de pensamento que não torne visível este risco.
Para o nosso autor, este pensar reactivo impediu-o de
alicerçar profundamente as suas „intuições‟, de as
estruturar num todo sistemático. Como em muitos
autores com densidade, o pensamento de Sérgio é, por
vezes, circular. As mesmas temáticas são repetidamente
tratadas em diferentes esferas, as mesmas „intuições‟ são
exploradas em diversos planos, o que dificulta o seu
tratamento linear e discursivo. Não agradaria ao nosso
autor a classificação de „intuições‟ dada aqui aos seus
16
postulados. Mas são intuições, convertidas - e tantas
vezes confundidas - em formulações abstractas, o que
muitas vezes encontrámos e que tentámos analisar na sua
complexidade e sistematizar neste estudo integrador do
seu pensamento pedagógico, no sentido mais profundo
do termo.
Sérgio foi interpelado pelo trabalho de pedagogos
como John Dewey, Georg Kerschensteiner e Maria
Montessori tentou pensar um modelo que se adaptasse à
nossa latinidade, e à nossa realidade, em muitos aspectos
enleada e temerosa, de meados do Século XX. A nossa
educação era, a seu ver, geradora de realidades
paradoxais, de uma elite diferenciada mas com grande
inércia e de uma imensa massa de gente profundamente
ignorante. Sérgio procurou encontrar soluções que
aliassem a pedagogia ao trabalho e que recuperassem
como
saber
creditável,
como
hoje
se
diria,
o
conhecimento prático, criando uma classe intermédia
culta e que decisivamente contribuísse para o progresso
do seu país.
Agostinho da Silva tem, acerca de Sérgio, uma
observação que entendemos ter captado em perfeita
17
síntese a sua natureza: “(...) quando hoje o recordo, o que
mais me impressiona é como aquela inteligência
portentosa podia permanecer ao mesmo tempo, como
dizer, tão aérea, apesar de muitas vezes se dirigir ao
concreto”1. É, o nosso autor, um homem de grandes
rasgos teoréticos, aos quais quis dar o destino que
atribuía à verdadeira teoria: a inteligibilidade profunda da
prática. O seu carácter teorético mantém por isso a
actualidade, é muito interpelador e é ainda um poderoso
interlocutor das nossas próprias teorias.
Apresentam-se neste estudo os seus ideais,
enraizando-os na sua gnosiologia, procurando - se existe uma ontologia, dando a conhecer os métodos que nos
propõe e relacionando-os com a função última da sua
pedagogia, a função demopédica e de transformação de
toda a sociedade e, finalmente, mostrando o que fez
Sérgio em prol da educação quando lhe foi dada a
oportunidade de agir. Com isto se procura, expor e dar a
conhecer o seu pensamento, numa área ainda pouco
1
Agostinho da Silva, Filosofia, Publicação Periódica da Sociedade
Portuguesa de Filosofia, nº 2, Lisboa, Dezembro de 1985, p. 159.
18
estudada do mesmo e onde o seu contributo, cremos,
continua a ser muito significativo.
A elaboração deste trabalho muito deve à
generosidade e sabedoria do Professor António Braz
Teixeira, cujos conselhos muito nos aproveitaram.
19
CAPÍTULO I
O IDEALISMO GNOSIOLÓGICO DE
ANTÓNIO SÉRGIO (A. S.)
1. Caracterização da Actividade-Mundo
Partidário de um idealismo gnosiológico1, e
herdeiro da tradição kantiana, A. S. afirma que a
realidade conhecida é a única a que temos acesso, ao
mesmo tempo, que diz recusar a existência da coisa-emsi.
Nas Cartas de Problemática, e também nos
Ensaios, onde assistimos a uma explicitação de alguns
pontos da sua posição gnosiológica, aparece-nos a
afirmação da existência de uma Físis que deve ser
entendida como Actividade-Mundo:
“Denomino Físis o não-mental, o chamado
mundo material ou físico, estudado pelos
físicos e pelos biologistas, de existência
1
António Sérgio, Ensaios II, Lisboa, Sá da Costa, 1ª ed. 1972, p.
216, (De agora em diante: Ensaios, seguidos do nº e da página): “O
idealismo em mim é de índole gnoseológica, sem nenhuma hipótese
de ontologia”.
20
independente da nossa Psique. Posto isto,
aventuro a hipótese de que a dita Físis deve
ser concebida como Actividade - ou Acção e não como coisa (não como substracto das
qualidades sensíveis: não como «objecto»;
não como matéria)” 1
e ainda “Tenho-me farto de afirmar mil vezes
que acredito na existência de um mundo
físico de existência independente da nossa
psique.(...) e digo, ademais, que para
conceber a natureza desse Mundo físico a
ideia de actividade é superior à de coisa, ao
que a mim se me antolha”.2
A mesmidade do horizonte do sujeito é perturbada
pelos sinais que lhe chegam da Actividade-Mundo, que,
ao serem percebidos pela Psique, são já transformados
por um primeiro nível de racionalidade, e, quando
presentes à consciência, já não são independentes3 do
1
António Sérgio, Cartas de Problemática, Lisboa, Editorial
Inquérito, Carta nº 10, Março 1954, p. 3. De agora em diante: Cartas
de Problemática seguida do nº, da data e da página.
2
António Sérgio, Cartas de Problemática, Carta nº 2, Agosto de
1952, p 3.
3
Ensaios II, p. 217: António Sérgio rejeita a designação de interior e
exterior ao sujeito para definir o lugar da Actividade-Mundo face à
Psique: “ Não aponho nunca o adjectivo «exterior» a esse algo
independente da nossa Psique, pelo claro motivo de que a expressão
de «exterior» não pode aplicar-se em relação à consciência. A
pensarmos num algo que seria externo à consciência teríamos que a
consciência seria externa a esse algo: ora, considerar a consciência
21
sujeito mas caiem naquilo que é a sua própria actividade
racional e são o resultado da actuação da ActividadeMundo sobre a Psique. Das interacções dessa realidade
com a Psique resulta a formação do percepto.
2. Crítica à coisa-em-si
A identificação da Físis com a ActividadeMundo consubstancia a sua rejeição da coisaem-si como objecto em sentido absoluto. Em
Cartas de Problemática - Carta nº 11,
António Sérgio esclarece a ideia: “Percebe-se
(...) que rejeito unicamente a tal coisa-em si,
o objecto alheio ao conhecimento, separado
do acto de inteligir; o objecto absoluto
incognoscível1.(...) Por outras palavras:
como exterior a um algo implica evidentemente o coisificar a
consciência o submeter a consciência a relações espaciais. Porém, a
consciência, é a actividade que coisifica as sensações (como se
mostrará mais avante) e que submete as sensações às relações
espaciais: e de aí o absurdo do coisificá-la a ela, do submetê-la a ela
às relações espaciais. Direi pois «o mundo» e não «o mundo
exterior».
1
O termo objecto está aqui tomado no seu sentido empírico,
grosseiro, de suporte material estável, independente do sujeito. A
realidade da Actividade-Mundo é, em termos absolutos,
incognoscível, e só pode ser percepcionada como o reconhecimento
do seu efeito no sujeito. A Psique aparece aqui aprisionada em si
mesma, já que o outro, em absoluto, não pode, a rigor, ser
conhecido. Os estímulos da Actividade-Mundo sobre o sujeito
22
sugiro (naquele tom de problemática, que foi
sempre em mim tão congénere) a hipótese de
que
«a
realidade
independente
do
conhecimento, que o condiciona» (e que eu
reconheço) seja por nós pensada como
actividade, como energia, e não como coisa...
A ciência precisa de acontecimentos mas não
de coisas...(...)
Proponho a hipótese de que a noção de
coisa só serve no nível percepcional da
mente, mas não no nível formal da ciência, da
reflexão filosófica, da metafísica. A pura
verdade é que a ideia de objecto me surge
correlativa da de sujeito, e portanto
insusceptível de absolutizar-se”1.
Esta recusa de Sérgio em aceitar a coisa-em-si não
pode ser entendida como uma rejeição da coisa-em-si
kantiana. O que vemos presente em Sérgio não é uma
recusa de uma realidade independente do sujeito e que
inter-age com as suas estruturas de conhecimento - como
se pode entender a coisa-em-si kantiana, porque isso
também está presente em Sérgio, - mas o que recusa
parece ser antes a noção macroscópica, grosseira e
empírica de coisa, chamando-lhe por vezes coisa-em-si,
resultam na produção do percepto, dado com o qual lidamos e que é
o nosso „objecto de conhecimento‟.
23
usando o mesmo termo mas não o mesmo conceito da
coisa-em-si kantiana.
Esta posição é mais compatível com uma
abordagem do problema do conhecimento muito próxima
das
abordagens
da
epistemologia
contemporânea,
nomeadamente da posição de Bachelard que ele próprio
cita na Carta de Problemática nº 10, como teremos
ocasião de demonstrar quando falarmos da constituição
do objecto de conhecimento.
3. A construção do percepto
O percepto aparece como o resultado da
aplicação activa (e criativa) da Psique sobre a ActividadeMundo2; numa resposta aos estímulos recebidos o
intelecto elege o percepto. Digo elege porque agrega
1
Cartas de Problemática, Carta nº 11, Janeiro de 1955, p. 2.
Na opinião de Manuel Ferreira Patrício este seria um traço herdado
dos neo-kantianos alemães de Marburgo e Baden. “A Lógica de
António Sérgio”( Julho-Dezembro 1987) Revista Portuguesa de
Filosofia, Tomo XLIV, fasc. 3-4, p. 267: “O terceiro ponto a pôr em
evidência é o radical idealismo gnosiológico de todos os
neokantianos alemães das escolas que aqui consideramos e do
português A. S.. Para todos, o conhecimento não é uma apreensão,
mas uma criação do objecto.”.
2
24
dentre múltiplos estímulos, “arbitrariamente”, diz Sérgio,
o percepto a que os faz corresponder. Cria o «objecto»
como instrumento de utilidade no domínio perceptivo,
sem que lhe corresponda, no entanto, um ente correlato
na Actividade-Mundo: “Parece-me que o «objecto», ao
nível da percepção, é uma configuração aparente em que
a Actividade se estrutura, e que ao nível formal (ou nível
científico) a palavra «objecto» (ou «substância») ou
«coisa» não tem uso legítimo1.
Vejamos ainda como Sérgio nos apresenta em
outro texto o mecanismo da formação dos perceptos:
“O universo é uma actividade constante, uma
cadeia de acções e de reacções. No seu
espectáculo, e para nosso uso, o dinamismo
operacional opera cortes, faz rasgões. Cada
rasgão é uma coisa. (...) As coisas portanto,
não são os conceitos de mestre Kant nem as
ideias de mestre Platão. As coisas são... as
coisas, quer dizer concretos objectos de
percepção,
que
nós
salientamos
arbitrariamente no continuo percepcional em
que eles se incluem, segundo o interesse que
nos guiar. Não, por exemplo, o «fundo-devaso» em geral (o conceito, a forma, a ideia)
e sim o fundo daquele vaso, que ali se vê,
1
Cartas de Problemática, Carta nº 10, Março de 1954, p. 6.
25
com o seu feitio e sua côr. Não a ideia mas o
percepto. Mas António Sérgio quis lembrar
(para que o entendessem mais para diante)
que essas coisas (um fundo de vaso, uma
bochecha de homem, um gineceu de flor) são
recortes, descontinuidades percepcionais,
operadas pela nossa mente na continuidade
indefinida do aparecer”1 (itálicos do autor)
Atentemos neste texto da “Resposta a um
Catedrático
de Direito” que acabámos
de citar.
Centremo-nos nas expressões em que nos parece que o
autor - embora formalmente não admita a existência do
objecto - trabalha muitas vezes na esfera do senso comum
e utiliza a referência ao objecto como ente material.
A utilização nesta explicação, em que pretende
esclarecer a sua posição teórica em tais matérias, de
expressões como “as coisas são... concretos objectos de
percepção” ou então “Não, por exemplo, o «fundo-devaso» em geral (o conceito, a forma, a ideia) e sim o
fundo daquele vaso”, faz-nos pôr em causa o verdadeiro
1
Ensaios VII, pp. 148-149.
26
valor sistémico desta asserção do objecto/percepto que
Sérgio parece esquecer tanta vez no plano prático1.
Parecendo
defender
uma
total
fluidez
da
Actividade-Mundo - de tal modo que os “rasgões” no
todo são introduzidos arbitrariamente pela Psique, diz construindo assim as agregações de sensações a que
chamamos coisas, o autor não explica cabalmente porque
razão tenho de agregar um determinado conjunto de
sensações sob determinada ideia e não sob outra. Se a
coisa-em-si não existe como objecto grosseiro, como se
justifica que os perceptos sejam aqueles e não outros?
Para esta pergunta há de facto uma tentativa de
resposta, no Prefácio aos Três Diálogos do Berkeley:
“(...) creio na espontaneidade criadora da mente,
que constrói na percepção e nas concepções
científicas, embora admitindo a existência de um
algo (de uma actividade, de um X, de um nómeno
qualquer que não é coisa-em-si, mas o limite do
trabalho relacionador do espírito), independente
da Psique de cada um de nós, que nos obriga a
1
Esta dificuldade sente-se também em todas as suas opções
pedagógicas: cabe perguntar como é que um idealista gnosiológico
que dá sobremaneira importância a Psique na construção do percepto
e, fatalmente, na construção da experiência, pode defender uma
doutrina pragmatista no que diz respeito ao papel fundamental que
teria a praxis na formação do intelecto? Voltaremos a este ponto ao
considerar a sua sintonia com Dewey.
27
interpretar os sinais que nos manda: limitando
esse
X,
seleccionando,
ajustando,
as
interpretações perceptivas, as congeminações dos
cientistas”1.
4.
Criatividade da Mente e Interesse: o seu
Papel na Construção do Real Conhecido
As descontinuidades introduzidas pela mente num
contínuo percepcional decorrem da pura criatividade da
Psique no acto de conhecer, mas são reguladas por um
limite externo, o “antes por excelência (...) a fronteira
última para além da qual é impossível avançar”2.
A noção de criatividade da mente em relação aos
perceptos deveria, para ser absolutamente conseguida,
diz António Pedro Mesquita, supor uma “precedência
cronológica ou ontológica do acto criador mental em
1
António Sérgio, Prefácio, Tratado do Conhecimento Humano e
Três Diálogos, de George Berkeley, INCM, Lisboa, 2000, p.102. De
agora em diante, Tratado do Conhecimento Humano e Três Diálogos
seguido da página.
2
António Pedro Mesquita, “O Mundo de António Sérgio” in: Revista
Portuguesa de Filosofia, XLVI Braga, 1991, p. 443. De agora em
diante “O Mundo de António Sérgio”, seguido da página.
28
relação ao que está no «devir imanente»”1. Mas não é isso
que acontece.
Em relação à precedência ontológica, o próprio
Sérgio
a
recusa2;
relativamente
à
precedência
cronológica, a haver seria da Actividade-Mundo, já que é
respondendo aos sinais que lhe vêm da ActividadeMundo que a Psique cria o percepto, “é na provocatória
actividade X que o conhecer realmente se inicia”3. Ou, se
quisermos dar igual relevo ao estímulo e à sua
interpretação, poderemos de facto achar que coincidem
no tempo, mas não mais que isso4.
A
Actividade-Mundo
e
a
Totalidade
dos
perceptos em síntese racional última, seriam „mundos‟
paralelos, em que o primeiro - a Actividade-Mundo - é o
pretexto para a criação do segundo, produto original da
Psique do homem.
1
António Pedro Mesquita, in: Prefácio, Notas sobre Antero, Cartas
de Problemática e Outros Textos, INCM, 2001, p. 50.
2
Cf. Ensaios II, p. 216.
3
Cf. António Pedro Mesquita, “O Mundo de António Sérgio”, p.
453.
4
A este propósito escreve António Pedro Mesquita em “O Mundo de
António Sérgio”, p. 443: “entre o estímulo sinal do Mundo, e o
sentir, interpretação desse sinal na consciência, não existe mais do
que uma coincidência cronológica, do que um recobrimento mútuo”.
29
Se é a razão que procede a „cortes‟, „rasgões‟ na
„continuidade indefinida do aparecer‟1 o que a leva a
recortar assim o real, que aparece aqui como contínuo ?
António Sérgio responde: o interesse. E não nos designa
o interesse como uma intencionalidade complexa que
justificasse de um modo fundamental a escolha, não,
trata-se do interesse no sentido corrente do termo:
“A palavra «interesse», ali, tem o seu sentido
muito corrente - o quotidiano, o trivialíssimo: o
que lhe atribui por feição imediata qualquer
estudante de psicologia(...) ora todos sabem que
no campo do percepcional recorta cada um coisas
diferentes (foca partes muito diversas), segundo
os interesses espirituais”2
Manuel Ferreira Patrício faz notar que em Sérgio:
“não há, pois - realmente -, coisas. Há apenas
«rasgões» talhados no corpo uno do Universo.
Porém, rasgões de ver e não de ser. As coisas não
são, apenas são vistas. O que determina o ver e o
visto é o interesse. (...). É, na verdade, uma faceta
bem pragmatista e - seríamos tentados a dizer... bergsoniana de A. S.. Há então dois Mundos: o
Universo como Actividade Constante, como Uno
de Actividade sem rasgões; e a visão do Universo
1
2
Cf. Ensaios VII, pp. 148-149.
Cf. Ensaios VII, pp. 150-151.
30
recortado, rasgado pela visão interessada dos
homens (...).É uma visão dualista à Bergson.”1
5. A actividade do Intelecto e os seus vários
níveis
No texto Educação e Filosofia estabelece a
destrinça entre Inteligência e Razão2. Diz António Sérgio
que, idênticas na sua essência, estas diferem pelo grau de
1
Manuel Ferreira Patrício, “A Lógica de António Sérgio”, Revista
Portuguesa de Filosofia, Tomo XLIV, fasc. 3-4, Julho-Dezembro
1987, p. 255.
2
Cf. Ensaios I, pp. 136 e 140: Este esclarecimento de Sérgio em
relação ao que entende pelos conceitos de intelecto e razão é muito
importante mas não pode considerar-se como decisivo, já que o
nosso autor não fixa os termos de uma vez e não lhes atribui sempre
o mesmo significado. A propósito deste tipo de indistinção no uso
dos termos, veja-se o próprio texto em que o autor pretende
distinguir Inteligência e Razão e no qual acaba por, a dado momento,
usar indiferentemente os dois conceitos como se de sinónimos se
tratasse. Veja-se ainda a este propósito o justíssimo reparo que lhe
faz António Braz Teixeira “Sobre a Noção de “Uno unificante” na
Filosofia de A. S.” Poiética do Mundo, Lisboa, Colibri, 2001, p. 370:
“A primeira dificuldade com que se defronta qualquer inquirição
sobre o conceito de razão do filósofo português advém de, neste
ponto, a terminologia por ele usada nem sempre se revestir da
precisão e do rigor que seriam de exigir num convicto apologista da
clareza e da racionalidade (...). Com efeito, na obra especulativa que
nos legou (...) mais de uma vez, usou o termo consciência tanto num
sentido psicológico como num sentido intelectual ou moral, como,
amiúde, empregou indistintamente, como se de sinónimos porventura
31
universalidade que alcançam. A Inteligência define-se
como o pendor, o instinto, que nos leva a estabelecer
relações de unidade nas percepções e representações
inventando as relações que as unem1. A Razão é
caracterizada pela mesma propensão para criar relações
harmónicas que tendam a estabelecer uma coerência e
unidade, mas não se limita às representações e estende-se
a toda a vida da mente: representações, actos,
sentimentos e vontade2.
A seu ver - ao contrário do que se tem admitido3 o papel central da actividade do intelecto não é abstrair
mas criar construtos que permitam sínteses cada vez mais
vastas, que unifiquem. Esta actividade formal do
se tratasse, os termos mente, Psique, intelecto, inteligência, espírito e
razão” .
1
Como faz notar António Braz Teixeira, este modo de definir a
actividade da inteligência mostra o carácter não exclusivamente
racional que esta tem em A. S.: “Assim, para Sérgio, a inteligência
parece corresponder ao que designa pelo “pendor” ou “instinto”,(...)
Conceito cuja definição claramente denuncia o que há de
intrinsecamente não racional ou pré-racional na actividade da
inteligência, tal como o filósofo a concebe”. Ibidem.
2
Cf. Ensaios I, p.136.
3
Poderá ser o contrário do que se tem comummente admitido, mas
não é propriamente uma novidade, já que este intelecto pode
comparar-se ao entendimento em Kant, entendimento cujo papel
fundamental era o de criar espontaneamente conceitos.
32
intelecto
deve
processar-se
num
esforço
de
desprendimento em relação aos dados do sensível, aos
construtos elaborados pelo plano percepcional.
A definição dos vários níveis da actividade
intelectual e dos diferentes graus de unificação que
procuram, é questionada na Carta de Problemática nº 3:
“(...) a principal problemática desta carta de hoje
- escreve - é a de se não convirá uma doutrina
básica, a saber: a de três níveis sucessivos no
funcionar do intelecto, ou sejam os seguintes: a)
o nível sensorial; b) o nível percepcional; c) o
nível formal, ou estritamente científico.”1
Ao primeiro nível corresponde a actividade da
criança nos primeiros tempos de vida, ou a nossa
actividade mental quando em estado de semi-sonolência.
A este nível não há objectos-de-percepção, há apenas
1
Veja-se ainda o esclarecimento que sobre estes três níveis apresenta
António Braz Teixeira: Cf. Cartas de Problemática, Carta nº 3,
Outubro de 1952, p.1 : “(...) na actividade do intelecto, caberia
distinguir três níveis, o sensorial, o percepcional e o formal. O
primeiro corresponderia à mente ou ao intelecto no seu nível mais
baixo, pois seria o domínio dos sentires, ao passo que, no segundo, a
partir daqueles, o intelecto construiria os objectos das percepções, e,
no terceiro e mais elevado, inventaria ou criaria as formas ou
construtos formais, com vista a, com base no postulado da unidade
universal, inteligir ou explicar os fenómenos do mundo das
percepções.” Estudo e Local citados.
33
sensações1. No nível das sensações não há ainda a
polarização da Psique em sujeito e objecto, este é o nível
mais elementar de captação do real, nível que António
Sérgio chama da pré-experiência.
O segundo nível, nível percepcional, aparece na
criança a partir do primeiro ano de vida. Nesta altura
começam a funcionar as relações categoriais objectoqualidade e unidade-e-multiplicidade. É também neste
momento que a mente aparece polarizada em eu e não-eu
e a criança tem a faculdade de construir o percepto2.
1
Cf. Cartas de Problemática, Carta nº 3, Outubro de 1952, p. 2. Este
nível seria, no estado adulto, substituído pelo nível das percepções.
Para a mente adulta estar perto da sensação é estar a mergulhar no
sono.
2
A posição António Sérgio lembra as teorias construtivistas da
psicologia de Piaget: Jean Piaget, L‟épistémologie génétique, PUF,
s.d. pp. 5-7 e 11-13: “O conhecimento não poderia ser concebido
como predeterminado, nem nas estruturas internas do sujeito, visto
que elas resultam de uma construção efectiva e contínua, nem nos
caracteres preexistentes do objecto, visto que eles não são
conhecidos senão graças à mediação necessária dessas estruturas que
os enriquecem enquadrando-os (...).Noutros termos, todo o
conhecimento comporta um aspecto de elaboração nova e o grande
problema da epistemologia é de conciliar esta criação de novidades
com o duplo facto de, no terreno formal, elas se acompanharem de
necessidade logo que elaboradas e, no plano do real, permitirem (e
são mesmo as únicas a permitir) a conquista da objectividade” No
mesmo texto, mais à frente : “(...) Se nos limitássemos às posições
clássicas (...), só nos restaria perguntar se toda a informação
cognitiva emana dos objectos e vem de fora informar o sujeito como
34
A relação categorial objecto-qualidade é válida
apenas ao nível da percepção e é dispensável ao nível da
intelecção formal. António Sérgio considera esta relação
categorial como a priori, pois, embora ela apareça só no
final do primeiro ano de vida, é „a condição do surgir do
percepto‟.
A ideia de „coisa‟ aparece - à semelhança de uma
categoria kantiana - como o suporte das qualidades
encontradas. Esta ideia, mercê de um acto judicativo, é
atribuída a uma sensação. O sentir é indistinto e é através
pensava o empirismo tradicional, ou se pelo contrário o sujeito está
desde o início munido de estruturas endógenas que ele imporia ao
objecto, conforme as diversas variedades de apriorismo ou inatismo.
(...) Ora as primeiras lições da análise psico-genética parecem
contradizer estes pressupostos. Por um lado o conhecimento não
procede nas suas origens nem de um sujeito consciente de si mesmo,
nem de um objecto já constituído (do ponto de vista do sujeito) que
se imporia a ele; ele resultaria de interacções que, produzindo-se a
meio caminho entre os dois, relevariam pois dos dois ao mesmo
tempo por causa de uma indiferenciação completa e não por trocas
entre formas distintas”.
Conscientes embora das diferenças entre os dois autores, sobretudo
pela recusa de António Sérgio do objecto prévio ao conhecimento e
pela afirmação de um a priori das estruturas, entendemos haver uma
proximidade entre o posicionamento de ambos já que o objecto em
Piaget carece de aperfeiçoamento - objectivação - por parte do
sujeito e o a priori de António Sérgio é apenas uma condição prévia
de inteligibilidade. Não queremos com isto encontrar influências de
um autor no outro, mas apenas sintonia de posições de António
Sérgio com o Construtivismo.
35
da actividade agregadora e arquitectónica do intelecto,
que lhe atribui as suas próprias relações categoriais, que
se obtém a sua unidade e distinção no objecto/percepto1.
António
Pedro
Mesquita
considera
que
a
passagem de um vocabulário categorial para um
vocabulário relacional com a utilização da expressão
relações categoriais é decisiva, porque ao colocar a
tónica na relação, define o traço fundamental do
momento perceptivo e da própria progressão no
conhecimento ou da faina integradora amplificante e
criadora que, segundo A. S., o caracteriza.
Continuando ainda com a análise de António
Pedro Mesquita, a formação do percepto assenta na
atribuição da «coisa» a um conjunto de qualidades
sensíveis e, no mesmo momento, a «coisa» é recriada
como o suporte das tais qualidades e é concebida como o
todo de que as qualidades são partes, deste modo o
1
Ensaios III, p. 224: “Que é o que existe? Que é o que é? - É aquilo
que deve percepcionar o espírito em virtude das leis da actividade
própria. A nossa afirmação de uma cousa qualquer é sempre afinal
uma criação do espírito, e pressupõe sempre a afirmação primária de
dever ser inteligível aquilo que é, - de que é pois a inteligência que
constitui as cousas”.
36
processo é circular e instaura o mundo como puramente
relacional1.
Os fenómenos do mundo das percepções são
unificados num nível superior sob a forma de constructos
formais. Chegámos ao nível que caracteriza o trabalho
científico,
o
qual
busca
alcançar
unificações
progressivamente mais amplas. O papel fundante do
saber científico - produto por excelência do nível formal
da actividade do intelecto - é o de proceder à livre criação
1
“O Mundo de António Sérgio” pp. 454-455: “Esse movimento é
marcado por uma releitura do conteúdo precedente à luz de uma
relação livre e espontaneamente criada pelo intelecto, de tal modo
que a dispersão inicial vem a ordenar-se sob uma estrutura
inteiramente racional. Através deste processo a Razão
simultaneamente recebe e supera o dado, reinventando-o. No caso da
percepção (...) a razão formula para si mesma um juízo inverso aos
estabelecidos pela lógica clássica, atribuindo uma substância à
multiplicidade dos sentires, de tal forma que os data sensoriais são
encarados como outras tantas qualidades de uma coisa imaginada, a
qual é agora o sujeito de que esses sentires são predicados. O
processo percepcional resolve-se assim num acto judicativo: o acto
em que a um conjunto de qualidades sensíveis é atribuída a «coisa»
de que essas qualidades são qualidades (...) o acto em que um sujeito
é construído sobre os seus atributos. Do mesmo modo e no mesmo
momento, é a «coisa», então inventada, entendida judicativamente
como causa das sensações que provoca - das suas «qualidades» - e
como o Todo de que tais qualidades são partes.
37
de formas “que unam intelectualmente as correlações
constatadas”1.
Neste nível cumpre distinguir duas espécies de
Formas: as Formas-entidades, de que são exemplo o
ponto material, o electrão, o fotão, e as Formasquantidades, que são Formas-mensuráveis, de que são
exemplo a massa, a posição e a velocidade, entre outras.
Estas Formas têm duas espécies de ligações: pela sua
origem encontram-se ligadas a “construtos percepcionais
e a sentires”2; pela sua natureza ligam-se entre si em
„círculos de sustentação recíproca, num sistema de
correlatividade dos construtos formais‟3.
Exactamente porque são possíveis estes círculos
de sustentação recíproca, muitas vezes ligando entre si
Formas de várias espécies - como a fórmula que permite
a ligação entre a massa e energia - a experiência vai
funcionar como um factor de reformulação retroactivo,
(...) Mais do que isso, como objectivo último do processo racional,
este derradeiro momento é já a própria universalização da relação, é
a já a própria descoberta do mundo como inteiramente relacional.”.
1
Cf.: Cartas de Problemática, Carta nº 3, Outubro de 1952, p. 7.
2
Cf.: Cartas de Problemática, Carta nº 3, Outubro de 1952, p. 4.
3
Cf.: Cartas de Problemática, Carta nº 3,Outubro de 1952, p. 4.
38
exigindo a „modificação das hipóteses‟1 à medida que
novas relações vão sendo descobertas2.
Considera o autor que as Formas não estão todas
no mesmo grau de perfeição (a que chama formosura,
muito à maneira platónica); o que define o seu grau de
perfeição é a sua aproximação maior ou menor aos
perceptos: quanto mais afastadas estão dos perceptos
mais perfeitas são as Formas porque mais se sustentam na
1
Cartas de Problemática, Carta nº 3, Outubro de 1952, p. 5: “De se
acharem as Formas em sustentação recíproca procede que nos
progressos do saber científico não existem apenas ramificações e
acrescentos, mas também remodelações de definições de início, de
princípios básicos. (...). À medida que se desenvolve a cadeia das
consequências, torna-se necessária a modificação das hipóteses. O
progresso do saber científico não se realiza apenas num só sentido,
como muito geralmente se tende a pensar, senão que sim nos dois:
para diante e para trás, aperfeiçoando o já feito”.
2
Estas relações são, mais uma vez, relações entre ideias. Como
António Sérgio diz nas suas “Notas de Política”, Ensaios III, p. 228:
„a experiência é um embate de ideias‟. Não parece no entanto, ser
este o sentido que lhe dá na Carta de Problemática nº 8, p. 2: “Chamo
«experimentação» à observação Verificatória, - seja ela, ou não,
provocada pelo cientista; quer dizer: à que tem por objecto verificar
se acontece (ou se não acontece) a novidade deduzida da hipótese
feita”. Aqui parece que estamos em presença de uma interpretação
dos dados da Físis. Afinal há um acontecer. Bem sabemos que estas
interpretações são ideias, mas ideias que estão sujeitas como diz
Prefácio, Tratado do Conhecimento Humano e Três Diálogos, de
George Berkeley, p. 102: “nómeno qualquer que não é coisa-em-si
mas o limite do trabalho relacionador do espírito), independente da
Psique de cada um de nós, que nos obriga a interpretar os sinais que
nos manda”.
39
relacionação inteligível, no logos, diz Sérgio. Destas
formas só as mais perfeitas merecem cabalmente o nome
de científicas, porque procedem a uma maior unificação
dos fenómenos e porque delas se podem deduzir outras
Formas explicativas das correlações entre fenómenos.
As Formas que apenas exprimem correlações
entre fenómenos são as que dependem mais de
verificação empírica e não merecem verdadeiramente o
nome
de
científicas,
porque
a
Forma
científica
propriamente dita é aquela que sustenta logicamente as
próprias correlações verificadas e de que estas se podem
deduzir.
6. A Actividade da Razão e o Postulado de um
Dever-Ser-Uno-Inteligível
É-nos dito que “Todo o objecto, seja ele qual for,
«está no pensamento como ideia», portanto, é um aspecto
parcial de um todo próximo, o qual é, por sua vez, um
aspecto parcial de um todo mais vasto - e assim
40
sucessivamente”1. O que é que preside e em que moldes
se processa a busca de unidade pela razão e a respectiva
construção dos sucessivos „todos‟? Ou a unidade é em si
mesma o racional? Se é, que entendimento há da razão
nos dois casos? A razão que busca a unidade e a razão
que é unidade são uma e a mesma2?
Vimos que haveria uma diferença de nível na
actuação do Intelecto e da Razão em relação ao grau de
Unidade que procuram. Uma vez considerada atrás a
actuação do intelecto, vejamos agora a actuação da razão.
Da Razão faz parte um conjunto de princípios que
se impõem ao conhecimento, como os princípios lógicos
de identidade, não-contradição e terceiro excluído e,
acrescenta
Sérgio:
„o
princípio
da
universal
inteligibilidade‟1: “achamos o universo inteligível porque
partimos do preconceito de que ele o é, filho do nosso
1
Cf. Ensaios VII, p. 209.
Há então uma outra razão que supera a razão especulativa, que é
dicotómica, é a Razão Total, Ensaios VII, p. 152: “Não saio do
espírito, não saio do psicológico, e digo assim: razão especulativa - é
a actividade ordenadora dos dados da representação (só do
representativo); razão total - é a ordenadora da totalidade dos factos
de consciência ( e não só, pois, do seu aspecto representativo; ordena
também os nossos impulsos, os nossos sentimentos, o nosso proceder
com os outros homens)”.
2
41
anseio de inteligibilidade, do nosso esforço para a
harmonia, da estrutura legalista da consciência, - de uma
espécie de «dever ser» inteligível, paralelo ao «dever ser»
moral”2. Trata-se, portanto, de um postulado que justifica
a busca de unidade quer ao nível do conhecimento quer
ao nível da vontade, desempenhando, tal como em Kant,
a função unificadora da Ideia. Mas, enquanto que em
Kant o princípio unificador postulado é diferente para a
ética e para a gnosiologia, em Sérgio trata-se de um só
princípio.
Toda a faina do intelecto e da Razão, todo o
esforço desenvolvido desde o nível percepcional ao nível
formal, obedecendo aos princípios incondicionais da
Razão, se processa com base no pressuposto de um
dever-ser-Uno que é, simultaneamente, um dever-serinteligível: “Na origem de todas as congeminações dos
sábios não estará o postulado do Dever-ser-Uno, - ou seja
o do Bem intelectual e moral? Não será a faina da
investigação científica a busca de unificações cada vez
1
2
Cf. Ensaios I, p. 137.
Cf. Ensaios I, p. 139.
42
mais
amplas?”1
Sérgio
responde
pela
positiva
considerando que este Bem procurado - e encontrado sob
a forma do dever-ser-inteligível - é simultaneamente
intelectual e moral, em rigor dever-se-ía falar de um
dever-ser-uno-inteligível. A Razão tem o papel de
estabelecer a unidade e alarga a sua actuação - para além
das percepções e representações - aos actos, aos
sentimentos e às vontades. Para além de unificar o que
sabemos, a Razão leva esta busca de unidade a afectar
tambem o que queremos, o que fazemos e o que sentimos.
É esta convicção que faz com que Sérgio entenda
que há uma mesma origem para a moral e para a ciência,
que ambas derivam do mesmo princípio de Unidade e
Inteligibilidade2. Diz mesmo que, na sua origem, a
própria ciência procura o bem e procura defender valores.
1
Cf.: Cartas de Problemática, Carta nº 3, Outubro de 1952, p. 4.
A moralidade consistiria na obediência à sociedade como Ideia,
concebida como verdadeira expressão da racionalidade do indivíduo
que o des-subjectiviza, obviamente. Cf. Ensaios I, p. 146.
Ensaios I, pp. 139-140: “Em primeiro lugar, o conhecimento não
nasceu de uma atitude de indiferença, de impassibilidade, perante um
mundo de existências puras e sem qualificações de valores; o homem
pensou e criou ciência para resolver dificuldades, defender valores
ameaçados” e também “o saber não pode fundar nem contrariar o
sentimento moral (...) por esta razão mais primitiva: ser a ciência
2
43
E, do mesmo modo que não há ciência definitiva,
também não há moral definitiva, o que há, diz, é o
trabalho científico e o trabalho de moralização1.
O princípio de Unidade e Inteligibilidade é um
postulado da Razão que unifica e que é, a um tempo,
teórica e prática. Mas, a rigor, onde ele é explicado e
utilizado primeiro é na razão teórica que, por sua vez,
tem um perfeito paralelo com o dever-ser moral.
Podemos perguntar, com o seu crítico António Braz
Teixeira, se é legítima esta utilização de uma categoria
normativa no plano teorético, quando esta é usada
sobretudo no plano ético e axiológico. Isso significaria,
como de resto já referimos, admitir um plano de Razão
que transcende, e responde, quer pelo plano teórico, quer
pelo plano prático2.
produto
da
mesma
tendência
[unificante,]
ordenadora,
[dessubjectivadora] que produz a moralidade”.
1
Cf. Idem, p. 139.
2
Vejamos a oportuna crítica que António Braz Teixeira faz à
utilização deste postulado nos domínios do conhecimento e da moral
em simultâneo e à sua coerência no interior do sistema sergiano em
“Sobre a Noção de “Uno unificante” na Filosofia de António
Sérgio”, p. 369: “(...) o postulado da inteligibilidade do mundo, que,
para Sérgio, era o pressuposto ou condição de possibilidade de todo
o conhecimento e toda a ciência e que teria como fundamento a ideia
de que mundo constituiria um “dever ser inteligível”, suscita, desde
44
Este „dever-ser-uno-inteligível‟ é um postulado da
Razão, é o „invariante‟ por excelência presente em todos
os nossos constructos, é o tal „limite absoluto do trabalho
intelectual‟1 que, em última análise, nos faz encontrar, ou
ir encontrando - já que as unificações vão sendo
progressivas e não se dão todas a um tempo - o mundo
conhecido.
O que nos desvela o mundo, e o ser desse mundo,
não é a Físis, que apenas nos dá o pretexto, - que nem
sequer é um reflexo dessa Físis na nossa mente2 - são as
logo, duas decisivas interrogações: a primeira é a de saber em que
medida é legítimo transpor para o plano do conhecimento uma
categoria normativa, própria do domínio ético e axiológico,
afirmando, assim, implicitamente, por um lado, uma unidade
essencial entre a razão teorética e a razão prática e, por outro, a
sujeição do eu e do não eu a uma categoria comum, contrariando a
dualidade subjacente à distinção primeira entre a consciência e a
Físis- actividade mundo; a segunda é a de saber como é que no
racionalismo intelectualista do filósofo português, é possível
articular, compatibilizar o conceito de razão ou de intelecto e a sua
sistemática e reiterada rejeição crítica, como formas de irracional, da
crença, da intuição, do sentimento ou da vontade (...) com aquele
postulado do mundo como “dever ser inteligível”, que, como
postulado, se apresentava ou se assumia como algo, em si não
susceptível de ser racionalmente fundado ou demonstrado ou de que
não era possível dar razão”.
1
Prefácio, Tratado do Conhecimento Humano e Três Diálogos, p.
102.
2
Ensaios II, p. 209: “O tema, rigorosamente é o seguinte: que as
ideias não são (em meu modesto parecer) «reflexos das coisas nos
45
relações invariantes que se nos impõem a partir da
inevitável aplicação do postulado do „dever-ser-unointeligível‟ que cunha toda a nossa actividade.
Mas conhecer o mundo é sujeitar-nos a progredir
na relação Físis-Razão sob a regra desse „dever-ser-unointeligível‟. O ser que descobrimos é, como já tínhamos
visto, sempre relacional, e é - como bem faz notar
António Pedro Mesquita - devir, porque, como já
referimos, não nos é dado de uma vez por todas1. Em
última análise, o que conhecemos é sempre o que nos é
dado inteligir da pura actividade da Físis, e este „que nos
é dado inteligir‟, está determinado pela Forma - ela sim
invariante - do „dever-ser-uno-inteligível‟. Contudo,
cérebros dos homens», mas sim criações do entendimento humano;”
ou Cartas de Problemática, Carta nº 10, Fevereiro de 1954, p. 7:
“Claro fica-vos um recurso: o da real gana de denominar «matéria»
aquilo a que eu chamo Actividade-Físis, com as tais
«potencialidades» de que se falou atrás. Adoptai pois esse nome;
porém, tendes de reconhecer que o que por ele dizeis é já agora um
algo inteiramente diverso do algo que até hoje se chamou «matéria»:
um algo novo e inteiramente diverso perante o qual é inválida a
noção de coisa, a noção de «objecto», e portanto insubsistente a
definição das ideias como «reflexos das coisas nos cérebros dos
homens».
1
“O Mundo de António Sérgio”, p. 459: “A realidade é devir, no
horizonte de uma lei racional que lhe aponta o seu dever-ser, sob a
condição de um perpétuo devir que eternamente a impede de advir
definitivamente ao ser”.
46
apenas sabemos, ou melhor, postulamos, que ela é
invariante porque a ela mesma não a conhecemos,
limitamo-nos a conhecer o resultado relacional da sua
aplicação, sempre parcelar, à Actividade-Mundo.
Há então neste postulado do dever-ser-unointeligível uma raíz de irracionalidade última - já que, ele
próprio, é indemonstrável e incógnito. Voltamos aqui à
crítica de António Braz Teixeira à utilização deste
postulado por Sérgio: como é que um autor que se
caracteriza a si próprio como racionalista e intelectualista
aceita tão facilmente a determinação de toda a actividade
racional por um postulado que - só aparentemente - é
racional? De facto, este princípio não se deixa pensar ou
justificar como tal -, como de resto faz parte da sua
natureza de postulado que se quer independente da
dilemática da própria razão.1
1
Esta crítica é também sustentada por outro dos seus intérpretes: “O
Mundo de António Sérgio”, p. 476: “No seu claro racionalismo há
lugar para demasiados irracionais e o seu afã de inteligibilidade
parece acomodar-se bem demais ao surpreendente número de coisas
que deixa por explicar. O racionalismo sergiano é, com efeito, como
uma ilha entre duas porções de mar: de um lado está a ActividadeMundo, enorme, incomensurável - e para sempre incognoscível; do
outro está uma fé, um instinto, uma «tendência indemonstrável» do
47
7. Conhecimento e Verdade
É impossível ao sujeito ir ao encontro de um
objecto - de algo que perante o sujeito se coloca - porque
não há objecto sem sujeito. O objecto é um correlato do
sujeito1. Como o “objecto-absoluto” não existe2, qualquer
figuração que possamos representar para nós desse
objecto, é um constructo, produto do nosso modo de
conhecer3 e apenas útil ao nível da percepção mas não ao
dever ser inteligível - dever-ser que estaca ao deparar na muralha
intransponível da Físis.”.
1
Cartas de Problemática, Carta nº 11, Janeiro de 1955, p. 2:
“Encaminhamo-nos, portanto, para a já citada hipótese: a de que a
ideia de objecto reclama a de sujeito; a de que de si o objecto é
relativo a um sujeito; a de que o objecto existe na trama do
conhecimento, graças ao acto do conhecimento. Percebe-se, portanto,
a rejeição «sergiana» do objecto absoluto da tal coisa-em-si. Por
outras palavras: a rejeição do absolutismo da coisa oposta, da coisa
resistente”.
2
Ibidem.
3
Tal como em Kant se justifica a novidade das formas a priori a
partir do equívoco provocado pela simultaneidade entre a recepção
das impressões sensíveis e o acordar das minhas formas a priori
também em Sérgio é a simultaneidade da minha percepção dos
efeitos da Actividade-Mundo sobre mim e a sua presença, que me
fazem confundir os efeitos com as causas e atribuir às causas o que
afinal pertence à ordem dos efeitos. Cf. Ensaios II, pp. 217-18.
48
nível formal. Aquilo de que o homem se apropria no seu
acto de conhecer é sempre uma realidade relacional1.
O encontro com o „objecto‟ está reduzido ao
encontro com uma imagem criada pelo eu a partir dos
dados da Físis, como atrás vimos. Sendo a realidade a
que se chega relacional, a rigor, nunca teremos o
encontro de um “eu absoluto” com um “objecto
absoluto”, aquilo que conhecemos é sempre a relação, e,
em última análise, é um reconhecimento de múltiplos
estados de consciência em que me dou conta das
múltiplas objectivações dos estímulos recebidos da Físis2.
1
“Sobre a Noção de „Uno unificante‟ na Filosofia de A. S.”, p. 367:
“Duas se afiguram ser as ideias fundamentais de que parte e em que
assenta o pensamento sergiano: Por um lado a da correlatividade do
sujeito e do objecto, do eu e do não-eu, que não podem ser um sem o
outro e só em função um do outro têm existência e sentido e o
paralelo reconhecimento da existência de uma realidade física, ou
Físis, independente da Psique ou da consciência; (...)”.
2
Veja-se o que a este propósito nos escreve António Pedro Mesquita
em “O Mundo de António Sérgio”, p. 443: “Toda a faina do
conhecimento decorrerá, pois, na permanente tensão entre estes dois
pólos: o Espírito procurando descobrir-se a si mesmo pela contínua
manifestação de si mesmo - que é contínua criação de uma realidade
cada vez mais universal; o incógnito obstáculo numa permanente
chamada de atenção para os sinais que envia, para os sinais que a
Razão será chamada a interpretar. Nesta medida, a tarefa da Razão
institui-se no incessante percorrer de dois movimentos opostos: o
movimento expansivo de posição do não-eu, de criação do objecto
conhecido; e o movimento intensivo de compreensão desse não-eu -
49
O conhecimento é conhecimento de si mesmo - enquanto
conhecimento das alterações produzidas na Psique pela
Realidade-Mundo - embora sob a forma de sucessivos
estados de consciência e, portanto, também sem a
evidência de um eu-absoluto; e, é, simultaneamente,
movimento de „criação‟ do Ser1.
O conhecimento é uma manifestação da mente
criadora
cuja
razão
conduz
na
busca
de
uma
2
progressivamente mais ampla unidade . Nesta asserção, a
que é afinal o movimento de remoção do obstáculo que impede a
plena transparência do eu a si mesmo, o movimento de aglutinação
desse não-eu pelo eu, através do qual este se afirma, não já como
sujeito sensorial e empírico, mas como um eu dessubjectivado, «pura
unidade de actividade pensante, ilimitada, livre»”.
1
“O Mundo de António Sérgio”, p. 443: “Assim se anuncia já aquela
natural subordinação da ontologia à gnosiologia que permeia toda a
filosofia sergiana e que se mantém de fio a pavio como a
determinação fundamental da sua ontologia. Na verdade, não só há
aqui lugar para um on desinserido da gnosis que o constitui como tal,
quanto a própria questão que pergunta pelo ser desse on vem a
reduzir-se necessariamente a uma indagação pelo seu fundamento
cognitivo, i. e., vem a reduzir-se a uma pesquisa pelas estruturas
objectivantes do conhecer, enquanto estas são responsáveis pela
constituição do ente qua ente. Deste modo, a gnosiologia surge aqui
como a verdadeira ontologia, como a «ontologia fundamental», pois
que lhe cabe acompanhar transcendentalmente o processo de
constituição dos entes e do mundo que os entes são”.
2
Ensaios VII, p. 209: “Um objecto, ao que tenho suposto, é sempre
um objecto do pensamento, criado no pensar e pelo pensar, com o
50
noção de conhecimento como adequação do intelecto à
coisa, cai por terra: “Vamos sempre de ideia para ideia; a
verdade, portanto, não é o acordo da ideia com a coisa
(porque não há o absoluto da dita «coisa»): é uma
harmonia progressiva de ideias”1. Noutro texto temos
mais uma referência a este processo:
“O intelecto divide o Todo-Uno em cousas, e
essas cousas em cousas, até onde quer. Por mais
que caminhem em direcção às «cousas», as
nossas ideias só encontram ideias, e por isso a
experiência é um embate de ideias: o das ideias
confusas com as ideias nítidas. [De onde vem a
«verdade» de uma proposição? - Do confronto
dela com um sistema de outras, para ver se é
compatível ou incompatível com estas: não do
confronto com uma realidade «externa», com um
dado absoluto, com uma «cousa» em si. Como
critério da verdade da ideia, a básica noção de
coerência lógica substitui a correspondência com
um dado puro.]”2
conhecimento e pelo conhecimento; quando digo «objecto», por
conseguinte, não digo uma coisa inteiramente dada fora e
independente do nosso pensar. Todo o objecto, seja ele qual for,
«está no pensamento como ideia», portanto, é um aspecto parcial de
um todo próximo, o qual é, por sua vez, um aspecto parcial de um
todo mais vasto - e assim sucessivamente. Repito: um objecto é
sempre do pensamento; é sempre, afinal, um tecido de ideias, é, por
isso mesmo, a «parcial representação» de qualquer outro objecto - de
qualquer outro objecto de pensamento actos criadores da inteligência
que são momentos da inteligência”.
1
Ensaios VII, p. 209-210.
2
Ensaios III, p. 228.
51
Podemos, perante este texto, perguntar-nos, o que é
que serve de fiel para o estabelecimento do critério de
quais são as ideias confusas e quais não são. A resposta
de Sérgio seria: „a Razão‟, à qual atribui um papel de
vigilante atento ao processo da sua própria manifestação.
8. O Uno Unificante e o seu Significado
Tudo o que até agora vimos a propósito da teoria
gnosiológica de António Sérgio nos fala de uma Psique
que, perante os estímulos que lhe chegam da Físis, e
segundo o seu interesse, cria perceptos, operando
„rasgões‟ no real. Num real que é pura actividade, uno,
dinâmico, e, na sua riqueza e amplidão, incognoscível, a
razão procura sínteses unificadoras e integradoras,
criando o mundo conhecido a partir do caos dos
estímulos da Físis. A busca da mais perfeita unidade, e a
fé, a crença, de que o real é inteligível, são as traves
mestras de toda a construção racional em Sérgio.
O nosso autor não se questiona a propósito das
reais competências da razão. A verdade, colocada sempre
52
como essa „harmonia progressiva de ideias‟1, está
inequivocamente ao alcance da razão2. Esta razão é,
estranhamente, aproblemática. Note-se que o que
António Sérgio espera da sua razão é muito mais do que
aquilo que, tradicionalmente, à razão se atribui como
competência. Não se trata aqui da criação de conceitos ou
da elaboração de juízos, trata-se da „criação‟ da própria
verdade.
Como já largamente referimos, o processo do
conhecimento supõe um eu empírico, que atende aos
estímulos da Físis e que os interpreta, construindo assim
o percepto e produzindo as ideias segundo os ditames de
princípio da Razão. Estes ditames têm a mesma origem
quer se trate da actividade científica quer se trate da
1
Ensaios VII, p. 210.
É verdade que ao escolher permanecer encerrado na razão, com
uma fé inabalável na harmonia progressivamente mais perfeita que a
razão alcança, António Sérgio não chama erro ao eventual desacerto
em relação ao real. A eficácia científica que é o tal fiel de aferição do
acerto entre o homem e a Físis, ou melhor, os seus fracassos,
permitem uma reformulação das ideias integradoras e portanto uma
confiante aproximação ao real. Ensaios II, pp. 240-241: “as ideias
das ciências, formais e reais, foram livres criações do intelecto
humano (que entraram para o corpo das ciências da Físis depois de
contrasteadas pela experimentação rigorosa). (...) As ideias são livres
criações do espírito; e, apesar de o serem, descrevem a realidade
deste nosso mundo.”
2
53
moral. Ambas as actividades são orientadas por um
princípio de dever-ser, anterior à experiência e regulador
da mesma, o qual, no caso da moral, é um dever-ser ético,
e no caso da ciência, um dever-ser inteligível.
Em múltiplos exemplos apresentados a propósito
do valor da actividade científica, António Sérgio deixa
claro que a ciência constitui o grau mais elevado do
conhecimento humano. O homem cria obra científica
sempre que se des-subjectiva, sempre que ultrapassa o
seu confinamento psicológico e que - contra as
evidências do senso-comum - constrói o saber - porque
ascende à racionalidade - e acede ao nível do eu
espiritual:
“A actividade conhecente (a do cientista) não a
identifico tal com o sujeito psicológico, com o
mero eu instintivo, com o simples eu empírico.
Suponho-a um eu espiritual; quer dizer: que trata
de des-subjectivar o seu pensamento, de
transcender o imediato, a pura aparência sensível.
Cumpre distinguir (para bem perceber o que eu
digo) entre o eu espiritual, que é o criador da
ciência (e para quem o-sujeito-que-se-opõe-ao
objecto se nivela, digamos, com este mesmo
objecto) e o eu não espiritual que se opõe ao
objecto. Para o eu espiritual, o eu psicológico
figura de objecto, e opera-se aí uma ascensão de
nível: a subida desde o eu meramente psicológico
54
para o eu des-subjectivante, espiritual, cientista,
para o eu da consciência intelectual1 do homem, para o que faz a ciência, para o que gera a
moralidade”2.
A propósito da fundação da moral António Sérgio
dirá, no Volume I dos Ensaios, que, se reflectirmos sobre
o que nos faz classificar os actos de morais ou imorais, a
partir de uma investigação empírica, veremos que esta
classificação é determinada pela relação que esses actos
têm com os outros indivíduos, ou, simplesmente, com a
ideia do outro. Se, por absurdo, imaginássemos os actos
de um homem sem o relacionarmos com o outro - quer se
trate de Deus, de outros homens ou de animais - não
encontraríamos, diz Sérgio, razão para a qualificação de
uma acção como moral. Esta terá sido a conclusão a que
chegaram os sociólogos.
1
Veja-se aqui mais um dos casos de utilização livre de linguagem: o
nosso autor refere-se agora à „consciência intelectual‟, como se este
intelecto fosse sinónimo da Razão, no sentido de Razão unificante.
2
Cartas de Problemática, Carta nº 11, Janeiro de 1955, p. 3.
55
Mas, dada a dificuldade em definir o que seja a
sociedade em termos empíricos, e o proveito que
tiraríamos de semelhante ilação1, conclui Sérgio que:
“a lei humana (...) foi concentrada e expressa em
algumas consciências individuais, as mais
luminosas, as mais altas” e isto significaria
apenas que não é a humanidade em termos
empíricos que define o que é moral e que a
moralidade tem origem “[(...) na humanidade,]
mas [entendida agora em compreensão, definida
pela faculdade de se elevar ao Espírito, e portanto
no carácter de universalidade] nas necessidades
estruturais da consciência [intelectual (não da
sensível)] de cada homem?”. Só assim se
explicaria a divergência, tanta vez verificada,
entre a moralidade e a sociedade empírica2.
À pergunta sobre qual seria o critério que me
permitiria distinguir os ideais morais, Sérgio responde: „é
a Razão‟, ou seja o grau em que os juízos expressam uma
verdadeira ordem espiritual. Para reconhecer então os
verdadeiros juízos morais é fundamental averiguar se está
presente uma atitude objectiva na consciência que os
1
Ensaios I, p. 144: “Qual é a sociedade que me dá a moral? É a
sociedade do sindicato? a do bairro? a do clube? ou a do Estado? - É
a da Humanidade, concluireis. Qual Humanidade? Mas como e onde
vou saber o que exige de mim a real Humanidade?”.
2
Ensaios I, p. 145.
56
exprime. Que entende Sérgio por isto? é a atitude “[pela
qual considera o seu próprio indivíduo (o seu ser
empírico, biológico) como do mesmo valor que qualquer
outro indivíduo]”1.
A moral consiste assim na obediência a uma
sociedade não empírica mas ideal, „como Ideia‟2, como
verdadeira expressão da Razão. Também no plano moral
a proposta de Sérgio vai no sentido de se suplantar os
interesses subjectivos do eu sensível para que o homem
se coloque na senda do Uno, da transcensão dos seus
confinamentos interesseiros, para uma atitude generosa
de alcance Universal, sendo isso entendido sempre como
a melhor realização da Razão em mim.
Como adiante veremos, em matéria de pedagogia,
António Sérgio falará repetidamente na necessidade de
ultrapassar o individual, de aceder ao Universal, de
realizar esse Universal em nós. É esse o mais radical
objectivo da sua pedagogia.
O eu cresce a imitar os modelos e, por processos
de mimesis, apreende do meio aquilo de que necessita
1
2
Ensaios I, p. 145.
Ensaios I, p. 146.
57
para se desenvolver. O pedagogo não pode mudar nem o
eu
do
educando,
nem
as
suas
potencialidades,
transformando-os em algo de diferente do que esse eu é,
mas pode - e é essa a sua função - retirar-lhe o que lhe
pode ser nocivo para propiciar o seu melhor crescimento,
exactamente como faz o jardineiro com a planta. O que é
que conduz o pedagogo nesta tarefa de descortinar o que
faz falta ao discípulo? ou, qual é o âmago do propósito
educativo? António Sérgio responde: “Educar significa
(...)
favorecer
o
crescimento
da
capacidade
de
racionalização, de espiritualização, de universalização, de
superação dos limites vários que confinam o indivíduo
numa pátria ou grupo, numa localidade ou época”1
Quando perguntado sobre quem selecciona os
procedimentos que devem ser imitados - recordemos que
o eu se desenvolve pela imitação de modelos que elege
no meio - responde:
“«Quem é que selecciona os procedimentos que
devem ser imitados?» - pergunta ainda V. Exa..
Pois quem há-de ser? Respondo sempre que é a
Razão. Selecciona entre dois procedimentos, o
que permite realizar uma mais vasta unidade
(aliás é também este, quanto a mim, o critério da
1
Ensaios I, p. 160.
58
razão teórica, ou científica, ambas buscando a
unidade e dessubjectivação do pensamento)”1
Na faina de compreender, e de decidir, temos
então um eu e um não-eu a operarem num mesmo plano.
Por essa razão, não poderia o eu reconhecer-se como
„oposto‟ ao não-eu. A consciência que temos disso supõe
um outro nível de Ser, a existência de um outro-eu, que
autonomamente conduz o processo.
O eu empírico é pensado ao mesmo tempo que é
pensado o objecto, ora isso exige uma consciência
separada de ambos, que a ambos perspectiva, e que julga
a actuação do eu empírico2. A possibilidade de superação
da dicotomia consiste numa anterioridade ontológica de
um “Eu primário, um Eu básico e puro. (...) É o Acto -
1
Ensaios VII, p.155. Observe-se, pelo texto que acabámos de citar,
que não é só ao nível da pedagogia que esta Razão dessubjectivante
tem importância, mas, como já vimos, também ao nível científico.
2
“Sobre a Noção de “Uno unificante” na Filosofia de António
Sérgio”, pp. 372-3: “Este é o eu originário e absoluto, que se situa
no universal e determina toda a relação, e sendo supra-individual, é
descoberto pela reflexão em cada um de nós como princípio de
unidade do nosso ser e do mundo, da nossa pessoa e dos outros, que
permite que o nosso individual eu empírico se coloque em relação
recíproca com os restantes eus empíricos. Assim a atitude científica e
a atitude moral consistem ambas numa mesma tentativa da superação
59
digamos - anterior a toda a distinção entre o eu e o nãoeu, que posiciona ao mesmo tempo sujeito e o objecto.
Este eu originário é o Eu absoluto, que no universal se
situa...”1.
A. S. expressa esta realidade através do conceito
de „Uno unificante‟ superador da dicotomia eu-objecto,
produzida pelo eu empírico na sua relação com a Físis2:
“(...) a Razão, é a Unidade unificadora3 - a qual incluindo
em si as duas ideias (a do eu e a do outro-eu), tende a
do eu empírico e de conversão para o eu originário, para o espírito,
para o universal, para o uno”.
1
António Sérgio, Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e
outros textos filosóficos, I.N.C.M., Lisboa, 2001, p. 274. Daqui em
diante: Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos
filosóficos, seguido da página.
2
Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos
filosóficos, p. 274: “A rota da consciência intelectual do homem,
criadora de objectos. Ora, quando esta consciência está criando um
objecto, pensa ao mesmo tempo no seu próprio eu como sendo o
contrapólo do mesmo objecto pensado. Ora, que eu será este, a que
se opõe o objecto, e que o objecto limita? É o nosso eu empírico”.
3
“Sobre a Noção de “Uno unificante” na Filosofia de António
Sérgio”, p. 366: “Se bem que a expressão Uno unificante surja num
período já relativamente tardio da actividade especulativa de A. S.,
mais precisamente, na década de 40, pode dizer-se, no entanto, que a
noção que designa é algo que estava já contido no pensamento do
filósofo português desde o momento em que, abandonado ou
superado o conceito dominante ou exclusivamente psicológico da
consciência que presidira às suas primeiras investigações, (...) o
pensador logrou alcançar dela uma noção transcendental e passar a
situar-se no plano gnosiológico e epistemológico”.
60
juntá-las num todo-uno onde elas se encontram em
relação recíproca assim como é próprio da sua função”1.
A Razão é, neste seu pendor unificante, “o Eu absoluto,
que se eleva acima do eu empírico, posto por ela em
igualdade com o outro-eu”2.
Chegámos aqui ao ponto donde tudo parte e para
onde tudo tende. O Uno unificante funciona, a um tempo,
como a causa primeira e a causa final. E qual é a relação
do eu empírico, subjectivo e individual, com este eu
originário e absoluto? António Sérgio responde:
“O Ser-Acto, por conseguinte, é o Eu espiritual,
originário, puro, de que são degradações - ou
prefigurações longínquas - as consciências
individuais de cada um de nós”3 ou ainda “a
Razão, sendo a busca do Universal ( da Unidade
em tudo) constitui a manifestação do Universal
no indivíduo - a manifestação daquilo que no
indivíduo não é individual”4.
Esta noção de Uno unificante é a expressão da sua
ideia de Deus:
1
Ensaios VII, p. 155.
Ibidem.
3
Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos
filosóficos, p. 274.
4
Ensaios VII, p. 157.
2
61
“se Moisés viu Deus (como quer a Bíblia) de face
a face, Jesus contemplou-o de espírito a espírito, que é a própria maneira de que o racionalista o vê
(sic): como princípio de unidade, como lei
interna, como imanente à inteligência e à
consciência do homem, como foco do pensar
universal e objectivo, como cúpula de um edifício
puramente mental”1.
António Sérgio vê Deus como imanente à
consciência, rejeitando qualquer forma de transcendência.
O modo como o homem poderá encontrar a Deus é num
movimento centrípeto, procurando-o na sua consciência2.
Este seu „cogito‟ divinizado não o livra do fechamento
que caracteriza o seu sistema e que tanta vez lhe dá a
fragilidade de um discurso solipsista.
José Marinho coloca a propósito desta realidade,
do „Uno unificante‟, a pergunta que urge fazer: porquê a
expressão adjectivada do uno? Em Uno diz-se o mesmo
que unificante ou diz-se outro3? No entender de José
1
Ensaios VI, p. 193.
Cf. Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos
filosóficos, pp. 280, 282- 283.
3
A opção de António Sérgio pela expressão Uno unificante pode
justificar-se como um esforço para acrescentar ao sujeito a
actividade, como acontece tantas vezes com a designação, sempre
precária, do Divino. Dizer que o Uno é agente, é diferente de
designar apenas o Uno, sem mais.
2
62
Marinho o que essa expressão revela é um problema não
apenas sergiano1. A designação usada por Sérgio para o
absoluto é expressão de um problema de determinada
filosofia portuguesa, e europeia mesmo, que não se dá
conta que o uno está realmente presente em toda a
meditação humana e que reduzir essa experiência, sempre
originária, do pensar, a modelos interpretativos de um
linguajar sobre o essencial, de um modo estritamente
dialéctico, como fez Sérgio, é não ter verdadeiramente
escutado o Logos e não ter compreendido e vivido de um
modo unitivo essa participação.
1
Em nota de pé de página diz-nos José Marinho em Verdade,
Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo,
Porto, Lello & Irmão, 1976, p. 205, nota: “O que se designa como
«uno», «único absoluto», «único necessário», é algo passado ou é o
que permanece, embora por vezes implícito, em toda a reflexão e,
mais profundamente do que isso, em toda a meditação humana? Na
crise presente das formas clássicas da filosofia como já também das
mais recentes que a essas se substituíram como se nelas a
humanidade pudesse confiadamente repousar, neo-lógicas,
dialécticas e fenomenológicas, ressurge o enigma inelutável. Eis o
que Eugen Fink, um dos fenomenólogos responsáveis
contemporâneos, no fim de um seu significativo testemunho, que de
novo transcrevemos diz assim: «Mesmo quando o pensamento
especulativo possa parecer ao entendimento comum mera invenção
arbitrária, em toda a verdade ele não é mais que o acto de escutar o
LOGOS e a palavra em acordo e concórdia com tal acto, segundo o
fragmento de Heraclito: «Se escutaste não eu, mas o logos, é de boa
sabedoria pores-te de acordo sobre isto: tudo é uno».
63
Tentar apropriar-se de uma experiência essencial
de pensar o uno, ao nível da razão dialéctica, é
porventura ter ficado à porta dessa experiência de ser, é,
desgraçadamente, vislumbrá-la ao longe e inviabilizar por
completo a vivência dela, à força de sobre ela discorrer.
Talvez possamos usar também aqui um dos aforismos de
Heraclito: “A natureza gosta de se esconder”(D 123).
Mas, se tudo é verdadeiramente Uno, também a
experiência de Sérgio participou do Uno, talvez apesar de
Sérgio.
64
CAPÍTULO II
CONCEITO E FINS DA EDUCAÇÃO
1. Origem da Educação
As origens da educação remontam à Grécia
Antiga. Cingindo-se à tradição ocidental, António Sérgio
atribui esta criação não a Sócrates - a quem depois vai
reconhecer ter criado a verdadeira pedagogia - mas,
estranhamente,
perturbadores
aos
dos
sofistas1,
valores
que
ele
tradicionais
vê
como
entendidos
inadequados à nova realidade ateniense. É num
movimento de antítese em relação a estes valores,
aparece a pedagogia, ligada sobretudo à actuação dos
Sofistas.
Estes filósofos foram também os primeiros
professores2. Sérgio considera que foram uns mestres
1
Embora a dado momento fale da pedagogia anterior ao
aparecimento dos Sofistas, e ficamos então a conhecer que afinal já
existia pedagogia antes, continua a ser aos Sofistas que António
Sérgio atribui a criação da pedagogia. Cfr. Ensaios I, pp. 134-135.
2
Ensaios I, p. 134: “E não foram os Sofistas os primeiros mestres de
instrução superior, um corpo docente no rigor do termo, por um lado,
e por outro lado, os iniciadores do pensamento filosófico?”.
65
„anárquicos‟ que teriam resultado “por fermentação
espontânea” da própria decrepitude da sociedade
ateniense1. Num movimento extremado que contrariou a
rigidez dos princípios atenienses, surgiu a proposta dos
Sofistas de considerar o sujeito individual como medida
de todas as coisas2. O momento, mais perfeito e mais
completo, surgiu com a filosofia socrática, superadora da
sofística, que trouxe como verdade radical e definitiva
que o homem só é a medida de todas as coisas quando
atinge o nível da Razão Universal nele presente, pois é
esta Razão Universal que vincula todos a uma mesma
sociedade ou comunidade também universal: é que há um
1
“ O anarquismo destes mestres era o resultado de uma fermentação
- necessária, espontânea, - que fizera alargar, rebentar, todos os
vínculos sociais; e dela, não dos Sofistas, provinha a tendência de
não conformismo (...)” Ibidem.
2
“Quando as normas da sociedade - e portanto a velha pedagogia aparecerem obsoletas, inevitavelmente se concluirá que é o homem
individual, e não essas normas que se desmoronam, a verdadeira
«medida de todas as coisas». Mas qual homem, qual indivíduo,
constitui essa medida de todas as coisas? Cada uma de nós em
particular, com os seus caprichos e preconceitos, as suas opiniões
acidentais e os seus sentimentos de ocasião? Sim diziam os Sofistas;”
Ibidem.
66
único Pensamento cujo parto é comum a todos os
homens1.
A ideia de que há que descobrir a Razão Universal
que irmana e identifica todos os homens, referida por
Sérgio muitas vezes ao longo dos seus textos, foi, a um
tempo, fundante da filosofia e da pedagogia, e assim se
entende que desde então filosofia e pedagogia andem
juntas.
Tal como no tempo em que surgiu a pedagogia foi
necessária a descoberta de um princípio unificador de
todo o conhecimento e de toda a produção humana,
também hoje é urgente a descoberta de uma orientação
segundo esse mesmo princípio universalizante, entendido
como factor civilizacional, unificador e verdadeiramente
humanizante da sociedade.
1
Ensaios I, p. 135: “A existência deste vínculo demonstrava-a
Sócrates a todos os homens - de qualquer classe que fossem eles, de
qualquer terra, de qualquer idade, - submetendo-os à maiêutica ou
processo pedagógico, que constitui ao mesmo tempo o método
essencial da filosofia. Se para aprenderdes o que eu já sei me basta
incitar-vos ao pensar correcto, e a dardes à luz o que em vós se
oculta (tal é método do pedagogo) é que o vosso pensar, quando
coerente, se identifica com o meu pensar; é que recorrendo à
inteligência todos obtemos os mesmos partos; é que há um único
Pensamento, o qual é comum a todos os homens: é que participamos
todos os homens de uma mesma Inteligência [universal}”.
67
Hoje, como ontem, a pedagogia é fundamental
como fermento do progresso da humanidade, progresso
que se considera ser não essencialmente material, embora
se reconheça que o progresso material tem alguma
importância para permitir o progresso da consciência na
história e que não é dado de uma vez por todas, mas é
antes evolução e devir.1
2. O que significa educar?
“Educar significa (...) favorecer o crescimento da
capacidade de racionalização, de espiritualização, de
universalização, de superação dos limites vários que
confinam o indivíduo (...)”2. Se este é o objectivo da
educação, ele só é possível porque a realidade, toda ela, é
plástica e relacional. Educar não seria possível se cada
um de nós fosse um ser acabado, cristalizado,
1
Ensaios I, p. 142: “A Razão não nos faculta um esquema invariável:
é uma tendência ordenadora; é [uma tecedora de relações recíprocas,}
uma estratégia unificatriz, [que surge} no movimento continuado de
um dinamismo qualitativo, e a educação, portanto, tende realmente
para o infinito”.
2
Cfr. Ensaios I, p. 160.
68
definitivamente fechado, para sempre dado e sem
qualquer possibilidade de transformação.
Num dos textos que vamos seguir de perto no
desenvolvimento desta questão, Educação e Filosofia,
António Sérgio explica a possibilidade da pedagogia
partindo da caracterização de uma qualquer realidade
viva. Para merecer ser assim considerada, é necessário
que uma realidade se apresente como permeável ao
exterior; não há vida estática - seria isto uma contradição
nos termos - onde há vida há, de certeza, abertura ao
meio, há permutas com o meio; a realidade, desde que
concebida como sujeito de alguma acção, é sempre
relacional1.
1
Corremos aqui um risco: o de não termos indivíduos isoláveis mas
apenas o todo, o de nenhuma das realidades ser individualizável e
estarmos sempre em presença de realidades relacionais. Talvez seja
esta a realidade que acabamos por ter em António Sérgio - veja-se o
que a este propósito diz Manuel Patrício, “A Ética de António
Sérgio”, Revista Portuguesa de Filosofia, 48 (1992) p. 229 (De
agora em diante: “A Ética de António Sérgio” seguida da página):
“Um substancialismo radical e rígido é, evidentemente, incapaz de
dar conta dos existentes e do Existente. O mesmo acontece, no
entanto, com um anti-substancialismo (um relacionalismo) radical. O
activismo integral de António Sérgio é um anti-substancialismo
radical. Nenhum existente é «uma coisa rígida», mas nenhum
existente é também apenas «uma actividade em evolução contínua»”.
69
Para António Sérgio esta abertura não implica a
diluição do sujeito, fala antes de uma polaridade no
sujeito em que um dos pólos é a consciência de si, e o
outro pólo é constituído pelo outro assumido em mim,
como outro-de-mim1. O sujeito aprende e transforma-se
porque nele há um antes e um porvir, e o presente é uma
tensão dinâmica do antes para o porvir. O porvir é o
modelo, o outro de mim, que me chama à realização mais
perfeita de mim mesmo e que pela mimesis eu busco
alcançar.
Cada um cresce por imitação de vários outros, de
sucessivos eus2 -já que cada vez que assumo o outro o
converto num eu. Qualquer imagem que o eu adopta fá-lo
1
Ensaios I, p. 155: “(...) as pessoas, para a criança, passam a ser
também eus, a possuir subjectividade. Marca isto o advento de uma
consciência já completa, que nos aparece polarizada: eu-ele; - e
começamos projecções ininterruptas destes dois pólos entre si: a
estrutura do eu cresce por imitação de vários eles, de vários outros; a
noção de cada ele é construída e vitalizada com o sentimento do eu
próprio. A criança poderia dizer, se filosofasse do que nela se passa,
que vive «fazendo-se um para ser outro, fazendo-se outro para ser
um», frase de Camões que me sugere estes versos, também:
transforma-se o amador na cousa amada por virtude do muito
imaginar, (afirmação de um vaivém criador do intelecto)”.
2
Ensaios I, p. 156: “Ambos: o outro e o eu são duas atitudes do
mesmo espírito (são momentos inseparáveis da dialéctica do seu
pensar). penso o outro, começo a ser outro; e o eu está cheio,
digamos assim, de deposições de vários outros”.
70
para nela se transmutar. Qual é então o motor íntimo da
transformação? O desejo. O desejo do que me falta1:
“Diversos aspectos do pólo outro, - as diferentes ideias
dos vários indivíduos que possuíam as qualidades e
faculdades que o eu desejava para si próprio, e que logrou
adquirir - caminhando para o outro - pelas veredas da
imitação”2
A mimesis, como imitação do modelo, é o mais
importante
instrumento
de
desenvolvimento
da
aprendizagem e mesmo de toda a vida psíquica: “a nós
parece-nos que a imitação deve ser antes considerada o
mais importante instrumento do desenvolver da vida
psíquica, - do processo de relações psíquicas que é a
realidade social”3.
O homem tem um comportamento imitativo que
deriva também da simples necessidade de identidade com
os outros homens, da necessidade de participar de uma
1
Mas como sabe o eu o que lhe falta? Faltar-me-á de um modo
essencial florir? Com certeza que me falta, mas é de tal modo outro
que eu não sinto o facto de não florir como uma falta pessoal. Só se
sente a falta do que faz parte já do meu horizonte de possibilidades
antecipadamente.
2
Cfr. Ensaios I, p. 157.
3
Ibidem.
71
comunidade e esse aspecto da imitação não é o menos
importante. António Sérgio admite mesmo que é uma das
formas mais difundidas de imitação. A imitação funciona
como um sinal exterior do dinamismo do eu e do seu
desejo de aceitação. Imita-se para participar de uma
determinada realidade, a imitação é o meio que permite
essa participação. Nesta vontade de participar, nesta
sedução pela comunhão, deve fundar-se todo o trabalho
do educador1.
A criança, por excelência educável, pela imensa
potência de ser que representa, elege como modelos os
que lhe são próximos: o pai, a mãe, os educadores. A
atitude destes representa mais do que eles mesmos,
representa a lei, e por isso, são responsáveis pela imitação
do modelo que representam, sempre que as circunstâncias
1
Ao falar do fenómeno “moda” diz em Ensaios I, p. 158: “(...) O
facto básico, portanto, não é aí a imitação, como pretendem aqueles
psicólogos (refere-se a Tarde e Baldwin): é a tendência a participar
num intercâmbio de vida psíquica (, da qual a imitação vem a ser um
meio). Nessa tendência deve estribar-se todo o trabalho do educador
(, educando pela cooperação). (O texto em itálico é nosso).
72
o requeiram1. A educação é assim sempre moral e é dada
pelo exemplo da lei incarnada2.
O sujeito moral assumido pelo pai, pela mãe, pelo
educador em geral, transcende estes mesmos seres
concretos, embora esteja neles representado. O processo
da mimesis não funciona apenas no sentido do aprendiz
para o educador mas também no sentido deste último
para o modelo que representa. Este eu moral, desejável,
amável sobretudo, é um eu de unidade, porque transcende
os sujeitos, obedecendo a um modelo racional, cuja
imitação tende a estabelecer uma “feição racional na vida
comum”3.
1
Ensaios I, p. 158: “São os do pai, os da mãe, os de quem a trata(...)
aquele mesmo que mostrou à criança o procedimento recomendável
deve imitar-se a si próprio quando as circunstâncias se repetirem.(...)
existe algures um Eu-Ideia, cujas acções são uma lei: e a lei por sua
vez, só ganha vida e arrasta as almas quando se traduz em
personalidade, quando se revela em eu moral”. O Eu-Ideia a que se
refere A. S., é talvez o modelo moral, ideal, que nos impele pelo
desejo que dele temos, como causa final, a procurar atingi-lo. Referese também ao racional modelar que igualmente nos transcende.
2
Toda a pedagogia sergiana aponta para um modelo realizativo: não
chega nunca dar o conceito se este permanecer vazio, é preciso dar o
exemplo. Daí a importância fundamental que vai ter a Escola do
Trabalho.
3
Ensaios I, p. 158.
73
A metamorfose do sujeito, operada na educação, é
metamorfose do espírito - onde radica a sua verdadeira
essência e a sua possibilidade de autonomia: “A posse da
ideia (contanto que seja a verdadeira posse, uma ideia
que se assimilou e que não só passou) significa uma
modificação da nossa „alma‟, e o procedimento de acordo
com a dita ideia”1.
Educar é “não deixar secar a argila”2, acenar com
ideais que os educandos adoptem como seus - e que
sejam também do educador, posto que a melhor forma de
educar é o exemplo - e que os levem a aspirar a outros
mais
elevados.
Educar
requer
descristalização,
plasticidade, para quem educa e para quem é educado, já
que o processo é especular3.
1
Esclarecimentos e Interrogações de um Idealista I, in: Seara Nova,
Ano 13, nº 410, 1934, p. 23. Há nesta concepção de aprendizagem
influência platónica: a um percurso gnosiológico corresponde um
percurso ontológico correlativo, se assim não for, não houve
verdadeira aprendizagem.
2
Sobre a Educação Primária e Infantil, Cadernos Culturais
Inquérito, Lisboa, 2ª ed. s/d. p. 15. A metáfora da argila plástica
significa apenas que é necessário manter a plasticidade e preservar
essa mobilidade, já que em outros textos como a Paideia, Ensaios
VII, p. 219, diz: “ a criança não é uma coisa, não é uma matéria, não
é um barro, que nós modelamos como nos der na gana (...)”.
3
Ensaios I, p. 160: “Procurai o educador no varão educável (no de
espírito moço) e o homem bem educado no que tomou fome de
74
Há em todo o esforço educativo a prossecução de
um ideal harmónico a atingir e a busca dessa harmonia
far-se-á em cada momento na acção. Como o todo é vivo
e também ele em movimento, a harmonia precisa de ser
constantemente tentada, buscada, ajustada e o processo
educativo é um processo indefinidamente aberto1.
A receptividade do educando não é absoluta e
indeterminada. Há potencialidades próprias no sujeito2,
uma identidade, um tipo pré-determinado3; é a partir
educar-se (, de manter-se jovem)” e Ensaios I, p. 159: “De tudo isto
se conclui que a escola, para ser realmente educadora (dos jovens),
deve ser de actividades sociais que possibilitem ao educando as
atitudes complementares de mestre e de discípulo, de imitador e de
imitado, pelas quais se realiza, como vimos, o crescimento da
individualidade (...)”.
1
Ensaios VII, p. 219: “Libertação; esforço espontâneo. Isto é:
movimento, acto; marcha progressiva para a liberdade; avanço
indefinido para o eu racional, para a dessubjectivação da consciência,
para a vida unitiva...”.
2
Ensaios II, p. 178: “Cada criança é um dado organismo (físico e
intelectual ao mesmo tempo) de que não é factível a pessoa alguma, e
por simples processos de educação mental, o tirar efeitos persistentes
fora dos limites que são ditados pela própria natureza desse
organismo”.
3
Ensaios II, pp. 179-180: “A «inteligência», a «capacidade de
observação», a «virtude», etc., são praticamente consideradas pelos
«curiosos» da pedagogia como espécies de faculdades «livres»,
intensificáveis indefinidamente pelos processos de educação mental.
Não será inútil lembrar agora que tal suposição é uma quimera. Não
há professor, por melhor que seja, que crie nos alunos inteligência,
nem novos dotes de observação, nem outras intrínsecas faculdades. O
75
desta base que trabalha o educador e a sua função mais
importante, e aquela que melhor se lhe adequa, é
identificar que tipo de pessoa é o seu aluno, de modo a
poder propiciar-lhe o ambiente que mais convém ao seu
desenvolvimento1.
Apenas nesse horizonte de possibilidades será
frutuosa a educação. Não adianta tentar modificar a
natureza do indivíduo, esse seria um procedimento
votado ao fracasso. O papel da educação é identificar as
potencialidades dos educandos para as desenvolver até ao
limite máximo. A actividade do educador é comparável à
mestre ensina, sim, a tirar partido do que já se tem, - isto é, das
virtualidades do nosso organismo; nesse campo, leva-nos a adquirir
atitudes de espírito, ideais de acção, processos úteis, hábitos bons, - e
nada mais.
(...) há especializações inatas da inteligência, da memória, da
observação, há tendências inatas para a direcção do interesse. As
virtualidades de que resultam um bom químico, um bom orador, um
bom diplomata, (um bom músico,) um bom matemático, etc.,etc., são
intransformáveis entre si.”.
1
Ensaios II, pp. 178 e 180: “De aí o esperar-se do educador o que o
educador não pode dar; de aí, por outro lado, o de não se lembrarem
de lhe pedir o que está realmente no seu poder.(...) O que era
possível em muitos casos era descobrir bastante cedo as
especializações inatas de cada um, dar-lhes o alimento conveniente,
tirar-lhes do caminho os obstáculos inúteis, e dizer-lhes desde logo a
direcção a tomar. É arte semelhante à do jardineiro. O jardineiro não
desenvolve a planta (esta é que se desenvolve pela força própria);
76
do jardineiro que não muda a natureza da planta de que
cuida nem pode acrescentar nada às suas possibilidades,
mas pode e deve eliminar os obstáculos nocivos ao seu
desenvolvimento
e
fornecer-lhe
o
alimento
mais
adequado.
Ao falar em trabalho educativo pode incorrer-se
no erro de pensar que este é um esforço empreendedor,
mas não é assim: o trabalho educativo é, sobretudo, um
esforço pela negativa: um „agir não agindo‟1, uma
“pedagogia negativa”2. Não se trata de desenvolver no
educando esta ou aquela virtude, trata-se de conhecê-lo e
propiciar o desenvolvimento das virtudes em potência
que
fazem
parte
da
sua
natureza
concreta.
Espontaneamente, saberão elas recolher do meio tudo o
que lhes faz falta para se desenvolverem da melhor
maneira. O pedagogo, qual jardineiro, apenas lá está para
estabelece porém as condições favoráveis (positivas e negativas) no
ambiente [Particular] em que a planta vive”.
1
Ensaios VII, p. 218: “ Não é a educação - repito - uma coisa que
damos aos educandos: é o desenvolvimento de tudo o que de bom já
tragam, e a que sómente cumpre desembaraçar a estrada, provocando-os, em suma a que se levantem de dentro”.
2
Ensaios II, p. 181: “Não fazer mal: esta pedagogia de abstenção, ou
negativa, é muito mais importante e complicada, do que a princípio
poderão julgar”.
77
afastar os obstáculos ou propiciar o enriquecimento do
meio para que, na abundância, recolha o aluno o que faz
falta ao seu crescimento1.
Ao intervir, o professor deverá acautelar-se para
não ser tentado a sobre-avaliar o seu papel e as suas
possibilidades, embora não possa dispensar-se, nem
minimizar-se. A sua tarefa é uma tarefa difícil porque
subtil. O desenvolvimento do que já está em germe num
ser humano é propiciado no respeito total da sua
liberdade, entendida esta como manifestação espontânea
das necessidades do organismo, tanto físicas quanto
espirituais. Há em cada indivíduo um «eu essencial» a
que cumpre dar toda a liberdade para que se desenvolva e
manifeste.
Este «eu essencial» „sabe‟ do que carece para se
desenvolver, é uma natureza tão física e tão prédeterminada quanto qualquer organismo vivo, que não
poderá transmutar-se noutro de espécie distinta, ainda
1
A visão que António Sérgio tem do papel desempenhado pelo
pedagogo está na raiz da sua escolha do método Montessori para o
ensino Infantil e Primário. De facto, como à frente referiremos, este
método é totalmente não dirigista e estriba-se numa empenhada
contenção por parte do professor no que diz respeito a correcção do
trabalho do aluno.
78
que queira. Estão assim pré-determinadas não só
características
físicas
mas
também
morais
e de
temperamento1.
A. S. preconiza, em teoria2, uma pedagogia da
diferença: cada ser humano, diferente de outro, deve
desenvolver-se e ser estimulado nessa diferença. A
educação individual deve aproximar-se o mais possível
do ideal de permitir desenvolver em cada um a sua
singularidade para que com isso ganhe o todo3.
1
Há um traço de fisicalismo nesta concepção determinista do
humano como se observa em Ensaios II, p. 178: “Ao falar em tais
limites, não só aludimos à quantidade, por assim dizer, mas à
qualidade: não só se não pode pela acção mental, transformar um
estúpido em inteligente, um meditativo num activo, um débil em um
forte, mas também se não faz, outrossim, de um individuo inteligente
outra espécie de inteligente, de um bom outro bom, de um génio
outro génio(...). Se pudéssemos observar com perfeita ciência o
organismo físico de um dado homem, desde a conformação do seu
encéfalo até os produtos de secreção interna, poderíamos conhecer o
condicionamento físico da sua actividade como ser anímico, e dizer,
consequentemente, as possibilidades de acção social do indivíduo
que se examinou. «La force et la faiblesse de l‟esprit» diz La
Rochefoucauld, «sont mal nommées; elles ne sont, en effet, que le
bon ou le mauvais fonctionnement des organes du corps»”.
2
Na realidade, poderemos encontrar lacunas, mesmo fracassos, na
aplicação deste ideal pedagógico, a partir do que entrevemos ser a
prática pedagógica presente nas suas propostas concretas.
3
Ensaios II, p. 177: “Interpretaremos isto, porventura, como
abstenção de encaminhar os jovens? - Pelo contrário. Significará, na
minha doutrina, impelir cada um dos nossos alunos para a sua
maneira de servir o próximo. - Puro egoísmo, direis ainda. - De modo
79
O que, em suma, se pede à educação é que
fortaleça o individual para que cada vez mais participe do
Universal. Será isto uma contradição nos termos?
Segundo o nosso autor não o é: a educação é, justamente,
o desenvolver no indivíduo, segundo a sua própria
natureza, o seu maior expoente de racionalidade, o que o
conformará mais perfeitamente ao geral1.
Esta
claramente
perspectiva
inspirada
no
da
educação
significado
parece-nos
socrático
da
pedagogia. Parteiro, no dizer de Sócrates, jardineiro, no
dizer de Sérgio, o papel do professor é, em qualquer dos
casos, fazer desabrochar, dar à luz, todas as qualidades já
presentes no indivíduo.
Também poderíamos encontrar aqui traços do
Émile, de Rousseau: no indivíduo está uma natureza
perfeita que apenas aguarda a maturação para se
manifestar, quanto menos a corromperem - é apenas
algum: é conservando-se no seu caminho ( no papel, na profissão, na
ética para que a natureza o destinou) que cada um é mais útil à
revolução social”.
1
Ensaios I, p. 160: “Educar significa, como dissemos, favorecer o
crescimento da capacidade de racionalização, de espiritualização, de
universalização, de superação dos limites vários que confinam o
indivíduo numa pátria ou grupo”.
80
nestes termos que é visto o contacto com a sociedade em
geral - melhor. Esta aproximação não deve, contudo,
fazer esquecer as diferenças: contrariamente a Rousseau,
na concepção de A. S., o meio não tem por força que
corromper e a natureza não é por força perfeita.
Há, por outro lado, em Sérgio um traço
aristocrático no entendimento da sociedade, composta de
vários tipos sociais, hierarquizados, cujos papéis estariam
bem definidos e cuja ordenação era um factor de
realização e justiça relativamente a cada um dos tipos
sociais biologicamente determinados1. Aqui voltamos a
1
Esta sua posição é contestada por Rogério Fernandes como muito
conservadora e algo incoerente com outras posições de crítica
relativamente ao parasitismo da classe dominante, A Pedagogia
Portuguesa Contemporânea, Instituto de Cultura Portuguesa,
Biblioteca Breve, 1979, p. 70. (De agora em diante A Pedagogia
Portuguesa Contemporânea, seguida do nº de página): “Teoria
actualmente contestada, pelo seu carácter conservador, nela
assentaria supostamente, a organização hierárquica da sociedade e a
sua divisão em classes sociais. Estas não derivariam da infraestrutura
material da sociedade, do modo de produção, pelo menos nas idades
essenciais e em condições de saúde normal, mas, sim, das diferenças
de dotes inatos de cada um, pelo que nos cumpriria aceitá-las. Em
contradição com tudo o que afirmara sobre o parasitismo das classes
possidentes no nosso país e sobre o seu poder, Sérgio não andaria
longe de pregar a resignação ao carácter pseudo-inelutável da
desigualdade entre os homens”. Mas a posição sergiana pode
entender-se de outro modo: pelo facto de pensar que a sociedade tem
uma classe dominante parasita não quer dizer que não reconheça que
81
encontrar, claramente, uma influência platónica, de resto
assumida1, na concepção da sociedade, que enquadraria e
definiria os vários tipos de educação necessários.
3. Pedagogia da Acção, Autonomia dos Sujeitos
e a Escola do Trabalho
Toda a pedagogia sergiana privilegia a acção. No
fazer há uma dinâmica que produz um efeito mimético da
exterioridade para a interioridade: a prática é educadora
da mente, não há ensinamento seguro se não provier do
exercício prático. Esta convicção está ligada, por sua vez,
ao seu próprio entendimento do que significa inteligir
uma realidade: isso só é possível no diálogo constante
com as dificuldades decorrentes do seu exercício.
A prática pedagógica deve sempre estimular o
estudante a fazer o percurso intelectual dos vários
momentos de perplexidade e crise experimentados pela
a classe dominante é necessária e que possa ser outra com outro
comportamento. De resto António Sérgio fala justamente da
necessidade de preparar verdadeiras elites. Cfr. Ensaios VII, p. 230.
1
Cfr. Ensaios I, p. 135 e Cartas de Problemática, Carta nº 3,
Outubro de 1952, p. 8.
82
Ciência, momentos de problematização e criação
intelectual. Só é possível a clara compreensão de uma
inovação ou da solução de um problema se houver a
percepção da dificuldade que lhe deu origem. Trata-se de
recriar intelectualmente o percurso de questionamento e
problematização que foi feito para que o aluno intelija a
dificuldade e a clarificação trazida pela solução
descoberta1.
O caminho do pensar e da criação científica é o
caminho da problematização e da verificação pela
experiência, é o caminho do teste feito à hipótese de
1
Cartas de Problemática, Carta nº 9, Julho de 1953, p. 4: “Creio
pois indispensável, pelo que aí fica dito (refere-se à experiência de
Torricelli) apresentar a teoria do horror ao vácuo, - de que na
generalidade dos compêndios não achei menção; de onde procede
que o aluno não poderá bem entender, neste caso concreto da pressão
atmosférica, o mecanismo psicológico do progredir teorético, os
ressortes do método experimental dos cientistas: porque lhe falta a
ideia da dificuldade encontrada, à qual cabe o papel de excitar o
espanto e a pesquisa. Ora, suponho necessário que o estudante
entenda, não só os resultados da investigação científica (isto é, as
doutrinas já feitas sobre os fenómenos físicos, as que são hoje
adoptadas, quando existe uma doutrina universalmente adoptada)
mas o próprio caminho porque se a elas chegou; e não só o processo
da evolução da ciência, mas também a maneira como o intelecto
actua na sua faina aventurosa de avançar no saber”.
83
solução do problema1. É neste caminho que devem ser
iniciados os alunos, o que lhes dará a possibilidade da
experiência das dificuldades e os fará perceber melhor e
interiorizar os percursos intelectuais que conduziram às
descobertas e as próprias descobertas2.
Neste aspecto manifesta António Sérgio uma
grande preocupação pelo verdadeiro desenvolvimento do
espírito do educando, numa tentativa de estimular a sua
curiosidade intelectual e de manter vivo o seu interesse,
formando o seu espírito no entusiasmo pela descoberta3.
1
Ibidem: “Cumpre acentuá-lo: a chamada «experiência» do Torricelli
foi afinal um procedimento que visou contrastear (provar, aquilatar,
submeter a exame) a consequência que deduzira da sua hipótese; foi
propriamente uma «experimentação» científica, isto é: uma
observação com o fito de contrastear a hipótese («contrastear», quer
dizer: avaliar, aquilatar, submeter a prova, para verificar se é
legítimo, - como se faz para os metais e para as pedras preciosas)”.
2
Sobre a Educação Primária e Infantil, Editorial Inquérito, Lisboa,
2ª ed., p. 71 (De agora em diante Sobre a Educação Primária e
Infantil, seguida da página): “O bom método pedagógico é o da
marcha lógica regressiva, ou da descoberta, que vai do concreto para
o construto formal, do facto observado para as relações que o regem,
dos efeitos para o conjunto das suas causas, das consequências para
os seus princípios, dos fenómenos para as suas leis. (...)”.
3
Cartas de Problemática, Carta nº 9, Julho de 1953, p. 6: “Comecese a lição pela impostação de um problema; mostre-se o sábio
perante a dificuldade do problema, -com as suas belas audácias, as
suas esperanças fúlgidas, as suas rudes provações, as suas pelejas
tristes; introduza-se o saber no quadro geral da vida; abula-se do
liceu a tecnologia pura, a compartimentagem estanque; ponha-se em
84
O ideal de educação que preside a este esforço de
encaminhamento dos alunos pela experiência da própria
perplexidade, que, em inevitável percurso da razão
humana, conduz à problematização e à formação da
hipótese tendente a resolver a dificuldade, é o de
promover a autonomia dos sujeitos.
Receber uma informação já feita e acabada mata a
criatividade, a curiosidade, o espírito inquieto que deve
caracterizar aquele que aprende. O saber é sempre
construído e sempre ao arrepio dos dados sensíveis,
contra o „saber‟ da experiência sensível1.
Promover
a
autonomia dos sujeitos é, a este nível, estimular a criação
(e re-criação) intelectual. Deve estimular-se nos sujeitos a
criatividade,
o
sentido
crítico,
a
capacidade
de
problematizar, pois só assim se educa para a autonomia
mental e se promove a emancipação dos indivíduos2.
relevo a relacionação inteligível não só quanto à matéria a que a
investigação se aplica mas também quanto ao processo que a
inteligência segue para chegar à efectiva compreensão das coisas”.
1
A. Sérgio cita a este propósito Gaston Bachelard numa passagem da
Filosofia do Não que sublinha esta necessidade. Cfr. Idem, p. 3.
2
Idem, p. 6: “Decidamo-nos finalmente a treinar os moços para a
autonomia mental e para a autonomia cívica, confiando aos rapazes a
governação da escola e iniciando-os na faina da criação mental.
85
Ao promover a autonomia, os pedagogos têm que
procurar também formar bons cidadãos1. Estas duas
vertentes de uma mesma acção pedagógica são como as
duas faces de uma mesma moeda: não é possível ser um
bom membro da sociedade, com uma atenção ao outro
verdadeira e quotidianamente assumida, se não se for, ao
mesmo tempo, alguém que, como homem, desenvolveu
todas as suas potencialidades, a sua singularidade e
diferença.
Promover os sujeitos intelectualmente tem por
finalidade promover toda uma sociedade. A ponte feita
entre a promoção individual dos sujeitos e a sua
intervenção na sociedade é garantida pelo respeito (e
culto) do trabalho como redentor do homem, instrumento
de dignificação e de socialização por excelência2
Disse-o o Padre Didon: a educação é a arte de emancipar os homens.
Emancipar pela problemática”.
1
Sobre a Educação Primária e Infantil, p. 47: “Cumpre às escolas
complementares dirigir a atenção da juventude para o bem da
comunidade, não pelo cultivo isolado do intelecto, por teorias ou
pregações, mas através de perspectivas de melhoramento nas
condições de vida do discípulo e na orgânica geral da sociedade, - e
antes de tudo pelo treino eficiente da profissão a que se dedica”.
2
Idem, p. 46: “Todo o trabalho profissional implica, quando
devidamente esmiuçado, com o círculo inteiro dos conhecimentos, e
mostra a cultura transmitindo-se de geração a geração, como
86
O facto de a pedagogia de António Sérgio assentar
na ideia de que se deve dar prioridade à acção, reflecte-se
nas estratégias educativas propostas para o plano prático,
na opção muitas vezes reiterada da chamada Escola do
Trabalho1. Este modelo pedagógico recebe-o Sérgio de
John Dewey e de um seu seguidor europeu, o alemão
Georg Kerschensteiner2 e será objecto de um tratamento
mais desenvolvido no próximo capítulo.
resultado de uma faina humana. (...) Tal deve ser, constantemente, o
procedimento de quem ensina: prolongar aos confins do Universo,
tanto no espaço como no tempo, todos os gestos do trabalho
humano”.
1
Ensaios I, p. 161: “Como ao trabalho andam ligados os nossos
deveres essenciais, podemos exprimir-nos por esta forma. organizar a
escola futura por comunidades de trabalho, e segundo a ideia de uma
economia justa”.
2
António Sérgio bebe no modelo americano do learning by doing,
aprender fazendo. A pedagogia é prática realizativa, não pode viver
apenas do que se houve do professor ou lê nos livros. Requer
trabalho e o trabalho manual, os actos concretos, ensinam muito mais
do que a lição livresca. Dewey na América e o alemão Georg
Kerschensteiner (1854-1932), na Europa - este último influenciado
em larga medida por Dewey - foram os criadores e impulsionadores
da chamada „escola do trabalho‟ ou „escola activa‟. Em Munique
surgiram as primeiras escolas da Europa com esta orientação. Este
movimento teve a atenção de António Sérgio e a figura e doutrina de
Kerschensteiner teve sobre ele grande influência. É na linha
democrático-pragmática de Dewey, e na social-cívica de
Kerschensteiner e Ferrière, que se encontram as raízes das
concepções pedagógicas de Sérgio. Cfr. Joaquim Montezuma de
Carvalho, António Sérgio a Obra e o Homem, Arcádia, Lisboa, Julho
de 1979, p. 309, (de agora em diante António Sérgio a Obra e o
87
Com o objectivo de corrigir a desordem reinante
na produção e a predominância de atitudes de “estadismo
ou costume de recorrer ao Estado para ele tratar da nossa
vida”; “Bacharelismo, ou educação pela palavra e pelo
livro” e “burocratismo ou fome universal do emprego
público e correlativa incapacidade de ganhar a vida
independente”1, deveria a educação - a começar pela
escola primária - desliteratar-se, “dando ao trabalho
manual o lugar devido (que é o maior), e fazendo tender
todos os esforços para a actividade produtora”2.
Homem, seguido da página). Também Sérgio Campos Matos dirá em
“Diálogos de Doutrina Democrática” in Revista de História das
Ideias, Instituto de História das Ideias - Faculdade de Letras,
Coimbra 1983, pp. 547-8: “Pela importância que atribui à educação
do povo, à instrução primária, pelos métodos que propõe de
participação activa do aluno, de self-government escolar, Sérgio
enquadra-se na corrente da pedagogia liberal em que o pedagogo
norte-americano John Dewey não terá deixado de exercer notável
influência. Por outro lado o projecto de criação de uma instrução
primária superior - com o objectivo de formar quadros intermédios,
dotando-os de uma cultura geral e de uma especialidade técnica - não
é estranho o conhecimento das chamadas escolas de continuação
alemãs, criadas por Kerschensteiner.”.
1
António Sérgio, Considerações Histórico-Pedagógicas, Porto,
Renascença Portuguesa, 1915, p. 51, (de agora em diante
Considerações Histórico-Pedagógicas, seguido da página).
2
Considerações Histórico-Pedagógicas, p. 51. Falámos atrás na
influência de John Dewey no pensamento de Sérgio vejamos o que
dizia Dewey a propósito dos trabalhos manuais em The School and
Society, The University of Chicago Press, Chicago, Illinois, USA,
88
A pedagogia pelo trabalho seria essencial à
sociedade portuguesa, porque seria um modo de
regenerar a sua mentalidade, formando-a na valorização
do trabalho e da produção. Ainda que importado, o
modelo
da
„Escola
do
Trabalho‟
adequa-se-nos
perfeitamente, uma vez que se encontram múltiplas
razões, nos vícios que apresenta a nossa sociedade, para
justificar este modelo pedagógico. Sendo o modelo que
se afigura mais adequado para garantir o nosso
desenvolvimento económico1. Começa por ser uma
21st Impression, 1965, p. 19: “In educational terms, this means that
these occupations in the school shall not be mere practical devices or
modes of routine employment, the gaining of better technical skill as
cooks, seam-stresses, or carpenters, but active centres of scientific
insight into natural materials and processes, points of departure
whence children shall be led out into a realization of the historic
development of man”.
1
“Pela Pedagogia do Trabalho” in: A Águia, nº 27, pp. 95-96, vol V,
2ª Série, Porto, Renascença Portuguesa Janeiro a Junho de 1914 (e
agora em diante: Águia, seguida do nº e da página): “Nós,
portugueses, fixados num tipo social obsoleto por longuíssimos anos
de educação depredadora e de isolamento sistemático, apresentamos
o acabado exemplo de uma sociedade cuja estrutura guerreira não
conseguiu ainda adaptar-se ao ambiente industrial da moderna
civilização. O tratamento cumpre por isso que seja intenso, e que
actuem concordemente o esforço do economista e o esforço do
educador. (...) A causa e a consequência de tudo isto é a nossa
ignorância do trabalho, possibilitada por condições históricas
especialíssimas; - e o que se deduz desta verdade histórica é que a
89
pedagogia de realidade que há-de converter a nossa
sociedade de dispersa e divergente do essencial, em
sociedade empenhada, concentrada no que mais importa,
ajustada ao desenvolvimento económico do resto da
Europa. A. S. critica o modo como actua a pedagogia
vigente que não prepara para o trabalho:
“até nova ordem, ensinemos que os verdadeiros
instrumentos de conquista são a charrua, o tear, o
capital, e que um território só é nosso quando
nele, muitíssimo mais que funcionários e
soldados, há trabalhadores nacionais”1.
O autor vê no parasitismo que grassava na
sociedade portuguesa um fardo que a todos interessava
alijar. Uma educação que não se limitasse a produzir
indivíduos falhos de iniciativa e incapazes de pensar, e
que contrariasse este vício da aspiração a funcionário
público como preocupação central dos que vão à escola,
era fundamental para operar a mudança pacífica e
profunda da sociedade que alterasse as mentalidades.
Para a concretização do objectivo de fazer com
que a sociedade portuguesa se preparasse para o futuro,
nossa futura pedagogia deverá ser, essencialmente uma pedagogia
do trabalho e da organização social do trabalho”.
90
era então vital transformar a educação, que se mantinha
nos mesmos moldes há mais de um século, e que, por
isso mesmo, não era a adequada para preparar os jovens
para a sociedade que o desenvolvimento científico
reclamava2. A opção pelo trabalho é aquela que - em seu
entender - contraria de modo estrutural o vício do
parasitismo e da desatenção à verdadeira produção de
riqueza, o que, por vicissititudes históricas várias, entre
elas a expansão colonial, se arreigou ao nosso modo de
ser.
Há nesta escolha da pedagogia do trabalho, um
outro objectivo, agora de índole social3: diz Sérgio, a
1
Considerações Histórico Pedagógicas, p. 53.
Ibidem: “Trabalho, método, preserverança, iniciativa: como se vê
não figura nesta inumeração a memória. A memória não desloca no
universo um grão de areia: e no entanto (...) é ainda a única faculdade
que se cultiva nas nossas aulas, (...) Discurso do professor e leitura
do compêndio devem entrar em mínima dose no processo educativo.
Sejam simples auxiliares do trabalho principal, quer dizer dos
exercícios práticos e manuais, do estudo particular (que cada aluno
deve fazer individualmente e por si próprio) de problemas concretos
e determinados, - no laboratório, na oficina, no horto escolar”.
3
No prefácio à tradução portuguesa de Transformemos a Escola de
La Ferrière, citado por Rogério Fernandes A Pedagogia Portuguesa
Contemporânea, p. 71, diz: “Dois grandes objectivos incumbem à
escola do futuro: um deles, a anulação progressiva dos antagonismos
sociais, e a instauração da sociedade justa, pela Escola Única do
2
91
dado momento, que se as crianças passarem a dar mais
importância ao trabalho realizado, à obra feita - o que se
poderá conseguir atribuindo prioridade aos trabalhos
manuais desde o ensino infantil - passarão a dar mais
valor às classes trabalhadoras, contribuindo essa medida
para uma diminuição da distância entre as classes, que
vai acontecendo de uma forma lenta mas segura. O
modelo escolar privilegiado para concretizar esta
transformação pelo exercício redentor do trabalho é a
constituição dos municípios escolares, que, ao mesmo
tempo, têm por função habilitar o indivíduo para a prática
da cidadania.
É ainda em Dewey que António Sérgio se inspira
para conceber o modelo da escola do auto-governo ou a
república escola1. Aqui o trabalho aparece como
sustentáculo
da
comunidade
escolar,
não
apenas
entendido como meio pedagógico por excelência, mas
com todo o valor social que tem: o aluno não pode obter
Trabalho; o outro, a realização da Liberdade na vida da gente adulta,
pela educação das crianças no regime da Liberdade”.
1
Embora seja de Dewey a filosofia deste modelo de escola, António
Sérgio cita sistematicamente como exemplo, Wilson Gill, que foi o
fundador das School City, e também William Ruben George o
fundador da George Junior Republic.
92
coisa alguma, nem garantir a sua própria subsistência sem
trabalho, nothing without labor é o lema da George
Junior Republic, também ela inspirada nos ideais de John
Dewey.
Nesta escola modelo, que António Sérgio estuda
pormenorizadamente na Educação Cívica, o estudante
trabalha para garantir o seu sustento dentro da escola.
Acumula o trabalho com as aulas - trabalho no sentido
mais tradicional do termo -. Trata-se de uma replicação
da sociedade adulta, como adiante veremos. No modelo
de repúblicas escolares pretende-se que o trabalho seja
um pilar fundamental de toda a estrutura, os alunos
podem
-
pela
natureza
da
própria
república
-
experimentar, ou „estagiar‟, em vários ofícios até
encontrar aquele que melhor se ajusta a cada um deles.
Estruturada como uma comunidade de trabalho, a
escola desempenha um papel socializante fundamental.
Trata-se de educar o cidadão, de formar o homem como
elemento da comunidade humana. Para Sérgio, não é
possível haver educação sem que se atente a esta função:
o homem é um ser social e só compreendendo essa
93
realidade e formando-o para que mais perfeitamente nela
se integre, se educa verdadeiramente.
4. O Município Escola e a Formação das
Crianças - abordagem crítica.
A escola desempenha um papel fundamental na
integração na sociedade, papel que não se pretende
descaracterizador, mas antes capaz de desenvolver o
sujeito na sua singularidade para que ele melhor encontre
o seu lugar no todo. A efectivação deste objectivo supõe
converter a escola numa micro-sociedade - organizada à
imagem da sociedade dos adultos - daí o entusiasmo pelo
município escola1.
1
A Função Social dos Estudantes, Renascença Portuguesa, 1917, p.
27, (de agora em diante, A Função Social dos Estudantes, seguido
da página): “Na Educação Cívica pelo self-government (a primeira
das três formas de preparação social que lhes proponho) os
estudantes de uma escola organizam-se como um corpo político
independente, fazem as suas leis, elegem os estudantes responsáveis
pela ordem, constituem os tribunais que hão-de julgar as suas faltas:
tudo exactamente como deveria ser numa sociedade autónoma de
adultos”. Os méritos deste tipo de educação são também louvados em
Ensaios I, pp. 160-161: “Ora é tocando num piano que se treina o
organismo do artista para a ordenação dos seus movimentos;
analogamente, é agindo, e agindo numa sociedade, [dentro de um
plano de ordenação social,] que podemos fazer o verdadeiro treino na
94
A.
S.
consagra
várias
páginas
a
tecer
recomendações sobre como deve funcionar realmente
este modelo de escolas e é claro que nelas subsiste esta
preocupação de replicar a sociedade adulta. Mas, como
muito bem faz notar Manuel Ferreira Patrício, em A Ética
de António Sérgio, os arremedos da sociedade adulta são
caricaturas
dessa
mesma
sociedade
e
devemos
questionar-nos acerca do seu valor pedagógico.
Podemos, de facto, perguntar se a escola não
deveria ser apenas a escola - no sentido clássico do termo
- em toda a sua verdade, já que, tal como é, imita-se a si
própria e ao seu crucial papel, numa fase importante de
socialização do sujeito, a infância e a juventude. É
verdade que António Sérgio nos diz em outros textos que
as crianças devem continuar a ser crianças na escola, e é
vida de crianças que devem levar, mas contradiz-se logo
ordenação moral das nossas acções: (...); e Bernardes: «virtudes são
hábitos bons; hábitos bons adquirem-se por exercícios de actos;
exercício depende de ocasiões; e ocasiões quem as há-de ministrar
senão uns aos outros?» (...) a primeira condição de uma escola
educativa, portanto, é ser um ambiente social: um ambiente social
escolhido, simplificado, purificado, com a quase exclusiva
preocupação de a si próprio se aperfeiçoar - de [ a si ] se organizar
para [uma maior] justiça - mas sob o mesmo condicionamento da
95
de seguida nas prescrições concretas de como deve
funcionar a escola e no questionamento dos papéis do
professor e do aluno.
Quando o entendimento da questão parece apontar
para a antecipação do papel do adulto no desempenho
escolar da criança, poderemos perguntar - ainda com
Manuel Patrício - se não estaremos a anular uma fase
importante do seu desenvolvimento que contribuiria para
a boa formação do adulto completo, harmónico e apto a
tarefas de maior responsabilidade. Em vez de pretender
criar falsas situações que replicam a sociedade adulta,
que por serem teatralizadas não terão nem o mesmo valor
pedagógico nem o mesmo rigor, porventura deve a escola
ser entendida no seu conceito mais tradicional e com isso
transmitir a verdade de uma formação moral e social de
carácter específico, e que desde há muito se reconhece ter
um papel fundamental no crescimento dos indivíduos.
Por outro lado, António Sérgio diz que a escola
não deve fornecer preparação especializada com vista ao
adestramento para uma sociedade determinada, uma vez
sociedade real adulta [e que dê consciência dos problemas reais de
que depende a reforma da sociedade adulta]”.
96
que, muito provavelmente, essa preparação se revelaria
inadequada no futuro, voltaremos a esta questão no
próximo capítulo. Mas, se a escola não deve educar para
modelos concretos de sociedade - porque o que importa é
a boa “ginástica mental” e capacidade de adaptação porque é que se devem antecipar vivências de adulto na
criança e não formar gradualmente os sujeitos deixandoos ser crianças, verdadeiramente, em sociedade com os
seus pares e com os adultos, na escola, com papéis bem
definidos, e propiciar assim a formação de indivíduos
virtuosos e adaptáveis à sociedade adulta ?
A réplica, pensamos, não deve ser “à letra” mas
“ao espírito”. A escola não precisa de ser uma microsociedade que replique a sociedade adulta, basta-lhe que
seja uma sociedade infantil, regida por adultos, para lhes
permitir o reconhecimento
dos
vários papéis, e
desenvolver na criança o adequado espírito social, bem
como o sentido da autonomia e da responsabilidade
cívica.
5. Equívocos da Educação Contemporânea
97
No Séc. XVIII, recorda A. S., os filósofos do
iluminismo esperavam que a divulgação do saber fosse
um factor civilizacional suficiente para fazer com que os
bárbaros vissem os seus erros e optassem pela recta razão
e pelos valores morais1. Achou-se, portanto, que a origem
de
todos
os
males
da
humanidade
estava
inequivocamente ligada à ignorância. Com a mesma
ingenuidade se acreditou na primeira metade do Séc.
XIX, que esse papel de ilustração moral cabia à ciência.
A ciência constitui-se, assim, em conquista civilizacional
de importância extrema: civiliza-se o homem dando-lhe
uma centelha do saber científico e ele liberta-se dos seus
instintos e passa a actuar como ser de razão2. A moral
reduzia-se, então, à divulgação da ciência e não era
apenas a moral que a ciência julgava substituir com
vantagem mas também a religião3. Não havia, então,
1
Cfr. Ensaios I, p. 98.
Criticando embora a ingenuidade desta posição, António Sérgio
acaba por manter uma posição semelhante quando pensa que ao
atingir o nível da razão o homem alcança a universalidade e a razão,
enquanto razão universal, é o quilate quer científico quer moral.
3
Ensaios I, p. 99: “(...) a ciência dever-se-ia constituir em filosofia, e
substituir a religião: o homem, reduzido às operações lógicas que o
empirismo admite, à {passiva} experiência e à inferência,
2
98
problema humano que a ciência não estivesse a ponto de
resolver, esgotando-se o homem numa série de
características
catalogáveis
algures
num
qualquer
catálogo de uma qualquer ciência. Assim entendida a
moral, o vício e a virtude não eram mais que produtos de
natureza física como quaisquer outros1.
Segundo António Sérgio este deslumbramento
ingénuo pelas possibilidades da ciência redundava numa
percepção omnímoda e empobrecida do homem, não
distinguindo nele a presença de vários níveis e tipos de
realidade - o biológico, o psíquico e o espiritual -,
havendo, na prática, uma redução de todos os níveis ao
biológico. Essa miopia terá conduzido a uma visão
dignificaria a pessoa, reorganizaria as sociedades, realizaria a
fraternidade e a igualdade”.
1
Idem, p. 101: “Por tudo isto se infiltrava a tendência a considerar o
mal e bem como caracteres sem importância, e até a predilecção
pelas depravações interessantes. De Taine, estreito mas sincero
espírito, fixavam-se uma frases que quadravam com as tendências
gerais, e essas mesmas mal compreendidas ou deturpadas, como a de
que «o homem faz a sua obra como a abelha faz o seu mel», «a obra
de arte é um produto da raça, do ambiente e do momento», «o vício e
a virtude são produtos, como o vitríolo e o açúcar». O público e os
pseudo-sábios interpretavam segundo a moda, e de nada servia que o
escritor viesse depois explicar, por exemplo, que o vício e a virtude
eram produtos, no seu pensamento, eram produtos morais e não
físicos como o açúcar”.
99
grosseiramente materialista da realidade1. Esta atitude
generalizada em relação aos vários modos de abordar a
vida e aos vários problemas do homem não poderia
deixar de se reflectir na educação. A pouco e pouco
encheram-se os programas com dados da ciência,
reduzindo
a
educação
a
uma
armazenagem
de
conhecimentos, fazendo uma opção pela quantidade em
detrimento da qualidade, o que teve como funesta
consequência a dispersão do espírito quando o que
importava promover era a sua concentração1.
O estudo das ciências tornou-se central nos
programas e curricula, em detrimento da formação dita
humanista, e mesmo quando esta se manteve, pelo menos
na sua aparência exterior, os métodos científicos foram
estendidos ao âmbito das humanidades, mesmo da
1
Idem, p. 103: “Ao mesmo tempo, enquanto a literatura se
vangloriava assim de materialista, mais descritora dos costumes (e
dos maus costumes) que dos sentimentos, mais curiosa do biológico
que do psíquico, {do psíquico que do espiritual,} dos factos
observáveis que do seu sentido, (...) e proibia representar Deus, por
exemplo, ou os anjos, pela simples razão de que ninguém os vira.
Não eram factos passivamente recebidos, medidos, classificados: não
tinham direito de vigorar na arte reduzida a placa de fotografia. Ver e
apalpar eram o único critério: de aí a negação dogmática de toda a
realidade que não visse, e a pretensão de ter resolvido todos os
problemas quando diante deles se fechassem os olhos (...)”.
100
literatura2. As ciências, com todo o mérito que têm, pelo
treino que proporcionam para “discernir as evidências”
ou dar modelos ou métodos, são prejudiciais quando se
aceita o seu predomínio absoluto: a ciência positiva,
separada da moralidade, torna-se uma forma superior de
força, mais perigosa e poderosa que a força bruta3. Por
outro lado, o estudo da ciência que se fortalece na
comprovação experimental e dela carece, treina os
espíritos, inclusive e sobretudo o das crianças, a não
acreditarem senão no que pode fazer-se acompanhar de
uma representação sensível, o que incapacita para a
compreensão de realidades abstractas das quais não existe
representação sensível. São desta ordem os conceitos
morais, religiosos e estéticos4.
1
Cfr. Ensaios I, pp. 103-104.
Cfr. Ensaios I, p. 101.
3
Ensaios I, p. 110: “Com efeito se as ciências nos facultam métodos,
nos dão modelos do que é a verdade, nos habituam a discernir as
evidências, têm {elas} ao mesmo tempo, quando reduzidas a si
próprias, muito graves inconvenientes. Que é a ciência positiva
separada da moralidade, senão uma forma superior de força, e mais
perigosa que a força bruta, porque mais poderosa do que ela é?”.
4
Idem, p. 111: “O estudo das ciências habitua à observação dos
objectos, levando a só acreditar no que se verifica pelos olhos; e se
este desenvolvimento do espírito positivo é útil no domínio das
ciências físicas, não deixa de ser verdadeiro perigo em outras esferas
espirituais: acostuma-se a criança a exigir para cada palavra uma
2
101
representação precisa e, em última análise, sensível; ora, a precisão
material não dá ao mesmo tempo intuição moral; «quando lhe
falardes de dever, ou de honra, que objecto material imaginará? Por
detrás dessas palavras sublimes que coisas observáveis poderá
pôr?»”.
102
CAPÍTULO III
A PRÁTICA EDUCATIVA PROPOSTA
POR ANTÓNIO SÉRGIO
1. Diagnóstico da Situação do Ensino em
Portugal
O diagnóstico de António Sérgio sobre o estado
da nossa educação começa com a análise históricoeconómica da sociedade portuguesa. Sérgio reconhece
uma e outra vez1 que a expansão quinhentista foi obra de
inteligência, mas “promessa que não se cumpriu”2. Nessa
altura soubemos realizar o espírito e iluminar a Europa
com o nosso exemplo; depois, indo com mentalidade
predadora atrás do ouro, das especiarias, dos diamantes,
atrasámo-nos em relação ao resto da Europa e
permanecemos numa miséria, dourada primeiro, e depois
já nem isso3.
1
Cf., por exemplo, “A Conquista de Ceuta” Ensaios I, pp. 253 e p.
270-271; Ensaios II, p. 27.
2
Ensaios II, p. 27
3
Considerações Histórico-pedagógicas, p. 28: “Conta Damião de
Goes que viu «muitas vezes na Casa da contratação da Índia
mercadores com sacos cheios de dinheiro de oiro e prata para
fazerem pagamento do que deviam (...)». Éramos pois opulentos, na
103
Na sua análise da política portuguesa depois de D.
João III conclui que se promoveu uma descapitalização
do Reino: descapitalização de gente, por um lado, com a
pilhagem e expulsão dos Judeus1, e descapitalização de
qualquer tipo de produção, por outro. Com o ouro e as
especiarias que a exploração das colónias rendia, e com a
correspondente entrada de capital que isso significava,
comprava-se tudo feito no estrangeiro que desembarcava,
pronto a utilizar, no Terreiro do Paço; isto fez com que a
produção nacional e o necessário desenvolvimento da
indústria e da agricultura não se dessem entre nós2.
apojadura de tanta riqueza? Éramos miseráveis:(...) faltava-nos a
actividade produtora (agricultura, fabricação), verdadeira riqueza,
estabilizadora da economia e força educativa por excelência. No
meio de um carnaval estonteante a nação era mendiga”. (Optámos em
todas as transcrições por actualizar a grafia do português, por
julgarmos facilitar a leitura. Reproduzimos sublinhados e itálicos,
quando existem, em todas as transcrições).
1
Idem, pp. 33-34: “Perseguidos em Portugal, foram os judeus
fomentar os progressos económicos da Holanda e da Inglaterra,
sendo incalculável o que perdemos em capitais e energia produtora
com esta obra purificatória. Exauriram-se as artes rurais e as fabris
dos seus trabalhadores mais valiosos, notando-se desde logo maior
falta de braços e de capitais (...)”.
2
Idem, p. 24 e 30 respectivamente: “Entretanto os filhos dos
lavradores iam fugindo cada vez mais para as cidades; extensas
campinas outrora férteis reduziam-se até um sexto da sua antiga
cultura, rodeando povoações quase desertas” e “D. Manuel mandava
104
Em consequência desta política, os Nobres - ao
contrário do que teria acontecido, por exemplo, em
Inglaterra - abandonaram a actividade produtiva para
empunharem a espada, embarcados, ou para viverem a
expensas do Rei e gravitarem em torno da Corte. Este
mal não foi apenas nosso, mas de toda a sociedade da
Europa meridional1. Esta opção pelo ócio e por um
certo culto da aparência deformou, deseducou, a
mentalidade portuguesa, instalando vícios de tal modo
arraigados que chegaram a informar o modo de ser do
português contemporâneo. A rigor, diz A. S., não temos
autênticos portugueses desde a época de 500: desde
então, os verdadeiros portugueses encontram-se nos que
procurar trabalhadores no estrangeiro, e até bombardeiros e operários
de construção naval”.
1
Idem, p. 13:“Foi essa forte nobreza rústica, educada pelo
temperamento do velho saxão particularista, que conferiu a
superioridade à Inglaterra e lhe deu a base da expansão, - de uma
verdadeira expansão de desenvolvimento, e não fictícia como a
nossa. O contraste com as nações meridionais é completo e decisivo:
cá (Espanha, Portugal, França) todo o esforço de crescimento vai
oposto ao sistema feudal: o elemento basilar da nação, o terceiro
estado, trabalha pelo poder central contra os nobres, que, arrancados
do solo, se vêem compelidos à mendicidade dourada de cortesãos
(...) em Inglaterra, pelo contrário, todo o esforço se dirigiu contra a
absorção pela realeza: o elemento essencial da nação é a gentry, isto
é, a nobreza rústica”.
105
procuraram cultivar-se no estrangeiro e ultrapassar os
limites de uma visão tacanha que caracterizou a nossa
mentalidade nos últimos séculos1.
Vimos atrás que, economicamente, o país tinha
feito opção pela dependência em relação à riqueza
externa e politicamente - como consequência das opções
económicas - tinha optado pelo isolamento. No dizer de
A. S., enquanto o movimento para os descobrimentos
significara um descobrir mundo para a Europa, o
fechamento em relação ao Novo Mundo, manifestado no
modo como colonizámos, isolou-nos do resto da Europa,
na cegueira de uma mentalidade depradadora, gastadora e
nada empreendedora2.
Por conveniência da governação, os sucessivos
reis tornaram a nobreza dependente e parasitária e a
1
Ensaios II, pp. 27-28: “Depois dos dias do Quinhentismo, o que se
chama espírito moderno nunca mais vigorou na nossa terra, - se bem
que brilhasse, por vezes, em alguns portugueses excepcionais, que se
cultivaram no estrangeiro, que se não entenderam com os seus
patrícios, e que combateram sem resultado a mentalidade do seu
país”.
2
Considerações Histórico-pedagógicas, p. 35: “Depois, se
navegando para o Oriente fomos os instrumentos necessários à
civilização europeia, absorvendo-nos no seu saque separámo-nos por
séculos dessa mesma civilização: foi a longa noite do Isolamento,
que ainda dura....”.
106
consciência nacional do que mais convinha às elites exceptuando alguns espíritos privilegiados - confundia-se
com um parasitismo da coroa, com a obtenção de um
lugar na corte. Herdeiras desta mentalidade e fiéis a esta
tradição, as gerações seguintes continuaram a considerar
que seria a obtenção de um lugar no parlamento ou nos
cargos públicos do Estado o que mais convinha à elite1.
Este tipo de mentalidade, corrompida pelo dinheiro fácil
e pelo seu mau uso, subverteu os valores que presidiram a
políticas como a da educação. Assim se compreendia que
o sistema de ensino português há muito privilegiasse um
pseudo-saber, desenraizado da produção, e das suas
1
Não será este o conceito de elite que Sérgio vem a defender, a esta
chamará antes oligarquia. Aqui deverá entender-se no sentido de
extracto dominante da sociedade: Considerações Históricopedagógicas, pp. 47-52: “A verdadeira cultura anda adstrita ás
necessidades da produção, e essas necessidades não as tinha o
Portugal brasileiro (...)” e mais à frente: “É que na iniciativa
produtora, mais ainda que uma necessidade económica, está um
requisito moral da sociedade portuguesa. O trabalho produtor é o
melhor meio educativo; a política não sairá do banditismo
desenfreado enquanto uma pedagogia industrial não descongestionar
de mendigos o Terreiro do Paço e o Parlamento. (...) O certo é que a
realidade pedagógica continuou sendo a do século XVIII no seu
espírito e objectivo: fazer escribas, desembargadores e rimadores; e
por falta de uma escola do trabalho (...) a nação atolou-se nos
empréstimos e revolveu-se em lutas políticas cuja mola fundamental
era o assalto ao emprego público”.
107
necessidades, abstracto e livresco, que servia apenas à
manutenção do estado de coisas, mas não libertava nem
esclarecia os espíritos1. Tratava-se de um tipo de ensino
que preparava apenas para o exame final, com o qual o
Estado se certificava que o indivíduo tinha características
para desempenhar um cargo público, cargo onde não se
requeria, nem era útil, o verdadeiro conhecimento e onde
a iniciativa era tida como rigorosamente prejudicial2.
1
Ensaios VII, p. 232: “Lede, por exemplo, as nossas leis de
instrução pública; lede os programas dos nossos cursos, - e direis
logo que tudo aquilo parece feito expressamente para impedir o
entendimento, a clara visão do real humano; e, além disso para abalar
o forte querer.” e também em Sobre Educação Primária e Infantil, p.
7: “ Permitam-me notar, antes de mais, que a incompetência da
escola não seria tão grande se o objectivo do ensino fosse encher,
digamos assim, os estudantes com o abstracto conhecimento das
afirmações da ciência. Mas o objectivo não é não deve ser esse: é
fazer a cultura de cada espírito, (...), é treinar as inteligências, a fim
de as tornar cada vez mais plásticas, universalistas e libertas de
limitações, como exige a moderna democracia: é familiarizar a
juventude com o manejo das realidades, preparando no estudante um
produtor moderno, (...) - entendendo-se por isto, quer o produtor no
domínio económico, quer o criador na ciência e na arte; o objecto do
ensino, em resumo, é fomentar a capacidade de um desenvolvimento
contínuo, de uma racionalização intérmina da experiência,(...)”.
2
Considerações Histórico-pedagógicas, p. 15 (nota): “(...) o Estado
estabelece a selecção por meio de exames e de concursos, teias de
aranha para a empenhoca: donde resulta que a escola pública, com o
seu programa, visa atulhar o capa-e-batina como um armazém de
bacalhoeiro, desprezando o carácter e a iniciativa: a última, aliás,
incombinável com este sistema, porque a mesa da secretaria convém
sobretudo aos que não a possuem”. Ensaios II, p. 160-161; “nas
108
Baseado
em
recolhas
de
depoimentos
de
professores, considerava António Sérgio que o ensino em
Portugal, desde o ensino primário ao superior, se
encontrava
cristalizado
numa
forma
que
era
absolutamente prejudicial ao “progresso da democracia”
1
. Daí que o lado estático, desarticulado das realidades,
promotor de uma aparência de saber mas completamente
vazio e desencarnado, imprestável para fazer progredir “a
grei” e o país, fosse reiteradamente destacado por
António Sérgio nas suas investigações. No ensino
primário, por exemplo, as crianças decoravam conceitos
que para elas continuavam vazios2, com vista à
sociedades de formação comunitária de Estado, de que Portugal é o
exemplar mais perfeito, as comunidades familiais dissolvem-se na
grande comunidade do Estado: a juventude conta sobretudo com os
lugares da burocracia e do exército; a base da educação está então no
Exame (exame escolar e exame concurso): a faculdade espiritual
importante não é aqui a iniciativa,(...), mas sim a Memória (...)”.
1
Ibidem: “Em resumo, segundo estes depoimentos de professores e
pelas próprias palavras deles, não temos ainda ensino infantil; o
primário fomenta a criminalidade, e arruína as inteligências das
crianças; o secundário está completamente afastado do que deveria
ser o seu objectivo, sendo lastimoso o estado em que os rapazes
entram, e se conservam nos liceus; no ensino normal é tudo pobre,
arcaico, rotineiro, bafiento; e finalmente, a verdadeira Universidade
ainda não existe.
2
Sobre Educação Primária e Infantil, p. 11: “Os resultados são desta
ordem: na última época de exames uma criança definiu e explicou -
109
preparação para um exame que não confirmava o que
realmente sabiam, mas apenas qual a sua “sabença”.
A este propósito escreve:
“É impossível avaliar o mal imenso que tem feito
a Portugal a instrução primária, com as ideias
retrógradas que a dominam. O sociólogo dir-lhesá que quem na escola aprendeu a ler sem se
treinar para o trabalho virá a ser um déclassé, um
elemento de desordem na sociedade; o psicólogo
dir-lhes-á o seguinte, que foi escrito por
Claparède: “o uso prematuro da leitura inibe,
paralisa, perturba, o desenvolvimento normal do
espírito
infantil”
A
leitura
modifica
completamente a atitude natural da criança: de
activa torna-se passiva; em vez de experiências
armazena palavras na cabeça”1.
A avaliar pelo que aqui é dito, no ensino primário
cometiam-se erros pedagógicos com consequências
especialmente gravosas, porque deformantes do carácter
dos indivíduos. A este nível o ensino dito livresco - e o
ensino pode ser livresco pela palavra do professor, desde
que o aluno não possa comprovar na experiência o que
perfeitamente - o fenómeno da ebulição; mas declarou, perguntada,
que nunca vira esse fenómeno. Vira-o, sem assomo de dúvida; mas
não o reconhecia como tal; às palavras não correspondia percepção
alguma, experiência alguma”.
1
Cfr. O Ensino Como Factor do Ressurgimento Nacional,
Tipografia da Renascença Portuguesa, Porto, 1918, p. 29. De agora
110
lhe está a ser ensinado1 - tem como consequência matar a
criatividade da criança.
O ensino liceal enfermava dos mesmos males: era
abstracto e livresco e não proporcionava aos jovens uma
verdadeira formação. Tendo feito uma aposta num
modelo de ensino tão abstracto, o país contava com
muitos jovens saídos do liceu sem qualquer preparação
para a vida produtiva e carecia de um tipo de escolas
alternativo - as Escolas Primárias de Continuação - que
absorvesse aqueles que não tinham capacidade, ou
interesse, para ingressar no ensino superior.
O
juízo
particularmente
acerca
negativo:
do
ensino
superior
verdadeiramente
é
não
possuíamos ensino superior2. O fechamento das nossas
em diante O Ensino Como Factor do Ressurgimento Nacional,
seguido da página.
1
Sobre Educação Primária e Infantil, p. 12: “O ensino não deixa de
ser livresco (como muitos julgam) quando se troca a leitura do
compêndio pela de apontamentos ditados pelo professor, ou pela
audição da palavra deste; é livresco se o aluno encontra a ideia já
feita já pronta (quer no livro quer na boca do mestre) em vez de a
fazer o próprio aluno, convenientemente encaminhado, sobre o facto
concreto manejado por ele”.
2
O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, pp.16-17:
“Chegados finalmente à Universidade, veremos que apesar dos
esforços de algumas personalidades beneméritas, entre as quais o
actual e ilustre reitor da Universidade de Lisboa, se não criou ainda o
111
escolas ao que se passava e estudava no estrangeiro,
aliado à má preparação com que os alunos chegavam à
Universidade e à fraca preparação dos professores, fazia
com que o panorama do ensino superior não fosse melhor
que o dos outros níveis de ensino1.
2. Estratégias para a Reforma do Ensino em
Portugal
espírito universitário, e portanto a verdadeira Universidade. Afirma
muito bem o professor Celestino da Costa que «na realidade as
universidades portuguesas não existem; são meras fórmulas
burocráticas sem consciência clara da sua missão» Isto mesmo foi
dito na própria Universidade de Lisboa, em oração de sapiência, pelo
professor Azevedo Neves”.
1
O ensino superior enferma do que António Sérgio chamou o
“bacharelismo” que privilegia o decorar da sebenta e a fidelidade
acéfala e acrítica ao “mestre” com vista à obtenção de um diploma
como diz em Considerações Histórico-Pedagógicas, p. 51: “(...)
este bacharelismo, ou educação pela palavra e pelo livro, que cultiva
a memória e o palavrório e não a iniciativa, o método, a
perseverança, o domínio de nós mesmos e dos instrumentos de
trabalho; (...)”; e ainda em Ensaios VII, p. 233: “Ouvem-se queixas
constantes de que somos um país de bacharéis; de que os liceus e as
universidades estão empachados de estudantes que não nasceram
com capacidade (nem com gosto para a alta criação intelectual. De
quem é a culpa? Da organização vigente, em grande parte: pois que,
metodicamente organizado, só há o ensino para bacharéis, proletariado intelectual desordenador da vida pública, em vez de élite
que lhe confira ordem”.
112
Tal como a mentalidade surgida de quinhentos
afectou a política educativa posterior, a concretização das
novas propostas para os vários níveis de ensino requeria
uma prévia mudança na mentalidade e nos objectivos que
se pretendiam alcançar.
Começaremos por analisar
as estratégias de mudança, apresentando as propostas de
António Sérgio relativamente ao que se poderia chamar
“uma revolução pedagógica na sua raiz”. Trata-se de uma
mudança
nos
objectivos,
de
que
deriva,
como
consequência, uma alteração das estratégias, uma
mudança na finalidade, a que corresponderá, por sua vez,
uma mudança de meio e de estrutura.
A mudança no ensino requer uma mudança na
mentalidade. “Como tudo na sociedade é ao mesmo
tempo causa e efeito podemos dizer que na escola se
revelam os males orgânicos fundamentais da comunidade
lusitana”1. A mudança da escola conduzirá a uma
mudança na mentalidade em Portugal, e, reciprocamente,
a mudança na escola há-de espelhar as novas
características e os novos rumos a incutir à sociedade
portuguesa.
Para operar esta transformação havia a
113
sociedade de servir-se de alguns dos seus melhores
membros,
aqueles,
como
já
foi
referido,
que
diversificaram a sua formação e tiveram oportunidade de
abrir os seus horizontes estudando no estrangeiro. No
caso concreto do desenvolvimento de uma nova
pedagogia, é peremptório em afirmar que a estratégia
deve ser a de formar professores lá fora2.
Apesar de termos sido palco de múltiplas
revoluções políticas, destas não derivou nunca um
verdadeiro movimento de reforma, social e pedagógica3.
Para realizar com sucesso a reforma da escola era
indispensável a mudança nos objectivos que a regiam.
1
Em O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 10-11.
Sobre Educação Primária e Infantil, p. 26: “O primeiro trabalho
será preparar (nos lugares convenientes do estrangeiro) uma equipa
de professores novos, com mentalidade inteiramente nova, com
ideias inteiramente novas, - não só diferentes, mas contrárias àquelas
que dominam ainda hoje na instrução primária portuguesa”.
3
O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 11: “A
escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem: e ninguém lhe pede
educação, mas diplomas, - sendo certo, no entanto, que os que pedem
diplomas para os seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu
tempo pelas escolas portuguesas. De aqui se conclui que nem a
sociedade nem a escola podem atirar a primeira pedra, e que
ninguém tem culpa de que em Portugal não tivesse surgido até hoje,
apesar de tantas revoluções políticas, um verdadeiro movimento de
reforma social e pedagógica; e de aqui se conclui igualmente ser
2
114
Isto implicava, em primeiro lugar, um retorno à
valorização do trabalho e da produção, um retorno, em
suma, ao respeito pela profissão como um serviço a
prestar a uma comunidade de que se faz parte1. E
implicava, em segundo lugar, estimular a capacidade do
homem para resolver os seus problemas, desenvolvendo
uma inteligência aplicada: “O aluno não deve ir à escola
para ouvir muitas ideias e manejar poucos factos; deve ir
para enriquecer a sua experiência, reproduzindo em seu
espírito a série de factos e de motivos que levaram os
sábios a formular as ideias”2. De abstracto3 e verbalista,
impossível reformar a escola sem se trabalhar ao mesmo tempo na
transformação da sociedade”.
1
Ensaios VII, p. 225: “A escola deve, por isso mesmo, ajudar o
aluno a bem escolher o seu mister na sociedade e a exercê-lo o
melhor possível, fazendo-o considerar esse mister, não só no
interesse do indivíduo, mas também como progresso da comunidade.
Preparar uma pessoa para melhorar a sociedade significa, na maioria
dos casos, dar-lhe um conceito moral da respectiva profissão, isto é,
fazer-lhe considerar o exercício da profissão, não como um meio
para fins individuais (ou só para fins individuais), mas como um
meio para fins sociais: como um meio de aperfeiçoar a sociedade, de
a tornar mais justa”.
2
Em O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 25.
3
António Sérgio rejeita, e bem, a designação de teórico para
classificar o ensino tal qual se praticava na altura, porque diz que a
verdadeira teoria só o é se tiver uma prática que a ilustre e se for ela
um excelso fundamento para essa prática, veja-se a esse respeito O
Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 23: “Costuma
115
descritivo e mecânico, o ensino deveria, portanto,
transmutar-se em concreto, executante, explicativo e
inteligente1.
A pôr-se em prática, uma das consequências mais
significativas desta viragem seria a regionalização do
ensino: cada região buscaria no ensino resultados
diferentes, na medida em que este teria como um dos seus
fundamentais objectivos a resolução dos problemas do
ambiente em que a escola concreta se insere. A
aplicabilidade imediata do esforço desenvolvido na
escola é, pois, um dos fitos da reforma escolar2. Desta
perspectiva António Sérgio pode ver-se como um
dizer-se que um dos erros do nosso ensino é ser excessivamente
teórico, e que se torna necessário que ele seja prático. É esta uma
maneira imperfeitíssima de exprimir a realidade. Como lhes disse, o
verdadeiro ensino teórico não é separável do ensino prático, nem
uma boa educação prática se pode fazer sem a teoria”.
1
Ibidem.
2
O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 25: “Cumpre
que o saber que se adquire na escola continue o saber que fora dela
se alcança, de maneira que constituam uma só vida intelectual, uma
só experiência, -continuidade perfeita entre a aula e a vida, entre a
lição e o mundo entre o professor e o lar. O que se aprendeu na lição
deve funcionar imediatamente na vida ordinária do educando”. É
sugestão muitas vezes repetida em António Sérgio que a escola
deveria partir dos problemas regionais e que, pela sua reflexão,
deveria tentar a resolução destes mesmos problemas prestando assim
um serviço à comunidade.
116
precursor da moderna ideia da área-escola, apresentando,
também, com notável antecipação no horizonte cultural
português, uma grande preocupação pelo ambiente e pelo
estudo do meio.
O ensino deveria, assim, deixar de ser livresco; a
lográ-lo se deveria dirigir este esforço de atenção à
comunidade em que a escola se inseria e a preocupação
por resolver os problemas concretos1. O aluno devia
passar a ter um ensino que o estimulasse na busca da lei,
da ideia, que o estimulasse a um esforço próprio de
teorização a partir do dado prático. “Foi da acção que
saiu a ciência para a humanidade; é da acção que deve
sair a ciência aqui para o estudante”2.
O ensino que mais convinha aos portugueses - e
que seria “a verdadeira educação portuguesa, porque
1
A Função Social dos Estudantes, p. 33: “Poderia a escola colaborar
em certos ramos do serviço público, por exemplo nos da higiene,
como aplicação e dependência dos seus estudos regulares; inquirir
das condições de vida na localidade em que está situada, e fazer
propaganda no sentido de as melhorar”.
2
Cfr. O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 31.
Pode ver-se nesta proposta de António Sérgio um certo retorno ao
sentido socrático da pedagogia: discretamente conduzido pelo
mestre, o discípulo deve descobrir por si mesmo a verdade.
117
pedida pelas necessidades portuguesas”1 - é retirado de
um modelo anglo-saxónico, capaz de, como antes
referimos, contrariar alguns dos nossos mais arraigados
traços de carácter: “as tendências passionais (...) o pendor
para a demagogia, a histérica dramatização da vida
pública”2, substituindo-os por uma disciplina de carácter
e um desenvolvimento da iniciativa, próprios de uma
sociedade particularista como a sociedade anglosaxónica.3
“O ensino mais valioso é o mais contrário ao
espectrismo, o que mais prepara a plasticidade futura, o
que torna o indivíduo mais capaz de resolver situações
inesperadas” 4. Tratava-se, portanto, de tornar o ensino
algo vivo: contrariando a forma vigente, deveria passar a
1
Cfr. Educação Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed. p. 11.
Cfr. “Educação Cívica”, Editorial Inquérito, 2ª Ed. p. 16.
3
O mal que apontávamos aos arremedos de educação britânica que
tínhamos importado deviam-se exactamente ao facto de serem
arremedos e de não termos importado suficientemente o modelo: na
forma e no conteúdo - talvez porque a alma britânica não fosse
importável! - : “Educação Cívica”, Editorial Inquérito, 2ª Ed. pp. 910:“«O grande erro» - declama agora a crítica fácil - «o grande erro
foi importar»; e eu rogo licença aos preopinantes pra lhes dizer que o
grande erro, no caso em questão, foi o não importar
suficientemente”.
4
Cfr. Sobre Educação Primária e Infantil, Lisboa, Inquérito, 1939.
p. 15.
2
118
preparar
os
formandos
para
fazerem
face
às
transformações futuras. Conceber rigidamente o conteúdo
curricular do que os jovens deveriam aprender era
desconhecer que, muito provavelmente, esse conteúdo se
encontraria absolutamente ultrapassado e inadequado
amanhã1. Assim, o grande motor da educação é ensinar a
própria
adaptabilidade,
cultivando
essa
mesma
adaptabilidade. Deste modo António Sérgio faz uma
autêntica apologia de um modelo dinâmico de educação,
onde o que verdadeiramente se ensina é a inteligir uma
realidade em permanente devir.2
1
Sobre Educação Primária e Infantil, Lisboa, Inquérito, 1939, p. 27:
“Fixar o que o aluno precisará de saber no largo decurso do seu
porvir parece-nos enormíssima quimera. Procuremos tão só
familiarizá-lo a fundo com um número restrito de experiências
típicas que sejam socialmente fundamentais, por onde saiba orientarse e inquirir mais tarde, quando queira empreender qualquer
trabalho, - e isso, por um emprego efectivo da inteligência crítica.” e
também em Cartas Sobre a Educação Profissional, Renascença
Portuguesa, Porto, s. d., p. 9 (De agora em diante Cartas Sobre a
Educação Profissional, seguido da página):“ à tirania da
Uniformidade, desdiz o princípio, aliás evidente, de que a profusão, a
variedade, a minúcia das ciências e das técnicas de hoje tornam
absurdo e arbitrário o identificar a instrução com certo menu de
conhecimentos. Fixar o que o aluno precisará de saber é uma
grandíssima quimera, excelente para fabricar superficiais doutores e
doutoríssimos ignorantes (...)”.
2
Que a finalidade da educação seja em última análise, esta, nós
entendemos que deva ser, o que nos parece também é que isto é feito
119
3. Métodos Propostos
a) O Auto-Governo
O Auto-governo é um sistema educativo de origem
anglo-saxónica, criado por Wilson Gill, inspirado nos
ideais de John Dewey como atrás referimos, e levado à
prática nos Estados Unidos, no Canadá e em Cuba1. Para
António Sérgio o mérito deste método é que leva o
ensino, como instituição, a realizar o seu mais radical
objectivo: tornar-se desnecessário. Através de um sistema
auto-regulado de comunidades escolares, interessadas no
saber, envolvidas na sua aplicabilidade directa, a rigor,
no real concreto e, como em toda a articulação entre o absoluto ou
ideia e a sua concretização, há que ver como é que isso se consegue e
através de que meios concretos, certamente haverá conteúdos
programáticos mais ajustados a este objectivo e outros menos.
As propostas de António Sérgio parece-nos muitas vezes
enfermarem do mal que ele próprio diagnosticava veja-se Educação
Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed. p. 9: “É balda nossa inveterada o
adormecer a própria mente com noções vagas, sentimentais e
fumarentas e resolver tudo por uma inane ideia geral que tão mais
facilmente se aplica a tudo quanto a coisa nenhuma é aplicada com
precisão e nitidez”.
1
O facto de ter sido aplicado com êxito em Cuba, é exemplo que
serve a António Sérgio para demonstrar que o método era aplicável à
nossa sociedade : “estudantes meridionais, almas de sonhos e
quimeras” Cfr. Educação Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed., p. 21.
120
não existirão mestres nem discípulos1 no sentido acabado
dos termos, e os professores, tendo um papel muito
necessário, serão apenas discretos guias2. O sistema de
Auto-governo é constituído por municípios escolares, que
obedecem ao modelo dos municípios locais, tendo ambos
idêntica estrutura:
“A cidade escolar propriamente dita (Wilson
Gill) da qual falamos especialmente, organiza a
sociedade dos estudantes à maneira de um
município (...) Os seus magistrados são idênticos,
em título, função e método de eleição aos da
cidade a que pertence a escola, ou de que está
próximo. Afora o seu objectivo primacial - a
educação - cabe-lhe familiarizar os alunos com a
governação do município”3.
Segundo o espírito do sistema de Auto-governo,
de grande plasticidade e latitude, importa sobretudo
1
Como diz Manuel Patrício em “A ética de António Sérgio”,
Revista Portuguesa de Filosofia, 48 (1992), p. 231: “No quadro do
seu idealismo activista, o trabalho do educador não visa transformar
o educando em educado, mas em outro educador.(...)No fundo, não
há educando oposto a educador, mas há o educando-educador e o
educador-educando. Em sentido sergiano a educação social só pode
ser a auto-educação social”.
2
Ensaios II, p. 180: “O Jardineiro não desenvolve a planta (esta é
que se desenvolve pela força própria) estabelece porém as condições
favoráveis (positivas e negativas) no ambiente em que a planta vive.
Para isso, claro, convém-lhe saber de que espécie ela é”.
3
Ensaios I, pp. 36-7.
121
cultivar virtudes e critérios que são indispensáveis à
manutenção do sistema:
“a benevolência, o autodomínio, o acatamento
dos direitos do outro, o respeito próprio, a
garantia de igualdade de direitos, a separação dos
poderes (legislativo, executivo e judiciário), e a
proibição de um indivíduo acumular mais de uma
magistratura ao mesmo tempo”1.
Deve estar também garantida a rotatividade dos
cargos. Uma das grandes virtudes deste sistema era, sem
dúvida, a educação pela prática efectiva da cidadania.
Com efeito, António Sérgio entende não ser possível
querer ensinar a prática cívica por discursos teóricos,
habituar as crianças à acção cívica seria, então, o melhor
meio
de
favorecer
o
aparecimento
de
cidadãos
responsáveis e afeitos ás práticas da vida em sociedade e
da
ordenação
da
própria
sociedade,
cidadãos
comprometidos no respeito das leis que eles próprios
ajudaram a instaurar.
Dada a plasticidade do sistema, este seria
perfeitamente adaptável, em vários graus, à nossa
realidade. Tratava-se de replicar na escola, na medida das
122
possibilidades, uma realidade que se vive na sociedade
adulta. Em Educação e Filosofia, afirma mesmo que a
escola fornece condições ideais para pôr em prática a
proposta kantiana de construção ou hipóstase de uma
sociedade de Razão, na pura idealidade dos princípios2.
No texto Educação Cívica António Sérgio
apresenta exemplos desenvolvidos de como este sistema
foi levado à prática com êxito em várias escolas tendo
como modelo a George Junior Republic3.
Alguns
1
Ensaios I, p. 36.
Cf. Ensaios I, p. 162. O que não nos parece de todo possível num
enquadramento real de uma escola. No seu texto, o Prof. Manuel
Patrício diz que António Sérgio está a pôr em prática a teoria do
Homúnculo que ele mesmo condena. Cfr. Manuel Patrício, “A ética
de António Sérgio”, Revista Portuguesa de Filosofia, 48 (1992), p.
232. Também me parece que há neste esforço a criação de uma
situação que será sempre artificial, e que impede que as crianças
sejam de facto crianças - como, de resto, António Sérgio quer
salvaguardar num outro passo da sua obra (Cfr. Educação Primária e
Infantil, p. 28). Um arremedo de sociedade tem em si mesmo
fragilidades que poderão vir a ser nocivas para o embrião de cidadão
que se quer educar.
3
Educação Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed. pp. 62-3: “Cremos que
um exemplo concreto entalhará com nitidez os lineamentos da nossa
ideia: o da George Junior Republic. Imaginai o tapiz verde de uma
planície cultivada, ora interrompida no castanho claro dos caminhos
ora na mancha discreta dos edifícios: tal é o quadro. São essas casas
habitações dos educandos, hospedarias, escolas, oficinas, edifícios
públicos; o campo é explorado pelos alunos que se dedicam à
agricultura; e nas oficinas trabalham toda a manhã ou toda a tarde, os
que a outros ofícios se dedicaram. Quem labuta de manhã nas
2
123
destes municípios escolares - que começaram a surgir
entre finais do Séc. XIX e inícios do XX - são aplicados
em alunos “marginais”, que outras escolas não queriam, e
que as famílias tinham dificuldade em disciplinar1.
O sistema contempla, nalguns casos, a existência
de uma quinta/escola, onde se desenvolvem actividades
agrícolas e outras, úteis à comunidade em que a escola
está inserida e que garantem, pelo menos em parte, o
sustento da própria escola, através da venda dos produtos
do município escolar: produtos agrícolas, manufacturas,
objectos de carpintaria ou outros, e artesanato.
oficinas segue à tarde as aulas das escolas; e quem teve escola de
manhã, trabalha à tarde nas oficinas. (...) as oficinas são dirigidas por
instrutores que figuram como patrões, e que dão salários aos
discípulos, segundo a excelência do seu trabalho, numa moeda
peculiar da República Infantil, a única que tem curso na instituição;
com essa moeda pagam eles a moradia, o alimento, o vestuário, aos
alunos que são hospedeiros, alfaiates, sapateiros, etc. Os bens
produzidos na República, quer nos campos, quer nas oficinas, são
vendidos dentro dela ou para fora : neste último caso a moeda
americana do comprador é convertida em moeda interna pelo Banco
da República”.
1
Sobre a George Junior Republic diz em dado momento, Educação
Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed., p. 65: “Sujeito a estas condições
de vida trabalha um povo infantil honesto, alegre empreendedor e
forte, apesar de o constituírem crianças que para ali foram atiradas
por tribunais que as condenaram, ou por famílias que pensaram na
instituição como um último remédio à juventude desordenada”.
124
A outorga, por parte das autoridades regionais, de
um foral escolar1 dependia da apresentação de uma
petição por parte de uma comunidade escolar que a isso
se quisesse candidatar, petição que os alunos redigiam
com o auxílio dos professores. O seu conteúdo resumiase à solicitação do foral e da respectiva autonomia,
comprometendo-se
a
escola
a
assumir
as
responsabilidades decorrentes do novo estado.
O papel do professor no município escolar é
discreto mas de grande vigilância (“eterna vigilância”, é
dito) e de cuidado exemplo moral. O professor deve
habituar as crianças a exercer vigilância sobre os
companheiros: a própria estrutura da instituição assim o
exige. A garantia da disciplina no município escolar é
feita através de um grupo de alunos que assume essa
função junto dos colegas - são os chamados “polícias” - e
esta tarefa é rotativa. Desta forma se protege a imagem
do professor, evitando crispações. Este sistema tem ainda
a vantagem de evitar que se desenvolva no aluno um
temor desajustado pelos dirigentes. Contudo, como
comenta com lucidez Manuel Ferreira Patrício, se é
1
Cfr. Educação Cívica, Lisboa: Editorial Inquérito, 2ª Ed., p. 44-5.
125
verdade que isso não os intimida face à autoridade, e
pacifica a sua relação com o professor, faz, por outro
lado, com que o alvo das dissenções sejam os colegas.
Este problema parece, no entanto, ser mitigado pelo facto
do cargo ser rotativo.
A prática da justiça no município escolar será
entregue aos tribunais escolares, nos quais o papel
moderador do professor é também de grande relevância,
tendo ainda a cautela de garantir que a ida a tribunal não
seja banalizada. Embora o tribunal deva, em regra, ser
aberto a toda a escola, sempre que se estiver em presença
de um “delinquente” sem qualquer antecedente, deve
evitar-se que toda a escola estigmatize o aluno por um
delito único, sendo aconselhável, nesse caso, que o
julgamento tenha um carácter mais privado. Às sessões
do tribunal escolar assiste sempre um professor, pronto a
ajudar os juízes - embora, como se viu, deva fazê-lo com
toda a descrição - e a evitar um erro, caso se aperceba que
este está a ponto de ocorrer.
A tarefa de ensinar é apenas uma das tarefas do
professor. E como a desempenhará ele? Ensina tratando
os temas a partir directamente da própria vivência da
126
comunidade. Entre esses temas destacam-se: o ensino
“(da) liberdade em oposição a licença; a democracia
política e a democracia social; as limitações de todo o
governo; o self-government económico pela cooperativa;
a importância do indivíduo na democracia”1. Por outro
lado, o professor deverá ainda recolher e demonstrar, a
partir do bom funcionamento do município, que o
autodomínio, a racionalidade e a concentração do espírito
são imprescindíveis ao bom funcionamento da verdadeira
democracia2. Neste sentido, a principal virtude do
sistema, quando aplicado com êxito, é fomentar o
desenvolvimento
da
autonomia
do
sujeito
complementada com um forte sentido de cooperação
cívica.3
1
Educação Cívica, Editorial Inquérito, 2ª Ed., p. 53.
Educação Cívica, p. 28: “Originado, pois, nesta maneira de
considerar o problema, procura o método do Município-Escola
instalar os estudantes nas reais condições da existência social, para
os afazer à benevolência, ao auto-domínio, à honradez, à clara
consciência dos deveres do cidadão”.
3
Este papel da educação pela autonomia e pela responsabilidade não
vejo porque devesse estar entregue à escola, uma vez que o primeiro
núcleo de socialização em que a criança se insere é a família e nela
tem o seu lugar próprio, com direitos e deveres e responsabilidades
para com os demais membros. Não aprende o seu papel apenas
macaqueando o papel de dirigente, à vez, mas percebendo, no seu
enquadramento familiar, o papel que lhe coube enquanto criança e o
2
127
A leitura e análise de alguns dos exemplos da
aplicação do sistema de Auto-governo apresentados por
António Sérgio leva a pensar que este modelo seria de
maior utilidade na organização de comunidades do tipo
das comunidades de escuteiros ou, paradoxalmente, na
educação de indivíduos com comportamentos desviantes,
entregando-os
um
pouco
a
si
próprios
e
responsabilizando-os pelos seus actos, - onde a educação
tradicional, na família e na escola, não tivesse tido
sucesso - do que na educação da população escolar em
geral.
b) O Método Montessori
Ao ocupar-se da educação infantil, a que dá
extrema importância, António Sérgio dá claramente
preferência ao Método Montessori1, embora haja na sua
que cabe aos adultos enquanto adultos, como diria Bandura pela
função de modelagem.
1
O Ensino como factor do Ressurgimento Nacional, p. 40: “A escola
infantil seguiria os princípios gerais do método Montessori sem se
cadaverizar na rigidez de uma técnica invariável”. António Sérgio
reconhece ser preciso investir muito neste período em Portugal
porque seria obsoleta a educação primária e a infantil não existiria
porque se resumiria a uma educação primária mais ligeira.
128
obra
referências
Montessori2
a
outros
métodos1.
O
método
caracteriza-se sobretudo por não ser
dirigista. Tenta desenvolver a aprendizagem a partir dos
interesses da própria criança. Utiliza materiais e pensa o
1
A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p. 96: “Propunha, por
consequência, o estudo dos vários tipos de experiências pedagógicas
levadas a efeito na Europa e noutro continentes: além dos modelos de
Cousinet, Winnetka ou Gary, ( como já apontámos), alvitrava a
fundação de uma escola infantil nos moldes das de Barcelona, ou o
contacto com o Instituto Jean-Jacques Rousseau, de Genebra, com as
escolas primárias de Decroly ou com as infantis e primárias de
Montessori com as novas escolas austríacas, com as
Fortbildungsschüle de Munich, com as Manual Training High
Schools e outras análogas dos E.U.A., sendo estas últimas do tipo
rural (...)”.
2
O método Montessori surge em Itália com Maria Montessori uma
médica italiana que se interessa pela psicologia infantil,
nomeadamente pelas crianças com dificuldades profundas na
aprendizagem. Debruça-se sobre os trabalhos de Ittard e, mais tarde,
sobre o trabalho de Edouard Séguin. Desse estudo resultará
inclusivamente um aperfeiçoamento dos seus métodos. Funda, com o
apoio do Ministro da Educação italiano da altura, Baccelli uma
Escola Ortofrénica, com internato para crianças anormais. Maria
Montessori verifica, a partir dos seus trabalhos de pedagogia especial
com crianças deficientes, que estas crianças, quando conduzidas a
partir dos seus próprios interesses e na busca de resposta para as suas
próprias questões, aprendem, chegando mesmo a obter, em exames
finais, resultados equivalentes aos dos alunos normais.
Conhecendo as limitações das crianças às quais se tinha aplicado o
método, Maria Montessori imediatamente viu que o método utilizado
com as crianças nas escolas tradicionais não explorava todas as
faculdades dos alunos, e que, se para estes alunos, ditos normais,
fosse concebido um método semelhante ao que se estava a usar com
as crianças deficientes, de certeza que se poderiam rentabilizar as
suas potencialidades.
129
espaço em função das crianças1. Respeita o ritmo de
aprendizagem da criança, não devendo o professor
corrigir nenhuma afirmação errada, deve antes aguardar a
ocasião em que ela própria venha a descobrir qual a
resposta acertada, quando por ela tiver maturado os
conceitos envolvidos na resolução do problema em
questão. 2
Os defensores do método Montessori acreditam
que aquilo que a criança aprende por si própria ou
descobre, com a intervenção discretíssima do professor,
1
Agostinho da Silva, O Método Montessori, Inquérito, Cadernos
Culturais, p. 42. (De agora em diante O Método Montessori, seguido
da página): “Na escola Montessoriana tudo é construído pensando na
criança; as paredes são de cores alegres, as janelas e as portas têm
fechos baixos para que os pequenos os possam manejar, os lavatórios
têm a altura conveniente para que as crianças se possam lavar sem
auxílio estranho; o mobiliário, feito de madeira leve, é composto de
mesinhas e de cadeiras bem proporcionadas que dão à escola um
ambiente de casa e que as crianças podem deslocar e arrumar; os
armários são calculados para que elas os abram e fechem e os
utilizem com facilidade (...)”.
2
O Método Montessori, pp. 57-58: “Deve ter sobretudo a professora
grande cuidado em não provocar da parte da criança qualquer
esforço, o que tiraria todo o carácter espontâneo ao seu
comportamento; se a criança não compreende ou se engana, a mestra
deve estar sempre vigilante sobre si própria para, segundo o costume
das escolas vulgares, não insistir, repetindo a lição, nem levar a
criança a compreender que cometeu um erro; deve esperar outra
ocasião em que o material apresentado corresponda a um intento
íntimo, a uma possibilidade real do aluno”.
130
será mais solidamente aprendido. O material Montessori
a utilizar nas escolas compreende: modelos de madeira
ou cartão representativos das formas geométricas que as
crianças
manuseiam;
fragmentos
que
podem
ser
acrescentados uns aos outros e que servem para a
aprendizagem das medidas ou das formas; letras com as
quais comporão palavras; bonecas para as quais deverão
confeccionar o vestuário e preparar a casa; animais de
cujo cuidado são responsáveis; jardinagem e horticultura.
A. S. defende uma aplicação flexível deste
método, julgando-o adaptável às várias regiões e aos seus
específicos interesses. Em textos como “Sobre a
Educação Primária e Infantil” ou ainda em “Cartas
sobre a Educação Profissional” - nos quais, de resto, há
temáticas coincidentes e muitas repetições - aplica-se o
nosso autor a descrever longamente a utilização do
material Montessori, pormenorizando a utilização dos
diversos utensílios: desde a boneca, às alfaias domésticas
ou agrícolas. É curioso ver como António Sérgio desce
ao pormenor de explicar como deverá ser utilizado cada
elemento do material Montessori, como se de um manual
de instruções se tratasse, demonstrando um interesse
131
prático na questão e um conhecimento dos meios técnicos
aprofundado, parecendo por isso apto a reflectir nas
questões de um ponto de vista pragmático. Enganamonos se pensamos assim, porque, simultaneamente, faz
propostas de índole técnica absolutamente impraticáveis
como sejam ir o professor sempre atrás do interesse do
educando, ou ter o assunto na aula aplicabilidade directa
na vida do aluno fora da escola, ou terem os assuntos de
fora da escola possibilidade de interferir na vida diária do
aluno na aula. Em teoria, podemos até concordar que este
papel de observador e orientador a partir do quotidiano
interesse do aluno, um pouco à maneira socrática, fosse o
papel ideal do professor, em teoria tudo parece, mais uma
vez, encaixar, mas no plano prático isso seria impossível
de concretizar. Este sistema era praticável tendo um
mestre muito poucos discípulos, ou mesmo um só de
cada vez. Talvez num sistema de preceptorado isso fosse
possível, não numa escola, com turmas de 20 alunos que
fosse. Uma ilustração do que seria a prática deste sistema
pode ser a escola dirigida por Faria de Vasconcelos, na
Bélgica, a Escola Nova de Bierges-lez-Wavre, onde o
ratio professores/alunos era de 17/25!
132
É possível, como se disse, encontrar páginas e
páginas de descrição de como poderiam (idealmente)
decorrer as lições à volta do material Montessori e, ao
mesmo tempo, não se encontra nunca uma reflexão, uma
análise, do que seriam as dificuldades práticas de
aplicação do método com todas as características que ele
lhe aduz, sobretudo a total ausência de direcção por parte
do professor e o aproveitamento ao momento, do que
fossem os interesses manifestados pelos alunos. O
método é praticável em grupos muito pequenos e António
Sérgio teria que se ter dado conta desta dificuldade.
Sendo o período de utilização do método
Montessori o que corresponde actualmente ao do ensino
infantil e primário, António Sérgio aconselha o
predomínio das actividades manuais nesta fase da
formação, porque entende terem estas um papel
importante no desenvolvimento da capacidade de aplicar
procedimentos correctos, de criar com exigência objectos
rigorosos e perfeitos, habituando-se a criança a
desenvolver
critérios
de
desempenho
óptimo
no
133
trabalho1. Mais adiante, quando falarmos da “Casa das
Crianças” especificaremos as várias indicações dadas
relativamente ao seu concreto funcionamento.
Presente em todo este modelo de pedagogia está o
objectivo de educar para a autonomia e a partir da
autonomia. A escolha do Método Montessori reforça essa
ideia, uma vez que segundo este método o professor deve
interferir o menos possível no percurso de aprendizagem
dos alunos:
“A liberdade no estudo é antes de mais limitar-se
o professor a estimular a curiosidade, deixando
ao interesse dos seus alunos o fazerem os estudos
muito a seu gosto, com plena iniciativa do seu
próprio espírito, e pelo uso constante da
investigação experimental.”, compreendendo, “
1º, que a vida de qualquer criança é um fluxo
autónomo de crescimento (físico e mental) que
nos não cabe favorecer directamente, mas de que
1
António Sérgio a este propósito diz em Sobre a Educação Primária
e Infantil, p. 36: “Como disse James «o trabalho manual gera hábitos
de observador e o conhecimento da diferença entre o exacto e o
confuso, e dá a intuição da complexidade da natureza, do inadequado
de todas as expressões verbais, impressão que, uma vez gravada no
nosso espírito aí fica para toda a vida; eles conferem precisão
porque, se fazeis uma coisa, heis-de fazê-la decisivamente bem ou
decisivamente mal; e desenvolvem a honestidade, porque quando vos
exprimis fazendo coisas, em lugar de pronunciar palavras, torna-se
impossível dissimular pela ambiguidade o vago do pensamento ou da
ignorância» (...)”.
134
é possível afastar obstáculos e a quem podemos
ministrar os materiais mais úteis1”.
Segundo este método: “Unir-se-iam os alunos em
pequenos grupos para o estudo cooperativo do que nesse
momento os interessasse, sempre buscando a disciplina
pela satisfação do interesse psíquico”; fomentando, deste
modo,
a
sua
total
liberdade.
Sendo
esta
ideia
entusiasticamente defendida por António Sérgio, e
havendo nele uma preocupação pela formação do carácter
na educação infantil, é legítimo perguntarmo-nos se ir
sempre o professor a „reboque‟ do interesse do aluno não
é criar nele uma deformação de carácter grave que
afectará a sua vida futura: na vida adulta não se
empenhará apenas pelo que a ele estritamente lhe
interessa, e terá muitas vezes de despertar o seu interesse
por algo que se lhe apresenta e se lhe impõe do exterior.
Mais do que fazer apenas o que lhe interessa, talvez deva
ser educado no sentido de se interessar pelo que faz.
1
Sobre a Educação Primária e Infantil, p. 21 e p. 28,
respectivamente.
135
4. A Estrutura Escolar proposta por António
Sérgio
A estrutura escolar do ensino público é-nos
apresentada em O Ensino como Factor do Ressurgimento
Nacional:
“ No entanto, apesar de que o problema dos
métodos é o mais importante em pedagogia, não
posso encerrar a palestra sem lhes dar idea do que
deveria ser, segundo julgo, a linha geral de uma
organização
nova
do
ensino
público
português.(...) Quer dizer: Dos 3 aos 7 anos,
escola infantil, e dos 7 aos 12, escola primária,
para todos. Aos 12 anos, bifurcação: uns para o
ensino primário superior e de continuação;
outros para o secundário e universitário.”1
(Sérgio, 1918)
A justificação para esta estrutura decorre de um
certo paralelismo com a hierarquização que aparece na
República de Platão:
1
Como se caracterizava cada uma destas subdivisões do ensino
segundo Sérgio? Curiosamente, temos textos escritos com alguma
extensão e cuidado a propósito das escolas primárias. Em O Ensino
como Factor do Ressurgimento Nacional encontramos indicações
sobre qual deverá ser o papel da Universidade; já quanto ao liceu, as
referências são escassas, destacando-se as que aparecem em “O
Clássico na Educação e o Problema do Latim” Ensaios II, pp. 95143.
136
“Encontraremos no grau inferior os soldados
rasos do trabalho: o obreiro rural, por exemplo, o
simples operário de uma fábrica, os pequenos
empregados de escritório, das lojas, das
repartições públicas, dos hospitais. Mais acima, o
grau a que chamaremos dos sargentos: são desse
grau o regente agrícola, o chefe de oficina, o
caixeiro-viajante, o escriturário, o enfermeiro e
outros assim. No alto da coluna, finalmente,
aquilo a que chamaremos os oficiais: um
agrónomo, um engenheiro, um médico, um
director de banco, um advogado, etc. Pois bem: a
estes três graus de funções sociais correspondem
os três graus de organização escolar: Escola
primária, Escola de Continuação, Universitário”1
(Sérgio, 1934 d)
Esta estrutura piramidal funda-se numa hierarquia
de competências e não num sistema de direitos herdados
pela classe a que se pertence.2 No final da escola primária
comum, há exames de selecção que permitem averiguar
quem é que tem qualidades para prosseguir para a escola
secundária, que se destina a preparar para a universidade,
1
António Sérgio, Aspectos do Problema Pedagógico em Portugal,
Lisboa, Sociedade de Estudos Pedagógicos, 1934, p. 23.
2
António Sérgio é acusado, por Rogério Fernandes, de que o seu
modelo escolar, ao considerar a divisão em Ensino Primário de
Continuação e Ensino Liceal, era um modelo que perpetuava as
diferenças sociais, pensamos que embora o resultado possa ser esse o
que António Sérgio pretende é formar elites e garantir que são elites
de competência. Cf. Ensaios VII, p. 230.
137
ou quem deve ingressar nas escolas primárias de
continuação. Um sistema de bolsas de estudo estava
pensado para os filhos das famílias que não tivessem
condições para pagar os estudos mas que fossem
suficientemente inteligentes para estudar na universidade.
Em contrapartida não se permitia que entrasse quem não
tinha capacidade, apesar de ter os meios. O aumento das
propinas de quem pudesse pagar, provia às bolsas de
estudo.1
1
Em Apêndice veremos o que planeava fazer nesse sentido quando
foi Ministro da Instrução Pública. Vejamos ainda o que Rogério
Fernandes diz a este propósito na História da Pedagogia
Portuguesa, p. 88: “O autor dos Ensaios, não pressentia o influxo
das condições da vida social e do micro-meio familiar na
determinação das aptidões ou «dotes». Ignorava, portanto, o carácter
socialmente discriminatório que o ensino de continuação revestiria
numa sociedade de classes antagónicas”.
Não admira que fosse esta a visão de António Sérgio uma vez que ele
entende que não podem as circunstâncias, nem por exemplo, os
esforços do professor, acrescentar nada ás possibilidades com que
nasce o educando em Ensaios II, p. 178, diz: “Cada criança é um
dado organismo (físico e intelectual ao mesmo tempo) de que não é
factível a pessoa alguma, e por simples processos de educação,
mental, o tirar efeitos persistentes fora dos limites que são ditados
pela própria natureza desse organismo” Se assim falava A. Sérgio
também admitia no mesmo artigo, duas páginas à frente, que “Trago
já dos que me deram o ser (...) e das circunstâncias da concepção, um
certo número de defeitos que me hão-de acompanhar por toda a vida.
Se minha mãe houvesse, durante o tempo que me teve em si seguido
um regime mais cuidadoso - melhor seria para a minha pessoa (...)”
parece portanto admitir que as interferências possíveis eram de
138
a) O Ensino Infantil
A. S. dedica grande atenção ao ensino infantil ou
“Casa das Crianças”; bastariam para prová-lo as extensas
referências que lhe consagra em “Cartas sobre a
Educação Profissional - Educação Profissional na Casa
das Crianças e na Escola Primária” e também em
“Sobre a Educação Primária e Infantil”. Como já
referimos, o método a seguir neste nível de ensino seria o
método Montessori, sem que se considerasse necessária
uma grande rigidez na sua aplicação. O ensino infantil,
disse, citando o Prof. Alberty - ainda não existia em
Portugal, e aquilo que tomava este nome era uma espécie
de instrução primária reduzida.
O material previsto por Montessori para utilizar na
Casa das Crianças compreende a boneca, a jardinagem e
o cuidar de animais. Destacamos aqui as vantagens que o
natureza biológica: ou genéticas, ou de ambiente. Aqui também seria
de perguntar se quem tinha que se sujeitar a trabalhos excessivos
durante a gravidez ou a uma pior alimentação não poderia assim
prejudicar e influenciar negativamente o desenvolvimento futuro da
criança. Voltaria assim a justificar-se a acusação de Rogério
Fernandes da desatenção de A. Sérgio às condicionantes sociais.
139
nosso autor vê na sua utilização. Esta fase do crescimento
infantil é um período em que o desenvolvimento e a
aprendizagem são, sobretudo, sensitivos, daí que tudo o
que apura os seus sentidos e os aperfeiçoa e concentra
seja considerado de grande proveito educativo.1
A utilização da boneca, adequada a ambos os
sexos nos primeiros anos, destina-se a mobilizar o
interesse espontâneo da criança: começando com a
confecção do seu vestuário, a propósito do qual se podem
ensinar as crianças a utilizar os vários materiais e a terem
uma noção de como se fazem tecidos; a seguir as crianças
treinam-se na tarefa de vestir e despir a boneca, o que
apura a sua habilidade manual no abotoar e desabotoar
1
Em Cartas sobre Educação Profissional, p. 27, explica: “A
evolução dos interesses da criança é a seguinte, segundo as modernas
investigações: dos 4 aos 6 anos, período dos interesses concretos
disseminados, ou período do jogo; dos 7 aos 9, período dos
interesses concretos imediatos; dos 10 aos 12, período dos interesses
concretos especializados ou idade das monografias; dos 13 aos 15,
período dos interesses abstractos simples; dos 16 em diante, período
dos interesses abstractos complexos. Mais minuciosamente, a
evolução espiritual seria marcada desta forma: 1, acordar das
sensações:; 2, aparição da linguagem; 3, gosto de trepar (aos joelhos
da mãe, aos móveis); 4, caça; 5, interesses pastoris (4-6 anos); 6
interesse agrícola, culminante pelos oito anos ; 7, interesse
migratório; 8, interesse pelo desenho (prologo natural ao amor da
escrita); 9, interesse pelas colecções; 10, interesse comercial; 11,
interesses sociais (cêrca dos 15 anos); 12, interesses especulativos”.
140
botões, atar e desatar fitas, etc.. Terminada a tarefa
relacionada com o vestuário da boneca, esta continua a
revelar-se um manancial de actividades. É ainda preciso
construir-lhe a casa, o que levará à feitura de trabalhos
em argila ou em madeira e trabalhos em lã, cordel ou
ráfia para os adereços; as várias casas podem servir para
construir uma maqueta da vila ou aldeia, o que constitui
um treino para o estudo da geografia ou do meio.
As histórias contadas pela professora, que ocupam
também uma parte importante do dia das crianças, podem
ser construídas também à volta da actividade com as
bonecas. A este propósito António Sérgio dá indicações
de princípio: “O conto deve ser antes de tudo obra de
arte, e secundariamente instrutivo; é seu objecto animar a
aula; facilitar a conquista da pequenada pela professora;
dar hábitos de atenção, e visco à cultura estética, à
dramatização e à leitura”1. Os contos podem também
predispor as crianças para o trabalho no exterior, na terra,
desde que a temática escolhida sejam as flores, os
animais ou os mitos da natureza. Na actividade do jardim
as crianças devem utilizar sobretudo as espécies que na
141
sua família se cultivem ou com que estejam de algum
modo habituadas a contactar fora do ambiente escolar.2
Quer a jardinagem, quer a criação de animais são
actividades particularmente aconselhadas pelo método e
sublinhadas por António Sérgio que, citando Mme.
Montessori, diz ser este um modo muito natural de
desenvolver na criança a atenção aos outros e a
consciência de que há quem dependa do seu cuidado
cultivando o sentido da responsabilidade.3
1
Cartas Sobre a Educação Profissional, pp. 12-13.
Há nesta preocupação de António Sérgio um traço fundamental do
seu ideal pedagógico para o qual gostaríamos de chamar a atenção:
trata-se de uma ideia que subjaz à chamada escola pelo trabalho, que
António Sérgio muito aprecia, e também da preocupação muito sua
de que o ensino não fosse vazio de experiência ou de conteúdos reais
contextuados fora da escola.
3
Cartas Sobre a Educação Profissional, p. 16: “Com feição mais
simples, a jardinagem deve começar na Casa das Crianças. Mme.
Montessori recomenda-a estrenuamente (assim como ao tratamento
de animais dizendo que por ela as crianças se iniciam: na observação
dos fenómenos da vida, e pouco a pouco no tratamento dos seres
vivos, por onde aprendem a apreciar os desvelos que teem com eles a
mãe e a professora; na previdência pela auto-educação: quando vêem
que a existência de certas plantas e animais depende do seu trabalho,
tornam-se vigilantes e começam a sentir o que seja uma missão na
vida; na virtude da paciência e da confiança na expectativa, que é
uma forma de fé e de filosofia da vida; no sentimento da natureza
mantido pelos prodígios da criação, que recompensa os que auxiliam
a medrar a vida das criaturas. Finalmente, seguem o caminho natural
do desenvolvimento da espécie humana, harmonizando assim a
evolução do individuo com a evolução da humanidade”. É todo este
2
142
O nível da Instrução Primária é dos mais
atentamente estudados. Contudo, a imensa maioria dos
textos relativos à reforma da escola primária, sempre que
referem um determinado tipo de escola, referem a escola
rural1. Montezuma de Carvalho considera dever-se este
interesse pelas escolas rurais a dois motivos: um de
carácter doutrinal: é o fraco poder de compra dos
portugueses (e o seu fraco desenvolvimento económico)
que tem origem no “escasso e não programado
desenvolvimento da agricultura”2, que justifica a
necessidade de promover os campos pela instrução. Deve
aqui lembrar-se que a ideia de revolução presente em
António Sérgio é sempre a de uma transformação pacífica
o „milagre‟ que podemos esperar da utilização de plantas e animais
na educação das crianças. Pensamos que a perspectiva de António
Sérgio em relação a este assunto é, como habitualmente, de uma
expectativa excessiva, muito optimista, como é próprio da sua
inclinação para a utopia.
1
Em todos os textos que li de António Sérgio é sempre escolhida
para exemplo a escola rural. Veja-se como ilustração o que diz em
Ensaios III, p. 260: “Como, por necessidade, grandíssima parte das
escolas são rurais, e a profissão agrícola é a mais importante (e por
muito) de todas as profissões do nosso país; como são a agricultura e
as pescarias o que nos convém sobretudo desenvolver, fugindo a
exageros de industrialismo, - é para a escola rural,
principalissimamente, que se devem voltar as atenções”.
2
António Sérgio a Obra e o Homem, p. 312.
143
e profunda que passasse pela mudança das mentalidades
e que esse ideal era privilegiadamente servido pela
educação. Daí que, penso, se possa dizer que toda a obra
de A. S., quer filosófica quer política, assenta no pilar da
pedagogia, seria a pedagogia - a paideia- o grande motor
de toda a obra sergiana. O outro motivo é de carácter
afectivo: o entusiasmo manifestado por Ezequiel de
Campos, agrónomo e devotado colaborador de Sérgio na
revista Pela Grei. Esse interesse pelos escritos de Sérgio
“encaminhados à conquista de uma agricultura rica e
racional, influíram o camarada de trabalho e luta e daí a
nota reiterativa com que Sérgio se encarinha pela
agricultura ao tratar da instrução pública”1. Pensamos,
em todo o caso, que é o motivo de ordem conceptual que
prevalece no papel de destaque dado à escola primária
agrícola e no empenhamento que pôs na sua reforma:
“ Em Portugal, ao que suponho, dois principais
objectivos deveria ter a instrução primária:
preparar o Cidadão e aperfeiçoar o agricultor,
ensinando-lhe os processos de se emancipar;
educar para a liberdade e para o trabalho
cooperativo. (...) Como, por necessidade,
grandíssima parte das escolas são rurais, e a
1
António Sérgio a Obra e o Homem, p. 311.
144
profissão agrícola é a mais extensa (e por muito)
de todas as profissões do nosso país; como são a
a agricultura e as pescarias o que mais nos
convém desenvolver, - é para a escola rural,
principalìssimamente, que se devem voltar as
atenções” 1
Tendo presente que a maioria dos exemplos
práticos e das sugestões de Sérgio a propósito da escola
primária giram à volta da escola rural, vejamos quais as
suas propostas para a escola primária pública.
Os principais pontos em que sugere a alteração
dos métodos usados na escola primária são, como já se
indicou, o contraponto do que ele considera os seus
defeitos capitais. Assim, a um ensino que é verbalista - o
professor ensina conceitos e são conceitos, ou melhor,
termos, o que pretende obter na resposta - deve
contrapor-se o uso da pergunta socrática que não espere
do aluno respostas vazias de experiência, mas que o deixe
com mais interrogações, e com as suas próprias respostas
a partir do estímulo do professor. De um ensino que
privilegia o uso da memória, exigindo que o aluno
retenha conteúdos mesmo sem deles ter a real
1
Sobre a Educação Primária e Infantil, pp. 21, 23.
145
compreensão, deve passar a ser um ensino que faça o
aluno
problematizar
e
interiorizar
os
seus
conhecimentos.1
A escola deve ser lugar de acção: em vez de
encontrar teorias prontas a criança deve partir do facto
observado para chegar então à teoria. A criança deve
aprender fazendo: “Toda a concepção sergiana de
educação infantil e primária, inspirada nas ideias da
Escola de Genebra sobre a psicologia infantil, é penetrada
pela directriz da actividade e do trabalho produtivo”1
O ensino descritivo deve passar a ser explicativo,
o que implica compreender um fenómeno enquadrado
num todo inteligível.
b) A Escola Primária
1
Um dos garantes fundamentais do êxito desta reestruturação ao
nível do ensino primário seria a formação de docentes que fossem
detentores de conhecimentos teóricos e de treino prático, para tal
deveriam enviar-se jovens professores ao estrangeiro para se
habilitarem nos novos métodos. Entende-se aqui novos no sentido
mais concreto do termo, António Sérgio diz que na educação, mais
do que em qualquer outro lugar, se deve seguir o preceito de não
deitar o vinho novo em odres velhos (cfr. Sobre Educação Primária
e Infantil, p. 57).
146
A escola primária deve aproveitar também o
material
Montessori,
mas
utilizando-o
mais
aprofundadamente. No tratamento do jardim, as crianças
devem começar por medir e dividir os lotes, desenhar
uma planta do terreno, escrever para os fornecedores para
pedir os materiais, fazer a respectiva contabilidade. Nas
actividades de experimentação agrícola, devem registar
todos os seus procedimentos, bem como calendarizar as
actividades e registar cuidados especiais e tempos de
germinação das diferentes espécies. De modo análogo se
procede no que diz respeito ao cuidado com os animais.
Embora neste período a pedagogia deva continuar
a insistir na acção e nos trabalhos manuais, já que o
desenvolvimento da criança continua a ser sobretudo
sensorial, vai agora especializar-se no aperfeiçoamento
das competências.
Distinguem-se dois períodos fundamentais no
ensino primário: um período preparatório da educação
profissional, que dura até cerca dos 10 anos, e um
período de educação profissional propriamente dita, que
se prolonga até aos 14 anos. Este ensino profissional não
1
A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p. 76.
147
é de carácter técnico mas politécnico, uma preparação das
aptidões profissionais dos alunos, em geral, que devem
chegar às oficinas não especializados mas treinados a
desempenhar bem e com seriedade a actividade
profissional em que vão especializar-se.
No primeiro período da escola primária, até aos
10 anos de idade, reparte-se o tempo dos estudantes do
seguinte modo: Lições de Coisas (1h-1h30); Jogos (1h);
Histórias (1h30); Trabalhos Manuais ( sem limite predefinido).
Para as „lições de coisas‟ o professor pode traçar
um plano, mas deve estar disposto a modificá-lo se assim
o exigir um interesse especial dos seus alunos - António
Sérgio não explica se o interesse deve ser de um grupo
grande de alunos ou se basta que alguns alunos estejam
interessados noutro tema para o professor mudar o
esquema. O interesse dos alunos deve “ditar tanto o ponto
de partida como a ordem dos estudos”1
Ainda no âmbito das „lições de coisas‟ pode fazerse, por exemplo, uma visita de estudo a uma mercearia
onde os alunos se inteiram dos géneros, dos preços e das
148
pesagens e podem realizar um trabalho de pesquisa
fazendo perguntas sobre o funcionamento da mesma ao
merceeiro. De volta à sala de aula, a lição prática tem
continuidade com trabalhos que mostrem a atenção que
os alunos prestaram à visita de estudo.2
Os jogos também são aproveitados como factores
educativos. As histórias têm, tal como na escola infantil,
o papel de despertar o gosto pela leitura. Nesta fase as
histórias devem escolher temas e personagens da própria
história.
Nesta prática pedagógica têm lugar de destaque os
trabalhos manuais3. Para que se opere uma mudança na
1
Cfr. Cartas Sobre Educação Profissional, pp. 16-18.
Cartas sobre Educação Profissional, p. 18: “(...) discutir, os
géneros os preços, as pesagens. (...) De volta à aula um aluno redige
uma lista dos preços de que se lembra, outro uma descrição da visita
ao merceeiro, outro um trabalho sobre o sistema de medidas, etc.”.
3
Em Considerações Histórico-Pedagógicas, p. 51, diz: “E como
poderia a escola primária combatê-los eficazmente? Por um lado,
directamente desliteratando-se, dando ao trabalho manual o lugar
devido (que é o maior) e fazendo tender todos os esforços para a
actividade produtora”; Outro exemplo, Ensaios VII, p. 228:
“(...).Não se trata simplesmente de fazer operações manuais, mas de
realizar uma actividade de maneira a salientar ao mesmo tempo as
conexões que ela implica (conexões de natureza científica,
psicológica e moral), extraindo dela o máximo possível de
autodomínio para a vontade, de visão clara para a inteligência, e
fazendo tender todos os esforços para a comunidade de trabalho,
2
149
mentalidade, deve tornar-se o intelecto mais „aplicado‟,
para a cooperação revolucionária. O indivíduo adquire assim, a partir
do seu próprio esforço, a intuição da sociedade, da sua dependência
em relação a ela e do seu poder de a modificar para uma maior
perfeição”. Pela importância de que se reveste em toda esta opção
metodológica, passaremos a incluir ainda uma citação extensa das
Cartas Sobre Educação Profissional, pp. 19-22, sobre os objectivos
dos trabalhos manuais: “Seriam variados os objectivos dos trabalhos
manuais: 1º Fornecer experiências sociais conducentes à aquisição de
conhecimentos; interpretar os domínios da ciência e da arte em
termos adaptados à vida das crianças; multiplicar em torno delas os
ensejos de criarem, aplicarem e revelarem aptidões; estabelecer a
relação entre a escola e o ambiente; (...) 3º Estabelecer ideais de
apuro, precisão, asseio, rigor, sinceridade, juízo claro. (...) 4º
Combater a retórica lusitana, esse desconexo palavreado fantasista
que o insigne Verney tão justamente zurziu; 5º Suscitar a estima do
trabalho e do operário, aproximando as classes sociais (...) 6º
Propender para o altruísmo, desde que os alunos mais velhos
confeccionem para os mais pequenos o que estes são incapazes de
executar; 7º Cultivar a solidariedade na colaboração; 8º Acostumar à
atenção, à paciência, à perseverança; 9º Habituar à independência e a
contar consigo próprio (...); 10º Treinar os sentidos e o sentimento da
forma e dos valores estáticos; 11º Dará confiança e desembaraço no
emprego das ferramentas; 12º Preparar para as indústrias mas não
instruir para elas, quer dizer, educar não especializando, ou, na
minha terminologia dando ensino profissional mas não técnico (...)
13º Dar ao aluno habilidade nas operações elementares necessárias e
aplicáveis a todas as profissões.” (itálicos do texto original). Como
podemos ver os trabalhos manuais tinham vantagens pedagógicas
excelentes podendo mesmo servir a objectivos contrários - veja-se o
ponto 6º e o 9º da citação anterior. É evidente que a pedagogia pela
acção pode ser rica e variada e as ocasiões de pôr em prática
múltiplas virtudes estão com certeza presentes quando o aluno
interage e está envolvido num trabalho que requer cooperação. Mas
mais uma vez nos parece estar aqui presente uma visão „romântica‟
da realidade, no sentido pejorativo que a palavra tinha no próprio
vocabulário sergiano.
150
mais manual e é preciso que se „intelectualize‟ o trabalho
manual - fazendo com que se busquem com a inteligência
as raízes científicas da prática - é preciso intelectualizar a
mão e tornar manual o cérebro. Esta ideia ilustra
teoricamente o que se procura com a chamada „escola do
trabalho‟1.
1
Ensaios VII, p. 225: “A característica da escola de trabalho, tal
como eu a compreendo, não é apenas uma questão de método, mas
também um conceito determinado da função educativa. Que
pretendemos nós? Dar aos espíritos a capacidade de um contínuo
desenvolvimento e aperfeiçoar a sociedade em que vivemos. Estes
dois objectivos reduzem-se, afinal, à mesma ideia, porque
desenvolver os indivíduos é aperfeiçoar a sociedade, e porque do
carácter da sociedade depende, por sua vez, o desenvolvimento dos
indivíduos. Mas por que meio, e de que forma, influencia cada um de
nós (de maneira normal e persistente) a sociedade de que faz parte?
Pelo trabalho da profissão”. Na interpretação que lhe dá Rogério
Fernandes, A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p. 54, há ainda
um objectivo político procurado com esta prática: “Como poderá a
educação preencher essa função revolucionária? Contribuindo para o
conhecimento reflectido das realidades que se encontram por detrás
da fachada do capitalismo? A exploração dos trabalhadores e dos
povos? Unir a escola à produção e ligar a escola à classe operária?
Se é certo que Sérgio afirma que o problema da sociedade de hoje é
«coarctar as depravações da organização capitalista, abolir a
exploração do homem pelo homem, encaminharmo-nos para o ideal
de uma sociedade sem classes, tornar humano e agradável o trabalho
de cada um», não é menos certo que, para atingir esse alvo, Sérgio
apenas anunciava como antídoto a união do trabalho manual e do
trabalho intelectual, num sentido aceitável por um capitalismo
avançado e, ainda por cima, na perspectiva de congraçamento de
classes característica da sua filosofia”.
151
Acima dos 7 anos de idade o professor deve exigir
a exactidão e o rigor do verdadeiro artífice no trabalho
manual
e
não
permitir
artifícios
que
escondam
deficiências. O professor não deve emendar a obra do
aluno mas sim exemplificar noutro pedaço de material;
deve corrigir a postura do aluno de maneira a ensinar-lhe
uma forma saudável de estar na respectiva actividade.
O trabalho do aluno, ao mesmo tempo que faz
parte de um todo, deve ainda ser individualizável, de
modo a permitir que a criança cultive o brio no seu
trabalho. O aluno deve trabalhar objectos nos quais
pressinta utilidade e todas as suas tarefas devem estar
intimamente ligadas ao seu mundo exterior à escola.
Este papel pedagógico só é bem desempenhado
pelo professor; mesmo que na oficina haja artífices que
muito bem saibam do seu ofício, não devem ser estes a
ensinar os alunos mas sim um professor treinado. Diz
Sérgio que, fatalmente, os artífices caiem nos vícios da
sua profissão ao explicarem as suas tarefas aos alunos.
Por volta dos 12 anos estabelece-se uma
diferenciação no trabalho manual segundo os sexos. Na
152
fase terminal da escola primária, estão os alunos na
“idade das monografias”, segundo a classificação que
apresentámos atrás1. Esta fase é propícia a estudos
abstractos simples, a leitura e a aritmética fazem-se à
volta de estudos monográficos; o mesmo acontece com a
geografia que segue um tema e que tenta elucidar as
questões dando o seu contexto. As temáticas escolhidas
devem ter que ver directamente com a vida dos alunos e,
por procura das semelhanças e diferenças, em estudos
comparativos, podem depois ser alargadas a temáticas
distintas e longínquas em relação à experiência mais
directa dos alunos.
É também próprio deste período o estudo da
História. Numa crítica ao modo “espectrista” como se faz
o tradicional estudo da História, António Sérgio propõe,
como alternativa, um estudo que parta dos problemas
contemporâneos, que verse temas como as relações do
trabalho e os problemas económicos da actualidade2. A
1
Crf. Cartas sobre Educação Profissional, p. 27.
O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 33:
“Passemos à história. O que há nela sobretudo de educativo e útil é
pôr a criança em contacto com as realidades sociais profundas: a
história introduz a criança no conhecimento social (como a geografia
no condicionamento físico da acção humana) habilitando-a a intervir
2
153
razão desta escolha prende-se, mais uma vez, com o
objectivo de tornar o ensino aplicado, com conteúdos
familiares ao aluno e integráveis no seu quotidiano. Há
neste estudo uma quota importante de pesquisa pessoal
que o professor deve estimular.
c) As Escolas de Continuação
No final do ensino primário obrigatório os alunos
fazem exames para averiguar as suas aptidões. Com base
no resultado do exame se decide quem deve prosseguir
para o liceu, e eventualmente destinar-se à Universidade,
e quem deve ficar no ensino de continuação.
Sobre as Escolas de Continuação diz : “Nada me
parece mais importante, para ordenar o sistema de
instrução pública e para adequar o conjunto da
organização escolar às necessidades pedagógicas e
sociais da época do que criar o ensino de continuação”1.
Acerca do seu funcionamento explica:
mais tarde nos problemas da sociedade. O ensino da história tem por
objecto ajudar a compreender o actual e agir sobre ele”.
1
Citado por Rogério Fernandes A Pedagogia Portuguesa
Contemporânea, p. 88.
154
“(...) Nas escolas de continuação, dos 14 aos 18
anos, os alunos acumulariam os seus estudos com
o exercício de um emprego. Estes estender-seiam pelo período da aprendizagem devendo
compreender os seguintes ramos: Instrução
prática e teórica nas oficinas, laboratórios e
granjas escolares, dada por especialistas da
profissão do aluno sob os auspícios de uma
associação correspondente; Instrução comercial;
Instrução cívica teórica e estudos sociais; Cultura
literária e artística”1.
O modelo adoptado para as Escolas de Continuação
é um misto do modelo britânico (que não inclui o treino e
o exercício de uma profissão e no qual vê o
inconveniente de treinar um aluno tecnicamente durante 4
anos sem se saber se está certa a sua escolha
profissional), e o modelo americano, que inclui - como o
projecto sergiano - o exercício de uma profissão, mas
com uma particularidade, neste último caso, que requer
uma colaboração mais estreita entre a escola e a
sociedade civil e que, por isso mesmo, é porventura mais
difícil de implantar no nosso país. Trata-se de um sistema
que inclui a passagem dos alunos durante períodos de 3 a
4 semanas por fábricas ou oficinas que mantêm acordos
1
Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 41.
155
com as escolas, num regime de alternância com a
frequência das aulas. A rotatividade dos alunos por várias
fábricas ou ofícios permite-lhes testarem a sua vocação a
tempo de mudarem se acharem necessário e também lhes
faculta a possibilidade de conhecerem melhor as várias
profissões. No projecto de António Sérgio também está
previsto que o aluno mude se não se integrar, mas o
sistema não lhe faculta logo à partida a circulação por
vários ofícios.
No período em que Sérgio foi Ministro da
Instrução Pública, encerraram-se as Escolas Primárias
Superiores com o fito de as substituir por este tipo de
ensino, as Escolas de Continuação. Deste aspecto
trataremos no Apêndice dedicado à prática política de
Sérgio no âmbito da educação.
d) As Escolas Secundárias ou Liceus
Após o período do ensino primário obrigatório os
alunos mais dotados passam, portanto, a frequentar a
Escola Secundária. A formação aqui dada diferencia-se
em 4 ramos nos dois anos terminais, - posto que, em
156
„moços‟ de dezasseis anos cuja instrução tiver sido bem
conduzida já se deve ter revelado um específico interesse
ou vocação. A simples divisão em letras e ciências é
insuficiente. Assim propõe 4 cursos diferentes segundo as
especialidades escolhidas:
“Esses cursos seriam o clássico, com línguas
mortas história e filosofia, para as futuras
faculdades de letras e direito; o científico, com
ciências e filosofia, para as faculdades de
ciências e de medicina; o comercial, com línguas
vivas, contabilidade, etc., para os institutos de
comércio,; o de técnica geral, para os institutos
superiores de engenharia e agricultura”1
No período em que foi Ministro da Instrução
Pública propunha-se reformar o Liceu, eliminando do
curriculum
as
matérias
que
o
sobrecarregavam
fomentando ao mesmo tempo a interdisciplinaridade2.
Neste ramo de ensino, tal como em todos os outros,
Sérgio defende a integração da escola no meio ambiente e
1
O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 42.
Das acções concretas desenvolvidas em prol do Liceu durante o
período em que foi Ministro, trataremos em apêndice dedicado ao
tema.
2
157
o fortalecimento dos laços com a comunidade em que
está inserida1.
e) A Universidade
Na Paideia António Sérgio refere que é vulgar
ouvir queixas acerca da qualidade dos estudantes
universitários que não revelam qualquer capacidade ou
gosto para a “alta criação intelectual”2 Contra isso propõe
que seja feita uma selecção rigorosa aos alunos no final
do ensino primário e ao longo do secundário, tendo por
objectivo recrutar os melhores dentre os melhores para a
frequência do ensino superior. Propõe-se mesmo impedir
1
No Projecto de lei da Reforma de João Camoesas, em que participa,
no ponto 4, (Diário do Governo, 2 de Julho de 1923, p. 2259) está
consignada a relação entre a escola e as comunidades defendendo a
ideia de que “As escolas não só deixam, pelo seu isolamento que as
converte de meios em fins, de exercer sobre o ambiente a acção que
lhes compete, mas também de receber dele as benéficas correntes de
vida larga e renovadora que lhes pode fornecer”.
2
Ensaios VII, p. 233: “Ouvem-se queixas constantes de que somos
um país de bacharéis; de que os liceus e Universidades estão
empachados de estudantes que não nasceram com capacidade (nem
com gosto) para a alta criação intelectual”.
158
a entrada aos que têm facilidades financeiras mas pouca
vocação para a vida intelectual e criar um sistema de
bolsas de estudo que permita recrutar os melhores alunos
dentre as classes com menos recursos.
“O ensino secundário e o superior devem visar à
criação urgente de uma boa elite directriz, preparando os
alunos com os dotes necessários para virem a formar a
nossa grei”1 O sistema de ensino vigente produz
«bacharéis», com aquele mesmo desenraizamento da
prática que é nosso defeito nos vários graus de ensino.
Para se contrariar esta tendência importa introduzir na
Universidade o princípio do trabalho produtivo, o que, na
circunstância,
significa
iniciar
os
estudantes
da
Universidade no trabalho de investigação.
Citando Paulsen e Alexandre Herculano, António
Sérgio defende que os professores universitários devem
ser investigadores produtivos e mestres de ciência, o que
só é possível realizar aliando a Universidade a Institutos
de Investigação Científica2.
1
Ensaios VII, p. 230.
Durante o período em que foi Ministro da Instrução Pública cria o
Instituto do Cancro para abrigar a investigação feita neste domínio
2
159
A boa formação universitária não pode esquecer a
integração dos jovens formandos na sua futura profissão:
o somatório de competências técnicas nas várias matérias
que constituem o curso não chega para formar um
profissional1.
Introduzir
nas
escolas
superiores
a
investigação científica e a colaboração profissional a este
nível é reformar o ensino superior pelo princípio director
do trabalho produtivo.
entre nós. Tratamos desenvolvidamente este assunto no Apêndice
dedicado à actividade política de Sérgio.
1
Ensaios, VII, p. 224: “Além disto, há um requisito a exigir da
escola técnica superior (de agronomia, de engenharia, de medicina,
etc.): é introduzir o estudante na vida concreta da profissão. Com
efeito, exercer o mister de médico não é, por assim dizer o simples
somatório de fazer anatomia, fisiologia (...) Num caso, o doente; no
segundo, a granja; no terceiro, o mar, - assimilam os conhecimentos
numa síntese viva e especial que torna o excelente clínico, o
excelente agrónomo, o excelente marinheiro, uma coisa diversa do
excelente sábio nas ciências subsidiárias das respectivas profissões”.
160
CAPÍTULO IV
Educação e Sociedade
Quando, no capítulo anterior, abordámos o
diagnóstico de Sérgio sobre o estado do ensino em
Portugal, apresentámos na altura as reformas escolares
que, segundo ele, se impunham, e mostrámos como o seu
entendimento da questão vinculava o estado da nossa
educação às opções feitas no campo económico e social
ao longo de gerações, nomeadamente, interpretava-o
como uma consequência da nossa política expansionista.
Em textos como “O Ensino como Factor do
Ressurgimento Nacional”1 ou “Considerações HistóricoPedagógicas”2 são-nos apresentados quer o diagnóstico,
quer as propostas de transformação do ensino. O
enquadramento da questão pedagógica apresentado nestes
textos vai no sentido de interpretar o estado actual do
ensino como efeito de opções passadas, por um lado, e,
por outro lado, como causa da inércia que caracteriza as
nossas actuais opções de carácter político, económico e
1
2
Ed. Citada.
Ed. Citada.
161
social. O que vamos estudar neste capítulo são as
propostas concretas de Sérgio para o envolvimento da
escola na formação de uma consciência social. Que
escola e que sociedade queria fundar? de que modo
confluíam ou coincidiam os dois projectos? - a formação
da nova escola e da nova sociedade.
Inspirado nos ideais da Escola Nova, as propostas
de Sérgio vão no sentido da criação de um modelo
dinâmico de escola com um perfil multifacetado. Uma
escola a que chamamos de intervenção, envolvida na
resolução dos problemas concretos de cada região; uma
escola
empenhada
na
promoção
da
sociedade,
emancipadora do povo e promotora da autonomia e do
cooperativismo. Na tentativa de elencar sistematicamente
os
aspectos
mais
importantes desta problemática
abordaremos em sequência: a função social dos
estudantes; a formação e o papel das elites; o
pragmatismo dos ideais da nova escola; a escola e a
cultura da autonomia e, finalmente, o ideal do estado
cooperativo e o papel decisivo da escola na sua fundação.
162
1. A Escola de Intervenção
a) A Função Social dos Estudantes e o Papel das
Elites
Na situação em que se encontrava a nossa
sociedade e a nossa escola, a função dos estudantes era
entendida como a de “ir à escola e fazer os exames”; se
colocássemos a pergunta de qual é o fim pelo qual as
pessoas vão à escola, obteríamos, na maioria das vezes, a
resposta de que era exactamente para ir à escola e fazer
os exames. Admitindo que alguém mais lúcido se
questionava sobre a finalidade de tal prática e chegava à
conclusão que ir à escola se destinava a preparar melhor
para a vida, imediatamente se notava o fracasso do nosso
modelo escolar no cumprimento deste objectivo.
Entende o nosso autor que as reformas escolares
devem ter como principal finalidade acabar com o
burocratismo e promover, na senda das propostas de
Herculano, a regionalização e descentralização da escola.
163
Para conseguir alcançar esse objectivo, era preciso que as
próprias regiões desenvolvessem esforços no sentido de
alcançarem a sua autonomia em relação ao poder central.
Não se podia esperar que a decisão de autonomizar as
regiões viesse do parlamento a quem servia perfeitamente
o sistema escolar vigente. Essa reivindicação de mudança
devia partir das associações profissionais: “sociedades
científicas
e
literárias,
agrupamentos
económicos
(patronais,
operários ou agrícolas), caixas
rurais,
1
cooperativas, câmaras de comércio, etc” .
Um movimento deste tipo, partindo do âmago da
própria sociedade, requeria “propagandistas naturais do
movimento, desde os literatos aos economistas, desde os
industriais da região aos amadores de arte local, desde os
poetas regionalistas (...) até aos arqueólogos(...).2” Esta
transformação social era, em grande parte, obra das
próprias elites intelectuais que deveriam fortalecer o
regionalismo e, ao mesmo tempo, promover a coesão
nacional do movimento, um não sobreviveria sem a
outra: “Nem um movimento nacional pode ter força sem
1
2
A Função Social dos Estudantes, p. 23.
Idem, p. 24.
164
se firmar em indivíduos valorizados por organizações
regionais, nem estas poderão impôr-se sem se integrarem
conscientemente num movimento nacional”1.
As propostas de transformação social de António
Sérgio privilegiam a mudança gradual, profunda e
pacífica, feita a partir de dentro da própria sociedade.
Mas para que este objectivo fosse concretizável era
necessário formar as próprias elites:
“o terceiro dos processos que preconizo2 é a
formação de sociedades para a discussão dos
problemas sociais que mais interessam aos
estudantes, e entre eles os problemas da
educação. Assim iriam formando no seu espírito
um ideal educativo para obrigar depois as escolas
a caminhar para esse ideal (...). Esta intervenção
exige que os estudantes fiscalizem o ensino sob a
inspiração de um ideal; que se revoltem contra os
maus elementos e os maus métodos; que apoiem
com entusiasmo os bons elementos e os bons
métodos, acompanhando os professores de
iniciativa reformadora. Tudo isso, porem, deve
fazer-se com conhecimento seguro e bom critério,
depois de estudo e reflexão, e de maduramente
1
Idem, p. 25.
O primeiro seria a introdução do auto-governo na escola, que
tratámos em capítulo anterior; e o segundo a introdução dos
problemas das comunidades locais nos programas e vida da escola,
que também abordámos no mesmo capítulo.
2
165
concertarem uma acção metódica, ditada por
largos ideais.”1
Para além da constituição de sociedades para
discussão dos problemas e de orientação dos estudantes, a
preparação curricular deveria passar a incluir a formação
prática nos problemas que afectavam a nossa sociedade.
Deste modo, os estudantes seriam um factor real de
diferenciação e promoção da sociedade. António Sérgio
concretiza propondo que os estudantes se preocupassem,
por exemplo, com a promoção de hábitos e criação de
estruturas que melhorassem o estado de higiene em que
viviam as populações; que preparassem cursos nocturnos
com temas de utilidade prática para os operários e
agricultores; que as escolas facultassem a utilização das
bibliotecas e dos laboratórios abrindo-os à sua utilização
externa.
As elites intelectuais são vitais para a reforma
preconizada por Sérgio, daí a necessidade de as integrar
nos movimentos reivindicativos de mudança e de, por
outro lado, investir na sua formação. “Em resumo, a
escola deveria intervir directamente nos problemas
1
A Função Social dos Estudantes, pp. 34-35.
166
sociais (a começar nos problemas sociais da localidade);
manter-se em comunicação com o pensamento da nossa
elite; e ser a tribuna sempre aberta a todos os apóstolos e
reformadores”1.
A. S. combate vivamente os paternalismos,
estaduais ou outros2. Imprescindíveis ao progresso da
sociedade, as elites teriam, como atrás referimos, um
papel provisório: logo que a sociedade encontrasse o seu
rumo, as elites deviam reconduzir-se à qualidade de
cidadãos comuns.
É evidente que podemos detectar nesta proposta
de António Sérgio alguns traços do seu romantismo
idealista, que ele tanto combateu em teoria mas com o
qual, na prática, tantas vezes pactuou. Como é que
aproveitaria a uma população inculta, com uma taxa de
analfabetismo elevada a utilização de uma biblioteca ou
de um laboratório? Sérgio combate muito activamente as
campanhas de alfabetização porque entende que só
aprender a ler e escrever não chega e que essa
1
2
Idem, p. 35.
Cf. Ensaios VII, p. 230.
167
aprendizagem desligada de uma formação social e moral
se tornaria prejudicial à sociedade1. Independentemente
de o que diz poder ser defensável, o que é facto é que a
este mesmo povo, ao qual falta o instrumento básico da
alfabetização, pouco aproveitarão as bibliotecas abertas e
os laboratórios de entrada franca.
b) O pragmatismo da nova escola
Que ideais eram estes que deviam animar os
precursores da nova escola? quais deveriam ser as linhas
de força da nova educação do povo português? Eis o que
nos diz Sérgio sobre o seu papel de intervenção e
transformação social da escola:
“ A educação do povo, nos dias de hoje, é cousa
mais séria do que tu supões. Não basta ensinar o
abc, e muito menos pelos processos velhíssimos
que são do conhecimento desses pobres diabos a
quem darias as «pequenas gratificações» (...)
[Temos de educar o nosso povo para o governo
económico da sociedade.] Saber ler, escrever e
contar é um instrumento, unicamente, para nos
ajudar adquirir uma educação: mas é tanto uma
educação (dizia um pedagogista da Norte1
Cf. O Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, p. 29 e
Sobre a Educação Primária e Infantil, p. 56.
168
América) como um garfo e uma faca são um bom
jantar. A instrução primária, na actualidade, tem
de preparar o Cidadão e aperfeiçoar o
Trabalhador [cooperativista]; tem de educar para
a Liberdade e para Trabalho cooperativo. Nas
escolas rurais, é da vida rural que se deverá
cuidar. Fazer [aí] o agricultor-cidadão;
estabelecer um ideal de Casa Agrícola [,
associada a outras para transacções em comum];
reformar os métodos do agricultor português,
acostumando-o à prática do cooperativismo e à
intervenção [consciente] na cousa pública: tal
deve ser o nosso intuito. Fugir sempre das
abstracções: não perder de vista o lar e a granja, a
vida doméstica e a vida agrícola, a prática do
trabalho em colaboração com outros. Como ter
melhores lares no nosso campo, aperfeiçoar a
granja e os seus produtos; e uma vida mais
higiénica, mais culta, mais rendosa, mais
solidária, mais feliz, para a classe operária de
Portugal: por aí se determinará a função da
escola”1.
Como podemos verificar, estão impregnados de
pragmatismo os ideais da nova escola2. As reformas
1
António Sérgio, Democracia, Lisboa, Sá da Costa, 2ª edição, 1974,
pp. 46-47. De agora em diante Democracia, seguido da página.
2
António Sérgio sempre combateu esta classificação de pragmatista,
mas uma coisa é o seu auto-conceito e outra a leitura que podemos
retirar das suas propostas. Mas vejamos o que diz a este propósito,
Ensaios II, p. 195: “Dito isto, advertirei agora, em segundo lugar,
que não pode o conceito de «pedagógico» ser identificado ao de
«pragmático» e que ele se não opõe de maneira nenhuma à ideia de
«cultura desinteressada» do espírito. Muitíssimo ao invés, pelo que
169
preconizadas
são
de
imediata
utilidade
prática,
sublinhando a recusa da utilização das abstracções que
ele
sempre
caracteriza
como
ocas.
O
objectivo
fundamental da escola é a reforma da sociedade
portuguesa no sentido de um maior desenvolvimento
cultural e económico.
c) A Escola para a Cultura da Autonomia e o Ideal de
Estado Cooperativo
i) Descentralização e auto-governo
Sérgio tem como actividade central a pedagogia, é
como pedagogo que ele próprio se classifica, e preocupase desde o início com as transformações que urge fazer na
nossa sociedade: investir na produtividade em detrimento
do culto de aparência - ou do bacharelismo, como muitas
respeita aos pois a doutrina pedagógica que está neles inclusa sempre
trouxe patente como fim supremo a cultura desinteressada e o
florescimento do eu. (...) e todo o meu interesse pela economia
política (isso a que chamaram o meu «pragmatismo social» se origina
na crença de que só na mutação do económico se acha meio de
lograrmos que o maior número de almas possa vir a consagrar o
maior número de horas à cultura desinteressada do seu ser anímico”.
170
vezes gosta de lhe chamar1 -; investir na autonomia dos
sujeitos e do povo, em detrimento das tutelas;
revolucionar a partir de dentro o sistema, utilizando o
„cavalo de Tróia‟ que é a educação para o auto-governo e
para a escola do trabalho2.
Consciente de que a mudança das mentalidades se
opera ao longo de gerações, o nosso autor entende que o
grande instrumento promotor da mudança é a educação.
Autêntica mudança é a que se opera no espírito. Como
nenhum aspecto da vida dos indivíduos se pode encerrar
num
compartimento
estanque,
as
mudanças
na
1
Cf., por exemplo, Considerações Histórico-Pedagógicas, p. 51.
A este propósito diz Rogério Fernandes em A Pedagogia
Portuguesa Contemporânea, p. 56: “Se quiséssemos caracterizar em
poucas palavras o núcleo essencial das concepções pedagógicas de
Sérgio diríamos que elas se resumem na criação da escola do
trabalho em substituição da educação livresca e meramente
Verbalista do bacharel. Vai ser esta a base fundamental de toda a
sua doutrina em matéria de educação e instrução”. Em Rogério
Fernandes, “António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, in
Revista de História das Ideias, Vol. II, pp. 615-16 (de agora em
diante título do artigo e página): “Nenhum outro teorista enquadrado
no democratismo burguês irá tão longe, e com tanto ardor, na defesa
de um sistema de ensino baseado no trabalho e na prática, e portanto
na união intrínseca do trabalho intelectual e do trabalho manual. O
trabalho seria, para Sérgio, o eixo fundamental de toda a acção
educativa, «um instrumento de todo o progresso de consciência», o
mais perfeito instrumento de humanização”.
2
171
mentalidade vão ter repercussões ao nível da estruturação
da sociedade e da sua economia:
“criem-se em suma as elites locais, capazes de
dirigir com espírito largo os negócios concretos
da região, de civilizar o povo com quem estão em
contacto e de inspirar as decisões do governo
central[; e o Estado, ao mesmo tempo, que chame
as associações a colaborar com ele]. Para suscitar
as elites locais cumpre reformar por completo a
escola, introduzir nela a autonomia escolar
(instrução cívica pelo self-government), a
educação intelectual pela iniciativa do aluno e o
trabalho produtivo em comunidade [(ou
cooperativa)], ligado este sobretudo à faina
agrícola.
Tudo isto significa, em resumo, descentralizar mas descentralizar... pelo espírito. O espírito é
tudo. Não curemos de obter o efeito só por meio
de reformas legislativas, políticas e formais.(...)
A reforma, por isso, só começará quando nas
cidades, nas vilas, nas aldeias, dessa «vasta
granja da capital chamada as províncias»
(Herculano), houver grupos de cidadãos
[honestos] decididos a contar consigo próprios,
dispostos a combater no seu caminho a
omnipotência das clientelas, a criar falanges de
reformadores que dirijam os serviços de geral
interesse, repelindo o polvo do centralismo dos
vários redutos de que se apossou. Criar o espírito
descentralista, o gosto da iniciativa na vida
social, o da actuação na cooperativa e na
sociedade escolar, na oficina e no sindicato, na
172
assembleia provincial e no município: eis o que
importa, se não é erro grande o que digo aqui.” 1
A cultura da autonomia - do povo português como
um todo, de que resulta a descentralização política, e
autonomia dos sujeitos, pela cultura do auto-governo - é a
preocupação
central
e
omnipresente
no
modelo
pedagógico de Sérgio. Como vimos no capítulo dois, este
ideal de auto-governo serve para formar o carácter de um
povo que é nele educado: veja-se o exemplo das
sociedades
anglo-saxónicas
(povos
de
família
particularista, como lhes chama Sérgio) em que a
„gentry‟, a nobreza ligada à terra, chama a si a resolução
dos seus problemas em vez de esperar que o Estado os
resolva2.
O nosso perfil meridional, em tudo diferente do
perfil dos povos de família particularista, tem tudo a
ganhar em fomentar a sua autonomia na escola e na
sociedade em geral. O auto-governo serve como modelo
a adoptar para a nossa educação escolar, como semente
cujos frutos se colhem, a curto prazo, nas escolas,
1
2
Águia, Junho 1917, p. 48.
Cf. Considerações Histórico-Pedagógicas, p. 13.
173
tornando o ensino mais adaptado às necessidades e mais
interessante para os alunos, e a longo prazo, através da
formação de elites, como única forma de regenerar a
maneira de estar que nos caracteriza enquanto povo.
ii) O cooperativismo
António Sérgio dedica uma boa parte da sua vasta
obra à divulgação e defesa do seu ideal de Estado: o
Estado cooperativo. Este nosso estudo não tem por
objecto esse aspecto da obra de Sérgio, daí que a nossa
abordagem desta questão seja subsidiária do estudo dos
aspectos pedagógicos do pensamento do nosso autor. A
questão do entusiástico interesse de Sérgio pelo Estado
cooperativo só nos vai ocupar na medida em que a
fundação de um tal Estado dependia da educação do povo
e, era, ela própria, um aspecto de um plano pedagógico
mais geral pensado para o povo português no sentido de
promover a sua autonomização. É a questão demopédica
que nos interessa abordar aqui, e é apenas nesse âmbito
que aludiremos ao Estado Cooperativo.
174
No enquadramento da abordagem do ideal
pedagógico de Sérgio na sua relação com a forma ideal
de Estado e de sociedade por ele preconizadas, vamos
dar-lhe, mais uma vez, a palavra:
“O cooperativismo, para mim, constitui elemento
de um plano geral pedagógico de educação
autonomística do nosso povo. Como lhe disse em
outra carta, o padre Didon definiu a educação
como sendo a arte de emancipar os homens. Ora,
a boa política, no meu modo de ver, é também
uma arte de emancipar os homens; e estou na
crença de que o grande político - como o grande
pedagogo - é aquele que com a máxima
simplicidade
e
humildade
trabalha
constantemente por se tornar dispensável; que é o
que treina o povo para se governar a si mesmo,
com o mínimo de intervenção de quaisquer
políticos.
As «pedras vivas» da população adulta, em
cooperativismo integral (...) realizam a sua
própria governação económica, associativamente,
- e também a sua própria educação moral, por
isso que o cooperativismo é o regime económico
em que o bem de cada homem coincide enfim
com o dos outros, em que trabalhar para os
demais é trabalhar para si mesmo, abolidos por
completo todos os antagonismos de interesses,
todas as lutas de classes.”1.
1
Democracia, p. 187.
175
Como podemos ver neste texto, há um inegável
paralelismo entre a boa actividade política e a boa
pedagogia,
ambas
devem
ter
por
finalidade
a
autonomização dos sujeitos: a pedagogia a autonomia do
sujeito singular e a política a autonomia do povo, a quem
António Sérgio gosta de chamar as pedras vivas.
É por requerer para a pedagogia e para a política
este paralelismo de objectivos que, se no plano
pedagógico privilegia o auto-governo, no plano político o
regime que privilegia é o do cooperativismo. Pelo seu
funcionamento autonómico, independente do poder
central, o cooperativismo é o sistema económico/político
que permite mudanças mais profundas em relação ao
modo de vida actual das populações e lhes faculta a
possibilidade de tomar conta do próprio destino.
Mas será apenas um regime que proporciona
vantagens de carácter económico sobre os outros
regimes? Para o nosso autor, não. O Cooperativismo
revela-se como o regime que permite viver em paz,
crescer em dignidade e autonomia, construir um
verdadeiro socialismo não estadualista:
176
“Desde o princípio - como foi que o
cooperativismo se me apresentou ao espírito?
Como simples expediente para baratear a vida?;
para libertar os obreiros (considerados no aspecto
de cidadãos que consomem) de serem
sacrificados a profissionais do comércio, (...)
Não, nunca: sempre esperei dele muito mais. (...)
O cooperativismo, para mim, nunca foi só isto.
Não foi só um meio, um instrumento, um
caminho, porque foi sempre a meta; porque foi
sempre um fim. Sempre o considerei como uma
fórmula de vida, uma estrutura de sociedade, uma
visão de paz; como um sistema, uma solução, um
ideal, um alvo, - um objectivo para todos, um
ideal para todos, que a todos se dirige, que se
não recusa a ninguém. Vi sempre no
cooperativismo (...) um sistema completo, uma
tese genérica, de carácter moral e sociológico;
uma larga e compreensiva filosofia política sobre
a melhor estruturação do nosso viver comum, e a
racional e libérrima anunciação profética de uma
humanidade diversa da que temos hoje: com
outra civilização, outra orientação, novíssimo
estilo; (...) vi nele a marcha para a emancipação
do povo, mas sempre por caminhos de libertação
efectiva; (...) o prólogo indispensável, a condição
necessária, para a prática quotidiana do amor do
próximo, para o advento de uma democracia que
não há-de ser fictícia, porque dispensa os
políticos e a actuação pelo Estado; (...) Vi nele
um socialismo, em suma, mas não estadualista:
um socialismo libertário, acolhedor de todos, sem
distinções de classes de teor económico”1.
1
António Sérgio, Confissões de um Cooperativista, Lisboa, Editorial
Inquérito, 2ª Edição, s. d. (1948?), pp. 8-10. De agora em diante,
177
As transformações que espera aconteçam na
estrutura social graças ao cooperativismo levariam ao
estabelecimento de uma sociedade sem classes, pois, a
seu ver, seria este o único modo civilizado de conceber a
sociedade futura. Trata-se de uma mudança que deveria
acontecer naturalmente por um processo de crescimento
social1. Este entendimento ideal da questão mereceu-lhe
críticas, por parte de Rogério Fernandes, por exemplo, e
Confissões de um Cooperativista, seguido da página.
1
Miguel Baptista Pereira, “O Neo-Iluminismo Filosófico de António
Sérgio”, in: Revista de História das Ideias, nº 5, Vol. I, Coimbra,
Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras, 1983,
p. 50: “Interessado na morte do Estado tentacular, o socialismo
sergiano nasceu antiestatista e liberal ou libertário, pois
«cooperativismo e estadualismo são dois conceitos que se repelem»,
«todo o cooperativismo é, por natureza, anti estatal» (...). Perante o
fenómeno da revolução russa, Sérgio pretende que o cooperativismo
satisfaz « melhor do que o bolchevismo, sem violências nem tiranias,
o ideal de justiça que se ele propôs», sem se apoderar do Estado e do
seu domínio absoluto, mas desenvolvendo o Cooperativismo «dentro
da sociedade capitalista como se desenvolveu o Capitalismo dentro
da sociedade senhorial» através do método essencialmente
económico de criação de cooperativas, pois «o serem os homens
patrões de si mesmos (tanto no económico como no moral e no
político) é o que nós chamamos Democracia»”.
178
louvores, por parte de Barahona Fernandes e de Miguel
Baptista Pereira1.
Em Sérgio não se entende a sociedade sem classes
como uma igualitarização dos sujeitos. António Sérgio
privilegia a diferença: os homens nascem diferentes e a
mais importante tarefa de um pedagogo é, justamente, a
de fazer desenvolver a singularidade presente em cada
um de modo a torná-lo mais próximo do que o Universal
espera dele2.
1
Cf. Respectivamente: A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p.
72 e p. 88 e, também do mesmo autor, “António Sérgio Ministro da
Instrução Pública”, p. 615.
Henrique Barahona Fernandes in: Homenagem a António Sérgio.
Lisboa, Academia de Ciências de Lisboa, Instituto de Altos Estudos,
1976, p. 118, diz: “Pensamos que o conceito da democracia de
António Sérgio, partindo da cultura e das ciências e aplicando-as à
pedagogia e ao progresso social e económico - pelo cooperativismo é bem mais humano do que muitas das «utopias» e posições
revolucionárias do nosso tempo”, e também em Miguel Baptista
Pereira, Op. Cit, se veicula a mesma opinião.
2
Ensaios II, pp. 169-170: “Diferem os homens uns dos outros: e
essas diferenças cumpre aceitá-las, logo de entrada. As
possibilidades de cada um (quero eu dizer) dependem das condições
do seu organismo: e colocar diante de todos perspectivas igualmente
belas só pode trazer como consequência a dificuldade de viver no
real, - a desilusão, a miséria, a revolta. Em primeiro lugar, o que está
ao alcance do educador é um trabalho [por assim dizer} negativo,
difícil e importantíssimo: o de procurar não fazer mal, o de afastar do
educando tudo o que prejudique o desenvolvimento (...) descobrir o
«eu essencial» de cada moço, e propor o caminho mais conveniente
para esse «eu essencial», pois há para cada um dos educandos um
179
Na
sua
globalidade,
o
que
espera
do
Cooperativismo é uma revolução moral e social pacífica,
fundada em mudanças mais de carácter espiritual que
estritamente
económico.
Como
já
referimos,
as
transformações económicas interessam-lhe porque julga
que facilitam e propiciam as mudanças de carácter
espiritual. Daí que o projecto do cooperativismo seja, ele
também, um projecto que depende de uma revolução na
pedagogia a única que garante as mudanças de
mentalidade, as mudanças de carácter espiritual que são
as que verdadeiramente importam:
“(...) para mim a política, em última análise, é a
política da beleza, da espiritualização, da cultura:
porque em mim a política foi sempre instrumento
- sempre mero instrumento - de uma obra de
humanismo desinteressado e artístico. Nem ao
bem comum o submeto: porque o bem comum,
em última instância, está para mim na cultura
desinteressada do íntimo. Nunca visionei esse
bem senão como bem de cultura, como atitude
estética, - como um belo entendimento, como um
puro amor. Para mim, pedagogia e cultura são a
mesma coisa - não porque reduza a minha noção
certo grupo de profissões, um dado regime de existência, uma tal
atitude ética, que incluem o máximo benefício que ele pode produzir
cá neste mundo - a si mesmo e à Sociedade; (...) dar-lhe os
conhecimentos necessários para poder representar o papel social para
que a natureza o destinou...”.
180
de cultura a uma ideia acanhada da função
pedagógica, senão porque dilato a minha
concepção pedagógica à largueza máxima da
minha noção de cultura considerada como um
esforço para a divinização da pessoa”1.
Há em António Sérgio uma fé no crescimento do
humano que é excessiva, que exprime uma convicção
panteísta, num Deus que está presente em toda a natureza
mas que se exprime privilegiadamente no homem, um
Deus que é apenas expressão da Razão na História.
António Sérgio que tanto critica Hegel, tem, quanto a
nós, uma visão muito semelhante à dele mas apresentada
como a sua expectativa teleológica de um império de
razão, que Sérgio sempre considera divina.
1
Ensaios II, pp. 195-96.
181
APÊNDICE
Sérgio e a Prática Política em Educação
Como se aplica o idealismo de Sérgio? O que
realiza o nosso autor quando a oportunidade de actuar se
lhe oferece? Que distância vai entre o ideal e a sua
concretização? Em diversas ocasiões deixámos já
entrever como é difícil para o nosso autor o plano da
acção. Ao fazermos o levantamento da sua actividade
política, no âmbito da educação, teremos a oportunidade
de verificar a discrepância existente entre os seus ideais e
a sua actuação.
Faremos aqui o elenco dos principais actos
políticos de Sérgio tendentes a pôr em prática o seu ideal
pedagógico, ideal cuja exposição foi o objecto deste
estudo1. Não sendo um estudo de história da pedagogia,
1
Para o tratamento desta temática contribuiu decisivamente a leitura
dos estudos, já anteriormente citados, de Rogério Fernandes:
“António Sérgio, Ministro da Instrução Pública” e A Pedagogia
Portuguesa Contemporânea; o estudo da Proposta de Lei sobre a
reorganização da educação nacional, proposta de lei de João
Camoesas, em cuja elaboração o nosso autor tomou parte activa; a
leitura dos Decretos Lei publicados por Sérgio no período em que foi
Ministro da Instrução Pública e a leitura do Relatório que publicou já
182
vamos cingir-nos a uma análise dos aspectos mais
relevantes da sua actuação política, focando apenas os
momentos
mais
significativos
deste
esforço
de
concretização.
Deixaremos fora deste estudo outros aspectos da
sua actividade política, como sejam a sua oposição ao
regime salazarista e a análise das muitas polémicas em
que se envolveu.
1. A Comissão para a Reforma do Ensino em 1918
Em 1918, António Sérgio é nomeado, para fazer
parte de uma comissão encarregada da reforma do ensino
normal. Nessa altura coloca à referida comissão a questão
prévia de saber se a comissão apenas se encarregaria de
aspectos legislativos, em abstracto, ou se se empenharia
em criar verdadeiros redutos de renovação cultural. A
Comissão optou pela segunda hipótese e nomeou Sérgio,
demissionário. Acerca da polémica que se gerou a propósito do
funcionamento da Junta de Educação Nacional - um dos projectos
sergianos mais queridos e que ele julgou ver deturpado - esclareceunos o livro de Jacinto Baptista: Pela Liberdade da Inteligência,
Lisboa, Colibri, 2001. De agora em diante Pela Liberdade da
Inteligência, seguido da página.
183
em parceria com Celestino da Costa, para estudarem e
elaborarem um projecto/proposta de criação de uma Junta
cuja função seria a de promover a renovação cultural,
“criar focos para a reforma da cultura em Portugal”1.
O projecto apresentado por esta Comissão segue
de perto os ideais de Sérgio mas acaba por não ser levado
por diante porque Sérgio pede a sua exoneração,
alegando que não tem condições para poder trabalhar, já
que não confia na boa fé de todos os elementos da
Comissão2.
2. A União Cívica e as 11 medidas da Reforma
Pedagógica
Desde o fracasso desta Comissão, em 1918, até
1924 regista-se intensa actividade de índole política
marcada pela tónica das críticas à educação vigente e das
propostas de reforma do ensino. Em 1923 publica na
Seara Nova, juntamente com Afonso Duarte, Ferreira de
Macedo, António Augusto Gonçalves, Bazílio Teles,
1
2
Cf. A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p. 95.
Cf. “António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, p. 617.
184
Faria de Vasconcelos, Augusto Casimiro, Carlos
Selvagem e Ezequiel Campos, entre outros, um
documento sobre a reforma do ensino, com a
apresentação de 11 medidas de reforma pedagógica1, o
chamado «Apelo à Nação». Estas medidas podem em
parte identificar-se com as apresentadas por Sérgio em
outros textos pedagógicos seus, nomeadamente em O
Ensino como Factor do Ressurgimento Nacional, e
também podem encontrar-se no texto da Reforma
proposta por João Camoesas, na qual Sérgio vem a
colaborar juntamente com Faria de Vasconcelos.
1
Em “António Sérgio, Ministro da Instrução Pública”, p. 618,
Rogério Fernandes afirma: “Com efeito, as 11 medidas preconizadas
abrangem a reorganização das escolas normais e seus programas,
com a criação de quatro escolas modelos - infantil, primária,
secundária e de continuação -; remodelação dos programas de
instrução primária e secundária, desenvolvimento do escutismo e da
Educação Cívica pelo self-government; criação de uma Junta de
Educação, com «liberdade de movimentos» e exercendo funções
inspectivas, de avaliação pedagógica e executivas; fomento da
Educação Cívica e apoio, no mesmo sentido, à acção das
municipalidades; criação do «Tesouro da Educação Nacional»
administrado pela Junta; adaptação da escola primária rural ao meio
ambiente; criação de uma Junta de Orientação dos Estudos; criação
de uma Residência de Estudantes e de consultórios de orientação
profissional; criação de escolas de trabalhos manuais, anexos a
grupos de escolas e de museus pedagógicos; e, finalmente, criação da
escola de continuação, «com estudos gerais e técnicos, que
185
3. O Projecto da Junta de Orientação dos Estudos
O projecto da Junta de Orientação dos Estudos,
baseado na experiência espanhola, aparece, pelo menos
desde
1918,
abundantemente
referido
em
textos
pedagógicos de Sérgio, sob a designação de Junta de
Propulsão dos Estudos ou Junta de Orientação dos
Estudos. Seria da sua competência dar bolsas para estudar
no estrangeiro a professores e investigadores, com o
objectivo de promover a investigação e o arejamento e
renovação cultural, enriquecendo os nossos quadros com
a experiência que poderiam adquirir em contacto com
novos métodos no estrangeiro1. A Junta deveria também
substituirá a secundária e superior para os indivíduos que não devem
destinar-se à alta cultura intelectual».
1
Ensaios II, pp. 54-55: “Por isso, no programa da Seara Nova,
liminarmente, como base necessária de tudo o mais, pedimos uma
Junta de Propulsão dos Estudos, que tenha a seu cargo o
desenvolvimento [enérgico} da cultura crítica da mocidade; que dê
bolsas de estudo no estrangeiro; que crie institutos de investigação
científica onde trabalhem depois os seus bolseiros; que organize o
esforço dos nossos mestres e a preparação sistemática do nosso
186
coordenar
superiormente
centros
e
institutos
de
investigação.
Sérgio considera o projecto de criação da Junta de
Orientação dos Estudos de tal modo importante que
condiciona a sua participação no projecto de reforma
educativa do gabinete de João Camoesas à garantia de
que poderia introduzir no projecto um artigo respeitante à
criação deste organismo1. Ele próprio afirma mais tarde
que aceita suceder a João Camoesas no cargo de Ministro
da Educação para tentar concretizar este projecto e é
depois porque o parlamento não lhe aprova as verbas para
a efectivação da Junta que apresenta a sua demissão.
A Junta Orientadora dos Estudos estava pensada
para funcionar com independência em relação ao poder
político e ao governo. Contudo, desvirtuando esta ideia
escol. O mais necessário em Portugal é uma boa elite organizadora,
elite de saber e de urbanidade, composta de gente de superior cultura,
que saiba resolver-nos os problemas técnicos, libertar o agrícola
continuar um Mouzinho, educar-nos para o uso das liberdades
cívicas de maneira pacífica e criadora, sem histéricas dramatizações
da vida pública: e com o fim de formar esse mesmo escol é que
pedimos uma Junta de Propulsão dos Estudos”.(Em nota: Claro que
o nome nada importa: ou Junta de Orientação [ou de Propulsão} dos
Estudos, ou Junta de Educação Nacional, ou até, em estilo do século
XVIII Junta da Providência Literária...). Cf. também a referência à
Junta em Sobre a Educação Primária e Infantil, p. 26.
187
inicial, o projecto foi posto em prática mais tarde, já sob
a égide do regime salazarista, com o nome de Junta de
Educação
Nacional,
nesta
altura
em
moldes
completamente diferentes, com a totalidade dos seus
membros nomeada pelo Estado. Este facto fez com que
António Sérgio entrasse em polémica com alguns
elementos, que estando do seu lado aquando da
elaboração do projecto da Junta, aceitaram depois
colaborar nela na sua versão alterada2.
4. A Proposta de Reforma de João Camoesas
A passagem de António Sérgio pelo Gabinete de
João Camoesas foi marcada por algum tumulto. Pelo que
transparece no texto de duas cartas enviadas a Afonso
Lopes Vieira houve, entre Sérgio e Faria de Vasconcelos,
diferentes modos de entender a sua participação no
Gabinete. Como seria de esperar da personalidade do
1
Cf. A Pedagogia Portuguesa Contemporânea, p. 95.
Pela Liberdade da Inteligência, p. 26 : “Quem não se sente não é
filho de boa gente - poderá dizer-se da atitude de Sérgio na questão
em apreço: o ensaísta, como se verá, reage à apropriação, incorrecta
em seu juízo, da ideia da Junta pela Ditadura e à colaboração dada a
essa apropriação por alguns amigos seus”.
2
188
nosso autor, ele entendia que as reformas deveriam ser
elaboradas pelos técnicos - neste caso entenda-se por
Faria de Vasconcelos e ele próprio - e não deixadas ao
cuidado do Ministro, este deveria antes ser entendido
como um agente político, que existia justamente para
viabilizar o que os técnicos e intelectuais tivessem
concebido. Em seu entender, Faria de Vasconcelos
subordinava em demasia a concepção do projecto a João
Camoesas, o que a ele, Sérgio, lhe desagradava, porque
julgava ser possível imprimir um cunho à reforma muito
mais de acordo com o projecto que o grupo da Seara
Nova havia preparado e que atrás referimos.
A partir de determinado momento, do que se
depreende das cartas, Sérgio colaborou do exterior,
através de Faria de Vasconcelos. No entanto, a proposta
de lei da Reforma da Educação apresentada por João
Camoesas é sobreponível no seu conteúdo aos textos de
Sérgio sobre a reforma do ensino e também à proposta
veiculada no «Apelo à Nação» do Grupo «Seara Nova».
Embora no projecto de lei a redacção dos temas seja
diferente, atendendo ao teor do documento, o texto é
substancialmente idêntico às críticas e aos projectos
189
apresentados em O Ensino como factor do Ressurgimento
Nacional. Ao dizermos que se encontram aqui as ideias
de Sérgio, não pretendemos que a autoria seja em
exclusivo do nosso autor. Faria de Vasconcelos, que com
ele trabalhou na Reforma, tinha posto em prática ideais
semelhantes, na Bélgica, quando dirigiu a Escola Nova de
Bierges-lez-Wavre, que funcionou de 1911 a 1914. Esta
experiência foi mesmo posta em livro por Faria de
Vasconcelos em Une École Nouvelle en Belgique.
A primeira parte do texto é dedicada à crítica ao
sistema vigente. As soluções apresentadas surgem como
resposta a essas mesmas críticas. Assim, dedicaremos
alguma atenção ao aspecto crítico do texto, com a
preocupação de identificar a sintonia das posições
apresentadas com o ideário de Sérgio. A situação do
ensino está de tal modo desadequada que “O país sente,
tão acentuada é a evidência do fenómeno, que não logra
em matéria de ensino, resultados correspondentes aos
seus esforços em dinheiro e em homens”1. Após a guerra,
urge repensar a escola e adequá-la às novas necessidades.
190
A crítica é dividida em 19 pontos fundamentais, que
abrangem desde os âmbitos da educação, aos tipos de
estabelecimento de ensino e aos instrumentos de
fiscalização. Começa o texto por referir as deficiências da
Cultura Física, apresentando como causas o facto de o
espaço físico das escolas não ser o mais adequado; a
ausência de pátios e de mobiliário escolar apropriado que
não permitem o treino físico a que acresce ainda uma
deficitária ou inexistente inspecção médico-escolar.
A proposta passa seguidamente à análise da
cultura intelectual, e, usando os mesmos argumentos de
Sérgio - de resto muitíssimo enunciados em todos os seus
textos sobre educação2 - diz que os nossos programas de
ensino: “além de excessivamente sobrecarregados, não
mantêm relações directas e estreitas, quer com as
condições físico-psíquicas dos alunos, quer com as
exigências da vida e das escolas e das profissões para que
pretendem
ilusoriamente
preparar”3.
Facilmente
1
Diário do Governo, II Série, 151, de 2 de Julho de 1923, pp. 2258.
Note-se que este reparo acerca do desperdício de recursos é uma
crítica muito comum nos textos de Sérgio.
2
Cf. por exemplo O Ensino como Factor do Ressurgimento
Nacional; Sobre a Educação Primária e Infantil. Ed. Cits.
3
Diário do Governo, II Série, 151, de 2 de Julho de 1923, p. 2259.
191
reconhecemos nestas observações a crítica sergiana ao
ensino livresco.
A crítica ao estado da nossa cultura moral e social
frisa: “O sistema de disciplina negativo e repressivo não
cultiva e estimula a independência e a responsabilidade
do indivíduo e a indispensável formação do senso
social1”. A crítica a esta faceta da formação aponta ainda
como aspectos deficitários, além da estrutura horária dos
estudos que não deixaria margem à cultura das virtudes
morais e sociais, a fraca relação existente entre a família
e a escola. Se este último aspecto não merece relevância
nos textos que conhecemos de Sérgio, já a referência
negativa à disciplina repressiva e à falta de oportunidade
para desenvolver as virtudes sociais, são, como a seu
tempo referimos, temas muito caros ao nosso autor, os
quais lhe merecem tratamento pormenorizado em textos
anteriores2.
A análise recai a seguir sobre a relação da escola
com o meio, e também esta análise está em consonância
com o pensamento de Sérgio sobre o tema: “As escolas
1
2
Idem.
Veja-se por exemplo a Educação Cívica de 1916.
192
não só deixam, pelo seu isolamento que as converte de
meios em fins, de exercer sobre o ambiente a acção que
lhes compete, mas também de receber dele as benéficas
correntes de vida larga e renovadora que lhes pode
fornecer”. Como em outro ponto do nosso estudo
referimos, Sérgio inova e antecipa actuais perspectivas e
preocupações nesta questão da relação da escola com o
meio envolvente.
A análise dos diversos graus de ensino: o Infantil; o
Primário;
comerciais,
o
Secundário;
coloniais,
as
“Escolas
domésticas,
agrícolas,
industriais
e
profissionais” e as “Universidades e Escolas Superiores”,
segue o ideário de Sérgio a este propósito.
Em relação ao ensino da primeira infância verifica
que este não existe e que não pode o Estado alhear-se
dessa responsabilidade pela importância que esse período
tem para o desenvolvimento ulterior de criança. No que
respeita ao ensino primário, é feita a crítica aos
programas, por extensos e desadequados das realidades
do país: “ Além disso os programas, sobrecarregados e
pedantes, não atribuem às ciências naturais e trabalhos
manuais, a importância que lhes compete pelo seu alto
193
valor educativo e utilitário, dada a sua aplicação concreta
e imediata à vida, por outro lado não se adaptam,
exactamente
como
sucede
aos
métodos,
ao
desenvolvimento e aos interesses naturais dos alunos”.
Podemos identificar aqui, mais uma vez, a posição de
Sérgio em relação a este assunto: o nosso autor dá a
maior relevância a uma pedagogia da acção, cuja primeira
aproximação são justamente os trabalhos manuais; por
outro lado, a sua preocupação pela aplicabilidade directa
do ensino também está presente; lembremos que Sérgio
defende uma continuidade entre a escola e a casa, de tal
modo que o que se aprende na escola tenha imediata
aplicação na vida fora dela.
Ainda a propósito da escola primária, e na senda
dos ideais de S., continua a proposta de lei com uma
crítica ao facto dos professores não serem agentes de
educação cívica, económica, moral e social. Também é
apontada a crítica às infra-estruturas - ou à ausência delas
- nomeadamente é feita a referência à inexistência de
horto escolar; lembremos mais uma vez que o horto
escolar era um meio educativo muito valorizado por
Maria Montessori, teorizadora do método que leva o seu
194
nome, método que Sérgio defende como o mais adequado
para o ensino primário.
Vimos como inovação na proposta - em relação
ao que estudámos do pensamento de Sérgio - a referência
a “Escolas para anormais”. Este tipo de escolas não tem
grande destaque no pensamento anterior de Sérgio. A
proposta de Reforma considera-as necessárias para
“torná-los (aos anormais) capazes de um rendimento
social que liberte a colectividade do seu peso morto de
seres improdutivos”1.
A crítica ao ensino secundário e às escolas
técnicas transpõe para estes níveis os problemas
apontados à escola primária: extensão dos programas,
ensino livresco, programas desajustados aos objectivos e
à realidade prática que enforma a vida quotidiana dos
educandos; a que acresce ainda a total ausência de
interdisciplinaridade,
por
que
não
contextua
as
disciplinas e não lhes dá o devido enquadramento. O
ensino encontra-se inoperante porque completamente
desadaptado das necessidades da sociedade portuguesa.
1
Diário do Governo, II Série, 151, de 2 de Julho de 1923, pp. 2259.
195
No que diz respeito ao ensino universitário os
defeitos
fundamentais
voltam
a
repetir-se:
a
desadequação dos programas em relação às necessidades
da vida laboral do país num reiterado desenraizamento da
vida prática; os métodos de ensino não são os mais
rendosos; ausência de estímulo à investigação; criação de
cursos desnecessários e carência de outros.
À apresentação dos aspectos críticos segue-se a
proposta de lei propriamente dita com o programa de
reorganização escolar baseado na proposta apresentada
meses atrás no «Apelo à Nação»:
“criação de quatro escolas experimentais infantil, primária, secundária e de continuação -,
com novo regime de composição de cursos;
modificação de programas; criação do Museu
Pedagógico de Lisboa, com a finalidade de
organizar material de ensino para as escolas,
publicar guias para os professores, etc.;
remodelação do ensino normal e criação do
Instituto de Ciências da Educação; criação de
uma Junta de Promoção de Estudos; criação de
uma Junta de Estudos Sociais; criação de uma
Residência de Estudantes; fundação de um
internato no tipo das Escolas Novas; contratação
de professores estrangeiros, para, sobretudo, o
ensino de continuação e o ensino técnico;
nomeação de uma comissão executiva das
196
reformas, e de uma comissão de reforma do
ensino superior”1.
Neste conjunto de reformas proposto, como
resposta concertada às críticas formuladas no início,
encontramos claramente presente o plano de Sérgio para
a reforma da educação. Para além de encontrarmos na
obra de Sérgio justificação teórica para todas as medidas
avançadas, podemos mesmo, em relação a algumas delas,
reconhecer que aparecem em outros textos seus. São
exemplo disso, a tónica geral de pedagogia pela acção ou
do trabalho; as escolas experimentais; a contratação de
professores no estrangeiro e a célebre Junta de Promoção
dos Estudos1.
5. António Sérgio Ministro da Instrução Pública
António Sérgio ocupa a pasta da Instrução Pública,
num governo presidido por Álvaro de Castro, entre 18 de
Dezembro de 1923 e 28 de Fevereiro de 1924. A sua
1
“António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, p. 630.
197
nomeação como Ministro é antecedida de uma «Carta
Aberta» dirigida a S. Exa. o Presidente da República»
enviada pelo Grupo «Seara Nova». Nessa carta o grupo
propunha medidas, a tomar de imediato, encaminhadas à
concretização da reforma educativa. Essas medidas
teriam muito em comum com as que tinham sido
indicadas no documento publicado pelo mesmo grupo
antes da Proposta de Reforma de Camoesas.
Em todo o texto da «Carta Aberta» se pode ver a
participação do próprio António Sérgio, quer pelas
referências indirectas à sua colaboração na „Reforma‟ de
Camoesas, quer pelo conteúdo da proposta que, também
ela, é muito semelhante às reformas defendidas por
Sérgio nos seus textos pedagógicos.
Álvaro de Castro pretende formar governo com
uma equipe de „independentes‟. Sendo ele próprio um
dissidente do Partido Nacionalista, é sua intenção que o
seu gabinete seja supra-partidário. Refere Rogério
Fernandes, que o jornal O Século de 18 de Dezembro de
1923, afirma que Jaime Cortesão teria sido a primeira
1
Cf., por exemplo, Cartas Sobre a Educação Profissional, ed. cit., p.
37 e também, ao longo de toda a obra, em O Ensino como Factor do
198
escolha para a pasta da Instrução Pública. Perante a
recusa deste, e a convicção do Grupo «Seara Nova» de
que os problemas nacionais requeriam uma acção
concertada, Álvaro de Castro terá proposto a entrega de
três pastas do Governo ao Grupo: Instrução, Agricultura e
a
Guerra.
As
duas
primeiras
foram
entregues
respectivamente a Sérgio e a Azevedo Gomes, membros
efectivos do Grupo, e a pasta da Guerra teria sido
entregue ao Major Ribeiro de Carvalho, por sugestão do
Grupo.
A oportunidade de actuar dada a Sérgio iria
certamente ser aproveitada. Desde 1918, com a sua
primeira participação num projecto de reforma educativa,
projecto abortado como já referimos, até ao primeiro
documento do Grupo «Seara Nova» o “Apelo à Nação”,
que vai constituir matéria prima para o texto da Reforma
Camoesas, e, finalmente, com esta última, em que
participa primeiro directamente e depois duma forma
mais indirecta, podemos dizer que é seu desejo intervir e
pôr em prática as suas ideias pedagógicas, com o
Ressurgimento Nacional, ed. cit.
199
protagonismo da acção ou sem ele1. O seu meteórico
mandato é tumultuoso. Analisaremos aqui algumas das
suas intervenções mais marcantes.
a) A Criação do Instituto do Cancro
O seu acto legislativo de maior sucesso, já que a
Instituição criada se mantém ainda hoje, embora com
inevitáveis diferenças em relação ao projecto original, foi
a criação do „Instituto do Cancro‟, destinado a albergar a
investigação que neste campo se vinha a fazer em
Portugal desde 1901.
Pelo decreto nº 9333 é criado o Instituto ao qual
se
reconhece
autonomia
técnica,
científica
e
administrativa. Refere-se também nesse decreto a sua
1
Em carta a Raúl Proença, citada por Rogério Fernandes em
“António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, p. 622-23, podemos
ler: “O Camoesas está amuado comigo. Muito correcto, mas dá a
entender q. eu não fui bastante gentil para com ele. Coisas em que
me mete o nosso amigo Faria, com as suas infinitas
condescendências e molezas em relação ao Poder e às Forças
Supremas do Estado. De aí resulta q. eu faço contraste, e me vejo
obrigado por vezes a praticar reacções, em favor da obra, como
quando tive que ir à Imprensa Nacional pôr e dispôr. (...) Já sei q.
vão cair sobre mim nenhuma das glórias (no que me estou nas tintas)
e todas as antipatias da obra”.
200
utilidade pública dada a expansão da doença entre nós. O
decreto determina ainda que é da competência do
Instituto criar e manter núcleos regionais com condições
de pesquisa e tratamento da doença, pelo que se prevê a
aquisição de materiais, e deve ainda promover a
investigação fundando laboratórios e garantindo as boas
condições de trabalho aos seus investigadores e técnicos.
A criação do Instituto não teve custos para o
Estado e, talvez também por essa razão, não teve
qualquer oposição no parlamento. A comissão de
cientistas nomeada para a sua direcção prestava os seus
serviços gratuitamente e o Instituto ficava também
autorizado a angariar e administrar os fundos que lhe
fossem confiados.
c) A Extinção das Escolas Primárias Superiores
As escolas primárias superiores tinham sido alvo de
críticas estatais e tinha sido feita uma tentativa no sentido
de as encerrar, em 1923, no governo de Ginestal
Machado. Gerou-se na altura um forte movimento de
201
oposição que partiu da sociedade civil e que acabou por
impedir o seu encerramento.
O governo de Álvaro de Castro é marcado pela
contenção da despesa pública. No âmbito dessa
contenção, é tomado um conjunto largo de medidas que
abrange variadíssimos sectores. A extinção das escolas
primárias superiores estaduais1 é uma das disposições
constantes deste pacote de contenção económica. O
decreto 9354, do Ministério da Instrução Pública,
assinado por Sérgio, efectiva esta extinção.
No preâmbulo do decreto aparece o elogio a este
tipo de ensino - de resto defendido por Sérgio inúmeras
vezes embora em moldes um pouco diferentes, em textos
anteriores, como sejam por exemplo as Cartas Sobre a
Educação Profissional, de 1916 e O Ensino como Factor
do Ressurgimento Nacional de 1918 - e alega-se ser
necessário reformular as escolas, nos seus princípios
pedagógicos e no critério de admissão dos docentes,
justamente pelo alto papel que poderiam e deveriam
desempenhar. A extinção apresenta-se como inevitável,
1
São mantidas as Escolas Primárias Superiores públicas na
dependência económica do poder local.
202
tendente a permitir uma renovação, em outros moldes, da
estrutura pedagógica das escolas primárias superiores.
O preâmbulo do decreto alega a inadequação
destas escolas aos objectivos de formação que as
deveriam nortear1; a incerteza de critérios de admissão do
pessoal docente, bem como a sua fruste preparação e a
estes argumentos aduz ainda um de carácter económico: é
citada a lei de 29 de Março de 1911 que atribui as
despesas com este tipo de ensino aos municípios. Após o
que considera extintas este tipo de escolas estaduais
consentindo no funcionamento daquelas que fossem
custeadas na sua totalidade pelos municípios e pelas
Juntas Gerais dos Distritos.
Esta
medida
tem
repercussões
vastas
na
população docente e discente da altura. Vejamos os
números:
“De golpe, Sérgio eliminava 51 estabelecimentos
de ensino, albergando 2311 alunos (1338 dos
quais eram do sexo feminino) e 638 professores,
na sua quase totalidade efectivos. E se é certo que
a eventual passagem ao quadro de adidos
1
A propósito destes princípios no Diário do Governo, 1ª Série, nº 4,
de 7-01-1924, p.19, diz Sérgio que estes não estão “(...) de acordo
com a função social que compete a esse género de escolas e com as
mais recentes experiências pedagógicas neste ramo de ensino”.
203
significaria 5/6 do vencimento para o pessoal
(...), para os alunos a extinção das escolas, para
mais a partir de 30 de Março, isto é, antes do
final do ano lectivo, significava a inutilização de
todo um curso”1.
O decreto foi, como seria de esperar pela discussão
anterior à volta deste assunto2, uma lei impopular. A
reacção da sociedade civil foi enérgica: a oposição
parlamentar, as organizações sindicais, a Associação do
Professorado das Escolas Primárias Superiores e os
próprios pais dos alunos, são exemplos de grupos que
participaram na luta pela revogação do Decreto3. O jornal
A Batalha protagonizou a polémica, dando voz aos
críticos, com a publicação de artigos contra a extinção
das escolas primárias superiores.
A acreditar num relatório escrito por Sérgio já
demissionário, a campanha desencadeada contra a
extinção das escolas primárias superiores teria dado os
seus frutos se Sérgio tivesse continuado no Ministério.
1
“António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, p. 642.
Como referimos anteriormente, no governo de Ginestal Machado
tinha sido feito uma tentativa deste tipo mas abortada exactamente
pela discussão que à volta dela se gerou.
3
Cf. Idem pp.644-58 o relato da ampla movimentação contra o
decreto.
2
204
Nesse relatório, Sérgio dirá que era sua intenção
recorrer a professores alemães, através do intercâmbio
com
a Alemanha, para fundar uma Escola de
Continuação modelo que iria funcionar no Porto. É esta a
alternativa que Sérgio coloca às Escolas Primárias
Superiores nos moldes em que elas existiam no nosso
país.
Quanto às nossas escolas, diz, numa nota no
mesmo relatório, ter pensado que o gabinete de inspecção
pudesse concluir os trabalhos até ao final daquele ano
lectivo para que estas pudessem reabrir as suas portas, já
reformadas, no ano escolar seguinte. Diz ainda a nota que
o seu sucessor teria concordado em continuar esse
trabalho1. De facto, as Escolas Primárias Superiores não
voltaram a abrir.
d) O Ensino Liceal e a Universidade
205
Embora a reforma do Liceu e da Universidade
estivessem há muito pensadas por Sérgio, o curto e
tumultuoso período do seu ministério e as directrizes de
contenção económica não permitiram que levasse a cabo
nenhuma destas reformas. Contudo, apesar do curto prazo
da sua vigência, a Comissão Pedagógica, que Sérgio
nomeara para fazer o estudo das alterações a introduzir
nestes graus de ensino, chegou a ter um esboço de
reforma tendo em vista a concretização deste projecto.
No âmbito da reforma do ensino Liceal, pensava ser
urgente rever a estrutura curricular, eliminando o que se
considerava uma sobrecarga inútil e fortalecendo o
intercâmbio disciplinar. Estes aspectos já se encontravam
contemplados no projecto de reforma de João Camoesas
a que Sérgio se propunha dar continuidade. Infelizmente,
a única coisa que foi de facto tentada neste domínio,
durante o seu mandato, foi o aumento da carga horária
obrigatória dos professores de Liceu. O que teve como
resultado uma grande movimentação da classe.
1
Cf. Diário do Governo, 2ª Série, nº 36 de 14-02-1924, p. 197.
206
A política de Sérgio em relação ao ensino
universitário ía no sentido de tornar este grau de ensino
mais exigente e de, em articulação com esse aumento de
exigência, dificultar o acesso à Universidade, exigindo,
para tal, verdadeira vocação académica, medida através
do interesse manifestado pelo estudo aturado e sério dos
estudantes.
Num discurso, proferido na altura, e no qual
discorreu sobre a democratização do ensino, Sérgio
afirma:
“Democratizar a escola é ainda dificultar o acesso
das altas carreiras universitárias aos filhos dos
ricos que não têm capacidade para os mais
difíceis trabalhos de ciência e de literatura; e,
pelo contrário, facilitar esse acesso aos filhos dos
pobres que nasceram com talento. Neste sentido
estou procedendo, e continuarei a proceder se as
circunstâncias me permitirem demorar-me no
ministério. Para isso apresentarei, à medida que
for oportuno, projectos de lei que me permitam:
(...) Aumentar as propinas das Universidades, de
maneira a dificultar o acesso aos pouco aptos
para a alta cultura, obtendo dinheiro, ao mesmo
tempo, para as bolsas de estudo aos filhos dos
pobres que tenham talentos para as altas funções
intelectuais”1.
1
Seara Nova, nº 30 de 31/1/24.
207
Com efeito, as circunstâncias não permitiram que
permanecesse no Ministério e, assim, nenhuma destas
reformas se fez. A sua intervenção em prol da
Universidade cingiu-se à atribuição de um novo espaço à
Faculdade de Medicina do Porto; à criação do Instituto do
Cancro; à atribuição de verba para os institutos de
científicos fazerem face a despesas básicas1 e à boa
atenção prestada a uma comissão, proveniente da
Universidade do Porto e liderada por Leonardo Coimbra,
que pediu audiência ao Ministro para protestar contra um
anúncio, feito em governo anterior, por Ginestal
Machado, no sentido de fechar algumas das faculdades da
Universidade do Porto, ao que Sérgio respondeu
assegurando não existir, ao momento, tal projecto.
No sentido de racionalizar despesas, António
Sérgio encerrou as secretarias privativas das várias
Faculdades e Escolas da Universidade de Coimbra,
1
O ex-ministro João Camoesas reclamou junto de Sérgio que os
institutos científicos careciam dos mais elementares meios de
funcionamento. Como exemplo, citava-se o caso do Instituto de
Anatomia Patológica, que não tinha recursos para autópsias, nem
pessoal para a limpeza do laboratório, sendo os próprios médicos,
que ali trabalhavam gratuitamente, a pagar as despesas de limpeza.
Cf. “António Sérgio Ministro da Instrução Pública”, p. 665.
208
passando todas as faculdades a usar a Secretaria Geral.
Esta medida é aceite sem grande dificuldade. Na
sequência desta alteração, é nomeado o chefe da extinta
secretaria da Faculdade de Medicina para oficial-maior
da Secretaria Geral. O 1º Oficial da Secretaria Geral
sentiu-se lesado com a medida uma vez que isso impedia
a sua promoção e, por arrasto, dos que com ele
trabalhavam, que também se juntam ao protesto. O Reitor
da Universidade de Coimbra solidariza-se com os
funcionários e recusa-se a aplicar o decreto de nomeação
apresentando, ao mesmo tempo, a sua demissão. A crise
aberta com a demissão do Reitor da Universidade de
Coimbra tem vários aspectos, nomeadamente, as
dificuldades de nomeação de novo Reitor e as questões,
que a este propósito se levantam, à volta da autonomia
das Universidades e do princípio de elegibilidade dos
Reitores. Este episódio levou Sérgio a pedir à Comissão
Pedagógica que estudasse a questão da autonomia
universitária, o que não teve qualquer consequência
prática durante o seu mandato.
d) A Junta de Orientação dos Estudos
209
A tentativa de criação da Junta de Orientação dos
Estudos - projecto, mau-grado seu, abortado, graças ao
boicote parlamentar - foi o grande desaire de Sérgio na
sua passagem pelo poder.
A luta pela criação deste
organismo já vinha desde 1918. Mas é em Julho 1923,
com a reforma de João Camoesas que se percebe como
este
projecto
é
importante
para
Sérgio.
Como
anteriormente referimos, a sua participação na reforma
tinha sido condicionada à possibilidade de que se
introduzisse um artigo criando este organismo.
As funções atribuídas à Junta de Orientação dos
Estudos são extensas e variadas. Caberia à Junta
coordenar a investigação científica, dar bolsas de estudos,
criar centros de estudo e escolas piloto, fundar e dirigir
museus pedagógicos. Não poderia fundar Universidades,
mas poderia conceder o estatuto de «centros de estudos
seus aderentes» a estabelecimentos científicos que
quisessem colaborar nas suas actividades.
A
Junta
estava
pensada
para
gozar
de
independência face ao poder político. Dos seus vinte e
um membros apenas sete seriam nomeados directamente
210
pelo Governo, os restantes membros eram nomeados pelo
Governo por sugestão da Junta; os vinte e um membros
escolheriam entre si a comissão executiva e o presidente.
Nenhum destes cargos seria remunerado. A sua
independência em relação ao Governo expressa-se
também pela sua autonomia administrativa. Enquanto
pessoa colectiva, a Junta poderia adquirir património e
administrá-lo, assim como à dotação do Governo
destinada
a
prover
às
necessidades
do
seu
desenvolvimento, ou a quaisquer doações ou proveitos de
impostos afectos à sua manutenção. Gera-se, de resto,
alguma má vontade em relação à Junta, porque Sérgio
resolve acrescentar à proposta inicial um novo artigo em
que pretende dar-lhe a possibilidade de “expropriar por
utilidade pública”1 os imóveis necessários ao seu
funcionamento. No espaço de dias esta última proposta é
revogada, para se voltar à forma inicial, mas mesmo
assim a proposta de lei não passa no parlamento porque
não é aprovada a verba destinada à sua dotação. No
rescaldo desta reprovação Sérgio demite-se.
1
Diário do Governo, 2ª série, nº 38, 16-02-1924, p. 707.
211
A actuação de Sérgio como Ministro mereceu
críticas da parte de sectores que julgaram ver nomeadamente na extinção das Escolas Primárias
Superiores - uma acção anti-democrática. Sérgio foi
acusado de incoerente e de descurar, enquanto Ministro, a
educação difundida a todo o povo português, o que
doutrinariamente tinha defendido enquanto cidadão, mas
a verdade é que a sua passagem meteórica pelo cargo não
permite fazer uma afirmação destas, a extinção das
Escolas Primárias Superiores é apenas um compasso
inacabado da sua obra. A sua actuação política foi sempre
marcada pela sua personalidade polémica. Como dele diz
Eduardo Lourenço, citando Goethe: “lamentemos este
homem que viveu numa época tão lamentável que o
obrigou a agir através da polémica”1.
Apesar de ter sido, e também por ter sido, uma
personagem incómoda para o regime salazarista, e
controversa, porque combativa e inconformista, Sérgio
cumpriu de algum modo o seu ideal demopédico porque
teve muita influência na formação da juventude
1
Lourenço, Eduardo, “Sérgio como Mito Cultural. É o autor de
«Ensaios» um ensaísta?”, O tempo e o Modo, 69-70, pp. 250-260.
212
portuguesa em meados do século XX. Os seus ideais
pedagógicos, depois da Revolução de 25 de Abril de
1974, influenciaram também as reformas educativas em
Portugal. Pensamos que na sua obra se continuam a
encontrar reflexões de grande utilidade, embora umas
mais aplicáveis que outras, porque lúcidas e, de algum
modo, intemporais, sobre a finalidade da escola e o modo
de a adequar ao objectivo concreto da formação de
elementos válidos para uma sociedade livre.
213
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(1952,
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Partidário de um idealismo gnoseológico A. S. afirma que a