Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Bruno Rafael Gomes Valois Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar Rio de Janeiro 2012 Bruno Rafael Gomes Valois Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Orientadora: Prof.a Dra. Denize Cristina de Oliveira Rio de Janeiro 2012 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB V198 Valois, Bruno Rafael Gomes. Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar / Bruno Rafael Gomes Valois. - 2012. 156 f. Orientadora: Denize Cristina de Oliveira. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem. 1. Infecções por HIV - Enfermagem. 2. AIDS (Doença) Enfermagem. 3. Representações sociais. 4. Cuidados em enfermagem. 5. Informática na enfermagem. I. Oliveira, Denize Cristina de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título. CDU 614.253.5 Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. ________________________________________ _________________________ Assinatura Data Bruno Rafael Gomes Valois Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Aprovada em 29 de fevereiro de 2012. Banca Examinadora:__________________________________________________ Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira (Orientadora) Faculdade de Enfermagem - UERJ __________________________________________________ Prof. Dr. Sergio Corrêa Marques Faculdade de Enfermagem – UERJ __________________________________________________ Prof.ª Dra. Márcia de Assunção Ferreira Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ Rio de Janeiro 2012 DEDICATÓRIA A Deus, que sempre me fortaleceu, me guiou e me deu forças nesta caminhada. Aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado e me apoiaram. Às minhas irmãs, pelas palavras de incentivo e pela compreensão em todos os momentos que precisei estar ausente. Às pessoas que vivem com HIV/Aids e aos que delas cuidam, por terem sido a fonte de inspiração para este trabalho. AGRADECIMENTOS A Deus, por estar sempre em meu caminho me dando forças para prosseguir e por cada sonho que se tornou realidade. Aos meus pais, Ronaldo Ribeiro Valois e Joana Gomes Valois, por terem sido verdadeiros exemplos de apoio e dedicação e por tudo o que me ensinaram ao longo desses anos. Tenho muito orgulho de vocês! À professora Denize Cristina de Oliveira, por todo o aprendizado que me proporcionou, por todas as oportunidades que me deu e por toda compreensão que teve durante o mestrado. Ao professor Antônio Marcos Tosoli Gomes e às amigas Ana Paula Munhen de Pontes e Monique Marrafa Muniz Barreto, por terem sido grandes incentivadores, desde a época da graduação. Aos professores Márcia de Assunção Ferreira e Sergio Marques, pelas valiosas contribuições durante a banca de qualificação. Aos amigos Caren Camargo do Espírito Santo, Érick Igor dos Santos e Ingryd Ventura, por terem sido um apoio constante durantes esses dois anos e pela disponibilidade de ajuda que sempre tiveram nas ocasiões que precisei (que não foram poucas). A todos os meus amigos, que souberam entender as ocasiões que tive que estar ausente. Aos meus colegas de trabalho, enfermeiros, técnicos e chefia de serviço, que sempre se mostraram dispostos a me ajudar nos momentos que precisei. Às enfermeiras que se dispuseram a participar da minha pesquisa, mesmo diante de inúmeras atividades de rotina. RESUMO VALOIS, Bruno Rafael Gomes. Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Este estudo objetiva analisar as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras atuantes em dois níveis distintos de atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids e suas implicações para o cuidado desenvolvido por esse grupo profissional. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, pautado na abordagem qualitativa, orientado pela Teoria das Representações Sociais, em sua abordagem processual. Os sujeitos do estudo foram enfermeiras, atuantes em instituições públicas de saúde da cidade do Rio de Janeiro, sendo 10 da rede hospitalar e 9 da rede básica. A coleta de dados deu-se por meio de um roteiro de entrevista semi-estruturada e um questionário de caracterização. Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise lexical, realizada pelo software Alceste 4.10. Na análise do grupo total de sujeitos foram definidas seis categorias: "Memórias sócio profissionais de enfermeiras sobre o HIV/Aids", abordando os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade, as memórias das enfermeiras sobre aids e os estereótipos presentes em cada período; "O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids", referindo-se as medidas de proteção ao HIV/Aids adotadas pelas enfermeiras tanto em suas vidas profissionais quanto pessoais; "Dimensões práticas do atendimento e do cuidado", destacando elementos do cotidiano assistencial, com ênfase nas diferentes formas de compreensão do cuidado; "As famílias atingidas pela aids", com conteúdos relativos às vivências das enfermeiras em situações da aids no contexto familiar; "As políticas públicas e instituicionais e a aids", relativa as percepções das enfermeiras sobre as políticas de saúde; "O tratamento medicamentoso do HIV/Aids", com conteúdos relativos às dificuldades percebidas para a adesão ao tratamento medicamentoso por parte dos sujeitos com HIV/Aids. A análise cruzada da variável nível de atenção permitiu observar que a representação da aids no grupo de enfermeiras da rede hospitalar encontra-se ancorada em elementos negativos relativos ao passado, embora apontem também para novos elementos representacionais no presente; enquanto as enfermeiras de rede básica representam a aids a partir de elementos relativos à prática assistencial cotidiana. A representação da aids para o grupo de enfermeiras estudado abarca elementos tais como: sentimento de insegurança em relação ao próprio parceiro, devido a situações que vivenciam, imagem dos sujeitos que vivem com HIV/Aids em transição devido às mudanças ocorridas no perfil epidemiológico; atitudes distintas no campo profissional, relacionadas às formas de contágio e persistência de identificação dos sujeitos que vivem com HIV/Aids como vítimas ou culpados. Apesar de afirmarem inexistir diferenças no cuidado de enfermagem às pessoas que vivem com o HIV/Aids quando comparado ao cuidado aos sujeitos com outras patologias, enfatizam a necessidade de maior cautela devido ao risco de contágio em relação aos primeiros, caracterizando uma contradição no discurso. Conclui-se que existem diferenças nas representações sociais das enfermeiras de acordo com o nível de atenção no qual atuam e que há repercussões singulares na forma que o cuidado de enfermagem é desenvolvido, a partir dessas representações. Palavras-chave: HIV/Aids. Representação social. Cuidado de enfermagem. Alceste. ABSTRACT This study intends to analyze social representations of AIDS produced by nurses working in two distinct levels of care for individuals living with HIV/AIDS and its implications for nursing care developed by these professionals. This is an exploratory descriptive study, based on a qualitative approach, guided by the theory of social representation as procedural approach. The study participants were nurses working in public health institutions in the city of Rio de Janeiro, 10 of them on the hospital network and 9 of them on basic network. Data collection was performed by a roadmap for semi-structured interviews and a characterization questionnaire. Lexical Analysis technique was used, performed by the software Alceste 4.10. In the analysis of the general group, six categories of analysis emerged: "Social-Professional memories of nurses about HIV/AIDS", addressing social actors affected by AIDS in the past and at present, the memories of the nurses about AIDS and the stereotypes; "The care related to self-protection from HIV/AIDS", referring to the protective procedures adopted by nurses in their lives both professionally and personally against HIV/AIDS, "Practical Dimensions of treatment and nursing care”, bringing elements of daily care, especially for different forms of understanding care; "Families affected by AIDS," with content relating to the experiences of nurses with AIDS cases in the family context, "Public, institutional policies and AIDS", with contents relating to how policies health are perceived by nurses, "Drug treatment of HIV/AIDS", with content related to perceived difficulties in adherence to drug treatment by individuals with HIV/AIDS. The analysis of the variable "area of attention" permitted to observe that the representation of AIDS among nurses working at hospital network is anchored in negative elements related to the past, although it also points to new representational elements at present; basic network nurses represent AIDS from elements related to daily nursing care. It was possible to see that the representation of AIDS among the nursing staff studied encompasses elements such as feelings of insecurity about their own partner, because the situations they experience, transition in images of the subjects living with HIV/AIDS, due to changes in their epidemiological profile, different attitudes in the professional field related to forms of contagion and persistence on identification of individuals living with HIV/AIDS as victims or perpetrators. Despite claiming nonexistence of differences in nursing care for people living with HIV/AIDS care in relation to any other client, nurses emphasize the need for greater caution due to the risk of contagion, thus presenting a contradiction in their speech. It´s possible to conclude that there are differences in social representations of nurses according to the level of attention to individuals who live with HIV/AIDS and that there are unique repercussions in the way nursing care is developed from these representations. Keywords: HIV/AIDS. Social representation. Nursing care. Alceste. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Comparação entre as duas Classificações Descendentes Hierárquicas (C.D.H.) realizadas com o corpus de entrevistas Rio de Janeiro – 2011 .................................................................. Figura 2 – Dendograma representativo das classes resultantes da análise Alceste .......................................................................................... Figura 3 – Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 115 Rede Hospitalar na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro – 2011. Figura 10 – 107 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 6 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 9 – 100 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 8 – 90 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 4 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 7 – 81 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 6 – 70 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 5 – 67 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 1 - Rio de Janeiro – 2011 .............................................................................. Figura 4 – 66 121 Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Básica na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro – 2011 .................. 124 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 1 - Rio de Janeiro – 2011 ............................ Quadro 2 – Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 1 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................ Quadro 3 – 106 Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 6 - Rio de Janeiro – 2011 ........................... Quadro 12 – 105 Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................ Quadro 11 – 99 Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 ........................... Quadro 10 – 98 Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 4 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................ Quadro 9 – 89 Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ............................ Quadro 8 – 88 Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................ Quadro 7 – 81 Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ............................ Quadro 6 – 80 Principais formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 .................................. Quadro 5 – 69 Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 ........................... Quadro 4 – 68 113 Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 6 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................ 114 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Distribuição das enfermeiras de acordo com a faixa etária - Rio de Janeiro – 2011 ........................................................................... Tabela 2 – Distribuição das enfermeiras de acordo com o estado conjugal Rio de Janeiro – 2011 .................................................................... Tabela 3 – 60 Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação com pessoas que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro – 2011..... Tabela 5 – 60 Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação profissional - Rio de Janeiro – 2011 ............................................... Tabela 4 – 59 61 Distribuição das enfermeiras de acordo com o tipo de contato atual com sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro – 2011 ................................................................................................ Tabela 6 – 62 Distribuição das enfermeiras de acordo com a frequência de contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro – 2011 ............................................................................................. Tabela 7 – 62 Distribuição das enfermeiras de acordo com a participação em cursos de capacitação voltados à temática HIV/Aids e por área de atuação - Rio de Janeiro – 2011 ..................................................... Tabela 8 – 63 Distribuição das enfermeiras de acordo com a percepção de contágio pelo HIV e área de atuação - Rio de Janeiro – 2011........ 64 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 16 1.1 A Teoria das Representações Sociais ...................................................... 16 1.2 Aspectos epidemiológicos e psicossociais do HIV e da aids ................ 26 1.3 A atuação do enfermeiro em diferentes níveis de atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids e as concepções teóricas que lhes dão suporte ................................................................................................. 34 1.3.1 O cuidado a partir das teorias de enfermagem ............................................ 38 1.3.2 Contribuições da Saúde Coletiva para o entendimento do cuidado ............. 43 2 METODOLOGIA ........................................................................................... 47 2.1 Tipo de estudo e abordagem metodológica ............................................ 47 2.2 Cenários estudados ................................................................................... 48 2.3 Grupo estudado .......................................................................................... 50 2.4 Coleta de dados e instrumentos ............................................................... 50 2.5 Aspectos éticos e legais da pesquisa ...................................................... 52 2.6 Análise de dados do conteúdo da representação ................................... 52 2.7 Procedimentos da análise Alceste ........................................................... 54 2.7.1 Preparação do corpus Alceste ..................................................................... 54 2.7.2 Etapas da análise Alceste ............................................................................ 56 3 RESULTADOS ............................................................................................. 59 3.1 Caracterização da população participante do estudo ............................ 59 3.2 As representações sociais da aids e suas influências nas práticas de cuidado de enfermeiras voltadas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids........................................................................................................ 65 Classe 1 - Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/ Aids.. 68 3.2.1.1 Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade............... 71 3.2.1.2 As memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids............................ 74 3.2.1.3 Aids, estereótipos e sexualidade .................................................................. 77 3.2.2 80 3.2.1 Classe 2 - O cuidado relacionado à auto-proteção ao HIV/Aids .................. 3.2.2.1 Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal ....................................... 82 3.2.2.2 Autoproteção profissional na execução do cuidado de enfermagem ........... 84 3.2.3 Classe 3 - Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos sujeitos que vivem com HIV/Aids ................................................................ 88 3.2.3.1 Atuação das enfermeiras na testagem para o HIV ...................................... 91 3.2.3.2 Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids 92 3.2.3.3 O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids ............................. 94 3.2.4 Classe 4 - As famílias atingidas pela aids .................................................... 97 3.2.4.1 O adoecimento de famílias no contexto da aids ........................................... 100 3.2.4.2 Sentimentos de vulnerabilidade das enfermeiras devido à feminização da aids ............................................................................................................... 103 Classe 5 - As políticas públicas e institucionais e a aids .............................. 105 3.2.5.1 As políticas públicas em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids ............. 108 3.2.5.2 Políticas públicas relacionadas ao HIV no âmbito institucional .................... 111 3.2.6 Classe 6 - O tratamento medicamentoso do HIV/Aids ................................. 113 3.2.6.1 Efeitos dos avanços da terapia antirretroviral .............................................. 115 3.2.5 3.2.6.2 Desafios para a adesão ao tratamento medicamentoso voltado ao HIV/Aids ........................................................................................................ 4 ANÁLISE DE TRIAGEM CRUZADA (TRI-CROISÉ) DA VARIÁVEL ÁREA DE ATUAÇÃO .................................................................................. 4.1 5 120 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam em hospitais ..................................................................................................... 4.2 116 120 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam na saúde pública .............................................................................................. 124 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 128 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 134 APÊNDICE A - Questionário de caracterização dos sujeitos ...................... 147 APÊNDICE B - Roteiro Temático ................................................................. 152 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................... 154 APÊNDICE D - Variáveis Alceste e suas Codificações ............................... 155 12 INTRODUÇÃO Este estudo é integrante de um projeto multicêntrico de pesquisa intitulado: “As transformações do cuidado de saúde e enfermagem em tempos de aids: representações sociais e memórias de enfermeiros e profissionais de saúde no Brasil”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através do processo nº 482248/2009-2. Insere-se no Grupo de Pesquisa “Promoção da Saúde e Práticas de Cuidado de Enfermagem e Saúde de Grupos Populacionais”, e na linha de pesquisa “Saberes, Políticas e Práticas em Saúde Coletiva e Enfermagem” do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O trabalho de pesquisa junto a este grupo de pesquisa iniciou-se ainda na graduação, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2005, quando tive a oportunidade de ser bolsista de iniciação científica do CNPq, no âmbito do projeto: “A Enfermagem e a Promoção da Saúde do Adolescente: condições de vida, saúde e trabalho de estudantes do ensino médio no município do Rio de Janeiro”, orientado pela Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira (OLIVEIRA, 2003). A experiência de vivenciar todas as etapas da pesquisa científica, desde a coleta até a construção do banco de dados, análise dos dados e produção de publicações, foi válida para o desenvolvimento posterior de atividades educativas junto aos sujeitos do estudo, a partir das necessidades elucidadas pelos resultados da pesquisa. Um recorte do mesmo estudo foi utilizado na elaboração da monografia de conclusão de curso, na qual foram analisados os fatores relacionados à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da aids entre adolescentes de escolas públicas no município do Rio de Janeiro. Após a realização dessa pesquisa, de abordagem metodológica quantitativa, surgiram inquietações acerca da temática que não puderam ser respondidas naquele momento, despertando meu interesse em aprofundar os estudos sobre o assunto em um momento posterior. A motivação para este estudo surgiu durante a prática profissional, a partir da vivência e da observação durante a assistência direta a pacientes crônicos, sendo alguns desses atingidos pela aids ou pelo HIV, atendidos em nível hospitalar, em setores de alta complexidade. Nesses cenários, o HIV e a aids repercutem de forma 13 peculiar sobre o processo de trabalho, considerando as representações elaboradas pelos profissionais e a construção social acerca da temática, que além de abarcarem o preconceito e a discriminação, incluem fatores como: o maior risco de contágio, em função da predisposição a acidentes com materiais perfurocortantes, o convívio com as consequências da doença, dentre elas a degeneração física, o isolamento social e a morte (FORMOZO, 2007). Pude perceber, empiricamente, que em diversas ocasiões, as percepções que os profissionais trazem a respeito do HIV e da aids repercutem na forma como esses sujeitos lidam com o usuário portador e com a forma de desenvolver a assistência. Ilustro essa afirmativa com duas situações práticas das quais me recordo: no salão de hemodiálise, uma técnica de enfermagem solicitou ao profissional de limpeza que realizasse desinfecção reforçada da poltrona utilizada por uma paciente portadora de HIV; na terapia intensiva, um médico afirmou, dirigindo-se à equipe de saúde, que não conseguira colher a história de uma paciente com HIV positivo de forma fidedigna, pois provavelmente o marido ocultou na entrevista que havia contraído o vírus através da prática homossexual. Diante de tantas inquietações, inicialmente pensei em investigar as representações sociais da aids entre profissionais de saúde que atuam em setores de alta complexidade, por ser minha área de atuação. Em um momento posterior, foram feitos ajustes no delineamento do estudo, de forma que a rede básica também fosse incluída. Sendo assim, o interesse deste estudo está em consonância com o do grupo e com a linha de pesquisa, que desde 2000, desenvolve estudos no campo de HIV/Aids, no contexto do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da UERJ. O HIV/Aids representa um dos grandes problemas de saúde pública da atualidade. Diariamente, 14 mil pessoas são infectadas pelo HIV e desde o início da epidemia 20 milhões de pessoas faleceram em decorrência da aids (ROCHA, 2003). Sua abrangência acompanha nitidamente a complexidade do processo saúdedoença e, nessa perspectiva, a aids não pode ser considerada somente como doença, mas também como um fenômeno social complexo e multifacetado, envolvendo questões que ultrapassam dados epidemiológicos e abrange aspectos subjetivos da sociedade (RIBEIRO et al., 2006b). A aids surgiu no início da década de 80, e foi um importante marco da passagem do século XX para o XXI, quando se pensava que as doenças 14 infectocontagiosas estavam sob o controle. Inicialmente, a infecção pelo HIV e a síndrome por ele causada atingia grupos marginalizados na sociedade, como os homossexuais masculinos, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. No senso comum, e também no conhecimento reificado, constituíram-se diversas representações e estereótipos em torno dos grupos tidos como mais vulneráveis à infecção, o que contribuiu para aumentar a discriminação. Essas representações eram permeadas principalmente por elementos negativos, como o castigo divino e a morte (NASCIMENTO, 2005). Com a disseminação do vírus, houve mudanças significativas no perfil epidemiológico da doença. Outros grupos passaram a integrar esta realidade, como os homens heterossexuais, mulheres, crianças e idosos. O conceito de grupo de risco tornou-se obsoleto, uma vez que todos os indivíduos passaram a ser vulneráveis (GALVÃO, 2000). Essas mudanças foram importantes para que ocorressem transformações nas representações constituídas, acompanhadas da implantação da política brasileira de distribuição gratuita e universal de antirretrovirais, disposta na Lei nº 9.313, de 13 de novembro de 1996. A distribuição dos antirretrovirais (ARV) reduziu em 50% a mortalidade por aids no Brasil, e aumentou em 80% o tratamento para as doenças oportunistas (FORMOZO, 2007; PINTO et al., 2007). Oliveira (2010) identifica dois momentos históricos distintos do ponto de vista da formação de representações e práticas profissionais: um primeiro momento caracterizado pela atuação profissional nos anos 80 (início da epidemia) e um segundo momento, marcado pela regulamentação da Lei de universalização dos ARV, no qual a atuação profissional passou a ser norteada pelo novo perfil assumido pela doença, especialmente a cronificação. As práticas de cuidado sofreram transformações significativas em função das mudanças no perfil epidemiológico e nas políticas de saúde, assim como as representações sociais da doença para os profissionais também se modificaram, em consonância com os conhecimentos que o grupo elaborou através dos meios de comunicação e das relações sociais e do próprio conhecimento científico sobre a doença. Assim, as representações sociais constituem-se como um objeto de pesquisa que merece ser mais bem estudado e descrito, sendo esta a proposta desse trabalho. 15 Dessa forma, o objeto de estudo escolhido foram as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras que atuam em níveis distintos de atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids. O objetivo geral deste estudo é descrever e analisar as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras atuantes em dois níveis distintos de atenção aos sujeitos que vivem com o HIV e com aids e suas implicações para o cuidado desenvolvido por essas profissionais. Os objetivos específicos são: a) descrever e caracterizar as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras atuantes em unidades básicas de saúde e em hospitais que atendem sujeitos que vivem com HIV/Aids; b) comparar as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras da rede básica e da rede hospitalar; c) discutir as semelhanças e diferenças representacionais entre as enfermeiras das redes básica e hospitalar e suas implicações para o cuidado desenvolvido por essas profissionais. Busca-se, assim, responder a duas perguntas: “Como a aids é pensada pelas enfermeiras que atuam com a clientela por ela atingida?” e “Como as práticas de cuidado são pensadas a partir dessas representações?”. As contribuições esperadas deste estudo são: o aprofundamento das reflexões quanto às práticas de cuidado desenvolvidas com os sujeitos que vivem com HIV/Aids; melhoria da assistência de enfermagem a esses sujeitos; e suscitar novos estudos preocupados com os aspectos simbólicos do HIV/Aids e com as práticas de cuidado dirigidas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids. Outra contribuição esperada é que este estudo estimule uma maior preocupação das instituições de saúde quanto à capacitação dos profissionais que atendem os sujeitos que vivem com HIV/Aids, no sentido de favorecer uma interação profissional-usuário livre de preconceitos, possibilitando, desenvolvimento de um cuidado humano e de qualidade. dessa forma, o 16 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A fundamentação teórica deste trabalho será dividida em três temas. Primeiramente serão abordadas as representações sociais, tanto como fenômeno como quanto teoria, perpassando por sua trajetória de construção conceitual, antecedentes teóricos, principais conceitos de base e abordagens complementares. Em um segundo momento, serão abordados os aspectos epidemiológicos e psicossociais do HIV e da aids, bem como as contribuições de estudos brasileiros no campo das representações sociais da aids. E, finalmente, será abordada a atuação dos profissionais de enfermagem junto aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, em diferentes níveis de atenção à saúde, além de elementos conceituais do cuidado, considerando as contribuições das teorias de enfermagem e de proposições da saúde coletiva para o seu entendimento. 1.1 A Teoria das Representações Sociais A Teoria das Representações Sociais (TRS) vem se ampliando ao longo dos anos, na medida em que novas possibilidades teóricas e metodológicas são incorporadas e novas formas de saber são produzidas. Sua vasta aplicabilidade possibilita interfaces com áreas como a saúde e a educação. No âmbito da saúde, os estudos de representações sociais permitem acesso ao conhecimento social que orienta as práticas de uma determinada população em relação a um determinado problema, ou seja, o conhecimento que ela utiliza para interpretar tal problema e justificar suas práticas sociais (OLIVEIRA, 2001). As representações sociais (RS) são uma modalidade de saber originada através da comunicação na vida cotidiana, com finalidade prática de orientar os comportamentos em situações sociais concretas (SÁ, 1998). Caracterizam-se por um processo criativo de elaboração cognitiva e simbólica, e são um tipo de conhecimento plural, intimamente ligado a experiência vivida de uma comunidade, demarcando seus referenciais de pensamento, ação e relacionamento (JODELET, 2001). Podem ser entendidas também como um conteúdo mental estruturado- 17 cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico - sobre um fenômeno social relevante (WAGNER, 2000). De acordo com Jovchelovitch (2008), as representações sociais podem ser consideradas tanto como uma teoria quanto como um fenômeno. Enquanto teoria, oferece um conjunto de conceitos articulados, que busca explicar como os saberes sociais são produzidos e transformados em processos de comunicação e interação social. Ao serem entendidas como fenômeno, abarcam ideias, visões de mundo, crenças, valores e práticas de comunidades humanas sobre objetos sociais específicos. A TRS traz, em seu aparato e trajetória conceitual, “todos os elementos que fazem dela não apenas uma psicologia social dos saberes, mas também uma perspectiva psicossocial que pode oferecer respostas a problemas mais gerais propostos pelas ciências sociais como um todo” (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 85). Ainda de acordo com essa perspectiva, deve também ser entendida como uma teoria sobre novos conceitos produzidos e acomodados no tecido social. O primeiro delineamento formal do conceito e da teoria das Representações sociais surgiu em 1961 no trabalho de Moscovici, intitulado La psychanalyse, son et image et son public (SÁ, 1993), conferindo ao autor o título de pai da teoria. Nela, Moscovici aborda a psicanálise e sua apropriação e ressignificação por diferentes setores do público parisiense, relatando a transformação que ocorre quando o saber psicanalítico deixa o seu contexto original (o meio científico) e circula na estrutura social para além do seu contexto de produção. Esse saber foi modificado, e de forma particular por cada um dos grupos sociais que Moscovici estudou, a saber, os comunistas e os católicos franceses (JOVCHELOVITCH, 2008). Em princípio, a teoria ficou restrita ao campo da Psicologia Social, e posteriormente passou a ser referenciada por diversas áreas do conhecimento humano. No decorrer dos anos oitenta, o campo de estudos das representações sociais se expandiu na França, e posteriormente atravessou as fronteiras europeias e alcançou outros continentes (SÁ, 2007). No Brasil, a teoria foi introduzida em 1982 por Ângela Arruda, tendo como marco a visita de Denise Jodelet nesse mesmo ano. Em seguida, Sá e Arruda no período de 1988 a 1997, propiciaram a divulgação da Teoria das Representações Sociais por desenvolverem estudos na área (JODELET, 2005). 18 A contrapartida conceitual utilizada por Moscovici na primeira fase teórica de constituição da TRS foi o conceito de representações coletivas proposto por Durkheim em 1912, que “procurava dar conta de fenômenos como a religião, os mitos, a ciência, as categorias de espaço e tempo etc. em termos conhecimentos inerentes à sociedade” (SÁ, 1993, p. 21). As representações coletivas são uma tentativa de explicar determinados comportamentos da sociedade e suas relações com o mundo, possuindo como fator determinante a natureza coletiva e não individual dos objetos (ALMEIDA; CUNHA, 2003). Na perspectiva de Durkheim, apresentada por Sá (1993), as representações podem ser entendidas como o produto de uma imensa cooperação entre gerações, em termos de experiências e saberes, que se acumulam e se estendem no espaço e no tempo; suas características fundamentais em relação ao comportamento e ao pensamento individuais são: autonomia, exterioridade e coercitividade. Durkheim acreditava existirem duas realidades opostas entre si: a individual e a coletiva. Nessa linha de entendimento, a realidade individual é baseada na consciência, podendo interferir na ordem social e a realidade coletiva representa a sociedade como um todo (SÁ, 1993). Moscovici (1984) esclarece que há diferença entre os fenômenos aos quais Durkheim se deteve (as representações de sociedades primitivas) e aqueles que ele julga deverem atrair a atenção da psicologia social, ou seja, as representações “da nossa sociedade do presente, do nosso solo político, científico e humano, que nem sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que as tornassem tradições imutáveis.” (MOSCOVICI, 1984, p.18). Para Moscovici (2003, p. 45), é óbvio que o conceito de representações sociais chegou até nós vindo de Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele- ou, de qualquer modo, a psicologia social deve considerá-lo de um ângulo diferente de como o faz a sociologia. A sociologia vê, ou melhor, viu as representações sociais como artifícios explanatórios irredutíveis a qualquer análise posterior [...]. Assim, Sá (2007) enfatiza que apesar de Moscovici ter tido como ponto de partida um conceito abrangente e estritamente sociológico, gerado no início do século passado, ele deu-lhe uma feição mais condizente com a realidade social contemporânea, “na qual religião e ciência perderam seu status unificado e estabilizador das relações sociais e na qual os meios de comunicação de massa 19 passaram a promover uma ampla e diversificada socialização de todas as formas de conhecimento” (SÁ, 2007, p. 588). Ao conceituar as representações sociais como um fenômeno que emerge nas sociedades contemporâneas e ao conferir-lhes um caráter essencialmente psicossocial, Moscovici distinguiu-as das representações coletivas de Durkheim, considerando que são o resultado de uma construção social, feita por grupos concretos através da interação entre seus membros (SÁ, 2007). Em uma segunda fase de construção do conceito das representações, foi dado maior valor à influência da sociedade sobre o pensamento dos indivíduos. As maiores expressões dessa fase foram Piaget, Freud e Levy-Bruhl. Piaget preocupou-se com os aspectos lógicos do desenvolvimento infantil; Freud mostrou como as representações são passadas do nível coletivo para o individual e como o social intervém na representação individual e Levy-Bruhl correlacionou a influência da sociedade sobre a forma de pensar e de expressar os sentimentos dos indivíduos (COSTA; ALMEIDA, 1999). Os fenômenos, o conceito e a teoria das Representações Sociais surgem em um contexto de renovação temática, teórica e metodológica da Psicologia Social. Em sua obra pioneira, Moscovici rompeu os limites entre a Psicologia Social e a Sociologia, originando a vertente denominada de psicossociologia do conhecimento, cujas proposições condenam a perspectiva individualista norte-americana tradicional, na medida em que consideram tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais em sua concretude e singularidade histórica (SÁ, 1993). A partir das ideias de Levy-Bruhl e Piaget, Moscovici propõe a coexistência nas sociedades contemporâneas de dois universos de pensamento: universo reificado e universo consensual. Considera-se que no universo reificado se produzam e circulem as ciências e o pensamento erudito, sendo caracterizado por objetividade, rigor lógico e metodológico, teorização abstrata, especialização e estratificação hierárquica. Nos universos consensuais são elaboradas as “teorias do senso comum”, sem limites especializados, pautados por uma “lógica natural”, menos sensíveis à objetividade e mais a sentimentos compartilhados de plausibilidade. Nesse universo se produzem e circulam as representações sociais, a partir das atividades intelectuais da interação social cotidiana (SÁ, 1993). 20 Nesse sentido, cabe ressaltar que os fenômenos de representação social são construídos nos universos consensuais de pensamento e os objetos de pesquisa que deles se derivam são uma elaboração típica do universo reificado (SÁ, 1998). Sobre as representações sociais, Moscovici (1981, p.181) afirma que são “um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais”. Acrescenta ainda que equivalem, em nossa sociedade, aos mitos e sistema de crenças, sendo considerada versão contemporânea do senso comum. Dessa forma, “devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos.” (MOSCOVICI, 2003, p. 46). Elas ocupam um lugar específico entre os conceitos, com o objetivo de abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções que o reproduzam de uma forma significativa. Possuem duas faces interdependentes, uma icônica e uma simbólica. Dessa forma, a representação iguala toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem (MOSCOVICI, 2003). Para maior compreensão, Sá (2002), citando Moscovici, delimita três tipos de representações sociais, a saber: as representações hegemônicas, que são largamente partilhadas pelos membros de um grupo, sem que tenham sido produzidas por eles, não sendo discutíveis e constituindo os pilares de uma sociedade; as representações emancipadas, que são elaboradas por um grupo, podendo adquirir autonomia e serem apropriadas por outros grupos; e as representações polêmicas, elaboradas por dois grupos em conflito, não partilhadas pela sociedade como um todo, correspondendo a visões divergentes entre grupos com interesses opostos e posicionamentos diferentes face ao objeto de representação. Moscovici (2003, p. 58) destaca que “a finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não familiar”. Através de representações, os problemas são superados e integrados ao mundo mental e físico, e dessa forma, após uma série de ajustamentos, o que parecia abstrato pode se tornar concreto e quase normal. Existem dois processos sociocognitivos complementares de formação das representações sociais, que são subordinados ao princípio de “transformação do não familiar em familiar”, sendo eles a objetivação e a ancoragem (SÁ, 2007). Por ancoragem, entende-se a assimilação de um objeto novo através de objetos já existentes no sistema cognitivo. Dizendo isso de outra forma, esse processo tenta 21 “ancorar” ideias estranhas, reduzindo-as a categorias e imagens comuns e colocando-as em um contexto familiar (MOSCOVICI, 2003). Já a objetivação consiste em tornar concretas as noções abstratas, ou seja, ligar um conceito a uma imagem materializada. Segundo Moscovici (2003, p. 61), objetivar é “transferir o que está na mente para algo que exista no mundo físico”. Dessa forma, a ancoragem permite a incorporação do que é desconhecido em uma rede de categorias usuais. Enquanto a objetivação explica como os elementos representados de uma teoria se integram enquanto realidade social, a ancoragem permite compreender a maneira pela qual eles contribuem para exprimir e constituir as relações sociais (MOSCOVICI, 2003). Para Sá (2002), no que se refere à sua constituição, as representações sociais configuram-se a partir de três dimensões principais: informação, campo de representação e atitude. A informação se refere aos conhecimentos organizados que determinado grupo possui a respeito de um objeto social; o campo de representação remete "a ideia de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições acerca de um aspecto preciso do objeto de representação" (SÁ, 2002, p. 31); já a atitude corresponde à orientação global em relação ao objeto de representação. As representações sociais não são criadas por um único indivíduo, mas por pessoas e grupos, mediante a cooperação e a comunicação. Após o surgimento das representações, elas “adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem.” (MOSCOVICI, 2003, p. 41). Os conteúdos e os sentidos representados se distinguem dentro de uma mesma sociedade e de uma mesma cultura. Essa diferenciação deve ser julgada de acordo com os modos distintos de pensar e de compreender desta sociedade. As especificidades dos dois universos distintos de pensamento (reificado e consensual), assim como os contextos da comunicação em que essas representações são elaboradas, são os responsáveis por essas distinções (MOSCOVICI, 2003). De acordo com Abric (2001b), as representações sociais possuem quatro funções, que são: função de saber, pois as representações sociais permitem compreender e explicar a realidade; função identitária, pois definem a identidade e protegem a especificidade dos grupos; função de orientação, pois guiam comportamentos e práticas sociais; e função justificatória, na medida em que 22 permitem, a posteriori, justificar as tomadas de posição e os comportamentos de determinados grupos em relação ao objeto de representação. Vários autores, ao se utilizarem da Teoria das Representações Sociais, construíram desdobramentos da teoria fundamental proposta por Moscovici, que ficou conhecida como a “grande teoria” psicossociológica. Segundo Sá (2002), Moscovici teve certa resistência em proporcionar uma definição precisa de seus termos teórico-conceituais, com o intuito de impedir a cristalização prematura de conceitos, hipóteses e técnicas de pesquisa. Permitiu, dessa forma, que outros estudiosos fizessem contribuições posteriores à “grande teoria”. Sá (1998) descreve três abordagens teóricas complementares, que serão explicitadas a seguir. A abordagem antropológica ou processual foi desenvolvida por Denise Jodelet em Paris, em estreita proximidade com as proposições originais de Moscovici. Esta abordagem confere ênfase ao processo de constituição das representações, embora afirme a importância também do seu produto, os conteúdos. Está centrada mais sobre o aspecto constituinte do que sobre o aspecto constituído das representações e privilegia uma orientação metodológica etnográfica (SÁ, 1998). Denise Jodelet deu continuidade ao trabalho de Moscovici, mostrando-se grande colaboradora e divulgadora das pesquisas no âmbito das representações sociais. A autora buscou precisar e sistematizar as funções das representações sociais: Geralmente, reconhece-se que as representações sociais – enquanto sistemas de interpretação que regem a nossa relação com o mundo e com os outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervém em processos variados, tais como a difusão e a assimilação de conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. (JODELET, 2001, p. 22). Segundo Jodelet (2001, p. 22), as representações sociais são “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Essa forma de saber prático liga um sujeito a um objeto. A partir daí, podemos afirmar que uma representação social pode ser entendida como uma visão de mundo expressa em determinado fenômeno social, impregnada de concepções individuais, da história 23 individual e social de cada pessoa que se transforma em um pensamento coletivo (JODELET, 2001). Através das representações, os indivíduos definem e interpretam aspectos da realidade cotidiana e, a partir destas, determinam sua tomada de decisão e seus posicionamentos diante de situações. Podem ser percebidas em discursos, condutas e nas organizações materiais e espaciais (JODELET, 2001). A abordagem processual permite apreender o conteúdo das representações, ou seja, seus elementos constituintes, que podem ser: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens. Utiliza para tal métodos de enquete, entrevista, questionário ou tratamento de material verbal registrado em documentos (JODELET, 2001). Considerando suas características e abrangência, a abordagem processual foi escolhida para dar suporte a esta pesquisa. A abordagem relacional foi desenvolvida por Willem Doise e seus colaboradores em 1986 em Genebra, em articulação com a perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu. Esta abordagem confere ênfase às relações sociais que estão na origem das representações, bem como as suas condições de produção e circulação. Centra-se sobre o aspecto sócio contextual das representações e privilegia uma orientação metodológica correlacional (SÁ, 1998). Privilegiando os níveis de análise posicional e ideológico, Doise (1990 apud SÁ, 2002, p. 33) define que “representações sociais são princípios geradores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas em um conjunto de relações sociais e que organizam os processos simbólicos que intervêm nessas relações.” Apesar da forte influência da obra de Bourdieu na primeira parte dessa definição, Sá (2002, p. 33) comenta que Doise se reporta a Moscovici “para fundamentar proposições mais abrangentes sobre as relações entre processos sociais e cognitivos, às quais tal definição se subordina.” A abordagem estrutural foi desenvolvida por Jean-Claude Abric em Aix-enProvence, com a colaboração de outros autores, como Flament, Guimelli e Vergès. Esta abordagem confere ênfase à estruturação dos conteúdos cognitivos das representações, mas se ocupa também do processo de sua transformação a partir das práticas sociais. Centra-se mais sobre o aspecto constituído do que sobre o aspecto constituinte das representações e privilegia uma orientação metodológica experimental (SÁ, 1998). 24 A teoria do núcleo central, precursora da abordagem estrutural, é uma abordagem complementar à teoria geral das representações sociais, que, segundo Sá (1996, p. 51), “deve proporcionar descrições mais detalhadas de certas estruturas hipotéticas, bem como explicações de seu funcionamento que se mostrem compatíveis com a teoria geral”. No entanto, o mesmo autor ressalta que o papel descritivo e explicativo complementar “não implica em considerá-la um como uma contribuição menor ao campo de estudo das representações sociais.” (SÁ, 1996, p. 51). Essa teoria propõe que as representações sociais tenham seu conteúdo organizado em dois sistemas internos, um central e um periférico. Cada um desses sistemas possui funções e características específicas. Os poucos elementos cognitivos do sistema ou núcleo central, por serem consensuais, mais estáveis ou ligados à história do grupo e algo independentes do contexto imediato, conferem à representação o seu significado básico e organizam os demais elementos, periféricos. Já o sistema periférico, constituído de um número maior de ideias acerca do objeto representado, faz a interface entre o núcleo central e as situações e práticas concretas da população, incorporando as experiências e histórias individuais dos seus membros e se mostrando, assim, não apenas mais sensível à influência do contexto social imediato, mas também mais flexível na orientação dos comportamentos que nele se desenrolam (SÁ, 1996). Por ser o elemento mais estável da representação, o núcleo central é mais resistente à mudança. Quando há alguma alteração no núcleo, há, consequentemente, alteração completa da representação. Portanto, é a identificação do núcleo central que caracteriza determinada representação. Os elementos periféricos que se organizam em torno desse núcleo são mais acessíveis, vivos e concretos, e possuem três funções primordiais, quais sejam: a concretização, permitindo a formulação da representação em termos concretos, a regulação, dimensionando os elementos novos ou menos importantes às orientações do núcleo central e a defesa do núcleo (ABRIC, 2000). Constituído por um ou mais elementos que possuem uma posição privilegiada na representação, o núcleo central cumpre duas funções: geradora, através da qual outros elementos adquirem sentido e valor; e organizadora, que organiza e estabiliza a representação. Essa constituição leva em conta tanto as características do objeto representado, como as relações que o sujeito e o grupo mantêm com a 25 representação. Possuem, ainda, duas dimensões: a funcional, onde o núcleo central possui uma função operatória, ou seja, é o elemento mais importante para a realização de uma tarefa; e a normativa, na qual uma norma, um estereótipo ou uma atitude fortemente marcada estarão no núcleo da representação, ou seja, uma dimensão marcadamente socioafetiva, social ou ideológica (ABRIC, 2001a). Para Abric (2001a, p. 156), “a representação é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação”. Sá (1996, p. 54) aponta que a noção específica de representação utilizada por Abric em seus estudos é aquela proposta em 1976 por ele mesmo, a qual entende que representações sociais são “o produto e o processo de uma atividade mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com que se confronta e lhe atribui uma significação específica.” Sá (1996) comenta que essa última definição faz referência apenas à função prática da representação e não à sua gênese social de forma explícita. Como hipótese explicativa para isso, o autor afirma que a teoria do núcleo central parece ter sido formulada de forma precisa, com o objetivo operacional, para ser elucidada através do teste experimental, que é fundamental na maior parte dos temas centrais propostos por Abric. Apesar de surgirem numerosas críticas à sua utilização em Psicologia Social, Sá (1996, p. 53) aponta que a testagem experimental e as situações de laboratório contam com a aprovação de Moscovici “que a elas recorreu sempre que lhe pareceram necessárias”. No entanto, ressalta que o espaço experimental não é tomado pelos pesquisadores das representações sociais como cumprindo a função de controlar ou eliminar a influência de variáveis socioculturais sobre os processos psicológicos. Sobre as críticas à utilização do método experimental na Psicologia Social, Sá (1996, p. 58-59) refere que [...] é bastante comum entre os estudiosos das representações sociais o julgamento de que o uso do método experimental de laboratório não é de qualquer valia nesse campo. Argumenta-se que a própria natureza dos fenômenos estudados é incompatível com tal aplicação. Segundo tais críticos, somente a coleta, tratamento e interpretação das expressões verbais das representações, extraídas por meio de entrevistas e questionários ou presentes em documentos e veículos de comunicação de massa, bem como a observação sistemática das práticas que as representações sociais originam, ou das que as ensejam, poderiam dar conta de tais fenômenos. 26 A teoria do núcleo central deriva suas características mais marcantes do envolvimento sistemático com a prática experimental, tendo caráter objetivo e complementar à “grande teoria”, cuja formulação é mais especulativa do que demonstrada. No entanto, “os processos de formação social das representações são escassamente privilegiados na teoria do núcleo central.” (SÁ, 1996, p. 62). 1.2 Aspectos epidemiológicos e psicossociais do HIV e da aids A infecção pelo HIV e a aids representam um grave problema de saúde pública, sendo causas importantes de doença e morte. Em relação à mortalidade, dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) mostram que de 1980 a 2006 foram declarados 192.709 óbitos por aids no Brasil (PROGRAMA NACIONAL DE DST E AIDS, 2007). De acordo com o Boletim Epidemiológico de 2010, foram notificados 608.230 casos acumulados de aids de 1980 a junho de 2011, sendo 397.662 (65,4%) no sexo masculino e 210.538 (34,6%) no sexo feminino. Em relação à razão entre os sexos, há uma diminuição ao longo dos anos. Em 1985, para cada 26 casos entre homens, havia um caso entre mulher. Já em 2010, essa relação é de 1,7 homens para cada caso em mulheres (BRASIL, [2011]). A aids foi reconhecida em meados de 1981, nos Estados Unidos da América (EUA) a partir da identificação de um número elevado de pacientes adultos do sexo masculino, homossexuais e moradores de San Francisco (GALVÃO, 2000). No Brasil, os primeiros casos de aids confirmados foram em 1982, no Estado de São Paulo, e, desde o início da década de 1980 até hoje, existem aproximadamente 600 mil brasileiros com o vírus da aids. As regiões sul e sudeste concentram 80% dos casos da doença no Brasil, sendo que esta última é a região mais atingida, desde o início da epidemia (PROGRAMA NACIONAL DE DST E AIDS, 2007). No início da trajetória da aids, além dos homossexuais, outros grupos afetados foram os hemofílicos, as prostitutas e os usuários de drogas injetáveis que compartilhavam seringas. O conjunto desses grupos constituiu o chamado grupo de risco. No universo reificado, a aids ficou conhecida como doença dos gays ou ainda doença dos quatro H: homossexuais, hemofílicos, haitianos e heroinômanos (BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI, 2005). 27 Barbará, Sachetti e Crepaldi (2005, p. 332) destacam ainda que a suposta seletividade da doença para com um determinado grupo ou um determinado modo de vida criou uma primeira representação para o fenômeno: na homossexualidade poderia estar sua origem, o que tornava os homossexuais uma população considerada, na terminologia epidemiológica, “de risco”. O uso da expressão “grupo de risco”, embora comum no âmbito da epidemiologia, marcaria de forma indelével a construção social e histórica da aids. Pelo fato dos homossexuais terem sido os primeiros atingidos no mundo ocidental, a associação de aids e homossexualidade foi a primeira tentativa de explicação de um fenômeno para o qual a comunidade científica ainda não apresentava respostas. Tratava-se somente de uma constatação de sintomas, na medida em que o discurso médico, ainda impregnado de incerteza e espanto, não conseguia explicar as causas da doença (BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI, 2005). Com a disseminação da epidemia, outros grupos foram acometidos. Os estudiosos no Brasil identificaram três direções importantes: a pauperização da epidemia, que consiste na tendência de expansão do número de casos entre as populações com baixo nível de renda e escolaridade, sem nenhuma ou com baixa proteção social; a interiorização, pois apesar de os casos se concentrarem nas áreas urbanas e regiões metropolitanas, existe a tendência de migração da doença para municípios de médio e pequeno porte; e por último, e talvez mais grave, a Feminização da epidemia, pois cresce significativamente o número de mulheres infectadas pelo HIV, considerando a vulnerabilidade biológica, epidemiológica e social desse grupo (VERMELHO; BARBOSA; NOGUEIRA, 1999). Como consequência direta da feminização da epidemia, observa-se o aumento progressivo da transmissão vertical do vírus (mãe soropositiva para o bebê). Dado esse novo contexto epidemiológico, o conceito de grupos de risco tornou-se obsoleto, dando lugar ao de comportamentos de risco, entendendo não mais que grupos restritos eram susceptíveis à infecção pelo HIV. O risco estaria em determinados comportamentos, os quais aumentariam as chances de sua transmissão. Esses comportamentos consistiam, por exemplo, na atividade sexual sem preservativo e no compartilhamento de agulhas ou seringas (BASTOS, 2006). Atualmente, trabalha-se com o conceito de vulnerabilidade, a qual consiste em um conjunto de aspectos individuais e coletivos, relacionados à maior exposição de indivíduos e populações à infecção e ao adoecimento pelo HIV e, de modo 28 inseparável, à maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se protegerem do vírus e da doença (AYRES, 2003; BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI, 2005). A partir da década de 1990, depois da introdução dos novos medicamentos antirretrovirais, a aids passou a assumir a característica de uma doença crônica, assemelhando-se ao câncer e às doenças cardíacas. De acordo com Dourado et al. (2006), a introdução da terapia antirretroviral de alta potência (TARV) somada às ações de prevenção e controle da infecção pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, tem resultado em mudanças no padrão da epidemia de aids. O emprego de inibidores de transcriptase reversa no tratamento da aids datam de 1987, no entanto, os avanços mais significativos no âmbito da terapia antirretroviral só foram possíveis graças aos estudos que esclareceram a imunopatogênese desta infecção. O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento que garantiu o acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais através do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de 1996, resultando em aumento da sobrevida dos sujeitos que vivem com HIV/Aids. A política para a assistência aos indivíduos que vivem com o HIV e /ou com a aids inclui também outras modalidades assistenciais que visam à redução das internações hospitalares, tais como assistência ambulatorial especializada, hospital-dia e assistência domiciliar terapêutica (DOURADO et al., 2006). Essa nova condição da aids trouxe uma importante questão: os serviços de saúde, representados pelos profissionais que lidam diretamente com a doença, colocaram-se como lócus de resposta à epidemia, tornando-se um elo entre o paciente e sua doença. Entretanto, estes profissionais ainda sustentam a ideia de que a aids pertence a determinados grupos de risco e está associada à morte, demonstrando representações semelhantes às da população em geral e apontando poucas mudanças desde o início da difusão da doença (SCHAURICH; COELHO; MOTTA, 2006). Sobre a repercussão da feminização e da universalização do tratamento antirretroviral nas representações sociais de profissionais de saúde, Oliveira (2010, p. 3) comenta que 29 [...] observou-se o confronto dos profissionais de saúde com situações diferentes, nas quais é muito elevada a probabilidade de encontrarem uma mulher ou uma criança como primeiro paciente. Portanto, a partir da década de 90, os profissionais de saúde se encontraram em uma situação diferente da inicial marcada, por um lado, pela presença de mulheres e de crianças entre as pessoas doentes após 1998 e, por outro lado, pela universalização dos tratamentos antirretrovirais estabelecido pela Lei 9313/96, a partir de 1996. [...] Esses dois contextos político e epidemiológico fomentaram a transformação das representações e das memórias iniciais constituídas pelos profissionais, fortemente influenciadas pelas diferentes possibilidades de enfrentamento da doença. A partir do momento em que a aids passou a atingir de forma significativa segmentos não marginalizados da sociedade, como heterossexuais, mulheres casadas, crianças e idosos, a doença assumiu uma nova configuração, transcendendo a nova política de prevenção, que agora se volta não somente às populações marginalizadas (SAMPAIO; ARAÚJO JÚNIOR, 2006). Segundo Barbará, Sachetti e Crepaldi (2005), o usuário que vive com aids continua vivendo uma dupla jornada de sofrimento, de um lado o sofrimento físico, ocasionado por uma doença que ainda é mortal, mesmo com os avanços da medicina com os chamados coquetéis antivirais; de outro lado, há o sofrimento social, causado pelo olhar excludente dirigido ao portador que, em muitas ocasiões, pode ser ainda mais grave e devastador. É possível presenciar nas relações sociais, de forma bastante acentuada, a intolerância, o medo e o preconceito para com aqueles que possuem o vírus HIV. Jodelet (2001) comenta que a aids foi a primeira doença cujas histórias social e médica se desenvolveram em conjunto. Antes que a pesquisa biológica avançasse e trouxesse informações a respeito da natureza da doença, as pessoas elaboraram teorias apoiadas nos dados que dispunham a respeito dos sujeitos atingidos pela doença, ancoradas no senso comum e explicando, em parte, a construção desse fenômeno social, o que contribuiu ainda mais para o preconceito e a discriminação contra os chamados grupos de risco. As informações a respeito da transmissão e de suas vítimas favoreceram o surgimento de duas concepções: uma, de tipo moral e social, outra, de tipo biológico, com a influência evidente de cada uma delas sobre os comportamentos, nas relações íntimas ou para com as pessoas afetadas pela doença. Considerando esse contexto, surgiram metáforas relacionadas à síndrome e aos seus portadores, que em diferentes graus continuam a circular no mundo social e a fazer parte das representações da aids. Termos como “peste gay”, “câncer gay” e castigo por condutas desviantes foram amplamente utilizados para designar algo 30 não familiar, que deveria continuar na categoria de alteridade, na medida que o evento aids podia assumir significação no âmbito das famílias normais (JODELET, 2001). Ainda sobre a influência das representações sociais elaboradas a respeito da aids, Oliveira et al. (2009, p. 3) comentam que Estas representações elaboradas pelos grupos sociais acerca da doença e de seus atingidos influenciaram, e ainda influenciam, as atitudes das pessoas diante dos grupos acometidos, frequentemente marcada pela discriminação. Interferem, também, na construção de respostas do Estado frente à epidemia, isto porque as representações sociais, entendidas como um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais, se constituem em elementos orientadores e justificadores da ação. Sob a ótica de uma interpretação moral, a aids foi considerada como uma doença-punição nos meios de comunicação, tendo sua gênese em uma sociedade permissiva, representando ainda uma condenação pelas condutas degeneradas. Outro aspecto da aids que afetou o público foi sua transmissão pelo sangue ou esperma, que favoreceram o desenvolvimento de uma visão biológica muito mais inquietante: que o contágio poderia ocorrer também por meio de líquidos corporais além do esperma, particularmente a saliva e o suor (JODELET, 2001). Procurando melhor compreender o processo de constituição e transformação das representações sociais do HIV e da aids, diversos autores vêm se dedicando à análise dos estudos brasileiros realizados em diferentes momentos históricos. Oliveira et al. (2009) analisaram a produção científica sobre a representação social da aids no período de 1980 a 2006, constatando que houve uma expressiva participação da enfermagem nestes estudos, o que denota o crescente interesse dos pesquisadores dessa área sobre a temática. A seguir serão apresentados alguns exemplos de estudos que apresentam as representações sociais de profissionais de saúde acerca da aids. Em 2002, um estudo realizado com servidores técnico-administrativos e profissionais de enfermagem de um hospital universitário mostrou que o núcleo central da representação social desse grupo foi composto por termos como morte, preconceito e sofrimento. Em relação especificamente aos enfermeiros, o núcleo central foi composto por medo, prevenção e sexo, sendo este último termo um elemento periférico no grupo técnico administrativo (MARQUES; OLIVEIRA; FRANCISCO, 2003). 31 Dessa forma, esses autores inferem que o significado da aids para os sujeitos investigados é marcado fortemente por elementos negativos, na medida em que traz uma dimensão imagética associada à morte e reflete o posicionamento dos sujeitos através de emoções e atitudes, tais como o sofrimento, o medo e o preconceito, presentes no núcleo central (MARQUES; OLIVEIRA; FRANCISCO, 2003). Quanto à estrutura e a organização da representação no grupo da enfermagem, os mesmos autores observaram a incorporação do conhecimento novo no núcleo central e no sistema periférico. As atitudes e os elementos subjetivos apresentaram forte tendência a se concentrarem no sistema periférico da representação. Essa organização sugere que a representação deste grupo está numa fase de transição e há a tendência de mudança da representação em relação à aids. Dessa forma, ainda mantém elementos arcaicos incorporados às primeiras representações da aids, presentes no sistema periférico, e simultaneamente reproduz elementos que caracterizam adaptações da representação às evoluções do novo contexto da aids (MARQUES; OLIVEIRA; FRANCISCO, 2003). Marques, Oliveira e Gomes (2004) observaram que o significado da aids para os servidores de um hospital universitário é fortemente marcado por elementos negativos, identificados pelas palavras medo, morte e sofrimento. Como possíveis elementos centrais da representação, emergiram: medo, morte, preconceito, prevenção e sofrimento, enquanto que como elementos periféricos, as palavras amor, contaminação, cuidado, discriminação, drogas, perigo, promiscuidade, sangue, solidariedade, solidão e vergonha. Silva e Abrantes (2004) encontraram ambiguidade nas representações sociais de enfermeiras em relação a aids, pois ao mesmo tempo em que se mantém o rótulo da doença como culpa/castigo, devido, principalmente, à falta de proteção em situações de risco, há o reconhecimento de que qualquer pessoa pode ser acometida. Também foram identificados sentimentos e impotência e sofrimento em relação ao paciente portador. Ribeiro et al. (2006a) desenvolveram um estudo com o objetivo de conhecer e comparar as representações sociais dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais) e pacientes acerca da aids. De acordo com os resultados, as categorias profissionais conceberam a aids enquanto uma doença orgânica incurável e crônica, ancorada no saber científico, denotando certa defensividade diante da doença, ao mesmo tempo que apontam a superação de 32 antigas representações associadas à morte. Para o grupo de pacientes, a aids foi concebida nas esferas moral e psicoafetiva, sendo encarada como uma forma de viver, devido suas particularidades e limitações. Com o intuito de Identificar, nos profissionais que atendem pacientes soropositivos para o HIV, as representações sociais sobre o atendimento e o tratamento da doença, Ribeiro et al. (2006b) encontraram, entre médicos e enfermeiros, elementos ancorados nas primeiras representações, associadas à promiscuidade, além de uma maior preocupação com questões fisiológicas da aids, considerando-a uma doença que necessita de tratamento, essencialmente medicamentoso. Ambas as categorias ancoraram a aids em doenças advindas de práticas sexuais. As autoras destacam ainda que o atendimento ao paciente permanece como um problema a ser discutido, devido aos inúmeros obstáculos que surgem nos serviços que atendem o paciente soropositivo ao HIV, especificamente no que diz respeito ao contato direto (RIBEIRO et al., 2006a). Ao estudar as representações sociais do cuidado de enfermagem voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids entre membros da equipe de enfermagem, Formozo (2007) encontrou atitudes distintas manifestas pela equipe de saúde de acordo com a forma de contágio estabelecida. Quanto mais o modo de contágio se aproximou daquele no qual o paciente é tido como vítima, menores foram as atitudes discriminatórias dirigidas a ele. Ressalta ainda que os próprios pacientes soropositivos sentem a necessidade de revelar seus modos de contágio, a fim de se livrarem dessas pressões. Em um estudo de representações sociais com 31 enfermeiros que atendem pacientes soropositivos para o HIV, a aids enquanto doença foi fortemente associada a elementos negativos, como promiscuidade, preconceito e desinformação, remontando a origem da doença, quando se instituiu o conceito de “grupos de risco”. Entretanto também foram notadas associações da aids com o tratamento, o cuidado e com a esperança de cura (RIBEIRO; COUTINHO; SALDANHA, 2004). Formozo e Oliveira (2010) desenvolveram um estudo com o objetivo de identificar e comparar as representações sociais de profissionais de enfermagem sobre o cuidado de enfermagem ao paciente soropositivo ao HIV. Essas autoras 33 encontraram diferenças representacionais entre enfermeiros e auxiliares de enfermagem. No estudo supracitado, observou-se que os auxiliares de enfermagem possuem uma representação social do cuidado de enfermagem composta por elementos do cotidiano no lidar com esses pacientes no contexto hospitalar. Sinalizam que vivenciam situações de violência verbal e física, ocasionadas em sua maioria devido a revolta dos pacientes associada ao diagnóstico, o que pode gerar um distanciamento do cuidado. Admitem ainda que no caso de pacientes sabidamente soropositivos ao HIV, redobram a atenção com o objetivo de evitar acidentes de trabalho. Reconhecem a importância do diálogo a fim de encorajar estes pacientes na luta e continuidade do tratamento, visando à melhora de sua qualidade de vida (FORMOZO; OLIVEIRA, 2010). Já os enfermeiros compõem a representação social a partir de conteúdos reificados sobre a prática profissional: os cuidados voltados ao uso de antirretrovirais e à cronicidade da aids, a inserção do HIV nos serviços de saúde, os cuidados destinados à prevenção das infecções oportunistas e as necessidades destes pacientes identificadas pelos membros da equipe de enfermagem (FORMOZO; OLIVEIRA, 2010). Oliveira e Costa (2007) identificaram, em uma pesquisa realizada com 150 enfermeiros de um hospital universitário, a provável presença de uma zona muda nas representações sociais dos sujeitos que vivem com HIV/AIDS entre os sujeitos pesquisados. Na coleta tradicional, emergiram elementos provavelmente centrais na representação, tais como: educação em saúde, proteção profissional e tratamento. Após aplicação da técnica de substituição, destacaram-se: medo, preconceito e homossexualidade, que consistiram em possíveis elementos da zona muda. Ao identificar e analisar os conteúdos relativos à autoproteção profissional presente na representação social da equipe de enfermagem acerca do cuidado de enfermagem prestado aos pacientes que vivem com HIV/Aids, Formozo e Oliveira (2009) observaram que a representação social do cuidado explicitada referiu-se, sobretudo, ao autocuidado e não ao cuidado com o outro, deixando antever que a noção de cuidado perpassa uma dimensão individual (eu) e outra dimensão coletiva (eles). Essas autoras concluíram que tais profissionais representam socialmente o cuidado de enfermagem prestado ao cliente soropositivo ao HIV, fundamentalmente, 34 com base em elementos que dizem respeito à autoproteção profissional, englobando conteúdos a respeito da precaução padrão e das formas de exposição às quais se encontram expostos durante a execução do referido cuidado (FORMOZO; OLIVEIRA, 2009). 1.3 A atuação do enfermeiro em diferentes níveis de atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids e as concepções teóricas que lhes dão suporte A enfermagem se consolidou como profissão através da prática de cuidado aos doentes, no entanto, com o decorrer do tempo e com o progresso científico, novos espaços foram sendo conquistados e esse paradigma - centrado unicamente no indivíduo doente, foi gradativamente sendo alterado e o horizonte dessa profissão foi consideravelmente ampliado. Entendida como uma área do conhecimento, que abrange atividades como o cuidar, o gerenciar e o educar, a enfermagem hoje exerce sua prática profissional em diferentes cenários, como hospitais, unidades básicas de saúde, ambulatórios, escolas, creches, empresas e domicílios (SOUZA; WEGNER; GORINI, 2007). Essa profissão tem no cuidado sua especificidade e sua essência, sendo responsável pelo acolhimento, conforto e bem estar dos sujeitos usuários (ROCHA; ALMEIDA, 2000). Apesar de não se observar consenso em relação à natureza do cuidado de enfermagem, é indiscutível que há estreita relação entre o cuidado humano e o trabalho dessa categoria (PIRES, 2009). Na atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, a enfermagem está inserida tanto na assistência direta quanto na gerência dos serviços e nas práticas de educação em saúde. Considera-se, assim que o trabalho de enfermagem encontrase inserido em todas as fases da epidemia de HIV/Aids, pois seu objetivo é o cuidado aos indivíduos e grupos sociais, desde um estado supostamente sadio até a emergência de determinados agravos (FOX; AIKEN; MESSIKOMER, 1990). Em relação aos cuidados de enfermagem voltados aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, Gomes et al. (2010) destacam que desde seus primórdios, este cuidado não buscou a cura dos pacientes em si, mas o atendimento de suas necessidades humanas básicas, apesar de a atividade profissional ter sido 35 permeada por elementos negativos como o desconhecimento, o preconceito e o medo. Além disso, a terapia farmacológica era restrita, o que fazia com que o tratamento médico se restringisse ao tratamento de doenças oportunistas e ao estímulo do sistema imunológico, a fim de garantir a continuidade da existência. No ambiente hospitalar e, mais especificamente, no cuidado ao paciente hospitalizado atingido pela aids, o cuidado de enfermagem se concretiza na satisfação de necessidades básicas afetadas pelas doenças oportunistas que acometem esses sujeitos. Além de estar atento às necessidades como higiene, eliminações, hidroeletrolíticas e nutrição, o enfermeiro, enquanto cuidador vê-se diante de outro ser que necessita cuidados e que, ao mesmo tempo, tem a obrigação de estimular a sua independência para realização do autocuidado. Dessa forma, este profissional deve ter sensibilidade para satisfazer as necessidades dos pacientes, sem estimular a dependência ou impedir o desenvolvimento de criatividade e de alternativas elaboradas pelos sujeitos que vivem com HIV/Aids (GOMES et al., 2010). Dessa forma, o cuidado de enfermagem objetiva instrumentalizar os sujeitos que vivem com HIV/Aids para a melhoria do seu nível de saúde e para a conquista de direitos imprescindíveis, apesar do preconceito e da discriminação. Este cuidado precisa ter a proposta de recuperar a singularidade e a subjetividade dos indivíduos, além de estimulá-los a assumirem a sua condição de ser em frente ao sistema de saúde, alcançando o necessário à sua existência e à sua dignidade (GOMES et al., 2010). Cuidar de pessoas atingidas pelo HIV/Aids envolve considerar aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, os quais na ausência de uma cura conseguem fazer uma diferença significativa para os sujeitos em questão. Os enfermeiros têm sido líderes de organização na atenção à aids, pois baseiam suas ações na "cultura do cuidado", atuando também através de medidas educativas e de socialização (FOX; AIKEN; MESSIKOMER, 1990). Por serem elementos da equipe de saúde que permanecem mais tempo na assistência direta aos usuários que vivem com HIV/Aids, existe o risco de contaminação em função da possibilidade de acidentes com materiais biológicos, além do convívio com as consequências da doença, como a degeneração física e as perdas sociais. Considerando as características particulares do cuidado de enfermagem, relacionadas à proximidade física e relacional com os sujeitos 36 cuidados, surgem tensões singulares a essa profissão, que se expressam através da aproximação ou distanciamento do cliente em função do contexto no qual esse cuidado ocorre (OLIVEIRA et al., 2007). As práticas profissionais de enfermagem devem ser orientadas por concepções teóricas sobre o cuidado, que devem dar suporte às mesmas. Esse campo teórico se desenvolveu, sobretudo, na própria enfermagem, mas também em outros campos da saúde, como a saúde coletiva. Há diferentes concepções teóricas sobre o cuidado no âmbito da saúde e da enfermagem, que por vezes atribuem a ele uma série de significados complexos. No entanto, está claro na literatura sobre a essencialidade do cuidado na sobrevivência das espécies e na preservação da vida e do planeta (PIRES, 2009). Nesse sentido, diversas pesquisas de campo buscam significados para o cuidar/cuidado, percebendo que o cuidar está vinculado a realidades e são estas que devem embasá-lo (COELHO; FONSECA, 2005). Segundo Pires (2009, p. 742), “o cuidado tem sido tema de estudo de filósofos, de historiadores e de antropólogos, mas é a Enfermagem a profissão do cuidado, e a que mais tem produzido conhecimento para fundamentar as diversas dimensões do cuidado.” Wall (2008, p.13) destaca que a perspectiva da Enfermagem é definida pela história da profissão, pelo contexto social e político no qual o cuidado de Enfermagem se encontra e pelo esforço que as instituições de ensino e os profissionais da prática realizam para o desenvolvimento do conhecimento. A noção ampliada do conceito de saúde nos remete a necessidade de refletir sobre o cuidado ao ser humano de uma maneira também mais abrangente, considerando sua natureza multifacetada, que abarca fenômenos complexos e diversos, dentre eles, vivências, fatos, situações e culturas (WALL, 2008). Refletir sobre o cuidado nos remete a pensar na definição do que é cuidado, quem cuida e por que cuidamos, e nessa perspectiva de compreensão, o cuidado tem diversos significados, considerando que está inserido na humanidade desde o início da história do ser humano e acompanha a evolução dos tempos e das sociedades (SILVA, 2009). Perdigão (2003) ressalta que o sentido do cuidado e/ou do cuidar integra o sentido do próprio existir humano. Assim, cuidamos naturalmente de nós mesmos e 37 dos outros, pelo simples fato de existirmos com o(s) outro(s) no mundo. Todo o ser humano, a seu modo, possui a capacidade do cuidado e/ou do cuidar. Boff (1999) ressalta que “cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 1999, p. 34). Boff (2002) comenta que sem cuidado a vida não sobrevive, pois ele permite que as coisas e a vida durem mais tempo. Sem ele erramos, destruímos e ofendemos. O cuidado é uma relação amorosa para com a realidade, anula as desconfianças e confere sossego e paz a quem o recebe. A importância do cuidar como ato humano é explícita por criar possibilidades, favorecer condições de pertencimento e interesse e permitir dar e receber ajuda. Significa o modo de ser do homem no mundo, um imperativo moral ou ideal, relacionamento interpessoal e intervenção terapêutica. Collière (1989) destaca que os elementos necessários à construção do cuidado na enfermagem compreendem a tecnologia, o conhecimento, as crenças e os valores. Estes construtos sintetizam a ação do cuidado do enfermeiro, que se dão num modo em que todos os responsáveis pelo cuidado coexistem em relação e dependência. Em relação à tecnologia ressaltada pela autora, Silva e Ferreira (2009) ratificam sua importância ao afirmarem seu impacto no trabalho de enfermagem através de mudanças na infraestrutura dos cuidados, já que com novas técnicas, instrumentos, métodos e matérias-primas houve não apenas uma reconfiguração do espaço físico e de atuação profissional, mas também o surgimento de novas modalidades de prevenção, diagnóstico e tratamento dos problemas de saúde. Ressalta-se que as mudanças trazidas pela tecnologia também possuem impacto tanto na construção quanto na transformação das representações sociais, como é o caso do advento da terapia antirretroviral para pessoas soropositivas ao HIV que contribuiu para que as representações sociais da aids abarquem, atualmente, uma dimensão atitudinal e imagética positiva, coexistindo com sua negatividade caracterizada desde o início da síndrome (GOMES; SILVA; OLIVEIRA, 2011). Há cuidado desde que há vida humana e é por meio do cuidado que a vida se mantém. “Durante milhares de anos, não esteve associado a nenhum ofício ou profissão e sua história se constrói sob duas orientações que coexistem, 38 complementam-se e se geram mutuamente: cuidar para garantir a vida e cuidar para recuar a morte” (COELHO; FONSECA, 2005, p. 215). Segundo Pires (2009, p. 742), a história da humanidade “mostra, desde seus primórdios, que os seres humanos precisam de cuidado para sobreviver, para viver com saúde, felicidade e bem estar, e para curar-se em situações de doenças.” Waldow (1998) comenta sobre a intrínseca relação entre as mulheres e o cuidado, que se deu ao longo da história de forma universal entre as diversas tribos e civilizações, ressaltando que o principal aspecto que justifica essa relação é a maternidade. A mulher, responsável pela nutrição, proteção e higiene de sua cria, também desenvolveu comportamentos de tocar, cheirar e gestos rudimentares de afago. Nesse sentido, Pires (2009) refere que o cuidado humano pode ser realizado fora do âmbito do trabalho profissional em saúde e sem a fundamentação de uma disciplina científica, como é o caso das ações terapêuticas desenvolvidas no subsistema informal (famílias, relações pessoais e grupos de autoajuda) ou popular (curadores não profissionais). Segundo Oliveira (2001), ao ser entendida como campo de saberes e práticas sociais, a Enfermagem se apoia em princípios éticos e ideológicos para guiar sua prática, sendo estes princípios explicitados pelas teorias de enfermagem, no âmbito as suas contribuições ao campo de saber. Nesse sentido, é uma profissão que vem revisando seu conhecimento e sua prática, propondo modelos de intervenção a partir da reconstrução dessas teorias (ROCHA; ALMEIDA, 2000). 1.3.1 O cuidado a partir das teorias de enfermagem A enfermagem profissional no mundo teve suas bases iniciais propostas por Florence Nightingale, que foi influenciada por sua passagem em locais onde se executava o cuidado de enfermagem leigo. Esse cuidado era fundamentado em conceitos religiosos, como a caridade, o amor ao próximo, a doação e a humildade, além de preceitos da valorização do ambiente adequado para realização do cuidado, divisão social do trabalho em enfermagem e autoridade sobre o cuidado a ser prestado. Dessa forma, o cuidado dos enfermos era entendido como uma das 39 formas de caridade adotadas pela igreja, que se conjuga à história da enfermagem após o advento do cristianismo (PADILHA; MANCIA, 2005) . As bases das proposições de Nightingale centram-se no aspecto físico da saúde e da doença, em detrimento dos aspectos psicossociais, tendo como foco principal o cuidado de enfermagem direcionado ao ser humano em sua interação com o meio ambiente (CARRARO; MADUREIRA; RANDUNZ, 1999). Os profissionais de Enfermagem têm se debruçado sobre questões que dizem respeito à estrutura do conhecimento da Enfermagem enquanto disciplina, com o objetivo de promover seu desenvolvimento tanto teórico quanto prático (WALL, 2008). Para Waldow (1998), o cuidado é resultante do processo de cuidar, definido pela forma como ocorre o cuidar entre cuidador e ser cuidado. Trata-se de um processo intencional, que envolve crescimento e ocorre independentemente da cura, e que pode ter vários objetivos, dependendo do momento, da situação e da experiência. Em relação às distinções estabelecidas entre cuidar e curar, Heideger (1984) destaca que o cuidado é sempre anterior a esses dois gestos. Dessa forma, em muitas ocasiões, é no próprio ato de cuidar que pode residir a cura. Na ausência de alguma enfermidade e no cotidiano dos seres humanos, o cuidado humano também é imprescindível, tanto como uma forma de viver como de se relacionar. (WALDOW, 1998). O objetivo dessa profissão, segundo Roy e Andrews (1991), é aumentar as respostas adaptativas que promovem integridade da pessoa, que está relacionada às metas de sobrevivência, de crescimento, de reprodução e de controle, tornando mínimas as respostas ineficientes. Em sua perspectiva transpessoal do Cuidado, Watson (1988) considera a Enfermagem uma ciência humana de pessoas e experiências de saúde-doença, as quais são mediadas por transações profissionais, pessoais, científicas, estéticas e éticas de cuidado humano. O ato de cuidar, nessa profissão, tem como finalidade, prioritariamente aliviar o sofrimento humano, manter a dignidade e facilitar meios para manejar com as crises e com as experiências do viver e do morrer. Para essa autora, o cuidado produz um autoconhecimento, autorespeito, uma auto cura e, consequentemente, processos de autocuidado (WATSON, 1988). Do ponto de vista dessa autora, o cuidado é a essência da enfermagem e o foco mais central e unificado de sua prática. O cuidado transpessoal manifesta-se no 40 encontro daqueles que estão envolvidos no ato de cuidar. Como um ideal moral da enfermagem, o cuidado humano transcende o ato de cuidar e tem como característica fundamental a preservação da dignidade humana. Compreende dessa forma um valor humano que envolve as ações, o conhecimento e os resultados do cuidado (WATSON, 1988). Watson buscou dar maior profundidade e poder nas transações de cuidado entre o enfermeiro e o cliente. A enfermagem tem o papel de ajudar as pessoas a obterem um grau mais elevado de harmonia entre mente-corpo-alma, gerando autoconhecimento, autorrespeito, autocura, e processos de autocuidado. O enfermeiro está engajado como coparticipante nas transações de cuidado humano, possibilitando ao cliente, progredir para níveis mais elevados de consciência, ao encontrar significado e harmonia na existência, através do uso da mente (WATSON, 1985). Nas relações interpessoais desenvolvidas entre enfermeiro e cliente, cada um tem funções a desempenhar. O enfermeiro é responsável por fornecer um ambiente de apoio e proteção, com tomada de decisão científica. Já o cliente terá suas necessidades humanas satisfeitas através de experiências positivas que levarão à mudanças no processo de ser saudável. O foco da enfermagem na teoria de Watson é o indivíduo e o processo de interação entre pessoa-enfermeiro e pessoa-paciente. Enfatiza também a relação ensino-aprendizagem, ajuda-confiança, expressão de sentimentos positivos e negativos (WATSON, 1985). Em sua Teoria dos Sistemas de Enfermagem, Orem (1991) descreve três situações em que o cuidado de enfermagem é imprescindível. A primeira delas é o sistema de enfermagem totalmente compensatório, na qual o indivíduo é incapaz de realizar medidas de autocuidado, sendo totalmente dependente do auxílio do enfermeiro. De forma intermediária, a segunda situação corresponde ao sistema parcialmente compensatório, no qual tanto o indivíduo quanto o enfermeiro executam medidas ou outras ações de cuidado. O terceiro sistema é denominado de apoio-educação e ocorre quando o indivíduo consegue executar, ou pode e deve aprender a executar medidas de autocuidado terapêutico, e o enfermeiro vai promover esse indivíduo a um agente capaz de se autocuidar através de suas orientações. Orem (1991) destaca que a enfermagem é um serviço humano especializado de saúde, que se distingue de outros serviços humanos por enfocar a pessoa com 41 inabilidade para a provisão contínua de cuidado específico em quantidade e qualidade, que aí funciona como regulador do funcionamento e desenvolvimento do sujeito. Ainda em relação a Orem, Foster e Janssens (1993) destacam que a teoria de déficit de autocuidado constitui a essência da teoria dessa autora, quando a enfermagem passa a ser uma exigência a partir das necessidades do sujeito e quando o mesmo encontra-se incapacitado ou limitado para prover autocuidado eficaz e contínuo. Dessa forma, Orem identificou cinco métodos de ajuda: a) agir ou fazer para o outro; b) guiar o outro; c) apoiar o outro (física ou psicologicamente); d) proporcionar um ambiente que promova o desenvolvimento pessoal, quanto a tornar-se capaz de satisfazer demandas futuras ou atuais de ação; e) ensinar o outro. A Teoria Transcultural de Madeleine Leninger valoriza a importância que os fatores culturais exercem no ser humano e pressupõe que sua ausência no planejamento do cuidado de enfermagem resulta em um cuidado desvinculado da realidade cultural da pessoa. Segundo a autora, cada cultura possui sua maneira de definir e refletir sobre a saúde e a doença, sendo o cuidado um fenômeno culturalmente construído (LEININGER, 1991). Na sua visão transcultural, Leininger (1991) considera o ser humano inseparável do seu conhecimento cultural e social. O cuidar humano tem várias dimensões a serem estudadas e praticadas. É visto como um fenômeno universal, com variações entre as culturas quanto às expressões, processos e padrões. Dentre os conceitos gerais de sua teoria, está o “cuidar”, sendo apresentado com um verbo que se refere a ações de ajudar, assistir e facilitar o outro indivíduo ou grupo com necessidades evidentes ou que podem ser antecipadas, e que levam a melhorar a condição humana ou o modo de vida. Já o “cuidado” é apresentado em sua teoria com um substantivo que se refere às atividades empregadas na assistência, ajuda ou facilitação desse indivíduo ou grupo com necessidades, evidentes ou antecipadas, a fim de melhorar a condição ou o modo de vida humano ou para se defrontar com a morte (LEININGER, 1991). A partir dessa visão, a assistência de Enfermagem será adaptada à cultura do cliente, não havendo incongruências entre o cliente e o cuidador. As práticas de cuidado são influenciadas pela linguagem, visão de mundo, religião, contexto sociocultural, político, educacional, econômico, tecnológico e ambiental de cada 42 cultura em particular. Em sua visão transcultural, o cuidado é visto como essencial para a saúde, a sobrevivência, o bem estar, o crescimento, o enfrentamento das dificuldades ou da morte, além de não existir cura sem ele (MONTICELLI; ALONSO; LEOPARDI, 1998). Leininger (1991) apresenta três tipos de interação entre enfermeiro/cliente, a saber: Preservação do cuidado cultural, que aponta as ações do enfermeiro, no sentido de apoiar, facilitar ou capacitar o cliente para o restabelecimento da saúde ou enfrentamento da morte. Ajustamento do cuidado cultural, a partir do qual a assistência profissional visa à adaptação, ajustamento ou negociação do cliente, visando alcançar um resultado de saúde benéfico ou satisfatório; e Repadronização/ reestruturação do cuidado cultural, a qual pressupõe que intervenções profissionais necessitam modificar os padrões de saúde do cliente para alcançar adequada qualidade de vida, respeitando os valores culturais e crenças dos clientes. A autora diferenciou ainda o cuidar no sentido genérico do cuidar profissional. Em seu sentido genérico, o cuidar se refere a atos de assistência, suporte ou facilitação dirigidos a um indivíduo ou grupo. No sentido profissional, refere-se aos modos, cognitivamente aprendidos, humanísticos e científicos de ajudar e capacitar o indivíduo, a família ou a comunidade a receber serviços personalizados, através de processos, técnicas e padrões (LEININGER, 1991). O Cuidado Transdimensional é defendido por Silva (1997), com a proposta de ir além do cuidado corpo-mente, do ser e do fazer, emergindo como forma de um enfoque paradigmático Unitário-Transformativo. Inter-relaciona as múltiplas dimensões do ser humano - corpo, mente e espírito, busca a harmonia entre estes elementos e destes com o universo. Aumenta a maneira de sentir e cuidar do ser humano, e dessa forma, amplia a perspectiva de ação do cuidado para além do processo saúde doença, visto pela autora apenas como uma pequena dimensão da vida. Silva (1997) relata que o cuidado transdimensional emerge da convergência da arte, da ciência e espiritualidade, consistindo em um referencial catalisador de reflexão, ação, conscientização e transformação, que eleva os níveis de qualidade de vida do planeta. Exige, portanto, novas habilidades dos seres cuidadores, sugerindo que estes extrapolem suas capacidades intelectual-racionais, e incluam, no processo de cuidado, a solidariedade, a sabedoria, o amor, a intuição, a criatividade, a sensibilidade, a imaginação e a percepção. 43 1.3.2 Contribuições da Saúde Coletiva para o entendimento do cuidado Diversos pesquisadores brasileiros trouxeram importantes contribuições para o entendimento do cuidado e das práticas relacionadas a ele, com diferentes enfoques e abordagens. A seguir, serão apresentadas algumas dessas contribuições. Camargo Junior et al. (2008) referem-se ao cuidado integral nos serviços de saúde e considera que alguns conceitos articulados podem traduzi-lo, a saber: a) Acolhimento: que pode ser pensado como postura, como técnica e como princípio para reorientação dos serviços. Enquanto postura, pressupõe as relações intra-equipe e equipe-usuário, envolve a atitude de escutar e tratar humanizadamente os usuários e suas demandas, além de uma relação de mútuo interesse, confiança e apoio entre profissionais e usuários. Através da postura receptiva, o profissional solidariza-se com o sofrimento trazido pelo usuário e abre perspectivas de diálogo. Como técnica, instrumentaliza a organização das ações e a geração de procedimentos, discrimina o risco e a oferta acordada de alternativas aos problemas da demanda. Como organização de serviços, caracteriza-se por um projeto institucional, que deve nortear todo o trabalho realizado pelo conjunto dos agentes e a política de gerenciamento dos trabalhadores e da equipe, incluindo a acessibilidade organizacional, que viabiliza a entrada de cada usuário na rede de serviços, em seus diferentes níveis de complexidade e modalidade de atendimento (CAMARGO JUNIOR et al., 2008); b) Vínculo: que pode ser pensado a partir de três dimensões: afetividade, relação terapêutica e continuidade. A primeira dimensão considera que o profissional de saúde deve ter um investimento afetivo positivo na sua atuação profissional e no paciente, “construindo, assim, um vínculo firme e estável entre ambas as partes” (CAMARGO JUNIOR et al., 2008, p. 560). A ideia de vínculo como uma relação terapêutica pressupõe o ato de dar 44 atenção. O vínculo é fortalecido através da continuidade e da confiança mútua entre profissional e paciente. Implica em responsabilização, que consiste em “o profissional assumir a responsabilidade pela condução da proposta terapêutica, dentro de uma dada possibilidade de intervenção, nem burocratizada nem impessoal” (CAMARGO JUNIOR et al., 2008, p. 560); c) qualidade da atenção: relaciona-se à qualidade da assistência prestada (CAMARGO JUNIOR et al., 2008). Para Ayres (2004), geralmente o termo cuidado em saúde é atribuído de forma simplista a um conjunto de procedimentos tecnicamente orientados, cuja finalidade é o êxito em determinado tratamento. No entanto, frente ao sentido que assume nas ações de saúde demandadas, o cuidado deve ser entendido como uma categoria que abrange tanto uma compreensão filosófica quanto uma atitude prática. Nessa perspectiva, o cuidado é uma interação entre dois ou mais sujeitos, cujo objetivo é o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre permeada por saberes específicos para atingir essa finalidade. Ainda segundo o autor, diversos desafios se instalam para a reconstrução das práticas de saúde em um sentido reconciliador. Dentre eles, destacam-se: voltar-se à presença do outro, considerando para tal as tecnologias leves, com o intuito de estabelecer interações mais efetivas e criativas; otimizar a interação, no sentido de utilizar as tecnologias de conversação para desenvolver uma ausculta sensível, que permita identificar as variadas demandas, a partir de uma orientação assistencial voltada à integralidade do cuidado, com capacidade de produzir algum tipo de resposta do serviço a essas demandas; e por fim enriquecer horizontes, ao considerar que um cuidado efetivo necessita de interações intersubjetivas ricas e dinâmicas, com uma racionalidade orientadora de tecnologias e com expansão dos horizontes dos âmbitos e dos agentes de sua operação (AYRES, 2004). Sobre as tecnologias leves, estas foram propostas por Merhy (2002) como um eixo analítico vital dos modelos tecnoassistenciais, ao considerar que o trabalho em saúde é fortemente influenciado e orientado pelas relações entre os sujeitos. São consideradas leves as tecnologias de relações como o acolhimento, o vínculo, a autonomização, a gestão como forma de orientar processos. Dessa forma, o autor 45 considera que o cuidado se traduz na escolha ética e política das tecnologias a serem utilizadas na resolução dos problemas de saúde. Há alguns autores na saúde pública que consideram a prática educativa como forma de cuidado na enfermagem. Acioli (2008), ao realizar uma pesquisa junto a moradores de uma comunidade de baixa renda no município do Rio de Janeiro, identificou que as práticas educativas, ao serem identificadas como práticas de cuidado em saúde pública, pressupõe a interação e a troca de experiências e saberes entre a população e os profissionais de saúde. Nessa perspectiva, a autora ressalta que essas práticas devem ser pensadas numa proposta de construção compartilhada, com incorporação dos conhecimentos dos sujeitos envolvidos, buscando a interdisciplinaridade, a autonomia e a cidadania. Raciocínio semelhante foi desenvolvido por Friedrich e Sena (2002), que analisaram a práxis do cuidado no trabalho da enfermeira em unidade básica de saúde (USB). As práticas de cuidado encontradas foram caracterizadas por essas autoras como uma relação de troca entre enfermeiras e usuários, permeadas pela educação em saúde na totalidade das ações desenvolvidas, desde as ações propriamente ditas educativas, como por exemplo, os grupos educativos para gestantes, perpassando pelas consultas de enfermagem e procedimentos técnicos (injeções, vacinas, curativos). Budó e Saupe (2005) reforçam a discussão acima em um estudo com enfermeiras atuantes nas comunidades rurais do Rio Grande do Sul. Esse estudo revelou que enfermeiras da saúde pública caracterizam como práticas de cuidado, a educação em saúde, a visita domiciliar e o trabalho com grupos de usuários, além dos encaminhamentos para outras unidades, como um dos meios para oferecer uma maior resolutividade. Nesse sentido, Alves (2005) ressalta que a educação em saúde tem sido, desde a década de 1970, profundamente repensada. Verifica-se uma ampliação da compreensão sobre o processo saúde-doença, que, saindo da concepção restrita do biologicismo, passa a ser concebido como resultante da inter-relação causal entre fatores sociais, econômicos e culturais. Questionam-se cada vez mais as práticas pedagógicas persuasivas, baseadas na transmissão verticalizada de conhecimentos, no autoritarismo entre o educador e o educando e na negação da subjetividade nos processos educativos. Neste contexto, surge a preocupação com o desenvolvimento 46 da autonomia dos sujeitos, com a constituição de sujeitos sociais capazes de reivindicar seus interesses. 47 2 METODOLOGIA 2.1 Tipo de estudo e abordagem metodológica A presente pesquisa utilizou o método descritivo e a abordagem qualitativa. Foi adotado como referencial teórico-metodológico a Teoria de Representações Sociais em sua abordagem complementar processual, por esta apreender tanto o processo de constituição das representações quanto seu produto, ou seja, os conteúdos, que podem ser: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens (JODELET, 2001; SÁ, 1998). Em relação ao método descritivo, Cervo e Bervian (1996) referem que este busca conhecer as diversas situações da vida social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas. Segundo os mesmos autores, a “pesquisa descritiva procura descobrir, com a precisão possível a frequência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com os outros, sua natureza e características, correlacionando fatos ou fenômenos sem manipulá-los.” (CERVO; BERVIAN, 1996, p. 49). Optou-se pela pesquisa qualitativa, que responde, segundo Minayo (1994), a questões particulares e enfoca um nível de realidade que não pode ser quantificado. Este tipo de pesquisa trabalha com um universo múltiplo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Dessa forma, qualquer investigação de cunho social deveria contemplar uma característica básica de seu objeto, que é o aspecto qualitativo. De acordo com Polit, Beck e Hungler (2001), a pesquisa qualitativa caracteriza-se por permitir ao pesquisador um delineamento flexível do estudo, possibilitando um ajuste ao que está sendo captado durante a coleta de dados. Visa à compreensão do todo, permitindo o uso de várias estratégias de coleta de dados e exige um envolvimento intenso do pesquisador. Ao mesmo tempo, exige uma 48 análise contínua dos dados, tanto para a formulação de estratégias e os passos subsequentes, como para a finalização do trabalho de campo. Lakatos e Marconi (1995, p. 106) definem que “a pesquisa qualitativa é a melhor forma de procurar fatos, tentando organizá-los dentro de um grande universo”. Permite, dessa forma, explicar e prever o que acontece e produzir novos conceitos, além de ser a melhor forma de focalizar uma realidade e a riqueza dos dados descritivos. Bauer e Gaskell (2002, p. 68) destacam que “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”. Ainda sobre esta abordagem metodológica, os autores afirmam que o método qualitativo é intrinsecamente mais crítico e emancipatório do que o método quantitativo, já que defende a necessidade de compreender as interpretações que os atores sociais possuem do mundo. Através do enfoque metodológico acima descrito, buscou-se uma análise aprofundada das representações sociais do HIV/Aids para as enfermeiras, de forma a permitir a discussão das repercussões dessas representações para o cuidado de enfermagem desenvolvido aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, para assim dar conta dos objetivos propostos por esta pesquisa. 2.2 Cenários estudados Para atender ao objetivo de caracterizar as representações sociais de enfermeiras conforme o nível de atenção aos sujeitos soropositivos, foram selecionadas oito instituições públicas de saúde, sendo quatro hospitais e quatro Centros Municipais de Saúde (CMS), todos localizados no município do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que as unidades de saúde selecionadas estão inseridas no Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde e prestam assistência direta a pessoas que vivem com HIV/Aids em diferentes níveis. Dentre as instituições hospitalares, estão: um hospital federal de grande porte e que presta assistência em diversas especialidades de saúde; dois hospitais 49 universitários, sendo um estadual e um federal e um instituto de infectologia estadual de referência em doenças infectoparasitárias. O hospital universitário estadual possui atendimento em especialidades médicas de alta complexidade como: cirurgia cardíaca, transplante renal e gestação de alto risco. Também não dispõe de serviço de emergência. Em relação ao atendimento às pessoas que vivem com HIV/Aids, este hospital é classificado como um Serviço de Assistência Especializada (SAE). Estes serviços de saúde têm o objetivo de prestar atendimento integral e de qualidade aos usuários, através de uma equipe de saúde multiprofissional, realizando ações de assistência, prevenção e tratamento às pessoas que vivem com HIV ou AIDS e seus familiares (PROGRAMA NACIONAL DE DST E AIDS, 2007). O hospital universitário federal é uma instituição hospitalar de médio porte e não possui serviço de emergência. Pela característica e abrangência de seus serviços, opera como referência para toda a cidade e estado, no atendimento em aids, câncer e ortopedia, especialidades para as quais está habilitado pelo Ministério da Saúde. Atende à clientela do SUS por demanda espontânea ou referenciada, através da Central de Regulação do Município do Rio de Janeiro. O instituto de infectologia estadual possui tradição no tratamento e prevenção de doenças infectocontagiosas. Atualmente, seu funcionamento se dá de forma precária nas dependências de outra instituição hospitalar estadual, pois seu prédio original foi desativado por questões de segurança. O hospital federal é uma instituição de grande porte, sendo considerado referência em oftalmologia, cirurgia de cabeça e pescoço e no atendimento à gestante de alto risco. Sua estrutura física é composta de 6 prédios de 4 a 7 pavimentos. Possui 403 leitos de internação, 40 leitos de terapia intensiva, 15 salas cirúrgicas e 90 ambulatórios. No que diz respeito ao atendimento às pessoas que vivem com HIV/Aids também é classificado pelo Ministério da Saúde como um SAE. Os cenários de rede básica são CMS que prestam atendimento ambulatorial em diversas áreas, como clínica médica, dermatologia, ginecologia, pediatria, dentre outros. Atendem sujeitos portadores de doenças transmissíveis, como tuberculose e hanseníase, possuem implantados os programas de saúde na atenção à mulher, à criança, ao idoso, e desenvolvem o programa nacional de vacinação voltado à população em geral. Contam também com serviços de epidemiologia, psicologia, serviço social, fonoaudiologia e odontologia. 50 2.3 Grupo estudado Foram estudadas 19 enfermeiras, sendo 10 de hospitais públicos e 9 de centros municipais de saúde. O número de enfermeiras da rede básica foi equiparado ao número daquelas que atuavam em hospitais, de modo a permitir a comparação das representações sociais elaboradas pelos dois grupos. Foram convidados para participar do estudo todos os enfermeiros que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: enfermeiros que estavam atuando ou já tinham atuado no Programa de DST/Aids e no Programa de Tuberculose dos centros municipais de saúde; enfermeiros que estavam atuando ou já tinham atuado nos setores de enfermaria de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP), Centro de Terapia Intensiva (CTI), pneumologia e infectologia. Nos hospitais foram selecionados para participar da pesquisa enfermeiros que estavam atuando ou já tinham atuado em setores com maior possibilidade de contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids, tais como enfermaria de DIP, CTI, pneumologia e infectologia. Nos centros municipais de saúde foram selecionadas enfermeiras que estavam atuando ou já tinham atuado no Programa de DST/Aids e no Programa de Tuberculose, considerando a proximidade existente entre esses dois programas no que diz respeito ao atendimento ambulatorial às pessoas vivendo com HIV/Aids, que muitas vezes frequentam ambos, devido a alta incidência de tuberculose secundária à infecção pelo HIV. Participaram do estudo todos os profissionais das oito instituições públicas de saúde que atenderam aos critérios de inclusão e que aceitaram participar da pesquisa. Embora de forma não intencional, apenas enfermeiras compuseram a amostra desse estudo, não tendo participado nenhum representante do sexo masculino com graduação em enfermagem. 2.4 Coleta de dados e instrumentos Os dados obtidos nesta pesquisa foram coletados através de dois instrumentos de coleta de dados: um questionário de caracterização sócio- 51 profissional (APÊNDICE A) e um roteiro de entrevista semiestruturado (APÊNDICE B). O questionário continha questões fechadas de caracterização socioeconômico-profissional, das quais foram selecionadas algumas variáveis de interesse para o estudo (APÊNDICE A), quais sejam: instituição de atuação, idade, estado conjugal, tempo de atuação como enfermeira, tempo de atuação co m pessoas convivendo com HIV/Aids, tipo de contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids, frequência do contato, participação em cursos de capacitação voltados ao HIV/Aids e se já pensou estar contaminada pelo HIV/Aids. A seleção destas variáveis deu-se de acordo com o entendimento de que elas poderiam influenciar na representação social construída acerca do objeto de estudo. Por se tratar de estudo inserido na abordagem processual das representações sociais, optou-se pela realização da técnica de entrevista, utilizando para tal, um roteiro semiestruturado. Tal recurso metodológico busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, obter respostas a partir da experiência subjetiva de uma determinada fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer. Nessa perspectiva, os dados não são apenas colhidos, mas também resultado de interpretação e reconstrução pelo pesquisador, em diálogo inteligente e crítico com a realidade (DEMO, 2001). A realização das entrevistas se deu da seguinte forma: o pesquisador e a enfermeira dirigiram-se a um local tranquilo, de modo que pudessem ficar sozinhos, minimizando ao máximo possíveis interrupções e favorecendo a expressão das ideias. Em seguida o pesquisador explicava sobre o estudo e a importância da pesquisa e fornecia o termo de consentimento livre e esclarecido para que a enfermeira lesse, de forma que eventuais dúvidas pudessem ser retiradas. Em havendo o aceite em participar da pesquisa, o termo de consentimento livre e esclarecido era assinado por ambos. Logo após, iniciava-se o preenchimento, pelo pesquisador, do questionário de caracterização do sujeito e posterior gravação da entrevista em áudio digital. A gravação das entrevistas foi escolhida como estratégia por permitir a captação de todas as falas do entrevistado, de forma que posteriormente pudesse ser feita transcrição do material. Na entrevista, o entrevistador inicialmente solicitava à entrevistada que falasse, livremente sobre suas primeiras experiências com os sujeitos que vivem 52 com HIV/Aids. Para o desenvolvimento da entrevista foi seguido o roteiro temático. De acordo com a ausência de falas acerca de alguns temas importantes para o estudo, estes eram pontuados pelo entrevistador, que solicitava à entrevistada que dissertasse sobre os mesmos. As entrevistas ocorreram nos anos de 2010 e 2011, com duração média de 40 minutos. 2.5 Aspectos éticos e legais da pesquisa Levando em consideração o que preconiza a Resolução 196/1996, sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos, as profissionais em questão foram esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa, bem como a manutenção do sigilo e anonimato das informações, a fim de garantir a integridade das mesmas e o uso dos resultados da pesquisa (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996). Após estes esclarecimentos, foi solicitado às profissionais a concordância de participação, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas da UERJ e em seguida aprovado pelo protocolo nº 048.3.2010. 2.6 Análise de dados do conteúdo da representação A análise do material discursivo produzido pelas entrevistas foi efetuada através de um tipo particular de análise de conteúdo, a análise lexical. Essa análise é desenvolvida através da técnica de análise hierárquica descendente, efetuada pelo software Alceste 4.10 (ALCESTE, c2010; OLIVEIRA, 2003). Esse programa foi desenvolvido na França por Max Reinert, em 1979, sendo atualizado posteriormente. Sua aplicabilidade tem permitido o desenvolvimento de diversas pesquisas no Brasil e na Europa (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). 53 A Análise de Dados Textuais ou Estatística Textual é uma metodologia cujo objetivo é descobrir a informação básica contida em um texto, valendo-se do tratamento estatístico de seus elementos. Neste sentido, o software Alceste é uma ferramenta que possibilita a análise quali-quantitativa de dados textuais, tomando como base as leis de distribuição do vocabulário e permite realizar análise do conteúdo essencial presente no texto por meio de técnicas quantitativas de estatística textual (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). De acordo com Reinert (1993 apud OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005), o programa utiliza mecanismos independentes da análise de conteúdo, com o objetivo de obter uma primeira classificação estatística dos "enunciados simples" do corpus estudado. Recorre à análise das coocorrências das palavras nos enunciados que constituem o texto, para organizar e sumarizar informações consideradas relevantes, possuindo como referência da sua base metodológica a abordagem conceitual dos “mundos lexicais”. Reinert (1990 apud NASCIMENTO; MEANDRO, 2006, p. 73) afirma que o Alceste utiliza uma série de procedimentos estatísticos aplicados a bancos de dados textuais, que podem ser entrevistas transcritas, obras literárias, artigos de jornais e revistas, entre outros. A base do funcionamento do programa encontra-se na ideia de relação entre contexto linguístico e representação coletiva ou entre unidade de contexto e contexto típico. Unidade de contexto é entendida como uma espécie de representação elementar, um sentido ou um enunciado mínimo em um discurso. A análise Alceste é efetuada sobre o próprio campo semântico, de maneira descritiva e comparativa, através do pareamento de campos semânticos produzidos por cada indivíduo. A análise dos itens léxicos é efetuada usando categorias, tais como o tipo de vocabulário, dispersão, ocorrências e coocorrências, complementada pela análise das classes temáticas (OLIVEIRA, 2010). Oliveira (2010, p. 18) destaca ainda quatro etapas principais realizadas pelo software Alceste, a saber: a) segmentação do material discursivo em pequenas sequências de texto, denominadas de UCE (unidades de contexto elementares), classificação e delimitação de classes semânticas com descrição posterior. b) análise de associação e correlação das variáveis informadas às classes obtidas. As UCE são classificadas em função de seus respectivos vocabulários, e o conjunto delas é repartido em função da frequência das formas reduzidas. A partir de matrizes cruzando formas reduzidas e UCE, variando o tamanho das UCE, aplica-se o método de classificação hierárquica descendente e obtém-se uma classificação definitiva. 54 c) descrição das classes de UCE escolhidas. O programa executa cálculos complementares para cada uma das classes obtidas pelos cálculos da etapa precedente. Esta etapa fornece resultados que nos permite a descrição das classes obtidas, principalmente pelos seus vocabulários característicos (léxico) e pelas suas palavras com asterisco (variáveis). d) cálculos complementares. Com base nas classes de UCE escolhidas, o programa calcula e nos fornece as UCE mais características de cada classe, permitindo a contextualização do vocabulário típico de cada classe. Esse processo resulta na identificação de polaridades no uso das palavras, que poderão ser tomadas pelo pesquisador como dados brutos, nos quais poderá apoiar sua interpretação. Dessa forma, ao se basear no nível semântico do texto, são consideradas as bases lexicais das chamadas "palavras plenas", que são as palavras possuidoras de sentido. Simultaneamente, opera uma redução do vocabulário através da eliminação dos marcadores de sintaxe, categorias gramaticais de gênero, número, modo, tempo e pessoa, de forma a guardar somente as raízes significantes (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). Os resultados da análise de conteúdo realizada por esse software possibilitaram uma descrição dos conteúdos discursivos capturados nas entrevistas, evidenciando as dimensões e os conteúdos da representação social das enfermeiras acerca da aids e os diferentes aspectos do cuidado de enfermagem prestado ao sujeito que convive com o HIV/Aids. 2.7 Procedimentos da análise Alceste 2.7.1 Preparação do corpus Alceste O corpus representa o produto final de todo o material que se deseja analisar através do software Alceste. Isso significa que uma boa análise Alceste depende de um adequado preparo do seu corpus. Para isto, ele deve apresentar coerência temática e dinâmica e deve expressar o objeto de interesse do pesquisador (FORMOZO, 2007). Isso significa que é importante que o corpus se apresente como um todo temático e coerente, não se tratando de uma reunião de textos variados (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). 55 Realizar a análise lexical através do Alceste envolve percorrer uma série de etapas, sendo a preparação do corpus apenas a primeira delas. É necessário converter o discurso verbal em um texto passível de ser analisado, o que exige eliminar os vícios de linguagem, identificar a fala do entrevistador através do uso de caixa alta e reduzi-la ao máximo no corpo do texto. Além disso, faz-se necessário construir um dicionário de termos padronizados para que dessa forma termos similares sejam reduzidos a uma forma comum, dentre outras regras de preparação. Inicialmente, foi realizada a transcrição minuciosa de todas as entrevistas por uma empresa especializada em transcrição de áudio. Após essa etapa, foi necessário fazer revisão de todo o material transcrito, pois alguns termos específicos da área da saúde presentes no discurso das enfermeiras não foram captados ou foram identificados como incompreensíveis, como, por exemplo, certos medicamentos e patologias. Além disso, foram feitas correções ortográficas e/ou de digitação e eliminação de vícios de linguagem, os quais prejudicam a análise. Em seguida, foram padronizados alguns termos considerados importantes para o objeto de estudo e que deveriam ter grafia única ao longo de todo o texto, de forma que o software pudesse lê-los como palavras iguais. Esses termos padronizados foram reunidos em um dicionário, construído no decorrer de diversas leituras das entrevistas. Também neste momento, procedeu-se à formatação das entrevistas de acordo com algumas regras definidas para o uso do software como, por exemplo, a substituição de traço/hífen (“-”) por traço subscrito (“_”), a utilização de palavras escritas em letras maiúsculas somente para falas do entrevistador e retirados excessos de espaçamentos ou de parágrafos. Após estes ajustes, todas as entrevistas foram reunidas em um único arquivo de editor de texto e este salvo no tipo “texto sem formatação”, extensão de arquivo com a qual o software trabalha. As entrevistas foram separadas umas das outras pela inserção de uma linha de comando ou “linha com asterisco”, onde foram digitadas algumas variáveis de interesse de forma codificada, separadas entre si por asteriscos. Estas variáveis foram captadas através do questionário de caracterização dos sujeitos, tendo sido selecionadas as seguintes: instituição de atuação, idade, estado conjugal, tempo de atuação como enfermeira, tempo de atuação com pessoas convivendo com HIV/Aids, tipo de contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids, frequência do contato, participação em cursos de capacitação voltados ao HIV/Aids e pensou estar contaminada pelo HIV/Aids. Esta linha de 56 comando delimita o início de cada unidade a ser analisada que é denominada de unidade de contexto inicial (U.C.I.). É a partir da U.C.I. que o programa identifica o local onde se inicia cada entrevista. Ao término da construção do corpus com as 19 entrevistas realizadas (19 U.C.I.), obteve-se um total de 208 páginas, que constavam de 726754 caracteres. De acordo com Oliveira, Gomes e Marques (2005), há duas condições para que se obtenha um bom resultado na análise Alceste, quais sejam: o corpus deve ser volumoso, para permitir que o elemento estatístico seja considerado e deve haver coerência temática ou dinâmica em seu conjunto, ou seja, é necessário que trate do objeto que interessa ao pesquisador. Tais condições foram contempladas neste estudo. Após esta etapa, o corpus foi inspecionado por uma pesquisadora especialista nesse tipo de análise, sendo feitos os últimos ajustes e correções para que finalmente pudesse ser submetido à análise pelo software Alceste 4.10 (ALCESTE, c2010). 2.7.2 Etapas da análise Alceste O primeiro conjunto de operações realizadas pelo software Alceste corresponde a Leitura do Texto e Cálculo dos Dicionários (Fase A), que possui trêssubfases, a saber: A1 - Reformatação e divisão do texto em segmentos de tamanho similar, denominados Unidades de Contexto Elementares (U.C.E.); A2 Pesquisa do vocabulário e redução das palavras com base em suas raízes (formas reduzidas); A3 - Criação do dicionário de formas reduzidas (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). Em seu aspecto operacional, o objetivo do Alceste não é o cálculo do sentido, mas a organização tópica de um discurso ao colocar em evidência os "mundos lexicais". No Alceste, o vocabulário de um enunciado corresponde a uma referência, uma intenção de sentido do sujeito-enunciador (NASCIMENTO; MENANDRO, 2006). O software pesquisa unidades de contexto, sendo que em um primeiro momento, o corpus é segmentado em grandes unidades denominadas de U.C.I., que são divisões naturais do corpus definidas pelo pesquisador. Trata-se dos 57 primeiros índices de estrutura que precisam ser informados ao Alceste (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). As U.C.I. são iniciadas por linhas especiais, que são destacadas do texto, iniciando por um número de identificação de até 8 algarismos ou por quatro asteriscos. Essa linha divisória pode incluir um número livre de palavras estreladas, que identificam certas características dos sujeitos, tais como sexo, idade, profissão, dentre outras. Essas informações fazem parte dos resultados, mas não devem ser tomadas em conta na análise de conteúdo, sendo consideradas características extra corpus. Elas permitem associar o perfil discursivo em função das características dos sujeitos e do contexto de produção do material analisado. A essas variáveis é calculado o grau de associação às classes (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). Após a identificação das linhas de comando, o software processa a reformatação e divisão do texto em segmentos de três linhas ou mais, que seguem a pontuação e a ordem de aparição no texto. Esses segmentos são denominados de U.C.E. e neles a acentuação e letras maiúsculas são retiradas. Através da vinculação das palavras do corpus a essas U.C.E., o Alceste estabelece matrizes a partir das quais será efetuado o trabalho de classificação (REINERT, 2000). Em relação à subfase A2, ocorre a redução das palavras, originando as denominadas formas reduzidas. Nelas são retiradas as formas de gênero, plurais, desinências de conjugação e outros que interferem na definição final da configuração da forma reduzida. O objetivo de reduzir as palavras a seus radicais significativos é o de permitir maior enriquecimento das ligações estatísticas implicadas na análise das coocorrências (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005; REINERT, 1990). Logo após esse primeiro conjunto de operações, inicia-se a segunda fase, denominada de Fase B- Cálculo das matrizes de dados e classificação das U.C.E. Trata-se de uma etapa de cálculos, na qual ocorre a classificação das U.C.E. em função dos seus respectivos vocabulários. O conjunto de U.C.E. é repartido em função da frequência das formas reduzidas. Esta fase está dividida em três subfases, a saber: B1- seleção das UCE e cálculo da matriz de formas reduzidas x U.C.E.; B2- Cálculo das matrizes de dados para classificação hierárquica descendente; e B3- Classificação Hierárquica Descendente (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). 58 Na fase C - Descrição das classes de U.C.E. escolhidas, o software Alceste efetua duas classificações sucessivas para controlar a estabilidade das classes obtidas. Esta etapa fornece os principais arquivos resultados, gerando as diferentes classes, sua dependência mutual, vocabulário predominante em casa uma delas, palavras estreladas e palavras ferramentas características. Possui três subfases: C1- Comparação de duas classificações e definição das classes escolhidas; C2Descrição dos perfis das classes; C3- Análise fatorial de correspondência (AFC) (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). De acordo com Oliveira, Gomes e Marques (2005, p.178), o dendograma indica que duas grandes divisões no material analisado dão início a sua segunda segmentação, que posteriormente sofrem outras subdivisões, gerando classes cada vez mais específicas e homogêneas. As divisões do conteúdo analisado indicam que existem diferenças e oposições que não permitem a permanência do conteúdo em um só bloco de significação, ao passo que classes constituídas a partir de uma mesma origem, apesar de comportarem um significado de oposição, possuem semelhanças que merecem ser analisadas, de forma a gerar uma visualização global do material. A última fase é denominada Fase D- Cálculos complementares. Trata-se de um prolongamento da fase anterior, na qual o programa calcula e fornece as U.C.E. características de cada classe, possibilitando dessa forma a contextualização do vocabulário típico de cada classe. Essa fase possui quatro subclasses, a saber: D1 Seleção das chaves de contexto e das U.C.E. características de cada classe; D2 Pesquisa das duplas de palavras e dos segmentos repetidos por classe; D3 Classificação Ascendente Hierárquica (sobre cada classe); D4 - Seleção das palavras características de cada classe (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005). 59 3 RESULTADOS 3.1 Caracterização da população participante do estudo Foram estudadas 19 enfermeiras, e destas 10 atuam em hospitais e 9 em instituições da rede básica, sendo estas últimas postos de saúde e centros municipais de saúde. A divisão praticamente equitativa de enfermeiras de acordo com a rede assistencial a qual pertencem foi intencional e teve o objetivo de permitir comparações entre os dois grupos. De acordo com a Tabela 1, a faixa etária predominante é a de 25 a 34 anos, perfazendo 58% da amostra (n = 11), seguida das faixas de 45 a 54 anos e 35-44 anos, que correspondem a 21% (n = 4) e 16% (n = 3), respectivamente. Apenas uma enfermeira entrevistada possuía mais de 54 anos. Esse perfil etário é característico de profissionais jovens, mas provavelmente não recém-formadas, que já acumularam experiências relativas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids e, portanto, elaboraram representações sobre o objeto em estudo. Tabela 1 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a faixa etária - Rio de Janeiro - 2011 Faixa etária n % 25-34 11 58 35-44 3 16 45-54 4 21 Acima de 54 1 5 Total 19 100 Quanto ao estado conjugal, de acordo com a Tabela 2, a maioria das enfermeiras é casada, correspondendo a 79 % (n = 15). Observa-se também que 16% (n=3) das enfermeiras são solteiras. Este perfil é o esperado para a faixa etária predominante, sendo marcado por enfermeiras casadas em sua maior parte. Cabe ressaltar que esta é uma variável importante para o objeto de estudo em questão, 60 considerando o aumento significativo do número de mulheres casadas que foram contaminadas pelo HIV através de relações com o próprio parceiro nos últimos anos, o que gera a possibilidade de identificação das entrevistadas com tais situações, por serem elas também mulheres casadas. Tabela 2 - Distribuição das enfermeiras de acordo estado conjugal - Rio de Janeiro - 2011 Estado Conjugal n Casada 15 Solteira 3 Vive com o companheiro 1 Total 19 com o % 79 16 5 100 Em relação ao tempo de atuação em enfermagem, observa-se predominância de profissionais com até 15 anos de atuação, correspondendo a 69% da amostra (n = 13), caracterizando um perfil semelhante àquele apontado pela variável faixa etária, qual seja, de profissionais com alguma experiência profissional. O restante, 31% (n = 6), possui tempo de atuação superior a 16 anos. Esses dados podem ser mais bem visualizados na Tabela 3, na qual são apresentados os tempos de atuação das participantes do estudo. Tabela 3 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação profissional - Rio de Janeiro - 2011 Tempo de atuação como enfermeiras n % Menos de 05 anos 6 32 06 a 15 anos 7 37 16 a 25 anos 5 26 26 a 35 anos 1 5 Total 19 100 Quanto ao tempo de atuação com sujeitos que vivem com o HIV/Aids, os dados serão apresentados na Tabela 4. Observa-se que 42% (n = 8) das enfermeiras referiram tempo de atuação com pessoas que vivem com HIV/Aids inferior a 5 anos. No entanto, pode-se constatar também que 32% (n = 6) possuem mais de 10 anos de atuação com essa clientela, além de 26% (n = 5) com tempo de 61 atuação entre 6 a 10 anos. Dessa forma, o perfil das enfermeiras é marcado por aquelas que possuem 6 ou mais anos de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids, o que possibilita a formação e a transformação de representações sociais acerca da aids, Tabela 4 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação com pessoas que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro - 2011 Tempo de atuação com sujeitos que vivem com n % HIV/AIDS Menos de 05 anos 8 42 06 a 10 anos 5 26 11 a 15 anos 2 11 16 a 20 anos 3 16 Mais que 20 anos 1 5 Total 19 100 Em relação ao tipo de contato atual com os sujeitos que vivem com HIV/Aids, as enfermeiras responderam se tal contato se dava de forma física, física e verbal, exclusivamente verbal ou se nenhum tipo de contato se estabelecia. Os resultados encontram-se na Tabela 5. Nota-se que a maior parte das enfermeiras refere contato físico e verbal, totalizando 79% (n = 15) das entrevistadas. Este dado pode ser explicado pela própria característica do trabalho de enfermagem, cujas práticas de cuidado possuem características particulares, relativas à proximidade física e relacional com os sujeitos cuidados, conforme afirma Oliveira (2007). Dessa forma, o perfil de enfermeiras deste estudo é caracterizado por aquelas envolvidas atualmente em atividades assistenciais, em detrimento das enfermeiras que desempenham atividades burocráticas e administrativas. 62 Tabela 5 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tipo de contato atual com sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro - 2011 Tipo de contato atual n % Físico e verbal 15 79 Verbal 2 11 Físico 1 5 Nenhum 1 5 Total 19 100 Sobre a frequência de contato atual com os sujeitos que vivem com HIV/Aids, 42% (n = 8) das enfermeiras afirmam ter contato diário, sendo seguidas de 37% (n = 7) que referem contato semanal e 16 % (n = 3) que referem contato esporádico, de acordo com a Tabela 6. Tabela 6 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a frequência de contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro - 2011 Frequência de contato com sujeitos que vivem n % com HIV/AIDS Diário 8 42 Semanal 7 37 Esporádico 3 16 Nenhum 1 5 Total 19 100 Levando em consideração que a proximidade com o objeto é um elemento de contexto que aumenta a possibilidade de existência de uma representação social, destaca-se que a maior parte das enfermeiras referiu contato diário ou semanal com sujeitos que vivem com HIV/Aids, o que certamente ocasiona a formação de representações sobre a doença, que por sua vez, repercutem na forma como o cuidado é desenvolvido por essas profissionais. Comparando-se com a Tabela 5, percebe-se que o contato físico e verbal é realizado diariamente pela maioria das enfermeiras, o que pressupõe o desenvolvimento de procedimentos que abarcam a manipulação de sangue e secreções. Este dado possui uma relação importante com a construção das representações sociais acerca da síndrome, conforme destaca Jodelet (2001), ao 63 referir que no início da aids, quando ainda não havia esclarecimentos da pesquisa biológica, a sociedade elaborou teorias apoiadas nos dados de que dispunha relativos aos portadores (drogadictos, hemofílicos, homossexuais e receptores de transfusões) e aos vetores do mal (sangue e esperma). Dessa forma, surgiram duas concepções acerca da transmissão do HIV, uma do tipo moral e social e outra do tipo biológico, as quais influenciaram os comportamentos, as relações íntimas e com as pessoas afetadas pela aids, dentre elas as de cuidado por parte dos profissionais. Quanto à participação em cursos de capacitação voltados ao HIV/Aids, 47% (n = 9) das enfermeiras referiram já terem participado de pelo menos um curso (Tabela 7). Chama a atenção o fato de que 67% (n = 6) das enfermeiras da rede básica já participaram de algum curso específico sobre a temática HIV/Aids. Já entre as enfermeiras da rede hospitalar, o inverso ocorre: a maioria (70%; n=7) nunca realizou curso de capacitação voltados ao HIV/Aids. Tabela 7 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a participação em cursos de capacitação voltados à temática HIV/Aids e por área de atuação - Rio de Janeiro - 2011 Participação em cursos voltados ao HIV/AIDS por Rede básica Hospital Total área de atuação % % n % n n Sim 6 67 3 30 9 47 Não 3 33 7 70 10 53 Total 9 100 10 100 19 100 Esse dado merece ser discutido, considerando que essas profissionais lidam com medicações específicas para aids, que englobam um campo novo e específico de conhecimentos, caracterizando uma área especializada. Dessa forma, é inegável a necessidade de formação seguida de atualização constante dos profissionais de enfermagem nessa área, principalmente no que se refere ao preparo e administração dos medicamentos, mas também na incorporação de medidas de biossegurança à prática assistencial (GRYSCHEK, 2000), além de uma melhor compreensão dos aspectos psicossociais que envolvem os sujeitos que vivem com HIV/Aids 64 A qualificação da força de trabalho representa uma das principais necessidades para a operacionalização do Programa Nacional de DST/Aids. Os eixos básicos desse programa englobam o atendimento dos aspectos clínicos da doença na prática diária de cada profissional de saúde, o enfrentamento do preconceito e da desinformação da sociedade, tanto na comunidade em geral, quanto entre os profissionais que lidam diretamente com este agravo, o desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica, de prevenção e de educação em saúde (GRYSCHEK, 2000). A análise da percepção do contágio pelo HIV pelas enfermeiras (Tabela 8) mostrou que, da rede hospitalar, metade das profissionais respondeu que já havia pensado ter sido contaminada pelo HIV/Aids. Já entre as enfermeiras da rede básica, apenas uma entrevistada deu resposta afirmativa. Uma das hipóteses possíveis para explicar tal diferença nas respostas entre os dois grupos pode ser o próprio processo de trabalho, que ocasiona maior ou menor exposição ocupacional de acordo com o ambiente de trabalho e a qualidade dos procedimentos realizados por essas profissionais (Tabela 8). Em outras palavras, pode-se inferir que as enfermeiras da rede hospitalar realizem com frequência procedimentos tais como punção venosa e manipulação de materiais pérfuro cortantes contaminados de sangue, estando sujeitas a acidentes biológicos com mais frequência do que as enfermeiras da rede básica, que realizam prioritariamente consultas de enfermagem e atividades de educação em saúde. Provavelmente por se sentirem mais ou menos expostas, de acordo com os procedimentos que realizam, a percepção do contágio pelo HIV nos dois grupos foi discrepante. Tabela 8 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a percepção de contágio e pelo HIV e área de atuação - Rio de Janeiro - 2011 Percepção de contágio Rede básica Hospital Total pelo HIV por área de % % % n n n atuação Sim 1 11 5 50 6 32 Não 8 89 5 50 13 68 Total 9 100 10 100 19 100 65 3.2 As representações sociais da aids e suas influências nas práticas de cuidado de enfermeiras voltadas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids A análise Alceste partiu de 19 linhas estreladas, número esse que corresponde tanto ao número de U.C.I. quanto ao número de entrevistas analisadas. De acordo com o resultado da análise, o corpus é composto por 1214 formas reduzidas diferentes e 8407 formas distintas. O corpus foi dividido pelo software em 2050 U.C.E. Destas U.C.E., 1414 foram selecionadas para a análise, representando 69% de aproveitamento do material exposto para análise. O tamanho da U.C.E. foi determinado pelo número de formas reduzidas contidas em cada uma. Cada U.C.E. concentrou oito ocorrências de formas reduzidas. Utilizando como universo de análise as 1414 U.C.E. selecionadas, o software gerou seis classes. De acordo com a distribuição das U.C.E. nestas classes, constata-se que o predomínio textual encontra-se na classe 1, com 25 % das U.C.E. classificadas para análise, seguida pela classe 5, com 23%. As classes 2, 3, 4 e 6 apresentam distribuições entre si de 17%, 8%, 15% e 12%, respectivamente, do quantitativo total de U.C.E. classificadas. Com o intuito de obter uma melhor compreensão dos conteúdos presentes nas classes, procedeu-se a nomeação das classes, valendo-se das formas reduzidas e das U.C.E. representativas. Dessa forma, obtiveram-se as seguintes nomenclaturas: a) Classe 1: Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/Aids; b) Classe 2: O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids; c) Classe 3: Dimensões práticas do atendimento e do cuidado; d) Classe 4: As famílias atingidas pela aids; e) Classe 5: As políticas públicas e institucionais e a aids; f) Classe 6: O tratamento medicamentoso do HIV/Aids. A estabilidade da divisão das classes realizada pelo Alceste é verificada através da realização de duas Classificações Descendentes Hierárquicas (C.D.H.), diferenciadas pelo tamanho das U.C.E. Essas duas C.D.H. são comparadas pelo 66 programa e a estabilidade é indicada pela semelhança nas divisões binárias das duas classificações. Conforme se observa na Figura 1, o corpus analisado possui estabilidade, visto as divisões binárias apresentarem semelhança nas duas C.D.H. Figura 1 - Comparação entre as duas Classificações Descendentes Hierárquicas (C.D.H.) realizadas com o corpus de entrevistas - Rio de Janeiro - 2011 Os conteúdos das classes podem ser visualizados de forma preliminar no dendograma produzido pelo software Alceste, que pode ser visualizado na Figura 2. Trata-se de uma representação gráfica de cada uma das classes identificadas na análise standard, com suas principais formas reduzidas, além das respectivas frequências e valores de qui-quadrado (x²). Na parte superior do dendograma, encontra-se um esquema gráfico que indica como cada classe foi dividida binariamente e como cada classe se associa nessas divisões. Também é possível observar, conforme sinalizado anteriormente, que ocorreram duas divisões sucessivas, a fim de testar a estabilidade do corpus. Por fim, na parte inferior aparecem os códigos das variáveis que estão associadas a cada classe, também com seus valores de qui-quadrado, indicando os seus graus de associação. O dicionário de codificação utilizado para as variáveis encontra-se no APÊNDICE D. 67 Figura 2 - Dendograma representativo das classes resultantes da análise Alceste Com o intuito de conhecer os conteúdos constitutivos da/s representação/ões social/ais da aids elaborada pelas enfermeiras estudadas, a seguir serão discutidos os conteúdos das classes emergidas da análise standard desenvolvida pelo software Alceste, a partir dos seguintes elementos: variáveis de análise que apresentam associação estatística com a classe, formas reduzidas com maiores valores de x² e seus respectivos contextos semânticos e exemplos de U.C.E. típicas de cada classe. Os dados serão descritos e discutidos de acordo com o conjunto temático e dimensão representacional que abordam, tendo como base de análise a teoria das representações sociais e outros autores de relevância para a temática. Pretende-se atender ao objetivo de caracterizar as representações sociais da aids produzidas por 68 enfermeiras atuantes em unidades básicas de saúde e em hospitais que atendem sujeitos que vivem com HIV/Aids. Dessa forma, esses resultados correspondem à análise do grupo em geral, independente da variável instituição de saúde hospitalar ou da rede básica. 3.2.1 Classe 1- Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/ Aids A classe 1 apresenta associação estatística com enfermeiras que atualmente não possuem contato com pacientes que vivem com HIV/Aids, tempo de atuação com esses pacientes de menos de 5 anos e tempo de atuação como enfermeira de 26 a 35 anos. No Quadro 1, serão apresentadas as variáveis analisadas, categorias associadas à classe e seus respectivos valores de x². Variável de análise Categoria associada à Classe 1 Valor de x² Frequência de contato com clientes que vivem com HIV/aids atualmente Nenhuma 62 Tempo de atuação com clientes que vivem Menos que 5 anos 62 com HIV/aids Tempo de atuação como enfermeira 26 a 35 anos 62 Tipo de contato com clientes que vivem com Nenhum 36 HIV/AIDS atualmente Quadro 1 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 1 - Rio de Janeiro - 2011 É importante ressaltar que as variáveis possuem diferentes graus de associação à classe, com destaque para aquelas com maiores valores de x². Além disso, as variáveis acima descritas mostram-se exclusivas desta classe. Essa é uma classe que se refere às memórias do HIV/Aids nos primórdios da epidemia, possuindo associação estatística com enfermeiras com vinte e seis anos de profissão ou mais; tempo de atuação com clientes que vivem com HIV/Aids inferior a cinco anos; e enfermeiras que não possuem contato com clientes que vivem com HIV/Aids atualmente, mas tiveram anteriormente. A classe "Memórias 69 sócioprofissionais de enfermeiras sobre o "HIV/Aids" abarca um total de 512 das 1414 U.C.E. analisadas, e desta forma, 25% do corpus total de análise. As principais formas reduzidas constituintes da classe 1, que possibilitam uma compreensão preliminar do conteúdo da classe, com seus respectivos contextos semânticos e valores de x², são apresentados no Quadro 2. Forma Reduzida Contexto Semântico Valor de x² aids aids 139 homossexu homossexual 126 uma_doenca uma doença 100 antiga antiga 58 cazuza Cazuza 58 epoca época 54 lembr lembrança 54 pesso pessoa 54 mulher mulheres 53 doenca doença 49 vida_sexual vida sexual 46 homen homens 37 idade idade 36 grupo_de_risco grupo de risco 31 Quadro 2 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 1 - Rio de Janeiro - 2011 Conforme pode ser constatado no Quadro 2, as formas reduzidas que apresentam maiores valores de x² são: aids, homossexu, uma_doença, antiga e cazuza. Os contextos semânticos apresentados permitem uma compreensão do conteúdo geral expresso pela classe, abrangendo temáticas ligadas ao surgimento da aids e ao posicionamento social frente a nova doença. Observa-se que a delimitação dos conteúdos da classe 1 é identificada, de maneira mais detalhada, a partir da Classificação Ascendente Hierárquica (C.A.H.), a qual resulta de divisões binárias sucessivas das formas reduzidas da classe. O resultado dessas divisões é expresso pelo dendograma das palavras que dão sentido aos conteúdos da classe, constituindo sua totalidade. A Figura 3 é uma representação gráfica do resultado da C.A.H. da classe aqui apresentada. Através da C.A.H., as formas reduzidas foram agrupadas em diferentes cores com o intuito de identificar temáticas e significados mais precisos 70 dos elementos que compõem a classe “Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/Aids”. Na classificação hierárquica ascendente (Figura 3), foram consideradas 14 formas reduzidas. Observa-se que as formas reduzidas idade, homossexu+, mulher, homen+ estão associadas entre si, compondo a temática "Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade". O mesmo ocorre com as formas reduzidas epoca, lembr+, antiga, cazuza e grupo_de_ris, cuja temática aborda "As memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids". E por fim, as formas pesso, vida_sexua, uma_doenca e doenca abordam a temática "Aids, estereótipos e sexualidade". Figura 3 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 1 - Rio de Janeiro 2011 Dessa forma, os conteúdos expressos na classe 1 explicitam as memórias das enfermeiras sobre o HIV/Aids nos primórdios da epidemia, quando a aids era tratada como uma doença desconhecida, epidêmica e fatal, que gerava medos, angústias, insegurança e preconceitos. Esses significados associados à doença podem ter repercutido nas formas como o cuidado de enfermagem era realizado. 71 Para um melhor entendimento desta classe, ela será descrita de acordo com os grupos temáticos que emergiram da Classificação Hierárquica Ascendente, que são os seguintes: Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade; As memórias das enfermeiras sobre o surgimento da aids; e Aids, estereótipos e sexualidade. Serão realizadas discussões dos resultados encontrados com autores importantes para a elucidação do tema e, a título de exemplificação, serão apresentadas U.C.E. características de cada grupo temático, identificadas pelos códigos das variáveis e categorias, cujo dicionário encontra-se no APÊNDICE D. 3.2.1.1 Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade Esta temática explicita o perfil dos pacientes atendidos nos primórdios da epidemia e atualmente. Traz experiências na ocasião do surgimento da aids, onde a população atendida era basicamente composta por homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis, os quais compuseram os chamados "grupos de risco". Chama a atenção para o preconceito e discriminação a que estavam expostos os sujeitos atingidos pela aids na ocasião do seu surgimento, tanto por serem considerados uma parcela marginalizada da sociedade, quanto por possuírem uma doença fatal e era até então desconhecida. Os pacientes atendidos eram alvo de atitudes distintas por parte da equipe de enfermagem, com interferências explícitas na forma como o cuidado era desenvolvido, sendo percebido muitas vezes o distanciamento entre profissional-cliente devido ao medo e ao preconceito presentes. Começou a se falar muito da aids como uma doença de pessoas que usavam drogas injetáveis, homossexuais [...] Naquela época era só esse grupo de risco que era afetado, quem não fazia parte desse grupo de risco podia se sentir seguro .(inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; *K_1) Os pacientes no passado eram em sua maioria homossexuais. Uns assumidos, outros não, mas homossexuais. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Eu meio que vinha com todo o preconceito em relação ao homem, lembro que era o homem com homem, meu primeiro paciente foi homem. Era uma confusão tão grande de ideias que eu cheguei a pensar como seria a área genital desse homem e eu vi que não era um interesse só meu, porque depois com outros pacientes com aids admitidos, na hora da higiene íntima, você via a área anal do paciente e 72 acabava corroborando todo o imaginário nesse aspecto da vida sexual. Eu nunca tinha visto um ânus daquele jeito que eu vi, o ânus do homem que aparecia com diagnóstico de aids. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_04; thiv_04; cont_4; freq_5; cur_n; econt_n; K_1) Oliveira et al. (2007) afirmam que os primeiros pacientes identificados no Brasil apareceram em torno de 1982, em meio a uma ausência total de conhecimento da doença e do tratamento. Esses primeiros pacientes atingidos pela aids eram em sua grande maioria homens, conforme pontuado no discurso das profissionais entrevistadas. Cabe ressaltar que a aids ficou conhecida, de início, pelo nome de câncer gay, por ter surgido primeiramente entre os homossexuais, a partir da década de 80. Tal denominação sugere que a aids pode ter sido interpretada pela sociedade em geral como uma culpa de caráter individual. Mais tarde, prostitutas, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos passaram a integrar o grupo de pessoas atingidas pela doença, resultando na expressão "grupo de risco" (MOREIRA et al., 2010). Dessa forma, associou-se o HIV/Aids a algo vergonhoso, que estigmatiza as pessoas infectadas, e generalizava uma condição própria das pessoas que faziam parte do grupo de risco, que eram percebidas pela sociedade em geral como responsáveis por causar sua infecção, ressalvado o caso dos hemofílicos (MOREIRA et al., 2010). Giami, Azémard e Poplavisky (1997) destacam que o estereótipo relacionado aos primeiros pacientes teve sua gênese no discurso e na investigação científica inicial, que marcaram a descoberta da aids e que, quase simultaneamente a deixaram visível para a sociedade. Os primeiros casos considerados posteriormente como aids envolviam cinco jovens homossexuais tratados em hospitais de Los Angeles por pneumonia por pneumocystose carinii. Tais autores ressaltam ainda que o primeiro registro da aids, efetuado a partir desses casos, estabeleceu uma hipótese de correlação entre aspectos da homossexualidade e a predisposição a disfunção imunitária e infecções. Sobre os sujeitos que vivem com a aids na atualidade, as enfermeiras sinalizam em seus discursos as mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da doença, que trouxeram outros atores sociais para o contexto do cuidado. Nesse sentido, apontam que há uma notável mudança de perfil dos sujeitos atendidos, quando comparados com os anos anteriores, quando a maioria deles eram adultos, 73 do sexo masculino. Na atualidade é grande o quantitativo de mulheres soropositivas ao HIV que passaram a integrar esta realidade, além de crianças e idosos. Hoje eu tenho muitos jovens que não são homossexuais. Mulheres aumentou muito e homossexuais tenho menos. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Hoje em dia você vê mulheres casadas HIV positivas, vê crianças por conta da transmissão vertical, você já não vê o HIV positivo tão estigmatizado porque você vê aquela senhorinha que é casada direitinho com o marido, tem os filhos e pegou a doença. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_5) O número de pessoas contaminadas com a aids está aumentando muito, porque a doença aids não tem mais cara devido aos tratamentos, eles não parecem mais ter a doença como antigamente. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_6) Hoje em dia não tem mais esse perfil característico da doença aids, agressivo, da pele, paciente terminal. Hoje em dia não é mais assim, hoje em dia todos nós estamos sujeitos a isso, expondo os nossos riscos de vida sexual, não tem cuidado. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) Nesse sentido, pode-se perceber que existem mudanças nas representações sociais das enfermeiras sobre as pessoas que vivem com o HIV/Aids na atualidade, conforme pontuado por Oliveira et al. (2007). Tais autores destacam dois aspectos geradores de impactos nas práticas e nas representações sociais das enfermeiras sobre a aids: o acesso aos antirretrovirais no Brasil (a partir de 1996) e seu perfil atual, caracterizado pela feminização da doença e da infecção pelo HIV, que ocasionou a transmissão vertical para crianças. Dessa forma, a partir da década de 90, as enfermeiras se depararam com uma situação diferente da inicial, marcada pela presença de mulheres e de crianças entre as pessoas adoecidas pela aids e também pela universalização dos tratamentos antirretrovirais estabelecido pela Lei 9313/96, a partir de 1996. Esses contextos político e epidemiológico serviram para fomentar a transformação das representações iniciais constituídas pelos profissionais, fortemente influenciadas pelas diferentes possibilidades de enfrentamento da doença (OLIVEIRA, 2010). 74 3.2.1.2 As memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids Neste grupo temático, são abordadas as lembranças mais antigas das enfermeiras sobre o surgimento da aids, incluindo suas vivências com os primeiros pacientes, além dos medos e angústias associados a realização da assistência de enfermagem. A morte destaca-se como um dos elementos constituintes da memória e da representação social da aids, comportando uma atitude negativa, fortemente atrelada à doença: A minha lembrança mais antiga da aids é a de morte, pacientes morrendo, internados para morrer. Viver isso para mim foi difícil [...], a morte era um pouco assustadora, ter que fazer pacote [...] era uma coisa que eu não queria, uma vivência muito frequente nos plantões. Foi superado ao longo dos anos [..] lidei com a morte de perto, eram pacientes muito graves, que normalmente morriam aqui .(inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6). Ser HIV positivo era uma marca que só não tinha ainda data de morte, mas que eles iam morrer. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) Observa-se uma dimensão afetiva da representação social da aids, relacionada a vivência das enfermeiras atuantes na rede hospitalar com os primeiros pacientes, ressaltando a dificuldade pessoal e existencial enfrentada. A morte é prontamente evocada quando ocorre a menção às lembranças mais antigas da aids. Segundo Giami e Veil (1997), o desenvolvimento da epidemia da aids pegou os hospitais e as pessoas que nele trabalhavam desprevenidos, numa situação em que equipamentos materiais e intelectuais eram deficientes. Nesse contexto, um conhecimento próprio à enfermagem se constituiu empiricamente, envolvendo uma mistura do pensamento científico e técnico, herdado de experiências anteriores e arcaicas, com representações e fantasias próximas às da população em geral. Os mesmos autores referem ainda que as enfermeiras e estudantes de enfermagem, ainda no início dos estudos, antes de qualquer contato com pessoas que vivem com HIV, já possuíam uma representação social da doença, sendo que essa representação ainda era de uma doença incurável e mortal, ligada à sexualidade. Por outro lado, é importante ressaltar que em relação às representações sociais da aids, essas profissionais transitam em dois universos de pensamento: aquele do universo consensual, enquanto construtoras do senso comum, e o 75 universo reificado, enquanto profissionais, detentoras de saber científico . Dessa forma, as suas representações são elaboradas a partir desses dois referenciais, com repercussões diretas no cuidado que desenvolvem, conforme afirma Oliveira (2010). Isso porque a partir das representações, os indivíduos definem e interpretam aspectos da realidade cotidiana e determinam sua tomada de decisão e seus posicionamentos e condutas diante das situações (JODELET, 2001). Observou-se que um elemento bastante presente nas memórias das enfermeiras acerca dos primórdios da aids é o conceito de grupo de risco, que atribuiu, em um primeiro momento, a responsabilidade pela epidemia a determinados grupos marginalizados da sociedade. Essa associação da aids aos "grupos de risco" disseminou a falsa noção de que as pessoas não pertencentes a estes grupos estariam a salvo da ameaça. Ainda existia aquele grupo de risco, essa denominação grupo de risco, as pessoas com aqueles itens que precisavam ser seguidos para você considerá-las como participantes do grupo de risco. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Antigamente há muito tempo associava [a aids] a grupo de risco, pessoas que eram de risco, associava aquilo ao Cazuza, as pessoas que fizeram o boom da doença, que apareceram os casos, que tinha aquele perfil. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) O conceito de grupo de risco teve um papel importante no contexto dos primórdios da aids, na medida em que permitiu a transformação do não familiar em familiar, através da associação da doença a grupos marginalizados socialmente, que foram considerados responsáveis pela epidemia, contribuindo para aumentar ainda mais o preconceito. Oliveira et al. (2007) destacam que na falta de conceitos científicos, as dimensões imaginárias do senso comum assumiram um importante papel na elaboração das primeiras representações sociais da aids, que foram muito influenciadas pela dimensão prática da nova doença, marcada pela morte e pela transmissibilidade. Dessa forma, as RS da aids foram sendo elaboradas como uma forma de compreender e explicar essa nova realidade que passou a fazer parte do cotidiano das enfermeiras que atuaram no início da epidemia. Dentro dessa perspectiva, a representação da aids passou a se constituir a partir de imagens e estereótipos, uma cara e um ídolo que a representava, o que fica claro nas U.C.E. abaixo: 76 O Cazuza para mim é a cara da aids. Hoje eu muitas vezes vejo aqui os pacientes passarem com aquele rosto. Ele era um rapaz tão bonito, ficou com um rosto tão feio, uma cor feia, o físico feio. Víamos a aids como aquela pessoa caracterizava. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Ele [O Cazuza] na realidade não era um herói, como ele falava na música dele, que os heróis dele morreram de overdose, ele deixou de ser meu herói, ele passou aids para muita gente, era uma pessoa muito promíscua, então ele se transformou em um vilão para mim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) O que eu lembro, que mais me marcou, no inicio, realmente, foi o Cazuza, porque eu vi, há um tempo atrás na rua, numa pessoa as características dele, eu já falava assim: está com aids. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Sob a ótica da teoria das representações sociais, o fato de a aids ter sido atribuída primeiramente à grupos específicos, como no caso dos homossexuais, atribuindo a doença um caráter sexual, possibilitou a concretização do que até então era abstrato. Esse é um dos processos de formação de uma representação social, a objetivação, que permite associar um conceito a uma imagem materializada, transferindo o que está na mente para algo que existe no mundo físico (MOSCOVICI, 2003). Houve um importante papel da mídia para a construção de uma imagem da aids associada ao cantor Cazuza. Ele foi uma das primeiras figuras públicas a admitir, em 1989, que estava adoecido pela aids e a falar abertamente sobre suas práticas sexuais e sua homossexualidade. Na ocasião do diagnóstico, pesava 68 quilos e, em pouco tempo, chegou a 40 quilos, tendo falecido em julho de 1990. A imagem de Cazuza no Brasil marcou de forma indelével a aids e, anos após a sua morte, ele ainda é lembrado pela sociedade como um símbolo da síndrome. Herzlich e Pierret (2005) afirmam que a imprensa fez a aids existir para a sociedade, sendo uma evidência do papel desempenhado pela comunicação de massa na produção do real. A importância dos meios de comunicação para conhecimento, difusão e construção da aids, segundo os autores, se deu por dois processos. Primeiramente, a imprensa anunciou o aparecimento de um fenômeno inédito no campo da patologia, desenhou seus contornos e operou a passagem das informações disponíveis sobre a doença no domínio científico para a sociedade. Em segundo lugar, a imprensa fez com que a aids circulasse entre diversos grupos sociais, além de ter polarizado as relações que se estabeleciam a seu respeito. Através da imprensa, a aids tornou-se objeto de tomadas de posição, de enfrentamentos e de clivagens coletivas. 77 3.2.1.3 Aids, estereótipos e sexualidade Falar de aids implica em falar do próprio exercício da sexualidade e dos preconceitos ainda fortemente associados aos sujeitos que vivem com a doença. Devido a essa associação, por vezes a abordagem da temática pode ser difícil, tanto nos diálogos com os pacientes quanto com os membros da família. Acho que nossos filhos vão conversar melhor com os filhos sobre sexualidade. Eu acho que um dos preconceitos [relacionados à aids] é porque mexe com sexo, e assim ou é profissional do sexo ou é homossexual, ainda tem isso. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Para as enfermeiras estudadas grande parte dos sujeitos que vivem com HIV/Aids continua sendo os homossexuais, porém, reconhecem o crescente quantitativo de heterossexuais infectados que têm sido inseridos neste cenário. Evidenciam que o conceito de grupo de risco se tornou obsoleto com o passar dos anos, considerando que outros grupos passaram a ser atingidos pela aids, como mulheres, homens heterossexuais, idosos e crianças, conforme sinalizado anteriormente. Entretanto, ressaltam a permanência do estigma aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, sendo estes ainda associados de forma preconceituosa a homossexuais e profissionais do sexo: Eu vi que já está mudando, não existe mais o grupo de risco fechado, não são somente os homossexuais ou aquelas pessoas que tem a vida promíscua (...). Hoje em dia, você pode ser homossexual, heterossexual, casado, você está susceptível da mesma forma. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) É homem, mulher, criança, preto, branco, homossexual, bissexual, heterossexual. Não tem uma cara, o paciente que tem aids não tem, é qualquer um, não tem mais grupo de risco. Antigamente tinha um grupo de risco, homossexuais, usuários de drogas, que tinham uma vida promíscua. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4) A aids ficou muito estigmatizada na época, era uma doença mais de prostituição, mais ligada a homossexuais, profissional do sexo. Hoje em dia não, você vê mulheres casadas HIV positivas, vê crianças por conta da transmissão vertical. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_5) Estudos estão sendo feitos, novas descobertas, mudou muita coisa. Temos mais consciência de como é a doença, a questão da fisiopatologia, e essa questão que não existe grupo de risco, você começa a ler artigos mais atuais que falam sobre isso. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) As pessoas ainda têm o rótulo que HIV positivo tem que ter aquela cara de Cazuza ou tem que ser um homossexual bem espalhafatoso, ainda acham, ainda rotulam 78 muito o HIV positivo. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Sob o ponto de vista conceitual, os autores passaram a utilizar o conceito de "comportamentos de risco" no lugar do conceito de "grupos de risco", por entenderem não mais que grupos restritos eram susceptíveis à infecção pelo HIV, mas que os comportamentos adotados levavam o indivíduo a um menor ou maior grau de exposição ao vírus. Dentre estes comportamentos, encontram-se a atividade sexual sem preservativo com múltiplos parceiros e o compartilhamento de agulhas ou seringas na utilização de drogas injetáveis (BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI, 2005). Apesar das enfermeiras sinalizarem a superação do conceito de grupo de risco, por vezes é possível perceber que tal conceito aparece implícito em seus discursos. Pode-se inferir que este é um conceito ainda fortemente associado às representações sociais da aids, conforme pode ser observado nas U.C.E. abaixo: A vida dos pacientes soropositivos ao HIV é normal, dentro do grupo deles, mas é normal. Não vejo diferença dentro do grupo, vamos supor, os homossexuais, no caso, eles são muito bem aceitos. É claro que cada um tem a sua tribo, sua vida sexual. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_3) Ele [o paciente soropositivo ao HIV] carrega ao longo desses anos, ainda quem tem aids, se for homem é homossexual e se for mulher é profissional do sexo. Hoje em dia não é assim, existem homens [heterossexuais] e mulheres que estão com aids, acho que essa é uma carga que vem do passado, ainda todo homem que tem aids é homossexual e toda mulher profissional do sexo, assim como era no início, no início foi assim. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Para Giami, Azémard e Poplavisky (1997), a utilização social dos "grupos de risco" continua a funcionar no discurso social assim como no passado, remetendo às relações de estigmatização onde há oposições entre a pessoa e o outro. Nesse contexto, a aids é atribuída aos outros e não a si mesmo e existem clivagens e hierarquizações entre estes diferentes outros, sendo representados sob um forma coletiva. As enfermeiras sinalizam em suas falas que houve mudanças significativas nas características físicas dos pacientes que vivem com HIV/Aids e que é difícil distingui-los do restante da população apenas pela aparência. Essas mudanças passaram a ser percebidas após o advento da terapia antirretroviral, que também resultou em um aumento da expectativa da vida desses sujeitos. O aumento dos 79 casos de contaminação pelo HIV também apareceu atribuído à suposta invisibilidade da doença. O número de pessoas contaminadas com a aids está aumentando muito, porque a doença aids não tem mais cara devido aos tratamentos, eles não parecem mais ter a doença como antigamente. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_6) Hoje em dia não tem mais esse perfil característico da doença aids, agressivo, da pele, paciente terminal. Hoje em dia não é mais assim, todos nós estamos sujeitos a isso. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) Os pacientes quando saem daqui, eles saem bonitos, arrumadinhos, saradões e chegando lá fora ninguém sabe que ele tem aids. Vai depender da consciência deles também. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4) Ainda sobre essa questão, é possível notar, por vezes, discursos contraditórios, pois ao mesmo tempo em que há o reconhecimento de que após o advento da terapia antirretroviral houve mudanças significativas nas características dos pacientes, há a reafirmação da existência de estereótipos capazes de identificar o sujeito soropositivo ao HIV, conforme as U.C.E. abaixo: Eu vi pessoas ali [em uma parada gay] que eu olhava e dizia: aquela pessoa ali tem aids, essa pessoa é positiva e essa não é. A pessoa que estava comigo perguntou como eu sabia. Porque eu convivo com isso, só que hoje as pessoas não têm as mesmas características que o tinham antes, realmente, já mudou muito. A aparência mesmo, você não mais sabe quem é HIV positivo. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Você acaba se acostumando, você vê todos os dias, e acaba sabendo que o cara tem aids, apesar de que, a medicação hoje faz com que as pessoas não fiquem mais como antes, tão esqueléticas, já mudou bastante. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) A partir da análise dos conteúdos discursivos presentes nesta classe, foi possível perceber que a representação social da aids para as enfermeiras encontrase em transição, abarcando elementos ainda arcaicos, mas também novos elementos representacionais, relacionados ao perfil epidemiológico atual da doença e aos avanços na terapia medicamentosa, que contribuiu para a modificação das características físicas dos sujeitos que vivem com HIV/Aids, modificando sua imagem e contribuindo para a superação de estereótipos anteriormente construídos. Considerando que as representações sociais guiam práticas, pode-se entender que houve importantes transformações na forma como o cuidado das enfermeiras passou a ser desenvolvido junto a esses sujeitos. Essas mudanças 80 estão associadas a uma diversidade de fatores, com destaque para a presença de mulheres e crianças entre os sujeitos atingidos pela aids, a característica de cronicidade que a doença assumiu e os avanços na terapia medicamentosa, que alteraram a forma como o cuidado passou a ser realizado. No entanto, concomitantemente ainda se observa a persistência de representações presentes desde os primórdios da aids, fortemente marcadas por elementos como morte, homossexualidade, práticas sexuais desviantes e grupos de risco. 3.2.2 Classe 2 - O cuidado relacionado à auto-proteção ao HIV/Aids Esta classe apresenta associação estatística com enfermeiras com idades entre 35 e 44 anos, contato atual físico e verbal com sujeitos que vivem com HIV/Aids, frequência diária de contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids, tempo de atuação com sujeitos que vivem com HIV/aids de 11 a 15 anos. Os valores de x² relativos às variáveis de análise e categorias associadas à classe serão apresentados Quadro 3. Variável de análise Idade Tipo de contato com clientes que vivem com HIV/AIDS atualmente Frequência de contato com clientes que vivem com HIV/AIDS atualmente Categoria associada à Classe Valor de x² 2 35 a 44 anos 26 Físico e verbal 19 Diária 19 Tempo de atuação com clientes que vivem com 11 a 15 anos 17 HIV/AIDS Quadro 3 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 A classe "O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids" abarca um total de 349 do total de 1414 U.C.E. e, dessa forma, 17% do corpus utilizado na análise. As formas reduzidas com maiores valores de x² e que apontam para os significados presentes na classe são apresentadas a seguir (Quadro 4). 81 Forma Reduzida Contexto Semântico Valor de x² camisinha camisinha 461 usar usar 219 luva_de_proc luva de procedimento 97 confi confiança 40 relaciona relacionamento 36 mascara máscara 34 acidente_de acidente de trabalho 32 fur furar 32 bot botar 32 Quadro 4 - Principais formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 2 - Rio de Janeiro - 2011 É possível notar que a delimitação dos conteúdos da classe 2 é identificada de maneira detalhada a partir da C.A.H., na qual foram consideradas 15 formas reduzidas. O agrupamento das palavras que dão sentido aos conteúdos da classe é observado na Figura 4, tratando-se de uma representação gráfica do resultado da C.A.H. da classe 2. Figura 4 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 2 - Rio de Janeiro - 2011 82 Nota-se que ocorreram inicialmente duas divisões binárias, cujos produtos foram novamente divididos em dois blocos. Assim, o grupo constituído pelas formas reduzidas relaciona+, confi+ e usam está associado ao grupo composto pelas formas vai, usar+, uso, camisinha e usou. O mesmo ocorre com o grupo constituído pelas formas reduzidas vou, luva_de_proc+ e bot+, que encontra-se associado ao grupo composto pelas formas usa+, deu, acidente_de_ e fur+. Considerando a C.A.H., foi proposta a divisão da classe "O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids" em duas subclasses ou temáticas, denominadas: “Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal" e "Autoproteção profissional na execução do cuidado de enfermagem". Nota-se que esta é uma classe que disserta sobre as diferentes formas de proteção adotadas pelas enfermeiras, tanto em âmbito ocupacional quanto na vida pessoal. Considera-se que a autoproteção ao HIV/Aids faz parte da representação social da aids elaborada por essas profissionais e que esta abrange diferentes aspectos, que serão melhor discutidos a seguir. 3.2.2.1 Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal A autoproteção na vida pessoal relaciona-se de forma consistente com o entendimento da necessidade do uso do preservativo, mesmo naquelas relações consideradas estáveis. Entretanto, apesar desse entendimento, o não uso ou o uso esporádico foram duas situações bastante relatadas pelas enfermeiras. A principal justificativa para tal prática é a confiança na fidelidade do parceiro, que ocasiona uma sensação de invulnerabilidade à aids. Pode-se entender, dessa forma, que a confiança no parceiro é uma das práticas de proteção adotadas por essas profissionais no que diz respeito ao HIV. A presença da aids na sociedade não modifica a minha vida privada porque eu sou casada, subentende-se que eu só tenho relacionamento com meu marido e meu marido comigo, não usamos drogas, usamos camisinha, e {somos} um casal fiel. Para mim, não interfere em nada. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) Acabamos correndo esse risco. Para mim não mudou porque eu não saio, não tenho relações fora do casamento e tento confiar muito no meu marido. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) 83 Carvalho, Martins e Galvão (2006) afirmam que um dos fatores que leva a mulher a crer na invulnerabilidade à infecção é a convivência com o parceiro, pois ela acredita em sua fidelidade e sente-se segura e confiante em relação a ele. Dessa forma, a confiança no parceiro influencia práticas de sexo não seguro, o que ocasiona risco de infecção pelo HIV, na existência de relacionamentos extraconjugais desconhecidos. Em contrapartida, quando há suspeita da existência de relacionamentos extraconjugais, a necessidade de proteção é ressaltada e muitas vezes há dificuldade na negociação do uso do preservativo. De vez em quando eu fico pensando assim: será que ele {o parceiro} está direitinho? Eu sei de mim, mas nunca sabemos o que se passa na cabeça do outro, o que ele está fazendo fora do alcance da minha vista. Eu já tentei propor de ficar só com camisinha, mas para mim é mais complicado essas coisas. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Quando eu comecei a ter noção do que era realmente a aids, comecei a pensar muito mais em proteção, em camisinha. Na minha época de juventude, falávamos que era chupar bala com papel. E, sem dúvida mudou sim, mudou até mesmo em relação ao casamento. Porque não é por você estar casada que está imune. Isso também era uma coisa que eu acreditava e não acredito mais, não acredito mesmo. (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_2) Até por conta das pesquisas e dos vacilos que eu peguei, eu forcei já algumas vezes o uso de camisinha com o meu marido, porque é meu único parceiro. Eu pensei: se ele fez uma vez, quem me garante que ele usou camisinha? Quem me garante que ele não se contaminou? Quem me garante que ele não vai me contaminar? (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_2) As enfermeiras relatam transformações em seus relacionamentos pessoais após o advento da aids, embora reafirmem que o uso do preservativo em relacionamentos considerados estáveis não é uma prática habitual. Para melhor discutir esses dados, é necessário entender as diferentes relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres, inclusive relacionadas à sexualidade. Essas diferenças derivam das relações de gênero, que sofrem influências de acordo com o contexto sociocultural em que se estabelecem, sendo mutáveis ao longo da história. Estas características distinguem o "gênero" do conceito de "sexo", o qual se constitui como um conjunto de características biológicas e naturais, essencialmente imutáveis (TORRES; BESERRA; BARROSO, 2007). As relações desiguais podem ser observadas em diferentes âmbitos dos indivíduos e da coletividade, inclusive nas práticas sexuais e nas diferentes vulnerabilidades a que os gêneros estão expostos. No caso da vulnerabilidade às 84 doenças sexualmente transmissíveis e à aids, um aspecto importante a ser lembrado é a relação de gênero desigual e como os indivíduos se moldam a esta situação: enquanto os homens sentem necessidade de se manifestarem como sexualmente potentes e poligâmicos, não querendo usar preservativo, as mulheres acabam sendo submissas ao desejo sexual masculino (TORRES; BESERRA; BARROSO, 2007). Observou-se que a vulnerabilidade derivada das relações desiguais de gênero assemelha-se àquela encontrada em pesquisas com mulheres da população em geral, tais como os resultados encontrados por Sousa, Espírito Santo e Motta (2008). Sendo assim, não houve distinção pelo fato de serem enfermeiras ou por trabalharem com HIV/Aids. Considerando esses aspectos, pode-se observar que as enfermeiras assim como a maioria das mulheres, possuem dificuldades em negociar o uso do preservativo com seus parceiros, considerando-se ou não expostas a diferentes tipos de agravos à saúde. 3.2.2.2 Autoproteção profissional na execução do cuidado de enfermagem No âmbito profissional, a autoproteção abarca a utilização das precauções padrão durante o cuidado a qualquer paciente, o que inclui o uso de luva de procedimento e máscara. As precauções são entendidas como necessárias para evitar a ocorrência de acidentes de trabalho durante a execução do cuidado. As enfermeiras reconhecem a importância das precauções padrão durante a realização do cuidado de enfermagem, devido ao grande risco de contaminação associado aos seus processos de trabalho. Enfatizam que a precaução padrão deve ser adotada para todos os clientes, independente da sua doença. Eu tive colegas que sofreram acidente de trabalho, furaram o dedo na hora de puncionar a veia [...], eu tenho o maior cuidado, tenho que ter cuidado comigo e cuidado com os outros. Eu uso luva de procedimento, tomo todas as minhas precauções. Eu não quero ficar doente, se eu não quero, tenho que me prevenir, mas não deixar de cuidar do paciente. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4) Eu não vou pegar, é mais fácil pegar do meu marido, se o meu marido fizer alguma coisa errada lá fora e eu não usar a camisinha eu estou arriscada, mas com o paciente não. Eu cuidando dos pacientes não vou pegar aids, não vou pegar o sangue dele e furar o meu braço, nem meu dedo, nem nada, você trabalha com 85 todas as precauções possíveis. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4) As diferenças apontadas no cuidado de enfermagem prestado ao paciente que vive com HIV/Aids em relação aos demais consiste na maior cautela quanto à exposição ocupacional, tal qual observado por Formozo e Oliveira (2009). Nesse sentido, o conhecimento do diagnóstico altera o cuidado de enfermagem ao paciente, na medida em que há maior preocupação por parte das profissionais quanto à ocorrência de acidentes com material biológico. Se eu sei que o paciente é um paciente HIV positivo ou sei que o paciente tem hepatite é claro que o meu cuidado é maior, até porque o paciente é uma fonte de contaminação, você vai com mais cuidado. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_1; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) A aids representa para mim uma doença preocupante [...], eu tenho medo de adquirir. Acho que é uma preocupação, você fica mais alerta. Por mais que você tenha que ter as precauções universais com todos os pacientes, quando você sabe que ele é HIV positivo, aquilo soa forte para você. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Todo paciente eu vou ter que usar luva de procedimento, com o HIV positivo você já vai com a luva de procedimento, você já manipula alguma coisa que tenha secreção com luva de procedimento [...] não estou dizendo que está certo, mas você já vai com luva de procedimento. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) É possível notar que o conhecimento do diagnóstico instrumentaliza a adoção de medidas de proteção e que há centralidade no uso da luva de procedimento como forma de precaução. Uma das possíveis explicações para tal é o fato de o corpo da enfermeira ser entendido como um instrumento de cuidado, sendo exigida precaução naquelas ocasiões em que o toque se faz necessário. Nota-se que outros EPI, como máscara e óculos de proteção, são menos utilizados: Nós sabemos que é comprovado cientificamente que a luva de procedimento é uma maneira [de proteção], eu uso sempre e falo para o pessoal novo. Nós temos, não falta, tem tudo. Agora nem sempre as pessoas usam, eu mesmo não uso a máscara, estou sendo sincera. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Resultado semelhante foi encontrado por Tipple et al. (2007), que identificaram entre trabalhadores os principais fatores da não-adesão a equipamentos de proteção. Essas autoras ressaltam que os fatores podem ser considerados em grupos causais, tais como: fatores individuais, falta de estrutura física e recursos materiais e relacionados à estrutura organizacional. Tais fatores 86 atuam de forma sinérgica para o desenvolvimento de uma situação de risco do trabalho. Oliveira et al. (2007) comentam que ocorreram profundas mudanças nas práticas profissionais das enfermeiras devido aos processos de explicação que se estabeleceram frente a aids. Essas mudanças foram observadas, inicialmente, na adoção de “práticas de distanciamento”, objetivadas no uso de técnicas de autoproteção profissional, mas também houve o distanciamento do relacionamento interpessoal estabelecido com os pacientes na execução das práticas de cuidado. Sobre o distanciamento que se estabeleceu no cuidado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, Formozo e Oliveira (2010) destacam que o preconceito e a discriminação fazem parte das representações sobre a doença e da sua construção social. Tais autoras afirmam que os membros da equipe de enfermagem trazem consigo muitas das representações presentes na sociedade, por fazerem parte desta. Além disso, destacam-se particularidades desses profissionais no que diz respeito ao maior risco de contágio, devido a exposição a acidentes com materiais perfurocortantes, e ao convívio com consequências da doença, tais como a degeneração física, o isolamento social e a morte, que resultam em um tipo de representação na qual a aids ainda encontra-se fortemente associada à morte, ao preconceito e à exclusão (FORMOZO; OLIVEIRA, 2010). No decorrer da epidemia do HIV/Aids emergiram outras representações da doença e de seus portadores. Estas representações sofreram mudanças no decorrer dos anos, influenciadas, muitas vezes, pelas mudanças epidemiológicas, pela organização social e pelo desenvolvimento científico no campo. Nesse percurso, destacam-se as representações sociais de culpados e vítimas da doença. Nesse sentido, um aspecto importante destacado nas entrevistas foi a autoavaliação das enfermeiras sobre a existência de diferenças no modo que desenvolvem o cuidado de enfermagem de acordo com a forma de contágio a que o portador se expôs para contrair o HIV. De uma forma geral, elas alegam não perceber tal diferença. Não depende da forma como a pessoa se infectou, dá no mesmo. Às vezes, o nosso julgamento particular criamos na nossa cabeça e fica ali na nossa cabeça. Mas eu não percebo mudança no cuidar, eu não percebo isso. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) 87 No entanto, é possível perceber em seus discursos que há julgamentos que classificam os sujeitos que vivem com HIV/Aids em dois grupos: as vítimas e o os culpados pela contaminação, o que demonstra que há uma nova forma de expressão do preconceito. No primeiro grupo, estão as pessoas que não tiveram controle sobre as fontes de contágio, incluindo as mulheres monogâmicas contaminadas por seus parceiros, os quais contraíram o HIV em relações extraconjugais, as crianças que contraíram o HIV por transmissão vertical e os sujeitos que contraíram por hemotransfusão. O segundo grupo é composto por sujeitos que possuem comportamentos socialmente desviantes, tais quais usuários de drogas injetáveis, homossexuais, cônjuges que contraíram o HIV em relações extraconjugais e pessoas com vida sexual promíscua. A questão da camisinha, se o paciente está com aids é porque ele não usou, se foi transmitido por relação sexual, ele não usou. Nós que vamos no prontuário, lemos se é usuário de drogas, se é homossexual, mas eles não falam que são. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) Você que vai no prontuário e vai ler, se ele não fala porque ele está ali, ele está pagando o preço por uma coisa que ele fez. É o que eu penso. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) Por mais que não queiramos ter esse tipo de sentimento, mas acabamos diferenciando o paciente que adquiriu por meio de uma hemotransfusão e o paciente que adquiriu porque era usuário de drogas, porque tinha um comportamento, uma vida promíscua. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Dessa forma, pode-se perceber que as representações das enfermeiras são marcadas por atitudes ambivalentes diante das pessoas que vivem com HIV/Aids: consideram-nas ora como vítimas e ora como culpadas. Essa ambivalência remete ao reconhecimento de que o cuidado de enfermagem, muitas vezes, é modulado por estes julgamentos. Este é um achado relevante, pois se considera que as enfermeiras determinam suas tomadas de decisão e seus posicionamentos frente aos sujeitos que vivem com HIV/Aids a partir dessas representações. A representação social da aids, portanto, agrega os significados de "descuido" e "castigo" e a prevenção se caracteriza como uma exigência para os outros e não para si mesmo. Nesta representação, com frequência, são apontados "culpados", tais como prostitutas e homossexuais, sendo esta uma estratégia para reduzir a ameaça difusa que se faz presente, obtendo-se um efeito protetor ao sujeito que produz o discurso. Dessa forma, é possível notar que nos discursos sobre a doença há uma divisão entre o "eu" e "eles-essas pessoas". A partir dessa distinção, o 88 sujeito tenta tornar-se imune à ameaça que teme. Essa demarcação suprime a ameaça, pois a partir dela o risco fica restrito aos diferentes de si - essas pessoas (MADEIRA, 1998). Para Giami, Azémard e Poplavisky (1997), a estigmatização da aids apoia-se nas representações da marginalidade, sendo por vezes objeto de negação no discurso das enfermeiras. Essa estigmatização da aids agrupou os homossexuais e os toxicômanos de forma equivalente no que diz respeito às suas responsabilidade e culpa quanto à gênese de sua contaminação, sendo dessa forma designados como culpados. De um outro lado, em oposição a este grupo, estão as pessoas infectadas pelo HIV consideradas como vítimas passivas, sem responsabilidade ou culpa pela sua contaminação. 3.2.3 Classe 3 - Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos sujeitos que vivem com HIV/Aids Esta classe apresenta associação estatística com enfermeiras da rede básica, enfermeiras que participaram de cursos de capacitação sobre HIV/Aids, frequência de contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids diária e tempo de atuação com esses sujeitos entre 11 e 15 anos. No Quadro 5, serão apresentadas as variáveis de análise, categorias associadas à classe e seus respectivos valores de x². Variável de análise Instituição Participação em cursos de capacitação sobre HIV/AIDS Frequência de contato com clientes HIV/AIDS atualmente Categoria associada à Classe 3 Valor de x² Rede Básica Sim 107 88 Diária 64 Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS 11 a 15 anos 54 Quadro 5 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 3 - Rio de Janeiro - 2011 89 A classe "Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos sujeitos que vivem com HIV/Aids" abarca um total de 164 do total de 2050 U.C.E., representando assim 8% do corpus de análise. Na classificação hierárquica ascendente, foram consideradas 22 formas reduzidas. As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos semânticos e valores de x² são apresentadas no Quadro 6. Forma Reduzida Contexto Semântico Valor de x² exame_hiv exame hiv 205 pedido pedido 133 infectolog infecologia 127 resultado resultado 110 exame exame 105 teste_rapido teste rápido 90 tuberculos tuberculose 85 solicit solicita 78 med médico 55 orient orientação 52 test teste 49 clin clínica 45 convers convesa 45 sabendo sabendo 45 consult consulta 42 duvid dúvida 39 setor setor 29 Quadro 6 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 3 - Rio de Janeiro - 2011 A delimitação dos conteúdos da classe 3 pode ser identificada de maneira detalhada a partir da C.A.H., na qual foram consideradas 22 formas reduzidas, que resultaram do agrupamento das formas reduzidas que dão sentido aos conteúdos da classe, conforme apresentado na Figura 5. A partir das associações existentes entre as formas reduzidas na C.A.H., é possível compreender os conteúdos que são tratados na classe. Esta classe trata do fluxo de atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids no âmbito dos serviços de saúde, das rotinas desenvolvidas no Programa Nacional de DST/AIDS, das principais ações desenvolvidas pelos profissionais que 90 atuam junto a esses sujeitos, envolvendo as práticas de cuidado realizadas e as diferentes posturas profissionais. Figura 5 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 3 - Rio de Janeiro 2011 A presença das formas reduzidas solicit+, pedido, exame, consult+, resultado, tuberculos+, exame_hiv, teste_rapido, test+, setor, infectolog+ apontam especificamente para as rotinas do atendimento, tratando-se de uma dimensão voltada à prática profissional vivenciada pelas enfermeiras. Essas formas reduzidas apontam para atividades próprias ao âmbito das unidades básicas de saúde, em coerência com a associação estatística significante classe com enfermeiras atuantes na rede básica. Já as formas reduzidas convers+, orient+ e duvid+ apontam para as práticas de cuidado desenvolvidas junto aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, 91 considerando as ações educativas desenvolvidas pelos enfermeiros no processo de cuidado. Considerando as divisões binárias realizadas pelo Alceste na C.A.H., foi proposta a divisão temática da classe 3, com o intuito de apresentar seus conteúdos. Dessa forma, foram obtidas 3 subclasses, denominadas: "Atuação das enfermeiras na testagem para o HIV" , "Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids" e "O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids". 3.2.3.1 Atuação das enfermeiras na testagem para o HIV Esta subclasse abarca as vivências das enfermeiras na testagem para o HIV. Seus conteúdos abordam a atuação dessas profissionais durante a solicitação do exame anti-HIV, enfatizando o aconselhamento pré-teste e no pós-teste. As enfermeiras ressaltam a importância das orientações mesmo nos casos em que o resultado é negativo. Nos casos em que o resultado é positivo, surgem diversas tensões que podem tornar o aconselhamento um verdadeiro desafio. Se o exame HIV vinha positivo, só quem entregava essa noticia era o médico. Eu não acho justo, para que esperar? Por que você não pode adiantar, conversar? A pessoa já vem preparada para isso, quando te pede alguma coisa, ela já tem uma dúvida na cabeça, e você tenta orientar essa dúvida, de forma que a pessoa não fique desesperada. Já começamos a dar resposta, já adiantamos os pedidos, já começamos a falar com eles, nesse momento mesmo já orientamos o uso da camisinha, o exame HIV das crianças. É uma conversa mais abrangente, e que o médico, às vezes, na pressa, nem sempre tem. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) As famílias quando sabem, a reação é de negação: este exame HIV está errado, e impossível! Há pouco tempo tivemos um garoto com 17 anos, chegou muito grave com meningite e também com HIV positivo, só que a família dele não aceitava de jeito nenhum. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4) A princípio eu tinha feito um pré aconselhamento, falando o que era a aids e o HIV, quais as formas de infecção, toda aquela parte de orientação. Na hora de passar o resultado foi muito difícil, porque a pessoa não estava entendendo ou naquele momento não estava querendo entender, não estava aceitando. A minha orientação não estava sendo suficiente, a pessoa não estava conseguindo entender, aí eu chamei uma colega para poder conversar, fazer uma outra abordagem. (inst_sp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) Eu perguntei: você concorda? Você está preparado para fazer o exame HIV e saber o resultado? Pode ser que seja positivo. Expliquei os detalhes e aguardei ele dizer: eu quero fazer. Eu estou vendo o resultado do exame, mas não estou querendo falar, porque poderia ser o protocolo de minutos: o teste deu positivo. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02;cont_2; freq_1; cur_s ; econt_n; K_3) 92 É importante enfatizar que em todas as situações, seja no pré ou no pósteste, o profissional deve oferecer o apoio emocional necessário, colocar-se à disposição para elucidar eventuais dúvidas e reforçar a adoção de práticas seguras para a redução de riscos de infecção/reinfecção pelo HIV e outras DST. No aconselhamento pré-teste o profissional deve reafirmar o caráter voluntário e confidencial da testagem, explicar o motivo para a realização do teste, orientar quanto à possibilidade da janela imunológica e os possíveis resultados do teste e pesquisar a existência de redes sociais de apoio, tais como familiares, amigos e companheiros (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST/AIDS, 1999). Apenas alguns desses elementos, como o caráter voluntário e os possíveis resultados do exame, puderam ser percebidos nos discursos das enfermeiras, o que pode sinalizar uma falta de divulgação das diretrizes preconizadas pelo Ministério da Saúde sobre o aconselhamento em centros de testagem. Já no aconselhamento pós-teste, na presença do resultado negativo, o profissional deve lembrar que o resultado negativo não significa imunidade ou ausência de infecção, pois pode corresponder ao período de janela imunológica. Na presença de resultado positivo, o profissional precisará: desmistificar sentimentos que associam o HIV/Aids a morte e a punição; explicar que existem tratamentos disponíveis gratuitamente para o HIV/Aids; reforçar a necessidade do acompanhamento médico e da adesão ao tratamento; enfatizar a necessidade da adoção de medidas preventivas a fim de evitar a reinfecção pelo HIV ou outras DST e a transmissão para outras pessoas; e orientar quanto à necessidade de comunicar o resultado ao(à) parceiro(a) sexual. E, diante do resultado indeterminado ou inconclusivo, o profissional deve explicar que o resultado pode ser indeterminado ou inconclusivo porque o paciente encontra-se em janela imunológica ou por limitações técnicas inerente à pesquisa de anticorpos e orientar nova coleta para retestagem (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST/AIDS, 1999). 3.2.3.2 Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids Esta subclasse disserta sobre as rotinas do atendimento, tratando-se de uma dimensão voltada à prática profissional vivenciada pelas enfermeiras. Nesse sentido, 93 são citadas as principais formas de atuação dessas profissionais junto aos sujeitos que vivem com HIV/Aids no âmbito dos serviços de saúde. Dentre elas, destacam-se a consulta de enfermagem e as orientações em saúde. Nós que estamos fazendo a consulta de enfermagem explicamos a ele o cuidado com o parceiro. Eu oriento como profissional, é só orientação mesmo de cuidados. A orientação é pela conversa mesmo, não tem nada de novo no roteiro, não tem nada demais, é só um apoio, acaba sendo um apoio na hora, e uma orientação para não desenvolver com os outros. Mas é bom, muitas vezes eles não têm. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; cont_n; K_3) Orientamos sobre a tomada da medicação, dos efeitos adversos, do tratamento em si, dos contatos. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; cont_n; K_3) Devido ao seu perfil e formação, o enfermeiro tem uma contribuição singular a oferecer dentro do trabalho em saúde organizado de forma programática. Espera-se que esse profissional compreenda o ser humano além dos seus aspectos biológicos, por entender a influência dos fatores sociais e ambientais na determinação da saúde e da doença. Assim, ele pode se constituir como um elemento fundamental a uma prática multiprofissional e transdisciplinar (GOMES; OLIVEIRA, 2005). É abordado o fluxo do atendimento, sendo citadas diversas formas de inclusão do paciente no programa de DST/Aids, com destaque para o intercâmbio estabelecido com o Programa de Tuberculose, devido ao elevado número de pessoas com HIV que desenvolvem co-infecção pelo Micobacterium tuberculosis. Isto se deve à imunodepressão apresentada pelos pacientes que já desenvolveram a aids e, em decorrência, possuem intensa predisposição a desenvolver infecções oportunistas. Hoje obrigatoriamente fazemos o exame HIV para todos os pacientes que tenham tuberculose, isso é parte da rotina, nós temos que pedir [...] O reator forte não sendo sintomático respiratório é encaminhado para fazer uma quimioprofilaxia conosco [...] O objetivo é diminuir a incidência de tuberculose nesse paciente HIV positivo que tem reator muito forte. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_6) Trabalhamos junto {Programas de HIV e Tuberculose} porque temos prognóstico, fazemos o diagnóstico aqui, as médicas solicitam exame HIV e mandamos para a infectologia os casos positivos. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) De acordo com Jamal e Moherdaui (2007), o aumento da prevalência do HIV teve sérias implicações para os programas de controle da tuberculose. Dessa forma, a tuberculose não pode ser prevenida e efetivamente tratada sem a prevenção e o 94 tratamento do HIV/Aids. Sendo assim, as ações direcionadas para o controle da tuberculose são de fundamental importância na efetividade das ações programáticas de HIV/Aids. Daí a importância do intercâmbio entre os dois programas. 3.2.3.3 O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids Nesta subclasse, é possível identificar diferentes formas de conceber o cuidado de enfermagem no contexto da soropositividade ao HIV que a aproxima de concepções teóricas sedimentadas no conhecimento do campo. Podem-se distinguir três perspectivas teóricas nas U.C.E. da classe 3, que são as seguintes: O cuidado relacionado ao atendimento das necessidades humanas básicas; O cuidado como postura profissional e acolhimento e a Dimensão relacional do cuidado. Cuidar no contexto do HIV/Aids envolve identificar as necessidades humanas básicas que precisam ser atendidas. Essas necessidades podem estar alteradas no contexto do adoecimento e da hospitalização e necessitam que o enfermeiro as identifique no contato diário com essa clientela. Essa perspectiva do cuidado pode ser observada na U.C.E. abaixo: Depois eu vou leito a leito, converso com eles, vejo quem tem curativo, o que tem que fazer, como é que passou a noite, converso mesmo. E ali eu já vou fazendo a minha evolução, o que eu vou colocar no livro, vendo como é que eles estão, suas necessidades. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4) A U.C.E. acima pode remeter a uma aproximação com a Teoria das Necessidades Humanas proposta por Maslow em sua Teoria da Motivação Humana. Segundo tal teoria, existe uma hierarquia de necessidades humanas, que as organiza em cinco níveis de prioridade. O primeiro nível inclui as necessidades fisiológicas, tais como ar, água e alimento. O segundo nível inclui as necessidades de segurança e proteção. O terceiro nível engloba as necessidades de amor e gregarismo. O quarto nível abarca as necessidades de autoestima, que envolve a autoconfiança, o propósito e autovalorização. O último nível é a necessidade de auto-realização, o estado de alcance pleno do potencial e da habilidade para resolver problemas e lidar com as situações de vida (NEVES, 2006). 95 Ainda de acordo com esta teoria, o sujeito cujas necessidades estão totalmente atendidas é sadio e aquele com uma ou mais necessidades não atendidas está em risco para doença ou pode não ser sadio em uma ou mais dimensões humanas (NEVES, 2006). Esta é uma noção importante para o cuidado aos sujeitos que vivem com o HIV e com a aids, pois mesmo que a cura da infecção e da doença ainda não sejam metas alcançáveis, é possível que se estabeleça um estado saudável entre eles. A segunda dimensão observada refere-se ao cuidado como postura profissional e acolhimento. A postura acolhedora e não discriminatória do profissional de enfermagem representa um diferencial no processo de cuidar de pacientes que vivem com HIV/Aids, pois possibilita o estabelecimento do vínculo com os sujeitos cuidados. Esse vínculo é importante para o paciente, que passa a se sentir cuidado tanto pelo profissional quanto pela instituição. Eles não se sentiam estigmatizados, era apenas ser gentil, tratar tudo naturalmente, e nem percebemos como isso foi bom para o paciente. Um dia esse paciente nosso de muitos anos chegou para mim e falou: vocês não sabem o bem que me fez quando me receberam aqui, porque não demonstraram ter medo de mim, você sabia que eu era HIV positivo e me acolheu. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_6) A U.C.E. acima sugere um detalhamento das tecnologias relacionais utilizadas pela enfermeira no processo de cuidado aos sujeitos com HIV e aids, envidenciada pelo termo "apenas". Sendo assim, pode-se entender que a beneficência do cuidado pode, por vezes, passar despercebida pelos profissionais, mas nunca pelos pacientes, pois estes a reconhecem e valorizam, como pode ser notado no trecho "não sabem o bem que me fez". O cuidado é mais que um ato, é uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Dessa forma, abrange um momento de atenção, zelo e desvelo (BOFF, 1999). Na enfermagem, o cuidado se processa por meio do contato, da aproximação com o outro. Nesse sentido, cabe ressaltar que as tecnologias leves, tais como o acolhimento e o vínculo, são consideradas como fundamentais, levando em conta a natureza relacional do trabalho em saúde (MERHY, 2002). Dessa forma, o cuidado deve ser pensado como uma ação integral, que possui significados e sentidos voltados à compreensão da saúde como um direito dos sujeitos. Essa ação integral ocasionará repercussões e interações positivas 96 entre usuários do serviço, profissionais e instituições, podendo ser traduzida em atitudes tais como tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (CECCIM, 2006). Franco, Bueno e Merhy (1999) consideram que o acolhimento modifica radicalmente o processo de trabalho, pois abre a possibilidade para que os profissionais possam receber, escutar e solucionar problemas de saúde trazidos pelos usuários. Dessa forma, o acolhimento tem a proposta de inverter a lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde, buscando atender aos princípios de acessibilidade universal, reorganização do processo de trabalho e qualificação da relação trabalhador-usuário, valendo-se de parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. A terceira perspectiva destacada refere-se à dimensão relacional do cuidado, presente no envolvimento afetivo explícito no contexto das representações sociais das enfermeiras, possivelmente devido à maior proximidade do profissional de enfermagem aos sujeitos que vivem com HIV/Aids. O afeto encontra lugar na interatividade entre profissionais e usuários, tornando evidente que a intersubjetividade pode se manifestar no cuidado. Desta forma, as enfermeiras reconhecem e legitimam a afetividade presente durante a atuação da profissional. No ambulatório você lida com o paciente no dia-a-dia, passa a ver que aquele primeiro momento dele foi tão ruim para ele, como foi para você, quanto está sendo para ele, você começa a criar um laço de amizade. Muitos hoje eu posso considerar que são amigos, que vem contar problemas. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) É possível perceber que o cuidado em situação de HIV/Aids pode ser uma experiência mútua e recíproca, que ultrapassa limites da relação profissional e paciente. É importante notar que o "primeiro momento" citado na U.C.E. diz respeito ao início do tratamento e ao contato inicial estabelecido com pessoa que vivem com HIV/Aids, e que este é percebido como um momento difícil para ambos. Teixeira (2006) afirma que o cuidado processa-se por meio do contato, da aproximação com o outro, tendo uma base amorosa, no sentido de respeito, compreensão, afeto e solidariedade. Este autor afirma ainda que o cuidado institucionalizado se diferencie do cuidado natural, que é normalmente praticado pelos grupos humanos nas relações familiares, amorosas e solidárias. A principal 97 diferença entre os dois tipos de cuidado é que o cuidado institucionalizado não se processa através de vínculos afetivos "naturais". No entanto, o autor destaca que a subjetividade não se restringe ao indivíduo e envolve de forma simultânea os sujeitos que cuidam e os que são cuidados, além do território e do conjunto das instâncias coletivas. Assim, ainda que o cuidado institucionalizado se baseie em ações artificiais, padronizadas, centradas na técnica e no conhecimento científico, ele resultará em uma relação entre seres humanos, com implicações psicoafetivas, por mais técnico que o indivíduo seja. O cuidado somente poderá ser bem efetivado no seu sentido amplo se existir a afetividade, amparada pela ética. Todas as pessoas que são cuidadas transferem sentimentos e expectativas para o cuidador e vice-versa. Muitos desses sentimentos evolvem questões psíquicas, conscientes e inconscientes dos sujeitos, que emanam quando as condições da saúde estão ameaçadas. Mesmo nas práticas circunscritas pelas ações instrumentais de cuidado, essa situação emerge e precisa ser melhor elucidada e trabalhada no cotidiano dos profissionais de saúde (TEIXEIRA, 2006). Dentro dessa perspectiva de entendimento, o cuidado pode ser entendido como um fenômeno existencial, contextual e relacional. É existencial, porque faz parte do ser, dotado de racionalidade, cognição, intuição e espiritualidade, portanto, de sentimentos e sensibilidade. Relacional, porque só ocorre em relação ao outro, através da convivência. E contextual, porque, de acordo com o meio em que se realiza, sofre variações, intensidades e diferenças em suas maneiras e formas expressivas de cuidar (WALDOW, 2006). O cuidado amoroso e a humanização caminham juntos, de forma a tornar possível a oferta assistencial que atenda às necessidades humanas destes indivíduos, respeitando sua dignidade, diminuindo o sofrimento e facilitando o alcance de seu projeto vital (GRÜDTNER et al., 2010) . 3.2.4 Classe 4 - As famílias atingidas pela aids Esta classe apresenta associação estatística com tempo de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids de 6 a 10 anos, enfermeiras que atuam em 98 hospitais (x²=53), idade superior a 54 anos, tempo de atuação como enfermeira ente 6 e 15 anos. No Quadro 7, serão apresentadas variáveis de análise, categorias associadas à classe e seus respectivos valores de x². Variável de análise Categoria associada à Valor de x² Classe 4 Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS Instituição Idade 6 a 10 anos 90 Hospital Maior que 54 anos 53 47 Tempo de atuação como enfermeira 6 a 15 anos 44 Quadro 7 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 3 - Rio de Janeiro - 2011 A classe "As famílias atingidas pela aids" é composta por um um total de 308 do total de 2050 U.C.E., o que corresponde a 15% do corpus de análise. A classificação hierárquica ascendente desta classe considerou 24 formas reduzidas, sendo que serão apresentadas as principais, com seus respectivos contextos semânticos e valores de x² (Quadro 8). 99 Forma Reduzida Contexto Semântico Valor de x² mae Mãe 195 filh filho, filha 148 pai Pai 106 cas casa, casal 96 esp esposa, esposo 85 marido Marido 72 crianc Criança 69 men menina (s) 63 nasc nasce, nascer 56 irm irmão, irmã 52 falec Faleceu 51 revoltad Revoltado 49 amig Amigo 39 gravid gravida, gravidez 36 morr Morre 36 doent Doente 29 separ separar, separação 27 famili Família 24 mor Morte 22 Quadro 8 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 4 - Rio de Janeiro - 2011 Na Figura 6 é possível visualizar uma representação gráfica da delimitação dos conteúdos da classe 4 a partir da C.A.H. As formas reduzidas crianc+, nasc+, men+, mae e pai encontram-se associadas entre si e ao grupo constituído pelas formas reduzidas filhos, separ+, morr+, teve. O mesmo ocorre com as formas cas+ e famili+, que estão associadas entre si e ao grupo composto pelas formas amig+, mor+, irm+, revoltad+ e doent+. Todos esses grupamentos são provenientes de uma divisão binária anterior. O conjunto desses grupos representa conteúdos relativos ao adoecimento de famílias no contexto da aids, presente no discurso das enfermeiras. Nota-se, ainda, que o grupamento constituído pelas formas reduzidas esp+, gravid+, marido, fic+ está associado ao grupamento composto pelas formas falec+, dev+, filh+ e ano, ambos provenientes também de uma divisão binária anterior. Tais grupamentos representam conteúdos relativos à dimensão pessoal do discurso das enfermeiras, que passam a se sentir vulneráveis a infecção pelo HIV devido às situações que vivenciam no contato com mulheres infectadas pelo HIV. 100 Figura 6 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 4 - Rio de Janeiro - 2011 A partir das divisões binárias propostas pela C.A.H., procedeu-se a divisão temática da classe 4 em duas subclasses, que são: "O adoecimento de famílias no contexto da aids" e "Sentimento de vulnerabilidade das enfermeiras devido a feminizacão da aids". Ambas as subclasses estão intimamente relacionadas. 3.2.4.1 O adoecimento de famílias no contexto da aids Os conteúdos desta subclasse abarcam as vivências das enfermeiras no lidar com uma diversidade de situações de exposição ao HIV no contexto familiar. Essas situações são percebidas no âmbito dos serviços de saúde e se devem às 101 mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da doença, que trouxe uma presença cada vez maior de mulheres e crianças para a realidade da aids. As mulheres entraram nessa contaminação, elas ficam muito revoltadas, porque temos um número muito grande de mulheres que foram contaminadas por parceiro único, isso é uma coisa que vem acontecendo. Parceiros únicos e que elas se contaminam, simplesmente não havia antes. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Muitas vezes dá muita pena, o cara é pai de família, contraiu o HIV, levou para a esposa que não tinha nada a ver, às vezes fica muitos anos sem saber que é HIV positivo. Nesse relacionamento vêm os filhos HIV positivos também. Às vezes bate aqui aquela revolta, uma criança que não tem nada ver, não pediu, não fez nada para contrair aquela doença e ganha de graça do pai e da mãe. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Neste sentido, o processo de culpabilização do outro aparece, principalmente, através do “pai de família” ou do “parceiro único”, enquanto que as vítimas são as mulheres, que para as entrevistadas não mereciam ter sido contaminadas, devido a uma vida aparentemente sem promiscuidade. Ao olhar a mulher deste ponto de vista, as enfermeiras deixam de reconhecer seu papel como promovedora de saúde de si e do outro também. Esta passividade feminina está relacionada à questão de gênero, já destacada anteriormente, trazendo, também, uma questão de sentir-se invulnerável diante de um relacionamento considerado como estável. Destaca-se ainda que a culpabilização e a vitimização estão relacionadas às representações sociais da síndrome ligadas aos grupos de risco, dos quais mulheres casadas e crianças (à exceção das hemofílicas) não faziam parte. Ressalta-se ainda a existência de crianças com HIV/Aids através da transmissão vertical que produz nas entrevistadas sentimentos de pena e revolta. Dessa forma, a mulher mãe também passa a ser culpabilizada. Corroborando, Bastos (2006) revela que com a mudança do perfil epidemiológico da aids, a sociedade classificou as pessoas infectadas pelo HIV em dois grupos: vítimas e culpadas. As vítimas seriam as pessoas monogâmicas que foram infectadas por seus parceiros fixos e crianças contaminadas por transmissão vertical. Já o segundo grupo seriam homossexuais, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e pessoas com relacionamentos extraconjugais. Esses dois grupos podem ser observados no presente estudo. É importante destacar que ao falar do outro, relativamente também se está falando de si mesmo. Sendo assim, ao colocar a mulher como vítima e o parceiro como vilão, as enfermeiras também estão se vendo da mesma forma, conforme 102 pode ser observado na discussão da classe 2, na qual as entrevistadas falam da autoproteção na vida pessoal e colocam o casamento monogâmico como uma das principais medidas contra a infecção por HIV. Sendo a confiança que possuem em seus parceiros uma proteção, os culpados por uma possível contaminação com o vírus são estes, que não possuem as mesmas atitudes que suas companheiras. Ressalta-se, ainda, um conteúdo negativo, comportando uma atitude negativa presente na representação da aids, expressa na palavra “sofrimento”. Nota-se que, para as entrevistadas, a contaminação da aids traz uma desintegração da família, ocasionada principalmente pela morte de um ente e pelo mau estado de saúde de outros. As pessoas nem sabem o que é sofrimento. Já tivemos pacientes aqui de a mãe estar internada com uma doença oportunista, a filha estar internada na pediatria aqui do hospital, o marido já morreu, o outro filho está internado na Fiocruz, por exemplo, e a família totalmente assim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) As entrevistadas destacam que presenciam, com certa frequência, sentimentos de revolta por parte não só de outras mulheres, como também dos filhos que foram contaminados pelo HIV por transmissão vertical e crescem no contexto da soropositividade. Vemos casos de revolta, já teve um caso de uma adolescente que odiava a mãe, a mãe morreu aqui conosco. Ela odiava a mãe porque eram quatro irmãs, as duas primeiras tem o HIV positivo, e as duas mais novas não têm, porque a mãe tratou, tomou o coquetel direitinho. A mais velha odiava a mãe por ter passado por transmissão vertical, ela tinha o HIV positivo e a culpa de ela estar doente era a mãe. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Essa mulher quando descobriu, tinha sido o primeiro namorado, o único homem e ela contraiu e tentou matar o marido por conta da contaminação. Ela nunca tinha tido ninguém e contraiu do marido já depois de 15 anos de casada. Aquelas que são contaminadas pelo marido ficam bem revoltadas, a maioria. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_5) Nesse sentido, é possível notar, conforme afirma Sousa, Kantorski e Bielemann (2004), que a presença da aids no contexto da família é um evento marcante, pois exige uma nova forma de viver, permeada por contradições e desencontros, que trazem ressentimento, impotência, culpa, tristeza e vergonha. Em se tratando da presença de uma doença estigmatizante em seu seio, cada família possue um comportamento que lhe é peculiar, influenciado pela história construída em seu interior e no convívio social. 103 3.2.4.2 Sentimentos de vulnerabilidade das enfermeiras devido à feminização da aids As enfermeiras dissertam sobre a inserção dos novos atores sociais no cenário de atendimento às pessoas soropositivas ao HIV, com destaque para a feminização, como característica marcante de mudança no perfil da epidemia do HIV/Aids. Nesse sentido, ressaltam que no interior das unidades hospitalares e básicas em que prestam atendimento, há um crescente quantitativo de mulheres contaminadas pelo HIV, as quais, muitas vezes, são pessoas casadas que foram infectadas por seus parceiros sexuais fixos, após a contaminação destes em relações extraconjugais. A presença cada vez mais expressiva de mulheres no contexto da aids traz a necessidade de melhor discutir a temática, considerando que se trata de um segmento com especificidades em relação à população masculina no que se refere à prevenção, ao controle e tratamento da infecção. Dessa forma, de acordo com Silveira et al. (2002), é importante que sejam desenvolvidas estratégias de prevenção mais efetivas entre as mulheres, considerando os comportamentos de risco a que estão expostas, como início precoce da atividade sexual, o não uso de preservativos e uso de álcool e drogas pelo parceiro. Segundo as evidências da literatura nacional e internacional sobre e a vulnerabilidade ao HIV/Aids, as mulheres são especialmente vulneráveis às DST por características biológicas: a superfície vaginal exposta ao sêmen é relativamente extensa, e o sêmen apresenta concentração significativamente maior de HIV do que o líquido vaginal. Além disso, frequentemente as infecções sexualmente transmissíveis são assintomáticas nas mulheres e há fragilização das barreiras naturais à infecção pelo HIV devido às micro lesões e inflamação local. Acrescentase a esses riscos o fato de que em mulheres mais jovens, a imaturidade do aparelho genital determina fragilização adicional ao risco de infecção pelo HIV (BASTOS; SZWARCWALD, 2000). O papel social e de gênero da mulher, também aumenta o risco de infecção. As relações desiguais de poder e a dependência econômica das mulheres, especialmente em países em desenvolvimento, limitam o acesso a informações adequadas e atualizadas (BASTOS; SZWARCWALD, 2000). 104 Dentre essas situações, as mulheres que foram contaminadas por HIV por seus parceiros fixos chamam a atenção, em especial das enfermeiras casadas, por essas sentirem que também podem estar expostas ao mesmo tipo de situação, conforme a U.C.E. abaixo. Para mim, ser mulher no mundo da aids, um dos pontos principais é que eu sou casada há treze anos, e dificilmente você encontra uma mulher casada há mais de alguns anos que vai falar que só transa com o marido de camisinha, [...] é ter que confiar muito no marido, e vendo as pessoas com aids, saber que da mesma forma que outros trazem e levam para dentro de suas casas, o meu pode também levar para dentro da minha casa, para mim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Pode-se inferir que esse sentimento de insegurança em relação ao próprio parceiro faz parte da representação social da aids das enfermeiras, sendo também uma das principais repercussões sinalizadas por elas em suas vidas pessoais por trabalharem com pacientes que vivem com HIV/Aids. Esse é um aspecto importante a ser observado, devido ao mecanismo de projeção que se estabelece que contribui para o fortalecimento da seguinte ideia: "se aconteceu com ela, que tinha uma vida semelhante a minha, pode acontecer comigo também". É diferente a mulher que teve aquela vida promíscua e a mulher que tinha uma vida legal com o esposo e de confiança. Acabamos nos espelhando: um dia isso pode acontecer comigo. Sou casada, tenho uma vida legal com o meu marido, como ela também tinha e aconteceu com ela. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4) Eu procuro sempre me colocar no lugar do outro, você vendo que ela tinha uma vida estável, semelhante à sua, um marido, filhos, uma vida normal. Você fica achando que um dia você poderia estar naquela situação, porque você também tem um marido que você confia, que você acredita que só tem você. E que é a mesma coisa que aquela mulher passou, ela era casada, tinha filhos, tinha um marido e, de repente, descobriu que estava com aids. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4) Você ainda vê homossexuais, mas vê mulheres como você. Você como profissional de saúde se choca quando vê uma mulher toda direitinha, bonitinha e com filho. Eu atendi agora uma paciente que um filho está com tuberculose e trouxe outros dois irmãos para fazer os exames, no final da consulta ela falou: o meu também, eu sou HIV positivo. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_5) Considerando que uma representação social é mais que um reflexo da realidade, sendo também uma entidade organizadora dessa realidade, que rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela também determina práticas. Além disso, orienta as ações e as interações sociais, pois determina um conjunto de antecipações e expectativas (GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004). Nesse sentido, 105 pode-se considerar que a representação social da aids para as enfermeiras repercute na forma como elas encaram o próprio relacionamento com o parceiro, na medida em que surgem sentimentos de insegurança, ocasionados pelas situações que vivenciam no cuidado às mulheres casadas atingidas pela aids. 3.2.5 Classe 5 - As políticas públicas e institucionais e a aids Esta classe apresenta associação estatística com idade entre 45 e 54 anos, tempo de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids entre 16 e 20 anos, frequência de contato atual com esses sujeitos diária e semanal. O Quadro 9 apresenta essas variáveis, com as categorias associadas à classe e seus respectivos valores de x². Destaca-se no perfil desta classe que, apesar de a mesma referir-se às políticas públicas, a variável instituição de atuação não se mostrou estatisticamente associada à mesma. Este achado pode sugerir que esse campo temático de preocupação não se coloca em relação com o local de atuação, mas é transversal tanto ao campo hospitalar quanto ao de rede básica. Categoria Variável de análise associada à Valor de x² Classe 5 Idade 45 a 54 anos 93 Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS 16 a 20 anos 59 Frequência de contato com clientes HIV/AIDS Diária 16 Frequencia de contato com clientes HIV/AIDS Semanal 15 Quadro 9 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 A classe "As políticas públicas e institucionais e a aids" é composta por um total de 471 U.C.E. do total de 2050, o que representa 23% do corpus aproveitado para análise. 106 Na classificação hierárquica ascendente desta classe, foram consideradas 17 formas reduzidas. As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos semânticos e valores de x² são apresentadas no Quadro 10. Forma Reduzida Contexto Semântico Valor de x² governo governo 70 politica política 67 profissionai profissionais de saúde 66 suport suporte 62 saude saúde 55 vinculo vinculo 49 are área 44 trabalh trabalho 43 programa_de_ programa de HIV AIDS 40 particip participam, participação 40 serv serviço 37 integr Integral 32 Quadro 10 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 5 Rio de Janeiro - 2011 A partir das formas reduzidas politica, suport+, governo, saude, serv+, are+ é possível ter uma compreensão preliminar do conteúdo expresso por esta classe, que trata das políticas públicas e institucionais de saúde voltadas ao HIV/Aids percebidas pelas enfermeiras no âmbito de suas atuações profissionais. Já as formas reduzidas vínculo e profissionai+ sinalizam para a existência de conteúdos ligados à relação profissional-paciente. Por sua vez, as formas integr+ e particip+ apontam para a existência de conteúdos que fazem menção aos princípios do Sistema Único de Saúde na assistência aos clientes com HIV/Aids. Na Figura 7, tem-se a representação gráfica da delimitação dos conteúdos da classe 5 a partir da C.A.H. As formas reduzidas suport+, governo, política, programa_de+ e serv+ encontram-se associadas entre si e ao grupo constituído pelas formas reduzidas ger+ e grande, o qual também se associa ao grupo formado pelas formas profissional, vínculo e ao+. Esses grupamentos são provenientes de uma divisão binária anterior, que corresponde a conteúdos relativos às políticas públicas governamentais em relação ao HIV/Aids. Nota-se, ainda, que o grupamento constituído pelas formas reduzidas saúde, are+, particip+, e profissional está associado ao grupamento composto pelas formas 107 integr+, trabalh+ e quest+, ambos provenientes também de uma divisão binária anterior. Estes grupamentos representam conteúdos relativos às políticas públicas no âmbito da instituição de trabalho das enfermeiras e sua participação profissional dentro deste contexto. Figura 7 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 5 - Rio de Janeiro 2011 A partir da C.A.H. foi proposta a divisão da classe 5 em duas subclasses, com o intuito de explicitar seus conteúdos. As duas subclasses são: "As políticas públicas em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids" e "Políticas públicas relacionadas ao HIV no âmbito institucional". 108 3.2.5.1 As políticas públicas em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids Algumas enfermeiras entrevistadas referem não ter clareza quanto ao conteúdo das políticas públicas voltadas ao HIV/Aids em âmbito nacional, e não percebem suas atuações como parte dessas políticas. Mesmo diante desse aparente desconhecimento, falam sobre as ações governamentais e não governamentais que auxiliam os sujeitos que vivem com HIV/Aids, tais como a distribuição gratuita de medicamentos e benefícios e a distribuição de cestas básicas. Ressalta-se a importância do meio midiático e da vivência dentro dos serviços de saúde na construção do conhecimento acerca das políticas e a participação das Organizações Não-Governamentais (ONG) que complementam as ações dos serviços. Não sei praticamente nada sobre as políticas brasileiras voltadas para pacientes com aids. As políticas têm que ajudar, coitados, se tem uma gratuidade no ônibus e tem um salário, ajuda. A medicação gratuita pelo governo. Aqui na instituição, tem um dia no mês que quem é cadastrado ganha cesta básica. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) Sobre os impactos das políticas públicas no Brasil em relação à aids, eu não sei te responder com precisão [...] O que vemos na televisão, no noticiário, eu costumo dizer, não sei se estou certa, que a ONG com aids tem muito dinheiro, e tem, porque é investido muito em pesquisas. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01, cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; k_4) Ele fornece as medicações eles fornecem alguns benefícios como aposentadoria aquelas carteirinhas para poder ir e vir, eles até fornecem isso, eu acho uma dificuldade grande quando eles perdem o emprego porque a maioria se trabalha em algum lugar de carteira assinada acaba perdendo, porque quando adoece acaba ficando um bom tempo fora, um bom tempo afastado do seu trabalho. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_1; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Você vê ONGs que trabalham, você vê várias organizações que estruturam o serviço para que a população alvo são os HIV positivos, são as pessoas com aids. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) A participação das ONGs é um importante fator no histórico da aids no Brasil, já que, juntamente com a mobilização de grupos comunitários e igrejas, conseguiram alcançar a implementação de políticas públicas, como é o caso da aprovação da lei que tornou obrigatória a triagem de todo o sangue a ser transfundido no Estado de São Paulo, após a pressão destes grupos, além da lei que estende às pessoas com HIV/Aids os benefícios para os portadores de doenças 109 incapacitantes ou terminais, tais como auxílio doença, aposentadoria, pensão, dentre outros (TEIXEIRA, 1997). Um ponto importante a ser destacado é que as políticas públicas estão relacionadas principalmente ao sucesso da terapia antirretroviral, bem como sua distribuição gratuita pelas instituições de saúde. Associado a isso, as enfermeiras destacam políticas voltadas para a adesão ao tratamento medicamentoso da aids, não somente por parte do paciente, mas incluindo também a participação dos profissionais de saúde. A cirurgia para redução de danos causados pela doença e seu tratamento também é enfatizada como algo positivo na política pública de saúde. Estão sendo feitos estudos pelo próprio Ministério da Saúde patrocinando os estudos para trabalhar com adesão mesmo, isso já está, mas eu acho um trabalho de formiguinha, e um trabalho demorado, porque não envolve só nossa vontade, envolve o querer do paciente. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2 ; cur_n; econt_s; K_6) Tínhamos muita queixa da família, a mídia colocando que as pessoas não estavam tendo acesso [à medicação]. E depois houve essa mudança e nós somos considerados padrão, lá fora em relação ao tratamento. [...] Graças às políticas do governo que conseguiu, e hoje não falta, você vê: as pessoas pegam as sua medicações, conseguem, estão sobrevivendo muito mais e com qualidade de vida. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_40) Agora nós temos pelo Sistema Único de Saúde a questão da cirurgia sendo oferecida pelo SUS, para melhorar autoestima, para melhorar a condição daquela pessoa. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5) Outra situação associada às políticas públicas é o desenvolvimento de pesquisas, muito citado pelas entrevistadas. As pesquisas são vistas por uma ótica positiva, trazendo mudanças no entendimento não só acerca da doença, como também acerca do comportamento diante da aids. Eu acho que ao mesmo tempo em que existia o avanço em pesquisas, o aprimoramento das condutas, isso fez com que pudesse trazer mudanças de comportamento dos profissionais de saúde, a partir de um novo entendimento, de uma nova ideia desse tema [...] porque no inicio era tudo muito rudimentar, não se sabia muito [...] pesquisar cada vez mais, por mais que as pesquisas caminhem hoje, diversas áreas, por conta disso você começa a ter possibilidades de formar novos conceitos [...] novas ideias, enfrentar de outra forma uma realidade, que não e só do Brasil, uma realidade mundial, mas saber lidar com tudo isso partindo do conhecimento. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5) Vejo a pesquisa não só buscando a cura, mas também novas formas de cuidado, de abordagem, vejo com certeza. Através das pesquisas que vamos conseguindo mudar os pensamentos, porque, as vezes, os pensamentos, se não fizermos 110 pesquisa, aquilo fica parado, estagnado ali. As pesquisas tem que ser feitas, elas precisam ser feitas para poder mudar. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Sobre os avanços nas políticas públicas, as enfermeiras pontuam a ênfase na prevenção da aids, sendo este um dos aspectos mais ressaltados por elas como necessário para que se estabeleça um controle mais efetivo do número de casos de infecção pelo HIV. Entretanto, as entrevistadas reconhecem que essa ênfase se dá em períodos festivos, tais como o carnaval, quando aumenta a preocupação governamental a respeito da aids. Sinalizam que esse deveria ser um trabalho contínuo para que obtivesse um melhor resultado. O que avançou nas políticas públicas voltadas à aids é que começa essa ênfase na prevenção, [...] acho que a tendência é cada vez mais enfatizar. No Brasil, precisamos muito de uma política de prevenção. Às vezes, temos a politica só curativa, só para curar, e aqui não temos uma política de prevenção. Acho que falta visão do governo, de quem está na administração e dos profissionais de saúde que estão diretamente nas instituições, mostrarem que a prevenção é melhor do que ficar trabalhando em cima da cura, do tratamento. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Em relação à política de atenção à saúde das pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil, destaca-se que se trata de um exemplo a ser seguido por outros países, pois além da distribuição gratuita de medicações, prevê ações direcionadas à prevenção da infecção pelo HIV e acompanhamento integral à saúde. Essa política engloba três eixos de intervenção: a vigilância epidemiológica, a prevenção e a assistência. A articulação desses elementos busca a integralidade das ações, partindo do pressuposto da indissociabilidade entre a prevenção e o tratamento, contrapondo-se às diretrizes políticas que apontam a prevenção como resposta pública fundamental à pandemia (FONSECA, 2005). Existem marcos importantes nas políticas públicas brasileiras no enfrentamento da aids, dentre eles: a notificação obrigatória de casos a partir de 1986; a distribuição gratuita de AZT, em 1991; o primeiro acordo com o Banco Mundial, em 1993, o qual resultou obtenção de recursos para o enfrentamento da aids; e a Lei nº 9313, em 1996, que garantiu a distribuição gratuita da TARV e a produção de antirretrovirais, anunciada em 2001 (GALVÃO, 2002). Além desses marcos, destaca-se outras políticas no contexto da aids, tais como: a disponibilização de medidas profiláticas para a prevenção da transmissão vertical do HIV, através da Portaria nº 2104, de 2002, que incluem a oferta de 111 aconselhamento e a testagem anti-HIV de gestantes e uso de AZT na gestação e no parto; a política de redução de danos à saúde pelo uso de drogas injetáveis; o fornecimento de suporte diagnóstico com os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA); a distribuição gratuita de preservativos masculinos (FONSECA, 2005). Todas essas ações representam importante avanço na estratégia de saúde e articulam intervenções de prevenção e assistência, além da vigilância dos casos de HIV/Aids, conforme previsto na política nacional anteriormente citada. Portanto, entende-se que devam ser mais divulgadas e incorporadas no discurso dos profissionais e da população em geral, para que estes possam compreender seus papéis sociais na consolidação das políticas. 3.2.5.2 Políticas públicas relacionadas ao HIV no âmbito institucional Ao se referirem às políticas públicas institucionais voltadas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, as enfermeiras pontuam a capacitação dos profissionais como um dos aspectos, além de políticas sociais e assistenciais voltadas a esses sujeitos. As políticas públicas em relação estão meio complicadas, meio defasadas, mas eu tenho esperanca que melhore. Pela parte de profissionais de saúde mesmo, falta de profissionais, de conhecimento do funcionário, a valorização do funcionário, o salário baixo. Tem que melhorar, ter pessoas capacitadas, dar mais oportunidades para essas pessoas, por exemplo, eu estou aqui ha um mes e pouco e ainda nao recebi capacitação. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_6) As enfermeiras acreditam que as políticas institucionais voltadas à pessoa com HIV/Aids estão focadas ainda no modelo biomédico, o que prejudica o cuidado integral. Ainda assim, destacam a presença de uma equipe multiprofissional integrada que trabalha no atendimento aos portadores do vírus, desenvolvendo atividades como trabalhos em grupo. A abordagem muito centralizada na questão médica. então, se ele é HIV positivo, precisa de um acompanhamento médico e ponto e acabou. Isso eu acho muito retrógrado. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) 112 Eu vejo que hoje nós temos uma equipe multiprofissional bastante consolidada, extremamente comprometida com esse tipo de atendimento, existem diversas experiências aqui de trabalhos em grupos, trabalhos com dinâmica. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5) Algumas práticas são referidas como pertencentes às políticas institucionais relacionadas ao HIV/Aids, dentre as quais de destacam as de prevenção e as de adesão. O foco deve ser a prevenção que, para as entrevistadas, está relacionada à diminuição de gastos com a saúde, melhor qualidade de vida e de trabalho. Já em relação à políticas voltadas à adesão, é referida a realização de grupos de adesão através de diversos profissionais envolvidos no Programa de DST/Aids. Os profissionais de saúde que estão diretamente nas instituições devem mostrar que a prevenção é melhor do que ficar trabalhando em cima da cura, do tratamento. quando você previne você evita que a pessoa adquira a doença e fora a questão de gasto, porque eu acho que para o governo o que importa muito são os gastos. [...] você provar que ter uma política de prevenção vai diminuir as suas despesas com saúde, você vai ter uma população economicamente ativa, você vai ter menos pessoas afastadas do serviço. [...] eu acho que é por ai, tem que ter essa consciência, dar qualidade de vida para que as pessoas produzam, trabalhem. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Trabalhos que vão estimular principalmente a adesão à terapia de antirretroviral de vários pacientes. Nós tivemos pacientes no programa de HIV/Aids que utilizam, abraçam e tem outros que não utilizam, ainda não tem a necessidade de utilizar. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5) Aqui é feito até mesmo um grupo de adesão, o programa de HIV/Aids tem a adesão que envolve toda a equipe multiprofissional do setor para poder não deixar esse paciente abandonar o tratamento. [...] Vai ter um grupo de adesão, às vezes não só falam relacionado a doença, mas às vezes falam relacionado a medicação que às vezes é uma farmacêutica que vai fazer alguma palestra, vai passar algumas orientações. (inst_sp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) O Programa brasileiro de DST/Aids é um plano discursivo que traz para o trabalho concreto proposições éticas e técnicas que conformam o objeto de trabalho e os instrumentos de trabalho. Sua principal diretriz da assistência é o acesso universal ao tratamento específico, sendo regida por normas clínicas e administrativas. Além disso, a assistência conta com propostas tecnológicas específicas, dentre elas, os mecanismos estabelecidos para detecção de casos, o aconselhamento pré e pós-teste, o acolhimento de pacientes e os grupos de adesão. Tais proposições têm sido viabilizadas através da inclusão de incentivos financeiros para formação de equipes multiprofissionais e a oferta de treinamento profissional (NEMES et al, 2004). Nota-se, de acordo com o discurso das enfermeiras, que o programa tem funcionado pontualmente, com destaque para a distribuição de medicamentos e a formação de grupos de adesão. 113 É interessante notar que as ações assistenciais estão muito presentes no discurso das enfermeiras ao falarem das políticas públicas voltadas a aids. Isso pode representar uma falta de divulgação dessas políticas no âmbito dos serviços de saúde, considerando que muitas das profissionais entrevistadas não souberam identificá-las enquanto ações articuladas e institucionalizadas. 3.2.6 Classe 6 - O tratamento medicamentoso do HIV/Aids Esta classe apresenta associação estatística com idade 25 a 34 anos, tempo de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids superior a 20 anos, enfermeiras que vivem com o companheiro e que nunca pensaram estar contaminadas pelo HIV. No Quadro 11, é possível visualizar estas variáveis, com as respectivas categorias associadas à classe e seus valores de x² Variável de análise Idade Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS Estado conjugal Já pensou estar contaminada pelo HIV Categoria associada a Classe 6 25 a 34 anos Valor de x² 18 Mais que 20 anos 17 Vivem com o companheiro 16 Não 11 Quadro 11 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística à classe 6 - Rio de Janeiro - 2011 A classe "O tratamento medicamentoso do HIV/AIDS" é composta por um um total de 246 U.C.E., o que corresponde a 12% do corpus aproveitado para análise. Na classificação hierárquica ascendente, foram consideradas 23 formas reduzidas. As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos semânticos e valores de x² são apresentadas no Quadro 12. 114 Forma Reduzida Tom Antirretrovi Medic Paciente Comprimido Abandon Sintomas Carga cd4 Fácil Volt Alt Vir Tratam Ades doenca_oport Contexto Semântico tomar antirretrovirais medicação, medicamento, médico paciente comprimido abando, abandonam sintomas carga viral cd4 fácil, facilidade voltam, voltar alta vírus tratamento adesão doença oportunista Valor de x² 387 231 226 86 73 69 67 63 59 49 46 42 42 39 30 30 Quadro 12 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 6 Rio de Janeiro - 2011 Nota-se que as formas reduzidas com maiores valores de x² são antirretrovi+, tom+ e medic+. A partir do contexto semântico, é possível perceber que esta é uma classe que aborda o tratamento medicamentoso do HIV/Aids. A Figura 8 apresenta a C.A.H. efetuada pelo Alceste na classe 6. É possível perceber a associação das formas reduzidas ades+, simples, ambulatorio, antirretrovi+, tom+, medic+, volt+, sintomas, medicacoes, abandon+ e comprimido, que apontam para a adesão à terapia antirretroviral. O mesmo ocorre com as formas paciente, tratam+, alt+, carga, vir+ e doenca_oport+, que apontam para os efeitos da não adesão. 115 Figura 8 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 6 - Rio de Janeiro - 2011 A partir da C.A.H., foi proposta a divisão da classe 6 em duas subclasses, com o intuito de explicitar seus conteúdos. As duas subclasses são: "Efeitos dos avanços da terapia antirretroviral" e "Desafios para a adesão ao tratamento medicamentoso voltado ao HIV/Aids". 3.2.6.1 Efeitos dos avanços da terapia antirretroviral Esta subclasse trata dos avanços percebidos pelas enfermeiras na produção de medicamentos antirretrovirais voltados ao tratamento e controle da infecção pelo HIV, que possibilitaram uma maior sobrevida aos pacientes. São enfatizadas as 116 mudanças nas características físicas das pessoas que vivem com HIV/Aids, no sentido de que muitas vezes é impossível diferenciá-las dentre outros sujeitos que não possuem o vírus e/ou a síndrome. Essas mudanças são percebidas principalmente entre aqueles sujeitos que aderiram ao tratamento de forma satisfatória, tanto no uso dos antirretrovirais quanto nas mudanças nos hábitos de vida após o diagnóstico de soropositividade ao HIV. As características físicas do portador de HIV mudaram, eu acho que é mais pela medicação, a pessoa tomava as medicações anteriores, no início, na época que saiu o AZT, que faziam muito isso, deixavam a pessoa com a fisionomia feia, a tonalidade da pele, hoje não [...] você olha, o cara já toma medicação há tanto tempo, tendo uma boa condição de vida, uma boa alimentação, uma vida sem noitada, se cuidando, a pessoa fica bem. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Você não dizia que ele tinha, ele está muito bem, muito disposto e esse tempo todo tomando antirretrovirais e indo mais certo às consultas e está muito bem por aí. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3) Os avanços relacionados ao surgimento da terapia antirretroviral (TARV) resultaram em aumento da sobrevida, diminuição das internações por doenças oportunistas e queda da mortalidade, o que ocasionou mudanças no contexto de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids (MARINS et al., 2003). Os objetivos dessa terapia são reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas, através da supressão viral, o que permite retardar ou evitar o surgimento da imunodeficiência (BASTOS, 2006). Os resultados obtidos com o tratamento são a redução progressiva da carga viral e a manutenção e/ou restauração do funcionamento do sistema imunológico. Tais resultados têm sido associados a benefícios marcantes na saúde física das pessoas soropositivas e permitido que elas retomem e concretizem seus projetos de vida (BASTOS, 2006). Daí a importância crucial da adesão ao tratamento diante da perspectiva de uma vida longa e com qualidade. 3.2.6.2 Desafios para a adesão ao tratamento medicamentoso voltado ao HIV/Aids Nesta subclasse são apontadas diversas dificuldades encontradas pelas pessoas em uso da terapia antirretroviral, incluindo os muitos efeitos colaterais; o 117 tratamento por longo período, assumindo uma característica de cronicidade; o grande quantitativo de comprimidos, por vezes grandes e com sabor desagradável; além do horário das medicações. Desta forma, entendem que essas diversas situações impostas à vida do paciente que vive com HIV/Aids tornam a adesão um desafio, tanto para o profissional quanto para o cliente, reforçando a importância das ações educativas. Falamos da importância do tratamento, mas não é um tratamento fácil, porque você tem que tomar comprimido, dependendo do paciente vai tomar muito ou pouco, mas tem que tomar aquela coisa regular, para o resto da sua vida. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Antirretrovirais são jogados no lixo e o volume de antirretrovirais não é pouco, é muito. Acho que atualmente meu foco e da equipe multiprofissional é adesão. É batalhar, tentamos começar essa adesão dentro da enfermaria, conversando com o paciente, preparamos o paciente. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Para mudar a medicação é difícil, tomar antirretrovirais é difícil, os comprimidos são grandes, são amargos, dão bastante efeito colateral, náuseas, vômito. (inst_sp; id_01; econj_comp; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) As pessoas dão essa importância para o paciente aderir, não faltar a consulta, mesmo que ele esteja bem, que ele venha, às vezes eles estão bem, o sol está tão maravilhoso, poderiam ir à praia, mas tem que vir aqui. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Mencionam que os efeitos colaterais do tratamento medicamentoso com os antirretrovirais são um importante obstáculo à adesão dos pacientes com HIV/Aids, pois impossibilitam que estes sujeitos tenham uma vida normal. Além disso, outro obstáculo mencionado são as mudanças impostas aos hábitos de vida com o intuito de prevenir infecções oportunistas, que podem vir a se instalar devido à baixa imunidade desses clientes. Vai ter que tomar antirretrovirais, vai dar diarréia, vai dar dor de estômago, vai provocar febre em alguns pacientes. Estamos batalhando, agora o nosso objetivo principal em todos os momentos, por isso essa palavra veio em minha cabeça: adesão. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6) Outro motivo percebido pelas enfermeiras para o abandono do tratamento está relacionado à melhora clínica. A partir do momento em que o cliente com HIV/Aids não apresenta sinais e sintomas clínicos ou encontra-se com níveis indetectáveis de anticorpos anti-hiv devido ao tratamento antirretroviral regular, este interrompe o uso de medicações por conta própria. Foi relatado que muitos desses 118 pacientes passam a acreditar que estão curados e que não necessitam mais do tratamento medicamentoso. É difícil, tem o abandono de medicação e tem o abandono de consulta. Quando eles têm uma melhora, às vezes abandonam, tem uns até que acreditam que estão curados, quando ele começa a ficar indetectável , eles acreditam que não têm mais HIV no corpo. (inst_sp; id_01; econj_comp; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2) Os efeitos da não adesão ao tratamento do HIV/Aids, seja ele medicamentoso ou não, são percebidos pelas enfermeiras no momento em que há o retorno desses sujeitos aos serviços, muitas vezes já com infecções oportunistas instaladas. Além disso, as enfermeiras referem ser possível diferenciar através da aparência física aqueles pacientes que aderem e aqueles que não aderem ao tratamento. A relação com o paciente revoltado não é fácil, alguns recusam tomar medicação, não querem porque não querem, já usaram muito tempo, agora estão cansados de usar e você tenta conversar, falar da importância da medicação, tentar explicar numa linguagem mais fácil para que ele compreenda. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Muitos pacientes contraem alguma doença oportunista e internam, sabemos que não tomam a medicação, ficam um tempo internados, têm alta, vão embora, um ou dois meses e voltam novamente com outra doença oportunista. Vemos que a aparência é outra, e já a pessoa que toma direitinho, certinho, que tem uma boa alimentação, é uma pessoa comum, ninguém diz, não tem como. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4) Em relação aos fatores associados com a não-adesão, Bonolo, Gomes e Guimarães (2007) destacam principalmente: características sociodemográficas; fatores psicossociais; acesso e uso de serviços de saúde; tratamento propriamente dito; percepção da doença; e apresentação ou não de sintomas da aids na presença de alterações laboratoriais. Dentre as dificuldades encontradas pelos pacientes soropositivos ao HIV na adesão ao tratamento medicamentoso, destacam-se também o efeito colateral das drogas, o grande volume dos comprimidos, os diversos horários de utilização e sabor desagradável (FIGUEIREDO et al., 2001). Os efeitos colaterais que mais determinam a não adesão à terapia, de acordo com o relato de pacientes, são os efeitos gastrointestinais, como vômitos, náuseas, diarréias e dores abdominais, e os efeitos neurológicos, como cefaléias e insônias (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005). 119 Além desses fatores, outras podem levar ao abandono do tratamento, como a melhora dos sinais e sintomas clínicos e o medo que outras pessoas descubram seu diagnóstico de soropositividade ao HIV. A melhora clínica da doença faz com que os sujeitos acreditem não precisar mais dos medicamentos, pois não há o entendimento de que se trata de um tratamento crônico, o qual não deve ser interrompido sem a orientação médica (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005). Já o desejo de manter o diagnóstico em sigilo entre entes próximos faz com que os pacientes retirem os rótulos das medicações e não as tomem na presença dessas pessoas, o que ocasiona a perda de doses e, desta forma, a quebra do esquema terapêutico (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999). Dessa forma, a atuação do enfermeiro, como membro de uma equipe multiprofissional, deve considerar múltiplos aspectos, tendo o intuito de aumentar o processo de adesão. Um dos recursos mais valorizados para tal é a assistência individualizada, na qual a relação profissional-cliente deve ser permeada por confiança, empatia, respeito, privacidade e atitudes positivas (MARTINS, S.S.; MARTINS, T.S.S., 2011). Ademais, entende-se que a educação em saúde seja um elemento necessário, valendo-se da efetiva participação das pessoas que vivem com HIV/Aids na idealização das estratégias e da individualização da abordagem para que estas pessoas sintam-se seguras para expor incertezas e sentimentos contraditórios (FIGUEIREDO et al., 2001). A partir dos conteúdos que emergiram nesta classe, é possível afirmar que as enfermeiras possuem uma representação social do tratamento medicamentoso da aids ancorada tanto em elementos positivos, relacionados a maior sobrevida dos pacientes e mudanças nos estereótipos, quanto elementos negativos, tais como a característica de cronicidade e os diversos efeitos colaterais que resultam em dificuldades na adesão ao tratamento. 120 4 ANÁLISE DE TRIAGEM CRUZADA (TRI-CROISÉ) DA VARIÁVEL ÁREA DE ATUAÇÃO Tendo em vista o objetivo de comparar as representações sociais das enfermeiras de acordo com a área de atuação (redes básica e hospitalar), posteriormente à análise standard apresentada no tópico anterior, realizou-se a análise cruzada com a variável área de atuação. Foram geradas duas classes, uma correspondente à rede hospitalar e uma à rede básica. A seguir serão apresentadas as duas classes, com suas respectivas C.A.H., bem como seus conteúdos característicos. 4.1 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam em hospitais A Figura 9 apresenta a C.A.H. efetuada pelo Alceste na análise triagem cruzada, a partir da variável área de atuação hospitalar. A partir do contexto semântico, é possível perceber que esta classe traz elementos muito atrelados à prática profissional das enfermeiras que atuam em hospitais, com destaque para as formas reduzidas enfermaria e intern+, que apresentam maiores valores de quiquadrado. 121 Figura 9 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Hospitalar na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro - 2011 Através da C.A.H., é possível notar que as formas reduzidas cti, dip, enfermaria, leito, mae, men+, intern+ e pediatr+ estão associadas entre si, e dizem respeito ao contexto de internação hospitalar de pacientes soropositivos ao HIV. As formas reduzidas faculdade, aids e lembr+ fazem menção às memórias das enfermeiras da rede hospitalar sobre o HIV/Aids. Já as formas reduzidas precauc+, luva_de_proc+, contamin+, hospital+ e cuid+ referem-se à adoção de medidas de proteção profissional na execução do trabalho de enfermagem. A partir da análise dos discursos das enfermeiras que atuam em hospitais, foi possível notar a existência de representações da aids ainda fortemente atreladas aos primórdios da doença, onde a morte era um elemento muito presente, assim como os estereótipos associados aos grupos de risco. Cuidar de pacientes com 122 HIV/Aids no passado era interpretado como uma penalização pelos membros da equipe de enfermagem e o sentimento era negativo diante do cuidado por parte do profissional, cuidado este pelo qual perpassava principalmente o medo. Estes pacientes, devido a sentimentos de revolta, por vezes pareciam querer atingir os profissionais com materiais perfurocortantes de forma intencional. Muitas vezes o paciente com aids era um paciente que ficava as vezes no cti um ou dois dias e ia morrer. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1) Ele era muito revoltado com a situação. Às vezes na hora que você fosse puncionar tinha que ter um cuidado porque, às vezes, ele provocava um acidente de trabalho para você se furar com a agulha dele. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) Não vou, tem que cuidar, não, não vou. Ele está com aids e esse paciente eu não pego, pelo amor de Deus. Ou falavam assim: só eu, só eu sou escalada para paciente aidético. (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1) Tratam em seus discursos dos estereótipos associados aos sujeitos que vivem com HIV/Aids e do forte preconceito a que esses indivíduos estavam expostos. Referem que este preconceito ainda é percebido nos dias atuais, inclusive entre os profissionais de saúde. Acabou levando esse rótulo de grupo de risco, mas não sabíamos de nada. Eu acho que o Brasil começou a se situar mesmo com a aids em 1980, começamos a ter campanha de esclarecimento que não pegava assim. (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1) O início da aids foi terrível, a discriminação era muito grande. E muita gente que não era homossexual e que adoeceu, acabou levando esse rótulo. (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1) Neste grupo, a imagem da aids encontra-se em transição devido às mudanças no perfil dos pacientes atendidos nas unidades de saúde. No entanto, as representações do passado ainda estão fortemente presentes, associando a aids a imagem do cantor Cazuza, no sentido de evocar a degeneração física e o emagrecimento, além do sofrimento e morte. A imagem que eu tenho de aids é aquela coisa feia do Cazuza. Para mim ficou muito marcado o Cazuza, uma imagem feia, aquela coisa de sofrimento, aquela pessoa feia. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_1) A minha lembrança mais antiga da aids é do Cazuza ficando magro, aquela coisa feia da aparência, do físico, a lembrança que eu tenho é essa de aids. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1) 123 A aids tinha uma cara feia e hoje não, hoje eu vejo que tem gente com cd4 lá emcima, ninguém fala que a pessoa tem aids. A pessoa está bem, está ótima, você não consegue distinguir hoje quem tem, a não ser quando a pessoa está doente. Mas fora isso, mesmo assim, às vezes, voce fala assim: esse cara está com aids. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_1) Considera-se a representação social como sendo o sentido atribuído a um determinado objeto por um grupo, a partir das informações provenientes de suas práticas e suas relações. Sua construção é dinâmica e envolve informações de diferentes ordens, sendo estas continuamente elaboradas, transformadas e recriadas (MADEIRA, 1998). Entende-se que as representações sociais da aids para as enfermeiras foram estruturadas como uma forma de conhecimento social, um saber prático constituído na interseção do subjetivo e do objetivo, sendo formuladas e reformuladas na medida em que houve a progressão da doença. Em relação às enfermeiras que atuam em hospitais, observou-se que a representação da aids foi socialmente construída a partir de referenciais ancorados no passado, onde suas práticas foram fortemente marcadas por elementos negativos como morte, estereótipos e preconceitos. No entanto, novos elementos representacionais emergiram, relacionados ao perfil atual da doença. Isso causou alterações na prática assistencial dessas enfermeiras, na medida em que outros grupos sociais passaram a ser atingidos. Dentro dessa perspectiva, entende-se que houve repercussões na forma que o cuidado passou a ser desenvolvido no ambiente hospitalar, partindo do pressuposto que as representações orientam as práticas dos grupos sociais, conforme afirmam Abric (2001b), Flament (2001) e Rouquette (2000). Quanto à persistência de representações arcaicas, é importante ressaltar que a mudança das representações sociais da aids se apresenta como processo lento. Considerando os elementos constitutivos das representações sociais, nota-se que o conhecimento ou a informação representam apenas um desses elementos, fazendo com que o acesso à informação não modifique, de imediato, a representação social de um sujeito ou grupo acerca de determinado objeto (AVI, 2000). 124 4.2 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam na saúde pública A segunda classe gerada na análise triagem cruzada a partir da variável área de atuação corresponde à rede básica. Na Figura 10, é possível visualizar a C.A.H. desta classe, com suas formas reduzidas e respectivos valores de qui-quadrado, que possibilitam uma compreensão preliminar do conteúdo da classe. Nota-se que a formas reduzidas com destaque em relação ao valor de qui-quadrado são tuberculos+, infectolog+ e unidad+. Figura 10 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Básica na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro - 2011 A partir da C.A.H., nota-se que as formas reduzidas tuberculos+, exame e exame_hiv estão associadas entre si, e dizem respeito às portas de entrada do 125 programa de DST/Aids. As formas reduzidas sociedade, consul+ e orient+ referemse à atuação das enfermeiras da rede básica. E as formas tratam+, infectolog+, programa_de_+ e unidade referem-se às ações programáticas voltadas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids. Os discursos das enfermeiras da rede básica sobre a aids trazem conteúdos muito associados à atuação dessas profissionais dentro do Programa de DST/Aids e de Tuberculose, os quais apresentam interseções importantes, conforme sinalizado anteriormente. No âmbito dos programas, essas enfermeiras desenvolvem atividades de consulta de enfermagem, além de educação em saúde, voltadas às orientações pré e pós-teste de HIV, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, adesão ao tratamento medicamentoso, dentre outros. Destacam o suporte oferecido às pessoas que vivem com HIV/Aids no âmbito dos serviços de saúde e a importância do trabalho multiprofissional. Eu vejo muito cuidado dos profissionais com os pacientes HIV positivos, eu me refiro ao pessoal da infectologia, eles dão muita dedicação, têm muito comprometimento, consulta médicas, consulta de enfermagem, avaliação, eu vejo muita dedicação, muita mesmo. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_2) Desse modo, percebe-se que as enfermeiras da rede básica reconhecem que o atendimento de qualidade não depende só da disponibilidade de tecnologias de trabalho nos serviços de saúde, mas também da postura e responsabilidade profissional relacionadas não apenas ao paciente com HIV/Aids, mas também ao próprio funcionamento da instituição pública de saúde, no que se refere a este cuidado no âmbito do programa de DST/Aids. O programa de DST/Aids é percebido sob o ponto de vista positivo, destacando-se a importância da realização de exames tanto para a detecção da infecção pelo HIV quanto para o suporte do tratamento. Sendo assim, nota-se que a oferta de exames, bem como a orientação após o resultado, tanto positivo quanto negativo, fazem parte do cuidado em saúde realizado pelos profissionais. O programa de HIV/Aids oferece ao usuário esse suporte. Se o paciente foi infectado, quando ele vier fazer o tratamento da tuberculose passamos exame HIV, porque tem essa questão da infecção. Eu acho que hoje ele tem os exames que ele faz periódicos, que dão suporte ao próprio tratamento. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_2) 126 Se dá negativo o resultado do exame, fazemos orientação para daquela data em diante usar camisinha, fazemos o primeiro exame HIV, depois o teste imunológico. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_2) A discussão sobre vulnerabilidade é algo que só aparece no discurso das enfermeiras da rede básica, merecendo destaque já que na discursividade das enfermeiras da rede hospitalar a expressão “grupos de risco” é mais frequente e incorporada nas representações sociais da aids. Eu acho que todos vão ser vulneráveis, como no momento todos nos somos vulneráveis, conforme eu falei, não tem mais os grupos de risco, todos nós fazemos parte apenas de um único grupo, somos vulneráveis. (inst_sp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_2) Galvão (2002), ao considerar a evolução histórica da aids no Brasil, delimitou três fases que caracterizaram a sua expansão. A fase inicial focalizou apenas os infectados pelo HIV sendo marcada pelo conceito de “grupo de risco”, que se restringia, basicamente, aos homens homossexuais, que possuíam alto nível de escolaridade. A segunda fase orientou-se por uma perspectiva cujo centro era a exposição ao vírus, adotando-se, assim, o conceito de “comportamento de risco”. A terceira fase, e atual, procura caracterizar a suscetibilidade dos indivíduos em geral ao vírus. Observando-se o aumento da infecção entre os heterossexuais, a feminização da doença, a baixa escolaridade da população contaminada e a interiorização da síndrome para municípios de médio e pequeno porte, emergiu o conceito de “vulnerabilidade”. A importância da ideia de vulnerabilidade reside no reconhecimento de que a infecção pelo vírus da aids não depende apenas da informação e da postura individual, mas de uma série de fatores estruturais, que afetam os indivíduos independente de sua vontade, como a desigualdade de condições econômicas, políticas e culturais, relações sexuais e de gênero, dentre outras (GALVÃO, 2002). É importante pontuar, também, que as entrevistadas atuantes na rede básica possuem uma visão mais branda acerca do HIV/Aids, demonstrando o processo de naturalização da doença. Isto já não ocorre com as enfermeiras hospitalares, que possuem uma atitude mais negativa em suas representações acerca da aids. Diante disso, pode-se inferir que esta diferença deve-se ao perfil das pessoas com HIV/Aids que são atendidas por estes profissionais. Enquanto as enfermeiras da rede hospitalar atendem pacientes com HIV/Aids em internações sucessivas e, portanto, 127 com a saúde debilitada, as da rede básica os atendem a nível ambulatorial, geralmente para acompanhamento de rotina, percebendo-se uma cronicidade da doença. Isto acarreta em duas representações com conteúdos distintos acerca da síndrome. Sendo assim, embora reconheçam que ainda existam estigmas importantes a serem superados, é possível notar a tendência de naturalizar a aids como uma de muitas doenças crônicas, tal qual observado por Castanha et al. (2005). Esses autores observaram que há indícios de mudança na representação social da aids devido sua perspectiva como doença crônica, que se deu após o advento da terapia antirretroviral, resultando em uma ancoragem nas patologias crônicas, tais como a hipertensão e a diabetes. Eu acho que a aids é uma doença que hoje em dia você consegue conviver com ela, você consegue tratar o HIV como outra doença, acho que ainda precisa cair a questão da exclusão, dos estigmas, mas é uma doença aids como um outra qualquer, hoje em dia para mim já é uma doenca comum. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_2) Dessa forma, a representação da aids para o grupo de enfermeiras da rede básica parece estar mais atrelada a elementos do cotidiano assistencial, derivados da prática profissional. Quando comparadas às enfermeiras que atuam em hospitais, as enfermeiras de saúde pública trazem uma carga menor de representações negativas associadas à imagem da aids na atualidade. Também é possível notar a reafirmação da superação do conceito de grupo de risco em seus discursos, especialmente nos da rede básica. 128 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, foi possível identificar diversos conteúdos que compõem a representação social da aids para as enfermeiras que atuam na rede básica e na rede hospitalar. Dentre esses conteúdos, há destaque para memórias, conceitos, sentimentos, imagens, e atitudes. A abordagem processual da teoria das representações sociais se mostrou pertinente para a apreensão desses elementos, visto enfatizar o processo de construção destas representações, além de seus conteúdos. A representação da aids para as enfermeiras abarca diferentes aspectos, com destaque para as memórias dos primórdios da aids, as medidas de autoproteção ocupacional e na vida pessoal, as práticas de cuidado voltadas às pessoas que vivem com HIV/Aids, as vivências das enfermeiras e o tratamento antirretroviral. Em relação às memórias da aids, as enfermeiras reconhecem que o preconceito e a discriminação marcaram fortemente a ocasião do surgimento da doença, sinalizando que as pessoas atingidas viviam uma dupla jornada de sofrimento, tanto por serem vítimas de preconceito quanto por possuírem uma doença fatal e até então desconhecida. Muito embora tenham ocorrido mudanças no perfil da doença e também das pessoas que vivem com aids na atualidade, marcas do passado como o estigma e o preconceito ainda se fazem presentes nas representações das enfermeiras. Ainda são observadas, nas representações das enfermeiras, atitudes ambivalentes diante das pessoas que vivem com HIV/Aids, de um lado, considerando-as como vítimas e, do outro, como culpadas. No primeiro grupo, estão as(os) cônjuges contaminadas(os) pelos(a) parceiros(a) que tiveram relação sexual extraconjugal, as crianças que contraíram o HIV por transmissão vertical e os sujeitos contaminados através de hemotransfusão. O segundo grupo é composto por sujeitos que possuem comportamentos socialmente desviantes, tais como os usuários de drogas injetáveis, homossexuais, cônjuges que contraíram o HIV em relações extraconjugais e pessoas com vida sexual não regrada. Dessa forma, observou-se o reconhecimento de que o cuidado de enfermagem, em muitas ocasiões, pode ser modulado por estes julgamentos, em função da maior ou menor identificação das enfermeiras com os sujeitos cuidados. 129 Quanto aos conceitos, as enfermeiras referem que a noção de grupo de risco não é mais adequada à realidade atual. Este conceito encontra-se bastante presente nas memórias das enfermeiras ao se referirem ao surgimento da aids, tendo disseminado a falsa noção de que a aids estaria restrita a um grupo específico de pessoas e de que as demais estariam salvas da ameaça. Embora refiram superação de tal conceito, em algumas situações, foi possível identificá-lo de forma implícita nos discursos. Dessa forma, é possível notar uma contradição entre o discurso e o pensamento social, que contribui para a persistência de estereótipos relacionados aos portadores, sendo ainda associados a pessoas que possuem condutas desviantes, tais como homossexuais, pessoas com práticas promíscuas e usuários de drogas. Dentre os sentimentos identificados em relação à aids, destacam-se neste estudo: o medo do contágio, tanto através da exposição ocupacional quanto pela relação sexual desprotegida com os parceiros; raiva, nas situações em que os pacientes são considerados responsáveis pelo próprio contágio, quando contaminam outras pessoas e quando abandonam o tratamento; e pena, nas situações em que os pacientes são considerados como vítimas. Outro sentimento identificado é o de insegurança em relação ao parceiro fixo, devido ao grande número de mulheres atendidas que foram contaminadas por seus maridos ou companheiros em relações monogâmicas, os quais contraíram o HIV em relações extraconjugais. Entende-se dessa forma que as enfermeiras acabam se identificando com determinadas situações com as quais se deparam no cotidiano profissional, o que contribui para refletirem sobre a própria vida com o parceiro. A imagem da aids sofreu modificações no decorrer da progressão da epidemia. As enfermeiras atualmente se deparam com situações diferentes das iniciais, marcada pela presença de mulheres, crianças e idosos entre as pessoas adoecidas pela aids e pela universalização do tratamento antirretroviral, que aumentou a sobrevida desses sujeitos. Outro elemento associado à terapia antirretroviral diz respeito ao reconhecimento da inexistência do estereótipo delimitado por sinais como emagrecimento, diarréia e palidez, que se encontravam presentes no início da epidemia, impedindo a identificação das pessoas que vivem com HIV/Aids dentre as demais. No entanto, tais estereótipos se fazem presentes nas memórias das enfermeiras sobre a aids, sendo evocada a imagem do cantor Cazuza após o seu 130 adoecimento, o que evidencia que essa imagem faz parte da construção social das enfermeiras acerca da aids. Foi possível observar que muitas das representações sociais da aids para as enfermeiras ainda encontram-se ancoradas aos primórdios da doença, quando a aids era considerada uma doença fatal, sendo atribuída especificamente a segmentos marginalizados socialmente. Essa ancoragem no passado foi percebida de forma mais acentuada nas enfermeiras que atuam na rede hospitalar. No entanto, foi possível perceber também que surgiram novos elementos representacionais, associados às mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da doença e dos sujeitos atingidos pelo HIV/Aids e ao advento da terapia antirretroviral, conforme apontado no marco teórico deste estudo. Essas mudanças trouxeram mulheres e crianças para o mundo da aids, alterando o contexto em que se dá o cuidado de enfermagem, que passou a ser marcado por tensões singulares, como a possibilidade de as enfermeiras encontrarem mulheres que foram contaminadas pelos parceiros fixos como pacientes. Houve destaque para a adoção de medidas preventivas ao HIV/Aids tanto na vida pessoal, com o entendimento da necessidade do uso do preservativo, quanto em âmbito ocupacional, com o reforço do uso de equipamentos de proteção individual, em especial, da luva de procedimento. Em relação ao cuidado de enfermagem, notou-se que a presença do HIV/Aids o altera, no sentido de existir maior cautela na realização de procedimentos, a fim de evitar a ocorrência de acidentes ocupacionais. Dessa forma, as especificidades do cuidado de enfermagem aos sujeitos que vivem com HIV/Aids em relação aos demais estão pautadas de forma prioritária no cuidado de si, ou seja, na autoproteção profissional. Apesar desse enfoque, também são destacados elementos que dizem respeito ao cuidado do outro, tais como o vínculo, a postura acolhedora e o relacionamento interpessoal, que são aspectos reconhecidos como participantes das práticas de cuidado e facilitadores para a adesão do paciente ao tratamento. Observou-se que o tratamento medicamentoso foi incorporado às representações das práticas de cuidado voltadas as pessoas que vivem com HIV/Aids, o que sinaliza o reconhecimento do avanço da política brasileira de distribuição gratuita e universal de medicamentos antirretroviriais e o seu impacto na qualidade de vida dos pacientes. Nesse sentido, a cronificação da aids determinado 131 pela maior sobrevida dos seus portadores também é um elemento presente na representação analisada, que resulta na necessidade de novos posicionamentos e formas de cuidar dessa clientela. Ainda em relação ao tratamento medicamentoso, destaca-se que sua representação social para o grupo estudado é ambivalente, pois este é associado tanto a elementos positivos, como a maior sobrevida dos pacientes e mudanças nos estereótipos anteriormente associados a aids, quanto elementos negativos, tais como sua característica de cronicidade e os diversos efeitos colaterais que proporcionam. As políticas públicas voltadas à aids percebidas pelas enfermeiras estão centralizadas em políticas preventivas e o apoio institucional às pessoas que vivem com HIV/Aids é referido através de medidas assistenciais, como por exemplo, a distribuição de cestas básicas. Isto pode representar uma falta de divulgação das políticas públicas brasileiras, que são um exemplo a ser seguido a nível mundial. Quanto à comparação desenvolvida neste estudo entre as enfermeiras das redes básica e hospitalar, foi possível observar que as primeiras trazem representações da aids ligadas ao cotidiano assistencial, com elementos derivados de suas práticas profissionais, enquanto que as últimas construíram suas representações a partir de referenciais ancorados no passado, na ocasião em que suas práticas foram fortemente marcadas por elementos negativos como morte, estereótipos e preconceitos. Este resultado pode ser explicado através dos diferentes contextos em que as enfermeiras atuam, que ocasionam vivências singulares em cada nível de atenção às pessoas que vivem com HIV/Aids. Nesse sentido, as enfermeiras da rede hospitalar tendem a representar a aids com base em elementos percebidos na internação hospitalar, enquanto que as enfermeiras da rede básica, em muitas ocasiões, lidam com pessoas que fazem acompanhamento prolongado, e dessa forma, encontram-se saudáveis. Percebeu-se que as representações sociais da aids elaboradas por ambos os grupos de enfermeiras encontram-se em transição e derivam dos contextos assistenciais em que essas profissionais atuam. A principal diferença encontrada entre os dois grupos diz respeito à ancoragem, que no primeiro grupo se dá principalmente em elementos dos primórdios da aids, enquanto que no segundo 132 grupo já percebe-se a ancoragem em patologias crônicas, correspondendo à configuração atual da aids. A partir dos resultados encontrados, nota-se a necessidade de constante capacitação das enfermeiras envolvidas no processo de cuidar de pessoas que vivem com HIV/Aids, com o objetivo de que desenvolvam um cuidado de enfermagem humano e de qualidade. Este só será alcançado a partir do momento em que estes profissionais enfrentem seus valores, sentimentos e preconceitos. Diante do exposto, cabe ressaltar que esta pesquisa permitiu compreender diferentes conteúdos presentes nas representações sociais da aids para as enfermeiras, além de suas influências na forma que o cuidado de enfermagem é pensado e praticado por essas profissionais. Isso por entender que as representações orientam e modificam as práticas dos grupos sociais. Dessa forma, deve ser considerado que as representações construídas pelas enfermeiras influenciam no cuidado prestado, podendo expressar-se nas relações que elas desenvolvem com pacientes soropositivos ao HIV ou com aids, sob a forma de distanciamento físico e relacional, caracterizado por desprezo, preconceitos e julgamentos pessoais, que pode ocasionar a evitação em cuidar destes pacientes. As implicações das representações sociais da aids no cuidado de enfermagem também podem ser analisadas através da associação de tais representações à práticas sexuais desviantes, ao sangue e à morte. Sendo assim, percebe-se que no início da epidemia, no qual o universo reificado estava sendo construído juntamente com o consensual, as representações da síndrome influenciaram negativamente na assistência a pessoas com HIV/Aids, devido principalmente ao medo da contaminação associado à dimensão imagética de morte, à dimensão afetiva caracterizada por sofrimento e à dimensão avaliativa condicionada aos grupos de risco. O cuidado prestado levava em consideração todos estes elementos, o que fazia com que os profissionais evitassem os pacientes portadores do vírus, ou tivessem atenção redobrada no momento do cuidar, com destaque para o uso de luvas de procedimento. Comparando-se aos dias atuais, percebe-se uma transição das representações sociais da aids que acarretam, também, na mudança de atitude no que se refere ao cuidado de enfermagem. O cenário das práticas de cuidado, anteriormente marcado por pacientes emagrecidos, com cor de pele diferente, diarréicos, foi transformado principalmente com o advento da terapia antirretroviral. 133 Dessa forma, as representações da aids passaram a abarcar conteúdos positivos, sendo incorporada ás práticas de cuidado. Apesar de novos elementos constituírem estas representações, ainda coexistem os que fizeram parte desde o início da epidemia. Sendo assim, oscilando entre o universo reificado e o consensual, o cuidado de enfermagem ora é direcionado a uma doença comparada a qualquer outra, ora é carregado de preconceitos tendo uma atenção diferenciada. Destaca-se que as representações também implicam na preocupação quando à autoproteção profissional, que parece ser diferenciada quando se trata de pacientes com aids. Sendo assim, diante do novo contexto no qual as pessoas com HIV/Aids vivem, onde a aids não tem mais “cara”, torna-se necessário que as práticas de cuidado desenvolvidas pelos profissionais de saúde, em especial os de enfermagem que constantemente realizam procedimentos junto ao paciente, sejam realizadas através da precaução padrão, de forma que o cuidado se estabeleça independente do diagnóstico do paciente que está sob seus cuidados. Diante disso, este estudo evidenciou a dinâmica das práticas de cuidado tanto de si quanto a pessoas com HIV/Aids orientadas pelas representações sociais da síndrome, permitindo compreender, a partir de tais representações, como o cuidado foi e está sendo desenvolvido, de acordo com as suas modificações, principalmente com a introdução de elementos positivos em sua constituição. 134 REFERÊNCIAS ABRIC, J. C. A Abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. (Org.). 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New York: National League for Nursing Press, 1988. 147 APÊNDICE A - Questionário de caracterização dos sujeitos QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS Entrevistado (Pseudônimo): Entrevistador: 1 – Nº Quest.: _______________ Falando da sua instituição: 2 - Geração: ( ) 1ª Geração ( ) 2ª Geração 3 – Grupo institucional atual ou de origem (se não mais atuando): ( ) Hospital ( ) Saúde Pública / Ambulatório 4 – Instituição atual ou de origem (se não mais atuando): ( ) HOSPITAL 1 (HUGG) ( ) HOSPITAL 3 (IEISS) ( ) CMS 2 ( ) HOSPITAL 2 (HUPE) ( ) HOSPITAL 4 (HSE) ( ) AMB 2 ( ) CMS 1 ( ) AMB 1 Falando dos seus dados pessoais: 5 - Idade: 6 - Nº de filhos: 7 – Religião (marcar todas as referidas pela entrevistada ordenando, de 1 a 3, da mais para a menos importante) ( ) Católica ( ) Sem religião ( ) Espírita, especificar: ( ) Kardecista ( ) Umbanda ( ) Candomblé ( ) Evangélica, denominação: ______________________________________ ( ) Outras, especificar:____________________________________________ 8 – Orientação política: ( ) direita ( ) centro-direita ( ) esquerda ( ) centro-esquerda ( ) sem orientação definida 9 – Estado conjugal e marital atual: ( ) solteira / não possui namorado ou companheiro ( ) casada / vive com companheiro / união estável ( ) possui companheiro fixo, mas não vive com ele 10 - Renda pessoal mensal aproximada: R$_______________________ 11 - Renda familiar mensal aproximada: R$_______________________ 12 – Número de pessoas da família que moram juntas: _________ Falando da sua formação e do seu acesso à informação: 13 - Tempo de graduação em enfermagem / ano de graduação: ________anos __________ meses Ano de graduação 148 14 - Formação profissional de mais alto nível: ( ) Graduação ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Outros 15 – Especificação da formação profissional: CURSO Especialização Mestrado Doutorado Outros ÁREA ANO 1. 2. 3. 1. 2. 16 - Principais fontes de acesso à informação sobre HIV/AIDS (marcar as 3 principais ordenando, de 1 a 3, por maior freqüência de acesso): ( ) televisão ( ) rádio ( ) artigos científicos ( ) jornal ( ) livros em geral ( ) livros científicos ( ) revistas em geral ( ) sítios em geral na internet ( ) manuais ( ) cursos ( ) conversas no cotidiano profissional ( ) outra: ____________________________________________________________________________ 17 - Participação em cursos de capacitação sobre HIV/AIDS: ( ) sim ( ) não 18 – Especificação dos cursos de capacitação sobre HIV/AIDS: ANO NOME DO CURSO INSTITUIÇÃO ORGANIZADORA Falando da sua atuação profissional: 19 - Tempo de atuação na instituição / ano de início: _____anos __________ meses Ano de início ________________ 20 - Setor onde trabalha: 21 - Tempo de atuação no setor: _____ _______meses 22 - Turno de trabalho: ( ) diarista ( ) plantão diurno ( ) plantão noturno 23 - Tempo de atuação como enfermeira / ano de início da atuação: ______ anos __________ meses Ano de início ________________ 149 24 - Função: ( ) Enfermeira Assistencial ( ) Chefia / Coordenação / Gerência / Supervisão ( ) Outra, especificar: ________________________________________________ 25 - Setores e funções nos quais atuou na instituição: PERIODO SETOR FUNÇÃO 1º 2º 3º 4º 5º 26 – Em quantas instituições você trabalha em enfermagem atualmente? ( )1 ( )2 ( ) mais de 2 27 – No caso de duas instituições, qual o tipo da segunda? ( ) Hospital ( ) Ambulatório ( ) CMS ( ) Instituição de ensino, especificar: ___________________________________ 28 - Função exercida na segunda instituição: ( ) auxiliar de enfermagem ( ) técnico de enfermagem ( ) enfermeiro ( ) docente ( )Outras, especificar __________________________________ 29 – Percurso profissional - atuações profissionais anteriores em instituições de saúde: INSTITUIÇÃO SETOR FUNÇÃO PERÍODO 1º. Emprego 2º. Emprego 3º. Emprego 30 - Tempo de atuação com pacientes soropositivos ao HIV / ano de início: ______ anos __________ meses Ano de início ________________ 31 - Tipo de contato predominante com pacientes / clientes com HIV/AIDS nos primeiros casos: ( ) físico ( ) verbal ( ) físico e verbal ( ) nenhum ( ) outro, especificar:______________________________________________ 150 32 - Tipo de contato predominante com pacientes / clientes com HIV/AIDS atualmente: ( ) físico ( ) verbal ( ) físico e verbal ( ) nenhum ( ) outro, especificar:_______________________________________________ 33 – No caso de existência de contato, freqüência de contato com clientes / pacientes com HIV/AIDS nos primeiros casos: ( ) diário ( ) semanal ( ) quinzenal ( ) esporádico 34 – No caso de existência de contato, freqüência de contato com clientes / pacientes com HIV/AIDS atualmente: ( ) diário ( ) semanal ( ) quinzenal ( ) esporádico Falando da sua vida privada: 35 - Você conhece alguma pessoa que é portadora do HIV? ( ) sim ( ) não ( ) não sei Se sim : 36 - Quem é essa pessoa ? ( ) um parente ( ) um amigo ( ) um colega de trabalho ( ) um parceiro sexual ou antigo parceiro ( ) uma pessoa sobre a qual você ouviu falar, mas sem conhecê-la ( ) outro, especificar ______________________________________________ ( ) não sei responder 37 - Você mesma, já fez o teste HIV alguma vez? ( ) sim ( ) não ( ) não sei 38 – Sabe qual foi o resultado? ( ) sim ( ) não 39 - Você mesma, é soropositiva? ( ) sim ( ) não ( ) não sei Se não: 40 - Você já pensou estar contaminada pelo vírus da AIDS alguma vez? ( ) sim ( ) não 41 - No caso de profissional da 1ª Geração, indicar outras enfermeiras que também trabalharam no início da epidemia (década de 80): NOME LOCAL DE ATUAÇÃO Data de aplicação do questionário: ________________ FORMA DE CONTATO 151 Observações do Entrevistado após a entrevista: _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Observações do Entrevistador após a entrevista: _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ 152 APÊNDICE B - Roteiro Temático REPRESENTAÇÕES DO HIV/AIDS Entendimento do HIV/aids ; dimensões implicadas nessa compreensão; explorar conceitos, sentimentos, imagens e valores associados ao HIV/aids manifestos pelos entrevistados e pelos outros profissionais. Percepção sobre as pessoas que vivem com o HIV/AIDS; explorar conceitos, sentimentos, imagens e valores associados às pessoas que vivem com o HIV/aids; identificar relações entre os diferentes grupos atingidos e a epidemia HIV/aids; perfil dos familiares, dos amigos, dos companheiros; suas reações diante deles. REPRESENTAÇÕES DO CUIDADO DE SAÚDE E ENFERMAGEM Entendimento do cuidado a pessoas com HIV/Aids; dimensões implicadas nesse cuidado; explorar conceitos, sentimentos, imagens e valores associados ao HIV/Aids e às ações de cuidado profissional dirigidas a pessoas com HIV/Aids, manifestos pelos entrevistados e pelos outros profissionais. O CUIDADO VOLTADO AS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS NA ATUALIDADE A situação atual: perfil dos doentes e da doença, perfil dos cuidados prestados, relação cuidados-doença, principais receios dos profissionais ao cuidar, principais medos dos doentes e familiares expressos durante o cuidado, autocuidado profissional, avaliação dos doentes e familiares frente aos cuidados prestados. PRÁTICAS INSTITUCIONAIS Existência de normatização para as práticas de cuidado dirigidas a pessoas com HIV/Aids; treinamentos específicos para esse cuidado; disponibilidade de equipamentos de proteção; organização de associações profissionais, etc. PRÁTICAS E RELAÇÕES PROFISSIONAIS Explorar o HIV/Aids inserido na prática profissional cotidiana; identificar a influência do HIV/Aids no desenvolvimento de técnicas de cuidado, no relacionamento com os 153 pacientes, no relacionamento com outros profissionais, na organização do processo de trabalho e nos sentimentos em relação ao próprio trabalho. PRÁTICAS DE PROTEÇÃO ADOTADAS PELOS PROFISSIONAIS E PELOS ENFERMEIROS Práticas adotadas para a sua proteção, para a proteção dos outros, para a proteção dos doentes no trabalho cotidiano, na vida pessoal, nas relações amorosas, nas relações sociais. 154 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Eu, ______________________________________, RG:________________ ciente das informações prestada pelos pesquisador, concordo em participar da pesquisa intitulada Representações Sociais da Aids: estudo comparativo entre enfermeiras das redes básica e hospitalar, que tem como objetivo principal : analisar as representações sociais da aids para enfermeiras e suas implicações para o cuidado. Fui comunicado(a) que esta pesquisa está sendo desenvolvida pelo enfermeiro Bruno Rafael Gomes Valois, que é aluno do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, e tem como orientadora a Profª Titular Denize Cristina de Oliveira, lotada no departamento de Fundamentos de Enfermagem da FENF/UERJ. Declaro estar de acordo em participar da pesquisa, respondendo a entrevista e que este momento seja gravado em fita cassete ou registrado em papel para posterior transcrição e análise pelos pesquisadores. Fui informado (a) que em nenhum momento serei exposto(a) a riscos, devido à participação nesta pesquisa, e que poderei, em qualquer fase da mesma, solicitar esclarecimentos, bem como recusar a dar continuidade a minha participação, sem nenhum prejuízo para a minha pessoa. Reconheço, também, que as respostas obtidas serão usadas apenas para fins científicos e divulgadas através de trabalhos em eventos acadêmico-científicos, sem qualquer identificação da minha pessoa. Informo estar esclarecido (a) que não terei nenhum tipo de despesa ou gratificação pela participação nesta pesquisa, e que terei acesso aos resultados publicados em periódicos científicos. Conforme o exposto, concordo voluntariamente em participar da referida pesquisa. Local, _____ de ___________________ de 20__. ___________________________ Pesquisador ____________________________ Entrevistado Telefones para contato: Bruno Valois (21) 81849595/ (21) 32340644 e-mail: [email protected] 155 APÊNDICE D - Variáveis Alceste e suas Codificações 1) Grupo Institucional Grupo Institucional Hospital Rede Básica Código inst_hosp inst_sp 2) Idade Idade 25 a 34 anos 35 a 44 anos 45 a 54 anos Mais que 54 anos Código id_01 id_02 id_03 id_04 3) Estado conjugal atual Estado conjugal atual Solteira / não possui namorado ou companheiro Casada / vive com companheiro / união estável Possui companheiro fixo, mas não vive com ele Código econj_solt econj_cas econj_comp 4) Tempo de atuação como enfermeira Tempo de atuação como enfermeira Menos de 05 anos 06 a 15 anos 16 a 25 anos 26 a 35 anos Mais que 35 anos Código tenf_01 tenf_02 tenf_03 tenf_04 tenf_05 5) Tempo de atuação com pacientes HIV/AIDS Tempo de atuação com pacientes HIV/AIDS Menos de 05 anos 06 a 10 anos 11 a 15 anos 16 a 20 anos Mais que 20 anos Código thiv_01 thiv _02 thiv _03 thiv _04 thiv _05 156 6) Tipo de contato predominante com pacientes/clientes com HIV/AIDS atualmente Tipo de contato físico verbal físico e verbal nenhum outro Código cont_1 cont_2 cont_3 cont_4 cont_5 7) Frequência de contato com clientes / pacientes com HIV/aids atualmente Frequência de contato diário semanal quinzenal esporádico nenhum Código freq_1 freq_2 freq_3 freq_4 freq_5 8) Participação em cursos de capacitação sobre HIV/aids Participação em cursos Código Sim não cur_s cur_n 9) Pensou estar contaminada pelo vírus da aids Pensou estar contaminada Sim não Código econt_s econt_n