Íntegra da Sentença
Processo: 01193-2009-015-10-00-7 Ação Civil Pública
Origem: 15ª Vara do Trabalho de Brasília/DF
Reclamante: Associação dos Antigos Funcionários do Banco do Brasil - Aafbb
Advogado: Fernando Tristao Fernandes
Reclamado: Sindicato dos Bancários da Bahia
Advogado: Fernando Tristao Fernandes
Reclamado: Banco do Brasil
Advogado: Eric Sarmanho de Albuquerque
Ata ou Sentença do(a) Exmo(a) Juiz(a) Nara Cinda Alvarez Borges
15ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA / DF
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Proc. nº 0119300-92.2009.5.10.0015
ATA DE JULGAMENTO
No dia 4 de outubro de 2010, às 17h00min, foi aberta a audiência relativa à
AÇÃO CIVIL PÚBLICA em referência. Após o cumprimento das formalidades de praxe, foi
prolatada a seguinte
Sentença
Vistos, etc...
ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (1º
autor) e SINDICATO DOS BANCÁRIOS DA BAHIA (2º autor) ajuizaram a presente ação civil
pública em face do BANCO do BRASIL S/A , pleiteando provimento jurisdicional para o deferimento, dentre outros, dos seguintes pleitos:
(I) declaração de inaplicabilidade da alteração contratual que transferiu à CASSI
a responsabilidade pela assistência médico-hospitalar em relação aos empregados admitidos
antes de sua entrada em vigência, em 1.7.1996, independentemente da sua condição de empregados na atividade, aposentados, pensionistas e dependentes;
(II) declaração de nulidade da supressão do art. 9º do Estatuto da CASSI de 1996,
promovida pela nova alteração estatutária de 2007;
(II) condenação do réu a cumprir obrigação de fazer consistente em assegurar
assistência médico-hospitalar aos empregados em atividade, aposentados, pensionistas e dependentes, diretos ou indiretos referente àqueles admitidos no réu em data anterior à alteração
estatutária levada a termo em 1996;
Requer ainda a cominação de multa diária em caso de descumprimento da obrigação de fazer acima relatada, bem como a condenação do reclamado aos honorários advocatícios
de sucumbência, consoante fundamentação articulada na inicial, instruída com documentos.
Atribuíram o valor de R$ 30.000,00 à causa.
Na audiência designada (fl. 285), presentes as partes e dispensada a leitura da inicial,
apresentou o reclamado defesa escrita com documentos às fls. 288/, suscitando preliminares de:
(I) incompetência em razão da matéria;
(II) inépcia da inicial;
(III) carência de ação (possibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva e ativa);
(IV) prejudicial de prescrição.
No mérito , alega o réu:
(I) que nunca forneceu cobertura médico-hospitalar aos funcionários;
(II) que nunca prestou assistência médico-hospitalar;
(III) que por nunca ter oferecido essas benesses aos funcionários, não pode ter
transferido à CASSI a prestação médico-hospitalar;
(IV) que apesar de ser patrocinador da CASSI não pode por isso ser responsabilizado;
(V) que a norma invocada pelos autores não indica que a filiação à CASSI integra
o contrato de trabalho;
(VI) que o que a norma disciplina é a obrigação de filiação como condição para o
contrato de trabalho;
(VII) que detendo a CASSI autonomia, não há como responsabilizar o Banco, considerando que as alterações estatutárias foram legítimas e que os autores não apontaram qualquer vício de consentimento e por fim,
(VIII) que a derrogação do estatuto em 1989 e as alterações procedidas nos estatutos a partir de 1996 e novamente em 2007 foram fruto de estrita observância das regras
estatutárias vigentes, sem vulneração do art. e 5º XXXVI da CF e 468 da CLT.
Manifestação dos autores sobre preliminares e documentos às fls. 866/880. Vista
ao d. Ministério Público do Trabalho da 10ª Região em cumprimento à normativa aplicável à espécie (fls. 898/899).
O d. parquet trabalhista declinou de manifestação e opinou pelo
prosseguimento do feito conforme razões expendidas à fl. 903. Na audiência de encerramento,
presentes os autores e ausente o réu, (a presença das partes foi facultada), a instrução processual foi encerrada sem outras provas.
Frustradas as propostas conciliatórias.
É o relatório.
PRELIMINARES DE MÉRITO
Incompetência em Razão da Matéria.
O reclamado suscita a prefacial acima, sob a alegação de que seria da justiça
?comum? a competência para apreciar os pedidos arrolados na inicial, ao único argumento de
que o próprio sindicato discute controvérsia similar a dos presentes cujos autos foram distribuídos à MMª 15ª Vara Cível de Brasília.
Improsperável a argumentação do réu, porquanto o escopo da ação civil pública
resida na defesa de direitos e garantias trabalhistas de empregados ativos e inativos ou seus
dependentes, diretos ou indiretos, que foram compelidos à aderir aos quadros associativos da
CASSI como condição para a contratação no Banco do Brasil.
Evidenciado, portanto, que a controvérsia ora instaurada nos autos esteja
umbilicalmente vinculada ao contrato de trabalho entre o reclamado e empregados ativos ou inativos
(admitidos antes de 1.7.1996), que detenham a condição de assistidos da CASSI, instituída e
patrocinada pelo reclamado.
A Emenda Constitucional nº 45/2004, findou por inserir na competência da Justiça
do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho ( lato sensu ), bem como outras
controvérsias decorrentes dessa relação (art. 114, inc. IX da Constituição Federal).
Com essa emenda, a competência desta especializada foi ampliada significativamente, incluindo o conhecimento e julgamento de outras medidas judiciais já no primeiro grau de
jurisdição.
De tais premissas, deflui a conclusão de que a matéria controvertida nos presentes autos decorre da relação de trabalho. Razões pelas quais rejeito a preliminar, reafirmando a
competência deste juízo para conhecer e julgar a presente.
Inépcia da Inicial.
De início cumpre salientar que o rito sob o qual tramita a presente ACP é disciplinado pela lei 7.347/85 (LACP), e que assim não incidem as regras de índole informalista previstas no art. 840, §1º da CLT, enfoque sob o qual será examinada a preliminar supra.
Erige o reclamado a prefacial, ao argumento de que: ?... em momento algum os
autores demonstraram qualquer fato relevante a garantir o direito vindicado...? .
Essa argüição não constitui impedimento ao conhecimento do pedido pelo órgão
julgador e tampouco a produção de defesa por parte do suscitante. Assim como é matéria que
desafia adentramento de mérito a questão de vícios de consentimento nas alterações levadas a
cabo nos estatutos da CASSI.
Finalmente, a peça de ingresso, ao contrário do que sustenta o réu, aponta inúmeros
atos omissivos e comissivos pelo réu e ainda que não o fizesse não seria, por isso, considerada inepta.
De superficial leitura da peça exordial, constato o regular implemento dos requisitos
processuais extrínsecos e intrínsecos, sendo que a narrativa concatena com irretorquível lógica a causa de pedir e o pedido. Em conclusão, verificada a regularidade da petição inicial, afasto a prefacial.
Carência de Ação.
a) Ilegitimidade Ativa.
Os direitos individuais homogêneos não são coletivos na sua essência, nem no
modo como são exercidos, mas apresentam certa uniformidade, pela circunstância de que seus
titulares se encontram em certas situações ou enquadrados em certos segmentos sociais, que
lhes confere coesão, aglutinação suficiente para destacá-los da massa de interesses isoladamente considerados.
Nesse esteio, o Código de Defesa do Consumidor, no inciso III do art. 81, conceitua
os direitos individuais homogêneos como sendo aqueles de origem comum.
Contudo, é imperioso que se diga que esta gênese idêntica não exige que os fatos
praticados pelo agente causador da lesão se dêem na mesma localidade e no mesmo momento
histórico.
Para a identificação de direitos individuais homogêneos, portanto, basta a ocorrência de lesão patronal genérica que fulmine direitos de uma pluralidade de empregados.
Essa situação, em razão de sua origem comum, confere a esses direitos relevância social suficiente para diferenciá-los dos interesses tipicamente individuais, o que justifica a
tutela formalmente coletiva requerida pelas associações sindical e de ex-funcionários.
Contrariamente ao que advoga o reclamado, não se configura no caso dos autos o
instituto processual da substituição processual, também denominada de ?anômala? e cuja aplicação deve ser expressamente prevista em lei.
Em realidade, propuseram as duas co-legitimadas ação em que se discutem direitos metaindividuais, cuja lesão ou ameaça de lesão atingiu determinado grupo de pessoas em
matéria vinculada à relação trabalhista (lei 7.347/85, art. 5º, V c/c o seu §2º).
Em outras palavras, intenta a AAFBB e a entidade sindical, a tutela de direitos
individuais homogêneos trabalhistas.
Analisada a peça de ingresso à luz da Teoria da Asserção, na qual pressupostos
processuais e condições da ação devam ser apreciados a partir das assertivas iniciais -, tanto a
associação de ex-funcionários quanto o sindicato profissional, detêm legitimidade para figurar no
polo ativo da ACP.
Razões pelas quais rejeito a prefacial.
Ilegitimidade Passiva.
O réu alega que não está e nunca esteve obrigado à prestação de assistência
médico-hospitalar aos seus funcionários, e que a condição de mero patrocinador da CASSI não
autoriza a sua responsabilização pelas obrigações ora requeridas.
Alega que a CASSI é uma associação de direito privado sem fins lucrativos com
autonomia administrativa, e que por isso que direitos que viessem ser reconhecidos em juízo
deveriam exigidos daquela instituição.
Aduz o Banco que se o motivo pelo qual figura como réu na ação foi o fato de a
adesão compulsória à caixa de assistência ter sido outrora condição imprescindível para a
contratação do empregado, isso não tem o condão de torná-lo responsável pelem eventual condenação, vez que quem procedeu às alterações estatutárias foi a CASSI.
As alegações mais uma vez dizem respeito à matéria de mérito. A legitimação,
seja ativa ou passiva, é condição da ação que não pode ser confundida com a titularidade da
pretensão material ou processual, bem como com a efetiva existência do direito deduzido na
inicial.
Ao demandar em face do Banco os autores pretendem o restabelecimento de stuts
quo ante no que tange o plano de cobertura médico-hospitalar diante do dano suportado pelos
empregados admitidos antes de 1.7.1996, cuja responsabilização imputam ao empregador.
Confunde o reclamado preliminar de mérito com o próprio, na medida em que o
reconhecimento da ausência de legitimidade resultaria no reconhecimento da inexistência da
responsabilidade pelas obrigações ora requeridas. Rejeito .
Possibilidade Jurídica do Pedido.
O reclamado alega que não há previsão legal para o deferimento dos pedidos, já
que as alterações estatutárias pós 1996, que teriam, segundo os autores, gerado incerteza e
insegurança no que tange o direito à assistência médico-hospitalar dos seus empregados não
foram por ele promovidas.
Ao erigir a preliminar, sustenta o réu que o feito deve ser extinto sem resolução de
mérito, diante da inexistência de provas dos prejuízos suportado pelos ?substituídos? (sic).
O reclamado mais uma vez traz à baila matéria de mérito em sede de preliminar. A
perquirição em torno da procedência ou não da pretensão material que deu causa a presente
demanda, desafia prospecção de mérito.
Em conclusão, a tutela pretendida nesta ação é viável, não existindo vedação que
obste a utilização do direito de ação e porque o pedido mediato - direito material - tem,
abstratamente, dentro do ordenamento jurídico vigente, possibilidade quanto o tipo de tutela ora
pleiteada. Rejeito.
PREJUDICIAL DE MÉRITO
Prescrição.
O reclamado suscita a prescrição a que se refere o art. 189 do código Civil Brasileiro , sob a tese de que a alegada lesão de direito teria nascido com a alteração ao estatuto da
CASSI em 1996 e que não havendo causa interruptiva para o fluxo prescricional, o direito à
exigibilidade da pretensão está extinta.
Remete-se o reclamado ao princípio da actio nata , segundo a qual o direito de
ação surge quando o seu titular toma ciência de sua vulneração, iniciando aí o fluxo do prazo legal
para que intente a ação.
Pelo contexto fático-probatório, a presente ACP foi ajuizada tendo como objeto a
tutela de direitos coletivos, na medida em que tem como pretensão obstar a aplicação de novel
regramento imposto pelo reclamado aos empregados admitidos antes do seu advento.
A causa de pedir próxima seriam os prejuízos que atingiriam, em tese, determinada gama de pessoas titulares dos mesmos direitos, do que decorre de conduta genérica e
continuativa adotada pelas reclamadas.
Os pleitos arrolados na inicial caracterizam-se, ainda como direitos difusos, porquanto visem garantir o retorno de situação pretérita protegida pelo manto do direito adquirido e
do ato jurídico perfeito em relação a expressivo número de bancários admitidos antes da edição
do estatuto da CASSI de 1996.
A regra geral é a imprescritibilidade da ação declaratória, mas se o seu objeto
estiver relacionado à pretensão de direito material, a prescrição ocorrerá no prazo previsto para
ajuizar a ação que o tutele.
Assem, se o provimento que pretendem os autores é, em parte de índole
condenatório-constitutiva a pretensão estaria sujeita à prescrição. Todavia, essa norma é
inaplicável no caso dos autos.
É cediço na jurisprudência e na doutrina que a prescrição trabalhista não atinge
os interesses metaindividuais nas modalidades difusa e coletiva . No magistério de Raimundo
Simão de Melo: ?A prescrição não atinge direito patrimonial de quem, no prazo legal, sem razão
justificada, não age na defesa dos seus interesses.
Assim, não atinge a mesma os direitos e interesses metaindividuais nas mo-
dalidades difusa e coletiva, porque não têm os mesmos natureza patrimonial. Esses direitos pertencem a pessoas indeterminadas ou apenas determináveis. ? (Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, 3ª ed. Ed. LTr, p. 183) - (original sem destaque)
Em conclusão, a imprescritibilidade dos direitos difusos e coletivos, em sede de
ação civil pública se justifica pela natureza indisponível atribuída ao direito tutelado. Razões pelas
quais não há prescrição há pronunciar .
MÉRITO
Contrato de Trabalho. Filiação Compulsória à Caixa de Assistência dos Funcionários do banco do Brasil - CASSI. Adesão das Cláusulas Contratuais ao Patrimônio
Jurídico do Empregado. Inalterabilidade . Art. 5º, XXXVI da Constituição Federal. Art. 468
da CLT. Súmula 51 do c. TST.
Os autores intentaram a presente ACP com o objetivo de tornar nulas as alterações procedidas nos estatuto da CASSI em 1996, as quais tiveram por efeito transferir a esta a
responsabilidade do Banco pela assistência médico-hospitalar em relação aos empregados admitidos anteriormente às mudanças.
Requereram ainda que o reclamado seja compelido a prestar a assistência em
tela nos mesmos patamares qualitativos antes oferecidos, independentemente da condição do
assistido (empregados ativos, aposentados, pensionistas e dependentes).
Pretendem o restabelecimento das mesmas condições de cobertura médico-hospitalar existentes à época da contratação, tendo em vista, segundo a tese exordial, que como a
filiação à CASSI era condição para admissão no Banco, as cláusulas então avençadas teriam
aderido aos contratos de trabalho.
Os autores pleiteiam também a declaração de nulidade da supressão do art. 9º do
Estatuto de 1996, que assegurava a não responsabilização dos associados da CASSI pelas
obrigações desta, promovida no bojo da alteração estatutária de 2007.
O reclamado opõe resistência a todas as pretensões, sob copiosa argumentação
no sentido de que em época alguma foi responsável pela cobertura ou assistência médico-hospitalar dos seus funcionários,
Acrescenta a defesa que como o Banco nunca ofereceu tais benesses aos funcionários, não poderia POR ISSO MESMO ter transferido tal encargo à CASSI, e que, a sua condição de patrocinador da entidade assistencial não autoriza seja deferida a pretensão autoral.
Em face da denúncia de violação do art. 5º, XXXVI da CF e do art. 468 da CLT,
sustenta o réu que a norma cujo restabelecimento ora postulam os autores não preconiza que a
filiação à CASSI integre o contrato de trabalho, não obstante prescrevê-la como conditio sine qua
non para a admissão aos quadros do BB.
Em suma, alega que não há como responsabilizar o Banco, considerando que as
alterações estatutárias foram legítimas e que os autores não apontaram vício formal ou substancial, já que fruto de estrita observância das regras estatutárias vigentes, sem violação dos arts. 5º
XXXVI da CF e 468 da CLT.
As partes controvertem basicamente sobre a validade de alteração promovida nos
Estatutos da CASSI em 1996 e 2007 e se seria válida a produção de efeitos para aqueles funcionários admitidos em data anterior a tal modificação, quando estatuto com condições mais vantajosas já havia aderido aos contratos de trabalho.
Segundo os autores, a CASSI foi convertida pelo réu em uma empresa de mercado. O BB contesta essa informação afirmando que ainda após as alterações estatutárias a CASSI
ainda é administrada em regime de co-gestão, contando com a participação do Banco e do
corpo social na administração da entidade.
Do exame da documentação que instrui os autos, restou incontroverso que anteriormente à alteração estatutária levada a termo em 1996, a responsabilidade pela assistência
médico-hospitalar prestada aos empregados era mesmo do Banco do Brasil.
O relatório anual de 2005 produzido pela CASSI só vem a confirmar a tese exordial acerca
da responsabilidade integral do Banco anteriormente à primeira reforma do estatuto (1996), negada vee-
mentemente na defesa. De fato, narra o informativo textualmente, à fl. 185/verso e 186:
?Antes da última reforma do Estatuto, a CASSI dependia exclusivamente do
Banco do Brasil para prestar assistência à saúde dos associados e dependentes . Os gerentes de agência respondiam pelas negociações com prestadoras de serviços...? (negritei e sublinhei).
No trecho acima ficou indene de dúvidas que antes do advento do estatuto da
CASSI de 1996, era mesmo do Banco do Brasil a responsabilidade pela prestação de assistência médico-hospitalar e à saúde, em geral, de seus empregados e seus dependentes, e que este
encargo foi transferido à aludida entidade.
Relevante observar que essa declaração não partiu dos autores, mas da própria
CASSI, o que faz cair por terra a ênfase defensiva no sentido de que ?... NUNCA forneceu cobertura médico hospitalar a seus funcionários...? (destaque no original, fl. 296), deixando esse ponto
incontroverso.
No que tange a alegação defensiva de que a assistência médico-hospitalar jamais
fez parte do contrato de trabalho, também se equivoca o réu.
Antes do mais, deixo claro que a resolução de mérito não comporta a perquirição
em torno da justiça ou da injustiça das alterações levadas a termo nos estatutos da CASSI.
O cerne da discussão gira em torno da convalidação ou não de norma que alterou
as condições de trabalho (para pior), estabelecidas no contrato de trabalho quando da admissão
do trabalhador. O núcleo do dissenso é esse, face o princípio da inalterabilidade das condições
de trabalho in pejus (art. 468 da CLT), e da adesão de condição mais benéfica ao contrato de
trabalho, que não poderia ser suprimida por ato do empregador.
De fato, as modificações das condições contratuais produzidas após a adesão de
determinadas condições mais vantajosas para o obreiro, somente poderão atingir os contratos
dos trabalhadores admitidos após a edição do regramento.
Incide no caso além desse, outro princípio basilar do Direito: a ocorrência do ato
jurídico perfeito e do direito adquirido impedem que novo regramento produza efeitos sobre
situação jurídica já consolidada por livre acordo de vontades entre as partes.
Outro princípio que informa o Direito do Trabalho é o de que qualquer cláusula em
avença particular contrária a norma de ordem pública ou que tenha por objetivo desvirtuar, impedir
ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista é nula de pleno direito, inteligência do art. 9º c/c
art. 444, ambos da CLT.
O c. TST já firmou entendimento de que as vantagens que aderem ao contrato
desde a admissão do empregado, como a complementação dos proventos de aposentadoria e a
aplicação de regras relativas a planos de saúde vinculados ao empregador, são regidas pelas
regras vigentes na data de admissão do empregado.
O que pode vir a ser incorporado ao contrato de trabalho são apenas as alterações
benéficas. Já a revogação ou alteração de vantagens afetam apenas e tão somente os empregados admitidos após sua implantação.
Inteligência da súmula n. 51, I do c. TST que se transcreve:
?NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT. (incorporada a Orientação Juris-prudencial nº 163 da SBDI-1) Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005 - I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem
vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/7, DJ 14.06.1973)”.
Registro que a análise dos elevados precedentes não autoriza, de forma alguma,
conclusão no sentido de que a incidência do estatuto mais favorável ocorre tão-somente quando
o benefício é pago diretamente pelo próprio empregador.
Diante do exposto, os assistidos da CASSI, sejam empregados do Banco ainda
em atividade ou aposentados bem como pensionistas e dependentes diretos ou indiretos de
funcionários contratados nessas condições, estão sujeitos ao regramento vigente à época de
sua admissão, desde que seja esta anterior a 1º. 7.1996 , data em que passou a vigorar o
novo estatuto da CASSI que derrogou o de 1989.
Defiro também o pleito de declaração de nulidade do art. 9º do estatuto de 1996,
que assegurava que os associados não responderiam, direta ou subsidiariamente pelas obrigações da CASSI.
Poderia o réu objetar que não é lícito aos autores postular primeiro a não aplicação
do estatuto de 1996 para depois pinçar dentre todo o conjunto uma regra favorável e pretender ver
declarada em juízo a sua aplicabilidade, desprezando o restante do complexo normativo.
A questão da hierarquia das normas juslaboristas se resolve pela norma mais favorável ao trabalhador. Nesse ponto surge outra questão: se no cotejo da norma mais favorável
deve ser considerado o conjunto de normas como um todo ou se deva ser extraída de cada
norma a parte mais favorável ao trabalhador.
O eminente professor e magistrado do trabalho Maurício Godinho Delgado em sua
notável obra: ?Curso de Direito do Trabalho?, Ed. LTr, 2. Ed. (2003: 180) traz à lume duas teorias:
a da acumulação e a teoria do conglobamento.
Segundo a Teoria da Acumulação, de cada norma devem ser extraídas as disposições mais favoráveis ao obreiro, de sorte a obter uma cumulação de vantagens pinçadas de
normas diversas.
A Teoria da Incindibilidade ou do Conglobamento , por sua vez, estabelece
que as normas devam ser consideradas em seu conjunto, de modo a não provocar a cisão do
texto legal. Assim, quando da aferição da norma mais favorável, não poderá esta ser decomposta, separada, cindida.
Segundo decisão que teve na relatoria o Exmº Desembargador José Ribamar O.
Lima Junior, em que se discutia matéria semelhante à presente, mas em relação aos estatutos da
entidade de previdência privada fechada do BB, a PREVI, não se aplica a teoria do conglobamento
em face da natureza das normas em conflito:
“BANCO DO BRASIL. PREVI. SOBREPOSIÇÃO DE ESTATUTOS REGULADORES DA COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA. REGRA APLICÁVEL. Os regulamentos
de benefícios estabelecidos pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil PREVI, a despeito da generalidade e abstração que lhe são inerentes, não têm natureza de
norma jurídica. Por essa razão, não há falar em conglobamento, teoria que orienta o operador
jurídico na busca da norma mais favorável, em situação de confronto entre regras de Direito (por exemplo: leis, tratados internacionais e convenções coletivas de trabalho), e não de cláusulas contratuais, como as fixadas nos aludidos planos de benefícios.
As condições anteriormente estabelecidas, como autênticas cláusulas contratuais,
aderem ao contrato individual de trabalho, não afastando, porém, as alterações posteriores, desde que mais favoráveis ao trabalhador/aposentado. Inteligência das Súmulas 51 e 288 do c. TST.
Recursos conhecidos, sendo o da primeira reclamada parcialmente, e desprovidos.” (TRT da 10ª
Região, Terceira Turma, RO nº 00532-2005-002-10-00-8, DJ de 27/1/2006).
Acompanhando tal entendimento, concluo que se não é possível aplicar a teoria do
conglobamento por se tratarem de normas de mesma hierarquia.
De modo que, se a presente decisão deferiu o pleito de manutenção das mesmas
condições estatuídas na normativa revogada pelo estatuto de 1996, deve a supressão do seu art.
9º ser considerada nula , revigorando-se a regra de que preconiza: ?os associados não respondem, direta ou subsidiariamente pelas obrigações da CASSI.?
Com amparo no art. 9º, 444 e 468 da CLT c/c súmula n. 51 do c. TST, julgo procedentes
os pleitos deduzidos na inicial para declarar , em relação aos empregados do Banco contratados
anteriormente a 1.7.1996, independentemente de se encontrarem na ativa ou aposentados, pensionistas e dependentes diretos ou indiretos vinculados a funcionário contratado nas mesmas condições:
• a inaplicabilidade da alteração contratual promovida a partir de 1.7.1996, pela
qual foi transferido do Banco para a CASSI o encargo de fornecer assistência médico-hospitalar
ao universo de funcionários do réu admitidos aos seus quadros até aquela data;
• a nulidade da supressão do art. 9º do estatuto da CASSI de 1.7.1996, que assegura que os associados não respondem, direta ou subsidiariamente pelas obrigações da CASSI.
E para condenar o banco do Brasil à seguinte obrigação de fazer:
• prestar assistência médico-hospitalar aos empregados ativos, aposentados,
pensionistas e dependentes, diretos ou indiretos, vinculados à admissão no Banco do Brasil anteriormente à data de 1.7.1996, nos mesmos patamares qualitativos antes oferecidos;
• em caso de inércia do réu no cumprimento da obrigação acima, arbitro astreinte
à base de R$ 10.000,00, por dia de descumprimento da presente determinação, até o máximo
de sessenta dias, reversível aos autores, nos termos do art. 461, § 4º do CPC c/c art. 247 do
CCB, ambos de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho.
Honorários Assistenciais.
Indefiro a verba honorária, por não de tratar de ação trabalhista individual em que o
reclamante ou os reclamantes estejam assistidos por procurador indicado pela entidade sindical
representativa da categoria, consoante contido no art. 14 da Lei n. 5.584/70.
De outra parte, a súmula 219 do c. TST é inaplicável em ação civil pública no qual
o sindicato profissional, dotado de natureza associativa, atua na condição de autor, e não de
assistente ou substituto processual da categoria.
A súmula 329 do c. TST reafirma o entendimento, mesmo após a promulgação da
Constituição Federal de 1988.
E nem se acene com a aplicação da Instrução Normativa n. 27 do TST, posto ser
inferior na escala da hierarquia normativa, ao diploma legal acima mencionado.
F U N D A M E N T O S pelos quais rejeito as preliminares e prejudicial de mérito
opostas pelo réue no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na
presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (1º autor) e SINDICATO DOS BANCÁRIOS DA BAHIA (2º autor) em face do
BANCO do BRASIL S/A , para declarar , em relação aos empregados do Banco contratados até
a data de 1.7.1996 , que se encontrarem na ativa ou aposentados, pensionistas e dependentes
diretos ou indiretos vinculados a funcionário contratado nas mesmas condições: (i) a
inaplicabilidade da alteração contratual promovida a partir de 1.7.1996, pela qual foi transferido
do Banco para a CASSI o encargo de fornecer assistência médico-hospitalar ao universo de
funcionários do réu admitidos aos seus quadros até aquela data; (ii) a nulidade da supressão do
art. 9º do estatuto da CASSI de 1.7.1996, que assegura que os associados não respondem,
direta ou subsidiariamente pelas obrigações da CASSI, e ainda condenar o réu à seguinte obrigação de fazer: (iii) prestar assistência médico-hospitalar aos empregados ativos, aposentados,
pensionistas e dependentes, diretos ou indiretos, vinculados à admissão no Banco do Brasil anteriormente à data de 1.7.1996, em idênticas condições e nos mesmos patamares qualitativos
antes oferecidos. Em caso de inércia do réu no cumprimento da obrigação acima, arbitro astreinte
à base de R$ 10.000,00 , por dia de descumprimento da presente determinação, até o máximo
de quarenta dias, reversível aos autores, nos termos do art. 461, § 4º do CPC c/c art. 247 do CCB,
ambos de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho, nos estritos termos da fundamentação
supra, cujo teor passa a integrar o presente dispositivo.
Custas pelo réu, no importe de R$ 600,00, arbitrados sobre o valor dado à causa,
diante da ausência de conteúdo econômico na presente condenação.
Dispensada a intimação da Fazenda Pública, considerado que a presente condenação teve caráter declaratório-constitutivo, em que o único comando de caráter condenatório não tem
conteúdo econômico, nos termos do art. 1º, II da Portaria nº 176/2010, do Ministério da Fazenda.
Intimem-se.
Publique-se.
Cumpra-se.
NARA CINDA ALVAREZ BORGES
Juíza do Trabalho Substituta
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