A CATEGORIA CONHECIMENTO NAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE PEDAGOGIA E SUA RELAÇÃO COM A PESQUISA NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO Tainara Pereira Castro1 INTRODUÇÃO Este texto tem como objetivo discutir, a luz da pedagogia histórico-crítica, as relações entre a concepção de conhecimento e a pesquisa presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNP), bem como as consequências desta opção para a formação do pedagogo. O interesse por esta temática decorre de estudos desenvolvidos ao longo do Curso de Pedagogia, no Departamento de Educação - DEDC-X, na Universidade do Estado da Bahia – UNEB. As provocações para a escrita deste estudo nasceram da problematização encaminhada durante o componente Currículo, como também de leituras diversas, em específico, das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia2, e do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UNEB/DEDC-X, além de textos que abordam a referida temática, contribuindo na delimitação do estudo. Deste estudo, decorreu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), um estudo que tinha como preocupação investigar as concepções, condições e os desafios da pesquisa na formação do educador no Curso de Pedagogia da UNEB/DEDC-X3. Tomando como base à pedagogia histórico-crítica, percebeu-se, naquele momento, que o curso de Pedagogia possuía algumas insuficiências: pouco aprofundamento teórico sobre a pesquisa; uma concepção de pesquisa que se aproxima bastante da proposta de formar o professor pesquisador-reflexivo, em que a pesquisa é considerada como atividade dissociada do processo de transmissão do conhecimento; redução do processo 1 Pós Graduada em Educação Infantil pela Faculdade de Ciências Educacionais (FACE); Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia/ Departamento de Educação Campus X (UNEB/DEDCX). Professora da Educação Infantil na Prefeitura Municipal da Serra.E-mail: [email protected] 2 Resolução n°1/2006 de 15 de maio de 2006 3 Trabalho de TCC realizado em parceria com Edicleia dos Santos Barros. Esse TCC foi elaborado ao longo do curso em um processo de autorreflexão crítica sobre a nossa própria formação. ISSN 2177-8892 1388 de produção do conhecimento a uma reflexão sobre a prática, o que reduz a pesquisa a uma atividade esvaziada. Este artigo é continuidade dos estudos iniciados na graduação, e tece algumas considerações advindas de estudos posteriores relacionandos a temática da formação de pedagogos no Brasil. Para tanto, toma-se como objeto de análise as Diretrizes curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, (DCNP) instituída pelos pareceres do CNE/CP4 n° 05/2005 e 01/2006 e pela Resolução CNE/CP n° 01/2006. Elege-se para este estudo o seguinte problema: Qual a concepção de conhecimento presente nas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia? Que relações desta concepção se estabelecem para a pesquisa e quais as consequências desta opção para a formação do pedagogo? Ressalta-se que, neste artigo pretende-se apresentar algumas reflexões, diante dos limites deste texto,com vistas a consolidar e aprofundar mais as discussões e reflexões neste campo. A proposta metodológica deste estudo parte de uma abordagem qualitativa, considerando esta modalidade de pesquisa relevante na área das ciências humanas, visto que o pesquisador tem contato direto com a situação a ser pesquisada, tendo “o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (LUDKE, 1986, p.11). Esta abordagem de pesquisa se baseia na obtenção de dados, onde [...] o pesquisador deve assim, atentar para o maior números de elementos presentes na situação estudada, pois um aspecto supostamente trivial pode ser essencial para a melhor compreensão do problema que esta sendo estudado. (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.1). Na pesquisa qualitativa, o pesquisador se torna sujeito da ação, tendo “o papel [...] justamente o de servir como veículo [...] entre esse conhecimento acumulado na área e as novas evidencias que serão estabelecidas a partir da pesquisa” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.5). O estudo também se ancora na pesquisa bibliográfica e na documental, que segundo, Gil (2002)assemelham-se: A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um 4 Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno ISSN 2177-8892 1389 tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. (p. 45) No estudo do problema, objeto desta investigação procurou-se adotar uma perspectiva histórico-dialética. A opção pelo método numa perspectiva dialética sinaliza para um sentido sócio-histórico e político da pesquisa. Do ponto de vista teóricometodológico, a lógica dialética pressupõe um movimento que remete o objeto de estudo à sua totalidade histórica e às relações que ai se estabelece. Conforme Triviños (1987), “existe uma realidade objetiva fora da consciência e que esta consciência é um produto resultado da evolução do material, o que significa que para o marxismo a matéria é o princípio primeiro e a consciência é o aspecto secundário, o derivado”. (p. 73) A abordagem qualitativa permite captar a essência do objeto, em sua teia de relações. Além disso, o uso do método histórico-dialético permite valorizar as contradições dos fatos observados, as oposições entre os fatos observados entre o todo e as partes, além do vínculo entre saber e agir com a vida social (MEKSENAS, 2002). Este é o nosso propósito, confrontar perspectivas colocadas nas DCNP. Realiza-se um esforço para desvelar as contradições existentes entre o escrito acerca do Curso de Pedagogia. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia O Curso de Pedagogia no Brasil passou por várias mudanças até organizar um espaço de atuação bem como a função a ser desempenhada por este profissional. Ora a ênfase voltou-se as funções de técnico em educação, ou seja, o professor, o especialista; ora buscou-se a formação do docente, gestor e pesquisador. Tais mudanças são resultados de compreensões diferenciadas sobre o próprio curso. Saviani (2008) destaca que a causa provável desse quadro de crise do curso de pedagogia, tem a ver com a demora em definir suas diretrizes, fato que veio ocorrer em 2006, próximo do aniversário da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/969). Conforme os estudos de Aguiar, Brzezinsk e Freitas (2006), a Comissão de Especialista de Pedagogia instituída para elaborar as diretrizes do curso em 1998, desencadeou amplo processo de discussão nacional, levando a elaboração do documento das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, encaminhado ao Conselho Nacional ISSN 2177-8892 1390 de Educação (CNE), onde permaneceu ao longo de oito anos aguardando a definição de outros pontos ainda polêmicos com relação à formação. Cabe destacar os estudos de Evangelista (2005) ao afirmar que nesse debate de construção das DCNP, há pelo menos três proposições de formação de pedagogo, sendo: a da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e de suas entidades apoiadoras, em que o pedagogo é compreendido como um profissional da educação que atua na Educação Básica, tendo a docência como fundamento na ação e produção do conhecimento, como também na gestão de unidades escolares, e “lida com o conceito de transdisciplinaridade, de instituição de sujeitos, de atores e de práxis educativa” (p. 3); a do Manifesto dos Educadores, que entende o pedagogo como bacharel que deve desenvolver atividades pedagógicas em diversos campos, aprofundando teoria pedagógica e realizando atividades de pesquisa: um profissional da educação não docente, ressaltando nesta proposta “os conceitos de diversidade, desigualdade cultural e social, cidadania, dignidade humana e liberdade intelectual e política” (p.3); e o terceiro apresentado pelo CNE, em que o pedagogo é um licenciado apto a atuar tanto na docência quanto nas funções de administração do sistema escolar, ou seja, apto a realizar o trabalho pedagógico em sentido amplo, tendo como conceitos que sustentam, a adesão a teorias que pleiteiam a diversidade, a pluralidade de saberes, os múltiplos olhares da ciência, a multi-referencialidade do conhecimento, a reconfiguração do tecido social, o respeito às relações sociais e étnico-raciais e a multiculturalidade como condicionantes pressupostos para a prática profissional (EVANGELISTA, 2005,p.2). Com base nos estudos de Evangelista (2005), percebe-se que as DCNP, incorporaram algumas ideias defendidas pela ANFOPE de formar o profissional da educação que tem como atividades a docência, a gestão e a produção do conhecimento, sendo a primeira atividade determinante para as que se seguem. Porém, diferente da ANFOPE que compreende o curso como um bacharelado e uma licenciatura, as DCNP compreende o curso de Pedagogia apenas como uma licenciatura, posição defendida pelo CNE. Isso fica evidente se analisarmos o artigo 1° e 4° da Resolução CNE/ CP n° 01/2006. Segundo as diretrizes em seu artigo 1°, ISSN 2177-8892 1391 Art. 1º A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura5, definindo princípios, condições de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país, nos termos explicitados nos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006. (BRASIL, 2006, p.1) O artigo 4° da referida Resolução reforça a compreensão do artigo 1°, e define as atividades deste profissional: Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; III produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares. III- produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não escolares.(BRASIL, 2006, p.2) Como se pode observar, as atividades docentes do licenciado em Pedagogia compreendem no planejamento escolar, coordenação, acompanhamento, avaliação de projetos escolares e não-escolares e na produção e difusão do conhecimento científico. Para que essas atribuições dadas a este profissional sejam cumpridas, a Resolução define em seu art.2° que: § 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará: I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas; II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. (BRASIL, 2006, p.1) Percebe-se que o de acordo com as DCNP a categoria conhecimento equivale a áreas de conhecimento, que darão subsídios à formação deste profissional, e o campo 5 Grifo da autora ISSN 2177-8892 1392 educativo o qual é objeto de estudo e investigação do curso de Pedagogia se resume num campo de mera aplicação dos conhecimentos das outras ciências da educação. Acresce aqui o ponto II do parágrafo único do Art. 3°, que propõe para a formação do licenciado em Pedagogia “a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional” (BRASIL, 2006, p. 1). Observa-se que a pesquisa assume um caráter utilitário, voltado para soluções de problemas da prática, o que acaba por reduzir, mais uma vez, o espaço da Pedagogia a um campo de práticas em detrimento da rica trajetória histórica da Pedagogia como campo teórico-prático da educação. Como afirma Evangelista (2008) “a pesquisa é subordinada à prática, tomada como aplicação das contribuições dos campos de conhecimentos afins” (p. 555). Coaduna-se do pensamento de Viana (2011) ao afirmar que, o que fica evidente é uma predominância da técnica na formação do pedagogo longe da apropriação dos conhecimentos científicos de forma conectada aos problemas e necessidades educativas no sentido de superação. O que as DCN propõem é uma construção subjetiva e não generalizada de novos conhecimentos na prática de forma ajustada em relação tanto aos princípios da interdisciplinaridade, das ciências entre si, quanto à pertinência e relevância social, isto é, apenas os conhecimentos que sejam úteis de acordo com as exigências das relações sociais que são estabelecidas pela sociedade capitalista. (p.147) Ao propor na formação do pedagogo, a produção e socialização do conhecimento, pode-se perceber que esta se resumirá na valorização excessiva da prática, em detrimento do teórico. O que nos parece, é que a proposição de pesquisa e de produção do conhecimento que orienta as DCNP, se conecta a teoria do professor pesquisador reflexivo6, em que a prática cotidiana é determinada como local de reflexão do campo educativo, sendo mero reflexo da realidade, sem a necessidade de realizar um 6 De acordo com os estudos de Viana (2011), a teoria do professor pesquisador-reflexivo alcançou amplo espaço de divulgação a partir da década de 90, tendo como principal formulador o norte-americano Donald Schön que conceituou mais explicitamente a figura do profissional reflexivo ao propor uma epistemologia da prática, sendo a prática reflexiva um domínio conquistado mediante a prática, a prática de pesquisa. Deste modo, “para o desenvolvimento da postura reflexiva é preciso formar habitus e estabelecer esquemas de reflexão” (idem, p.93). Acresce-se também que esta teoria de formação secundariza o conhecimento científico em defesa da valorização da experiência. Além disso, considera o sujeito como “um sujeito pesquisador capaz de construir seu próprio conhecimento” (p.93). Tal perspectiva de formação compreende a Pedagogia como um campo de aplicação das contribuições das demais ciências, como também um campo prático em que se constroem os conhecimentos com ênfase na experiência empírica sem a necessidade de ultrapassar os limites do empirismo, mas agora valorizando a interdisciplinaridade e a pluralidade de visões e métodos. ISSN 2177-8892 1393 estudo aprofundado e sistemático sobre a realidade, sem a necessidade de transmissão e apropriação do conhecimento. Em seu artigo 3, as DCNP apontam que o graduando deve desenvolver, [...] um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, [...] fundamentandose em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética (BRASIL, 2006, p. 1) Ao definir no artigo 3° os fundamentos do curso, num repertório de informações e habilidades fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética, o que se visualiza é que não há o interesse de desvelar as relações de dominação existente na sociedade capitalista, mas de adequar-se as demandas dessa sociedade, em “um diálogo, [...] uma negociação entre visões diferentes as quais deverão sempre prevalecer aquela que atende as requisições da sociedade regida pelo capital” (VIANA, 2011, p.146). O Curso de Pedagogia, objeto desta investigação, se propõe preparar o pedagogo para o exercício da docência e para a gestão dos processos educativos escolares e não-escolares na produção e difusão do conhecimento no campo educacional. Para dar conta desta tarefa, o currículo e o perfil do curso, buscam ser coerentes com esta concepção, e apontam no art. 5, 16 parágrafos de atribuições às quais este profissional deve estar apto a desenvolver quando egresso, sendo algumas delas: o exercício da docência nas etapas da educação básica, nos cursos de formação de professores; elaborar, desenvolver, acompanhar, coordenar e avaliar projetos pedagógicos em instituições públicas e privadas de educação escolar e não-escolar; participar da gestão das instituições implementando, coordenando, acompanhando, avaliando o projeto politico-pedagógico das instituições; identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa; consciência da diversidade, dentre outros. Diante de tantas funções atribuídas a este profissional, o que se evidencia é o que Freitas (2002) aponta sobre o processo de flexibilização curricular, que tem como finalidade estruturar um currículo baseado em competências a serem construídas pelos ISSN 2177-8892 1394 profissionais, que visa atender às demandas e às exigências da sociedade neoliberal. Viana (2011), apoiada nos estudos de Antunes (2007) destaca que, A sociedade neoliberal atravessada pela microeletrônica propõe como instrumento para atingir a reestruturação produtiva o toyotismo, porém, os modelos produtivos sofrem reestruturação sem, no entanto, transformar as bases essenciais do modo de produção capitalista. O toyotismo e a era da acumulação flexível procura gestar um projeto de recuperação da hegemonia por meio do culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo exacerbado, estabelecendo nova forma de relacionamento entre o capital e o trabalho com o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional e polivalente. (p.89-90) Saviani (2008) destaca que a DCNP encontra-se impregnada do espírito dos novos paradigmas, e o resultado que se coloca é um paradoxo: As novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia são, ao mesmo tempo, extremamente restritivas e demasiadamente extensivas: muito restritas no essencial e assaz excessivas no acessório. São restrita no que se refere ao essencial, isto é, àquilo que confira a pedagogia como um campo teórico –prático dotado de acúmulos de conhecimentos e experiências resultantes de séculos de história. Mas são extensivas no acessório, isto é, dilatam-se em múltiplas e reiterativas referencias à linguagem hoje em evidencia (p. 67). Diante desse quadro afrouxado, e de adesão a um vocabulário aparentemente acrítico e com enormes atribuições dadas a um único profissional, “ameaça o futuro licenciado a tornar-se uma massa disforme com pinceladas de conhecimentos” (EVANGELISTA, 2008, p.555). Sem conhecer de maneira aprofundada, portando múltiplos olhares, com pluralidade de conhecimentos que se dará na justaposição de áreas afins, o licenciado deverá realizar pesquisas para aplicação de resultados de interesse da área educacional.Assim, o licenciado em Pedagogia pode recorrer ao erro de entender que não é preciso compreender a realidade objetiva, levando a um esvaziamento teórico na formação deste profissional. Referindo-se ao esvaziamento teórico na formação de professores, Moraes (2001) ressalta-se que estamos vivenciando tempos em que a tônica do fim da história, do anúncio do fim da razão iluminista, vem recuando a teoria, valorizando o conhecimento pragmático, do cotidiano, “em tal utopia praticista, basta o “saber fazer” e a teoria é considerada perda de tempo ou especulação metafísica e, quando não, restritiva a uma oratória persuasiva e fragmentária” (idem, p. 10). ISSN 2177-8892 1395 De acordo com tal projeto de formação presente nas DCNP, a construção do conhecimento, será conquistada mediante a reflexibilidade da prática, onde a justaposição das áreas de conhecimento irá garantir uma real possibilidade de solução da dicotomia entre teoria e prática. O conhecimento é reduzido a áreas a fins e a pesquisa é reduzida a procedimentos que resultem em soluções rápidas aos problemas que surgem no espaço da escola, sendo considerada como atividade dissociada do processo de transmissão do conhecimento já então construído pelas ciências da educação, visto que a construção do conhecimento se dará por meio da atividade prática do sujeito. Cabe ainda destacar que a dissociabilidade entre teoria e prática foi gerada na divisão do trabalho na sociedade capitalista, sendo à base de organização do próprio sistema econômico vigente, que propõe uma formação diferente para as classes sociais. Nesta perspectiva, se na aparência a proposta de formação do professor pesquisadorreflexivo presente nas DCNP visa estabelecer a unidade teoria e prática, na realidade, ela faz reproduzir as bases do sistema capitalista, visto que a teoria se resume numa mera justaposição a prática. Alguns pontos para análise e reflexão Diante deste quadro, e aproximando-se de um fecho para este percurso pelo nosso estudo sobre o conhecimento e a pesquisa nas DCNP, apresentam-se alguns pontos de reflexão e análise destacando algumas consequências desta opção para formação de pedagogos que está em consonância com a teoria do professor pesquisadorreflexivo, apoiada na lógica do capital desencadeada a partir da década de 70 com o processo de reestruturação produtiva, pode causar na educação, a saber: 1- A redução da formação do pedagogo, ao invés de elevar as possibilidades de sua formação, por centrar-se apenas nas experiências empíricas sem a necessidade de apropriação do conhecimento sistematizado por meio do ensino. A filiação acrítica a tal perspectiva de formação pode levar a compreensão de que o conhecimento importante é aquele que é útil. Desse modo, se não há apropriação das objetivações históricas referentes aos conhecimentos produzidos em suas ISSN 2177-8892 1396 formas mais avançadas, a consequência é o esvaziamento, o empobrecimento do indivíduo em suas atividades práticas. Neste sentido, nas palavras de Freitas (1995, p.98) “separa-se o sujeito que conhece do objeto a conhecer”. Como consequência, o sujeito não se desenvolve da mesma forma que a sociedade, pois este se aliena do processo e de si mesmo, se tornam “prisioneiros de um mundo empírico fetichizado, no seu cotidiano, no praticismo das sínteses das atividades alienadas e alienantes pelas relações sociais de dominação na sociedade capitalista” (p. 46). 2- Redução do processo de produção do conhecimento a uma reflexão sobre a prática, assumindo a pesquisa papel principal para formação do licenciado em pedagogia em detrimento do ensino, correndo o risco de se construir uma prática adaptativa, ao invés de transformadora, pois a reflexão pode passar a ser sinônimo de produção de conhecimento, o que reduz a pesquisa a uma atividade esvaziada.Saviani (1997), ao discutir a questão do ensino e da pesquisa, assegura que “o ensino não é um processo de pesquisa. Querer transformá-lo num processo de pesquisa é artificializá-lo” (p. 58). Explicita ainda o autor que há uma valorização crescente da pesquisa em detrimento do ensino, onde, considera-se que a pesquisa, sem a necessidade da transmissão e apropriação do conhecimento, é a forma mais elevada para formação do sujeito. O autor considera ainda que, A pesquisa é uma incursão no desconhecido [...] o desconhecido só se define por confronto com o conhecido, isto é, se não se domina o já conhecido, não é possível detectar o ainda não conhecido, a fim de incorporá-lo, mediante a pesquisa, ao domínio do já conhecido (p.58). Ainda sobre a pesquisa, Saviani afirma “que [...] ninguém chega a ser pesquisador, a ser cientista, se ele não domina os conhecimentos já existentes na área em que ele se propõe a ser investigador, a ser cientista” (p.58). Na mesma direção da compreensão de pesquisa de Saviani, afirma Viana (2011) que, O conhecimento científico não pode ser construído de forma imediata no ou com o contato da prática empírica, faz-se necessário pensar sobre a realidade prática buscando aproximações teóricas sobre a mesma, isto é, apropriação dos conhecimentos científicos já existentes sobre tal realidade. (p.159-160) ISSN 2177-8892 1397 Assim, tanto para Saviani como para Viana, a apropriação dos conhecimentos acumulados e produzidos pelo homem é condição para produção de novas objetivações humanas. 3- Se levarmos em consideração o pensamento de Moraes (2001), ao analisar o recuo da teoria nas pesquisas em educação, podemos afirmar que o que presenciamos é a adesão a um repertório pragmático, uma visão empobrecida de pesquisa. Desta maneira, o conhecimento adquire caráter utilitário, desvalorizando o conhecimento científico no processo de formação do licenciado em Pedagogia, quando na verdade esse conhecimento é condição para uma compreensão crítica na apreensão da realidade social e escolar. Avançar para uma orientação teórica da prática educativa que seja mediada por uma consistente base teórica e não pela mera reflexão sobre o cotidiano é um dos desafios postos para os educadores que assumem como perspectiva a pedagogia histórico-crítica.Ressalta-se que este estudo não se finda aqui, mas as discussões em torno da temática (como qualquer outra) são inacabadas, aberta a outras tantas pesquisas. Nosso desejo é que ela desperte questionamentos e que assim possa servir de alguma forma para dar continuidade a outras investigações, buscando apresentar problemáticas, mas ao mesmo tempo possibilidades de superação das mesmas. REFERÊNCIAS AGUIAR, M. A.; BRZEZINSK, I.; FREITAS, H. C. L. et al. 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