Sorvete de chocolate à base de soja: elaboração e análise sensorial Soy-based chocolate ice-cream: preparation and sensory analysis Mari Luci Wasem Netzlaff*, Janesca Alban Roman, D. Sx.**, Graziela Bragueto *** * Nutricionista, ** Tecnóloga em Alimentos, Docente da Universidade Federal do Paraná – UTFPR, campus Toledo, *** Nutricionista, Bolsista da Fundação Araucária. Artigo elaborado a partir do trabalho de conclusão de curso de Mari Luci Wasen Netzlaff, “Análise sensorial e aceitabilidade do sorvete de chocolate a base de soja”, Faculdade Assis Gurgacz; 2007. Resumo Introdução: A soja e seus derivados como parte da dieta são recomendáveis, pois nela contêm nutrientes necessários para o crescimento, desenvolvimento e manutenção do organismo. Objetivo: Verificar a aceitabilidade do sorvete de chocolate a base de soja, através da análise sensorial e comparar com o sorvete tradicional, obtido com leite bovino. Métodos: Análises microbiológicas, físico-químicas e sensoriais foram realizadas nas amostras de sorvetes, que foram avaliadas por 73 julgadores. Os parâmetros avaliados foram: cor, sabor, textura e aparência geral. Resultados: O sorvete de soja apresentou aceitabilidade acima de 79% para todos os atributos avaliados, a cor e o sabor foram os atributos mais apreciados, respectivamente com 89 e 86%, o que significa um índice satisfatório no mercado consumidor. Dos 73 provadores, apenas 7 (9,6%) identificaram que uma das formulações continha soja. Conclusão: Quanto à preferência entre as duas amostras analisadas, 51% dos provadores optaram pelo sorvete de soja. O que significa que foi possível elaborar um produto com sabor agradável e com boa aceitabilidade pelos provadores. Palavras-chave: análise sensorial, leite, soja, sorvete. Abstract Introduction: Soy and its secondary products are recommended as part o four diet, owing to the fact that it contains the necessary nutrients for growing, developing and maintaining the human body. Aim: To check the acceptability of the soy-based chocolate ice-cream, through sensory analysis, and to compare to cow milk ice-cream. Methods: Microbiological, physicochemical and sensory analysis was carried out on the ice-cream samples, experimented by 73 volunteers. The features evaluated were: color, taste, testure and general appearance. Results: The soy-based ice-cream presented over 79% acceptance in all features checked. The color and taste were most appreaciated by 89 and 86% of people, respectively, which is a satisfactory rate in the consuming market. Out of 73 people who tried the product, only 7 (9,6%) identified the presence of soy. Conclusion: Regarding the preference between the two samples analysed, 51% of the volunteers preferred the soy-based ice-cream, which means it was possible to create a product of pleasant taste and good acceptability. Key-words: sensorial analysis, milk, soy, ice cream. Introdução No Brasil, durante os meses de verão são consumidos cerca de 70% da produção anual de sorvete. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Sorvete (ABIS), foram produzidos 501 milhões de litros com faturamento de US$ 886 milhões. O Brasil é o 12º colocado na produção mundial de sorvete [1]. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sorvete ou gelado comestível é “um produto alimentício obtido a partir de uma emulsão de gordura e proteínas, com ou sem adição de outros ingredientes e substâncias, ou de uma mistura de água, açúcares e outros ingredientes e substâncias que tenham sido submetidas ao congelamento, em condições tais que garantam a conservação do produto no estado congelado ou parcialmente congelado, durante a armazenagem, o transporte e a entrega ao consumo” [2]. A composição do sorvete pode ser de grande variedade de ingredientes, mas tem como base, o leite, creme, ovos, glicose, sacarose, açúcar invertido, mel, e também estabilizantes, emulsificantes, aromas e sabores [3]. O leite é composto de água, lactose, gordura, sais e proteínas [4]. No entanto não é recomendado para pessoas intolerantes à lactose [5]. A intolerância à lactose tem como principal causa à deficiência de lactase intestinal, enzima responsável pela quebra da lactose, em glicose e galactose. O acúmulo de lactose no intestino pode causar sintomas como náuseas, distensão abdominal, flatulência, dores abdominais e diarréia [6]. A soja é um alimento com alta quantidade e qualidade de proteína podendo substituir os alimentos à base de lactose. Também é importante fonte de fibras, vitaminas e minerais [7]. O consumo de 25 gramas de proteína de soja equivale à meia xícara do grão, ajudando a prevenir doenças coronarianas [8]. A introdução da soja e seus derivados como parte da dieta são recomendáveis, pois nela contem nutrientes necessários para o crescimento, desenvolvimento e manutenção do organismo, além de fornecer componentes naturais como a isoflavona e fosfolipídios, entre outros, que promovem o bem estar físico [9]. A indústria brasileira tem investido em tecnologia para a obtenção de melhorias sensoriais no leite de soja em combinação com sucos de frutas, obtendo assim um aumento no consumo do extrato hidrossolúvel de soja, consequentemente mudando os hábitos dos consumidores [10]. Os estudos sensoriais mostram que é viável o desenvolvimento de novas formulações de sorvete de mamão [11], contendo xilitol [12] e soro ácido de leite bovino como substituição do leite desnatado [13]. O avanço dos conhecimentos sobre a relação entre alimentação e saúde, bem como os elevados custos da saúde pública e a busca permanente da indústria por inovações têm gerado novos produtos, cujas funções pretendem ir além do conhecido papel nutricional dos alimentos [14]. Diante do exposto, entende-se que o mercado carece de produtos que possuam elevado valor nutricional sejam isentos de lactose e com características sensoriais aceitáveis e tendo como base a soja. O objetivo desse trabalho foi verificar a aceitabilidade do sorvete de chocolate à base de soja, através da análise sensorial e comparar com o sorvete tradicional, obtido a partir do leite bovino. Materiais e métodos Preparo das formulações de sorvete Foram elaboradas duas formulações do sorvete de forma artesanal, que diferenciaram entre si pela composição dos ingredientes, sendo esses derivados do leite ou da soja (Tabela I). As etapas do fluxograma estão mostradas no Figura 1. Tabela I: Formulação dos sorvetes de leite e soja. Ingredientes Sorvete de leite Leite 59,2% Creme de leite 11,8% Leite em pó 5,9% “Leite de soja em pó” * “Creme de leite de soja” 11,8% Leite de soja * Açúcar refinado 14,8% Chocolate em pó 5,9% Estabilizante 0,6% Emulsificante 1,2% Saborizante 0,6% Sorvete de soja * * * 59,2% 5,9% 14,8% 5,9% 0,6% 1,2% 0,6% Nota*: ausência: ingrediente não adicionado na formulação. A primeira etapa do processo constituiu em misturar o leite com o creme de leite em um liquidificador, em seguida foram adicionados os ingredientes secos: açúcar, leite em pó, saborizante, chocolate em pó e emulsificante. Após homogenização durante dez minutos, os sorvetes foram colocados no freezer (1º congelamento), esse processo é denominado de maturação. Após esse período o sorvete foi batido em batedeira doméstica (marca ARNO*) durante dez minutos, juntamente com o estabilizante. Em seguida foi armazenado em freezer durante 48 horas, com a temperatura de -18ºC, para o processo de endurecimento (2º congelamento). Após esse período foram realizadas as análises microbiológicas, físico-químicas e sensoriais dos sorvetes elaborados. Figura 1 – Fluxograma de elaboração dos sorvetes de leite e de soja, sabor chocolate. Análises microbiológicas As análises microbiológicas foram realizadas no sorvete de soja antes da análise sensorial, com o intuito de avaliar a qualidade e segurança microbiológica da formulação elaborada. Compreenderam contagem de coliformes totais e termotolerantes que foram realizadas de acordo com as técnicas de filtração em membrana e pelo método de plaqueamento e confirmação em tubos. Pesquisa de Salmonela e Staphylococcus aureus seguiram os procedimentos descritos na Instrução Normativa nº 62, de 29 de agosto de 2003 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento [15]. Todos os resultados obtidos foram expressos em forma de um laudo e comparados com os parâmetros de normalidade estabelecidos pela RDC nº 12 de 2001 [16]. Análises físico-químicas O teor de carboidratos, proteínas e lipídeos totais foram determinados seguindo os procedimentos descritos nos métodos químicos e físicos para análise de alimentos do Instituto Adolfo Lutz [17] e Lanara [18]. As análises foram realizadas por um laboratório credenciado e os resultados obtidos foram expressos por meio de um laudo, emitido pelo técnico responsável. Análise sensorial Este trabalho foi realizado de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde [19] que regulariza trabalhos envolvendo seres humanos. O projeto foi submetido à análise do Comitê de ética e Pesquisa da Faculdade Assis GurgaczFAG, que emitiu parecer favorável nº 84/2007. A avaliação da aceitabilidade sensorial das amostras foi realizada por 73 consumidores, que não foram informados da composição das duas formulações para não influenciar as respostas. O teste foi realizado em um laboratório de análise sensorial de uma faculdade particular de Cascavel/PR, onde as amostras de sorvete foram avaliadas, na mesma seção, por cada provador. As amostras foram servidas de forma monádica, em copos descartáveis de 50mL, codificados com números aleatórios de três dígitos. Foram avaliados os atributos cor, sabor, textura e aparência através da escala hedônica estruturada de 9 pontos, indicando a amostra preferida [20]. Para verificar a aceitabilidade e a intenção de compra das formulações elaboradas utilizaram-se as metodologias propostas por Nemati [21] e Damásio & Silva [22], respectivamente. Análise estatística A análise estatística dos dados foi realizada empregando-se as análises de variância (ANOVA) e as possíveis diferenças entre as médias (p < 0,05) pelo teste de Tukey, utilizando-se o programa Statistica: Basic Statistic and Tables [23]. Resultados e discussão Os sorvetes contêm a microflora dos diversos ingredientes utilizados na sua preparação, além de ser um produto derivado de leite e ovos, constituem um ótimo meio de cultura para o crescimento microbiano, devido ao alto valor nutricional, pH quase neutro (6-7) e à longa duração do período de armazenamento [24]. A Tabela II apresenta o resultado obtido da análise microbiológica da amostra de sorvete de soja. Pode-se observar que os produtos elaborados estavam de acordo com os padrões estabelecidos pela Legislação, estando estes adequados para o consumo. Tabela II – Análise microbiológica do sorvete de soja. Determinação Valor de referência1 Coliformes termotolerantes à 45ºC 5,0 x 101 UFG/g Coliformes totais à 36ºC 5,0 x 101 UFG/g Staphylococcus Aureus 5,0 x 102 UFC/g Salmonella ausência em 25g Resultado ≤ 1,0 x 101 UFC/g 1,8 x 102 UFC/g < 1,0 x 101 UFC/g ausência em 25g 1: Valores de referência de acordo Resolução RDC nº 12 [16]. O sorvete é uma excelente fonte de energia onde os constituintes são quase completamente assimilados. Principalmente constituído de carboidratos e gordura, o sorvete também contém proteína, minerais e vitaminas [25]. Os dados da composição físico-química do sorvete de soja estão apresentados na Tabela III. Verifica-se que os resultados obtidos estão de acordo Marshall e Arbuckle [25], que estabelecem que a composição aproximada geralmente está entre 0-20% gordura, 13-20% açúcar, 0-1,0% estabilizante/emulsificante e 32-45% sólidos totais. Tabela III – Composição físico-química do sorvete de soja. Componentes Carboidratos Proteínas Gorduras totais Sorvete de soja 13,49% 4,85% n.d.1 1: não detectado O sorvete de soja por ser um alimento protéico de bom valor nutritivo, sem dúvida representa importante alternativa para nutrição humana, desta forma a utilização deste alimento garante segurança às pessoas intolerantes à lactose, além de contribuir para a manutenção do equilíbrio intestinal, auxiliando no bem-estar físico e prevenindo doenças crônico-degenerativas. [26]. Os testes afetivos ou de preferência, aplicados em consumidores em potencial são indicados para avaliar a aceitação do produto [13]. O sorvete oferece uma combinação de propriedades sensoriais altamente desejáveis sendo estas classificadas em categorias de aparência (cor, maciez, regularidade); aroma, sabor e textura (dureza, viscosidade, cremosidade) [27]. Os julgadores avaliaram as duas amostras de sorvete elaboradas (soja e leite) quanto ao teste de preferência (escala hedônica), índice de aceitabilidade (IA) e a intenção de compra. As notas médias obtidas no teste de preferência e o índice de aceitação das amostras estão expressos na Tabela IV. Tabela IV – Notas médias obtidas no teste de preferência e índice de aceitabilidade (IA) das amostras de sorvete de soja (SS1) e o tradicional (ST2) e em relação aos atributos sensoriais. Amostras Análise Atributos avaliados Média Sensorial Aparência Cor Sabor Textura Ab Aa Ab Sorvete Notas 7,6 8,0 7,5 7,1Ab médias1 7,6 Soja (SS1) IA (%) 84 89 83 79 Sorvete Notas 7,3Aab 7,0Bbc 7,7Aab 7,3Aab médias1 7,3 Tradicional IA (%) 82 78 86 81 (ST2) 1: médias atribuídas pelos julgadores através da escala hedônica. Letras maiúsculas (coluna) iguais indicam que não houve diferenças significativas entre as amostras, para o mesmo atributo. Letras minúsculas (linha) iguais indicam que não houve diferenças significativas entre os atributos avaliados da mesma amostra (p < 0,05). Quando comparadas às duas amostras elaboradas em relação ao mesmo atributo, houve diferença significativa a 5% de probabilidade somente para a cor, que no sorvete de soja foi significativamente superior (coluna). Em ambas as amostras de sorvetes de chocolate elaborados nesse trabalho, os atributos aparência, sabor e textura não diferiram estatisticamente (linha). Em relação ao IA (%) observou-se que a aceitabilidade mínima foi de 78% para todos os atributos avaliados, a cor do sorvete de soja foi o atributo mais apreciado pelos provadores com aceitabilidade de 89%. O sabor e a textura foram mais bem avaliados no sorvete tradicional (ST1) com notas médias 7,7 e 7,3 respectivamente, atribuídas pela escala hedônica. Enquanto que no sorvete formulado com leite, creme de leite e leite em pó obtidos a partir da soja (SS1) as maiores notas forma relacionadas aos atributos sensoriais de aparência e a cor do sorvete, possivelmente sendo esse o fator decisivo para a escolha da amostra preferida por 51% dos provadores (Figura 2). Dos 73 provadores, apenas 7 dos entrevistados (9,6%) identificaram que uma das formulações continha soja, indicando que o sabor, muitas vezes considerado desagradável, por muitos indivíduos, não foi percebido pela maioria dos estudantes que participaram da pesquisa, sendo essa, portanto, uma alternativa viável, do ponto de vista sensorial; bem como nutricional, pela ausência de lactose e colesterol. Figura 2 – Preferência dos sorvetes de chocolate elaborados. Em relação à intenção de compra (Figura 3) dos produtos elaborados, 58% dos acadêmicos certamente comprariam e 39% provavelmente comprariam se o produto estivesse à venda, enquanto apenas 3% tiveram dúvida se compraria os sorvetes degustados. Figura 3 – Intenção de compra se o produto estivesse à venda. Esses resultados evidenciam que os sorvetes elaborados foram bem aceitos pelos provadores, indicando que é possível a elaboração de produtos a base de soja que apresentem elevada aceitabilidade no mercado consumidor. Segundo Behrens e Silva [10], as indústrias alimentícias que desejam alcançar no mercado produtos à base de soja, devem investir tanto nos aspectos sensoriais do produto, como na divulgação dos benefícios do consumo de soja à saúde humana, a fim de levantar expectativas positivas nos consumidores e estimular a compra e o consumo destes produtos. Conclusão Foi possível elaborar um sorvete de chocolate a base de soja com excelentes características sensoriais, apresentando aceitabilidade média de 84% nos atributos avaliados, superior ao sorvete de leite tradicional, sendo essa formulação preferida por 51% dos entrevistados. Referências 1. Associação Brasileira das Indústrias de Sorvete (ABIS). Indústria de sorvete trabalha para aumentar volumes. [citado 2007 Feb 23]. Disponível em URL: http://www.abis.com.br/noticias.asp. 2. Anvisa. Agência nacional de vigilância sanitária. Portaria nº 379, de 26 de abril de 1999. 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