História, imagem e narrativas No 18, abril/2014 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Renascimento: uma ruptura medieval ou continuidade moderna?
Maria Cristina Pires Monte Giovanazzi
Graduanda em História na UFAM. Jornalista e especialista em Comunicação Empresarial (Fundação Cásper
Libero), Responsabilidade Social (Fucapi) e Comunicação Científica (Fiocruz/Am.).
[email protected]
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de analisar o contexto histórico em que surge o movimento conhecido como
Renascimento, o qual teria – conforme aceito tradicionalmente – sido considerado uma ruptura da Idade Média.
Entretanto, discussões mais recentes dão conta de que tal movimento, que marca o início da Idade Moderna, é
uma continuidade histórica. Contudo, buscou-se refletir sobre parte da produção historiográfica, embasando-se
pela revisão bibliográfica. Apesar de o resultado aqui alcançado demonstrar que há muito a ser pesquisado e
discutido, no entanto, contribui positivamente para trazer o debate à ordem do dia e suscitar à reflexão.
Palavras-chave – Renascimento, período histórico, ruptura.
ABSTRACT
This article aims to discuss the historical context in which the period known as the Renaissance, which would
appear - according to classical historiography - was a break from the Middle Ages. However, discussions that are
more recent realize that this period, which marks the beginning of the Modern Agez, is a historical continuity.
However, we sought to reflect on part of the historical production, basing by the literature review. Although the
result reached here demonstrate that there is much to be researched and discussed, however, contributes
positively to bring the debate to the agenda and raise the reflection.
Keywords - Renaissance, historical period, break.
INTRODUÇÃO
Pesquisando-se pela internet ou folheando um livro escolar de História, consegue-se
perceber que o Renascimento é um movimento marcado, sobretudo, por importante
acontecimento artístico-cultural que invadiu o Ocidente no século XV, quando a Idade Média
passa a adormecer na eternidade e rompe a Idade Moderna, com todo o seu vigor voltado ao
desenvolvimento das artes, da ciência, da política e da economia; e é exatamente este período
de passagem que aqui interessa verificar.
O contexto em que surge o Renascimento tem sido recentemente discutido por
estudiosos que passam a compreender essa transformação como uma continuidade histórica e
não mais uma ruptura da Idade Média, como se verificam na literatura escolar e em parte da
historiografia. A afirmativa só é possível quando se compara posicionamentos de estudiosos
consagrados, como Jean Delumeau, Jerómê Bashet, Fernand Braudel, Pierre Vilar, entre
outros, a esse modelo tradicional e largamente adotado e que vem gerando, ao longo do
tempo, principalmente, - ao senso comum - uma construção errônea, distorcida e
preconceituosa sobre a Idade Média e que, ao mesmo tempo, apresenta o Renascimento como
um período glorioso, pontuado somente por desenvolvimentos e descobertas.
A análise aqui em questão e que pretende elucidar e compreender o cenário em que
nasce o Renascimento, englobará perguntas como: qual o papel da historiografia nessa
construção? Por quê a História apresenta as divisões temporais? Há alguma influência da
Idade Média nessa ruptura temporal? O que foi o Renascimento e como desponta a Idade
Moderna? Essas reflexões serão norteadoras do trabalho aqui proposto ao passo que justifica
sua realização pelo fato de propor um olhar diferenciado.
Sem a pretensão de esgotar o assunto nas linhas seguintes, espera-se que o presente
artigo contribua no sentido de promover uma discussão a mais sobre tal período, adicionando
elementos para essa efetivação.
2 A PERIODIZAÇÃO HISTÓRICA: ORGANIZANDO TEMPO E ESPAÇO
Faz parte da natureza humana compreender os acontecimentos pelo viés da
temporalidade. Diversas culturas, no mais longínquo dos tempos, procurou contar o tempo de
Figura 01: Relógio de Sol
alguma forma. Instrumentos a base da água (clepsydra), relógio de sol, conforme a Figura 011,
entre outros, corroboram para essa necessidade de registrar os fenômenos por meio do tempo.
Os sumérios, povo antigo instalado na Mesopotâmia, elaboraram um calendário, que
dividia o ano em 12 meses de 30 dias, sendo que os dias eram divididos em 12 períodos,
equivalentes a duas horas, e dividiam cada um destes períodos em 30 partes,
aproximadamente 4 minutos. Para a História o tempo é um parceiro insuperável e inseparável:
não pode existir, no contexto humano, História sem tempo e nem mais tempo sem História!
Adiciona-se a essa união, outro importante elemento - longe de constituir qualquer
processo de infidelidade ao qual destoa do pensamento ocidental - o elemento espaço, que
figura como outro alicerce fundamental a formar a dupla que leva à compreensão do processo
histórico e que diz respeito, no caso aqui estudado, à Europa, onde surge o Renascimento.
Portanto, ressalta-se que a História constitui-se de rupturas (recortes) e continuidades
temporais que lhe são imputadas para estabelecer períodos que facilitem a apreensão e
compreensão da dinâmica do ocorrido, do registrado. Assim, no caso das rupturas, temos
importantes recortes como a Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea,
cada qual caracterizado por importantes fenômenos e baseados por períodos temporais o que
didadicamente, torna a História intelegível. Entretanto, essas rupturas são convenções
artificiais e passíveis de críticas.
1
Figura 01: Relógio de Sol – Endereço eletrônico: http://bit.ly/1i4SrUD - Acessado em 25/01/2014.
3 É importante dizer que na própria historiografia há muitas discussões sobre essas
rupturas, alguns historiadores concordam, outros discordam e há ainda os que propõem novos
recortes. Essa dificuldade na periodização histórica pode ser percebida por BRAUDEL2
(1997) em que primeiro questiona e depois analisa que
Com efeito, o milagre, no Ocidente, não está exatamente em que tendo sido
tudo destruído, ou quase, com o desastre do século V, tudo tenha ressurgido a
partir do século XI? A história está cheia destas idas e vindas seculares, destas
expansões, nascimentos e renascimentos urbanos: a Grécia do século V ao II
antes de Cristo, Roma, se se quiser, o Islã a partir do século IX, a China dos
song.
Já Jacques Le Goff, em uma perspectiva complementar, rompe com essa
periodização estabelecida e propõe nova periodização em decorrência de certos referenciais e
observou a germinação de acontecimentos desse período entre os séculos IV ao XVIII3. Para
ele, por exemplo, acontecimentos como a Peste Bubônica (1720) e a Revolução Francesa
(1789) são marcos fincados no período medieval.
UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL À IDADE DAS TREVAS?
O termo Idade Média que historiograficamente corresponde ao recorte temporal
estabelecido entre os séculos V e XV carrega nos ombros uma carga negativa, por ser
compreendida como um período apático de 1.000 anos que em nada contribuíram para o
desenvolvimento humano.
É bom lembrar que há algumas divisões internas atribuídas à Idade Média e aqui
adotou-se a divisão tripartite utilizada por Jérôme Baschet, na qual a Alta Idade Média
corresponde aos séculos V a X, seguida da Idade Média Central que se refere aos séculos XI a
XIII e da Baixa Idade Média condizente aos séculos XIV e XV.
Voltando a analisar esse período de mil anos, retorna-se também à questão das
rupturas. Ora, conforme aceito pela historiografia clássica: o século V é marcado pela queda
do Império Romano do Ocidente (ano de 476) e o XV pela queda do Império Romano do
2
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII. Martins Fontes.
Tradução - Telma Costa. São Paulo: 1997, p.468.
3
Informações coletadas na aula expositiva de História Medieval, ministrada pelo professor pós-Doutor Sínval
Carlos Mello Gonçalves, em novembro de 2013.
4 Oriente (ano de 1453), os quais são dois acontecimentos negativos, BASCHET4 (2006) rompe
– pelo menos no segundo caso – com esta lógica estabelecida e elege o ano de 1492 como o
de maior significado ocidental, como “ponto de articulação convencional entre a Idade
Média e Tempos Modernos”, pois esse ano foi “marcado por uma notável constelação de
eventos de primeira importância para a Península Ibérica e para o Ocidente”. O autor
pontua a chegada de Colombo às Ilhas Caraíbas, o fim do cerco de Granada por Fernando de
Aragão e Isabel, a expulsão dos judeus dos reinos de Aragão e Castela e a publicação da
primeira gramática de uma língua vernacular por Antônio de Nebrija.
BASCHET5 estuda a Idade Média não como um período de rupturas mas, sim, como
um período de continuidades, pois, por exemplo, para ele “o laço entre o fim da Reconquista e
o início da aventura marítima lançada em direção ao Oeste, que rapidamente conduzirá à
Conquista” são dois episódios que participam de um mesmo projeto de consolidação. É
desconstruída a ideia de que a Conquista do Novo Mundo americano é uma ruptura com a
Idade Média, mas, uma continuidade. Aconteceria a mesma situação com o Renascimento?
Para ele6, é necessário refletir sobre as rupturas admitidas entre a Idade Média e os
Tempos Modernos “e que a Conquista mergulha suas raízes na história medieval do
Ocidente”.
Corroborando com a afirmativa de se repensar as rupturas entre as idades, o autor7
dirá que “os espanhóis que tomam pé no continente americano são impregnados de uma
visão de mundo e de valores medievais”.
Em relação à estagnação do período, VILAR8 (1971) percebe os séculos XV e XVI
como sendo signatários de muitas inovações mais até mesmo que o século subsequente, o que
mostra que há períodos de renascimentos acontecendo ao longo da História, os quais não
estão contidos em um ou outro período específico. Em relação ao exposto ele dirá que
Recentes estudos precisaram que no século XV o número de inventos foi maior
que no século XVII: O uso da artilharia obrigou a impulsionar a produção de
metal. O primeiro alto fomo data do século XV. A difusão do pensamento
humano, com a invenção da imprensa, o progresso da ciência da navegação,
4
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006
(Paris, 2004), p. 25-26.
5
Ibidem, p. 27.
6
Ibidem, p. 28.
7
Ibidem, p. 28.
8
VILAR, Pierre. A transição do feudalismo ao capitalismo. In:SANTIAGO, Theo (Org.). A transição do
feudalismo ao capitalismo: uma discussão histórica. 3ª ed., São Paulo; Contexto, 1988. p. 40.
5 desempenharam um papel não menos importante. Pela primeira vez, técnicas
industriais e técnicas de comunicação ultrapassam a técnica agrícola. É o
começo de um processo que colocará a indústria no primeiro plano do
progresso.
Até na nomeação a Idade Média sofre com o estigma de desvalorização, pois,
segundo BASCHET9 (2006)
media aetas, medium aevum, em latim, e as expressões equivalentes nas
línguas europeias significam a idade do meio, um intervalo que não poderia ser
nomeado positivamente, um longo parêntese entre a Antiguidade prestigiosa e
uma época nova, enfim, moderna.
No dicionário10, o verbo renascer apresenta vários significados, dentre os quais,
destacam-se: “tornar a nascer", “adquirir nova vida, vigor ou atividade” e “renovar-se”.
Entendendo-se que revive o que morreu, o que não existe como antes, renascendo de um fim
para surgir um novo começo. Ratifica-se assim a noção de uma ruptura entre o que morre e o
que renasce, o que finda e o que nasce: uma síntese que surge entre a Idade Média e a
Moderna, no qual o Renascimento torna-se o fio condutor.
Pelo exposto, vê-se o quão importante se faz essa análise entre o que marca o fim da
Idade Média e o começo de outra época e, mais ainda, a que se refere à reavaliação de um
período visto como sombrio. Assim sendo, ECO11 (2010) fornece outra pista sobre o assunto
quando diz que “a Idade Média não tinha só uma visão sombria da vida. (...) exatamente para
desmentir a lenda dos tempos escuros, é conveniente que se pense no gosto medieval da luz”.
RENASCIMENTO: A MODERNA ARTE DE REINVENTAR O PASSADO
O Renascimento marca o início da Idade Moderna. O desenvolvimento comercial e a
agitada atividade cultural no Ocidente, sobretudo, no século XV, faz surgir o movimento
intelectual centrado no Homem. Essa mudança de mentalidade pode ser percebida nos
9
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006
(Paris, 2004), p. 25-26.
10
Dicionário Michaelis online. Endereço eletrônico: http://bit.ly/1hyx62V. Acesso em 10/02/2014.
11
ECO, Umberto. Idade Média – Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Introdução à Idade Média. Encyclomedia
Publishers, Milão e Dom Quixote. Portugal, 2010. p. 20.
6 humanistas, os quais buscaram na Antiguidade recuperar a cultura greco-romana, a qual
representava - para eles - o ideário perfeito de civilização.
Decerto que, em princípio, foi um movimento elitista, formado por um grupo de
intelectuais ricos ou financiados por outros de posses elevadas. Entretanto, tal movimento irá
ecoar pelo Ocidente e reverberará em todas as áreas da vida humana: cultural, econômica,
política, social e religiosa.
Tal movimento pode ser identificado por três fases no desenvolvimento do
Renascimento, movimento intelectual e artístico surgido na Itália, que são conhecidas como
trecentismo (anos 1300), quatrocentismo (anos 1400) e cinqüecentismo (anos 1500).
Nas artes, conforme obra da época (Figura 02)12, principalmente, na pintura, surgem
– inicialmente – os pintores italianos que mergulham nessa cultura clássica e a expressam por
meio da perspectiva (explorando a luz e o ambiente), utilizam pintura a óleo, passam a usar
novos pigmentos aglutinantes que propiciam aumentar a gama de cores, entre outras técnicas
que aparecem nesse contexto renascentista.
Entretanto, com todos esses ares transformadores, o Renascimento não parece tão
moderno como pontua BASCHET13
Os defensores da visão obscurantista da Idade Média surpreender-se-ão ao
constatar que uma expressão amplamente consagrada pela tradição
historiográfica evoca um renascimento em pleno coração dos séculos mais
sombrios das trevas medievais. Mas, como se disse, a Idade Média é um longo
rosário de “renascimentos”, e o desejo de um retorno à Antiguidade, que é a
essência desse ideal, não é o apanágio dos séculos XV e XVI – ele se manifesta
d
Figura 02: Salome with the Head of Saint John Baptist – Imagem por Cristina Monte
12
Figura 02 – “Salome with the Head of Saint John Baptist”. Técnica: óleo sobre tela. Autor: Andrea Solario,
italiano (1465-1524 Milan). Exposição no Museum of Modern Art (MoMa), Nova York, visitado em outubro de
2013.
13
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006
(Paris, 2004), p. 69.
7 esde o fim do século VIII.
O ponto-chave tratado nessa citação de Baschet, além da antecipação do
Renascimento e não desprezando a crítica, traduz o conceito de Renascimento como sendo o
retorno deste homem moderno à Antiguidade, segundo o qual “a noção de uma ressurreição
das letras e das artes graças ao reencontro com a Antiguidade foi, seguramente, fecunda
como fecundos são todos os manifestos lançados em todos os séculos por novas gerações
conquistadoras”, dirá DELUMEAU14 (1983) corroborando com a afirmativa anterior e, ao
mesmo tempo, concordando com a noção de continuidade histórica.
É tão vívida essa noção no discurso de DELUMEAU15 que ele entende a importância
de se suprimir nos livros de História os dois conceitos Idade Média e Renascimento por
causarem preconceitos e dificultar a compreensão dessa transição, pois, para ele “se
abandonaria todo um conjunto de preconceitos. Ficar-se-ia, especialmente, livre da ideia de
ter havido um corte brusco que veio separar uma época de luz de um período de trevas”.
Importa registrar que o Renascimento, como a Idade Moderna, é uma construção
recente, oriunda do século XIX e que representa a ideia da contemporaneidade e do que
vigora, pois foi Jules Michelet quem incorporou a expressão Renascimento à terminologia
histórica. QUEIRÓZ16 (1995) vai dizer que “o Renascimento, longe de ser uma categoria
ideal, imutável, sobrevive na diversidade de metodologias históricas e na compreensão
possível de contemporaneidade”. Até os dias atuais, o tema Renascimento desperta grande
interesse por parte do público. Em 2013, algumas cidades brasileiras receberam a exposição
Figura 03: Exposição Mestres do Renascimento – Imagem por Cristina Monte
14
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento – Volume 1. Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1983 –
Tradução Manuel Ruas, p. 19.
15
Ibidem, p. 19.
16
QUEIRÓZ, Tereza Aline Pereira de. O Renascimento. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 1995.
p.33.
8 intitulada mestres do Renascimento – Obras-Primas Italianas (conforme Figura 03)17, que
contou com a apresentação de mais de cinquenta obras-primas provenientes de importantes
coleções italianas, públicas e privadas. Em um mês e meio, cerca de 190 mil pessoas
visitaram a exposição em São Paulo.18
IDADE MODERNA E VELHAS QUESTÕES
Do Renascimento em diante, o processo de transformação social-político e
econômico foi gradual. Aos poucos, o feudalismo abre espaço para o capitalismo, que altera
as relações de produção e, consequentemente, as de trabalho. O homem desse tempo não se vê
mais como um sujeito dependente da Igreja, a qual precisa se reinventar. Surge o câmbio, a
moeda passa a ser introduzida em nível internacional, o escambo diminui, as cidades –
lentamente – começam a crescer e mudam-se as relações com os campos. Todos querem ser
modernos e visam ao futuro. Esses grupos sociais percebem que o progresso está no presente,
rejeitam o passado das trevas e buscam na Antiguidade respostas às velhas questões que se
relacionam à vida, à morte, à beleza, à religiosidade, entre outras. Mas como se pode
conceituar a Modernidade?
De acordo com SILVA e SILVA19 (2010) “a ideia de Modernidade surge, segundo
Jacques Le Goff, quando há um sentimento de ruptura com o passado. Nesse sentido, um dos
primeiros pensadores a utilizar a ideia de modernidade foi Charles Baudelaire.” Ele entendia
a modernidade como as mudanças que se processavam conforme o tempo presente em que ele
vivia. O homem do século XVI ansiava a Modernidade, ele caminhava a passos largos ao
futuro, mesmo tendo o pé preso na Antiguidade
[...] a partir do século XVI, todavia, quando os eruditos revalorizaram a cultura
pagã, ser moderno era se opor ao medieval e não ao antigo ou à Antiguidade.
Os homens do século XVI julgavam estar vivendo em um mundo novo
(moderno), embora o passado greco-romano devesse ser respeitado na
construção desse novo mundo e do novo homem, liberto do obscurantismo
medieval.
17
Figura 03 – Centro Cultural do Banco do Brasil. A exposição aconteceu entre os dias 13 de Julho a 29 de
setembro de 2013, em São Paulo. Exposição visitada em setembro de 2013.
18
Notícia coletada em 26/02/2014 na seção Ilustrada da Folha de São Paulo online. http://bit.ly/1mXPnIF.
19
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 3 ed. São Paulo.
Contexto 2010, p. 297.
9 No entanto, aqui vê-se outro indício de que se deve analisar cuidadosamente quando
se fala em recortes de um período histórico para outro, pois, como se vê aqui, teremos
novamente nuances, mesclas onde passado e futuro se encontram, já que para DELUMEAU20
(1983), em relação a essa visão moderna de entender o mundo, ele vai dizer que os séculos
XV e XVI não podem ser vistos apenas como tempos modernos, pois:
pelo contrário, a mais elementar obrigação de lucidez conduz-nos a declarar
que os séculos XV e XVI viram, de certo modo, um aumento de obscurantismo
- o obscurantismo dos alquimistas, dos astrólogos, das feiticeiras e dos
caçadores de feiticeiras. Continuaram a dar relevo a tipos de homens.
Mais adiante, SILVA e SILVA21 (2010) explora uma outra possível definição de
Modernidade que
pode ser entendida como um conjunto amplo de modificações nas estruturas
sociais do Ocidente, a partir de um processo longo de racionalização da vida.
Nesse sentido, como afirma Le Goff, Modernidade é um conceito estritamente
vinculado ao pensamento ocidental, sendo um processo de racionalização que
atinge as esferas da economia, da política e da cultura.
BERMAN22 (1986) apresenta uma conceituação ambígua quando diz que “ser
moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça
destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.” Ele23 entende que a
Modernidade surge da dicotomia entre se viver em um período que não mais existe, porém,
“ao mesmo tempo, o público moderno do século XIX ainda se lembra do que é viver,
material e espiritualmente, em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro”. No
entanto, misturando o que é passado, presente e futuro, ele24 irá completar que “é dessa
profunda dicotomia, dessa sensação de viver em dois mundos simultaneamente, que emerge e
se desdobra a ideia de modernismo e modernização”.
20
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento – Volume 1. Tradução Manuel Ruas. Lisboa: Editorial
Estampa, 1983, p. 21.
21
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 3ª ed., São Paulo:
Contexto, 2010, p. 297-298.
22
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade. Tradução Carlos
Felipe Moisés, Ana Maria L. Ioriatti e Marcelo Macca. São Paulo: Editora Schwarcz, 1986, p.09.
23
Ibidem, p. 10.
24
Ibidem, p. 10. 10 Estaria aí outra hipótese de que, neste caso, não há uma ruptura histórica? E sim que
o Renascimento surge espontaneamente, como o dia que vai se transformando na noite,
passando por tonalidades que representam desde o claro até chegar à escuridão, conforme o
passar das horas e, repentinamente, quando se percebe já é noite? Quando e como se deu
exatamente essa transição? De que ele - o Renascimento - foi o desabrochar de tudo o que
havia germinado durante os mil anos sombrios?
TRANSIÇÃO: O ELO DA CONCLUSÃO
O Renascimento traz a esperança de um recomeço, de uma modernidade que –
apesar de ser impulsionada pelo avanço científico-tecnológico – estrutura-se em elementos
ainda muito arraigados no inconsciente coletivo, como por exemplo a superstição de se evitar
passar debaixo de uma escada, de se benzer as pessoas com galhos de arruda para tirar mauolhado,
de curar enfermidades com uso de ervas medicinais e de acender velas em
homenagem aos mortos, entre tantas outras crenças nascidas na madrugada dos tempos mais
remotos, que, entretanto, permeiam o imaginário da civilização ocidental e são trazidas do
longínquo ao momento presente em um piscar de olhos, sem barreiras espacial ou temporal.
Portanto, diante do exposto, uma leitura aqui possível diz respeito a ver a Idade
Média como um período de estruturação, de base, de preparação para a concepção do
Renascimento, quando se encontram. Aprofundando a análise, pode-se ainda verificar que o
cristianismo, instituição estabelecida e expandida durante a Idade Média, torna-se elo entre
essa transição aqui tratada. Corroborando com a afirmativa de que não há uma ruptura
irreconciliável entre ambos períodos, pois, na sociedade ocidental a instituição cristã perdura
até os dias atuais, resistindo ao Renascimento, inclusive, sobrevivendo a ele!
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
•
BASCHET,
Jérôme.
A
Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006 (Paris,
2004), p. 25, 26, 28.
•
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido
desmancha no ar – A aventura da modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés, Ana
Maria L. Ioriatti e Marcelo Macca. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., 1986, p.11.
•
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e
Capitalismo, Séculos XV-XVIII. Martins Fontes, São Paulo, 1997 – Tradução Telma
Costa, p. 468.
•
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento –
Volume 1. Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1983 – Tradução Manuel Ruas, p. 19.
•
ECO, Umberto (org.). Idade Média – Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Introdução à
Idade Média. Encyclomedia Publishers s.r.l., Milão e Publicações Dom Quixote. Portugal,
2010. p. 20.
•
QUEIRÓZ, Tereza Aline Pereira de. O Renascimento. São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo. 1995. p.33.
•
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos
históricos. 3 Ed. São Paulo. Contexto 2010. p. 297.
• VILAR, Pierre. A transição do feudalismo ao capitalismo. In:SANTIAGO, Theo (Org.).
A transição do feudalismo ao capitalismo: uma discussão histórica. 3ª ed., São Paulo;
Contexto, 1988.
•
Figura 1 – http://bit.ly/1i4SrUD
• Figura 2 e figura 3 – Imagem por Cristina Monte
12 
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