Durante a Baixa Idade Média (século XI ao XV), as relações comerciais se desenvolviam entre o sudeste da
Ásia, o norte da África e a Europa. O mercado estava limitado a essas regiões.
A partir do século XV, com a circunavegação da África e a descoberta do caminho marítimo para as Índias por
Vasco da Gama e a volta ao mundo por Fernão de Magalhães, expandiram-se as regiões produtoras e consumidoras, surgindo o mercado mundial.
À descoberta de novos continentes e ao surgimento desse mercado mundial, interligando a Europa, África,
Ásia e América, atribuímos o nome de expansão marítima e comercial européia.
FATORES DA EXPANSÃO MARÍTIMA EUROPÉIA
A partir do século XIII, e principalmente no século XIV, começou a grande crise do sistema feudal. Cessaram o
arroteamentos e as terras se esgotaram, provocando a falta de alimentos. À grande fome, no século XIV, seguiram-se grandes epidemias, das quais a mais conhecida é a peste negra. Os camponeses empobreciam cada
vez mais e sua situação se agravava com o aumento das exigências da nobreza feudal, que necessitava de
novas rendas para manter suas guerras e satisfazer o seu luxo.
A grande fome, as epidemias e a superexploração pela nobreza feudal exterminaram boa parte da mão-deobra medieval e, como conseqüência, houve um retraimento do comércio. Era necessário aumentar as áreas
produtoras de matérias-primas e os mercados consumidores de produtos manufaturados europeus, para superar a estagnação da economia no século XV. A saída para a crise foi a expansão marítima.
AS ESPECIARIAS E OS METAIS PRECIOSOS
Durante a Baixa Idade Média, os europeus importavam especiarias do Oriente. Eram produtos tropicais de
reduzido volume e alto valor econômico, muito apreciados na culinária européia. Até chegar aos portos do
Mediterrâneo, esse comércio era monopolizado pelos árabes. A partir daí, as cidades italianas passaram a ter
exclusividade no comércio das especiarias.
Os árabes compravam as especiarias nas Índias e traziam-nas por terra até os portos mediterrâneos, onde
eram vendidas aos genoveses, venezianos e comerciantes de outras cidades italianas. Estes revendiam a mercadoria, com grande lucro, na Europa. O comércio de especiarias era, portanto, um negócio árabe-italiano.
Como os europeus não tinham nenhum produto de reduzido volume e alto valor econômico para vender aos
árabes, pagavam as especiarias com metais preciosos, que foram tornando-se escassos na Europa, passando a
prejudicar o comércio. As minas da Europa central estavam esgotadas. A solução seria a busca de ouro e prata
em outros continentes.
Nesse período surgiram na Europa alguns Estados com governo central forte que não participavam das rotas
de comércio de especiarias. Nesses novos Estados, principalmente em Portugal e Espanha, desenvolveu-se
um poderoso grupo de mercadores que procurava quebrar o monopólio comercial árabe-italiano. Mas esses
mercadores não poderiam utilizar a rota através do Mediterrâneo, que era um verdadeiro lago das cidades
italianas. Além do mais, havia séculos que venezianos e genoveses eram parceiros comerciais dos árabes, e
não seria fácil destruir essa aliança. Tornava-se, então, necessário, para por fim ao monopólio italiano, descobrir uma nova rota: um caminho marítimo para as Índias, terra das preciosas especiarias.
A ALIANÇA REI-BURGUESIA
A burguesia desses novos Estados europeus estava interessada em expandir mercados fornecedores e consumidores. Mais do que isso: estava interessada em dominar o rico comércio oriental de especiarias e artigos
de luxo. Mas, para descobrir o caminho marítimo para as Índias, era necessário organizar uma bem equipada
frota de navios, o que exigia muito capital. Somente o Estado com forte governo central teria condições de
conseguir o capital necessário a tal empreendimento.
O empreendimento foi, então, planejado pelo rei, estimulado pela nobreza e pela burguesia, esta a grande
beneficiária da expansão do comércio. Para a nobreza, o interesse na atividade mercantil era outro. Com as
grandes navegações, pensava-se em guerra: guerra contra os árabes, os asiáticos e os nativos das regiões
porventura conquistadas. Guerra implicava militares e, no início da Idade Moderna (século XV ao XVIII), os
militares eram os nobres, há muito tempo ociosos, principalmente em Portugal. A nobreza já não recebia mais
feudos e, isolada da atividade comercial, precisava de postos rendosos, como chefias militares, governos de
regiões conquistadas, cargos judiciários etc.
O rei ouvia os conselhos dos burgueses e nobres, mas a decisão final era sua. Definida a campanha, ele buscava o apoio dos burgueses poderosos. Estes, ávidos de lucros fáceis, reuniam seus capitais nas mãos do Estado
centralizado, que se encarregava da organização da frota, do armamento, do recrutamento das tropas etc.
A descoberta do caminho marítimo para as Índias e a chegada dos europeus aos novos continentes só foram
possíveis graças à iniciativa das monarquias nacionais, aliadas à burguesia e, sem contestação por parte da
nobreza.
O PIONEIRISMO PORTUGUÊS
Portugal foi o país que deu início à expansão marítima, seguido pela Espanha, Holanda, França e Inglaterra. O
pioneirismo português se deveu, fundamentalmente, a dois fatores: a precoce centralização do poder nas
mãos do rei e a existência de um poderoso grupo mercantil.
Com a Revolução de Avis (1383-1385), D. João, Mestre de Avis, apoiado pelos comerciantes do litoral, derrotou
a nobreza feudal, aliada de Castela, e centralizou todo o poder nas suas mãos. Foi o Estado português, interessado na expansão marítima, que promoveu a descoberta do caminho marítimo para as Índias.
O grupo mercantil português se fortaleceu durante o século XIV. Até essa época, a principal rota comercial
que ligava o sul ao norte da Europa era a Planície de Champagne, na França. No século XIV, entretanto, as revoltas camponesas e a Guerra dos Cem Anos, entre Inglaterra e França, pelo domínio da região de Flandres,
tornaram perigoso o trânsito pela Planície de Champagne. As especiarias passaram a ser levadas a Portugal,
de onde eram enviadas para o norte da Europa. Nos portos portugueses, como intermediário desse comércio,
surgiu então, um poderoso grupo mercantil, integrado por portugueses, flamengos, genoveses, venezianos e
ingleses.
A mudança das rotas comerciais européias fortaleceu a burguesia do litoral, que interessada em apropriar-se
do comércio oriental de especiarias e artigos de luxo, aliou-se à monarquia nacional portuguesa na busca do
caminho marítimo para as Índias.
A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA
Para descobrir o caminho marítimo para as Índias seria necessário muito capital. Como os capitais escasseavam em Portugal, o rei D. João I resolveu iniciar a expansão marítima tomando Ceuta, entreposto comercial
árabe no norte da África e centro irradiador do comércio africano. A tomada de Ceuta propiciaria à coroa portuguesa, além do controle parcial do comércio africano, mais capitais para sua expansão marítima, com o saque ao entreposta árabe. Pesou também na decisão do rei o fato de Ceuta ser controlada pelos árabes, o que
daria um sentido cruzadístico à expedição. Afinal, seria a luta dos cristãos contra os infiéis muçulmanos, o que
excitaria a nobreza, ávida de guerras religiosas, e o clero, além de garantir a benção do Papa.
Diga-se, a propósito, que a combinação entre atividade mercantil e zelo cruzadístico foi uma constante na
expansão marítima portuguesa. Portugal era uma nação ainda senhorial, devido à forte presença da nobreza
feudal, onde o peso da religião era muito forte. A expansão portuguesa foi um misto de cruzada, rapina, pirataria, comércio, expansão do império e da fé. À burguesia interessavam saques e lucros; a nobreza feudal buscava honras e posições; o clero visava converter os infiéis e os pagãos.
Ceuta foi conquistada em 1415, marco oficial da expansão portuguesa. Os lucros obtidos com o saque permitiram o financiamento das viagens posteriores pelo litoral africano, onde Portugal ocupou as ilhas de Porto
Santo, Madeira e o Arquipélago dos Açores. Nessas ilhas foi introduzido o sistema de capitanias hereditárias, e
teve início o cultivo de várias espécies vegetais trazidas do reino (videiras, cana-de-açúcar etc.), além da criação de animais domésticos. Nas ilhas de Cabo Verde, descobertas em 1460, repetiu-se esse mesmo esquema.
De todas as culturas implantadas nas ilhas, a que mais se desenvolveu foi a da cana-de-açúcar. Por volta de
1434, Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, o que permitiu a exploração da costa africana em busca de ouro e
marfim. Mas a mais importante riqueza encontrada pelos portugueses nessa exploração foram os negros. Os
primeiros negros que foram levados a Portugal foram capturados no Saara, em 1441: eram apenas seis, que,
de cabeça baixa e falando apenas sua própria língua, enfezados (possivelmente xingando os portugueses),
foram apresentados à corte. A descoberta dos negros reabilitou o Infante D. Henrique perante a corte e os
grandes mercadores, que não estavam satisfeitos com o baixo rendimento das expedições pelo litoral africano. Para um país despovoado como Portugal, esses trabalhadores eram importantíssimos.
Em 1454, o Papa Nicolau V assinou a Bula Pontifex, que permitia a escravidão dos muçulmanos, pagãos e outros inimigos de Cristo, dando exclusividade aos portugueses para escravizar os negros e trazê-los para o reino. Portugal, dessa forma, introduziu a chamada escravidão moderna. Mais de dez mil negros foram levados
anualmente para lá.
Continuando em busca da rota das especiarias, os portugueses chegaram ao Congo, em 1482. Seis anos depois, Bartolomeu Dias contornou o Cabo das Tormentas, mais tarde chamado Cabo da Boa Esperança. Vasco
da Gama chegou a Calicute, nas Índias, em 1498, possibilitando a Portugal o monopólio do comércio de especiarias. Em 1500, Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil.
CONSEQÜÊNCIAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL
Com a descoberta do caminho marítimo para as Índias, houve um declínio das tradicionais rotas comerciais
européias. O poder das cidades italianas localizadas no Mediterrâneo enfraqueceu-se, e o centro econômico
da Europa foi deslocado para a costa Atlântica.
O comércio europeu adquiriu âmbito mundial, e as atividades comerciais ganharam grande impulso, multiplicando o número de bancos e empresas diversas, entre as quais as companhias privilegiadas de comércio, que
atuavam nas Índias e América.
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