XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS
BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.
Grupo de Trabalho: "Políticas Públicas, Governo e Desenvolvimento"
O bolsa família e sua contribuição para o desenvolvimento
local
Autoras: Vanecilda de Sousa Barbosa – UFRPE/UAST
[email protected]
Maria de Assunção Lima de Paulo – UFRPE/UAST
[email protected]
O Bolsa Família (PBF) é um dos programas que constituem as chamadas
políticas de transferência de renda em nível federal, adotada em um contexto social
hostil, marcado por profundas desigualdades sociais que caracteriza o Brasil como
um dos países mais desiguais do mundo, apesar de sua emergente ascensão em
termos de desenvolvimento econômico.
O Brasil implantou o Programa Bolsa Família em 2003, por meio da Medida
Provisória nº 132, de 20.10.03, que foi convertida na Lei 10.836, 09/01/04. O mesmo
é o resultado da unificação de diversos programas sociais formulados nos anos
2000 (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás). O programa começou
atendendo um número mínimo de pessoas em 2003 quando ainda constituía o
denominado Bolsa Renda, implantado no Governo Fernando Henrique Cardoso, em
2004, no Governo de Luís Inácio Lula da Silva, tais programas foram unificados
(bolsa renda, bolsa alimentação, bolsa escola e vale gás) por meio de um cadastro
único do Governo Federal, que unificou esses benefícios no cartão cidadão e
passou a vigorar como o Programa Bolsa Família, o número de vagas foi também
ampliado.
Inserido na constituição federal está o artigo 5º, que prever os direitos
humanos ou direitos fundamentais, nele está expresso que é dever do Estado
garantir à sua população condições mínimas necessárias para uma vida digna, para
tanto, o governo investe em políticas denominadas distributivas de renda, com o
propósito de atenuar as diferenças sociais e econômicas alarmantes entre a
população, sendo o Programa Bolsa Família uma dessas políticas.
Segundo o MDS (Ministério de Desenvolvimento Social e combate à fome)
(2011), o Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades, que beneficiam famílias em situação de pobreza e de extrema
pobreza1, ele promove os caminhos da dignidade e da cidadania, como: acesso à
assistência social, segurança alimentar e nutricional, transferência de renda e
inclusão social. O programa foi construído numa ampla parceria com o governo
federal, Estados, Municípios e Organizações da Sociedade Civil, consiste em
1
O novo mapa da pobreza no Brasil (BRASIL, 2011) demonstra que as regiões Norte e Nordeste
concentram os maiores índices de pobreza e esta é mais grave no meio rural. “Embora apenas 15,6%
da população brasileira resida em áreas rurais, dentre as pessoas em extrema pobreza, elas
representam pouco menos da metade (46,7%)” (BRASIL, 2011).
conceder às famílias pobres ou muito pobres2, que se encontram na chamada linha
de miséria, um benefício em dinheiro que varia entre R$ 32,00 a R$ 242,00 mensais,
mediante o compromisso de que algumas condicionalidades nas áreas de saúde e
educação sejam cumpridas, uma vez que sair da linha de pobreza significava obter:
“um regime alimentar adequado, certo nível de conforto, o desenvolvimento de
papéis e de comportamentos socialmente adequados, o exercício de uma cidadania
crítica” (BRASIL, 2011). O Programa Bolsa família chega a 2011 como uma das
iniciativas de maior cobertura de proteção social brasileira, saltou de 3,6 milhões de
famílias atendidas, em 2003, para 12,8 milhões de famílias, o que corresponde à ¼
de sua população total, dado de dezembro de 2010, atingindo nesse período um
orçamento de R$13,457 bilhões, alocado nos 5.565 municípios brasileiros. O
Programa integra o Fome Zero, que tem como objetivo assegurar o direito humano à
alimentação adequada,
promovendo a segurança alimentar e nutricional e
contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome.
Para a inserção no programa foram criadas algumas condicionalidades para os
beneficiários, tais como:
1.
Crianças
menores
de
sete
anos
e
gestantes
deverão
ser
acompanhadas pelas Unidades de Saúde do Município (gestantes devem fazer o
pré-natal e crianças menores de sete anos devem estar em dia com a vacinação);
2.
Crianças e adolescentes de 06 a 15 anos integrantes das famílias
beneficiárias deverão estar matriculados em Unidades de Ensino Regular e ter
frequência escolar acima de 85% mensal;
3.
Todas as famílias beneficiárias devem participar de ações de educação
alimentar oferecidas pelo Governo Federal, estadual e/ou municipal, quando
oferecidas. (Site MDS- condicionalidades do Programa Bolsa Família).
2
Para estabelecer os limites de pobreza utilizam-se diferentes enfoques, quer sejam o biológico, o
das necessidades básicas ou o dos salários mínimos. Segundo Bava, (2011), não é fácil definir o que
é linha de pobreza ela divide o grupo da pobreza, dos miseráveis e indigentes, mas isto está muito
relativo à capacidade de consumo de cada um e de acesso aos serviços públicos básicos. O mais
pobre, o miserável, o indigente é definido como o indivíduo que não têm renda para a cesta alimentar
que atenda suas necessidades nutricionais, a linha de pobreza é definida não somente pela
insatisfação das necessidades nutricionais, mas pela falta de acesso a condições dignas de moradia,
vestuário, higiene, transporte, educação, lazer etc.” (BAVA, 2011, p.4).
Após nove anos da implementação do PBF, vem dando sinais de ser um
importante atenuante no combate a pobreza, uma vez que cumpre o papel mínimo
de garantir a cesta alimentar básica. Nesses nove anos, o Bolsa Família se
expandiu, tornando-se um dos programas sociais de maior cobertura na rede de
proteção social brasileira. Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social um
quarto da população brasileira, nos dias de hoje recebe as transferências do
Programa, entretanto seu custo está próximo de 1% do PIB. O nível atual de gasto
com as políticas de transferência de renda, portanto, ainda pode ser expandido.3
Diante deste contexto, nosso trabalho buscou verificar se este programa é
uma variável importante dentro do processo de desenvolvimento do Município de
Serra Talhada, município considerado intermediário, com população de 79.241
habitantes, segundo o censo 2010 (IBGE), localizado na mesorregião do Sertão do
Pajeú no Estado de Pernambuco. Buscamos também verificar se a aquisição do
benefício proporciona melhorias na qualidade de vida dos beneficiados.
Metodologicamente, escolhemos trabalhar com o universo rural e urbano
com o fim de verificar se os impactos do Bolsa família se deram na mesma
magnitude para residentes de meios diferentes. A composição da amostra se deu de
maneira aleatória, foram abordadas pessoas que saiam da agência da caixa
econômica Federal de Serra Talhada (cidade na qual foi feita a pesquisa), na Praça
Sérgio Magalhães, aplicamos questionários e entrevistas semiestruturadas com 25
pessoas residentes da zona urbana e 25 residentes da zona rural. Dos cinquenta
entrevistados 96% eram mulheres, tendo sido entrevistados apenas dois homens o
que representa 4%. O fato de ter escolhido um número maior de mulheres se dá por
conta do programa ser direcionado essencialmente para estas, principalmente por
conta da problemática de gênero, que no contexto por nós estudados se faz
presente por meio da tradição patriarcal presente na maioria das famílias rurais e
3
A ampliação dos recursos do Bolsa Família atenderá 2 milhões de famílias e 2,7 milhões de
crianças, com as ações do Brasil Carinhoso. O propósito do governo é garantir que todas as famílias
extremamente pobres, com pelo menos um filho de até seis anos, tenham renda mínima superior a
R$ 70 por pessoa. Assim, todos os membros da família vão ultrapassar a linha da miséria – renda
mensal de até R$ 70 por pessoa. O Bolsa Família garantirá que extremamente pobres, com crianças
nessa faixa etária, vivam com renda mínima superior a R$ 70 por pessoa. Ampliação de vagas em
creches e da cobertura de programas de saúde também integra ação Brasil Carinhoso. A nova ação,
que integra o Plano Brasil Sem Miséria, reforça a transferência de renda e fortalece a educação, com
aumento de vagas nas creches e cuidados adicionais na saúde, incluindo a suplementação de
vitamina A, ferro e medicação gratuita contra asma.
mesmo nas urbanas de cidades com as características de Serra Talhada. Diante
disso, buscamos verificar se o programa traz um possível empoderamento das
mulheres. A partir da amostragem coletada e levando em consideração as respostas
obtidas tanto por parte dos questionários, como pelos dados da pesquisa
bibliográfica, fez-se uma análise comparativa entre o crescimento auferido no PIB de
Serra Talhada e a possível contribuição do PBF para um aumento no
desenvolvimento social das famílias beneficiadas.
O contexto social em que se enquadra o Programa
Segundo a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), 185
milhões de latino-americanos, vivem com menos de dois dólares por dia, e desse
número aproximadamente ¼ está no Brasil (aproximadamente 49 milhões). Esta
acentuação da pobreza encontra significado no grande contraste social presente no
Brasil, visto que ao passo que ele está entre as maiores economias do mundo,
protagoniza também o ranking dos países com mais índices de pobreza da América
latina. É importante observar nesse cenário a intensificação e o importante papel das
supracitadas políticas de transferência de renda, como instrumento de luta contra
essa
realidade.
Comparando
os
dados
dos
índices
de
desenvolvimento,
relacionados à miséria que alastra o país, ver-se que apesar deles apontarem para
um grande abismo social existente, verifica-se que nos últimos anos essa situação
vem dando sinais de melhorias, segundo o MDS (BRASIL, 2011), nos últimos sete
anos, 28 milhões de brasileiros saíram de um grupo considerado abaixo da linha de
pobreza.
Dado o fato de 14,58% da população do Brasil, ter deixado de integrar esse
grupo de pobreza extrema, constata-se uma contribuição direta do PBF nesse
evento. Outro dado bastante relevante, foi o ingresso de 36 milhões de famílias para
a classe média, ou chamada classe C. A esse respeito Pochmann, et all4 (2006)
critica essa ascensão social que muitos acreditam está tirando o Brasil do estigma
de pobreza: “Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo
perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente não se encaixa em
4
Marcio Pochmann, economista, ex-presidente do “Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada” (IPEA).
critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe
média”. Ele os classifica como remediados da classe média.
Existem várias visões sobre desenvolvimento, havendo um embate entre
aquelas perspectivas que consideram o crescimento econômico como central para
medir o desenvolvimento e as que consideram o mesmo de uma perspectiva mais
ampla. Partindo da visão de Amartya Sen (2002) sobre desenvolvimento, o mesmo
deve ser entendido como um processo de ampliação da liberdade política e dos
direitos civis.
Assim, para Sen, três esferas básicas estão presentes em todos os níveis de
desenvolvimento e são condições para os demais: desfrutar de uma vida longa e
saudável, ter acesso aos recursos necessários a um padrão de vida decente e
adquirir conhecimento para ter cidadania crítica (expansão das liberdades). Cabe
ressaltar que as opções são infinitas e se alteram com o passar do tempo e com o
desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento deve ser analisado por diversas
faces: social, econômica, cultural e também ambiental.
O Programa Bolsa Família como um instrumento para a promoção do
desenvolvimento
A problemática do desenvolvimento econômico vai além do que se pode ser
mensurado, ela encontra sentido no que podemos chamar de qualidade de vida de
uma população. Segundo Ferraz (2008), “O problema da desigualdade é um
componente histórico que perfaz a própria dinâmica do sistema de produção
capitalista. O capitalismo representa quase sempre uma sociedade desigual, em que
os valores individuais são exercidos em nome da suposta igualdade de condições”.
(FERRAZ, 2008). No caso brasileiro, especificamente, basta citar o contínuo
aumento do déficit de moradia digna, do sucateamento dos serviços básicos de
saúde e educação e principalmente da violência nos grandes aglomerados urbanos,
para perceber-se que a dicotomia entre igualdade e liberdade ainda está longe de
ser superada.
Amartya Sen (2002) introduz em seu conceito de desenvolvimento variáveis
mais amplas para definir a superação da pobreza, chamando a atenção para o fato
de que as pessoas podem sofrer privações em diversas esferas da vida. Ser pobre
não implica somente privação material. Sen, foi também colaborador no trabalho de
MahbubUlHaq, para criar o chamado IDH (índice de desenvolvimento humano), este
índice está muito relacionado com a qualidade de vida das pessoas, uma vez que
não leva em consideração somente os índices econômicos, ele vai medir índices de
escolaridade e o poder individual de compra das pessoas.
“O objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano é
oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno
Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do
desenvolvimento”. Criado por MahbubUlHaq com a colaboração do
economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia
de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do
desenvolvimento humano. Não abrange todos os aspectos de
desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas,
5
nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver. (PNUD).
Para que de fato haja desenvolvimento é necessário que a população inteira
tenha acesso a serviços públicos como: a saúde, educação e condições dignas de
habitação, não podemos negar a relação indissociável de ambos, mas precisamos
focá-lo sob a perspectiva da qualidade de vida, para esse desenvolvimento
realmente atingir todas as pessoas da sociedade é preciso que sejam dadas
oportunidades iguais aos iguais, sem negar as diferenças alarmantes que separam
as classes. O desenvolvimento tem que possibilitar ao indivíduo capacidade de
escolha do seu destino.
O Programa Bolsa Família como política compensatória de renda, dentro do
contexto de desenvolvimento econômico versus social.
A partir da amostragem coletada e levando em consideração as respostas
obtidas tanto por parte dos questionários, como pela coleta de dados e pesquisas
bibliográficas fez-se uma análise comparativa entre o crescimento auferido no PIB
de Serra Talhada e a possível contribuição do PBF nesse cenário. Segundo a
Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa de Pernambuco, Serra Talhada foi o
6º município que mais cresceu em participação no PIB total de Pernambuco, ele
passou do 20º lugar para o 17º com mais economia no estado (Condepe/Fidem). De
5
Disponível em: http://www.pnud.org.br/IDHDetails.aspx.O, que é IDH?
1999 a 2008 PIB de Serra Talhada passou de R$ 145 milhões para R$ 434,7 é
importante levar em consideração o fato de o PBF ter sido implementado em 2003,
ano que a economia da cidade estava em contínuo crescimento. Como podemos
Observar na tabela abaixo, nos de 1999 a 2008 o comportamento do PIB na cidade.
Tabela 1 - Produto interno bruto a preços correntes, impostos, líquidos de
subsídios, sobre produtos a preços correntes e valor adicionado bruto a preços
correntes total e por atividade econômica, e respectivas participações
Município = Serra Talhada - PE
Variável = Produto Interno Bruto a preços correntes (Mil Reais)
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
145.919 156.448 177.379 215.435 234.226 259.930 309.995 362.533 433.131 500.637
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de
Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus –SUFRAMA
Através dos dados da tabela podemos constatar que a economia do município
de Serra Talhada apresentou índices significativos de crescimento.
Porém como já dito, o PIB é uma variável insuficiente para medir o
desenvolvimento, como enfatiza o economista Ricardo Abramovay, em recente
entrevista à Folha de São Paulo, (08/06/2012). Ao ser questionado quanto à
possibilidade de avançarmos para um novo sistema econômico, o teórico das
discussões sobre desenvolvimento rural, frisa a insuficiência do PIB como medida de
desenvolvimento de uma nação:
Um dos resultados factíveis da Rio+20 será reconhecer que o PIB é
uma medida errada sobre o modo como as sociedades usam os
recursos
para
seu
desenvolvimento.
O PIB não é só incompleto. Ele é incapaz de distinguir aquilo que
produz bem-estar daquilo que produz mal-estar para as pessoas. Os
ganhos de eficiência no uso de materiais e energia decorrentes do
progresso tecnológico em seu papel, mas é óbvio que não vai dar
para fazer frente à pressão por crescimento. (ABRAMOVAY, 2012).
Assim podemos perceber que o crescimento econômico não é o objetivo
único nem final do desenvolvimento e também não assegura a melhoria de vida da
população, uma vez que o município enfrenta sérios problemas relacionados a
analfabetismo, desnutrição, problemas de saúde, desemprego e habitação.
Contribuições para os beneficiários no que diz respeito à questão de gênero.
Estudos realizados no Nordeste acerca da eficácia do programa Bolsa Família
para as famílias beneficiadas percebem que o mesmo, apesar de ter sua
importância na melhoria da renda, apresenta limites principalmente no que se refere
à sustentabilidade dessas famílias.
Com o intuito de analisar a eficácia, eficiência e efetividade do programa no
município de Cruz do Espírito Santo, na Paraíba, Farias (2010) concluiu que O
Programa Bolsa Família é eficaz e consolida-se, nos dois últimos anos estudados,
como o maior programa social do país, e referência para outras políticas públicas de
combate à miséria e à pobreza.
No que se refere à eficiência “além de aumentar a média ano após ano,
também aumentou o conjunto da população que recebeu mais do que esta média
anual”. E no que se refere à efetividade, considera que a política exerce impacto no
aumento médio da renda da população daquele município (FARIAS, 2010).
Para o propósito do nosso trabalho, buscamos analisar o impacto deste
programa nas relações sociais e familiares. Nesse sentido, um aspecto bastante
interessante diz respeito ao impacto que gera nas relações de gênero. O
paternalismo e patriarcado continuam historicamente sujeitando as mulheres. A esse
respeito Scott, vai dizer que [...] “as teóricas do patriarcado têm dirigido sua atenção
a subordinação das mulheres e encontrando explicação para essa subordinação na
“necessidade” masculina de dominar as mulheres”. (SCOTT, 1990. pag.77).
Segundo constata Bordieu, “essa divisão desigual de poder, que confere aos
homens a posição dominante e às mulheres a posição subalterna, perpassa toda a
estrutura social, não se restringindo, portanto, a “problemas de gênero”. A
dominação masculina estende-se por todas as instituições e os processos, como por
exemplo, família, trabalho, economia, política, isso nos remete a uma faceta ainda
muito presente na sociedade, a marginalização da mulher”. (BORDIEU, 2005).
Estas relações estão muito presentes no meio em que pesquisamos e são
bastante desiguais e violentas tanto na zona urbana, e principalmente na zona rural.
Essa relação de gênero explica a importância dada para o programa, que foi bem
maior para mulheres que para os homens, elas caracterizaram-no como um elo para
a conquista de sua independência, pois algumas viviam dentro de casamento
fracassado e em função da dependência financeira e dos filhos pequenos se
submetiam aos maridos, em um dos casos uma relatou que sua relação era
frustrante, chegando ao extremo de ter sido agredida pelo marido, isso se
caracteriza pelo fato dessas mulheres se encontrarem no quadro de pobreza
extrema, ficando claro que vivem em uma condição de total negação dos direitos
fundamentais, diante disso decorre a importância da transferência de renda para
aquisição dos direitos mínimos, seus e da família.
Perfil dos entrevistados
A partir da entrevista dos dois homens, percebe-se que o programa tem
avaliação menos significativa para eles, o fato de possuírem certa independência
financeira, faz considerarem o programa apenas como um aditivo na composição de
sua renda, diferente das mulheres que o consideram como instrumento de expansão
de sua liberdade. Os dados obtidos a partir da entrevista com os homens foram os
seguintes: um dele é o Sr. F.C. tem 49 anos é cadastrado no benefício pelo fato de
ser viúvo e cuidar dos cinco filhos, sendo três menores de 15 anos, por isso recebe
o benefício, que totaliza 168,00 recebidos mensalmente, outro caso foi o do Sr. J.A.,
também atendido pelo programa, ele é solteiro e não tem filhos, agricultor de 45
anos e órfão de pai e de mãe.
Outros dados obtidos são de 48 mulheres entrevistadas 22,91% não têm
companheiros; a senhora M.C., solteira e não tem filhos, recebe o benefício por ser
arrimo de família, a Senhora M.M. e Senhora P.M. são mães solteiras, seis delas
são divorciadas ou separadas, das 37 restantes moram com o companheiro, mas
não são casadas, as 77,09% restantes são casadas e moram com os companheiros.
Apesar de 2/3 das mulheres serem casadas, quase 23% delas são divorciadas,
mães solteiras ou arrimo de família, elas configuram um grupo de extrema
necessidade e se insere em um modelo de família cada vez mais presente nos dias
atuais, que são providos pelas mulheres chefe de famílias. Para estas, a principal
renda, responsável pela alimentação e necessidades mais básicas da família é
advinda do programa.
Das famílias entrevistadas, obtivemos uma média ponderada de três filhos por
entrevistado, sendo que dois dos entrevistados não tinha filhos. Dos 144 filhos dos
beneficiados (levando em consideração 48 entrevistada que tem filhos sendo a
média 3 por família, apenas 41,26% recebem o benefício por serem menores de 15
anos, os 58,74 apesar de estarem no cadastro não mais recebem o benefício Bolsa
escola, mas 13% deles recebem o Pro jovem.
Aspecto também importante a ser analisado é o impacto nas condições de
vida das populações rurais, visto que o contexto estudado é marcado por
características sociais, políticas, econômicas e climáticas que contribuem para uma
maior dificuldade de acesso à renda e à serviços e direitos básicos desta população.
Dos cinquenta entrevistados todos são agricultores, na categoriade camponeses que
produzem agricultura de subsistência, e para eles, o bolsa família têm uma grande
importância especialmente devido à precariedade da agricultura familiar e
camponesa, que é fruto das raízes históricas do nosso campesinato. (Wanderley,
1996). Para estas famílias o bolsa família assegura nos momentos de crise na sua
produção, a manutenção básica de sua subsistência. Como perceberam Pires e
Alvares (2011), “nas regiões rurais o benefício tem um importante papel de acesso à
renda, ou seja, os beneficiários utilizam o dinheiro para o plantio e criação de
animais; mesmo com essa diferença quanto à utilização do dinheiro do Programa a
autora relata que a maior parte do uso do benefício é destinada para alimentação,
vestuário e material escolar”.
Para algumas famílias rurais o programa, é complemento importante, como o
caso de oito mulheres que relataram uma atividade de renda complementar,
pluriatividade, como: a senhora C.L que é artesã e vende hortaliças, quatro fazem
queijo e doce caseiro para a comercialização e as outras três criam galinha e porco
e vendem ovos.
Outro impacto para essas famílias se refere à dignidade e ao reconhecimento
próprio como cidadãos, uma vez que percebem o programa como um direito e após
o acesso ao mesmo, diminuiu sua submissão a condições de trabalho de extrema
degradação humana, como o trabalho alugado com diárias pagas a menos de R$
5,00. Além da independência de grupos e indivíduos que detêm poder político e o
usam de forma clientelista, da superação das necessidades imediatas como a
alimentação. A este respeito, estudiosos da ação coletiva apontam que as relações
individuais de dependência vertical impedem a emergência de formas horizontais de
ação coletiva. Assim, essa “cultura da subordinação” impede a organização e luta da
população pobre para conquistar sua autonomia e seus direitos (DUQUE & CIRNE,
apud OLIVEIRA, 1998).
Contribuição para a Educação
Com relação à escolaridade nenhum dos entrevistados tem ensino médio
completo, apenas 10% concluíram o ensino fundamental, 30% têm o ensino
fundamental incompleto e os 60% restantes estudaram apenas o ensino primário
completo ou incompleto. Tendo como um dos objetivos de sua criação o acesso à
educação aos filhos dessas famílias, percebe-se que o programa tem contribuição
para o aumento no nível de escolaridade das crianças e jovens atendidas, não
somente em função do PBF, mas também dos outros programas de incentivo a
educação como o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e
PROJOVEM, que se mostraram importantes aliados no sentido de erradicação do
trabalho infantil do analfabetismo e no incentivo das crianças a trocarem o ambiente
das ruas pelo ambiente escolar, porém 80% das famílias afirmaram já manterem
seus filhos matriculados antes da implementação do programa, mas por outro lado
quando se fala da conclusão do ensino fundamental e conclusão do ensino médio
ficou claro um aumento significativo, fato que segundo eles não decorre somente da
introdução do programa, mas revela haver uma contribuição devido o dinheiro gasto
com materiais e também por conta da assistência social exigir a frequência dos
alunos, com tudo isso ocorre uma diminuição dos alunos que deixam a escola para
trabalhar e conseguintemente seria a complementação a renda familiar. Não
podemos negar que o grande déficit na educação que ocorre no Brasil e em
particular no Nordeste, o índice de conclusão do ensino médio ainda é muito baixo e
quando falamos em continuidade do ensino esse índice é ainda mais alarmante dos
144 filhos entrevistados 27% já concluíram o ensino médio e apenas um ingressou
em uma entidade de ensino superior UFRPE-UAST, um fato agravante para a
interrupção dos estudos se torna mais visível nos estudantes da zona rural dada a
dificuldade de deslocamento, tem alunos que chegam a andar aproximadamente 3
km a pé para pegar um pau-de-arara e se deslocar para as escolas da sede.
O programa recebe criticas de diversos autores que alegam defasagem em
vários aspectos, como uma de suas pretensões é o alcance de crianças em idade
escolar, sendo o fato da matricula e frequência na escola condições para
permanência no programa, muitos autores criticam essa variável considerando-a
muito frágil, Galvão (2008), nos diz que o programa, embora haja a contra partida do
envio dos filhos à escola, é uma medida paliativa que não altera estruturalmente as
perspectivas de inserção econômica e social. (GALVÃO, 2008).
Contribuições no campo das necessidades básicas
Ao fazer uma análise do programa percebe-se que, dos 50 entrevistados
apenas 12 recebem o benefício desde o início de sua implementação, os demais
foram acessando o programa gradativamente em novos cadastros que foram feitos
ao longo desses nove anos, a quantidade recebida varia de acordo com o número
de filhos em idade mínima estipulada (15 anos) e renda mínima por integrante
familiar (140,00). No que tange o emprego do dinheiro recebido, 80% são unânimes
ao dizer que o dinheiro é usado para garantir a alimentação básica, visto que não
tem outra fonte de renda fixa, os 20% restantes dizem usar o dinheiro para
complementar a alimentação, mas no mês que conseguir provir essa necessidade
de alimentação básica via outras fontes de renda já especificadas, usam o dinheiro
para comprar roupas para eles e para as crianças, materiais escolares, remédios ou
até mesmo a compra de eletrodomésticos, parcelados, ou outros itens de mobiliário,
em geral bens necessários para uma mínima dignidade de habitação: colchão, fogão
etc.
Quando questionados sobre a melhoria que o programa causou em suas
vidas, todos foram unânimes em apontar os seus pontos positivos,
o principal
segundo eles é a segurança de ter uma renda fixa no final do mês que possa
garantir que os filhos não venham a passar fome.
Pontos positivos, negativos e perspectivas futuras.
Essas famílias apontam a positividade do programa, mas ao mesmo tempo
registra ainda a sua fragilidade principalmente falando no valor do benefício que é
insuficiente para provê-los de suas necessidades primordiais: alimentação, saúde,
vestimentas e moradias. Pires e Alvares (2011, p. 98) apontam também, com base
nos estudos de Kowarick que uma “porta de saída” para a situação de pobreza é
perceber que a vulnerabilidade não é apenas econômica, mas passa também, por
exemplo, pelo reconhecimento dos indivíduos como cidadãos, ou seja, as pessoas
necessitam serem reconhecidas como membros importantes da sociedade em que
vivem e capazes de serem responsáveis pela manutenção da própria sobrevivência.
E nesse sentido, no formato que tem se apresentado para a população de serra
talhada o programa ainda não contribui de forma eficaz para a geração da renda,
embora que outros programas relacionados, como o Programa de Aquisição de
Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar tenha contribuído para a
inclusão produtiva dessas famílias.
Os pontos positivos são relatados principalmente por mulheres, que na
grande maioria são as titulares do cartão e dizem se sentir mais independentes em
receber um dinheiro que é seu de fato, três mulheres disseram ter conquistado sua
independência depois do recebimento do benefício, pois viviam um casamento
conturbado, sofrendo violência psicológica e até mesmo física e isso é agravante
pelo fato de não terem renda para garantira a alimentação dos filhos vivendo reféns
de seus relacionamentos e depois da aquisição do benefício se separam de marido
e hoje são chefes de famílias, complementando o dinheiro recebido com atividades
extras como: faxina, lavando roupa, vendendo ovos, vendendo queijos e etc., outro
ponto positivo foi o incentivo dado à educação de seus filhos que por ser dado como
condição à matrícula e frequência dos mesmos na escola. Isso acabou contribuindo
para tomada de ações mais incisivas por parte dos pais para garantir a oportunidade
dos filhos estudarem. Outro ponto positivo levantado foi por parte das famílias
configuram o grupo baixa renda, mas não se insere nos contornos de pobreza
extrema, esse dinheiro é utilizado para comprar, por exemplo, um fogão a gás, ou
geladeira, produtos que contribuíram para uma melhor qualidade de vida dessas
pessoas.
No que tange a avaliação dos próprios beneficiados sobre o programa, e as
medidas futuras a serem tomadas acerca deste beneficio, todos são persuasivos em
apontar os benefícios advindos da introdução do programa, e radicalmente contra ao
futuro término do mesmo, fato que gera um apelo político perigoso, onde os
candidatos se apoiam na garantia de permanência do programa para coagir essas
pessoas, que em sua grande maioria não são instruídas, gerando uma relação de
manutenção nas relações de poder, o coronelismo. Esse tipo de política traz consigo
também um jogo político, já que os governantes evitam contradizer sua imagem
mostrando-se contra a uma medida vista pela população mais pobre e, portanto,
maioria, como de sucesso, como é o caso do bolsa família, que tem aceitação
popular em massa, ao contrário buscam se inserir no grupo que garantem o efeito
maioria, essa é uma estratégia política para garantir a manutenção ou a inserção de
governantes no poder.
Considerações finais
Analisando o programa dentro do seu campo de atuação e de suas
pretensões como política compensatória e de transferência de renda, percebe-se
que o programa tem certa capacidade transformadora na vida de seus beneficiários,
sendo um instrumento de valor qualitativo na vida dessas pessoas. O benefício se
mostrou deveras importante para seus beneficiários, o que nos chamou atenção
para o poder de transformação do programa, isso se deve principalmente em virtude
das condições anterior a implementação do mesmo, que era de total vulnerabilidade
e negação dos direitos humanos.
A partir de um contato direto com as pessoas atendidas pelo programa
percebemos que, de fato, ele é de suma importância para a vida destas pessoas.
Números revelam que a pobreza em termos econômicos vem diminuindo, e não
obstante a esse cenário, verifica-se também uma contribuição no campo do
desenvolvimento humano, o crescimento das rendas individuais obviamente é muito
importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da
sociedade, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de
educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de
discussões e averiguações publica). Dessa forma percebeu-se que a dinâmica do
PBF, provocou sim um avanço no campo do desenvolvimento social e econômico,
pois o programa possui um excelente alcance de pessoas que se encontram em
situação de vulnerabilidade financeira, possibilitando as famílias se reconhecer como
detentora de seus direitos, e como tal contribui minimamente para expansão de suas
liberdades. Todavia, para que estas liberdades possam ser realmente alcançadas é
necessário que o Estado viabilize formas mais sustentáveis de acesso a renda por
meios produtivos, que tornem o indivíduo mais independente deste tipo de renda
proporcionada pelo mesmo, sendo a garantia dos direitos básicos o principal meio
de assegurar essas liberdades.
Um aspecto importante também ao que se pode inferir em relaçãoao
Programa Bolsa Família é quanto a sua longevidade. Esse campo gera muitas
discussões, mas o fato é que apesar do que o programa já alcançou, muito ainda
precisa ser feito, e nesse sentido é necessário também traçar estratégias que no
longo prazo possam ir diluindo o programa, já que a desigualdade no Brasil
certamente não será totalmente solucionada, apenas com a manutenção ou até
mesmo a expansão de programas dessa natureza.
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O bolsa família e sua contribuição para o desenvolvimento local