UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR
MESTRADO EM DIREITO
SILVIO JOSÉ FERREIRA
MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL,
ECONÔMICA E JURÍDICA:
LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006
MARÍLIA
2011
SILVIO JOSÉ FERREIRA
MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL,
ECONÔMICA E JURÍDICA:
LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito, sob a orientação da Professora Doutora Jussara
Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2011
Ferreira, Silvio José
Micro empresa e sua relevância social, econômica e jurídica: lei
complementar 123, de 14 de dezembro de 2006 / Silvio José Ferreira -Marília: UNIMAR, 2011.
114p.
Dissertação (Mestrado em Direito) -- Curso de Direito da Universidade
de Marília, Marília, 2011.
1. Micro empresa 2. Função Social 3.Contratos I. Ferreira, Silvio José
CDD – 343.233
SILVIO JOSÉ FERREIRA
MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL,
ECONÔMICA E JURÍDICA:
LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a
orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovado pela Banca Examinadora em 27/05/2011.
Orientadora Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Universidade de Marília
Professora Doutora Adriana Migliorini Kieckhöfer
Universidade Federal da Bahia
Professor Doutor Lourival José de Oliveira
Universidade de Marília
Dedico este trabalho a todos que direta e
indiretamente contribuíram para a sua realização.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus que me deu a oportunidade de realizar esse trabalho em condições
de plena saúde física e mental.
Ao meu pai, José Lauriano Ferreira que me mostrou o caminho a seguir e a minha
mãe Elizabeth Isabel Ferreira, que me ensinou as primeiras linhas do conhecimento.
Ao Professor Rodrigo Otávio Torres Pereira, que no distante ano de 1976 me ensinou
as primeiras linhas do Direito.
À minha família e especialmente a minha esposa, Viviane Patrícia Valenga, que
trilhou, lado a lado comigo, o longo caminho percorrido na consecução desse objetivo.
Aos meus filhos, Flávia, Rodrigo, Ana Clara, Ana Silvia, Ana Julia e José Gustavo
pela torcida e apoio.
Ao Coordenador do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná -Unopar,
Campus Bandeirantes, Diomar Francisco Mazzutti, pelo apoio incondicional na realização do
Mestrado.
À Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro que durante esses anos esteve sempre
ao meu lado.
E especialmente à Professora Doutora Jussara Suzy Assis Borges Nasser Ferreira que
com seu brilhantismo e vasta cultura me proporcionou uma privilegiada visão do mundo do
Direito.
FERREIRA, Silvio José. Microempresa sua relevância social, econômica e jurídica: lei
complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. 2011. 114 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011.
RESUMO
A presente pesquisa analisará a atividade das denominadas Microempresas. O tema da
pesquisa revela-se oportuno considerando que a atividade econômica no âmbito da
Microempresa mostra-se como a legítima expressão do exercício da função social da empresa.
Consubstanciando materialmente a síntese dos fundamentos da República e da Ordem
Econômica, que elege o valor do trabalho humano e da livre iniciativa como seus pilares no
qual se estrutura a atual sociedade de consumo. Por isso, faz-se necessária a investigação das
prerrogativas entregues ao seguimento empresarial num todo e particularmente às
Microempresas. Tem-se como paradigma a evolução das atividades econômicas no sentido da
humanização das formas de produção, distribuição e comercialização com a superação da era
do industrialismo, caracterizado pela produção em massa dos produtos e impessoalidade das
relações. Da mesma forma, apresentam-se as Microempresas como a alternativa que melhor
atende às exigências econômicas e sociais com vistas à dignificação da pessoa humana,
trabalhadora e consumidora. Para o cumprimento dessa missão considera-se imprescindível o
conhecimento do tratamento diferenciado e favorecido dispensado às Microempresas,
orientado pela simplificação dos procedimentos, estimulo à inovação e opcionalmente um
regime tributário denominado Simples Nacional como forma de recolhimento unificado e
simplificado. Verifica-se também a nova ordem contratual, com o objetivo de correlacionar a
exigência do exercício de uma função social dos contratos, de modo a concretizar a função
social da empresa. Analisar-se-á também a exigência de uma nova hermenêutica jurídica no
atual sistema orientado por normas jurídicas, compostas de Princípios e regras com vistas à
abertura do sistema jurídico, onde o objeto da relação contratual desloca-se da coisa
contratada para os sujeitos contratantes. Tratamento indispensável para que as Microempresas
contratantes recebam o tratamento legalmente previsto e necessário à consecução de sua
missão institucional no sistema econômico da livre iniciativa.
Palavras-chave: Microempresa. Função Social. Contratos.
FERREIRA, Silvio José. Small business and its social, economic and legal relevance:
complementary law 123, December 14th, 2006. 2011. 114 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011.
ABSTRACT
The present research will analyze business activity named Small Business. The research
theme is appropriate, considering that economic activity within the Small Business shows
itself as the legitimate expression of social function of the enterprise. Consolidating the
synthesis of the material foundations of Republic and Economic Order, in which elects the
human’s work value and free enterprise as its pillars on it structure the current consumer
society. Because of this, it’s necessary to investigate the prerogatives delivered to the business
segment in all and especially to the Small Business, in order to implement a market economy.
It has the paradigm like the evolution of economic activities, in a sense of humanization of the
forms of production, distribution and commercialization with the superation of the
industrialism era, characterized by mass production of goods and impersonal relationships. In
the same way, it showed the Small Business as the alternative that better frames economic and
social demands in order to dignify the Human Person, worker and consumer. To execution
this mission it has as necessary the differential treatment and favored Small Business targeted
by simplification of procedures, stimulating the innovation adopting a national tributary
system called Simples Nacional, it’s a form of disposal unified and simplified. There is also a
new order contract, with the objective of correlating the requirement of the exercise of the
social function of the contracts, like a form of achieving the social function of the enterprise.
It will study also the requirement for a new legal interpretation in the current system driven by
rules of law, composed of Principles and rules with a view to opening up the legal system,
where the object of the contractual relation moves from the contracted thing to the covenanter
subject. Treatment indispensable for the Small Business covenanters receive the treatment
expected and legally required to achieve its institutional mission in the economic system of
free enterprise.
Keywords: Small business. Social function. Contracts.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CDC
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
DNRC
Departamento Nacional de Registro no Comércio
FGTS
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEBT
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica
ITCP
Incubadora Tecnológica de Cooperativas
LC
Lei Complementar
MEI
Micro Empreendedor Individual
MPEs
Micro e Pequenas Empresas
ORTN
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
PeMe
Pequena e Média Empresa
STJ
Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1
A MICROEMPRESA NO ÂMBITO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
E DO DIREITO EMPRESARIAL ........................................................................ 12
1.1
O TRABALHADOR EMPREGADO...................................................................... 14
1.2
O TRABALHADOR EMPREENDEDOR .............................................................. 15
1.3
O EMPREENDEDOR EMPRESÁRIO ................................................................... 18
1.3.1
Contorno Histórico................................................................................................... 18
1.3.2
Tratamento Constitucional da Atividade Econômica Empresarial .......................... 24
1.3.3
O Tratamento Infraconstitucional das Atividades Econômicas no Âmbito da
Empresa.................................................................................................................... 28
1.3.3.1
Limitação da responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais ................. 33
1.3.3.2
Possibilidade de usufruir da recuperação judicial ou extrajudicial .......................... 36
1.3.4
Função Social da Propriedade Empresarial ............................................................. 42
2
A MICROEMPRESA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
SOCIAL .................................................................................................................. 48
2.1
CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DE MICROEMPRESA .......... 52
2.2
EVOLUÇÃO DA MICROEMPRESA .................................................................... 59
2.2.1
O Desenvolvimento das Atividades Econômicas Materiais .................................... 59
2.2.2
Desenvolvimento Institucional do Regramento das Atividades Econômicas .......... 61
2.3
FORMAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO
E FAVORECIDO .................................................................................................... 65
2.3.1
Quanto a Inscrição e Baixa ...................................................................................... 66
2.4
DAS DEMAIS FORMAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO ...................... 67
2.5
A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O ESTÍMULO À INOVAÇÃO......... 67
2.6
ANÁLISE DO REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO
DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES – SIMPLES NACIONAL ........................ 71
3
RELAÇÕES CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA MICROEMPRESA ........... 76
3.1
CORRELAÇÕES DA HUMANIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
COM A MICROEMPRESA CONTRATANTE ..................................................... 79
3.2
O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DISCIPLINA DOS
CONTRATOS .......................................................................................................... 91
3.3
A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS NA NOVA
ORDEM JURÍDICA DO DIREITO PRIVADO ESTABELECIDA NO
CÓDIGO CIVIL 2002 ............................................................................................. 96
3.3.1
A Utilização da Tópica na Interpretação e Aplicação do Direito .......................... 102
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 107
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi realizado em consonância com a linha de pesquisa do
programa de Mestrado da Universidade de Marília, que conjuga o desenvolvimento por meio
dos empreendimentos econômicos com vistas à realização das mudanças imprescindíveis à
sociedade como um todo.
A pretensão dessa pesquisa é verificar, no primeiro capítulo, o tratamento jurídico
dispensado ao trabalho, organizado ou não, sob a forma de empresa, nos termos da legislação
nacional constitucional e infraconstitucional.
A pesquisa verificará o tratamento jurídico dentro do direito privado preteritamente
denominado direito comercial, hoje, direito empresarial, e a identificação do surgimento do
tratamento jurídico diferenciado a esse seguimento no ordenamento jurídico pátrio.
Considerando a adoção pela Lei 10.406/2002, Código Civil, da Teoria da Empresa, e
as consequências quanto à responsabilidade dos sócios e o processo de falência e recuperação
da empresa em crise econômica ou financeira estabelecido pela Lei 11.101/2005.
O trabalho de pesquisa buscará, a priori, identificar por meio de pesquisa
bibliográfica e dos meios disponíveis na rede mundial de computadores, Internet, utilizandose do método de pesquisa dialético dedutivo, consubstanciando o disposto no texto
constitucional, que estabelece como fundamento da República e da Ordem Econômica, o
valor do trabalho humano, juntamente com a livre iniciativa.
Em seguida, ou seja, no segundo capítulo será observada a contribuição das
Microempresas,
nos
termos
da
legislação
constitucional
e
infraconstitucional,
contextualizando-a no cenário jurídico, econômico e social como fonte geradora de renda,
desenvolvimento e inovação tecnológica, com vistas à concretização da determinação do
artigo 179 da Constituição Federal, por meio do tratamento jurídico diferenciado nas suas
obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, com a análise da Lei
complementar nº 123/2006.
Será também estabelecido, legal e doutrinariamente, o conceito da Microempresa,
sua evolução histórica, justificadora do tratamento diferenciado e aspectos relevantes quanto o
estimulo à inovação tecnológica, assim como o tratamento jurídico tributário dispensado a ela.
O terceiro capítulo elege como objetivo a demonstração das implicações do hodierno
tratamento dispensado à disciplina dos contratos, no âmbito das Microempresas,
estabelecendo a correlação entre a função social do contrato e a função social da empresa. A
propósito, realizar-se-á também detida análise da humanização das relações contratuais com
11
vistas à dignificação da pessoa humana contratante e suas consequências no âmbito da
Microempresa.
Ainda no terceiro capítulo se abordará a forma de concretização da humanização e
funcionalização dos contratos e a hermenêutica jurídica lastreada na abertura do sistema
jurídico com o estabelecimento de cláusulas gerais numa concepção calcada na boa fé
objetiva.
12
1 A MICROEMPRESA NO ÂMBITO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E DO
DIREITO EMPRESARIAL
A Microempresa tem seu conceito legal estampado na Lei Complementar nº. 123 de
14 de dezembro de 2006. Compreendem desse modo, as atividades econômicas desenvolvidas
independentemente do cumprimento do requisito da empresarialidade nos termos do artigo
966 da Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro.
Nestes termos deve-se esclarecer que o tratamento jurídico dispensado à
Microempresa será objeto de análise detalhada no capítulo seguinte, cumprindo observar
inicialmente as várias atividades economicamente desenvolvidas.
Deve-se ter em vista, também, a Microempresa como espécie do gênero empresa que
por sua vez é espécie do gênero trabalho humano; e que, portanto deve ser valorizado, com o
objetivo de realizar a justiça social, nos termos do caput do artigo 170 da Constituição Federal
de 1988.
Segundo Rubens Requião: “Existem, como é fácil compreender dos estudos já feitos,
várias espécies de empresas. Tradicionalmente a classificação envolvia dois grandes grupos:
as empresas comerciais e as empresas civis, e secundariamente, as empresas públicas”1.
Acrescenta-se a este rol a subdivisão entre empresas comerciais, ou empresariais,
pelo critério quantitativo, com relação ao faturamento, em empresas, Microempresas,
pequenas empresas, médias e grandes.
A utilização do método indutivo nesta fase do trabalho de pesquisa justifica-se
considerando a previsão constitucional, acima mencionada, da valorização do trabalho
humano, em todas as suas formas, juntamente com a livre iniciativa.
Bulgarelli endossa a utilização de tal metodologia, nestes termos:
Destinado a reger as relações econômicas decorrentes do mercado, tendo um
substrato econômico acentuado, o direito comercial se apresenta com
características que o distanciam do direito civil, que é o ramo que com ele
comparte o âmbito das relações do direito privado. [...] Inicialmente,
apresenta-se o direito comercial com um método próprio e característico, ou
seja, o método indutivo, que parte da observação da realidade (fatos
econômicos), chegando por via dela aos princípios gerais, [...].2 [grifo do
autor].
1
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27.ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo:
Saraiva. 2007. v. 1, p.61.
2
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed.São Paulo: Atlas, 2001, p.16.
13
Traçam-se inicialmente as espécies de trabalho humano com vistas à obtenção de
renda, distinguindo as formas de trabalho pelo grau de subordinação assim como o tratamento
jurídico dispensado a cada forma dentro de um contexto histórico evolutivo, com o objetivo
de enquadrar a atividade econômica da Microempresa.
Como se verifica, historicamente, o homem nunca prescindiu do trabalho como
alavanca para o desenvolvimento pessoal ou social.
Independente do sistema econômico de regência, a livre iniciativa ou o dirigismo
estatal a marcha para a valorização da pessoa, a humanização dos processos sempre teve o
trabalho humano como ferramenta fundamental.
Observa-se que desde a fase pré-industrial do duro trabalho nos campos, algumas
pessoas demonstraram vocação para a direção das atividades enquanto outros por condições
diversas assumiram a posição de prestação de serviços subordinados.
Huberman, assim assinala a composição da sociedade e a relação de trabalho feudal:
[...] Também alguém tinha que fornecer a alimentação e vestuário para os
clérigos e padres que pregavam, enquanto os cavaleiros lutavam. Além
desses pregadores e lutadores existia na Idade Média, um outro grupo: os
trabalhadores. A sociedade feudal consistia dessas três classes – sacerdotes,
guerreiros e trabalhadores, sendo o homem que trabalhava produzia para
ambas as outras classes, eclesiástica e militar. [...] Qual era a espécie de
trabalho? Nas fábricas ou usinas? Não, simplesmente porque ainda não
existiam. Era o trabalho na terra, cultivando o grão ou guardando o rebanho
para utilizar a lã no vestuário. Era o trabalho agrícola, mas tão diferente de
hoje que dificilmente o reconheceríamos.3
Trabalho que hodiernamente distingue-se de emprego, segundo Delgado:
A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e
relação de emprego. [...] A primeira expressão tem caráter genérico: referese a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação
essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor
humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de trabalho humano
modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse
modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de
trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação.4
Estabelecem-se dessa forma relações de direção e subordinação, independentemente
de considerações quanto à justiça ou injustiça existentes nestas relações, alguns se sentem
3
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltensir Dutra. 21. ed. rev. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1986, p.3.
4
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p.285.
14
mais confortáveis na segurança, na estabilidade, na previsibilidade do recebimento dos
salários mensalmente, enquanto outros por vocação ou herança familiar arriscam-se nos
pequenos e grandes empreendimentos, contados com escassos ou abundantes recursos,
planejam, organizam, e dirigem grandes ou pequenos negócios.
Uns e outros contribuem para o desenvolvimento e valorização da livre iniciativa, e
financiam sistemas previdenciários, sistemas de saúde públicos e privados, serviços sociais e
produzem, circulam os bens e serviços essenciais a toda sociedade.
Distinguem-se estes atores do cenário econômico pela forma de exercício da
atividade, como se verificará detalhadamente, mas se assemelham quanto aos objetos
perseguidos, sobrevivência digna ou acumulação de riqueza.
1.1 O TRABALHADOR EMPREGADO
A figura do trabalhador empregado distingue-se dos demais trabalhadores, por
exercer sua atividade econômica por conta de outrem.
Prestam serviços subordinado, sob a direção do empregador, importante anotar que o
trabalho exercido pelo trabalhador empregado tem como característica os seguintes aspectos,
trabalho prestado por pessoa física, de forma continua, com subordinação e pessoalidade,
mediante o pagamento de salário. Segundo Nascimento: “Concluindo, empregado é pessoa
física que presta pessoalmente a outro serviço não eventual, subordinado e assalariado”5.
Neste diapasão, se constata que a atividade do trabalhador empregado não se
confunde com a atividade econômica do empreendedor, que na busca da renda essencial à sua
sobrevivência, determinados tipos de pessoas, colocam suas habilidades pessoais a serviço de
outra.
Importante salientar que o que motiva a pessoa a prestar trabalho subordinado é de
natureza diversificada, mas essencialmente pode-se citar a ausência de capital próprio, ou o
desinteresse pelo risco, inerente à atividade empresarial.
Ainda a procura dos benefícios de uma contratação com carteira assinada e os
benefícios trazidos pela relação de emprego, tais como salário creditado em conta em dia
previamente determinado, depósitos no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
contribuição previdenciária, férias remuneradas, 13º. Salário e outros benefícios.
Percebe-se, portanto que o trabalhador empregado não possui as características
5
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.166.
15
essenciais ao empreendedor, ou seja, iniciativa, criatividade, capacidade de correr riscos e
ambição por dominação de mercados e busca de satisfação por motivos de ordem pessoal ou
familiar.
1.2 O TRABALHADOR EMPREENDEDOR
Diferentemente do trabalhador empregado, outras pessoas procuram gerar renda por
conta própria, sem constituir empresa, não se enquadrando no caput artigo 966, da Lei 10.406
de 2002 do Código Civil.
Considerando
faltar
o
requisito
do
desenvolvimento
da
atividade
com
profissionalismo, caracterizado segundo Martins, “[...] necessário é que pratique os atos de
sua atividade em caráter profissional, isto é, habitual e repetidamente”6[grifo do autor].
O Estatuto Nacional da Microempresa, Lei Complementar nº. 123 de 2006, no § 1º
do artigo 18-A, de forma inovadora traz a lume a figura do Microempreendedor Individual,
identificado pela sigla MEI, estabelecendo sua conceituação nestes termos:
Artigo 18-A. [...].
§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se MEI o empresário individual a
que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código
Civil, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$
36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não
esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.7
Encontra-se nesta categoria o trabalhador que por vocação pessoal ou familiar,
possui habilidades para exercer uma atividade econômica por sua conta e risco, situa-se de
forma intermediaria entre o trabalhador empregado e o empreendedor empresário, que em
tempos recentes enquadrava-se como trabalhador informal.
O MEI não dispõe de capital ou faturamento suficiente para estabelecer-se e
concorrer no mercado cumprindo todas as exigências legais previstas no ordenamento
Jurídico empresarial e tributário.
Note-se que este MEI mesmo não tendo personalidade jurídica distinta da pessoa
física, exerce funções econômicas e sociais relevantes.
6
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, micro empresas,
sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.85.
7
VIEIRA, Jair Lot. Supersimples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev.
e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.44.
16
Visto que na cadeia de produção e consumo situa-se como elo final entre o
consumidor, o produtor o distribuidor, não exigindo investimentos públicos no
desenvolvimento de sua atividade econômica.
Abarcando entre suas atividades o sapateiro, o moto taxista, a cozinheira, o digitador,
o eletricista, o encanador, e muitas outras de caráter artesanal.
Gonçalves Neto acrescenta que o MEI, tem outras prerrogativas nestes termos:
Além de todas as prerrogativas que o Estatuto Nacional de Microempresa e
da Empresa de Pequeno Porte oferece aos seus destinatários em geral, os
pequenos empresários, designados de empreendedores individuais, são
conferidas estas três especificas (LC 123:2006, art. 26, §1.º): a) o direito de
optar pelo fornecimento de nota fiscal avulsa obtida nas Secretárias da
Fazenda ou Finanças do Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios; b) a
faculdade de fazer a comprovação de sua receita bruta pela apresentação do
registro de vendas independentemente de documento fiscal de venda ou
prestação de serviços, ou escrituração simplificada das receitas, conforme
instruções expedidas pelo Comitê Gestor; c) a permissão de não emitir
documento fiscal, previsto na letra a se requerer nota fiscal gratuita na
Secretaria da Fazenda municipal ou adotar formulário de escrituração
simplificada das receitas nos municípios que não utilizarem o sistema de
nota fiscal gratuita, conforme instruções do Comitê Gestor.8 [grifo do autor].
Todos esses trabalhadores gozam de isenção de taxas de registro e inscrição,
dispondo na Internet de portal, o Portal do Empreendedor, através do qual pode regularizar
sua atividade, de forma desburocratizada e com custos baixos, de acordo com a Lei
Complementar nº 123, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar 128 de 19 de
dezembro de 2008, que dispõe no art. 18-A, § 3º:
Art. 18-A. [...]
V - o Microempreendedor Individual recolherá, na forma regulamentada
pelo Comitê Gestor, valor fixo mensal correspondente à soma das seguintes
parcelas:
a) R$ 45,65 (quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos), a título da
contribuição prevista no inciso IV deste parágrafo;
b) R$ 1,00 (um real), a título do imposto referido no inciso VII do caput do
art. 13 desta Lei Complementar, caso seja contribuinte do ICMS; e
c) R$ 5,00 (cinco reais), a título do imposto referido no inciso VIII do caput
do art. 13 desta Lei Complementar, caso seja contribuinte do ISS; [...].9
8
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa:comentários aos artigos 966 a 1.195 do código
civil.2.ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.82.
9
VIEIRA, Jair Lot. Supersimples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev.
e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.45.
17
Ainda, é digno de nota salientar que num cenário de economia onde os empregos
formais são escassos destinados os trabalhadores de muita ou pouquíssima formação
profissional a quem cumpre a tarefa de gerar sua própria fonte de renda, não exclusivamente e
a si, mas também às de seus familiares.
A lei facultou a possibilidade de contratação de um colaborador, estabelecendo a
citada lei complementar no artigo 18-C que o empresário individual pode se enquadrar na
categoria mesmo que possua um único empregado que receba exclusivamente 1 (um) salário
mínimo ou o piso salarial da categoria profissional
Com a aprovação da Lei Complementar nº. 128/2008 completou-se um ciclo de
inovações legislativas com a finalidade de aprimorar os avanços representados pela Lei
Complementar nº. 123/2006, assim como permitir a inserção no mercado formal um universo
de trabalhadores informais estimados em 10 milhões de trabalhadores, segundo noticia o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Brasil tem mais de 10 milhões de Empresas na informalidade.
A economia informal gerou, em 2003, R$ 17,6 bilhões de receita e ocupou
um quarto dos trabalhadores não-agrícolas do País.
Em outubro de 2003, existiam no Brasil 10.525.954 pequenas empresas não
agrícolas, das quais 98%, ou seja, 10.335.962 pertenciam ao setor informal e
ocupavam 13.860.868 pessoas. Em relação à pesquisa anterior, de 1997,
houve crescimento de 10% no número de pequenas empresas, enquanto o
número de empresas do setor informal cresceu 9%, o que indica um pequeno
aumento na formalização. O aumento dos postos de trabalho nas empresas
informais foi de cerca de 8% no mesmo período. Entre as unidades da
federação, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do
Sul concentravam, juntas, 57,6% das empresas do setor informal de todo o
País. Os dados são da pesquisa de Economia Informal Urbana- ECINF 2003,
realizada pelo IBGE em parceria com o Sebrae, que traz também
informações sobre as características e aspectos financeiros dos
empreendimentos, indicadores de formalização e acesso ao crédito, além de
avaliação de desempenho e perspectivas.10[grifo do autor].
Compulsando os dados acima se verifica que a criação da categoria do
Microempreendedor individual, vem de encontro às necessidades sociais e econômicas,
proporcionando melhorias na qualidade de vida dos brasileiros, retirando essa categoria de
trabalhadores da informalidade, e indiretamente proporcionando um aumento nas
10
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Brasil tem mais de 10 milhões de
empresas na informalidade. Sala de Imprensa, Economia Informal Urbana 2003, Comunicação Social, 19 maio
2005, p.1. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia
=366&id_pagina=1>. Acesso em: 22 fev. 2011.
18
contribuições da Previdência Social.
1.3 O EMPREENDEDOR EMPRESÁRIO
Na esteira do delineamento do trabalho humano no desenvolvimento de atividades
econômicas com a finalidade de obtenção de renda, cabe agora distinguir os exercentes da
empresa de acordo com o grau da receita auferida.
Aos quais se confere tratamento jurídico diferenciado e prerrogativas de limitação de
responsabilidade pelas obrigações sociais, divide-se, no presente trabalho, como categoria
distintas de trabalhadores havendo, assim a figura do empregado e do empreendedor, sendo
este segundo a pessoa do empreendedor empresário.
1.3.1 Contorno Histórico
O moderno conceito de empresa e o tratamento jurídico atualmente dispensado
fazem parte de um processo histórico que se viu, assim delineados por Bulgarelli, citando o
Professor Oscar Barreto:
1 – o período do corporativismo, que vai do Século XII ao Século XVI;
2 – o período do mercantilismo, que abrange os Séculos XVII e XVIII;
3 – o período do liberalismo, correspondente ao Século XIX; e
4 – o período do intervencionismo estatal, a partir da guerra de 1914-1918,
[...].11
Com efeito, deve-se mencionar a criação de institutos jurídicos que atéos dias atuais
fazem parte da vida empresarial como os títulos de crédito e a formas de constituição de
sociedades, como a Sociedade em comandita simples e por ações recepcionadas pelo Código
Civil 2002,
Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas
categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados
somente pelo valor de sua quota.12
11
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed. São Paulo:Atlas, 2001, p.26.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas,
sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.10.
12
19
É digno de nota que o incremento das atividades comerciais tomou tal dimensão que
possibilitou a reunião da classe dos comerciantes em corporações, as Corporações do Oficio,
na Idade Media, com a criação de leis próprias e jurisdição particular. Neste sentido, destaca
Fábio Ulhoa Coelho que:
A partir da segunda metade do século XII, com os comerciantes e artesãos se
reunindo em corporações de artes e ofícios, inicia-se o primeiro período
histórico do direito comercial. Nele, as corporações de comerciantes
constituem jurisdições próprias cujas decisões eram fundamentadas
principalmente nos usos e costumes praticados por seus membros.13
Igualmente, Bruno Mattos Silva leciona que:
Quem fazia parte de uma corporação tinha determinados privilégios. O
principal privilégio das corporações e de seus membros era o do monopólio:
só quem fosse membro de determinada corporação poderia exercer a
atividade econômica que dela era privativa. A existência de privilégios
pessoais fazia parte da cultura medieval e eles foram naturalmente
incorporados às práticas mercantis.14
A atividade econômica do período medieval organizada em Corporações de Oficio
contribuiu para o desenvolvimento do direito empresarial visto que tendo como base o
costume do tráfego do negócio imprimiu a dinâmica requisitada no trato das questões
econômicas. Deixando como contribuição a aferição da boa-fé objetiva, plasmada no artigo
242 do BGB, que será abordada na terceira seção deste trabalho.
No mais, a extinção das corporações de oficio foi um processo e conforme delineado
por Bulgarelli:
É verdade que, já em 1776, na França, Turgot havia suprimido os privilégios
monopólios e poderes das corporações de comércio, artes e indústrias,
tornando livre o exercício do comércio, arte ou profissão mesmo aos
estrangeiros, mas subsistiram, entretanto, seis corps de marchands e
quarenta e seis comunidades de artes e ofícios, o que veio a terminar
definitivamente em 1791, com a Lei Chapelier, que aboliu na França
qualquer associação profissional, proclamando a liberdade de trabalho e de
comércio.15 [grifo do autor].
13
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de
crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.12-13.
14
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007,
p.13.
15
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed.São Paulo:Atlas, 2001, p.36.
20
No período subsequente, o Mercantilismo, que pode ser avaliado como, a primeira
expressão de globalização econômica, e o desenvolvimento do capitalismo, tem seus
contornos assim delineados por Hugon:
Chama-se ‘mercantilismo’ o conjunto de idéias e práticas econômicas que
floresceram na Europa, entre 1450 e 1750. O exame dos fatos é
indispensável à boa compreensão da evolução do pensamento econômico no
decurso desses três séculos. [...] À vida econômica rasga-se, então, o
horizonte universal. Os metais preciosos do novo mundo se afluem para a
Europa, deslocando rapidamente o eixo econômico mundial. Os grandes
centros comerciais marítimos, localizados até então no Mediterrâneo,
desenvolvem-se agora também no Atlântico e no mar do Norte: é o inicio da
prosperidade em Londres, Amsterdã, Bordèus e Lisboa.16
O pensamento mercantilista ruiu visto os resultados sociais e políticos negativos,
deixando um amplo legado, passando pela Escola Fisiocrata, como expressão de um
pensamento mais racional, preparando as bases para a doutrina liberal e individualista,
substituindo o pensamento empírico até então base da economia.
O liberalismo favorece a criação do Estado moderno, segundo leciona Tavares:
O liberalismo, como doutrina filosófica e política, originou-se com as
restrições do poder feudal e monárquico, ocorridas já desde o século XV,
consolidando-se, contudo, apenas na segunda metade do século XVIII, época
das chamadas ‘revoluções liberais’, com a formação dos Estados
democráticos liberais, baseados na idéia de liberdade.17
Neste sentido, os novos valores ditados pela Revolução Industrial, conceitos
econômicos, juntamente com a Revolução Francesa, conceitos políticos, como, Liberdade,
Igualdade, não poderiam conviver com a existência de uma classe especial, superior, como a
organizada pelos comerciantes. Assim destacados por Bulgarelli:
Com as transformações ocorridas durante o século XVIII, que marcam o
aparecimento do liberalismo na economia, conseqüência da revolução
industrial inglesa, e na política, com a vitória da revolução francesa, surgem
novas concepções, sobretudo de liberdade e igualdade. São negados assim os
privilégios de classes atingindo os comerciantes e suas corporações uma vez
que se estende a todos o direito de livremente produzir e comerciar.18 [grifo
do autor].
16
HUGOM, Paulo. Histórias das doutrinas econômicas. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1974, p.60, 66.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.49.
18
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.35.
17
21
Coube ao Código Comercial Napoleônico, como destaca Fran Martins, “[...] foi,
ainda, na França que apareceu o primeiro Código Comercial, promulgado por Napoleão em
15 de setembro de 1807, para entrar em vigor a partir de 1º. de janeiro de 1808”19, a encontrar
a solução que compusesse os interesses dos comerciantes a os ideais da Revolução, com a
criação da Teoria dos Atos do Comércio, onde o tratamento diferenciado não tinha mais um
caráter subjetivo, mas um caráter objetivo, representada pela listagem das atividades
consideradas mercantis.
Registre-se que no Brasil com o advento da chegada da família real e toda a corte
exigiu a superação do tratamento jurídico dispensado pelas Ordenações Portuguesas, como
leciona Gladston Mamede,
No Brasil, a produção e o comércio são regidos, inicialmente pelas
Ordenações Portuguesas, designadamente pelas ordenações Filipinas, que
passaram a viger no princípio do século XVII (1603) e somente deixaram de
se aplicar às atividades mercantis com a edição do Código Comercial, em
1850, quando era Imperador D. Pedro II.20
No mesmo sentido, evoluindo, na lição de Waldirio Bulgarelli:
O primeiro período, que corresponde ao da formação da nação brasileira,
com a chegada da família real, recebe a profunda influencia de José da Silva
Lisboa, Visconde de Cairu, considerado o fundador do direito comercial no
Brasil, autor da obra Princípios do Direito Mercantil e Leis da Marinha, que
inspirou D. João o ato de abertura de nossos portos, através da Carta Régia
de 28 de Março de 1808, [...].21 [grifo do autor].
Dentro desse processo histórico surge o Código Comercial de 1850, lastreado na
Teoria dos Atos do Comércio.
O Código Comercial de 1850 teve sua vigência, até a edição da Lei 10.406 de 2002,
Código Civil 2002, ressalvado por exigência do desenvolvimento das atividades mercantis,
teve mitigado em vários aspectos a Teoria dos Atos do Comércio, restando ainda do pretérito
dispositivo algumas normas do Direito Marítimo.
Fazendo-se relevante citar a contribuição de Asquini, nestes termos trazida por
Tomazette:
19
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas,
sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.10.
20
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.3.
21
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.38.
22
Defrontando-se com o novo Código Civil Italiano, Asquini deparou-se com a
inexistência de um conceito de empresa, e analisando o diploma legal
chegou à conclusão de que haveria uma diversidade de perfis no conceito.
Para ele, ‘o conceito de empresa é o conceito de um fenômeno jurídico
poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfis em
relação aos diversos elementos que ali concorrem’. [...] O primeiro perfil da
empresa identificado por Asquini foi o perfil subjetivo pelo qual a empresa
se identificaria com o empresário, [...]. Asquini também identifica na
empresa um perfil funcional, identificando-a com a atividade empresarial: a
empresa seria aquela ‘particular força em movimento que é atividade
empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo.’ [...] Haveria ainda
o perfil objetivo ou patrimonial que identificaria a empresa com o conjunto
de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, distinto do
patrimônio remanescente nas mãos da empresa, [...]. Por derradeiro, haveria
um perfil corporativo, pelo qual a empresa seria a instituição que reúne o
empresário e seus colaboradores, será ‘aquela especial organização de
pessoas’ que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviços,
[...].22
Rubens Requião, citando Ferrara, esclarece que:
[...] chegando Ferrara à conclusão de que a empresa supõe uma organização
por meio da qual se exercita a atividade; todavia, o conceito de empresa não
tem para ele, na realidade, relevância jurídica, pois ‘os efeitos da empresa
não são senão efeitos a cargos do sujeito que a exercita’, isto é, do
empresário.23
A doutrina liberal, como rompimento de um sistema plasmado pela intolerância e
submissão do cidadão à condição de súdito no regime absolutista, representou um avanço
notável em todos os setores na política, na economia, com um notável desenvolvimento
tecnológico.No entanto não foi isento as críticas, especialmente acerca do desemprego e da
questão monetária.
André Ramos Tavares acertadamente anota: “É certo que o estado liberal clássico
entrou em declínio, porque práticas intervencionistas passaram a ser adotadas, consideradas
não só necessárias, mas igualmente legitimas.”24
Ivo Dantas citando a monografia de Toshio Mukai analisa a passagem do liberalismo
econômico ao Intervencionismo nos seguintes termos:
[...] ao estudar a passagem do Estado de Direito ao Estado Social de Direito,
22
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.17.
23
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27.ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São
Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p.56.
24
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.53.
23
‘esses Estado sofre mudanças na sua concepção, em razão de três causas
fundamentais, que entre outras são apontadas: as revoluções sociais na
Europa)soviética de 1917, a italiana de 1923 e a alemã de 1933), a 2ª
Revolução Industrial que acelera a produção de bens e serviços e o novo
conceito de finanças públicas, que aumentaria enormemente o patrimônio do
Estado. Além disso, as duas grandes guerras exerceram enorme influencia
nessa transformação assim como o colapso econômico de 1929 que dos
EE.UU atingiu a todos os países, exceto Japão e a Rússia. [...] Essa nova
realidade, que clama pela atuação do Estado para, principalmente, disciplinar
a vida econômica em face do gigantismo dos monopólios, é agasalhada pelo
Direito Constitucional dos países do Ocidente’.25
Faz-se necessário registrar que o movimento de reliberalização da economia e, por
conseguinte do tratamento jurídico da atividade econômica encontra-se em pleno curso.
Considerando, que o sistema econômico capitalista que durante um século resolveu o
problema econômico e social de forma hegemônica, viu-se obrigado a conceder
pontualmente, durante os anos do período da guerra fria, da luta contra o “perigo vermelho”,
privilégios ao chamado Estado do bem estar social.
Acredita-se que com o esfacelamento do regime socialista representado pela queda
do muro de Berlin no ano de 1989, voltem-se às relações sociais, que agora são representados
por contratos.
Com efeito, mostra-se diferente do momento histórico em que vigia o liberalismo
político, com predominância da autonomia da vontade, nominada também de autonomia
privada nos países periféricos, como é o caso do Brasil e outros países da América Latina.
Fábio Ulhoa Coelho contextualizando este momento histórico pronuncia-se afirmando que:
O fracasso da experiência planificadora, nos países soviéticos simbolizada
pela queda do Muro de Berlin, na noite de 9 de novembro de 1989, revela
que o projeto marxista tem algo de falho.[...] mas a demonstração eloqüente,
naquele significativo fato histórico, da incapacidade de o homem planificar
totalmente a economia.[...] O definitivo, em relação à extraordinariamente
rápida desarticulação das economias planificadas européias na última década
do século XX, e a atual incapacitação científica do homem para lidar com as
questões humanas, e parece ser o questionamento da possibilidade mesma de
um projeto científico de organização social.26
Verificado que o sistema econômico da livre iniciativa, capitalista, vigora
independente da organização política, democrática ou totalitária, o ordenamento jurídico
nacional não poderia mais prescindir da adoção da Teoria da Empresa.
25
DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico. Curitiba: Juruá, 2004, p.37.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de
crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.4.
26
24
Assim houve a unificação do tratamento das matérias obrigacionais, rompendo
institucionalmente com a ultrapassada teoria dos atos de comércio, considerando que no
âmbito das relações econômicas na prática empresarial tal teoria já estava a muito superada.
Feita a ressalva tem-se que desta formas e estabeleceram os fundamentos para a
intervenção do Estado na atividade econômica.Posteriormente positivada de forma expressa
no caput do artigo 173 da Constituição de 1988, limitando a intervenção conforme se analisa a
seguir.
1.3.2 Tratamento Constitucional da Atividade Econômica Empresarial
Os primeiros textos constitucionais prescindiam da preocupação de estampar o
tratamento constitucional da atividade econômica, visto a predominância do pensamento
liberal, no qual caberia ao Estado exclusivamente as funções básicas relacionadas aos
aspectos sociais, garantindo a liberdade de iniciativa no âmbito das relações econômicas.
Segundo Tavares:
Desde a origem do constitucionalismo, como é conhecido atualmente, até o
começo do século XX, não se preocupavam as Constituições, no mundo, em
seu conjunto normativo, em disciplinar a vida econômica. Os documentos
constitucionais eram compreendidos, até então, como receptáculos da ordem
política, ocupando-se, praticamente, apenas dos direitos individuais
fundamentais e da organização política do Estado.27
Registre-se que a constitucionalização da atividade econômica, dentro de um quadro
em que o pensamento socialista que tomava corpo, tendo-se em vista o exaurimento do
modelo capitalista que predominava a mais de um século.
Tratando do tema Tavares ainda leciona que:
É indicada pela quase-unanimidade dos estudiosos, a Constituição mexicana
de 1917, como tendo inovado nos quadrantes do constitucionalismo vigente
ao dispor acerca da organização da atividade econômica. Costuma ser citada
como marco na valorização da ordem econômica, como aponta José Afonso
da Silva, ao afirmar que: ‘A ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a
partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-la
juridicamente, o que teve inicio com a Constituição Mexicana de 1917.’ 28
27
28
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.89.
Idem, Ibid., p.90.
25
No Brasil apesar da inserção formal desde a constituição de 1934, do título, “Da
Ordem Econômica e Social”, e das menções desde a constituição do Império de 1822 da
preocupação com o problema econômico teve, somente no texto constitucional de 1988,
utilizado a expressão ordem econômica e financeira.
Conforme leciona Moraes, o legislador constituinte de 1988, “[...] em seu artigo 170,
optou pelo modelo capitalista de produção, também conhecido como economia de mercado
(art. 219), cujo coração é a livre iniciativa.”29
Devendo-se consignar que o novo capitalismo apresenta-se com cores diferentes do
capitalismo clássico onde “laissez faire, laissez passe”, conforma-se aos ditames da justiça
social e os valores sociais do trabalho, como bem traduz o caput do artigo 170 da Constituição
Federal de 1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
dajustiça social, observados os seguintes princípios: [...].”30
O eminente José Afonso da Silva ensina que a livre iniciativa significa liberdade de
desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto,
possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo
mesmo.31
Percebe-se que há liberdade no mercado, seja para o exercício de atividades
econômicas, seja na disputa para se alcançar melhor espaço nesse meio, sendo tal liberdade,
nas palavras de Barbieri Filho, “[...] elemento fundamental para o democrático
desenvolvimento da estrutura econômica, [...] pedra de toque das liberdades públicas no setor
econômico.”32
Diante disso, constata-se que após o advento da Constituição Federal de 1988, a
empresa foi posta num destaque jamais dado pelo Ordenamento Jurídico, o que só fez
reconhecer a sua inquestionável função no mercado, qual seja, de ser a mola propulsora da
atividade econômica ao produzir riquezas, empregar e assim contribuir para o
desenvolvimento do país.
É de rigor ressaltar, no entanto, que grande parte do desenvolvimento econômico e
social do país se deve à atividade empresarial. A propósito, a este respeito destaca-se que com
29
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.796.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.170.
31
SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.760.
32
BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico, Resenha
Tributária, 1984, p. 119-120 apud BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à
constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 7, p.25.
30
26
previsão na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput, a livre
iniciativa é considerada fundamento da Republica e da ordem econômica conforme se
verifica:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[...].33
Alçada na condição de fundamento da República, a livre iniciativa, o sistema de
mercado, entrega às empresas privadas a responsabilidade de responder ao problema
econômico. Nestes termos definido por Fábio Nusdeo:
São, pois, três as grandes questões a comporem o chamado problema
econômico, problema com o qual desde as hordas pré-históricas até as
modernas sociedades da era pós-industrial a humanidade sempre teve de
conviver e continuará convivendo. Ele pode ser cifrado ou sintetizado pelas
três seguintes indagações: O que – Como – Para quem – [...].34
Percebe-se neste diapasão a livre iniciativa tem de forma exclusiva a execução da
função de produzir e circular bens e serviços, segundo Alexandre Moraes:
[...] é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o
crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a
liberdade, o respeito e a dignidade aos trabalhadores (por exemplo:CF, arts.
5º, XIII; 6º; 7º; 8º). Como salienta Paolo Barile, a garantia de proteção ao
trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também
aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento
do país; [...].35
O texto constitucional de 1988, ao regular a Ordem Econômica, estabelece além dos
fundamentos elencados no caput nove incisos. Assim comentados por Tavares:
Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e o valor social da
iniciativa humana – enumerados em seu caput , o art. 170 da Constituição
33
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.1º.
34
NUSDEO, Fabio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. Prefácio de Tércio Sampaio Ferraz
Junior. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.98.
35
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.22.
27
relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da ordem
econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna,
conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios:
soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre
concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das
desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte [...].36
Parafraseando o autor supracitado em apertada síntese podem-se interpretar os
princípios elencados da seguinte forma:
a) justiça social –interpretando sistematicamente, constata-se que no artigo 3º da
Carta Magna, um dos objetivos da República deve ser construir uma sociedade justa e
solidária, em que pese a busca de resultados econômicos da economia de mercado, a atividade
equivale na ação que implique na melhoria da repartição dos bens, na diminuição das
desigualdades sociais com a ascensão das classes menos favorecidas, conquistas a serem
concretizadas ao longo de todo o processo produtivo, num processo sem tempo determinado
para o atingimento desse objetivo;
b) existência digna – funda-se no princípio que informa todo o ordenamento jurídico,
a dignidade da pessoa humana, que no campo econômico pode ser entendida como a busca
constante da manutenção dos postos de trabalho, podendo por meio do trabalho realizaro
pleno desenvolvimento de sua personalidade.
c) o respeito à propriedade e a sua função social pode ser entendido na medida em
que o desempenho da atividade econômica no regime da livre iniciativa pressupõe o respeito à
propriedade privada, especialmente dos bens de produção e malgrados os efeitos negativos do
capitalismo clássico, cuida-se de garantir a propriedade dentro dos limites do interesse social,
deixando ser um direito subjetivo do indivíduo para converter-se numa função social, com a
incumbência de gerar externalidades positivas a toda a sociedade;
d) considerando o tratamento jurídico dispensado ao consumidor reflete a realidade
econômica, do atual sistema, de produção e comercialização de bens e serviços, em larga
escala. A despersonalização da pessoa humana tratada no texto constitucional no sentido de
impor na ordem econômica que inicia um programa que tem uma ampla política pública,
atuando na relativização da autonomia da vontade, instituindo um micro sistema que regula as
relações jurídicas estabelecidas na relação fornecedor/consumidor;
e) os princípios estabelecidos nos incisos IV, VI, VII, VIII, a garantia da livre
36
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.134.
28
concorrência, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a
busca do pleno emprego, mais do que princípios ou objetivos ao encargo do detentor da
organização da atividade econômica da livre iniciativa são políticas públicas onde o Estado
atua como agente regulador tendo a empresa responsabilidade quanto a observância e
implementação, visto o cumprimento de sua função social;
f) o tratamento favorecido às pequenas empresas, objeto principal dessa pesquisa,
que será amplamente verificado no segundo capítulo, surge no rol dos objetivos/princípios da
ordem econômica, como sucedâneo da proteção dispensada à empresa de menor poder
econômico, relativizando o princípio da livre iniciativa, com vistas à preservação desse
importante segmento do ponto de vista econômico e social.
1.3.3 O Tratamento Infraconstitucional das Atividades Econômicas no Âmbito da Empresa
Verificado o tratamento constitucional dispensado à atividade econômica, passa-se a
elencar o regramento infraconstitucional estabelecido especialmente no Código Civil, e
legislação esparsa, como instrumentalização com vistas à efetivação dos princípios
estabelecidos constitucionalmente.
Consigne-se, inicialmente, que a edição do Código Civil 2002 trouxe de forma
definitiva ao ordenamento jurídico brasileiro a adoção da Teoria de Empresa de matriz
italiana, centrado no Código Civil Italiano de 1942, onde a atividade econômica praticada
profissionalmente identifica o objeto do Direito Empresarial, em conformidade com as
exigências do momento econômico atual.
Nota-se, no entanto, que a adoção da Teoria da Empresa e a unificação do Direito das
Obrigações não significam a superação da dualidade do sistema do regime de direito privado,
inclusive com prescrição constitucional, tanto que se encontra disposto no Art. 22 que:
“Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...].”37
Marlon Tomazette traz interessante justificativa quanto à pertinência atual da
dicotomia do direito privado:
A unidade da vida econômica moderna não permite uma disciplina única,
por isso há a dicotomia direito civil e direito comercial. Há uma oposição
37
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.22.
29
entre os atos de conservação ou gozo dos bens e os atos de produção e de
circulação, vale dizer, deve haver um tratamento distinto entre os bens
tratados como objeto de propriedade ou de consumo e os bens empregados
em um processo produtivo. O direito civil é o direito da produção e do
consumo de bens no seu valor de uso, já o direito comercial disciplina a
circulação de bens.38
Considerando que o sistema da livre iniciativa incumbiu às pessoas jurídicas de
direito privado, organizadas sob a forma de empresa, de oferecer resposta ao problema
econômico.
Destaca-se que o empreendedor empresário se caracteriza como o organizador
profissional da atividade econômica, podendo exercer pessoalmente a atividade ou esta
realizar-se por meio de empregados ou prepostos.
Para Waldirio Bulgarelli a viragem da atividade empresarial focado no comerciante
para a empresa explica-se dessa forma:
[...] E foram justamente a pessoa do comerciante e o ato de comércio a base
da concepção moderna da atividade, num conceito superador de ambos.
Concebe-se assim a atividade econômica como uma série de atos ordenados
entre si pelo comerciante, visando a uma finalidade comum. Mantém-se a
pessoa do comerciante, através do agente, e refoge-se ao conceito de atos
isolados, para considerá-los na sua reiteração, na sua repetição, portanto um
critério quantitativo, não esquecido o critério qualitativo que é dado pela
finalidade, que, no caso, é unitária.[...] Portanto, desloca-se o problema do
âmbito exclusivo do comerciante ou de ato de comércio para centralizar-se
na atividade que, por pressupor uma organização para executá-la, irá
desbordar no conceito de empresa.39 [grifo do autor].
A legislação empresarial coloca a sua disposição a possibilidade de exercer a
atividade como empresário individual ou por meio de pessoa jurídica, constituindo uma
sociedade empresaria. Fábio Ulhoa Coelho assim define o empresário:
Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade
econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode
ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa
individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus
integrantes.40 [grifo do autor].
38
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.25.
39
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed.São Paulo:Atlas, 2001, p.67.
40
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de
crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.63.
30
Da definição acima é importante salientar que empresário pessoa física, sociedade
empresária, pessoa jurídica, são espécies de pessoas jurídicas de direito privado não estatal,
constituindo-se em sujeitos de direito com capacidade para assumir obrigações e direitos na
ordem civil. Como delineia o autor anteriormente citado:
Os sujeitos de direito podem ser, inicialmente, distinguidos em dois grupos:
de um lado, a pessoa física e o nascituro; e de outro, a pessoa jurídica e as
demais entidades despersonalizadas. [...]
O que caracteriza o regime das pessoas, no campo do direito privado, é a
autorização genérica para a prática dos atos jurídicos. Ao personalizar algo
ou alguém, a ordem jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo
ou alguém está apto a praticar. Em relação às pessoas, a ordem jurídica
apenas delimita o proibido; a pessoa pode fazer tudo, salvo se houver
proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados, não existe
autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem
praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles
expressamente definidos. [...].41
Tomazette, de maneira precisa distingue a atividade empresarial do sujeito de direito
titular da atividade, nestes termos:
A empresa é uma atividade e, como tal, deve ter um sujeito que a exerça, o
titular da atividade (o empresário). Este é quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços (conceito do Código Civil de 2002, artigo 966 – no mesmo
sentido do artigo 2.082 do Código Civil italiano).42
Conclui o citado autor:
O empresário é o sujeito de direito, ele possui personalidade. Pode ele tanto
ser uma pessoa física, na condição de empresário individual, quanto uma
pessoa jurídica, na condição de sociedade empresária, de modo que as
sociedades empresárias não são empresas, como afirmado na linguagem
corrente, mas empresários.43
Torna-se relevante enfatizar estes detalhes considerando que a empresa, atividade
econômica, organizada como pessoa física, empresário individual, recebe tratamento
diferenciado com relação à responsabilidade quanto às obrigações contraídas. Observa Fábio
41
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: sociedades. 11. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p.10.
42
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.41.
43
Id., Ibid., p.41.
31
Ulhoa Coelho, nestes termos:
De fato, enquanto se tem em mira a figura do empresário individual, a
pessoa física que explora a atividade econômica, cabe distinguir, entre os
bens de seu patrimônio, os que são empregados nessa atividade dos demais
[...] a residência do empresário e sua família, o carro etc. Essa distinção não
tem o alcance de poupar os bens não empregados na empresa, no momento
da responsabilização do empresário individual. Em princípio, todos os bens
do patrimônio de certa pessoa, no direito brasileiro, respondem pelas
obrigações dessa pessoa (há exceções, como o bem de família, os
inalienáveis etc.).44
Nesse sentido Rubens Requião, citando Ferri, a título de noção econômica de
empresa anota:
O Prof. Giuseppe Ferri observa que a produção de bens e serviços para o
mercado não é conseqüência de atividade acidental ou improvisada, mas sim
de atividade especializada e profissional, que se explica através de
organismos econômicos permanentes nela predispostos. Estes organismos,
que se concretizam da organização dos fatores da produção e que se propõe a
satisfação das necessidades alheias,e, mais precisamente, das exigências do
mercado geral, tomam a terminologia econômica o nome de empresa.45[grifo
do autor].
Adverte Rubens Requião que:
É preciso compreender, ainda segundo os ensinamentos de Ferri, que a
disciplina jurídica da empresa é a disciplina da atividade do empresário, e a
tutela jurídica da empresa é a tutela jurídica dessa atividade. Essas
considerações levam-nos a compreender que, no ângulo do direito comercial,
empresa, na acepção jurídica, significa uma atividade exercida pelo
empresário. Disso decorre inevitavelmente que avulta no campo jurídico a
proeminente figura do empresário.46[grifo do autor].
Faz-se importante, trazer à colação a natureza jurídica da empresas, que como
exposto anteriormente, é atividade e como atividade não é possível imputar-lhe a função de
sujeito de direito, neste sentido Marlon Tomazette esclarece:
44
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de
crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.100.
45
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São
Paulo: Saraiva. 2007.v. 1, p.49.
46
Id., Ibid., p.51.
32
A empresa entendida como atividade econômica organizada, não se
confunde nem com os sujeitos exercente da atividade, nem o complexo de
bens por meio das quais se exerce a atividade, que representam outras
realidades distintas. [...] Assim, a empresa deve se enquadrar como um
terceiro gênero, uma nova categoria jurídica, pois não se trata nem de sujeito
nem de objeto de direito, enquadrando-se perfeitamente na noção de fato
jurídico em sentido amplo. Tal noção se mostra mais adequada que a de ato
jurídico, pois falamos da atividade, do conjunto de atos, e não de cada ato
isolado, que poderia ser enquadrado na condição de ato jurídico.47
Verifica-se nesta linha que o conceito de empresa é difuso não se confundindo com a
pessoa do empresário que o sujeito de direito, nem com o estabelecimento que é o complexo
de bens materiais e imateriais organizados para o exercício da empresa.
Como se verifica o conceito legal de empresa corresponde ao perfil subjetivo
estabelecido por Asquini, que Marlon Tomazette assim anota:
Aproveitando o teor do artigo 966 do Código Civil de 2002, bem como do
artigo 2.082 do Código Civil Italiano de 1942, podemos concluir que a
empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação
de bens ou serviços para o mercado.48
Os elementos caracterizadores da atividade econômica empresarial, no dizer de
Marlon Tomazette podem ser assim delineados:
a) atividade – trata-se do conjunto de atos destinados à organização dos fatores da
produção, a articulação entre a mão de obra, os insumos, desenvolvimento de tecnologia com
emprego de capital, com a finalidade de produzir bens ou serviços.
Ressalve-se que para caracterização da atividade empresária os atos devem ser
realizados com profissionalismo, que requer habitualidade, pessoalidade, e detenção do
monopólio das informações quanto aos produtos e serviços produzidos;
b) economicidade – trata-se de atividade que vise resultados econômicos, e não mera
atividade para de mero prazer e realização pessoal, frise-se que a finalidade lucrativa pode ser
de fim ou de meio;
c) organização – a empresa no âmbito das organizações revela-se de forma especial,
e diferenciadora, fazendo-se necessário conferir a relevância desse aspecto visto que o Código
Civil exclui do âmbito da classificação das atividades empresárias a atividade onde as
47
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.21-22.
48
Id., Ibid., p.18.
33
características pessoais são importantes ao aspecto organizacional.
Waldirio Bulgarelli leciona que a distinção entre atividades civis ou simples na
dicção do Código Civil 2002, verifica-se:
O que distingue a atividade civil da comercial são os meios utilizados para a
obtenção do lucro. Este pressupõe, no comércio, operações de transformação
ou de circulação de riquezas: portanto de intermediação, ausente nas
atividades civis. Em conseqüências, estabelece-se perfeitamente a
delimitação do campo do direito comercial, dado que o comércio possui
meios próprios distintos dos atos comuns da atividade civil.49
Visto que a Constituição de 1988 estabelecendo que a Ordem Econômica tenha como
fundamento a Livre Iniciativa, portanto cabe às empresas produzirem os bens e serviços
essenciais à sociedade; ainda, que o Código Civil 2002 defina no artigo 966, que os
empresários são os sujeitos de direito que organizam a atividade empresarial.
Revela-se de suma importância a verificação das prerrogativas colocadas à
disposição das pessoas que encaram o desafio de empreender.
Demonstra-se, portanto, a atividade empresarial como uma atividade de riscos, onde
o sucesso e o insucesso convivem no dia a dia das empresas.
1.3.3.1 Limitação da responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais
Pertinente neste momento admitir que a pedra angular do incentivo ao
desenvolvimento das atividades econômicas organizadas sob a forma de empresa é a
possibilidade jurídica da constituição de uma pessoa jurídica distinta da pessoa física.
Prerrogativa da sociedade empresária, como pessoa jurídica distinta da pessoa física.
Leciona Rubens Requião neste sentido:
Formada a sociedade comercial pelo concurso de vontades individuais, que
lhe propiciam os bens e serviços, a conseqüência mais importante é o
desabrochar de sua personalidade jurídica. A sociedade transforma-se em
novo ser, estranho a individualidade das pessoas que participam de sua
constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de
deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade.50
Essa possibilidade limita a responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais,
49
50
BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.57.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.384.
34
quando a empresa é constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima e
ainda amolda-se perfeitamente à Teoria da Empresa, permitindo que a pessoa jurídica possa
ter uma existência infinita independente da pessoa física dos sócios.
Entretanto o empresário individual, titular de uma Microempresa não usufrui desse
benefício, considerando que responde com seus bens particulares pelas obrigações da pessoa
jurídica. Trazendo a colação consideração do Comercialista, retro mencionado:
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o
comerciante singular vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa
física ou a natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu,
quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em
pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para efeito de
imposto de renda (AP. cív. nº. 8.447 – Lajes, in Bol.Jur. ADCOAS, nº
18.878/73).51
Registre-se que o empresário individual apesar de sua importância, na hipótese de
inadimplemento e execução de obrigações da empresa, pode ver-se privado do seu patrimônio
pessoal, logicamente preservados os bens sob a proteção de impenhorabilidade como os bens
de família. Na lição de Mamede:
Segundo o Departamento Nacional de Registro no Comércio (DNRC), em
2005 foram registradas 490.542 empresas no Brasil, das quais 240.306 eram
empresários atuando isoladamente, número que corresponde a 48,9%, sendo
superado apenas pelas sociedades limitadas; 246.722 registradas naquele
ano, ou seja, 50,3% das empresas. Os demais tipos societários (incluindo
sociedades anônimas e sociedades cooperativas) foram responsáveis por
0,8% dos registros.52
Depreende-se do acima verificado que o empresário individual, organizador da
Microempresa, submete-se a um risco muito maior, quando verificada sua insolvência ou
eventual crise econômica.
Situação que poderia ser resolvida na hipótese que o direito societário contemplasse
a possibilidade de organização de sociedade unipessoal. Essa problemática vem delineada nos
ensinamentos de Maria Antonieta Lynch, confira-se:
51
52
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.78.
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.12.
35
A sociedade unipessoal é uma estrutura legal pela qual é possível que o
empresário individual exerça atividade econômica revestido de uma forma
que não a típica firma individual.[...] Sem dúvida, a presença de um
instrumento técnico que possibilite a pessoa física dirigir e administrar sua
própria empresa, sem os perigos da responsabilidade patrimonial ilimitada, é
uma necessidade imposta pela prática.[...] A disparidade latente existente
entre o empresário individual que se encontra numa posição de desvantagem
em relação ao empresário coletivo que, associado sob quaisquer das formas
sociais de responsabilidade limitada, pode manter incólume seu patrimônio
pessoal, não obstante, os riscos da atividade de ambos serem similares [...].53
No entanto deve ser registrar que nos casos de abuso da personalidade jurídica da
sociedade empresa, o Código Civil no artigo 50 traz que:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica.54
O instituto da desconsideração da pessoa jurídica foi assim comentado por Rubens
Requião,
Recentemente, porém, tendo em vista as fraudes promovidas através da
personalização de sociedades anônimas, seja em problemas de âmbito
privado, seja em relação ao direito público, se foi elaborado por construção
jurisprudencial uma doutrina para coibir os abusos verificados. Surgiu,
assim, a doutrina do Disregardof Legal Entity no direito anglo-saxão,
espraiando-se para o direito germânico e mais recentemente repercutindo na
literatura jurídica da Itália. [...].
Destarte verifica-se a consolidação da teoria da empresa, considerando que a
atividade econômica desenvolvida pelo empresário que merece a tutela
estatal,responsabilizando os administradores incapazes, desonestos ou
incompetentes pelos abusos ou desvios da finalidade da empresa.55 [grifo do
autor].
Neste diapasão, observa-se que a limitação da responsabilidade dos sócios quanto às
obrigações encontra seus limites no exercício regular da empresa, penalizando o organizador
da empresa que utiliza a pessoa jurídica com finalidade de enriquecimento pessoal.
53
LYNCH, Maria Antonieta. As empresas societárias e a limitação patrimonial. Revista de Direito Privado, São
Paulo, ano 11, n. 41, p. 133-151, jan./mar. 2010, p.136.
54
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 50. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
55
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.389.
36
1.3.3.2 Possibilidade de usufruir da recuperação judicial ou extrajudicial
O Código Civil 2002, ao definir o empresário como o sujeito de direito responsável
pelo desenvolvimento da empresa nos remete à criação de um micro sistema jurídico do
tratamento da atividade econômica.
Neste micro sistema jurídico, destaca-se a lei de Falência e Recuperação de
Empresas (LRF), de onde trata da empresa insolvente, e diferentemente do tratamento
pretérito que visava primordialmente à satisfação dos interesses dos credores, encontra na Lei
11.101/2005, a concretização do Princípio da Função social da empresa e seus sucedâneos,
como o Princípio da Preservação da Empresa num cenário econômico plasmado na livre
iniciativa, e na globalização mundial da economia.
Neste sentido, Gladston Mamede leciona que:
O princípio da função social de empresa reflete-se, por certo, no princípio
da preservação da empresa, que dele é decorrente; tal princípio compreende
a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que
deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os
efeitos deletérios da extinção das atividades empresarias, que não só
prejudica o empresário e a sociedade empresária, prejudica todos os demais:
trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.56
[grifo do autor].
A LRF trata primeiramente da Falência, de remota origem, nestes termos relatados
por Amador Paes de Almeida:
No direito quiritário (iusquiritum, iuscivile), a fase mais primitiva do direito
romano, que antecede à codificação da Lei das XII Tábuas, o nexum (liame
entre devedor e credor) admitia a addicere, adjudicação do devedor
insolvente, por sessenta dias, permanecia em estado de servidão para com o
credor. Não solvido o débito nesse espaço de tempo, podia o credor vendê-lo
como escravo no estrangeiro (transTiberim, além do Tibre), ou mesmo matálo, repartindo-lhe o corpo segundo o número de credores, numa trágica
execução coletiva.57 [grifo do autor].
A nova Lei que tramitou durante 11 anos no Congresso Nacional, não é isenta de
críticas e traz entre os pontos controvertidos os seguintes aspectos:
a) a Limitação do pagamento dos créditos trabalhistas ao valor correspondente a 150
56
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.446.
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n.
11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.5.
57
37
(cento e cinquenta salários mínimos).
Merecendo considerações nestes termos o asseverado por Fábio Ulhoa Coelho:
[...] O limite é de 150 salários mínimos por credor. Quer dizer que o
empregado com crédito inferior ou igual a esse limite concorre nessa classe
preferencial pela totalidade de seu direito; mas aquele que possui créditos
maiores ao teto indicado, participa do concurso em duas classes: pelo valor
de 150 salários na dos empregados e pelo valor que exceder, na dos
quirografários.O objetivo da limitação é impedir que se consumam os
recursos da massa com o atendimento a altos salários dos administradores da
sociedade falida.58
b) o pagamento dos credores com crédito real antes dos credores fiscais, com a
inversão da ordem estabelecida na legislação pretérita, privilegiando o pagamento dos
credores das obrigações com o sistema bancário, considerando que são estes credores que nas
relações negociais têm condições de impor tal garantia na concessão de créditos.
O autor comprova tal tratamento da maneira a seguir, por meio de justificativa de
índole liberal, considerando que os créditos fiscais, especialmente os tributários são devidos
de uma forma mediata, a toda a sociedade:
A preferência sobre os créditos fiscais – introduzida no direito brasileiro pela
nova Lei de Falências – visa atenuar os prejuízos a que esses últimos podem
se expor, socializando o risco associado à insolvência do devedor com a
sociedade como um todo. A intenção última do legislador foi criar as
condições para o barateamento dos juros bancários, medida destinada a
acentuar o desenvolvimento econômico do País, em atendimento ao interesse
público. Como a maioria dos credores com garantia real são bancos, apostase na inversão na ordem de classificação aumentará o volume de recuperação
dos créditos aberto a empresários ou sociedades empresárias e,
consequentemente, levará à pratica de spreads menores.59
c) a questão relacionada à inexistência de sucessão quanto aos débitos da falida, é
outra questão controvertida que o Judiciário vem enfrentando nos casos concretos.
Fábio Ulhoa Coelho sustenta nestes termos a pertinência e os requisitos da previsão
legal alegando que:
De um lado, quando a lei expressamente nega a sucessão, amplia as chances
de interessados adquirirem o negócio do falido ou da sociedade falida e,
58
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n. 11.101, de
9-2-2005). 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.215.
59
Id., Ibid., p.217.
38
consequentemente, as de mais credores virem a ter seus créditos satisfeitos
com os recursos da aquisição. Se o adquirente da empresa anteriormente
explorada pela falida tiver de honrar todas as dívidas dessa, é evidente que
menos empresários terão interesse no negócio. Aliás, é provável que a
alienação da empresa se inviabilize: se tiver que pagar tudo a que se obrigara
o falido, o adquirente tende a falir também. [...] Na nova lei falimentar, uma
das hipóteses de negativa expressa de sucessão do adquirente de empresa
explorada pelo falido empresário individual ou sociedade empresária falida
liga-se à aquisição da empresa em qualquer modalidade de venda ordinária,
isto é, em hasta pública (leilão, propostas ou pregão). [...] Desse modo, o
adquirente da empresa por meio de ato ordinatório de realização do ativo não
é, por força de expressa previsão legal, sucessor do falido.60
Entretanto, em que pese as críticas e os aspectos relacionados à prevalência dos
interesses dos detentores do maior poder econômico, a Lei 11.101 de 2005 apresentou
avanços significativos comparados às previsões da legislação anterior, especialmente o novo
tratamento dispensado à empresa em crise econômica/financeira viável, o novo instituto da
Recuperação de Empresas.
Como se percebe dos comentários colacionados de autoria de Fábio Ulhoa Coelho,
do ponto de vista liberal, os aspectos passíveis de crítica na nova lei, são todos justificáveis,
no entanto faz-se pertinente a observação de Penteado, quando tece considerações à lei do
Brasil real, nos seguintes termos:
[...] Mas fica a impressão, também, que a Lei 11.101 situa-se distante do
Brasil real, pois seu objetivo, declarado em compromissos internacionais do
Executivo com o FMI, foi o de criar ambiente favorável de mercado para
que se transitem mais facilmente as empresas que hoje dominam, segundo
princípios da velha lex mercatoria, a economia mundial, mercê tutela
reforçada aos credores com maior poder econômico, que soem forrar-se com
garantias reais (art. 71, inc. I e art. 83, inciso II). [...] Para avaliar de que
direção política provém determinada lei de falências, basta examinar o
dispositivo em que juristas mais experimentados sustentam residir o seu
código genético, a saber, aquele que estabelece a escala de classificação de
créditos, para efeito de pagamento e rateio aos credores, com o produto da
realização do ativo do devedor falido. No regime anterior, como sabido, da
combinação do caput, I e § 1º do art. 102 do Dec.-lei 7.661/1945, com o
artigo 186 do Código Tributário Nacional, apreciam no topo do Quadro
Geral dos Credores, antes dos créditos privilegiados: (1º) a totalidade do
valor da indenização por acidente de trabalho; (2º) a totalidade dos créditos
dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas; (3º) os créditos
tributários; e (4º) os créditos com direito real de garantia. A Lei comentada
simplesmente equiparou os dois primeiros, limitando-lhes o teto
preferencial, invertendo a ordem do 3º e do 4º, com o que passam agora os
créditos privados com garantia real – e também os passiveis de restituição –
60
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n. 11.101, de
9-2-2005). 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.364-365.
39
na frente dos créditos tributários (art. 83, incs. I a III, c.c. LC 118, que deu
nova redação ao art. 186 do CTN).[...] É despiciendo acrescentar que
somente os grandes credores privados, ou aqueles de que depende o devedor,
são os que conseguem agregar aos seus créditos garantias reais, que, na
falência, os situa, doravante, em posição preferencial aos créditos da
Fazenda Publica e parcela dos créditos trabalhistas. Para obviar dúvidas,
também os créditos privados passíveis de restituição, nos termos da Lei
Falimentar, têm preferência em relação aos créditos tributários; e as multas
tributárias foram transferidas para a penúltima posição do Quadro-Geral de
Credores, depois, até, dos créditos quirografários, eis que preferem, apenas,
aos créditos subordinados (art. 83,VIII, da Lei 11.101).61[grifo do autor].
Expostas questões relacionadas aos aspectos políticos/econômicos que permeiam
todo o ordenamento jurídico e especialmente o Direito de Empresa, que indubitavelmente
refletem os interesses econômicos neste cenário de economia globalizada, faz-se necessário
ater-se aos aspectos positivos da Lei 11.101:2005, que se consubstanciam em prerrogativas do
devedor empresário em crise econômica e financeira em favor de toda a sociedade.
Neste sentido, Salomão Filho, traz importantes considerações quanto à preservação
da empresa, em análise do interesse social na visão contratualista e na visão institucional.
O principal deles é a preservação da empresa, expressamente declarado no
art. 47 da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (nova lei de falências)
como princípio da recuperação de empresas. Esse princípio, se aplicado de
forma coerente, pode ajudar em muito na efetivação da recuperação
empresarial. É necessário, então, compreende-lo em profundidade. Para
tanto, é preciso retornar à clássica discussão contratualismoinstitucionalismo, em que a questão da preservação da empresa teve sua
formulação mais elaborada. [...] A evolução tecnológica industrial [da
Revolução Industrial],permite a burguesia acreditar que ela, sozinha e com
liberdade, seja capaz de levar adiante o processo de acumulação. Não
espanta, portanto, que a Revolução Industrial traga consigo princípios
societários bastante individualistas. A sociedade passa a ser vista como coisa
dos sócios. [...] A antítese institucionalista – A crise de 1929 e os anos de
chumbo que se seguiram demonstraram várias coisas. Para o capitalismo, a
insuficiência do modelo individualista; para o direito societário, a
insuficiência do modelo contratualista. A verdadeira débâcle social que se
seguiu à crise de 1929 demonstrou que um direito societário fechado em si e
restrito aos interesses dos sócios não podia fazer frente às demandas sociais
que obrigavam a todos naqueles anos difíceis.62 [grifo do autor].
61
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares.
In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários à
lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.50, 61.
62
SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. In: SOUZA JUNIOR, Francisco
Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e
falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007.p. 4354, p.44, 46.
40
Dentre as prerrogativas colocadas a disposição do empresário em crise econômica a
possibilidade de requerer judicialmente ou entabular com seus credores um plano de
recuperação e posteriormente apresentar ao judiciário para sua homologação é medida que
reflete a importância da empresa no cenário econômico, no cumprimento de sua função social.
Trazida ao ordenamento jurídico, com a promulgação da Lei 11.101/2005, veio
substituir a antiga concordata que não se prestava mais a dar conta do princípio da
preservação da empresa.
A moderna teoria da empresa considera que: a finalidade principal é preservar a
empresa, esta entendida como atividade econômica essencial à sociedade como um todo,
especialmente do regime econômico da livre iniciativa; e não o empresário, como fonte de
geração de empregos, desenvolvimento tecnológico dentre outros.
Amador Paes de Almeida revela que:
O instituto da concordata tinha uma finalidade: salvaguardar o devedor
desventurado e honesto, e que se encontrasse temporariamente endividado,
da falência. Impedia tal declaração e, por via de conseqüência, os resultados
que dela decorriam. A concordata, com efeito, pondo fim a uma série
interminável de abusos, constitui-se na solução jurídica destinada a salvar o
empresário dos percalços da falência, consistindo, naquela oportunidade, o
meio eficaz para assegurar a sobrevivência da empresa, considerada, nos
dias atuais, verdadeira instituição social, [...]. 63
A recuperação de empresas tem como objetivos, nos termos do artigo 47 da LRF:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica.64
Amador Paes de Almeida leciona que:
O conceito põe em relevo a preocupação de preservar a empresa, vista esta
como verdadeira instituição social para o qual conjugam interesses diversos:
o lucro do titular da empresa (empresário ou sociedade empresária); os
salários de manifesta natureza alimentar) dos trabalhadores; os créditos dos
63
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n.
11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.300.
64
BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência
do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato20042006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
41
fornecedores; os tributos do Poder Público.65
Gladston Mamede esclarece nestes termos:
A intervenção do Judiciário para permitir a recuperação da empresa,
evitando a sua falência – se possível –, faz-se em reconhecimento da função
social que as empresas desempenham. São instituições voltadas para o
exercício de atividade organizada,atuando para a produção e circulação de
riqueza, pela produção e circulação de bens e/ou pela prestação de serviços.
Essa riqueza, por certo, beneficia o empresário e os sócios da sociedade
empresária, por meio da distribuição dos lucros. Mas beneficia igualmente
todos aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos.66
A Recuperação de Empresas pode se dar judicialmente ou extrajudicialmente,
comportando diferentes papéis à atuação do Juiz, que nos dizeres de Penteado:
Apesar de nomear o administrador executivo da falência e na recuperação
(arts. 52, inc. I e 99, IX), o juiz terá doravante, segundo a nova lei, suas
atividades jurisdicionais acompanhadas de perto pelo Comitê de
Credores,[...] Além dessa intromissão, na falência – que afinal é um processo
judicial, de execução coletiva – ao magistrado foi atribuída função
aparentemente secundária, nas recuperações. Na recuperação judicial, tem o
poder de apenas deferir o processamento de pedido do devedor (art. 52), mas
em principio não pode julgá-lo, no mérito, eis que neste ponto está limitado a
‘conceder’ a recuperação, desde que cumpridas às exigências legais, mas
desde, também, que o plano respectivo não tenha encontrado objeção dos
credores, ou tenha sido aprovado pela Assembléia de Credores (art.58). O
máximo que se permite ao magistrado é convocar a Assembléia de Credores
para reexaminar deliberação anterior de não aprovação do plano proposto
pelo devedor, com quorum menos rigoroso previsto no § 1º do art. 59.67
O instituto da Recuperação de Empresa ainda contempla, facultativamente, um plano
especial de recuperação destinado às Micro e Pequenas Empresas, que será objeto de detida
análise, no capitulo destinado à verificação do tratamento destinado a elas.
Destarte, o acima exposto, o tratamento dispensado às empresas em crises oferece
65
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n.
11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.304.
66
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.446.
67
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares.
In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários á
lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.71.
42
alternativas diferenciadas, possibilitando o afastamento do administrador, sócio ou empresário
individual da direção da empresa.
Atesta-se que por meio da Recuperação Judicial cria-se a chance de rearticular os
fatores da produção, com vistas a permanecer no mercado e continuar oferecendo à sociedade
seus produtos ou serviços diretamente e indiretamente gerar os empregos necessários ao
cumprimento da função social da empresa, objeto de estudo a seguir.
1.3.4
Função Social da Propriedade Empresarial
Realizado uma breve análise pelo tratamento dispensado à atividade econômica, sob
a forma de empresa, com vistas à justificação do trabalho humano com a finalidade de obter
renda, individualmente, mas com reflexos positivos a toda a sociedade.
Faz-se necessário analisar a forma de propriedade detida pelo empresário individual
e da sociedade empresária, como sujeitos de direito, no momento histórico em que a
propriedade adquire novas feições, a propriedade funcionalizada, ou seja, a propriedade
marcada com o exercício de uma função social.
Nas lições de Ferreira a edição do Código Civil 2002, unificado, quanto às
obrigações, apresenta-se modificado, sendo que tal alteração:
[...] representa para o setor privado da economia, delimitação clara de
fronteiras, demarcadas, principalmente, pelo novo modelo de reformulação
dogmática e organizacional da empresa.Os conceitos de empresa e
empresário são pontuados. Rediscute-se a função econômica, como
exclusiva da empresa clássica. Paralelamente, a reflexão, acerca da função
social da empresa, desponta ancorada na função social da ordem econômica
como preconizada pela Constituição Federal.68
O novo paradigma estabelecido pelo texto constitucional impõe uma releitura do
instituto da propriedade, inicialmente da propriedade imóvel, historicamente marcada por seu
caráter absoluto, detendo o titular o direito de fruição, disposição, permitiu o abuso dessas
prerrogativas.
José Afonso da Silva leciona nestes termos o direito de propriedade trazida pelo texto
constitucional de 1988:
68
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da
Unifil, ano 2, n. 2. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso
em: 12 maio 2011, p.67.
43
[...] Já estudamos a função social da propriedade, quando examinamos o
conteúdo do disposto no art. 5º, XXIII, segundo o qual a propriedade
atenderá a sua função social. Isso aplicado ali à propriedade em geral,
significa estender-se a todo e qualquer tipo de propriedade. O art. 170, III, ao
ter a função social da propriedade como um princípio da ordem econômica,
reforça essa tese, mas a principal importância disso está na sua compreensão
como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de
todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a
valorização do trabalho humano (art. 170 caput), a defesa do consumidor
(art. 170,V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, a redução das
desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII) e a busca do pleno emprego
(art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta implicação à empresa pela
qual se realiza e efetiva o poder econômico. Eros Grau é do mesmo sentir,
quando escreve ‘O princípio da função social da propriedade, para logo se vê
ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos
bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens ,
implementada sob o compromisso com a sua destinação. A propriedade
sobre a qual em maior intensidade refletem os efeitos do princípio é
justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção em dinamismo,
estamos a aludir à função social da empresa’.69 [grifo do autor].
A propriedade caracterizadora de status, de poder e riqueza, independentemente da
sua origem, fruto do trabalho, herança, usurpação, perde sua característica de reserva de valor,
como um ativo imobilizado, e ressurge funcionalizada, isto é, relativizada quanto ao poder
absoluto do detentor do domínio.
Devendo estar a serviço da sociedade, cumprir um papel social, quanto a sua
utilização, como instrumento de produção de riquezas não mais exclusivamente individual,
mas coletiva, dentro dos parâmetros constitucionalmente estabelecidos. André Ramos Tavares
destaca:
A circunstância de a propriedade apresentar caráter dúplice, servindo ao
individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois, a necessidade de uma
compatibilização de conteúdos dos diversos mandamentos constitucionais.
Enquanto individual (art. 5º, especialmente), o instituto da propriedade como
categoria genérica, é garantido, e não pode ser suprimido da atual ordem
constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem parcialmente delimitado pela
própria Constituição, quando impõe a necessidade de que haja atendimento
de sua função social, assegurando-se a todos uma existência digna nos
ditames da justiça social.70 [grifo do autor].
Os comandos constitucionais obrigam a funcionalização dos institutos jurídicos,
fazendo-se necessário incluir a empresa como operadora de um mercado socialmente
69
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
1997, p.813.
70
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.160.
44
responsável.
Ivo Dantas contribui para a exegese do enunciado desta forma:
A propriedade privada, vista como direito absoluto, foi conceito típico do
Liberalismo Econômico, onde aparecia como limite do exercício do poder
político.[...] O Direito Constitucional Brasileiro a tem consagrado como
direito individual, contudo, passível de limitação, do que são exemplos, o
art. 141 § 16 da Constituição de 1946, o art. 153 § 22 do texto de 67/69 e o
inciso XXII do art. 5º ora vigente, para não esquecermos que no Código
Civil Brasileiro está assegurada e, seu art. 524.[...] Na Constituição de 1988,
porém, o que antes aparecia enunciado em um só parágrafo, como direito de
propriedade e sua desapropriação, atualmente, no art. 5º ocupa nada menos
que três incisos, à medida em que, no de nº XXIII, fixa-lhe uma função
social, e nos XXIV e XXV estabelece, no primeiro caso, as hipóteses de
desapropriação e no segundo as hipóteses de uso , este, instituto típico do
Direito Administrativo, mas que pode refletir o conteúdo de uma
determinada política em certo momento.71 [grifo do autor].
Reiterando-se, apresenta-se a lição de Jussara Suzi Assis Borges Ferreira72, segundo
a qual:
É nesse contexto de tutelas plurais aos interesses sociais que o direito de
empresa ressurge estruturado sob novos comandos, tornando possível a
compreensão dos fins sociais da empresa, antes extremamente individualista.
A nova concepção oportuniza também a reflexão acerca da responsabilidade
social da empresa, bem como de sua função ética.
A função social da empresa, ou seja, a função social dos meios de produção implica
na mudança de concepção do direito de propriedade, impondo-lhe novo conceito.
No qual as normas de direito privado sobre a propriedade estão conformadas pela
disciplina que a Constituição lhes impõe, os valores sociais e de interesses que ultrapassam os
interesses dos lucros dos empresários.
Penteado explica, numa leitura da Lei das Sociedades Anônimas, que:
Está definitivamente consolidada entre nós a noção de que a empresa exerce função
social, até por determinação constitucional (art. 170, caput e in.III, da CF) o marco a partir do
qual esse salto valorativo na visão da atividade empresarial foi introduzida em letra de forma
em nosso ordenamento jurídico reside, por certo, na Lei 6.404/76, que embora ironicamente
71
DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico. Curitiba: Juruá, 2004, p.69-70.
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da
Unifil, ano 2, n. 2.Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso
em: 12 maio 2011,p.72.
72
45
promulgada ainda sob o regime autoritário, prescreve de forma didática, em seu art. 116,
parágrafo único, que ‘o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com
os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade que atua,
cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender’.73 [grifo do autor].
A função social da empresa deve ser entendida como respeito aos direitos e
interesses dos que se situam em torno das empresas, pois são os mais próximos e merecem
respeito e consideração.
No entanto deve-se distinguir segundo Grau, os tipos de propriedade, em
propriedades que visam à subsistência individual e familiar, a propriedade dos meios de
produção e propriedade dos bens de consumo:
[...] Aí, enquanto instrumento a garantia de subsistência individual e familiar
– a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um
direito individual e, iniludívelmente, cumpre função individual. Como tal é
garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e,
como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social;
apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada,
nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal. [...]
Uma segunda distinção, ademais, há de ser precedida, entre propriedade de
bens de consumo e propriedade de bens de produção.[...] a observação de
que a moderna legislação econômica considera a disciplina da propriedade
como elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um
feixe de outros interesses que concorrem com aquele do proprietário e, de
modo diverso, o condicionam e por ele são condicionados. Esse novo
tratamento normativo respeita unicamente aos bens de produção, dado que o
ciclo dos bens de consumo se esgota na sua própria fruição. Apenas em
relação aos bens de produção se pode colocar o conflito entre propriedade e
trabalho e do binômio propriedade-empresa. Esse novo direito – nova
legislação – implica prospecção de uma nova fase (um aspecto, um perfil) do
direito de propriedade diversa e distinta da tradicional: a fase dinâmica. [...]
aí, incidindo pronunciadamente dos bens de produção, é que realiza a função
social da propriedade. Por isso se expressa, em regra, já que os bens de
produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa,
como função social da empresa. Por isso, também, é que – como enfatiza
Fábio Konder Comparato – já não é ela um poder-dever do proprietário, mas
do controlador.74[grifo do autor].
Desta forma deve-se ter em mente, quando se pensa em função social da empresa,
73
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares.
In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários á
lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.72-73.
74
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10. ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.235237.
46
esta amplitude para que o alcance desta eficácia estenda-se à sociedade como um todo, ou
seja, englobando-se contratantes, fornecedores e consumidores, empregados e equiparados,
enfim ao Estado e aos direitos difusos.
Ferreira elenca os princípios norteadores da função social da empresa:
a) Princípio da dignidade empresarial
A dignidade empresarial se expressa através do exercício da atividade
econômica de forma equilibrada, sem abusos, cumprindo com as funções
econômicas e sociais, de forma adequada aos preceitos constitucionais,
delimitados pelo abuso do poder econômico, a concorrência e a proteção ao
direito do consumidor. A ética empresarial, também, é observada quando a
empresa inclui na relação custo x benefício, a dimensão do benefício social.
b)Princípio da moralidade empresarial
Por este princípio são indicadas, como funções sociais e também éticas da
empresa, zelar pelo nome da empresa; zelar pela qualidade de seus produtos,
serviços e atendimentos; exercer suas atividades formalmente, evitando a
informalidade que é sonegadora; atender às necessidades do consumidor de
forma adequada, prestando todas as informações devidas.
c)Princípio da boa-fé empresarial
No que se refere ao universo negocial, aboa-fé empresarial destaca-se como
terceiro princípio a ser observado no ambiente da eticidade empresarial.Falase aqui, evidentemente, da boa-fé objetiva, significando:uma atuação
‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando nooutro, no parceiro contratual,
respeitando-o, respeitando os seusinteresses legítimos, suas expectativas
razoáveis, seus direitos,agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem
causarlesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir obom fim
das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos
interesses das partes.75
Em regra, os bens de produção são postos em dinamismo no capitalismo, em regime
de empresa, por onde falar-se em função social da empresa.
Sendo, ainda apropriado lembrar que no âmbito da empresa, no tratamento
dispensado à proteção do estabelecimento empresarial, a Lei do inquilinato relativiza o direito
do proprietário, quando cumpridos os requisitos legais, dando ao empresário o direito de
inerência ao ponto comercial. Eis os esclarecimentos de Fábio Ulhoa Coelho sobre o assunto:
O locador é titular de um direito garantido na Carta Magna. A lei ordinária,
por evidente, pode disciplinar o exercício desse direito, inclusive para
compatibilizar com a função social, também determinada pela Constituição
75
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da
Unifil, ano 2, n. 2. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso
em: 12 maio 2011, p.68.
47
(arts. 5º, XXXIII, e 170, II). Entretanto, a lei não pode impedir o uso, gozo e
disposição do bem pelo seu proprietário, sob pena de invalidade.76
Finaliza-se este primeiro capítulo consignando que o homem na busca da satisfação
de suas necessidades, juntamente com o crescimento da sociedade em quantidade e
complexidade, sempre procurou alternativas viáveis à sua sobrevivência.
Como o fenômeno jurídico desenvolve-se passo a passo com o substrato econômico
que o informa, revelou-se primeiramente alheio ao fenômeno econômico que se organizou
com um caráter nitidamente individualista, a priori,corporativo num segundo momento e
tecnológico no momento seguinte.
Considerando a constatação que a atividade econômica organizada sob a forma de
empresa apresenta a melhor solução à satisfação das necessidades do homem o direito
apresenta alternativas legislativas que oferecem prerrogativas diferenciadas ao empresário
organizador dessa importante atividade, como constatadas.
Visto a constitucionalização do tratamento da atividade econômica sob a
forma de empresa e o hodierno tratamento dispensado no Código Civil 2002 e a consequente
exigência do cumprimento de uma função social de propriedade empresarial.
Os aspectos abordados no capítulo exordial, com certeza não exaurem o tema do
direito de empresa, no entanto nos termos do objetivo traçado estes restam suficientes por ora.
No mais, trazem os elementos informadores da ordem econômica e as diversas formas de
desenvolvimento de atividades econômicas, com vistas à geração de renda para subsistência
ou acumulação de riquezas.
Faz-se necessário verificar, o escopo fundamental dessa pesquisa, a disciplina das
atividades desenvolvidas pelas denominadas Microempresas, e a sua importância
socioeconômica.
Registre-se que, os aspectos considerados na primeira seção, quanto ao tratamento
jurídico dispensado às empresas em geral, aplicam-se integralmente às Microempresas,
quando não for dispensado um tratamento privilegiado ou especial, considerando os aspectos
particulares dessas importantes organizações, sem ignorar sua condição de inferioridade,
quanto à capacidade gerencial, insuficiência de capital e amadorismo nas relações contratuais.
76
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de
crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.108.
48
2 A MICROEMPRESA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL
Verificadas o tratamento e prerrogativas colocadas a disposição do empresário
individual e da sociedade empresária com vistas ao incentivo à aplicação dos recursos
econômicos na atividade produtiva.
Faz-se necessário analisar especificamente o segmento das Micro e Pequenas
Empresas, em cumprimento da prescrição elencada no texto constitucional, no artigo 170, IX
e hodiernamente estabelecidas na Lei complementar nº. 123/2006, o Estatuto Nacional de
Micro e Pequena Empresa.
Acertadamente, Marlon Tomazette destaca:
No Brasil, a maior parte das atividades empresariais pode ser considerada de
pequeno ou médio porte. [...] Para proteger tais empresários é mister que se
compatibilizem as exigências da atividade empresarial com o volume de
recursos movimentado por estes, isto é, não se pode exigir dos pequenos e
médios empresários, o mesmo que se exige de uma grande companhia.77
Percebe-se pelo acima exposto que as Microempresas, geram postos de trabalho,
desenvolvem tecnologia e contribuem para o desenvolvimento nacional sem a necessidade de
grandes investimentos públicos.
Montaño realiza interessante análise da Microempresa, numa perspectiva histórico crítica, quanto sua participação no contexto socioeconômico e político, nos seguintes termos:
Em geral, os estudos sobre as pequenas e microempresas referem-se à sua
internalidade: às características do “microempresário”, às características
intrínsecas da PeME, às características de seus sistemas administrativos,
produtivo, comercial. Na verdade, estes estudos não passam, muitas vezes,
de uma descrição da dinâmica interna das PeMEs. [...] Contrariamente, na
nossa perspectiva histórico-dialética, a preocupação não está apenas na
PeME como uma realidade autônoma e supondo suas características internas
como causas de sua situação socioeconômica. [...] Pelo contrário, ela deve
estar necessariamente vinculada às questões econômicas e políticas, sendo,
portanto as características da PeME conseqüências, e não causas, da sua
situação da sua situação, localização e participação no contexto sóciohistórico.78
77
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.52
78
MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2001, p.24-25.
49
Comungando do mesmo entendimento, no entanto, com vistas ao cumprimento da
função social da empresa.
Considerando que as Microempresas oferecem as melhores respostas no novo
cenário econômico, no entanto verificava-se que o índice de mortalidade desses negócios
eram alto e que de 100 Microempresas estabelecidas somente 20 chegavam ao segundo ano
de vida.
O IBGE publicou em 2003 um estudo especial sobre as Microempresas que
revelavam a respeito do índice de natalidade/mortalidade desse seguimento, com base em
pesquisas nos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001:
O comportamento das taxas de natalidade e mortalidade das empresas
mostra-se bastante sensível à variável de porte/tamanho das empresas. No
setor de comércio constatou-se que a taxa de natalidade, em todos os anos
pesquisados, foi superior nas empresas que ocupavam até 5 pessoas. Justifica
esse comportamento a inexistência de barreiras à entrada de pequenas
empresas, tanto no tocante ao capital humano, quanto ao capital financeiro,
necessários ao seu funcionamento. Se, por um lado, essas condições
justificam a maior natalidade dessas firmas, por outro, parecem decisivas
para seu desaparecimento. As taxas de mortalidade das empresas que
ocupavam até 5 pessoas foram também mais elevadas quando comparadas às
das empresas de maior porte. Constatou-se ainda que, quanto maior o porte
das empresas, menores eram as taxas de natalidade e de mortalidade. De
fato, as empresas que ocupavam de 6 a 19 pessoas e de 20 ou mais pessoas
apresentavam taxas de natalidade significativamente inferiores às de menor
porte. O percentual de empresas criadas, nos anos analisados, que ocupavam
de 6 a 19 pessoas, foi sempre inferior à metade do verificado para as
empresas que ocupavam até 5 pessoas. Para as empresas com porte superior
a 20 ou mais pessoas ocupadas, esse percentual foi significativamente mais
baixo. No tocante à taxa de mortalidade, o comportamento das empresas foi
muito semelhante. Constatou-se menores taxas nas empresas de maior porte
que nas que ocupavam até 5 pessoas. Entre as empresas que ocupavam de 6
a 19 pessoas e as que ocupavam 20 ou mais pessoas não houve diferenças
significativas nas taxas de mortalidade, nos anos analisados. De fato, em
1999, a taxa de mortalidade das empresas que empregavam mais de 20
pessoas foi maior do que a das que ocupavam de 6 a 19 pessoas. Esse
comportamento parece indicar que as empresas do comércio, das faixas de 6
a 19 e 20 ou mais pessoas ocupadas, são afetadas de modo semelhante no
que se refere à mortalidade.79
Como se verifica em que pese os dados da pesquisa datados de uma década atrás
refletem a realidade atual, confirmando que as Microempresas não podem prescindir de um
tratamento diferenciado.
79
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). As micro e pequenas empresas
comerciais e de serviços no Brasil: 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p.20.
50
Cumprem importante função econômica e social, no entanto vivem uma realidade
diferente dos demais segmentos da atividade econômica, visto suas principais características,
segundo a mesma edição do estudo realizado pelo IBGE, no âmbito do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão:
1. Baixa intensidade de capital;
2. Altas taxas de natalidade e de mortalidade;
3. Forte presença de proprietários, sócios e membros da família como mãode-obra ocupada nos negócios;
4. Poder decisório centralizado;
5. Estreito vínculo entre os proprietários e as empresas, não se distinguindo,
principalmente em termos contábeis e financeiros, pessoa física e
jurídica;
6. Registros contábeis pouco adequados;
7. Contratação direta de mão-de-obra;
8. Utilização de mão-de-obra não qualificada ou semiqualificada;
9. Baixo investimento em inovação tecnológica;
10. Maior dificuldade de acesso ao financiamento de capital de giro; e
11. Relação de complementaridade e subordinação com as empresas de
grande porte.80
As características acima elencadas representam para o setor das Microempresas o
fator determinante para o seu sucesso particular, com reflexos positivos a toda a sociedade,
assim como os motivos do o seu fracasso, este com consequenciais negativas especialmente
aos organizadores da atividade.
Visto que o desaparecimento, individual de uma Microempresa em nada altera o
abastecimento das coletividades, nem mesmo o desaparecimento dos postos de trabalho, visto
que Microempresas nascem e morrem todos os dias, e de forma natural são substituídas.
Diferentemente se verifica quanto as Médias e Grandes Empresas, quando em crise,
ou mesmo nos processos de falência e recuperação espraiam efeitos negativos à economia
nacional ou local dependendo de seu porte e área de atuação.
Nestes termos revela-se necessário trazer a colação que a Recuperação Judicial das
Micro e Pequenas Empresas diferem do tratamento dispensado às Médias e Grandes
Empresas, seguindo regras especificas, nos termos do artigo 70 e seguintes da Lei
11.101/2005:
Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1o desta Lei e que se incluam nos
conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da
80
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). As micro e pequenas empresas
comerciais e de serviços no Brasil: 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p.18.
51
legislação vigente, sujeitam-se às normas deste capítulo. [...]
Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo
previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se-á às seguintes condições:
I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os
decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do
art. 49 desta Lei;
II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e
sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a.
(doze por cento ao ano);
III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180
(cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação
judicial; [...].81
Depreende-se da leitura do texto legal que o tratamento da Microempresa em crise
econômica é bastante simplificado, oportunizando ao organizador da micro e pequena
empresa somente a possibilidade de parcelar as obrigações contraídas junto aos credores
quirografários, excluindo os credores trabalhistas e fiscais do concurso de credores.
Na lição de Almeida, a Recuperação da Microempresa se dá:
Ao revés do que se sucede com as empresas de grande e médio porte, as
Microempresas e empresas de pequeno porte sujeitam-se a um sistema bem
mais simples para valerem da recuperação judicial, observadas as seguintes
regras:
I – independe da concordância dos credores, dispensando convocação de
assembléia geral destes;
II – o juiz pode de plano, conceder a recuperação, se atendidas às exigências
legais, ou, julgando improcedente o pedido, na eventualidade de haver
objeção dos credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários
(art. 72), decretar a falência;
III – só atinge os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de
repasse de recursos oficiais, e aqueles descritos nos §§ 3º e 4º do art.49;
IV – faculta o pagamento do débito em até trinta e seis parcelas mensais
iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente com juros de 12% ao ano;
V – a contratação de empregados e aumento de despesas dependem de
autorização do juiz, ouvido, previamente, o administrador judicial;
Deferido o pedido de recuperação judicial ou decretada a falência da
microempresa ou empresa de pequeno porte, segue-se o procedimento
estabelecido para as respectivas hipóteses, obviamente, com a observância
das regras que lhe são próprias – arts. 70 a 72.
O pedido de recuperação judicial da microempresa e empresa de pequeno
porte, também denominado plano especial, não acarreta a suspensão do
curso de prescrição e, tampouco, das ações e execuções por créditos não
abrangidos pelo plano.82 [grifo do autor].
81
BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência
do empresário e da sociedade empresária, art. 70. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
82
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n.
11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.345-346.
52
Verificados os aspectos mais relevantes quanto a participação da Microempresa no
contexto socioeconômico que fundamentam o tratamento diferenciado e favorecido
dispensados a estes importantes agentes econômicos, faz-se necessário estabelecer a sua
conceituação e o modo que foi institucionalizado e quais são as formas de implementação das
políticas públicas de apoio e favorecimento.
2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DE MICROEMPRESA
Registre-se que após amplo debate promovido por instituições ligadas ao setor do
desenvolvimento dos pequenos negócios, associações, federações, confederações com o
impulso do serviço brasileiro de apoio as pequenas empresas, SEBRAE.
Foi sancionado em 14 de dezembro de 2006, o novo estatuto da Microempresa, a Lei
complementar nº 123 com a pretensão de efetivamente entregar a esse importante setor da
economia nacional um efetivo tratamento diferenciado nos termos estabelecidos pela
Constituição Federal de 1988.
Segundo, Bruno Mattos e Silva:
Atendendo a sucessivos anseios de diversos setores da população,
particularmente os micros e pequenos empresários, foi editada a Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o novo
Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,
incluindo um novo regime simplificado e favorecido para pagamento de
tributos e contribuições federais, estaduais, distritais e municipais. [...]. Essa
norma ficou conhecida na época da tramitação do projeto no Congresso
Nacional como ‘Lei Geral’, por incluir o SIMPLES NACIONAL – Regime
Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e contribuições devidos
pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (popularmente
conhecido como ‘Supersimples’), que abrange diversos tributos federais,
estaduais e municipais.83
O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, conhecido
como Lei Geral da Microempresa estabeleceu normas no âmbito da União, dos Estados e dos
Municípios.
O Estatuto estabelece a apuração e recolhimento de impostos mediante regime único
de arrecadação, cumprimento das obrigações trabalhistas e acesso ao crédito e aos mercados,
83
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007,
p.152-153.
53
inclusive quanto a preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos
também acesso a novas tecnologias e regras de inclusão.
É importante realçar que a gestão das políticas para o setor das MPEs é gerida pelo
Comitê Gestor do Simples Nacional84, pelo Fórum Permanente das Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte85, também participam o Comitê para Gestão da Rede Nacional
para a simplificação do Registro e legalização de Empresas e negócios.
Como referido a Lei Complementar 123 de 2006 desde a sua publicação ocorrida no
Diário Oficial da União em 12/12/2006, passou a ser alvo de críticas, pois apresenta uma série
de omissões e complexidade que clamavam por uma revisão que ocorreu com a edição das
Leis Complementares nos127 e 128.
Efetivamente, a edição da nova lei contribuiu para que muitos setores da economia
também fossem favorecidos com essas mudanças, especialmente os prestadores de serviços
que poderão agora calcular e recolher a contribuição destinada ao INSS e incidente sobre a
folha de salários conjuntamente com os demais tributos abrangidos pelo SIMPLES.
Frise-se que a Lei Complementar ora em destaque entrega ao microempresário que
vivia à margem da lei, o sentimento de cidadania, que tem por pressuposto objetivo a
dignidade da pessoa humana exortada pela Constituição Federal.
Ser um Empreendedor Individual é praticar de forma efetiva a cidadania dentro da
linha de defesa do presente trabalho que classifica o Microempresário individual ou o
Microempresário objeto de tratamento diferenciado.
Com efeito, este é agente de uma atividade econômica que busca a sua subsistência
trabalhando por conta própria e que de forma indireta contribui para o desenvolvimento
econômico e social do país.
Como relatado anteriormente apresentado, o tratamento favorecido às MPEs antes de
ter uma previsão constitucional fez parte de uma política de desburocratização nos últimos
anos do governo militar, DL nº. 1780 de 1980, editado em 14 de abril de 1980, com a
previsão da isenção do IR e dispensa das obrigações acessórias, seguida 4 anos depois quanto
os ventos da redemocratização do país já tomava conta das instituições e sociedade, pela Lei
7.256 de 27 de novembro de 1984, pelo primeiro Estatuto da Microempresa.
84
BRASIL. Decreto nº 6.038, de 7 de fevereiro de 2007. Institui o Comitê Gestor de Tributação das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6038.htm >. Acesso em: 25 fev. 2011.
85
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Fórum Permanente das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.
php?area= 4&menu=2071>. Acesso em: 25 fev. 2011.
54
A atividade econômica tipificada como Microempresa, tem sua conceituação legal
estampada no artigo 3º do Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se
microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a
sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas
Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde
que:
I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela
equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a
R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); [...].86
Nesse sentido, se junta colação a lição de André Ramos Tavares:
A conceituação de microempresas e empresas de pequeno porte atenta para
um critério certo e incontestável: o tamanho da receita dessas empresas.
Aliás, a solução encampada parece ser a mais lógica, decorrendo, inclusive,
de uma compreensão da própria nomenclatura.87
Como se verifica a definição legal de Microempresa tem como critério o valor do
faturamento bruto anual auferido, sendo estendidos os benefícios da Lei às atividades
desenvolvidas pelas pessoas jurídicas organizadas sob a forma de sociedade simples, com
exclusão das pessoas naturais, profissionais autônomos, o que Mamede critica nestes termos:
A leitura do caput do artigo 3º do Estatuto Nacional da Microempresa e da
Empresa de Pequeno Porte revela que o legislador não se preocupou muito
com os institutos jurídicos por ele mesmo criados. Refiro-me
especificamente ao conceito de empresa que, entre nós, foi estabelecido
pelos artigos 966 e seguintes da Lei 10.406/02 (Código Civil de 2002),
abandonando a Teoria do Ato do Comércio que dava sustentação do Código
Comercial de 1850, em proveito da Teoria da Empresa. Essa alteração
teórica teve reflexo direto no rol das pessoas jurídicas de Direito Privado. No
regime anterior, tinha-se a fundação a sociedade, dividindo-se, esta última
em cível e comercial (regrada pelo Código Comercial). No regime vigente
tem-se a fundação, a associação e a sociedade, esta última dividindo-se em
simples e empresária, (artigo 982 do Código Civil). Ambas, sociedade
simples e empresárias dedicam-se à exploração de atividades econômicas
(artigo 44, II, do Código Civil), mas, respeitado o artigo 1.150 do Código
Civil, somente a sociedade empresária, vinculada ao Registro Público de
Empresas mercantis (Junta Comercial), é titular de empresa; à sociedade
simples, vinculada ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não corresponde
86
VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed.
rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.12.
87
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.223-224.
55
empresa: sua atividade negocial e, mesmo, os bens que foram organizados
para o respectivo exercício, não se caracterizam como empresa. Portanto,
com a adoção da Teoria da Empresa faz-se necessário reconhecer que nem
toda atividade negocial caracteriza empresa. [...] A confusão de se falar
numa empresa (micro ou pequena) titularizada e exercida por uma sociedade
simples é fruto, simplesmente, do desejo de estender a tal tipo societário o
tratamento favorecido desta lei complementar. [...] É o quanto basta para
deixar claro a inclusão das sociedades simples faz-se por equiparação às
sociedade empresárias, com o fito específico de lhes permitir a fruição do
tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e
empresas de pequeno porte.88
Tal discussão, com suas fundamentadas bases doutrinárias, referem-se a um debate
no âmbito acadêmico, sem maiores repercussões no objeto do presente estudo, no entanto se
revela oportuno registrar que o legislador no trato da disciplina da atividade econômica
exercida pela Microempresa cometeu um deslize ao imputar às atividades econômicas simples
o status de empresa, gerando uma dificuldade meramente conceitual, sem prejuízo da intenção
final que trata da extensão aos exercentes das atividades econômicas simples os benefícios da
Lei Geral da Microempresa.
Montaño contribui para a conceituação da Microempresa realizando a distinção entre
empresas e empresários:
Para uma clara conceituação de pequena e microempresa, devemos
distinguir duas categorias geralmente identificadas: a ‘empresa’ e o
‘empresário’. [...] As empresas podem se classificar em, segundo as suas
dimensões em micro, pequena, médias e grandes, porém, uma PeMe pode
pertencer tanto a um empresário muito capaz, e desse ponto de vista ser um
‘grande empresário’, quanto a um empresário ‘imaturo’ em alguma área.
[...] No entanto, a realidade da PeMe não deriva das características do
empresário e sim da realidade da própria empresa no sistema. Assim,
caracterizar a PeMe significa caracterizar a empresa, e não o empresário.89
[grifo do autor].
O mesmo autor oferece os elementos para determinação da atividade econômica da
Microempresa:
A conceituação da PeMe como organização produtiva requer, em primeiro
lugar , uma análise de sua estrutura. Para isto consideramos três aspectos
fundamentais: [...] A Dimensão: numa organização produtiva, a dimensão
deve ser considerada em razão de certos elementos: número de membros que
88
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.16.
89
MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2001, p.13.
56
compõe esta organização; volume de produção e comercialização, custos de
produção, ponto de equilíbrio, número de mercadorias produzidas e volumes
de vendas, capital fixo e capital de giro, mercado que atende, volume de
lucro, etc. A dimensão destas pequenas unidades produtivas é reduzida tanto
no número de membros, quanto no nível de produção e comercialização.90
[grifo do autor].
Nestes termos percebe-se que os requisitos legais têm como critério, na Lei
Complementar 123/2006, a receita bruta e o registro, no entanto observa-se uma série de
exclusões, que segundo Marlon Tomazette são: as pessoas jurídicas que tenham como sócio
outra pessoa jurídica; as pessoas jurídicas que participem de outra pessoa jurídica; as pessoas
jurídicas que sejam filiais, sucursais, agências ou representações, no país, de pessoa jurídica
com sede no exterior.91
Também a pessoa jurídica que tenha sócio que participe de outra pessoa jurídica ou
empresa individual, cujo soma de faturamento supere o teto de faturamento estabelecido.
Ainda cita a exclusão da pessoa jurídica cujo sócio tenha participação significativa
em outra sociedade, ou seja, que a participação que ultrapasse a 10% do capital social, o
administrador ou sócio de pessoa jurídica, cuja receita ultrapasse os limites de
enquadramento.
As cooperativas e as sociedades por ações, as sociedades resultantes ou
remanescentes de cisão, fusão ou incorporação, nos cinco anos anteriores.
Por fim, excluem-se as sociedades que exerçam atividade de banco comercial,
instituições financeiras, mobiliárias e securitárias.
As exclusões se justificam quanto aos aspectos subjetivos e objetivos, ou seja, quanto
a atividade não se enquadrar nos limitados conceitos de complexidade, ou dos interesses
albergados ou ainda por servirem de manobras destinadas a burlar o escopo da lei com
divisões e subdivisões meramente formais.
As pessoas jurídicas, empresário individual, sociedades empresárias e sociedades
civis enquadradas nesta definição gozam do tratamento diferenciado e favorecido nos termos
da lei e especialmente os referidos nos incisos I,II e III do artigo 1º do Estatuto Nacional da
Microempresa e Empresa de Pequeno Porte que serão objeto de detalhado estudo neste
capítulo.
As empresas consideradas como Microempresas gozam de benefícios de tratamento
90
MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2001, p.13.
91
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008.
v.1, p.53-55.
57
diferenciado, desburocratizado, quanto às formas de registro e baixa, ainda, benefícios de
acesso a mercados com tratamento diferenciado nas licitações para aquisição de bens e
serviços pela Administração Pública, simplificação quanto às obrigações trabalhistas sendo
facilitado o acesso a justiça do trabalho e garantida a implementação de fiscalização
orientadora com o critério da dupla visita quando a lavratura dos autos de infração.
Ressalte-se que o Estatuto Nacional da Micro e Pequena Empresa, caracterizam-se
pelo incentivo ao associativismo, imprimindo um caráter democrático na implementação de
políticas públicas de interesse desse importante seguimento, com a criação de Fóruns
Nacionais e Regionais nos aspectos tributários e registrarias.
Considerando que um exemplo pode ilustrar de forma clara como se dá esse
tratamento diferenciado, Mamede, traz em sua obra decisão do Superior Tribunal de Justiça,
abaixo transcrito:
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) executou a microempresa
Irmãos Morais Ltda., tendo sido penhorada três Policortes para alumínio,
uma furadeira de banca, uma furadeira de impacto, uma serra e trinta janelas.
A empresa se insurgiu contra a penhora dos bens, alegando que o artigo 649
do Código de Processo Civil diz que não podem ser penhorados os livros, as
máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis ao exercício
de qualquer profissão. O INSS argumentou que a norma se aplica apenas às
pessoas naturais (pessoas físicas), não às pessoas jurídicas; assim por meio
do Recurso Especial 438.670/PR, o caso foi levado ao exame da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu: “O disposto no artigo
649 do Código de Processo Civil aplica-se às pessoas jurídicas somente em
casos excepcionais. Hipótese em que se trata de microempresa cujos bens
penhorados são indispensáveis à manutenção do seu funcionamento.” Em
seu voto o Ministro Teori Albino Zavascki reconheceu que os Irmãos Morais
Ltda. é uma microempresa que atua no ramo de fabricação de esquadrias e
estruturas metálicas, sendo que a determinação da venda dos bens importaria
na cessação das atividades da empresa e na impossibilidade de exercício da
profissão dos dois sócios, impossibilitando o pagamento das dívidas. Assim,
manteve a penhora sobre as trinta janelas, mas afirmou estarem presentes os
pressupostos necessários à admissão da excepcional impenhorabilidade dos
bens necessários à continuidade da operação da microempresa.92
Apreende-se na decisão do Superior Tribunal de Justiça que se tratando de
Microempresa o tratamento a ser dispensado é comparável às pessoas naturais, considerando
o caráter social que caracteriza a atividade econômica desenvolvida.
Outra decisão colacionada por Gladston Mamede, envolvendo a empresa organizada
nos limites legais da Microempresa, onde o STJ equipara à condição de consumidor, mostra92
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.18.
58
se esclarecedora:
Forchester do Brasil Ltda. ajuizou ação de busca e apreensão contra SBS
Serviços de Terraplanagem Ltda. – ME, com base no contrato de
empréstimo (mútuo) de dinheiro, garantido por alienação fiduciária. A SBC
apresentou uma exceção de incompetência alegando que a ação deveria ter
sido ajuizada em Vitória, no Espírito Santo, onde fica a sua sede e onde o
negócio fora estabelecido: uma alienação fiduciária, com emissão de cédula
de crédito comercial pelo financiador, o Citibank N/A, permitindo a
aquisição do equipamento Caterpillar, o magistrado rejeito a exceção, já que
o contrato estabelecera como competente o foro da Comarca de São Paulo. A
SBC agravou da decisão, invocando o Código de Defesa do Consumidor,
segundo o qual tal eleição de foro seria nula quando estabelecida contra
consumidor; a Forchester resistiu lembrando que não se poderia aplicar o
Código de Defesa do Consumidor, já que se tratava de empresa que
empregara o serviço em seu processo civil, sendo a relação regulamentada
pelo Direito Civil, não pelo Direito Consumerista. A matéria foi submetida
ao Superior Tribunal de Justiça que, julgando-a no Recurso Especial
468.148/SP, decidiu: ‘O Código de Defesa do Consumidor incide nos
contratos de mútuo, típicos contratos de adesão, no caso, com emissão de
cédula de crédito comercial garantido por alienação fiduciária. Tratando-se
de contrato de adesão, sendo a ré microempresa, pertinente é a aplicação do
artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, superando a cláusula
de eleição do foro, com vistas à facilitação da defesa.’93 [grifo do autor].
Entretanto o Código Civil 200294, ao estampar no artigo 970, que: “[...] A lei
assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao
pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”, causou grande
discussão doutrinaria, tanto que para Rubens Requião:
O Código Civil, sancionado no ano de 2002, não acompanhou a evolução
descrita, pois no seu art. 970 consagrou objetivos limitados ao determinar
que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao
pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos decorrentes, apenas. E
estende tais benefícios ao empresário rural. Como se vê, o Código não
absorveu o pleno conceito jurídico da micro e pequena empresa, com seus
importantes efeitos tributários e administrativos.95[grifo do autor].
No entanto com a edição da LC Complementar nº 128/2008, com a redação dada ao
artigo 68, onde considera o pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts.
970 e 1.179 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado
93
MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.20-21.
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 970.Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
95
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, v.1, p.63.
94
59
como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até
R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).
Ficando, definido segundo Bruno Mattos Silva que o Código Civil referiu-se no
artigo 970 exclusivamente à Microempresa titularizada por pessoa física, ou seja, empresário
individual, nos seguintes termos:
Como se vê, o pequeno empresário é uma Microempresa, necessariamente
pessoa física, e com receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil
reais). Esses requisitos são cumulativos. [...] por mais estranho que seja
aceitar que pequeno é menor que micro (!). [...].96 [grifo do autor].
No entanto, faz necessário um breve esboço histórico do desenvolvimento das
atividades econômicas do ponto de vista material e institucional.
2.2 EVOLUÇÃO DA MICROEMPRESA
Inicialmente deve se consignar que até chegar a esse tratamento favorecido e
diferenciado, o caminho percorrido foi longo, fazendo-se necessário uma análise do
desenvolvimento histórico das atividades econômicas, com a finalidade do atual tratamento
dispensado às Microempresas.
2.2.1 O Desenvolvimento das Atividades Econômicas Materiais
Verificando a evolução do desenvolvimento econômico, constata-se o exaurimento
do modelo baseado na produção, distribuição e comercialização em massa.
Com implicações no âmbito das relações de trabalho, na proteção ambiental e
especialmente o tratamento dispensado a pessoa humana, enquanto trabalhador e consumidor.
Constatadas as consequências negativas do modo de produção, do sistema industrial,
fizeram-se necessárias mudanças a partir da década de 50. Assim, diante a reinvenção dos
modos de produção e comercialização, que na realidade se trata da volta às origens, da
atividade artesanal para a valorização da atividade da Microempresa.
Neste sentido a análise da obra de Alvin Tofler faz-se pertinente, embora tratar-se de
96
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007,
p.70.
60
produção alheia à área jurídica, visto a interessante visão do autor, nestes termos resumidas:
Segundo o autor as atividades organizadas com a finalidade de dar resposta
ao problema econômica, necessidades X escassez, foi enfrentado pelo
homem inicialmente, por milênios, por meio da exploração da agricultura,
onde dependendo exclusivamente de sua força física, e tração animal, deu
resposta às necessidades humanas.
Com a invenção da máquina a vapor a força humana foi potencializada
proporcionando a produção em escala, onde a ordem da oferta e da procura
são invertidas, sendo desvalorizada a produção artesanal, por encomenda
surgindo a massificação da produção, com a exigência de novas fontes
energéticas, baseadas em combustíveis fósseis que juntamente com as
agressões ambientais perpetradas tiveram marcada o seu exaurimento com a
crise do petróleo do ano de 1973 e o avanço da consciência da necessária
proteção ambiental.
Ainda, segundo o autor, essas novas condições somadas às mudanças
ocorridas no interior das fábricas, como a superação em número e
importância dos trabalhadores ligados à administração em detrimento da
importância dos trabalhadores operários fez ressurgirem a idéia de produção
individualizada revitalizando a importância dos empreendimentos menores
hoje representados pela atividade desenvolvidas pelas microempresas.97
Neste mesmo sentido, Wilson de Souza Campos Batalha, atesta que:
A industrialização veio se processando num quadro imenso de concentração
e gigantismo das forças econômicas, com suas implicações sociais e
políticas. [...] num mundo em expansão, cujos limites nem sequer poderiam
ser suspeitados, as conquistas tecnológicas e a produção em escala industrial,
para atender a uma demanda que se tornava cada vez mais elástica e de
polimorfas exigências, reclamava somas crescentes de recursos financeiros,
muitas vezes investidos com prazos de longínquos de retorno. [...] O mundo
parecia não ter limites de crescimento. O Clube de Roma, nos anos 60,
preocupou-se em indagar se o mundo, realmente, não tinha limites, ou
melhor, preocupou-se em alertar para os limites do crescimento.98
Constatadas essas limitações ligadas à organização empresarial e a impossibilidade
do Estado, por meio de políticas públicas na área do desenvolvimento econômico manter a
atuação de investidor, fomentador direito da atividade econômica.
O acima mencionado autor expõe que:
Nessa economia de escala, em que se defrontam os grandes grupos
econômicos, com potencial imenso de capitais e tecnologia, não seria,
entretanto, possível deixar de reconhecer o papel significativo que
representam as médias e pequenas empresas, bem como as ora denominadas
97
98
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução João Távora. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980, p.33-34.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.1.
61
microempresas [...]. As pequenas empresas constituem a grande maioria das
atividades empresariais como bem pondera Henri Guitton (p.272),
constituiria erro acreditar que as grandes empresas não podem desenvolverse senão em detrimento das pequenas, como se o campo da produção fosse
rigorosamente limitado. Essas cresceram ao seu lado e não à sua custa [...].99
Verifica-se pela exposição de Batalha que o seguimento das Microempresas, do
ponto de vista de inserção no mercado pode se organizar de duas formas, como exposto por
Carlos E. Montaño, que trata Micro e Pequena Empresa pelas siglas PeME:
Do ponto de vista da sua inserção no mercado, podem-se distinguir duas
formas fundamentais de PeMe: [...] aquela que produz certa mercadoria ou
serviço para o consumidor direito, ou para o distribuidor(ou intermediário
comercial).[...] aquela que produz certa mercadoria ou serviço para uma
grande empresa. [...] No primeiro caso, temos uma PeMe que produz uma
mercadoria (ou serviço), chegando a sua etapa final pronta para o consumo;
chamamos e esta forma de PeMe de ‘empresa de produção final’. Ela se
encontra ‘livre’ no mercado; define (potencialmente) o tipo de produto, sua
qualidade, seu preço, seu público-alvo.[...] (PeMe Satélite) A outra forma de
PeMe produz uma mercadoria para uma grande empresa matriz (GEM) ou
‘subcontratante’. Esta última utiliza o produto que compra da primeira como
insumo, matéria – prima, material ou peças de reposição para sua própria
maquinaria, produtos necessários à sua produção. Desta forma, a PeMe
subcontratada não tem produção destinada a satisfazer diretamente as
necessidades de consumo da população.100
Nesse diapasão, verifica-se que a Microempresa, além de estar inserida nas
atividades varejistas, do comércio local, insere-se também no cenário da economia atual,
globalizada.
2.2.2 Desenvolvimento Institucional do Regramento das Atividades Econômicas
No entanto atendo-se à evolução histórica do pensamento econômico, traz-se a
pertinente colocação de Batalha, quanto à institucionalização da atividade da Microempresa
no direito comparado:
A Lei francesa de 27.03.34 disciplina o artesanato. Para que se caracterize o
artesanato, é indispensável a ocorrência concomitante dos seguintes
requisitos: a) condição técnica – o trabalho deve ser manual e de qualidade
99
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.42-43.
MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2001, p.21-23.
100
62
(Handwork); condição social – o empresário deve exercer pessoalmente a
atividade, podendo ser auxiliado por alguns poucos aprendizes e
companheiros, quer no âmbito familiar, que não; c) condição comercial – a
empresa deve vender apenas as mercadorias ou produtos de seu próprio
trabalho. [...] A Lei italiana nº 860, de 25.07.56, define e estabelece o regime
jurídico das empresas artesanais, considerando-as como as que se dedicam a
produção de bens ou prestação de serviços de natureza artística ou usual,
pessoalmente ou com o pessoal dependente, [...] Deve ser limitado ao
número de empregados, inclusive os familiares do empresário.101
Em território nacional essa evolução, segundo Batalha, deu-se, dessa forma:
As pequenas atividades autônomas foram objeto de cogitação do legislador
brasileiro, anteriormente ao Estatuto da Microempresa. [...] A Lei nº 6.586,
de 06.11.78, classificou o comerciante ambulante para fins trabalhistas e
previdenciários, definindo, no art. 1º: ‘Considera-se comerciante ambulante
aquele que pessoalmente, por conta própria e a seus riscos, exerce pequena
atividade comercial em via pública, ou de porta em porta’. [...] O Decreto nº
83.290, de 23.03.79, estabeleceu a classificação de produtos artesanais e
identificação profissional do artesão, criando a Comissão Consultiva do
Artesanato. [...] A Lei nº 6.939, de 09.09.81, estabeleceu o regime sumário
de registro e arquivamento no Registro do Comércio para as firmas
individuais e sociedades mercantis que preencham, cumulativamente, os
seguintes requisitos:a) sejam constituídas sob a forma de sociedade por
quotas responsabilidade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em
comandita ou sociedade de capital e indústria; b) tenham sócios apenas
pessoas físicas residentes no país. [...] O Dec.-Lei nº 1.780, de 14.04.80,
concedeu isenção às empresas de pequeno porte; dispensando o
cumprimento de obrigações acessórias e o Parecer Normativo CST nº. 25, de
1980, estabeleceu os critérios para a execução do citado decreto-lei. [...] O
Estatuto da Microempresa veio a ser aprovado pela Lei nº. 7.256, de
27.11.84, dando tratamento abrangente à matéria, mas sem revogar os
dispositivos anteriores concedendo isenções e estímulos nos aspectos
especificamente não cogitados no texto respectivo.102
Requião elege como marco histórico, a reforma administrativa, com reflexos no setor
privado, promovida pelo governo militar, nestes termos:
O governo brasileiro, por volta de 1979, já no último estágio do regime
militar, instituiu uma política de desburocratização não só no meio de seu
antiquado, viciado e dificultoso sistema de administração pública, como
também no setor privado, para agilizar os organismos econômicos e
financeiros. Confiou, a principio, essa tarefa a um experimentado técnico, o
ex-Ministro Hélio Beltrão, que, com grande ânimo, começou a desbaratar os
entraves administrativos, desmotivadas exigências e atos obsoletos. O ponto
alto da política desburocratizante foi, sem dúvida, sua investida para livrar as
101
102
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.44.
Id., Ibid., p.45.
63
empresas, comerciais, industriais ou civis, de regulamentos e portarias, que
nada impediam as fraudes. Daí dar à publicidade, para debate público, um
projeto de lei chamado de Estatuto das Microempresas.103
No mais, complementa Rubens Requião ao destacar que,
Na verdade, a microempresa, minúsculo organismo empresarial, já havia
sido objeto de leis comerciais e fiscais esparsas, mas sem sistematização,
uma vez que se dirigia a atender a estritas circunstâncias de cada caso.
Impunha-se, de fato, enfrentar o problema do comércio e da indústria de
pequeno porte, como células capazes de se desenvolveram, integrando-as
adequadamente na economia nacional. Mantinha-se ela indefesa diante das
exigências legais onerosas, pois, se as atendesse, como qualquer empresa de
porte, nada lhe sobraria. Ou a microempresa, então, sonegava
sistematicamente os impostos federais, estaduais e municipais e mecanismos
administrativos, mantendo-se na ilegalidade, ou não tinha condições de
sobreviver.104
Ainda segundo o citado autor, a evolução legislativa deu-se nestes termos, frise-se
que a edição da obra citada é anterior à LC 123/2006, Estatuto ou Lei Geral da Microempresa:
[...] Tivemos, depois, a edição do Decreto-lei nº 1.750, de 14 de abril de abril
de 1980, que iniciou o movimento legislativo com o propósito descrito,
seguido da Lei nº 7.256, de 27 de novembro de 1984. [...] Esse esforço foi
consagrado na Constituição de 1988, que, em seu art. 170, cometeu a União,
aos Estados e Municípios o dever de estabelecer tratamento jurídico
diferenciado visando incentivar as microempresas e empresas de pequeno
porte, pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias. [...] Editaram-se, após, as Leis nº 8.864, de 28
de março de 1994, implantando o Estatuto da Microempresa, e 9.317, de 5
de dezembro de 1996, que, revogando artigos da Lei nº. 8.864/94
estabeleceu o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições
das Microempresas e Empresa de Pequeno Porte – o SIMPLES. Em 5 de
outubro de 1999 foi sancionada a Lei nº 9.841, que instituiu o novo Estatuto
da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, assegurando-lhes tratamento
jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário,
previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial,
revogando as Leis nº 7.256/94* e 8.864/94, mas mantendo a Lei nº.
9.317/96.105
Como se verifica neste breve relato histórico, a Constituição de 1988, de forma
pioneira elencou entre os princípios/objetivos da Ordem Econômica a necessidade do
103
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, v.1, p.62.
Idem, Ibid., p.62-63.
105
Id., Ibid., p.63.
104
64
tratamento favorecido e diferenciado às atividades econômicas desenvolvidas pelas
Microempresas, no inciso IX do artigo 170 e no artigo 179 definiu em quais áreas se deveria
dar tratamento diferenciado.
O legislador constitucional de 1988, ao estabelecer os fundamentos/princípios da
Ordem Econômica, estabelece no caput do artigo 170 que, “a ordem econômica é fundada na
livre iniciativa”, e que deve estabelecer tratamento diferenciado e favorecido às
Microempresas, oferece o suporte institucional para a valorização da atividade econômica das
Microempresas.
Mamede, de forma precisa, aborda o tema da seguinte forma:
As grandes corporações, as empresas de vasta atuação, sempre fascinaram o
ser humano, pelo seu apetite pela realização, pela superação de sua pequena
dimensão diante do espaço. [...] No entanto, se observarmos com cuidado o
quotidiano da humanidade sempre foi feito pelas pequenas empresas, pelo
trabalho de um ou alguns, pelo seu esforço individual. Nestas incontáveis
pequenas iniciativas, a humanidade sempre encontrou trabalho e sustento,
garantindo a subsistência e tornando possível o crescimento individual e
coletivo. A Constituição da República, no amplo especo conceitual aberto
pela expressão valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, acaba por
abraçar todas essas situações, reconhecendo a importância da atuação
produtiva individual ou coletiva, havidas sob formas distintas: [...] Está-se,
portanto, diante de uma nítida opção constitucional pela valorização das
micro e pequenas empresas negociais, compreendidas como forma
preferencial para a realização dos objetivos fundamentais da República.106
André Ramos Tavares traz consideração quanto, a possível, limitação da livre
concorrência, devido ao tratamento diferenciado, nestes termos:
O inciso IX do art. 170 estabelece um princípio que poderia considerar uma
restrição à amplitude do regime concorrência, já que criou tratamento
diferenciado para a microempresa e empresas de pequeno porte. [...] O
tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a
necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições
de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para
que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de
iniciativa). É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições
justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os
grandes empresários.107
Para Celso Ribeiro Bastos os motivos que justificam o tratamento diferenciado são
106
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.2-3.
107
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.222.
65
de ordem social, financeira, tecnológico e ambiental:
Nos dias atuais é muito freqüente reconhecer-se a importância
desempenhada pelas pequenas e micro empresas. São essas as responsáveis
pelo maior numero de empregados. De outra parte são um instrumentos útil
para a democratização do capital, assim como para a criação de estímulos a
que um maior número de pessoas se lance à atividades empresarial.
O próprio desenvolvimento tecnológico mais recente permite que se
desenvolva, por meio de empresas de pequeno porte, o que antes era próprio
de grandes indústrias com inumerável contingente de trabalhadores. A
descentralização dessa atividade massificada por unidades de pequeno porte
é sem dúvida benéfica, quer do ponto de vista social, econômico, quer até
mesmo do ecológico.108
A Constituição Federal de 1988 estabelece a partir do artigo 1º, inciso IV, que a livre
iniciativa, conjugada com os valores sociais do trabalho é fundamento da República.
O artigo 170, caput volta a estabelecer que a ordem econômica é fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem a finalidade de assegurar a todos
existência digna.
Os comandos constitucionais estabelecem de forma cristalina que essa livre
iniciativa, com tanta responsabilidade, pode e deve estabelecer-se, real e concretamente por
meio das Microempresas.
E entrega a esse importante setor as ferramentas indispensáveis à implementação do
necessário tratamento diferenciado e favorecido, nos termos a seguir.
2.3 FORMAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO E
FAVORECIDO
O Estatuto Nacional da Microempresa estabeleceu uma série de inovações no
tratamento da atividade econômica desenvolvida no âmbito da Microempresa, especialmente
quanto à questão tributária, que será objeto de estudo especial, destacando-se, as demais, para
fins deste trabalho.
108
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988, p.36.
66
2.3.1 Quanto a Inscrição e Baixa
Estabelecidas nos artigos 4º; 5º; 6º; 7º; 8º; 9º; 10º 11º, do Estatuto, podendo ser
sumariamente comentadas, de acordo com o exposto por Gladston Mamede109:
O exercício da atividade negocial pressupõe o competente registro, nos termos da Lei
8.934/1994, e do artigo 1.150 do Código Civil, que no caso das MPEs, o Estatuto estabelece
no artigo 4º, o paradigma da “unicidade do processo de abertura e fechamento”, significando
que o órgão encarregado do estabelecimento de normas relativas à abertura e fechamento da
Microempresa deve estabelecer um procedimento que seguira uma só sequência, sem
contramarchas, sem retorno a fases já vencidas, evitando a duplicidade de exigências, enfim
descomplicado.
Para Gladston Mamede110, o artigo 5º impõe um tratamento desburocratizado, em
todos os órgãos, independente se da esfera da União, do Estado, do Distrito Federal ou do
Município.
Com informações, orientações e instrumentos que possibilitem a efetividade da
unicidade e linearidade do processo previsto no artigo 4º, sem a possibilidade de impor ao
usuário uma peregrinação em repartições, gabinetes, mesas, à procura de um formulário, um
carimbo.
Esclarece ainda que esta orientação deva dar-se de forma prévia, com relação à
localização, licenciamento, nome empresarial, visto que a organização das cidades pressupõe
a criação do zoneamento dos municípios com vistas à proteção do interesse público.
Ocorrendo que pode existir um choque de interesses públicos, visto que é
reconhecido também um interesse público no desenvolvimento de atividades econômicas
geradoras dos benefícios já comentados.
Exigindo da Administração Pública um exercício dos Princípios da Razoabilidade e
Racionalidade. O artigo 5º estabelece que o organizador da Microempresa e o usuário de uma
forma geral devem ser orientados por todos os meios disponíveis com presteza, educação e
civilidade.
Os artigos 6º, 7º e 8º, estabelecem que os órgãos envolvidos no Registro da atividade,
devam seguir a mesma linha, com a simplificação, racionalização e uniformização, dos
109
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.49-93.
110
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p. 53.
67
procedimentos, e que nas atividades que não exijam prévia vistoria, esta deva ser realizada
após o inicio das atividades. Evitando a proliferação e repetição de procedimentos
característicos da Administração Pública burocrática, por meio da entrada única de dados
cadastrais e documentos.
Gladston Mamede nesta senda, na qual se estabelece um conflito entre o Princípio da
Livre Iniciativa, como fundamento da República e da Ordem Econômica e a cultura
burocratizante da Administração Pública, em prestigio à segurança jurídica, averigua às folhas
90, que a norma estatuída no art. 11 do Estatuto Nacional da Microempresa, orienta-se pelos
princípios da simplificação, racionalização, uniformização, unicidade processual e o princípio
da ampla informação e instrumentalização, quanto aos atos constitutivos e extintivos da
Microempresa.
E finaliza destacando que as normas do artigo 4º ao 11 são autos aplicáveis, e que
basta à Administração Pública direta ou indireta estabelecer exigências em desacordo com
estes princípios para ensejar o manejo do mandado de segurança, para restabelecer a ordem
estatuída na Lei complementar.
2.4 DAS DEMAIS FORMAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO
O Estatuto estabelece tratamento diferenciado ainda quanto; o acesso aos mercados,
com relação à participação nas licitações públicas; quanto à simplificação das relações de
trabalho e previdenciárias; quanto ao acesso ao crédito e a capitalização; ao associativismo e o
acesso à justiça.
Todos importantíssimos para o desenvolvimento da atividade da Microempresa, que,
no entanto não será objeto de detalhamento neste trabalho, visto não se tratar de uma análise
ao Estatuto Nacional de Micro e Pequena Empresa, constituindo o foco principal da pesquisa
a importância econômico-social da Microempresa.
Dentro dessa delimitação do tema da pesquisa, concentrar-se-á na análise de dois
aspectos fundamentais: o estimulo à inovação e o tratamento tributário dispensado ao setor.
2.5 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O ESTÍMULO À INOVAÇÃO
Verificado na seção inicial, a marcha do desenvolvimento das atividades econômicas
rumo à “desmassificação” e humanização dos meios de produção e consequentemente das
68
relações contratuais e trabalhistas, neste mesmo diapasão inclui-se a valorização da produção
de bens e serviços dessa nova fase do pós-industrialismo.
Esses bens de maior valor agregado, produzidos artesanalmente ou fruto de
inovações tecnológicas, enquadram-se nas necessidades da sociedade do conhecimento, onde
a valorização do ser supera o valor do ter, onde o fenômeno da redução do porte e do
maquinário exigido enquadra-se perfeitamente ao perfil da Microempresa.
Foi nesse sentido que surgiram experiências inovadoras, inicialmente, em países
mais desenvolvidos, como relata artigo de Revista Iberoamericana de Ciência, Sociedad e
Inovación no artigo de Souza e outros:
Há cerca de 50 anos surgiram na região do Vale do Silício e da Rota 128,
nos Estados Unidos da América, os primeiros arranjos institucionais
semelhantes aos que hoje se consideram ‘incubadoras de empresas’.
Contudo, foi só a partir dos anos 70 que esse tipo de empreendimento tomou
o seu formato atual. Hodiernamente, além dos Estados Unidos, França e
Grã-Bretanha, a Alemanha e o Japão fomentam as incubadoras como forma
de promover um maior dinamismo econômico e tecnológico.111
Esses, “arranjos”, denominados incubadoras, visto que são concebidos para estimular
e proteger os projetos em sua fase inicial, seu nascimento, são assim definidos por Gladston
Mamede:
[...] Constituem programas de apoio e estímulo à constituição das atividades
econômicas visando o aumento da probabilidade de sucesso. Com efeito, os
altos índices de fracasso em micro e pequenos negócios recém-abertos levou
algumas entidades, como universidades, organizações não governamentais,
entre outras, a desenvolver tais programas: os interessados em empreender
iniciam suas atividades tutelados por tais entidades, que lhes oferecem
suporte variado: conhecimento de administração, gerenciamento, contábil,
jurídico, tecnológico, etc.[...] Vencido o período de incubação, o negócio
abandona a incubadora e vai se estabelecer no mercado, sendo certo que o
risco de insucesso reduz-se a menos de um terço.112
Segundo os autores acima citados, no Brasil o processo deu-se da seguinte forma:
111
SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação.
Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1.Disponível
em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011.
112
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.360.
69
No Brasil, o movimento das incubadoras de empresas começou no início da
década de 1980, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq e adesão de agências como a Financiadora
de Estudos e Projetos – FINEP e a Organização dos Estados Americanos –
OEA no plano supranacional. Estudos apoiados por essas agências levaram à
constituição, em 1987, da Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos de Tecnologia Avançada – ANPROTEC, cujo objetivo
tem sido a articulação com organismos governamentais e nãogovernamentais, visando o desenvolvimento de Incubadoras e Parques
Tecnológicos no País. O surgimento desse arranjo no Brasil esteve ligado à
existência de um vácuo institucional que promovesse a relação entre o
ambiente acadêmico e o setor empresarial. Os principais agentes de
vinculação (a partir dos anos 50), os institutos de pesquisa, já davam claros
sinais de dificuldades no início dos anos 80.113
Neste mesmo sentido, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores, relata que:
O modelo precursor do processo de incubação de empresas, como
conhecemos hoje, surgiu em 1959 no estado de Nova Iorque (EUA), quando
uma das fábricas da Massey Ferguson fechou, deixando um significativo
número de residentes nova iorquinos desempregados. Joseph Mancuso
comprador das instalações da fábrica resolveu sublocar o espaço para
pequenas empresas iniciantes, que compartilhavam equipamentos e serviços.
Além da infra-estrutura física das instalações, Mancuso adicionou ao modelo
um conjunto de serviços que poderiam ser compartilhados pelas empresas ali
instaladas, como secretaria, contabilidade, vendas, marketing e outros, o que
reduzia os custos operacionais das empresas e aumentava a competitividade.
Uma das primeiras empresas instaladas na área foi um aviário, o que
conferiu ao prédio a designação de ‘incubadora’. Nos anos 70, já na
conhecida região do Vale do Silício, nos Estados Unidos, as incubadoras
apareceram como meio de incentivar universitários recém-graduados a
disseminar suas inovações tecnológicas e a criar espírito empreendedor. O
mecanismo, então ali criado, se traduziu em oportunidade para esses jovens
iniciarem suas empresas, através de parcerias, junto a uma estrutura física
que oferecia assessoramento gerencial, jurídico, comunicacional,
administrativo e tecnológico para amadurecerem seus negócios nascentes, a
esta estrutura deu-se o nome de incubadora de empresas. No Brasil, as
primeiras incubadoras surgiram a partir da década de 80, quando por
iniciativa do então presidente do CNPq Professor Lynaldo Cavalcanti, cinco
fundações tecnológicas foram criadas, em Campina Grande (PB), Manaus
(AM), São Carlos (SP), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC). Após a
implantação da ParqTec – Fundação Parque de Alta Tecnologia de São
Carlos, em dezembro de 1984, começou a funcionar a primeira incubadora
de empresas no Brasil, a mais antiga da América Latina, com quatro
empresas instaladas, sendo que nessa década quatro incubadoras foram
constituídas no país, nas cidades de São Carlos (SP), Campina Grande (PB),
113
SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação.
Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1.Disponível
em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011.
70
Florianópolis (SC) e Rio de Janeiro. Apesar da inauguração das primeiras
incubadoras brasileiras, elas somente se consolidaram, como meio de
incentivo para atividades e produção tecnológica, a partir da realização do
Seminário Internacional de Parques tecnológicos, em 1987, no Rio de
Janeiro. Nesse mesmo ano, surgia Associação Nacional de Entidades
Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (ANPROTEC),
que passou a representar não só as incubadoras de empresas, mas todo e
qualquer empreendimento que utilizasse o processo de incubação para gerar
inovação no Brasil.114
A Revista Iberoamericana ainda destaca que:
A incubadora oferece alguns serviços e recursos para os empreendimentos
incubados como: orientação empresarial, assessoria em marketing, assessoria
em recursos humanos, assessoria em planejamento, assessoria em
contabilidade e finanças e assessoria em propriedade intelectual; além de
serviços de secretaria, apoio para cooperação com universidades, centros de
pesquisa e instituições de fomento, laboratórios de uso compartilhado,
espaço para reunião, treinamento e show-room.115 [grifo do autor].
Como se verificou na abertura da presente seção o índice de mortalidade da
Microempresa apresenta-se em número bastante elevado e o apoio às iniciativas inovadoras,
dentre as elencadas no artigo 65 do Estatuto Nacional da Microempresa, in verbis:
Art. 65. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e as
respectivas agências de fomento, as ICT, os núcleos de inovação tecnológica
e as instituições de apoio manterão programas específicos para as
microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive quando estas
revestirem a forma de incubadoras, observando-se o seguinte: [...].116
Constitui medida fundamental ao desenvolvimento das Microempresas e por
conseguinte de toda a sociedade, no cumprimento da função social da empresa, visto que de
acordo com a Souza, já citado, o exemplo do Instituto Tecnológico da Unicamp, em
Campinas tem como perfil dos empreendedores:
114
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS
INOVADORES. Portal. Disponível em: <http://www.anprotec.org.br/publicacaoconhecas2.php?idpublicacao=
80>. Acesso em: 12 abr. 2011.
115
SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação.
Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1. Disponível
em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011.
116
VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed.
rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.85.
71
O público alvo da ITCP Unicamp é constituído pelo grupo populacional
localizado na base da pirâmide social, os quais encontram-se desempregados
ou atuando no mercado informal de trabalho, e cujo grau de instrução formal
varia de não-alfabetizado a primeiro grau completo, o que os coloca no
grupo de desempregados com mão-de-obra desqualificada. Já o público alvo
da Unicamp faz parte dos 5% da elite intelectual brasileira, são provenientes
do mesmo centro acadêmico, possuem alto grau de qualificação. Os projetos
apresentados na sua maioria são resultados de pesquisas de mestrado ou
doutorado da Unicamp. Essas configurações de público alvo são genéricas
para os dois tipos de incubadoras em todo o Brasil.117
Ainda no pertinente comentário de Mamede em sua obra, abre a possibilidade de
alavancagem de recursos econômicos à própria Incubadora e a Instituição que a alberga:
Nessa toada, a estipulação da parte final do artigo 65, a incluir
microempresas e empresas de pequeno quando estas revestirem a forma de
incubadoras, têm importância vital, pois permite o apoio institucional às
próprias incubadoras e às instituições que as mantém, bem como permite que
sejam investidos recursos destinados à inovação em atividades econômicas
que ainda funcionam sobre a tutela de outrem.118 [grifo do autor].
Verificam-se quando a possibilidade de formar-se uma nova organização de
produção estabelecido no âmbito de uma “incubadora de empresa” com a participação da
comunidade cientifica, no âmbito do conhecimento gerado pelas universidades que o Estatuto
Nacional da Microempresa, lança as bases para o desenvolvimento não só da atividade
empresarial, com vistas à realização material da nova sociedade, a sociedade do
conhecimento, mas especialmente as bases de uma nova sociedade, onde o individualismo e o
patrimonialismo cedem espaço para uma ordem mais solidária e humana, em busca da
inovação e da realização do bem comum por meio da cooperação.
2.6 ANÁLISE DO REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO DE
TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES – SIMPLES NACIONAL
O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, em
117
SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação.
Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1. Disponível
em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011.
118
MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno
porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.360.
72
cumprimento ao comando constitucional do inciso IX do artigo 170 e do artigo 179 da
Constituição Federal.
Como verificado até o momento procura dotar a pequena organização econômica,
constituída sob a forma de empresa de mecanismos que possibilitem a sua atuação no
mercado, por meio do tratamento diferenciado e favorecido.
Neste intuito, o legislador não poderia deixar de estabelecer uma política tributária
diferenciada, ao setor, o que vem a ser realizado pela instituição do regime especial unificado
de contribuições, o Simples nacional, ou Supersimples.
O Estatuto Nacional da Microempresa, também denominado de Lei Geral, por
abarcar no seu bojo, um regramento tributário diferenciado, anteriormente disciplinado pela
Lei 9.317/96, revogado com a edição da nova lei, enfrentou questão relacionada ao princípio
Federativo, visto que por meio da Emenda Constitucional nº. 42/2003 estabeleceu o regime
unificado de arrecadação. Nestes termos comentado por Machado Segundo:
[...] Poder-se-ia afirmar, em oposição às disposições da LC 123/2006
relativas ao Direito Tributário, que são inconstitucionais no que dizem
respeito aos Estados e Municípios, pois a União não poderia se imiscuir-se
na autonomia destes, à qual a tributação é essencial. [...]. Não nos parece,
contudo, que essa objeção tenha procedência. O STF, a propósito, não a
acolheu, em relação ao tratamento diferenciado dado pelo DL 406/68 às
sociedades de profissionais e às subempreitadas, em relação ao ISS. [...] Isso
porque não se trata de isenção concedida pela União de tributos estaduais e
municipais, mas sim de tratamento favorecido que envolve todos os tributos,
inclusive os da própria União. Não há, pois, desequilíbrio em relação ao
pacto federativo, nem violação ao disposto no art. 151, III, da CF/88.
Haveria Inconstitucionalidade, isso sim, se o “favorecimento” concedido às
microempresas e empresas de pequeno porte fossem maior com relação aos
tributos estaduais e municipais que em relação aos federais. Ou se houvesse
desequilíbrio em relação à partilha do montante arrecadado de forma
unificada. Mas não pelo fato de se instituir, em nível nacional, um
tratamento unificado e favorecido destinado a realizar mandamentos
constitucionais de maior fundamentalidade. 119
Para Silva, quanto ao regime único de arrecadação e o caráter nacional do Estatuto é
assim anotado:
Com o advento da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de
2003, que alterou o art. 146 da Constituição Federal, foi estabelecido que a
lei complementar que concedesse tratamento diferenciado e favorecido para
as microempresas e para as empresas de pequeno porte, atendidos
119
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Britoet al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da
empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.96.
73
determinados requisitos, também poderia instituir um regime único de
arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios. [...] Desse modo, a Lei Complementar nº
123/2006 tem caráter de verdadeira lei nacional (abrange o fisco federal,
estadual, distrital e municipal), substituindo as Leis nº. 9.841/99 e 9.317/96,
que tratavam do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e
do SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e
Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte
(‘Simples Federal’) e a legislação estadual, distrital e municipal que instituiu
sistemas locais de pagamento favorecido e simplificado para as
microempresas e empresas de pequeno porte. E o expresso teor do art. 94 da
ADCT, incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003: [...] ‘Art. 94 – Os
regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno
porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d,
da Constituição.’120 [grifo do autor].
O Comitê Gestor, instituído no artigo 2º. Inciso I do Estatuto tem função especial no
tratamento do regime tributário instituído pela Lei Complementar nº. 123/2006, definido pelo
autor acima mencionado, nestes termos:
O caráter nacional da nova Lei fica evidenciado na instituição do Comitê
Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
Trata-se de órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, composto de
4(quatro) representantes da União, 3 (dois) dos Estados e do Distrito Federal
e 2 (dois) dos Municípios.[...] Longe de ser um mero fórum de debates
esvaziado de atribuições deliberativas, são concedidas ao Comitê Gestor
diversos poderes reguladores no tocante aos aspectos tributários da nova lei.
[...] O Comitê Gestor poderá definir o sistema de repasses da arrecadação
(at. 22), estabelecer as instruções para emissão de documento fiscal de venda
ou prestação de serviço, por parte das empresas optantes do Simples
Nacional (art. 26, I), criar obrigações acessórias para as empresas optantes
do simples nacional (art. 26, §4º), estabelecer como deve ser a declaração
eletrônica referente aos serviços prestados ou tomados de terceiros (art.26, §
5º)[...] dentre outras competências que o novo estatuto expressamente lhe
atribuiu.121
Machado Segundo comenta o amplo poder regulamentar do Comitê Gestor, previsto
no artigo 16 do Estatuto:
[...] O artigo em comento revela intenso exercício de delegação legislativa.
Aspectos que deveriam ser tratados pela própria lei complementar, nos
termos do art. 146, III, ‘d’, parágrafo único, da CF/ 88, são transferidos para
ato normativo a ser editado pelo Comitê Gestor, órgão vinculado ao
120
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007,
p.153.
121
Id., Ibid., p.154-155.
74
Ministério da Fazenda e composto de representantes da Receita Federal, da
Receita Previdenciária, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
[...] Trata-se de dificuldade inerente ao estabelecimento de normas gerais,
em nível nacional, aplicáveis aos diversos entes políticos que compõem a
federação brasileira. A falta de consenso na edição da lei complementar,
aliada à impossibilidade de a matéria ser disciplinada por cada ente
federativo à sua maneira, gera lastimável delegação a órgãos executivos sui
generis, como é o caso do Comitê Gestor do Simples Nacional. 122
O mesmo artigo 16 do Estatuto trata de questão da opção pelo regime do Simples,
estabelecendo que realizada a opção ela é irretratável para todo o calendário anual. Machado
Segundo123 também lembra que:
Art. 16. [...] toda empresa optante pelo Simples é Microempresa ou empresa
de pequeno porte, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Isso
porque, para optar pelo Simples, é preciso ser microempresa, ou empresa de
pequeno porte, e ainda atender a algumas condições adicionais. [...] A
primeira delas é o exercício da opção, [...] eis que a adesão ao Simples é
sempre facultativa. [...] Limitações outras encontram nos artigos
subseqüentes, [...] Art. 17. Não poderão recolher os impostos e
contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa
de pequeno porte: [...]. 124
As Limitações são assim tratadas pelo autor anteriormente citado:
[...] No artigo em comento estão estabelecidas as vedações ao ingresso no
Simples. Para facilitar o seu exame, optamos por dividir as vedações em três
espécies: (i)as relacionadas à composição ou a constituição da pessoa
jurídica; (ii) as relativas à atividade desempenhada pelo contribuinte; (iii) as
decorrentes de sua situação fiscal. [...].125
Nesta análise sumária quanto ao Regime Tributário no âmbito das MPEs, o Simples,
Mattos Silva, registra quanto ao valor devido pela Microempresa optante:
O valor devido mensalmente pela microempresa ou a empresa de pequeno
porte que tiver optado pelo Simples Nacional é determinado mediante
aplicação das regras dos arts. 18 a 20 do novo Estatuto. Em linhas muitos
gerais, o procedimento para apuração do valor mensalmente devido é o
seguinte: a alíquota é apurada de acordo com as tabelas que fazem parte do
122
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Britoet al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da
empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.118.
123
Id., Ibid., p.119.
124
VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed.
rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.30.
125
MACHADO SEGUNDO, op. cit., p.122.
75
novo Estatuto, que levam em conta a receita bruta nos doze meses anteriores
ou apenas o próprio mês, por opção do contribuinte, na forma regulamentada
pelo Comitê Gestor. Essa alíquota incidirá sobre a base de cálculo, que é a
receita bruta auferida no mês. Assim, quanto maior a receita bruta, maior a
alíquota e, consequentemente, maior o valor a ser pago.126
Verifica-se dessa forma que o tratamento diferenciado e favorecido dispensado às
atividades econômicas classificadas como Microempresas, que teve sua origem no
ordenamento jurídico nacional, ao bojo de uma política nacional de desburocratização e
também o reconhecimento da impossibilidade do Estado fiscalizar todo o seguimento das
Microempresas.
Evoluiu, passou a ter previsão constitucional, Lei complementar após ampla
mobilização em todo o setor, não se resume a um regime tributário diferenciado, mas ao
micro sistema jurídico, com princípios próprios, natureza jurídica específica, e regramentos
amplos com instâncias próprias.
No entanto, como pode ser verificado, o Estatuto Nacional de Microempresa e
Pequena Empresa, como uma norma em aberto, necessita da ampla divulgação com apelo à
participação e conhecimento do tratamento dispensado para a implementação de muitas das
previsões legais como o estímulo ao associativismo, o acesso a novas tecnologias por meio de
inovações tecnológicas, por meio das incubadoras de empresas e, especialmente o tema do
próximo capítulo, qual seja, a atual disciplina dos contratos, imprescindível para o sucesso
desse importante setor da economia nacional, como fora exaustivamente demonstrado nas
seções anteriores.
126
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007,
p.170.
76
3 RELAÇÕES CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA MICROEMPRESA
A presente seção tem por objetivo correlacionar o moderno tratamento dispensado às
relações contratuais, com a edição do Código Civil 2002, estabelecendo no seu artigo 421 e
exigência do cumprimento da função social, informado por princípios, especialmente o
princípio da boa-fé, objetivamente estabelecida, na busca da realização dos interesses dos
contratantes.
Seguindo a linha anteriormente descrita, onde se verifica o rompimento dos valores
albergados no pensamento liberal, com o processo de produção e acumulação de riquezas, de
forma individualista.
Considerando que as pessoas jurídicas de direito privado, especialmente classificadas
como Microempresas, no exercício da atividade contratam muitas vezes em condição de
desigualdade, colocando em risco a sobrevivência da atividade.
Faz-se necessário verificar que com a edição da Lei 10.406/2002, o Código Civil,
ocorreu a unificação, parcialmente, da matéria obrigacional, relativizando a dicotomia entre
contratos civis e contratos mercantis.
Remanescendo a divisão, com permanência de contratos exclusivamente civis e
contratos específicos da área que visam regulamentar a atividade da empresa.
Consignando-se que todos os contratos civis ou mercantis submetem-se aos
princípios basilares no novo diploma legal das relações privadas, ou seja, da sociabilidade,
eticidade e operabilidade, com realce à função exercida pela observância da boa-fé, neste
termos tratados por Farias e Rosenvald:
Os três grandes paradigmas do novo Código Civil são a eticidade, a
socialidade e a operabilidade. A boa-fé é a maior demonstração de eticidade
da obra conduzida por Miguel Reale. A ética é uma ciência que
racionalmente objetiva conduzir o comportamento do homem à realização do
bem comum, que é a finalidade do homem. [...] Destarte, a boa-fé servirá
como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas
que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação
objetiva entre meios e fins.127
Nota-se pela própria forma do estabelecimento das relações, empregatícias,
127
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Lineamentos acerca da interpretação do negócio
jurídico: perspectivas para a utilização da boa-fé objetiva como método hermenêutico. Revista de Direito
Privado, São Paulo, ano 8, n. 31, p. 7-30, jul./set. 2007, p.18.
77
consumerista e contratuais que no âmbito da Microempresa esses paradigmas ou princípios
são cumpridos naturalmente, considerando que tais relações são caracterizadas pelo contato
pessoal e direto, sendo imprescindível a ética e a honestidade como forma da manutenção das
relações comerciais.
Realizada, preliminarmente, essa observação, cumpre-nos registrar que os
tratamentos das relações obrigacionais civis diferem-se as obrigações contratuais empresarias
quanto a sua natureza e conteúdo.
Conforme Carlos Alberto Bittar:
É que as atividades civis e comerciais se revestem de natureza e
características próprias, distanciando-se ademais ante o grau de emprego de
tecnologia; a adoção de formas especifica; e outras peculiaridades que
permitem ao interprete vislumbrar regimes jurídicos distintos para a
respectiva regência. A par disso, a própria qualificação e a condição jurídica
do empresário deitem influencias nesse contexto, em que se usam e se
aplicam fórmulas contratuais as mais variadas. [...] Interessam-nos ora os
contratos comerciais, [...] São pois os ajustes que movimentam o comércio
em geral, principalmente terrestre, que discutiremos no presente texto; vale
dizer, os referentes à produção, à industrialização, à comercialização, à
distribuição e à intermediação de bens ou de serviços para a colocação no
mercado [...].128
Revela-se importante trazer ao presente trabalho que também no âmbito do direito de
empresa, em sua dimensão econômica reduzida, considerações quanto ao novo direito
contratual.
Ainda considerando na lição de Bittar que:
[...] Assim, contratos institucionais, ou associativos, são os referentes às
ações de criação da pessoa jurídica exercente (sociedade comercial),
podendo ser mero contrato constitutivo, que formaliza a sociedade, ou
entidades distintas no exercício da atividade em uma mesma unidade
(contrato de joint venture, de venda de participação societária, acordo de
acionistas, de transferência de controle e outros); contratos organizacionais
são os que possibilitam mudanças na estruturação da empresa (como os de
transformação de tipo, de incorporação, de fusão de sociedades e outros);
contratos operacionais, por sua vez, são os que viabilizam o exercício da
atividade, colocando os produtos e serviços à coletividade, através de
diferentes mecanismos jurídicos de circulação de riquezas no plano negocial
(compra e venda; troca; transporte e outros).129 [grifo do autor].
128
BITTAR, Carlos Alberto. Contratos mercantis. 5. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Bittar Filho. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.2.
129
Id., Ibid., p.3-4.
78
Neste sentido conforme Ribeiro:
Na empresa pontua a importância da utilização do contrato, seja na formação
de uma sociedade empresária (como a sociedade limitada), ou no
estabelecimento do feixe de contratos que configura a organização da
empresa: contrato de trabalho, com fornecedores e consumidores, ou
contratos entre empresas - com vistas a adoção de práticas de gestão mais
eficientes, por exemplo.130
Frise-se que a Microempresa da mesma forma se organiza e se operacionaliza, no
entanto não dispõe de uma estrutura administrativa profissional para tomada de decisões
quanto o conteúdo dos contratos e na sua condição de hipossuficiência contrata com base na
experiência e bom senso do titular.
Cláudia Lima Marques pontua que:
A concentração das empresas e os monopólios, estatais e privados,
reduziram a liberdade de escolha do parceiro. Em casos de serviços
imprescindíveis, como água, luz, transporte, fala-se mesmo em obrigação de
contratar, assim também, no caso dos seguros tornados obrigatórios, pois
permanece a liberdade de escolha do parceiro, mas não a de redigir ou não o
contrato. O dirigismo estatal passa a dominar.131
A autora consigna ainda que:
[...]
e) Contratos bancários e de financiamento – Surpreendentemente, um dos
mais reincidentes temas de discussão sobre a aplicabilidade do Código de
Defesa do Consumidor a um ramo de consumo no Brasil foi o dos contratos
bancários e de financiamento. Cabe à jurisprudência unívoca do STJ
conseguir pacificar a questão, que hoje conta inclusive com uma ADIn sobre
a pretensa inconstitucionalidade do § 2º, in fine , do art. 3º. do CDC, que visa
retirar as discussões que envolvem os juros do Judiciário estadual.
[...].132 [grifo do autor].
Registre-se que a ordem contratual, nestes termos, não se coaduna com os objetivos
da moderna teoria da empresa, visto que a desigualdade entre os grandes agentes econômicos
130
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Por uma nova dogmática para o direito privado: direito privado e a noção
funcional dos contratos empresarias.p. 2879-2898. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/
arquivos/anais/bh/marcia_carla_pereira_ribeiro.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2011.
131
MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 268.
132
Id., Ibid., p. 503-504.
79
e as empresas na sua condição de inferioridade econômica, necessita de um tratamento
humano, um tratamento em que as reais condições dos contratantes são consideradas.
Faz-se necessário verificar o moderno tratamento da disciplina dos contratos como
forma de realização material do constante no artigo 179 da Constituição Federal, com relação
às obrigações creditícias.
3.1 CORRELAÇÕES DA HUMANIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES COM A
MICROEMPRESA CONTRATANTE
A Microempresa quando contratante revela similitude com a pessoa física
contratante, especialmente a pessoa hipossuficiente econômica e tecnicamente, visto que da
mesma forma a Microempresa contrata com fornecedores de produtos, insumos e recursos
financeiros com empresas de grande porte, via de regra em condição de necessidade e sempre
carente de assessoria administrativa e jurídica.
Neste sentido revela-se pertinente traçar um perfil histórico da evolução do
tratamento das relações obrigacionais/contratuais, considerando aplicável às Microempresas e
as pessoas físicas indistintamente.
Considerando que se reporta aos primórdios da civilização o que hodiernamente
denominamos relação jurídica contratual, que no mundo dos fatos corresponde à submissão de
um homem à vontade ou interesse de outro.
Esta relação de submissão que revestida atualmente de requisitos objetivos como
pressuposto de validade, como retidão, honestidade, lealdade, equivalência das prestações
trilhou um longo caminho até chegar a esta formatação.
Na visão de Orlando Gomes:
Orienta-se modernamente o Direito das Obrigações no sentido de realizar
melhor equilíbrio social, imbuídos seus preceitos, não somente na
preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, senão,
também sobrepor o interesse coletivo, em que a harmonia social, aos
interesses individuais de cunho meramente egoístico.133
Percebe-se da exposição acima a contribuição auferida ao Estado nos termos
modernos, ou seja, concebido que a relação social está atrelada à consciência coletiva, não no
133
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p.1.
80
sentido da soma das consciências individuais, mas como uma nova consciência, fundando a
idéia do Estado e a supremacia do interesse púbico sobre o privado afeto especialmente ao
ramo do direito público, assim como justificador do fenômeno da publicização do direito
privado.
Paulo Nalin pontua nestes termos:
Essa nova metodologia do pensamento jurídico, passando de dedutivo,
conforme o modelo positivista, para o indutivo, encontra na sua origem a
funcionalização dos institutos jurídicos, dentre os quais o contrato, com o
reconhecimento da influencia social na aplicação da lei, assume proporções
ideológicas e concentra esforços na solução de problemas.[...] É um método
de pensamento mais tópico,logo, menos apodítico, organizado em torno da
problemática jurídica, e que prescinde de conceitos e princípios jurídicos
mais abertos e funcionais. Exemplos legislativos desse método tópico, em
nosso ordenamento, encontra-se no Código de Defesa do Consumidor,
destacando-se com grande prodigalidade a cláusula geral verificada no inc.
IV (estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou seja incompatíveis com a boa-fé
ou a equidade), do artigo 51.134
Pertinente anotar que a Microempresa contratante em relações mercantis e em
relações de consumo caracteriza-se, positivamente, pela rapidez na tomada de decisões, dando
respostas mais adequadas especialmente nos momentos de instabilidade econômica como o
período da hiperinflação verificada na década de 80 e início dos anos 90.
No entanto em períodos de estabilidade econômica como o atualmente
experimentado, faz necessário que nos termos antes citados, a verificação da condição e
inferioridade da Microempresa e a iniquidade das cláusulas contratuais e a incompatibilidade
com as exigências da boa fé a equidade.
Especialmente considerando que o tratamento da disciplina dos contratos no direito
privado encontra-se no limiar do século XXI numa realidade conformada no âmbito de uma
sociedade complexa e dinâmica, onde a velocidade das mudanças é frenética, os problemas
econômicos, sociais, políticos e ambientais se sucedem com uma evolução diária; as notícias
circulam com os novíssimos meios de comunicação em tempo real, enquanto a solução para
estes mesmos problemas são buscadas nos valores, ultrapassados, com raízes nos séculos
XVII e XIX.
Orlando Gomes em 1980, já prega neste sentido afirmando que:
134
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.61.
81
As transformações econômicas e políticas ocorridas alteraram
consideravelmente aconsciência jurídica dos povos cultos, suscitando idéias
de valor diferente, não raro oposto, às que consubstanciaram nos códigos
novecentistas e do primeiro quartel do século XX.[...] O propósito de dar ao
equilíbrio social sentido mais humano e moralizador conduziu a política
legislativa para vigorosa limitação da autonomia privada.135
No bojo dessas transformações, o reconhecimento da Microempresa como agente
econômico de relevante valor para a sociedade, seja como fornecedor de bens e serviços, ou
como gerador de oportunidades de emprego e renda.
Apesar de tardiamente, como fora apresentado, somente com a edição do texto
constitucional de 1988 foi objeto da devida atenção, cumpre independentemente de aporte de
recursos públicos a função de contribuir para o desenvolvimento social.
Historicamente verifica-se que remonta ao século XVIII a pretensão do direito ao
estabelecimento de regras de convivência social, baseadas nos contratos.
Como expressão da vontade, regras essas estabelecidas na visão pré-liberal, com a
finalidade de romper com um regime político onde a lei tinha sua natureza inspirada na força
e na vontade absoluta de um soberano estabelecido no poder por ordens místicas e
consangüíneas.
O ordenamento jurídico instituído, pela classe política emergente, a burguesia,tinha
em sua premissa básica a pretensão de completude, isto é, a previsão de todas as condutas
humanas, e o pré-estabelecimento de regras de solução dos possíveis conflitos, em todas as
áreas da vida privada das pessoas, quanto aos direitos reais, direito de família, direitos
hereditários, e no direito das obrigações. Martins-Costa, de forma precisa, expõe:
No mundo onde se plasmará a noção de sistema fechado, a ordem econômica
modifica-se sob o signo do intercâmbio desenvolvido numa ampla rede
horizontal de dependências que não estão mais aprisionadas nos modelos do
sistema feudal, o qual fora baseado em formas de economia doméstica: a
economia começa a desprender-se de sua raiz etimológica, oikos, a casa,
com o mercantilismo que a torna koiné, pública, posto que por ser orientada
num espaço mais amplo, induzido e controlado publicamente. A economia
doméstica transmuda então em economia política. A esfera do poder público,
já fortemente burocratizada, necessita de capital, e só um eficiente sistema
de arrecadação de impostos pode atender a demanda. A máquina estatal se
torna, em consequência, complexa, e os sistemas de garantias também se
sofisticam.136
135
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 6.
136
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.130.
82
Considerando que a organização política reflete no campo jurídico, as normas de
convivência social, nas relações privadas, rompe com o casuísmo e o empirismo da prática
pretérita e passa a ser ordenada com base na abstração, isto é, são erigidos os grandes marcos
da codificação, no âmbito do direito continental europeu, o Código Francês ou Código de
Napoleão de 1804 para as relações civis e o BGB, Código Civil Alemão.
E, ainda no interesse na presente pesquisa o Código Comercial Francês de 1808, que
instituía a Teoria dos Atos do Comércio, rompendo com o subjetivismo do tratamento das
relações mercantis, em consonância com os valores com os ideais da classe política, agora,
dominante.
Murilo Rezende dos Santos reportando a lição de George Ripert assevera que:
A burguesia liberal da Monarquia de Julho admirou êste código de
propriedade individual e da liberdade contractual. A República de 1848
encontrou nele o ideal dos grandes antepassados e louvar oficialmente o seu
espírito democrático. O Segundo Império cobriu-o de com o nome de
Napoleão. Deste modo se sucediam as formas políticas; a classe burguesa
que monopolizava o poder, a classe rural que possuía as terras, os industriais
e comerciantes que conquistavam a riqueza, declaravam-se igualmente
satisfeitos com legislação laica, liberal e igualitária, bastante forme para
impedir a ressurreição das instituições abolidas, suficientemente maleável
para permitir o jogo infinito das convenções privadas e bastante forte para
proteger os interesses adquiridos.137
Verificou-se, a partir desde momento histórico, o desenvolvimento de um
ordenamento jurídico, lógico e racional.
Isto é, o estabelecimento de regras de convivência estabelecidas em Códigos, e
quando da verificação de conflitos na vida das pessoas, caberia ao intérprete e aplicador do
direito realizar a simples subsunção.
Averiguar o fato ocorrido, encontrar o tipo de solução prevista no ordenamento
jurídico e aplicar a regra abstrata ao caso concreto. Larenz ressaltou de forma clara que:
A nosso ver, a ciência do Direito é de facto uma ciência (e não apenas uma
técnica ou tecnologia, embora seja também isso), na medida em que
desenvolveu certos métodos que se dirigem a um conhecimento
racionalmente comprovável. Conclusão a que não obstam nem a
circunstancia de ela nunca atingir o grau de “exatidão” que caracteriza a
matemática e as ciências da natureza, nem a de muitos dos seus
conhecimentos só terem uma validade circunscrita no tempo. A ciência do
137
RIPERT, George. O regime democrático e o direito moderno apud SANTOS, Murilo Rezende dos. As
funções da boa fé objetiva na relação obrigacional. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 204263, abr./jun. 2009, p.207.
83
Direito tem ver com o Direito, o que, porém, significa que tem a ver com
objecto que nos não conseguimos apreender a ser na medida em que
tomamos consciência do sentido, da significação de certos actos e das suas
objetivações – em leis, decisões judiciais, em contratos eventualmente.
Trata-se, portanto, de uma ciência (de compreensão) que tem a ver com
determinado ‘material’, nomeadamente com as normas e os institutos de
certo Direito Positivo. Sem duvida que os seus conhecimentos respeitam
diretamente só a este material, e, por isso, parecem não possuir aquela
validade ‘acima do tempo’ que nós exigimos a um conhecimento científico
[...].138
Neste esforço histórico evolutivo é relevante anotar que a atividade econômica que
hodiernamente denomina-se Microempresa era a expressão e encarnava os ideais da
Revolução Francesa, como a classe política emergente, a burguesia, unindo forças para
estabelecer uma ordem política baseada na liberdade e igualdade em confronto com os
detentores do poder econômico, baseados na propriedade da terra.
A Microempresa, em sua versão, artesanal, participou ativamente na elaboração de
um modelo adequado ao pensamento político liberal, baseado na igualdade formal e no ideal
de liberdade como valores supremos da Revolução Francesa estabeleceram-se em solo
Francês uma sólida teoria, a Teoria na qual as pessoas assumem obrigações baseadas na
vontade livre e consciente,
A Teoria da Vontade, isso é, condutas humanas que devido a sua importância no
desenvolvimento da vida social mereçam ser observadas obrigatoriamente por todos os
componentes de dada sociedade e determinado tempo histórico.
Este ordenamento jurídico, com pretensão de completo e unívoco sofreu com a
evolução da sociedade mudanças quanto aos objetivos e fundamentos, especialmente quanto
aos interesses que visava albergar.
Barbosa resume desta forma:
Dessa forma, o novo direito deveria estar isento de qualquer obscurantismo
com a obrigação de ser claro e certo, compreensível para todos, já que
deveria estar a serviço do povo. O citado autor [Van Caenegem], menciona
que, para alcançar esse objetivo era preciso preencher duas condições; a
primeira material (a criação de um novo direito baseado num corpo de
fontes); a segunda formal (uma nova técnica deveria ser desenvolvida para
assegurar a aplicação prática do novo direito). É nesse aspecto que está
inserido a contribuição do Iluminismo para o movimento codificatório, na
medida em que: a primeira condição foi preenchida pelo direito natural; e a
138
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. XIII.
84
segunda, pela legislação, em particular pelos códigos nacionais.139 [grifo
nosso].
Encontra-se no atual momento, como enunciado acima, um dilema fundamental,
centrados ao fato de estabelecer regras de convivência para esta sociedade numerosa e
complexa, que possibilite a manutenção de benefícios e privilégios a uma pequena parcela da
sociedade, detentora do poder econômico e político. Isto porque, há também uma
concorrência com uma grande população carente de recursos materiais e imateriais, produtora
e consumidora de bens, produtos e serviços indispensáveis à manutenção do status
privilegiado dos primeiros, sem que ocorra o rompimento das bases institucionais quanto à
segurança, higiene e equilíbrio social.
Na lição de Orlando Gomes:
As transformações econômicas e políticas ocorridas alteraram
consideravelmente a consciência jurídica dos povos cultos, suscitando idéias
de valor diferente, não aro oposto, às que consubstanciaram nos códigos
novecentistas e do primeiro quartel do século XX.[...] O propósito de dar ao
equilíbrio social sentido mais humano e moralizador conduziu a política
legislativa para vigorosa limitação da autonomia privada.140
Explica-se, o ordenamento jurídico estabelecido, historicamente, com base na norma
legal, sempre deram respostas positivas ao ideal de segurança jurídica aos detentores do poder
econômico e político.
No entanto, esse mesmo ordenamento, com suas premissas com fundamento na
liberdade e igualdade formal, exauriram-se, com o crescimento da população e o acesso as
informações, tornou-se impossível ou exigiram-se novas fórmulas de dominação, que não
baseadas exclusivamente no respeito às normas obrigatórias de conduta.
Murilo Rezende dos Santos lembra a lei da Física de Lavousier: “[...] nada se cria,
nada se perde, tudo se transforma”, para de forma apropriada explicar:
Em qualquer ciência, não se cria a partir do nada, mas do conjunto de
conhecimentos existentes, sob a influência das condições proporcionadas
pelo meio natural ou social. E, conforme se mudam as condições naturais ou
139
BARBOSA, ClíciaKayalla Gonçalves. A evolução da idéia de sistema no direito privado: o novo código civil
e as cláusulas gerais. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 11, n. 41, p. 59-105, jan./mar. 2010.
140
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 6.
85
sociais existentes, mudam-se os paradigmas científicos, transformando a
ciência velha em ciência nova.141
Neste diapasão, cumpre salientar que a atividade econômica antes artesanal, hoje
denominada Microempresa, no processo de massificação e domínio das grandes organizações
perdeu relevância política, no entanto nunca deixou de contribuir para desenvolvimento
econômico e social.
Visto que o ordenamento jurídico pátrio, no cenário de redemocratização e
independência após um longo período histórico de subjugação a governos afeitos ao julgo
colonial.
É com pesar que se percebe que o tratamento das relações jurídicas obrigacionais,
tardou demasiadamente em implementar no Código Civil os princípios agora insertos, com a
ferramenta imprescindível para sua concreção, as cláusulas gerais, com toda a carga
axiológica, especialmente a exigência da boa-fé objetiva, que poderiam ter evitado o caos
social, representado pela desigualdade social.
Na lição de Teresa Negreiros, essa visão se consubstancia, na viragem:
[...] O primado do ser sobre o ter, perseguido pela leitura constitucionalizada
do direito civil, traduz-se na transformação da ética da liberdade por uma
ética solidária, de co-responsabilidade, cooperação e lealdade. Estes são, em
linhas gerais, os ideais e as propostas da perspectiva civil-constitucional.
[...] A adoção da perspectiva civil-constitucional, ponto de partida do
presente estudo, não poderia subtrair-se à explicação de algumas das
principais críticas a que a mesma está sujeita. [...] A perspectiva civilconstitucional, como vista acima, consiste em um discurso de defesa dos
princípios constitucionais e, especificamente, da sua direta e imediata
aplicação a todas as relações jurídicas – aí incluídas as relações tipicamente
de natureza civil, travadas entre os particulares. Assim sendo, outros
discursos teóricos, dotados de outros argumentos, podem ser-lhe
contrapostos, sem que seja possível afirmar a validade de uns e a invalidade
de outros. De fato, o contexto da argumentação não é o contexto da lógica
formal, das verdades necessárias, da demonstração. [...]142
Neste sentido Cláudia Lima Marques leciona que:
[...] A nova concepção do contrato é uma concepção social deste
instrumento jurídico, para a qual não só momento da manifestação da
vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos
do contrato na sociedade são levados em conta e onde a condição social e
141
SANTOS, Murilo Rezende dos. As funções da boa fé objetiva na relação obrigacional. Revista de Direito
Privado, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 204-263, abr./jun. 2009, p. 205.
142
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.67.
86
econômica das pessoas envolvidas ganha importância. Nas palavras
visionárias de Morin, ‘I’homme n’ apparait plus commelaseul e efficiente
dudroit, mais la causa finale.’[...] Conceitos tradicionais como os do negócio
jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado
para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por
normas imperativas como as do próprio Código de Defesa do Consumidor.
É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde
a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às
partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse
social.143[grifo do autor].
Como se verifica nas colocações de Marques, os valores patrimonialistas expressos
nos contratos, acobertados pela autonomia da vontade, desprezavam os seus efeitos sociais,
objetivando exclusivamente uma finalidade econômica.
Cabendo a sociedade, por meio das instituições democráticas, e da prática das
relações contratuais neste novo século tirarem dos discursos e dos textos legais e trazer para a
vida social essa nova realidade, relações sociais e contratuais mais justas, honestas e solidárias
por meio de contratos baseados na boa-fé dos contratantes.
Revela-se oportuno ressaltar que a exigência do exercício da propriedade com
respeito a sua função social, seria letra morta caso o instrumento de transferência de
titularidade permanecesse orientado pelos ideais liberais, ancorados na vontade livre das
partes contratantes
A Constituição das relações privadas, assim concebido o Código Civil de 1916, com
o intento de dar respostas a todas as questões surgidas no âmbito das relações privadas.
Teve como característica marcante a sua forma de elaboração, visto que plasmado na
sua estrutura no Código Civil Alemão (BGB), com uma parte geral e outra parte especial, de
acordo com as exigências sociais da época.
No entanto quando ao seu conteúdo procurou os valores expressos na legislação de
origem romano, expresso do Código Francês, não trazendo no seu bojo a inserção das
cláusulas gerais de caráter moralizador e renovador. Nos dizeres de Gomes:
O propósito moralizador define-se pela aplicação mais constante de certos
princípios que o Código alemão introduzira, e conhecidos como cláusulas
gerais, dentre as quais se salientam a boa-fé, aos usos do comércio jurídico, à
justa causa, à desproporcionalidade e ao aproveitamento da situação de
necessidade em que outrem se encontre, ou da sua inexperiência.144
143
MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p.210.
144
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p.8.
87
Neste cenário de moralização, orientado por princípios, como a boa-fé objetiva, a
Microempresa tem a oportunidade de exigir um tratamento justo em todas as fases
contratuais, e ver revista as cláusulas contratuais iníquas ou abusivas considerando sua
hipossuficiência econômica, quando das contratações com seus “parceiros” comerciais.
Leciona Judith Hofmeister Martins-Costa, quanto ao Código Civil Alemão, que:
A distinção mais relevante, contudo diz com a estrutura do BGB, a qual
importará em uma diversa metodologia. É que o Código civil alemão
contempla uma “Parte Geral”, na qual os conceitos que devem vigorar em
todo direito – pessoa, personalidade, relação jurídica, pessoa jurídica, ato
jurídico, bens, etc. – estão perfeitamente disciplinados. Seguem-se os Livros
pertinentes ao regramento específico das obrigações, das coisas, da família
(compreendendo também a posse) e das sucessões. Merece comentário a
concepção que resultará da adoção da Parte Geral, a qual resulta do método
das Pandectas.145
Considerada a defasagem histórica temporal da diferença do tratamento jurídico das
relações obrigacionais, faz-se necessário anotar que a estrutura socioeconômica organizada no
Brasil, embasada na propriedade imóvel e na produção de agrícola, com a concentração de
riquezas em determinadas regiões, notadamente São Paulo e Minas Gerais.
Ainda que, a predominância do tratamento das relações contratuais ancoradas na
autonomia da vontade manteve-se institucionalizada por um período muito superior aos
demais países do continente europeu.
Orlando Gomes pontua que:
O individualismo atribuirá à vontade individual a função de causa primeira do direito,
assim público como privado. O comércio jurídico deveria repousar no contrato, estendendo-se, não
somente que toda a obrigação, implicando restrição à liberdade individual, teria de provir de um ato de
vontade do devedor, como também, que os resultados desse ato eram necessariamente justos. Instituiuse, em suma, como pedra angular do Direito Privado o dogma da autonomia da vontade.146[grifo do
autor].
Estampado no Código Civil, princípios, que remetem a um tratamento inovador o
direito das obrigações contratuais, faz-se necessário um processo de concretização da letra da
lei, visto que a cultura jurídica nacional, representada pelas grades curriculares dos cursos
jurídicos, pela atividade dos tribunais e especialmente os advogados ainda raciocinam na
145
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.235.
146
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 9.
88
ordem pretérita.
Esse novo momento exige, segundo Negreiros:
[...] A leitura do direito civil sob a ótica constitucional atribui novos
fundamentos e, consequentemente, novos contornos à liberdade contratual.
Em meio ao processo de despatrimonialização ou da funcionalização do
direito civil, a noção de autonomia da vontade sofre profundas modificações
no âmbito do contrato, sintetizadas na afirmação de que a autonomia
negocial, diferentemente das liberdades existenciais, não constitui em si
mesma um valor. Ao contrário, a livre determinação do conteúdo do
regulamento contratual encontra-se condicionada à observação das regras e
dos princípios constitucionais, o que significa, no quadro de valores
apresentados pela Constituição brasileira, conceber o contrato como um
instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento. Assim,
pela via da constitucionalização, passam a fazer parte do horizonte contratual
noções e ideais como justiça social, solidariedade, erradicação da pobreza,
proteção ao consumidor, a indicar, enfim, que o direito dos contratos não
está à parte do projeto social articulado pela ordem jurídica em vigor no
país.147
Este novo paradigma no âmbito das relações contratuais das Microempresas adquire
especial relevância, visto que o interesse do tratamento justo, honesto e equitativo, que
proporcione condições de sobrevivência e desenvolvimento a esses agentes econômicos
aproveita-se não exclusivamente individuais e patrimonialistas do seu titular, mas a todo o
conjunto de pessoas que gravitam ao seu redor, como familiares, colaboradores, empregados
ou não e a toda a comunidade em que se insere. Aliás, deve-se ressaltar que esta abertura
econômica reflete no mundo do direito.
Neste sentido, parafraseando Judith Hofmeister Martins-Costa,148 anota-se que a
evolução no aspecto organizacional, no interior da ciência jurídica não se verifica de forma
uníssona relacionando-se a filosofias diversas conferindo funções peculiares a cada momento
histórico.
Segundo a autora o termo sistema poderá significar mais do que o método utilizado
para uma idéia de substância, fazendo parte do interior que espraia seus significados no
ambiente externo, representado pela reunião metodicamente organizada.
Explica a autora que se o sistema é fechado inexistem válvulas de escape, ponto de
comunicação com o ambiente exterior, trata-se de um sistema de auto-referência, absoluto.
Nestes termos o sistema fechado de auto-referência absoluta opera por meio de
147
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.107-108.
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.273-341.
148
89
deduções lógicas partindo de proposições ou axiomas ou ainda de princípios fundamentais.
Judith H. Martins-Costa registra ainda que os conjuntos normativos do sistema aberto, que
operam do caso particular o método de raciocínio será o tópico, que não parte do sistema, mas
do caso em análise buscando nos modelos de conduta a sua solução.
É cediço o entendimento nos pretórios e no ensino da Ciência do Direito que a
apresentação de um sistema completo, harmônico, coerente caracterizado pela univocidade é
uma realidade permanente, como a única forma de entender o fenômeno jurídico, firmado
legal e doutrinariamente e abalizado pelas decisões dos tribunais permeando no subconsciente
da comunidade acadêmica tal entendimento
Neste diapasão, Martins-Costa,149 leciona que a criação do sistema fechado de autoreferência é uma criação da Idade Moderna.
Dentro dessa análise evolutiva do sistema fechado para o sistema aberto, MartinsCosta num giro histórico de 10 séculos registra que das raízes filosóficas estatuídas por
Aristóteles, que tiveram a sua maturação no período romano, tiveram em São Tomaz de
Aquino, na distinção entre o campo da fé e da razão, por meio de sua extensa obra,
impregnado os conceitos morais e éticos e os conteúdos da razão, ou seja, do direito.
Percebe-se neste período medieval, juntamente com um desenvolvimento social e
econômico, onde o servo da gleba desprende de seu papel, proliferando várias opiniões
instaurando uma completa insegurança jurídica.
O desenvolvimento de uma nova forma de organização social toma corpo a partir da
resistência ao modelo aberto, nessa face inicia-se o processo de sistematização, tendo como
marco inicial o movimento humanista, que rompia com o pensamento tópico e o método
dialético.
Realizando um giro histórico, a autora, relata que o retorno da bona fides romana,
ressurge para sistematizar especialmente as matérias contratuais, percebe-se, portanto que
antes tal qual atualmente os interesses econômicos albergados exigem segurança jurídica,
previsibilidade das decisões, formatando os aspectos iniciais tendo como base o direito
romano, o direito canônico e a contribuição do direito germânico, que tem como característica
principal a vertente objetiva.150
A evolução verificada no Ordenamento jurídico, quanto a disciplina contratual, e o
reconhecimento da Microempresa como agente econômico de fundamental importância para a
149
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.172 e ss.
150
Idem, Ibid., p.30, 34, 42-44, 82, 110-111.
90
sociedade, devem ser olhadas como complementares a Microempresa contratante, nos termos
da lei Complementar nº 123 deve receber tratamento jurídico favorecido inclusive nas
relações contratuais creditícias e como resposta oferece maiores oportunidades de emprego,
desenvolve novos produtos e serviços com reflexos positivos para toda a sociedade.
Para Negreiros a evolução da disciplina contratual envolve:
[...] A evolução do pensamento jurídico em direção a uma nova concepção
de contrato – identificada como uma concepção social do contrato –
contrapõe ao modelo liberal clássico o modelo contemporâneo, numa
narrativa histórica que assinala, sob o ponto de vista dos princípios, as
transformações de maior significado para a renovação da teoria contratual.
[...] O ponto de partida da história que se passa agora a focalizar é o modelo
de contrato enunciado pelo individualismo filosófico e pelo liberalismo
econômico, que surgem no século XVIII, triunfam no século XIX e se
positivam em valores jurídicos nas codificações francesa e alemã, nas quais
se inspirou o nosso Código Civil de 1916. De acordo com este modelo, o
formalismo deu lugar ao consensualismo, e a força obrigatória dos contratos
passou a ser justificada pela idéia de respeito à palavra voluntariamente
dada. O contrato passou então a pressupor tão-somente o consentimento
mútuo, sem que uma forma específica fosse (em regra) essencial à sua
validade.151[grifo do autor].
Percebe-se que os contratos formalizados nestes moldes, privilegiavam somente a
parte economicamente forte em detrimento da parte mais fraca.
Considerando que as Microempresas em suas relações contratuais não obtiveram a
opção de estabelecer ou negociar as regras contratuais o contrato que tinham como requisito
de validade a capacidade das partes, objeto lícito e forma prescrita ou não em lei, perpetraram
toda ordem de abusos.
Contratos consensualmente estabelecidos somente se verificam quando as partes são
materialmente equilibradas.
Gagliano e Pamplona lembram que o contrato numa leitura civil-constitucional, tem
uma nova orientação:
[...] Em uma perspectiva civil-constitucional, devemos ter em conta que o
contrato, espécie mais importante de negócio jurídico, apenas se afirma
socialmente se entendido como um instrumento de conciliação de interesses
contrapostos, manejado com vistas à pacificação social e ao
desenvolvimento econômico. [...] Não podemos, dessa forma, considerá-lo
como um instrumento de opressão, mas sim de realização. [...]
Lamentavelmente, não é raro um dos contraentes pretenderem utilizá-lo
151
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.24-25.
91
como açoite, visando subjugar a parte economicamente mais fraca, em
franco desrespeito à sua função social. [...]152 [grifo do autor].
As considerações até então realizadas são essenciais ao sucesso das Microempresas e
vão ao encontro do estabelecido na Lei Geral da Microempresa a partir do artigo 57 com o
título de “Estímulo ao Crédito e a Capitalização”.
Desse modo, verifica-se a exigência de um contrato, orientado por valores sociais,
sem perder sua função original de instrumento da expressão das vontades dos contratantes,
exigindo a prestação contratada, deve orientar-se, na nova ordem, por princípios, com relação
aos valores maiores, como o princípio da boa-fé objetiva, analisada a seguir.
3.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DISCIPLINA DOS CONTRATOS
Consigne-se inicialmente que na Europa continental e recepcionado pelo legislador
constitucional de 1988, estatuiu um texto constitucional onde os valores da pessoa humana, ou
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é o alicerce da República.
Alexandre de Moraes nestes termos estatui:
[...] a dignidade da pessoa humana:concede unidade aos direitos e garantias
fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento
afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e
Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade e um valor
espiritual e moral imanente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um
mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos; [...].153[grifo
do autor].
Consequentemente as relações sociais, especialmente aquelas objetivadas neste
trabalho, as relações contratuais no âmbito das Microempresas devem respeito a esse
fundamento da República.
A dignidade da pessoa humana, que estabelece novas premissas, agora reais nas
relações entre os fundamentos do capital e do trabalho, entre consumidores e fornecedores,
152
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.48.
153
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.22.
92
contratantes e contratados e de uma forma abrangente em todas as relações jurídicas que se
operam na área do direito privado.
Não sendo inoportuno consignar que o princípio da dignidade da pessoa humana
estenda-se à Microempresa, pois como anteriormente analisado a pessoa do titular da
Microempresa, visto que o titular desta responde pessoalmente pelas obrigações contratadas
no interesse da Microempresa.
Aliás, de acordo com Negreiros, a leitura civil-constitucional, visando a efetivação
do princípio da dignidade humana, tem como instrumento a exigência de um comportamento,
baseado na solidariedade, conjugados com a livre iniciativa, com vistas à justiça social.
[...] Segundo a perspectiva civil-constitucional, a aplicação ao contrato de
novos princípios levou a que se quebrasse aquela hegemonia outrora
atribuída à autonomia negocial. Tais princípios encontram fundamento na
Constituição, seja como desmembramento da cláusula geral de tutela da
dignidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), seja como princípios
instrumentais da ótica solidarista ali firmada (art.3º, I), seja como corolários
do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), seja, enfim, na condição de
princípios componentes da ordem econômica constitucional (art. 170 e ss.),
da qual a ordem contratual é parte integrante.154
Tendo seu marco inicial, inicialmente para efetividade da dignidade da pessoa
humana, quando consumidora.
Estabeleceu o ordenamento jurídico nacional, com a edição da Lei 8.078/90, Código
de Defesa do Consumidor (CDC), o novo momento nas relações obrigacionais, estabelecendo
taxativamente:
Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da
sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios:
[...]
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo
e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores;155
154
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.108.
BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências, art. 4º inciso III. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso
em: 28 fev. 2011.
155
93
Com a edição do CDC com toda a carga principiológica, e considerando que o
Ordenamento Jurídico não pode prescindir do requisito da coerência para cumprir seu papel
de regulador da vida em sociedade.
Portanto não poderia estabelecer um tratamento especial para as relações contratuais
realizadas entre consumidores e fornecedores, com princípios e pressupostos objetivamente
orientados e manter nas relações obrigacionais na esfera do direito civil, uma orientação
subjetiva, plasmada na autonomia privada.
Importante consignar que estabelecido o tratamento diferenciado, nas relações de
consumo em vistas à dignificação a pessoa humana consumidora, assim como tratamento
estabelecido a outras classes de pessoas, como a pessoa do empregado na relação de emprego,
à pessoa idosa, ao adolescente.
Permite-se estabelecer que a pessoa humana titular da atividade desenvolvida pela
Microempresa tenha que necessariamente receber tratamento dignificante, visto se tratar,
quando no estabelecimento de relações contratuais, das mesmas características do consumidor
fazendo jus ao tratamento previsto no artigo 46 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor.
Judith Hofmeister Martins-Costa observa que: “Considerada essa ressalva, observase, contudo, que às muitas noções denotadas historicamente pelo termo, há um fundo comum,
pelo qual sistema remete às idéias de conjunto, ordem, coerência e unidade.”156
Exigindo
a
inserção
das
cláusulas
gerais
como
de
fato
o
legislador
infraconstitucional, mesmo que tardiamente, definiu nestes termos:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.157
Estas considerações exigem uma nova leitura quanto aos requisitos de validade do
negócio jurídico, como acima exposto, deve cumprir o requisito da função social nos termos
do artigo 421, exigindo uma interpretação sistemática, nos termos do artigo 422, onde
ausentes os requisitos da probidade e boa-fé possibilita uma análise judicial da validade do
negócio jurídico.
156
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.40.
157
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 421, 422.Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
94
Negreiros, anota ainda que:
[...] Diferentemente do que ocorre com os dois princípios já examinados,
porém, a função social do contrato somente agora, por meio da instituição do
novo Código Civil, é que passa a receber uma positivação infraconstitucional
explicita: ‘Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato’. [...] Partimos da premissa de que a
função social do contrato, quando concebida como um princípio, antes de
qualquer outro significado e alcance que se lhe possa atribuir, significa
muito simplesmente que o contrato não deve ser concebido como uma
relação jurídica que só interessa às partes contratantes, impermeável às
condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas.158
A funcionalização do contrato e o instrumental exigido tornam-se realidade com a
edição do Código Civil 2002, institucionalizando uma realidade há muito verificada, o
contrato, como meio de circulação de riquezas, e que não interessa exclusivamente às partes
contratantes, mas à sociedade como um todo.
Merecendo destaque as palavras de Judith H. Martins-Costa, quanto o ainda projeto
do Código Civil, quais sejam:
A conveniência da inserção do princípio da boa-fé objetiva em cláusula
geral, como ocorre no Projeto de Reforma do Código Civil, resulta, ainda, da
circunstância de evitar, esta técnica, tanto a ocorrência de rupturas
sistemáticas quanto a exacerbação da atividade legislativa, porquanto enseja
o contínuo desenvolvimento do direito e a sua maleabilidade às novas
exigências sociais. Será relevante, outrossim, para a recepção e
amoldamento, no ordenamento civil, dos princípios constitucionais. Para
tanto, é necessário que a jurisprudência, alimentada pela doutrina, elabore,
mediante a utilização do raciocínio tópico, quais os modelos aos quais das
cláusulas gerais reenviam.159
Conforme fora apurado, oportunamente a inserção da técnica legislativa das
cláusulas gerais exigirá um novo processo interpretativo.
Também, para Paulo Nalin a boa-fé objetivamente considerada pode ser verificada
de forma original no ordenamento jurídico nacional com a edição do Código de Defesa do
Consumidor:
[...] Inicialmente, agora que se mostra mais volumosa a presença do Código
de Defesa do Consumidor, no cotidiano brasileiro, e, assim, a tutela dos
158
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.206.
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.518.
159
95
direitos do consumidor, parece oportuno refletir sobre a centralidade do
princípio da boa-fé, na sua variante objetiva, e na sua projeção sobre todo o
sistema contratual. [...] O atual prestígio da boa fé objetiva decorre da
compreensão do sentido complexo da relação jurídica obrigacional, e da
pluralidade de seus múltiplos deveres, que põe em evidência a necessidade
de ser fiscalizado o comportamento do sujeito contratante. E mais, a eleição
da boa-fé objetiva como regra de avaliação do comportamento contratual,
mas não somente isto, encerra a fase subjetivista de interpretação das
declarações de vontades envolvidas, consubstanciada no artigo 85 do Código
Civil ( Nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção que ao
sentido literal da linguagem). Atual artigo 112 da Lei 10.406/2002. (grifo
nosso). [...] Se o Código de Defesa do Consumidor inicialmente, nesta nova
fase da teoria contratual, serviu de mote teórico para o relançamento da boafé no plano contratual, não podem a ele ficar restritas sua análise e aplicação,
eis que a legislação de consumo, bem como toda a ordem contratual, estão
fundadas no princípio constitucional da livre iniciativa, não sendo a
conformação daquela pela justiça social (art. 170, caput) exclusividade do
CDC.160 [grifo do autor].
Pertinente a lição de Paulo Nalin quanto à viragem da leitura das cláusulas
contratuais, na busca da justiça social no âmbito da regulação da ordem econômica nos termos
do caput do artigo 170, e extensivamente verificada as afirmativas é lícito concluir que a
Microempresa é destinatária legítima da nobre missão estabelecida no ordenamento jurídico
como um todo.
Considerando-se inadequados sujeitos de direitos e obrigações materialmente
equivalentes gozarem de tratamento jurídico diferenciado.
Nessa trilha, o mesmo autor expõe que o princípio da transparência decorrente do
princípio da boa- fé objetiva deve ser compreendido da seguinte forma:
A transparência princípio decorrente da boa-fé objetiva, ao exigir o correto
comportamento dos sujeitos relacionados, encontra sua justificativa no dever
de informar o que recai sobre os contratantes, especialmente nestes tempos
de predomínio das relações contratuais de conteúdo pré-disposto, modelo
que ganha mais espaço. A cada dia que passa, e impõe ai contratante que
fixa o seu conteúdo a necessidade de informar, precisamente, ao outro
contratante, todo o seu plexo. [...] A transparência faz com que se exija do
pré-disponente, sobretudo, lealdade ao estabelecer o conteúdo da avença e
lealdade ao informar sobre ela ao outro contratante, via de regra mero
aderente, portanto vulnerável à vontade contratual que está a definir seus
termos gerais, exigindo-lhe destarte comportamento responsável.161
Nesse mesmo diapasão Paulo Nalin revela sobre o princípio da confiança o seguinte:
160
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.126-127.
161
Id., Ibid., p.144.
96
O princípio da confiança, localizado desde antes da formação do contrato,
até a sua execução, dá conta, enquanto na fase da aproximação negocial, de
proteger os legítimos interesses daqueles que pretendem contratar e, quando
já contratados e em execução, as respectivas obrigações, na adequação do
objeto do contrato aos fins esperados pelos contratantes. Cuida, portanto de
salvaguardar as expectativas contratuais dos que se aproximam e contratam.
[...] A confiança guarda íntima relação com o princípio da boa-fé objetiva,
não só porque se louva dos interesses anexos aos cuidados, informação,
segurança e cooperação, construídos a partir de seus desdobramentos, como
representa, ainda, um dos mecanismos de interpretação dos contratos, o qual
se realiza em vista do comum significado que as partes atribuem ao conteúdo
negocial. Pode-se dizer, efetivamente, que a confiança surge das diversas
manifestações da boa-fé, sugerindo à doutrina a integração da confiança no
conteúdo substancial da boa-fé. É evidente, assim, tratar-se de princípio que
afina, em conseqüências fáticas e jurídicas, com a formação da nova
sistemática contratual. [...].162
Estabelecidas as premissas que informam o sistema contratual atual, com base na
confiança mútua entre os contratantes em todas as fases do contrato, e considerando que cabe
à ciência do direito a disciplina da convivência humana.
Aplicando-se integralmente os princípios da nova ordem contratual à disciplina dos
contratos celebrados pelos titulares das Microempresas.
Revelando-se insuficiente o contido no Capítulo IX da Lei Geral da Microempresa
para dar cabo da nobre missão do estabelecimento de regras justas e socialmente responsáveis
considerando a Microempresa como uma organização econômica que na busca do lucro
distribui dividendos para toda a sociedade.
Neste sentido faz-se imprescindível a análise do processo hermenêutico, com vistas à
interpretação e aplicação das normas fulcradas na justiça social.
3.3 A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS NA NOVA ORDEM
JURÍDICA DO DIREITO PRIVADO ESTABELECIDA NO CÓDIGO CIVIL 2002
Com vistas à realização do direito material, quanto às relações contratuais, no âmbito
das empresas, de forma especial nas denominadas Microempresas, a atividade dos operadores
do direito, partes contratantes, legisladores, doutrinadores e o titular da atividade jurisdicional
na solução dos conflitos, os juízes monocráticos e os juízos colegiados necessitam nos termos
da nova ordem estabelecida valer-se de elementos metajurídicos para a correta interpretação e
162
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.154.
97
aplicação dos valores estabelecidos no ordenamento jurídico com vistas ao tratamento
humanizado das relações negociais.
Neste sentido, Negreiros estabelece que:
[...] Por detrás das críticas feitas à socialização do direito civil residem
diferentes concepções acerca do fundamento do Direito como um todo – e
não apenas do direito civil – e da sua eficácia como instrumento de
transformação social. Tais críticas não podem por isso ser circunscritas ao
plano metodológico. A rigor, o debate acerca dos fundamentos e da função
do Direito estará presente ao longo de todo o trabalho, em cada uma das
questões e das sugestões que aqui serão levantadas, como um debate que não
pode – não deve – ser algum dia encerrado.163
Revela-se impossível tratar da função social do contrato sem tratar da cláusula geral,
primordial, a boa-fé objetiva, defendida pela melhor doutrina nacional a mais de trêsdécadas,
prevista no projeto do Código das Obrigações, de Orlando Gomes, no ano de 1975.
[...] Assim,em dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie de
boa-fé, as partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se espera
de um homem comum. [...] Com isso, queremos dizer que, livrando-nos das
amarras excessivamente tecnicistas da teoria clássica, cabe-nos fazer uma
releitura da estrutura obrigacional, revista à luz dessa construção ética, para
chegarmos à inafastável conclusão de que o contrato não se esgota apenas na
obrigação principal de dar, fazer ou não fazer. [...] Ladeando, pois, esse
dever jurídico principal, a boa-fé objetiva impõe também a observância de
deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo
dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo,
confiança, informação etc.[...].164[grifo do autor].
Preliminarmente faz-se necessário consignar que a boa-fé objetiva diferencia-se da
boa-fé subjetiva, que servia unicamente como substrato da autonomia da vontade privada.
Com propriedade Martins-Costa ressalta que:
Esta perspectiva é de fundamental importância para a compreensão da boa-fé
objetiva em matéria obrigacional, uma vez que é daí que surge a adstrição ao
comportamento, segundo a boa-fé, como regra de comportamento social,
necessário ao estabelecimento da confiança geral, induzida ao “alter” ou a
coletividade pelo comportamento do que jura por honra. Do substrato
cultural geral a fórmula adquirirá, no específico campo das relações
comerciais, o conteúdo do cumprimento exato dos deveres assumidos, vale
dizer, a obrigação de cumprir exatamente os deveres do contrato e a
163
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.95.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.102-103.
164
98
necessidade de ter em conta, no exercício dos direitos, os interesses da
contraparte.165[grifo do autor].
Como revela as colocações da Jurista, o tratamento da matéria obrigacional, com a
observação da boa-fé objetiva não desfigura o conteúdo econômico, substrato da relação
obrigacional.
Como o cumprimento “exato” dos deveres assumidos, no entanto, como a relação
obrigacional não se estabelece unilateralmente, a relação contratual funcionalizada, não
prescinde de valores éticos e morais em todas as suas fases.
Gomes sintetiza esse pensamento nestes termos:
O propósito moralizador define-se pela aplicação mais constante de certos
princípios que o Código alemão introduzira, conhecidos como cláusulas
gerais, dentre as quais se salientam a boa-fé, aos usos do comércio jurídico, à
justa causa, à desproporcionalidade e ao aproveitamento da situação de
necessidade em que outrem se encontre, ou da sua inexperiência.166
Ilustrativa a lição de Orlando Gomes que ao se referir à situação de necessidade e
inexperiência, situações que se amoldam ao cenário cotidiano da Microempresa, o titular da
Microempresa, via de regra, não se acomoda nos patamares acanhados em termos de
faturamento e lucro.
Busca dessa forma o crescimento, a melhoria das condições de trabalho, investe no
estabelecimento, procura novos fornecedores, e oferece condições de preço e crédito
compatíveis com as grandes organizações.
No entanto considerando, na maior parte das vezes, a sua pouca afinidade com as
práticas da administração, racionalmente dirigida, encontra neste momento, em que a sua
ambição oferece maiores proveitos à comunidade de parceiros e colaboradores e a toda a
sociedade.
O maior risco, visto que negocia com contratantes dotados de maior poderio
econômico e maior assessoria jurídica, impondo cláusulas contratuais que podem e
geralmente significam a quebra e o desparecimento da fonte geradora de empregos e
oportunidades de crescimento a toda a sociedade.
Gagliano e Pamplona, endossados por Gomes, alegam que:
165
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.126.
166
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista do
Tribunais,1980, p. 8.
99
[...] Em verdade, arremata o ilustre autor, a moderna concepção de contrato,
tal como nós o concebemos hoje, consistente “em um acordo de vontades
por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico ao qual se
prendem”, somente se esclarece à luz da ideologia individualista típica do
regime capitalista de produção. Diríamos, portanto, sem pretendermos
estabelecer um preciso período de surgimento do fenômeno contratual – [...]
que cada sociedade, juridicamente producente, cada Escola doutrinária –
desde os canonistas, passando pelos positivistas e jusnaturalistas –
contribuíram, ao seu modo, para o aperfeiçoamento do conceito jurídico do
contrato e suas figuras típicas. [...] Mas, sem dúvida, contribuição inegável
seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual segundo uma
escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem
como centro do universo, determinando, assim a supervalorização da força
normativa do contrato – levada às últimas conseqüências pela consagração
da fervorosa do pacta sunt servanda. [...] A elevação da autonomia privada à
categoria de dogma, calcada na visão antropocêntrica e patrimonialista,
refletiu amplamente em toda a concepção dos contratos até o final do século
XIX e início do seguinte. [...] Essa tendência individualista, entretanto,
acabaria por gerar sérios desequilíbrios sociais, somente contornados pelo
dirigismo contratual do século XX, reflexo dos movimentos sociais
desencadeados na Europa Ocidental, e que recolocariam o homem na
sociedade, retirando-o do pedestal a que ascendera, após a derrocada do
Antigo Regime, quando pretendeu assumir o lugar de Deus[...].167 [grifo do
autor].
Cumpre-se ressaltar que ao dispensar este novo tratamento ao negócio jurídico,há a
importância da bilateralidade do tratamento da relação negocial, onde os interesses albergados
devem verificar as condições de ambas as partes contratantes.
Os retromencionados autores, lembram que a nova ordem contratual não prescinde
dos clássicos princípios dos contratos e sim exigem um novo olhar:
[...] Percebemos, portanto, na enumeração dos princípios que seguem abaixo,
que alguns clássicos foram mantidos, posto hajam sido objeto de releitura,e,
ainda, outros foram acrescentados, por entendermos necessário para a
completude do conjunto. [...] Temos portanto: a) o princípio da autonomia da
vontade ou do consensualismo; b) o princípio da força obrigatória dos
contratos; c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; d)
o princípio da função social do contrato; e) o princípio da boa-fé objetiva; f)
o princípio da equivalência material. [...] Pairando por sobre todos eles,
dando-lhe a dimensão constitucional, está o princípio da dignidade da
pessoa humana, que jamais poderá ser esquecido, pois, indiscutivelmente,
servirá de medida para toda a investigação que fizermos a respeito de cada
um dos princípios contratuais acima elencados. [...].168[grifo do autor].
Nestes termos, tem-se que o Princípio da boa-fé objetiva, não elimina o princípio da
167
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p. 40.
168
Id., Ibid., p. 64.
100
autonomia privada, mas exige que a vontade seja auferida na medida da igualdade entre os
contratantes.
Para Marques, a imposição do paradigma da boa-fé objetiva, tem como efeitos:
[...] Imposição do princípio da boa-fé objetiva- Como novo paradigma para
as relações contratuais de consumo de nossa sociedade massificada,
despersonalizada e cada vez mais complexa, propõe a ciência do direito o
renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito a
muito conhecido e sempre presente desde o movimento do direito natural: o
princípio geral da boa-fé. Este princípio ou novo ‘mandamento’ (Gebot),
obrigatório a todas as relações contratuais na sociedade moderna, e não só às
relações de consumo, será aqui denominado de princípio da boa-fé objetiva,
para destacar a sua nova interpretação e função. [...] Efetivamente, o
princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações
possui muitas funções na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos
deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados
deveres anexo; 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje
abusivo, dos direitos subjetivos; e 3) na concreção e interpretação dos
contratos.[...]169 [grifo do autor].
Como pode se observar a lição da professora se amolda a forma de contratar da
Microempresa quando fornecedora de produtos e serviços, visto que o estabelecimento das
cláusulas contratuais, obrigatoriamente deve ser plasmado na boa-fé. Isto porque, as relações
negociais não comportam desvios, por serem realizados num cenário de alta concorrência em
que o consumidor não admite a quebra da confiança sob pena de migrar para o concorrente
mais próximo.
Em sua obra, dos Contratos no CDC, Cláudia Lima Marques destaca que:
[...] Segundo a nova visão do direito, o contrato não pode mais ser
considerado somente como campo livre e exclusivo para a vontade criadora
dos indivíduos. Hoje, a função social do contrato, como instrumento basilar
para o movimento de riquezas e para a realização dos legítimos interesses
dos indivíduos, exige que o contrato sigaum regramento legal rigoroso. A
nova teoria contratual fornecerá o embasamento teórico para a edição de
normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da
autonomia da vontade, com o fim de assegurar que o contrato cumpra a sua
nova função social.
Ressalve-se que a visão do contrato nas relações de consumo aplica-se integralmente
ao cenário da Microempresa contratante.
169
MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p.214-215.
101
Considerando que a Microempresa contratante, seja como consumidora, como
fornecedora, ou na compra e venda de insumos no desenvolvimento de sua atividade exerce
uma importante função social.
Visto que na busca dos seus resultados econômicos com o objetivo de lucro não se
caracterizam pela imposição de regras unilateralmente e sim entabulam negociações num jogo
de ganha, ganha, não relações em que para que uma parte deve perder para a outra ganhar.
Paulo Nalin explica o princípio da equidade, dizendo que:
[...] Nesse contexto da comutatividade contratual é que se constrói o
princípio da equidade, enquanto fundamento da justiça que deve imperar no
contrato, se ele de longa duração ou não, uma vez que as parcelas
reciprocamente devidas nunca poderão estar desajustadas ou sofrer perdas e
ganhos, ao longo da execução da avença. [...] O princípio da equidade
alcança, assim, um novo perfil, não somente um instrumento de supressão
das lacunas da lei, ferramenta de interpretação da regra jurídica, julgando ex
aequo etbono, mas visando o equilíbrio econômico das obrigações
pecuniárias. [...] Para concluir o raciocínio, sempre em apego ao
ensinamento Aristotélico, Chaïm PERELMAN, tendo se referido à equidade,
no plano do pensamento daquele filósofo grego, como “muleta da justiça”,
evolui na teoria filosófica, para contemporaneamente, sustentar a equidade
enquanto “um recurso do juiz contra a lei; apela-se ao seu senso de
equidade quando a lei aplicada rigorosamente, em conformidade com a
regra de justiça, ou quando o precedente, seguindo a lei, conduzem a
conseqüências iníquas”170[grifo do autor].
Para Teresa Negreiros a equidade revela-se:
[...] No contexto mais geral da evolução do direito civil como um todo, esta
ruptura com a concepção abstrata e atomizada do sujeito contratante – seja
pela via da valorização dos aspectos referentes à sua pessoa, socialmente
considerada, seja pela via da coletivização dos mecanismos de defesa de
interesses tidos como transindividuais – representa a ‘concretização’ do
conceito de pessoa. [...] A codificação tornara “pessoa” um substantivo
‘abstrato’, isto é, em termos literais, a pessoa estava ‘separada daquilo de
que se necessitava para existir dignamente. Considerada de forma ‘isolada’ e
‘apartada’, a pessoa transformou-se numa categoria jurídica inteiramente
desprendida de suas circunstancia. Nesse sentido, assinala Orlando de
Carvalho: ‘... O Code ignorou igualmente o homem concreto, o homem de
carne, sujeito a debilidades, presa de necessidades, esmagado por forças
econômicas’.171[grifo do autor].
170
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.143.
171
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.327-328.
102
Enfatizando que a Microempresa quando destinatária de um tratamento na relação
contratual plasmado nos valores acima elencados oferece em retorno à sociedade, produtos e
serviços de melhor qualidade, elevação dos níveis de emprego e funciona como um difusor de
riquezas, espraiando benefícios à sociedade na qual atua.
Examinado o substrato complexo da sistematização de um sistema orientado pela
cláusula geral da boa-fé objetiva e considerando que o regime obrigacional encontra-se aberto
aos valores da probidade, honestidade, retidão na conduta dos contratantes, passa-se
didaticamente a esboçar um sistema único das relações obrigacionais, cabendo, no entanto a
análise da conformação atual no direito das obrigações.
3.3.1 A Utilização da Tópica na Interpretação e Aplicação do Direito
Tem-se que a ciência jurídica não olvida dos fatos, acontecimentos, ocorridos na
sociedade e verificadas as consequências negativas junto ao fato da regulação das relações
institucionais tendo como fundamento a tutela de direitos patrimonialista e individualista.
Baseados no âmbito das relações privadas na autonomia privada onde o homem um
ser dotado de razão, obriga-se de forma livre e soberana e a propriedade assume um caráter
absoluto.
Fez-se necessário o rompimento dessa ordem e a institucionalização de uma nova,
onde a igualdade meramente formal é afastada e a liberdade de usufruto da propriedade
recebe novos contornos, com a exigência do exercício de uma função social.
Nesse novo tratamento entende Paulo Nalin que surge:
A necessidade de repensar o modelo eleito de boa-fé objetiva mostra-se,
ainda, mais urgente, sobre isso se manifestando a doutrina, afirmando que
não é possível para a espécie apontar uma definição rígida de seus contornos
conceituais, pois sempre dependente de uma conduta contratual, que se
destina a melhor efetivação dos interesses do outro contratante. Sua
interpretação é essencialmente tópica. Analisa-se a posição do titular da
obrigação, em execução, se ele agiu de forma a satisfazer, plenamente, as
expectativas alheias, não gerando obstáculos desnecessários, encargos
pessoais e financeiros inúteis, enfim, ônus subjetivos patrimoniais ou
existenciais (morais) indesejados. [...] O processo incógnito e construtivo
dos prismas conceituais, envolvendo a boa-fé objetiva, projeta o intérprete a
searas outras, para além dos limites do Direito, recorrendo a valores e
conceitos jurídicos e, até metajurídicos, como a confiança, a diligencia do
declaratório ao se interessar pela intenção do outro contratante, o
socialmente relevante da declaração da vontade, a razoabilidade e os
103
princípios gerais do direito, todos sendo conforme bem explica Vito RIZZO,
instrumentos de interpretação da boa-fé.172
A viragem de um sistema fechado para um sistema aberto não se concretiza sem uma
nova forma de leitura do sistema, a prática secularmente enraizada, da hermenêutica jurídica,
com base na subsunção dos fatos à prescrição legal, por meio do dedutivo, não se presta mais
à atividade jurisdicional de forma plena.
Requer-se esclarecer que ao sistema e ordenamento, cabe a distinção colacionada por
Judith H. Martins-Costa
Ordenamento e sistema, como se sabe, não são sinônimos. O ordenamento é
o conjunto das normas que regulam a vida jurídica em certo espaço
territorial. O sistema exprime as ligações, nem sempre existentes, entre estas
normas. O ordenamento é, assim, uma espécie de “ecossistema”, que pode
abranger uma ampla variedade de sistemas e subsistemas normativos.173
Não se olvidando que o interprete juiz prescinde no seu mister de entregar o bem da
vida a cada parte da utilização do método dialético tópico nas questões meramente formais,
como estabelecimento de prazos processuais, questões processuais pontuais como as
exigências da fundamentação das sentenças proferidas.
Gagliano e Pamplona lecionam que o processo interpretativo:
[...] A idéia de interpretação se refere à necessidade de se estabelecer o
significado e o alcance de uma regra positivada, bem como constatar as
situações por ela previstas e os efeitos que pretende ter. [...] De fato, tal
como o preceito legal (manifestação da vontade estatal) imprescinde da
interpretação dos cidadãos e do magistrado para sua aplicação, a vontade das
partes, instrumentalizada pelo contrato, exige uma correta compreensão,
tanto dos próprios contratantes, nas relações jurídicas de direito material,
quando também do Poder Judiciário, no caso de haver um conflito na sua
aplicação. [...] Só assim, devidamente dimensionada, a norma legal ou
contratual, poderá produzir concretamente os efeitos desejados pela
manifestação de vontade que a gerou.174
No entanto na análise das questões de fundo das lides, o direito e as obrigações das
partes, estão desde a edição do novo Código Civil exigindo um método interpretativo,
172
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.132-133.
173
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.43.
174
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.211.
104
formatado pela observação dos “standart” da boa-fé objetiva.
Busca-se em Alexy, essa nova sistemática de investigação, assim definida:
O objeto desta investigação é a questão sobre o que deve ser entendido como
argumentação jurídica racional, bem como a de se e com que alcance ela é
possível. [...] A resposta se dá em duas etapas. Na primeira e segunda parte
do trabalho, elabora-se uma teoria da argumentação prática geral, e na
terceira, uma teoria da argumentação jurídica que se constrói a partir
daquela.175
Em apertada síntese, tendo como paradigma a obra de Alexy, que afirma:
Una teoría de los derechos fundamentales de Ley fundamental es una teoría
de determinados derechos fundamentales positivamente válidos. Esto la
distingue de las teorías de los derechos fundamentales que han tenido
vigencia en el pasado (teorías histórico – jurídicas) como así también de las
teorías sobre los derechos fundamentales en general (teorías teoricojuridicas) y de teorías sobre derechos fundamentales que no son los de la Ley
Fundamental, por ejemplo, teorías sobre derechos fundamentales de otros
Estados e teoría de los derechos fundamentales de los Estados federados que
integran la República Federal de Alemania.176
Consigne-se que a Teoria da Argumentação, não caracteriza um rompimento com a
segurança jurídica, tendo na constituição a fonte dos valores maiores a serem consignados,
não podendo nascer do nada, mas sim de textos institucionalmente erigidos como marcos da
ação legislativa.
Teresa Negreiros contribui nesse sentido estabelecendo o paradigma da
essencialidade, quanto à classificação dos bens quanto a sua utilidade, nestes termos:
[...] O paradigma da essencialidade consubstancia um modelo de pesquisa
contratual, segundo o qual o regime do contrato deve ser diferenciado em
correspondência com a classificação do bem contratado. Essa classificação
divide os bens em essenciais, úteis e supérfluos, levando em conta a
destinação mais ou menos existencial conferida pelo sujeito contratante ao
bem contratado. [...] O paradigma da essencialidade, de acordo com o qual a
medida da utilidade existencial do objeto do contrato deve ser considerado
pelo ordenamento jurídico como relevante a apreciação de conflitos entre os
princípios contratuais, é, neste contexto, capaz de dar àpràtica judiciária um
175
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda HutchinsonSchild Silva. 2. ed. São
Paulo: Landy, 2005, p. 5.
176
Idem. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001,
p. 22.
105
ponto de apoio para as argumentações sensíveis às necessidades dos
contratantes.177
A autora esclarece que:
[...] Embora não conste expressamente dos esquemas classificatórios
tradicionais no direito civil, a classificação dos bens em essenciais, úteis e
supérfluos e sua utilização como fator de diferenciação dos contratos que
tenham por objeto a sua aquisição ou utilização são propostas interpretativas
perfeitamente compatíveis com tais esquemas, desde que se lhes imprima
uma nova luz: a primazia das situações existenciais sobre as situações
patrimoniais.178
Teresa Negreiros conclui dessa forma:
[...]Este modelo de classificação, embora não previsto expressamente, está
de acordo com os modelos existentes, os quais, como demonstrado ao longo
do trabalho, se pautam sempre pela destinação do bem a ser classificado.
Ocorre que, sob a ótica do Código civil, esta destinação privilegia o enfoque
patrimonial, ao passo que, de acordo com o critério sugerido – formulado à
luz da primazia constitucionalmente garantida à pessoa – o enfoque passará a
ser existencial, avaliando-se a utilidade representada pelo bem no que se
refere à sua direta utilização pela pessoa e à satisfação das necessidades
humanas.179
Como visto no discorrer de toda a seção as relações obrigacionais, estampadas no
ordenamento jurídico brasileiro, sejam civis, mercantis ou consumeristas encontra neste
momento funcionalizadas, com a introdução de cláusulas gerais, de especial interesse neste
estudo, a boa-fé objetiva.
Verifica-se que a interpretação do sistema organizado de forma a recepcionar os
conteúdos meta jurídicos exige do operador do direito uma nova metodologia, em substituição
do método dedutivo, partindo do estabelecimento dogmático.
Ainda considerando que o substrato do pensamento jurídico encontra suas raízes no
seio da sociedade, hoje em processo de transformação, não se pode desprezar que a ciência
jurídica, como produto de um processo cultural, desenvolve-se não de forma linear.
Fazendo necessário consignar que a prática jurídica nas academias e na atividade
jurisdicional do Estado estão a espera da concretização dos valores fundamentais estampados
no texto constitucional, com vistas ao tratamento digno, humano do sujeito de direito, pessoa
177
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.336.
Idem, Ibid., p. 448.
179
Id., Ibid., p.501-502.
178
106
física ou jurídica.
Neste cenário em que o novo paradigma das relações contratuais funcionalizadas,
com vistas à construção de uma sociedade mais solidária, justa e fraterna a Microempresa,
como extensão do seu titular ou como pessoa jurídica onde os sócios e administradores
participam do dia da empresa e estabelecem relações pessoais com os parceiros comerciais,
faz-se necessário lançar um novo olhar com vistas à valorização das atividades dessas
pequenas organizações que oferecem muito a toda sociedade.
Proporcionando um tratamento não só favorecido e simplificado nos termos do
ordenamento jurídico, mas necessariamente justo.
107
CONCLUSÃO
Concluindo este trabalho de pesquisa, quanto à concretização da função social da
atividade econômica desenvolvida pelas denominadas Microempresas, e a disciplina atual dos
contratos em seus aspectos materiais e a sua interpretação e aplicação no âmbito das relações
empresariais.
Observou-se inicialmente que a Microempresa é uma espécie de trabalho humano,
dentro do gênero empresa, como sinônimo de atividade econômica, direcionada à produção,
distribuição e circulação de bens e serviços que detém a primazia, por força do comando
constitucional, que impõe à livre iniciativa, portanto à iniciativa privada a resposta às
necessidades humanas.
No entanto a pesquisa constata também que o direito estabelece regramentos e
tratamento jurídico a outras espécies de trabalho como o subordinado, o autônomo, inclusive
com tutelas diferenciadas aos empreendedores que não têm condições ou não pretendem
estabelecer-se como empresário.
Analisando a evolução histórica da atividade empresarial, notou-se que a empresa, no
seu desenvolvimento teve períodos em que se organizava em corporações, onde o foco era
pessoa do comerciante, com prerrogativas de tribunais e legislação próprias, sendo
responsável direito das conquistas políticas, econômicas e culturais.
Dentro dessa análise histórica ficou consignado que as Revoluções, Industrial e
Francesa, alteram o seu perfil técnico e jurídico, passando a operar com produção em escala e
rompendo com o subjetivismo que caracterizava a atividade.
A pesquisa também revelou que a atividade empresarial, revestida dos pressupostos
legais de regularidade, passou a constituir um sujeito de direitos e obrigações distinto dos
titulares de suas ações ou quotas, ensejando a limitação da responsabilidade destes pelas
obrigações sociais.
Assim como a possibilidade de usufruir de tratamento jurídico diferenciado quando
da contingência de eventos relacionados à crise financeira ou econômica, por meio de
legislação recente, a Lei nº 11.101 de 2005, afinada com a função social da empresa,
estabelecendo o princípio da preservação da empresa.
Ao longo da pesquisa considerou-se frutífera a relação da análise do exercício da
função social da Microempresa.
Verificou-se que em tempos recentes, segunda metade do século XX, a atividade
empresarial foi alvo de previsão constitucional, tendo sua incorporação ao texto
108
constitucional, como forma do exercício de uma função social.
Surgindo a previsão da necessidade de um tratamento jurídico favorecido e
diferenciado às atividades empresariais classificadas como Microempresas, em função do
faturamento auferido e da impossibilidade de responder pelas mesmas obrigações das
empresas de maior porte econômico.
Na análise da participação da Microempresa no desenvolvimento econômico e social
a pesquisa revelou que o tratamento constitucional e infraconstitucional dispensado às
Microempresas que teve suas raízes, no ordenamento jurídico nacional, em uma política do
governo federal que visava à desburocratização da Administração Pública evoluiu para se
consubstanciar num micro sistema jurídico que estabelece regras diferenciadas e favorecidas
quanto ao tratamento administrativo e tributário.
Também no bojo da pesquisa se percebe que a instituição do regime simplificado e
favorecido quanto os aspectos tributários implicou em relativização do conceito da Federação
para permitir a unificação das contribuições e tributos devidos pelas Microempresas em um
regime de arrecadação única.
Neste trabalho de pesquisa constatou-se também que o capitulo X da Lei
Complementar 123/2006 ao tratar do estimulo à inovação, revela a importância da
solidariedade e cooperação entre as Microempresas e o meio acadêmico com o sucesso dos
arranjos tecnológicos organizados sob a forma de “incubadora empresarial” e a possibilidade
da inserção da produção em áreas de desenvolvimento da tecnologia de ponta.
Ao final, conclui-se que para o cumprimento de sua função social a atividade
econômica organizada sob a forma de Microempresa não pode prescindir de um tratamento
efetivamente diferenciado nas relações contratuais.
Visto que o artigo 179 da Constituição Federal estabelece genericamente quanto à
simplificação das obrigações creditícias e a partir do artigo 57 da Lei Complementar nº
123/2006 delimitada de forma programática como se dará o estímulo ao crédito e a
capitalização no âmbito da Microempresa, a pesquisa correlacionou os aspectos legais e
doutrinários que exigem o tratamento contratual com respeito aos Princípios da boa-fé
objetiva, a equivalência das prestações e a função social.
Realizadas essas considerações a guisa de conclusão pôde auferir que a atividade
econômica organizada sob a forma de Microempresa realiza naturalmente a função social da
empresa visto que os agentes econômicos seja na condição de fornecedor, consumidor,
empregado, empregadores não prescindem de um contato humano no seu desenvolvimento.
Visto que os balizamentos legais quanto à tributação e as exigências administrativas
109
apresentam-se de forma simplificada e com alíquota diferenciadas por meio de normas de
ordem pública.
Faz-se necessário frisar que as relações contratuais e de forma especial das relações
contratuais referente ao necessário financiamento do capital das Microempresas constituem o
“calcanhar de Aquiles” do desenvolvimento e manutenção das atividades das Microempresas.
Portanto, necessário é que a academia juntamente com as organizações não
governamentais, representadas pelas associações, fóruns e comitês, estabeleçam amplo debate
com vistas à implementação de relações contratuais justas com relação ao respeito à boa-fé
objetiva e o equilíbrio das prestações obrigacionais e a função social do contrato.
Este trabalho tem a pretensão de contribuir para o desenvolvimento do direito da
empresa, e para a consolidação do tratamento diferenciado da atividade econômica do
seguimento das Microempresas de forma imediata e contribuir efetivamente para o
desenvolvimento da sociedade num todo de forma mediata, considerando a contribuição das
Microempresas no desenvolvimento econômico e social do país.
Em suma, a pesquisa revelou que a Microempresa, como pequeno agente econômico,
numa sociedade plasmada pela valorização das grandes corporações, revela-se um gigante nos
aspectos econômicos e social revelando que o tratamentos jurídico diferenciado dispensados
encarnam os mais elevados princípios de justiça social nos termos da legislação
constitucional.
110
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