Intervenção do Ministro da Defesa Nacional
José Pedro Aguiar-Branco
Cerimónia do Dia da Força Aérea Portuguesa
Sintra, 01 de julho de 2014
Só são válidas as palavras proferidas pelo orador
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Assinalamos, hoje, mais um dia da Força Aérea. E assinalamo-lo numa
altura em que celebramos, também, o Centenário da Aviação Militar
em Portugal.
Uma comemoração que se estende ao longo dos próximos dois anos
porque foi desta forma que se deram, igualmente, os primeiros passos
na Aviação Militar no nosso país.
A 14 de maio de 1914, foi criada a Escola de Aeronáutica Militar. Até
1916 foram construídas infraestruturas, foi ministrada formação aos
pilotos e foram criadas as condições para a realização do primeiro voo
numa aeronave do então Ministério da Guerra, pilotada por um militar.
Estávamos em pleno período da Primeira Grande Guerra Mundial,
conflito para o qual Portugal chegou a enviar alguns pilotos,
nomeadamente para França.
É deste embrião que nasce a Força Aérea Portuguesa. A Força Aérea
Portuguesa nasceu para a guerra. Nasceu, tal como nos outros países,
para ser parte ativa na guerra aérea.
Cem anos depois, a sua missão está muito para lá disso.
É mais polivalente, responde a muitos outros desafios, todos com o
mesmo objectivo final: salvaguardar o nosso bem-estar enquanto
nação, ou seja, no que ele tange o nosso território e o nosso povo.
A eficaz vigilância das nossas fronteiras, em terra e no mar…
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As
solidárias
missões
no
âmbito
dos
nossos
compromissos
internacionais…
As, não raras vezes, heroicas missões de busca e salvamento…
ou as dedicadas missões de evacuação médica, tantas e tantas vezes
efectuadas nas partes mais longínquas do nosso território nacional.
Quase ironicamente, cem anos depois do nascimento da aviação
militar, os últimos dias ficaram marcados pela polémica em torno destas
missões, que a Força Aérea cumpre com o mais elevado sentido de
interesse público.
Notícias e opiniões, como habitualmente com expressão mediática
relevante, nem sempre positivas para a Força Aérea Portuguesa e para
os seus pilotos.
Como Ministro da Defesa Nacional não posso fugir ao tema. Não quero
fugir ao tema.
Para quem, nos últimos dias, levantou dúvidas sobre o esforço e a
capacidade de sacrifício dos nossos militares, deixem-me lembrar o
óbvio:
Nunca a Força Aérea Portuguesa ou os seus pilotos recusaram uma
missão. Nunca regatearam um esforço, nunca negaram um sacrifício.
Que fique bem claro: com mais ou menos meios, com melhores ou
piores condições, nas circunstâncias mais fáceis ou mais difíceis, a Força
Aérea descolou sempre. Sempre.
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Por isso, todos os militares que servem Portugal, servindo na Força Aérea,
são credores do tributo do nosso agradecimento e da nossa
homenagem.
Feito este esclarecimento, importa discutir a questão de fundo, sem
evasões ou desculpas!
Temos um problema crónico com a saída de pilotos da Força Aérea!
E isso tem uma razão de ser.
Há muito que a Força Aérea deixou de ter capacidade para ser
competitiva ou concorrer financeiramente com as ofertas salariais das
companhias
aéreas
comerciais,
que
se
multiplicaram
exponencialmente na aviação civil, também isso expressão de um
mundo cada vez mais global.
Não é de hoje. Não é desta legislatura, nem sequer desta década. Não
depende da austeridade, da Troika, deste ou daquele governo. Deste
ou daquele Chefe Militar.
Há muito que este problema está identificado, com diferentes e
variados alertas públicos.
Nos últimos 14 anos a Força Aérea viu sair 275 pilotos das suas fileiras.
Uma média de 19 pilotos por ano.
Já em 2007, uma saída súbita de militares deixou a esquadra 751
apenas com seis pilotos comandantes, com a inevitável consequência
na prontidão do destacamento da Madeira.
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No segundo semestre de 2013, saíram, também, de forma inopinada,
sete pilotos da mesma esquadra e com iguais consequências a nível da
prontidão.
Perder pilotos desta forma é duplamente penalizador. Penalizador para
a operacionalidade e penalizador do ponto de vista orçamental.
Formar um piloto é um dos investimentos maiores que o Estado
português pode fazer num cidadão.
Um investimento de vários milhares euros. Cerca de 260 mil euros por
piloto. Refiro-me ao valor dos cinco anos do curso na Academia Militar
não estando contabilizados os custos de qualificação para aeronaves
específicas.
Não
se
confundam
estas
palavras
com
culpabilização
ou
responsabilização daqueles que optaram por sair. Quem pode julgar as
suas razões? Não posso e não o farei.
Direi apenas que, à semelhança do que acontece com outras
companhias aéreas, um co-piloto da TAP ganha mais que o Chefe de
Estado Maior da Força Aérea.
E vou ainda mais longe. Independentemente do estado das nossas
finanças públicas, dificilmente a Força Aérea poderá voltar a concorrer
com os ordenados praticados numa companhia aérea civil. Esta é a
realidade.
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E esta realidade não é um fenómeno exclusivamente português.
Acontece noutros países. As Forças Aéreas são fontes privilegiadas para
o recrutamento em quase todos os países. Em Portugal este problema é
agravado.
A nossa Força Aérea é vítima do seu próprio sucesso. Continua a ser a
melhor escola de aviação do país. E continuará a ser.
E é esse sucesso que dita que situações como esta se repitam com
regularidade. Ano após ano.
E quando acontecem, o procedimento é quase sempre o mesmo: a
comunicação social repete as mesmas notícias, os Chefes os mesmos
alertas, o poder político as mesmas preocupações.
Basta percorrer os títulos de alguns jornais, dos últimos anos, para
verificar que assim é:
Dezembro de 2005: Pilotos pedem abate para sair da Força Aérea;
Novembro de 2006: Debandada de Pilotos: 60 por cento quer deixar
Força Aérea;
Março de 2007: Falta de pilotos na Força Aérea controlada até ao fim
da década;
Julho de 2007: Falta de pilotos deixa Porto Santo sem Merlin;
Fevereiro de 2008: Força Aérea espera sofrer nova sangria de pilotos;
Junho de 2009: Faltam 120 pilotos na Força Aérea;
Novembro de 2009: Ministro da Defesa quer evitar fuga de pilotos para
aviação civil;
Quer isto dizer que nada foi feito nos últimos anos? Claro que não. Pelo
contrário.
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Já se tentou uma abordagem mais moralista, com apelos patrióticos à
vocação militar…e o problema continua!
Já se tentou uma abordagem mais restritiva, com o aumento do tempo
mínimo de serviço na especialidade de piloto aviador, de 8 para 12
anos,… e, mesmo assim, o problema continua!
Em 14 anos fizeram-se inúmeras alterações cirúrgicas e, no entanto, a
situação, ciclicamente, repete-se.
Agora, perante mais uma reincidência crítica, temos, necessariamente,
de ir mais longe.
Temos de agir de forma estrutural, enquadrado no âmbito dos
objectivos da Reforma 2020, consensualizada com todas as Chefias
Militares, e que tem, como finalidade maior, aumentar, precisamente, a
capacidade operacional das Forças Armadas, logo, também, da Força
Aérea.
Se não é possível travar um fenómeno que está muito para lá do nosso
controlo, então temos de aprender a viver com ele e adaptarmos a
estrutura e os meios de gestão a essa realidade.
Um dos mecanismos mais evidentes é o reforço da articulação com as
próprias companhias aéreas nacionais, na órbita do Estado.
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Articular o recrutamento com a TAP e com a SATA significa aumentar a
capacidade de planeamento da Força Aérea Portuguesa. Significa
melhorar a capacidade de projectar atempadamente a formação de
novos pilotos, capazes substituir aqueles que saem.
Nada explica que o processo de recrutamento das companhias áreas
continue a deixar a Força Aérea Portuguesa numa situação crítica,
quando
é
possível
reforçar
a
coordenação
entre
todos
os
intervenientes.
Este princípio deve igualmente ser aplicável às companhias aéreas
privadas.
Mas este é apenas um dos mecanismos. Igualmente importante é
alterarmos a forma como pensamos e lidamos com o assunto.
Mais pragmáticos, mais realistas, mas também mais atentos aos anseios
e expectativas dos pilotos da Força Aérea Portuguesa.
Sabemos que não conseguiremos evitar que alguns pilotos ingressem na
Força Aérea com o intuito de sair da instituição. Sabemos que nunca
seremos tão competitivos como a aviação comercial.
Mas sabemos, também, que este não é apenas um problema salarial.
É também uma questão de motivação e de valorização profissional que
conduza à permanência dos pilotos que ingressaram e querem fazer
uma carreira na Força Aérea Portuguesa.
Tentando corresponder às suas expectativas...
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Reconhecendo e valorizando, cada vez mais, o extraordinário trabalho
que desenvolvem em benefício do país e dos portugueses…
Influenciando, de uma forma mais proactiva, o processo de decisão
que conduz à saída de um piloto da instituição.
Foi nesse sentido que solicitei, recentemente, à Força Aérea a
apresentação e a implementação de soluções permanentes que
contribuam para a redução do êxodo de pilotos.
Da mesma forma que reforçamos o orçamento do ramo de modo a
aumentar as horas de voo e a acelerar a formação de novos pilotos
comandantes.
A responsabilidade de resolução deste problema não fica só na Força
Aérea ou no Ministério da Defesa Nacional. Este é um problema que é
de todos. E que todos temos de conseguir resolver.
Militares, Minhas senhoras e meus senhores
Termino, regressando ao Dia da Força Aérea e ao Centenário da
Aviação Militar.
Ditam as circunstâncias que nos últimos meses muito se tenha falado
sobre os pilotos. Mas a verdade é que a Força Aérea é mais dos que os
seus pilotos.
São os milhares de homens e mulheres, militares e civis, que serviram e
servem o país com enorme abnegação e coragem. São aqueles que
voam e os que fazem os outros voar.
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Engenheiros,
mecânicos,
meteorologistas,
médicos.
Pessoas
com
enorme capacidade técnica, e espírito inventivo, que permitem à Força
Aérea continuar a ter a capacidade de resposta, reconhecida por
todos.
Foi este o espírito que construiu a aviação militar em Portugal. E 100 anos
depois, para além do profissionalismo que se pede no cumprimento da
missão voltamos a falar do espírito de inovação.
O salto tecnológico que todos assistimos e que se faz sentir mais na
Força Aérea do que em qualquer outro ramo, desafia, de novo, a vossa
capacidade.
Se tentarmos imaginar como será a Força Aérea daqui a 50 anos
teremos uma ideia dos desafios que temos pela frente.
Resgatar esse espírito aventureiro do passado é pensar que, mais uma
vez, temos a oportunidade de fazer história.
Em 2014 não comemoramos apenas o centenário da aviação militar.
Assinalamos, também, o primeiro ano dos próximos 100.
Disse
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MDN_Dia da FA_01julho2014