Di Ninno CQMS et al.
ARTIGO ORIGINAL
Resultados de fala após palatoplastia: estudo comparativo
prospectivo entre as técnicas de Veau modificada e Furlow
Speech after palatoplasty: prospective and comparative study between
modified Veau and Furlow techniques
Camila Queiroz de Moraes Silveira Di Ninno1, Camila Carolina de Faria Macedo2, Nathália de Jesus Ferreira2, Sásia Corine Miranda Gomes2,
Marisa de Sousa Viana Jesus3, Silvana Matos Lopes4, Izabel Miranda Campolina1, Renato Rocha Lage5
RESUMO
ABSTRACT
Objetivo: Comparar as técnicas cirúrgicas de palatoplastia Veau modificada e Furlow, utilizadas em um centro
de tratamento de fissuras labiopalatinas, em relação aos
efeitos na fala. Método: Estudo prospectivo, em que 57
crianças submetidas à palatoplastia primária pelas técnicas
Veau modificada e Furlow, por um mesmo cirurgião plástico,
foram avaliadas quanto a presença de refluxo nasal, articulação compensatória, hipernasalidade, escape de ar nasal
e fístula. Os dados foram obtidos por meio da consulta a
prontuários médicos, avaliação perceptivo-auditiva, uso do
espelho de Glatzel e da inspeção intraoral. Resultados:
A maioria das crianças da amostra apresentou ausência de
refluxo nasal, de articulação compensatória e de fístula de
palato. Não houve diferença entre as técnicas cirúrgicas empregadas e as variáveis analisadas. Em relação ao escape de
ar nasal, houve tendência à diferença, com maior presença
do escape na técnica de Veau modificada. Conclusão: Não
há diferença entre as técnicas cirúrgicas comparadas em
relação aos parâmetros investigados. Porém, existe tendência a melhores resultados de fala em crianças submetidas
à técnica de Furlow.
Objective: To compare surgical techniques of palatoplasty, modified Veau and Furlow, used in one treatment center of
cleft lip and palate, in relation to speech effects. Methods:
Cross-sectional study, that 57 children was submitted to a
primary palatoplasty by the techniques modified Veau and
Furlow by the same plastic surgeon, it was evaluated while
for the presence of nasal reflux, compensatory articulation,
hypernasality, nasal air leak and fistula. Data were obtained
by consultation of medical records, perceptual-auditory evaluation, use of the Glatzel mirror and intraoral inspection.
Results: Most children in the sample showed absence of
nasal reflux, compensatory articulation, and palate fistula.
There wasn’t difference between the surgical techniques used
and the variables analyzed. In relation to nasal air leak, it was
trend to difference with higher presence of escape in modified
Veau techniques. Conclusion: There is no difference between
the surgical techniques compared in relation to the parameters
investigated. There is no difference between surgical techniques
compared with respect to the parameters investigated. However, there is a trend towards better speech results in children
submitted to Furlow technique.
Descritores: Fissura palatina. Distúrbios da fala.
Cirurgia plástica.
Keywords: Cleft palate. Speech disorders. Plastic
surgery.
1. Professora Doutora do Curso de Especialização em Motricidade Orofacial
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Belo
Horizonte, MG, Brasil.
2. Acadêmica de Fonoaudiologia da PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3. Professora Mestre do Curso de Fonoaudiologia do Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil.
4. Pós-graduanda do Curso de Especialização em Motricidade Orofacial da
PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil.
5. Cirurgião Plástico, regente e coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica
do Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG, Brasil; Coordenador médico
do CENTRARE, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP), membro especialista da Associação Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial (ABCCMF).
Correspondência: Camila Queiroz de Moraes Silveira Di Ninno
Av. Vereador José Diniz, 3457 – sala 1703 – Campo Belo – São Paulo, SP,
Brasil – CEP: 04616-001.
E-mail: [email protected]
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Resultados de fala após palatoplastia
com reposicionamento dos músculos elevador e tensor do palato
e descolamento dos mesmos das mucosas oral e nasal, com
liberação do osso do palato, mas com dissecções mínimas. De
acordo com a pesquisa realizada em Minas Gerais, a técnica
cirúrgica Veau é uma das mais utilizadas na palatoplastia13.
A técnica de Furlow, por sua vez, baseia-se em uma dupla
plástica em Z, com retalhos opostos para tratamento primário
da fissura palatina. Tem como objetivo fechar o palato mole, por
meio de uma cinta muscular criada mais posteriormente com
a transposição dos retalhos contendo a musculatura palatina,
como também o alongando por meio dos princípios da plástica
em Z, o que contribui para aumentar a espessura do palato e para
o fechamento velofaríngeo14. A técnica de Furlow não utiliza
tecido do palato duro para alongar o palato mole. Há realmente
um ganho de 0,5 a 1,0 cm no comprimento do palato posterior,
já que não há área cruenta que force a contração desses tecidos
de volta à sua origem10.
O objetivo deste estudo foi comparar as duas técnicas
cirúrgicas de palatoplastia utilizadas no CENTRARE, Veau
modificada e Furlow, em relação ao seu efeito na fala.
INTRODUÇÃO
A fissura labiopalatina está entre as malformações craniofaciais mais comuns em nossa espécie, com ocorrência entre
1:500 e 1:700. Decorre da falta de fusão dos processos embrionários responsáveis pela formação da face e do palato, podendo
ser unilateral, bilateral ou mediana e acometer o lábio, o palato
ou ambos1,2.
Em relação às fissuras que envolvem o palato, estas interferem no mecanismo velofaríngeo assegurado pelo movimento
sincronizado do palato mole, paredes laterais e posterior da
faringe. Esse mecanismo desempenha importante papel na
produção da fala, em relação à distribuição do fluxo aéreo
expiratório e das vibrações acústicas para a cavidade oral na
produção dos sons orais, e para a cavidade nasal, nos sons
nasais3,4.
Para restabelecer o mecanismo velofaríngeo, a palatoplastia
é considerada a base do tratamento do paciente com fissura
palatina, pois somente com a reconstrução do palato é possível
o reposicionamento muscular e o restabelecimento do mecanismo velofaríngeo5-7. Como complicações pós-operatórias
da palatoplastia, a fístula oronasal poderá ocorrer em decorrência de cicatrização deficiente por tensão, ausência de várias
camadas de fechamento ou falta de cuidados após a cirurgia8-10.
Na literatura, não existe consenso a respeito de qual técnica
de palatoplastia ocasiona menor número de complicações9.
Além da presença de fístula, após a palatoplastia primária, o
palato pode ficar curto, impedindo o bom funcionamento do
mecanismo velofaríngeo.
Hoje se sabe que, quanto mais cedo se realizar a palatoplastia, melhores resultados de fala podem ser alcançados.
No entanto, evita-se a cirurgia muito precocemente, a fim de
minimizar a incidência de iatrogenias morfológicas. Diversos
cirurgiões recomendam que a cirurgia seja realizada entre
um ano e um ano e seis meses de idade, quando as estruturas
anatômicas estão mais identificáveis e a musculatura do palato
mais desenvolvida, o que torna a cirurgia mais exequível, além
de ser a idade de início da aquisição da fala5,11.
O reposicionamento anatômico do músculo levantador do
véu palatino, que se encontra inserido na margem posterior
do palato duro, com fibras longitudinalmente direcionadas, é
fundamental na palatoplastia. A desinserção das fibras e seu
posicionamento em sentido transversal, unindo-as com as
fibras do outro lado da fissura, permitem a função esfincteriana
e elevadora da musculatura palatina, necessária para a oclusão
oronasal10.
No Serviço de Cirurgia Plástica do Centro de Tratamento e
Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais (CENTRARE), do Hospital da Baleia (Belo Horizonte,
MG), são utilizadas rotineiramente as técnicas cirúrgicas de
palatoplastia de Veau modificada e Furlow.
A técnica cirúrgica de Veau é descrita pela liberação
completa dos retalhos mucoperiósteos na sua porção anterior.
Realiza-se, em seguida, a sutura da mucosa nasal, a liberação
e o deslocamento dos retalhos palatais baseados na artéria
palatina maior, que deve ser amplamente mobilizada, expondo
seu ponto de emergência óssea. O retalho vomeriano pode ser
utilizado para fechamento do forro nasal. Em seguida, é feita
a sutura da mucosa nasal12. Na técnica de Veau modificada,
utilizada no CENTRARE, é realizada a veloplastia intravelar
MÉTODO
Para a realização deste estudo, o projeto foi apreciado e
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da
Baleia (parecer 30/2011).
O cirurgião responsável pelo serviço de cirurgia plástica do CENTRARE, desde 2006, utiliza duas técnicas
cirúrgicas de palatoplastia (Veau modificada e Furlow)
em crianças com fissura palatina. A escolha da técnica
cirúrgica empregada é feita de forma pseudoaleatória,
alternando em cada caso o uso de uma das duas técnicas.
Nessa perspectiva, foi realizado um estudo prospectivo,
no qual se comparou a eficácia dessas técnicas cirúrgicas
quanto aos resultados de fala.
A amostra foi composta por 57 crianças, de ambos os
gêneros, submetidas a palatoplastia primária pelas técnicas de
Veau modificada ou Furlow, realizadas no Serviço de Cirurgia
Plástica do CENTRARE, por um mesmo cirurgião plástico,
experiente nas duas técnicas referidas.
Como critério de inclusão na pesquisa, participaram da
amostra todas as crianças submetidas a palatoplastia primária
a partir de 2006, cujos pais ou responsáveis assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido, obedecendo à resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Foram excluídas as
crianças operadas após os cinco anos de idade ou portadoras
de síndromes associadas. De acordo com estimativa da equipe
do CENTRARE, 120 pacientes eram candidatos a participar
da pesquisa.
As avaliações fonoaudiológicas foram realizadas pela
mesma fonoaudióloga, a qual apresenta cerca de 20 anos de
experiência na área. Essa profissional avaliou as crianças sem
o conhecimento prévio da técnica cirúrgica realizada.
As informações relacionadas ao gênero, à classificação
dos tipos de fissura e à idade na qual a criança foi submetida a palatoplastia foram obtidas por meio de consulta
aos prontuários médico-hospitalares e confirmadas com
os responsáveis. Com base na classificação proposta por
Spina et al.15, as fissuras de palato foram subdivididas em:
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Di Ninno CQMS et al.
Não houve associação (p=0,779) entre a presença de fístula
de palato e a técnica cirúrgica utilizada (Tabela 7).
Quanto à associação entre técnica cirúrgica e a impressão
diagnóstica do mecanismo velofaríngeo, também não foram
observadas diferenças (p=0,211). A maioria das crianças teve
impressão diagnóstica adequada, independente da técnica
cirúrgica (Tabela 8).
No que se refere aos resultados do teste de hipótese
para proporção, nota-se que a ausência de refluxo nasal,
AC e fístula foram achados com diferença, no sentido
de ocorrerem em mais de 50% da amostra estudada. Vale
ressaltar que o gênero masculino, a técnica cirúrgica Veau
modificada e a ausência de hipernasalidade foram achados
com tendência a diferença.
pós-forame incisivo (PF), transforame incisivo unilateral
(TU), transforame incisivo bilateral (TB) e outros (O). Com
relação à idade na época da palatoplastia primária, esta foi
agrupada nas seguintes faixas etárias: até dois anos e acima
de dois anos de idade.
Além disso, os pais foram questionados quanto à presença
ou ausência de refluxo nasal de alimentos durante a deglutição.
Por meio da avaliação perceptivo-auditiva, do teste de
emissão de ar nasal realizado com o uso do espelho de Glatzel
e da inspeção intraoral2,16, avaliou-se a presença ou não de
articulações compensatórias (AC), hipernasalidade, escape de
ar nasal (EAN) e fístula de palato.
De acordo com a proposta de Trindade et al.4, a partir dos
dados coletados, a impressão diagnóstica do mecanismo velofaríngeo das crianças avaliadas foi classificada em:
• adequada: ausência de hipernasalidade, AC, EAN e de
refluxo nasal de alimentos;
• marginal: presença de hipernasalidade, AC, EAN ou
refluxo nasal de alimentos, mas de maneira assistemática
em ambos;
• inadequada: presença sistemática de hipernasalidade,
AC, EAN ou refluxo nasal de alimentos.
Incluímos, ainda, a classificação “inconclusiva”, quando a
criança não colaborou para a avaliação completa ou na ausência
de dados essenciais para a definição da impressão diagnóstica.
A análise estatística foi realizada por meio do teste quiquadrado, com o objetivo de verificar a associação entre a
técnica cirúrgica e as variáveis gênero, tipo de fissura, idade na
palatoplastia, refluxo nasal, AC, hipernasalidade, EAN, fístula
e impressão diagnóstica do mecanismo velofaríngeo. O teste de
hipótese para proporção foi também utilizado com o objetivo de
verificar se cada aspecto avaliado tinha frequência considerável,
ou seja, se ocorria em mais que 50% da amostra. Para ambos
os testes, foi adotado o nível de significância de 5%.
Tabela 1 – Associação entre as técnicas cirúrgicas
e tipo de fissura (p=0,577).
Tipo de fissura
Técnica
Total geral
Pós-forame Transforame
Furlow
10 (47,62%)
11 (52,38%)
21 (100%)
Veau
14 (40,00%)
21 (60,00%)
35 (100%)
Total geral 24 (42,86%)
32 (57,14%)
56 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
Tabela 2 – Associação entre as técnicas cirúrgicas e
idade na palatoplastia (p=0,486).
Idade na palatoplastia
Total
Técnica
12 a 24
+ 25 meses ou
geral
meses
de 25 a 60 meses
Furlow
14 (63,64%)
8 (36,36%)
22 (100%)
Veau
19 (54,29%)
16 (45,71%)
35 (100%)
Total geral 33 (57,89%)
24 (42,11%)
57 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
RESULTADOS
A amostra deste estudo foi composta por 57 crianças,
34 (59,65%) do gênero masculino e 23 (40,35%) do gênero
feminino, sendo que 22 (38,6%) foram submetidas à técnica
cirúrgica de Furlow e 35 (61,4%) à técnica de Veau modificada,
entre um e cinco anos de idade (média de 2 anos ± 11 meses).
Com relação ao tipo de fissura, não houve diferença
(p=0,577) entre as técnicas cirúrgicas adotadas (Tabela 1).
Quanto à idade na palatoplastia, também não houve diferença entre as técnicas cirúrgicas (p=0,486). Observa-se que
a maior parte das crianças foi operada entre 12 e 24 meses,
independente da técnica (Tabela 2).
O refluxo nasal esteve ausente na maioria das crianças,
independente (p=0,598) da técnica cirúrgica (Tabela 3).
Com relação aos resultados de fala das crianças deste
estudo, pode-se observar que não houve diferenças entre as
técnicas utilizadas e a presença de AC (p=0,481), hipernasalidade (p=0,627) e EAN (p=0,068) (Tabelas 4 a 6). No entanto,
para o EAN, o valor de p encontrado indica tendência a associação. Observa-se que, dentre as crianças submetidas à técnica
Furlow, a maioria teve EAN ausente, enquanto que dentre as
crianças submetidas à Veau modificada, a maioria apresentou
EAN presente.
Tabela 3 – Associação entre as técnicas cirúrgicas e
refluxo nasal (p=0,598).
Refluxo nasal
Técnica
Total geral
Ausente
Presente
Furlow
14 (73,68%)
5 (26,32%)
19 (100%)
Veau
22 (66,67%)
11 (33,33%)
33 (100%)
Total geral 36 (69,23%)
16 (30,77%)
52 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
Tabela 4 – Associação entre as técnicas cirúrgicas e
articulação compensatória (p=0,481).
Articulação compensatória
Técnica
Total geral
Ausente
Presente
Furlow
16 (72,73%)
6 (27,27%)
22 (100%)
Veau
21 (63,64%)
12 (36,36%)
33 (100%)
Total geral 37 (67,27%)
18 (32,73%)
55 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
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Resultados de fala após palatoplastia
na literatura estudos comparando especificamente as técnicas
cirúrgicas Veau e Furlow em relação à fala.
No presente estudo, observamos que a maioria das crianças
avaliadas era do gênero masculino, o que corrobora outros
trabalhos envolvendo populações de indivíduos com fissura
labiopalatina1,9,10,13,17-20. Com relação ao tipo de fissura, pode-se
observar que houve predominância da fissura transforame
incisivo, o que também coincide com o tipo de fissura mais
frequentemente encontrado na maioria das pesquisas9,18.
Quanto à variável idade, a maioria das crianças foi
submetida à palatoplastia entre um e dois anos de idade, o
que está dentro da faixa etária recomendada por diversos
autores1,21,22 por ser o período de aquisição de fala. Por outro
lado, observou-se neste estudo que muitas crianças ainda
hoje são operadas fora da idade preconizada pela literatura21,
o que reforça a importância de que crianças nascidas com
fissura de lábio e/ou palato sejam encaminhadas precocemente para centros especializados, a fim de que se submetam
às cirurgias na idade ideal. Esse encaminhamento precoce
também é sugerido por outros autores5,18.
Na maioria das crianças avaliadas, o refluxo nasal esteve
ausente, o que é esperado23, tendo em vista que a palatoplastia
tem como função separar as cavidades oral e nasal, não somente
durante a fala, mas também durante a deglutição.
Grande parte da população do presente estudo não apresentou AC, o que também foi encontrado em outros estudos6,24.
Considerando que parte das crianças deste estudo ainda se
encontrava na fase de desenvolvimento fonológico, a avaliação
foi focada nos fones oclusivos presentes no repertório fonético do momento da avaliação. Por outro lado, ao se avaliar
pacientes com fissura labiopalatina acima de quatro anos de
idade não operados, um estudo realizado em nosso centro
encontrou 72,9% de presença de AC, o que reforça a importância da cirurgia precoce como forma de prevenção de AC22.
Com relação à hipernasalidade, esta também esteve ausente
em grande parte das crianças avaliadas, o que também foi visto
em outras pesquisas.
Quanto ao EAN, houve pouca diferença entre os valores
de presença e ausência, entretanto, a presença EAN foi ligeiramente maior. Esse achado não condiz com outros estudos
da literatura6,24.
A maioria das crianças avaliadas não apresentou fístulas
após a palatoplastia primária, assim como relatado na literatura
pesquisada9,25. Ao comparar as técnicas cirúrgicas Veau modificada e Furlow, pode-se perceber que as crianças operadas com
a técnica Furlow apresentaram número menor de fístulas, o que
não foi encontrado em estudo anterior10 realizado no mesmo
centro, o qual apresentou maior presença de fístula em crianças
operadas pela técnica cirúrgica Veau modificada.
Com relação à impressão diagnóstica do mecanismo
velofaríngeo, a maioria das crianças avaliadas apresentou,
independente da técnica cirúrgica, mecanismo velofaríngeo
adequado, o que condiz com outro estudo6. Esse resultado era
esperado, tendo em vista que as crianças foram operadas em
um centro especializado e por um cirurgião experiente na área.
Ainda que os resultados de fala tenham sido avaliados apenas
clinicamente, o que implica em certo grau de subjetividade, as
pesquisadoras procuraram minimizar esse fato, empregando
uma mesma avaliadora, experiente na área, na análise de todos
os casos e desconhecendo a técnica cirúrgica empregada.
Tabela 5 – Associação entre as técnicas cirúrgica e
hipernasalidade (p=0,627).
Hipernasalidade
Técnica
Total geral
Ausente
Presente
Furlow
14 (63,64%)
8 (36,36%)
22 (100%)
Veau
20 (57,14%)
15 (42,86%)
35 (100%)
Total geral 34 (59,65%)
23 (40,35%)
57 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
Tabela 6 – Associação entre as técnicas cirúrgicas e
escape de ar nasal (p=0,068).
Escape de ar nasal
Técnica Ausente Ausente/
Total geral
Presente
Presente
Furlow 12 (66,67%) 1 (5,56%) 5 (27,78%) 18 (100%)
Veau
9 (32,14%) 2 (7,14%) 17 (60,71%) 28 (100%)
Total geral 21 (45,65%) 3 (6,52%) 22 (47,83%) 46 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
Tabela 7 – Associação entre as técnicas cirúrgicas e
fístula de palato (p=0,779).
Fístula
Técnica
Total geral
Ausente
Presente
Furlow
14 (77,78%)
4 (22,22%)
18 (100%)
Veau
23 (74,19%)
8 (25,81%)
31 (100%)
Total geral 37 (75,51%)
12 (24,49%)
49 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
Tabela 8 – Associação entre impressão diagnóstica
e as técnicas cirúrgicas (p=0,211).
Técnica
Impressão
Total
diagnóstica
geral
Furlow
Veau
Adequada e marginal 17 (43,59%) 22 (56,41%) 39 (100%)
Inadequada
4 (40,00%) 6 (60,00%) 10 (100%)
Inconclusiva
1 (12,50%) 7 (87,50%) 8 (100%)
Teste Qui-quadrado (p≤0,05).
DISCUSSÃO
O presente estudo pretendia avaliar todas as crianças
operadas pelas técnicas cirúrgicas Veau modificada e Furlow,
realizadas no CENTRARE, por um mesmo cirurgião, a partir
de 2006. Entretanto, da população inicial composta por 120
crianças, 57 foram incluídas nesta pesquisa, em função dos
critérios de exclusão adotados e, principalmente, pela dificuldade de estabelecer contato com as demais crianças operadas.
Até o momento, não existe um consenso na literatura com
relação à melhor técnica de palatoplastia, em decorrência dos
vários fatores associados à produção da fala. Embora muitos
estudos demonstrem que técnicas distintas de palatoplastia
podem levar a diferentes resultados de fala6, não encontramos
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Embora não tenha havido diferença entre as técnicas cirúrgicas, os dados demonstram tendência a melhores resultados de
fala com a técnica de Furlow. Tal achado pode ser justificado
por essa técnica propiciar maior alongamento do palato, o que
pode auxiliar no adequado fechamento do mecanismo velofaríngeo, importante para fala.
Apesar dos resultados obtidos terem sido satisfatórios,
acredita-se que poderiam ter sido ainda melhores, se tivéssemos
conseguido avaliar toda a população operada no período estudado. Crianças com fissura de palato isolada e que ficaram com
a fala adequada podem não ter retornado mais ao centro para
reavaliação, em função da ausência de queixas ou necessidade
de complementação do tratamento.
Em vista disso, julgamos necessária a continuidade da
pesquisa, por meio de busca ativa das crianças que não compareceram para avaliação, a fim de se obter resultados mais
fidedignos com a realidade.
Caso se confirme a superioridade de uma das técnicas, esta
poderá ser a técnica de escolha para todos os casos de fissura
palatina operados pelo cirurgião desse centro. Esse procedimento,
no entanto, não poderá ser generalizado para todos os cirurgiões,
tendo em vista que a experiência e a habilidade do cirurgião
com a técnica é fundamental para se atingir um bom resultado.
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CONCLUSÃO
Comparando os resultados obtidos neste estudo, pode-se
observar que não houve diferença entre as técnicas cirúrgicas
Veau modificada e Furlow em relação ao efeito na fala. Porém,
houve tendência a melhores resultados nas crianças submetidas
à técnica cirúrgica de Furlow.
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Horizonte, MG, Brasil.
Artigo recebido: 15/1/2012
Artigo aceito: 19/4/2012
Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(2): 74-8
78
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Resultados de fala após palatoplastia: estudo comparativo