UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC ELENICE ANA KIRCHNER EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL: UM REPENSAR DO AGIR EDUCATIVO Joaçaba 2009 1 ELENICE ANA KIRCHNER EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL: UM REPENSAR DO AGIR EDUCATIVO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação, Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC – Campus de Joaçaba, para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: DR. Roque Strieder Joaçaba 2009 2 Dedico esse trabalho aos meus queridos pais Anúcia e Alois, pelo testemunho de que a vida vale a pena ser vivida com alegria. Ao meu esposo Herton e aos meus filhos Maicol, Débora e Victor, que me ensinaram que o amor é a melhor terapia do universo. 3 AGRADECIMENTOS Ao professor orientador Professor Doutor Roque Strieder, que compartilhou seus conhecimentos, pela interlocução competente, paciência e incentivo. O meu reconhecimento Aos professores e coordenação do curso de mestrado por ter possibilitado experiências significativas nessa trajetória de formação. À Escola Pública Integral Porto Novo pela oportunidade de vivenciar as experiências da escola em tempo integral, onde tive espaço e dados necessários para a realização desse trabalho. Às minhas colegas de trabalho da escola EMEI Creche Elisabeta Rost, a elas que compartilham comigo a tarefa de educar crianças com tanto afeto e amor. À FAI faculdades e coordenação do curso de Pedagogia pela confiança depositada. Às minhas amigas e colegas de viagem, Jandira, Amanda e Cecília, agradeço pela companhia em nossas longas viagens em busca do conhecimento, e pelas nossas conversas, num misto de filosofia e terapia. Aos meus irmãos Círio Luis, Roberto João, Eunice Terezinha, Ângela Heloísa, Elisa Maria, Ester Beatriz e Paulo Eduardo, por tudo que vivemos e aprendemos juntos, muito do que eu sou devo a vocês. Ao meu esposo Herton, que me deu incentivo e apoio constante, agradeço a paciência, a compreensão de minhas ausências e pelo amor compartilhado. Aos meus amados filhos Maicol, Débora e Victor; a vocês que me ensinaram a ser melhor a cada dia, o meu mais profundo desejo de que sejam felizes, de que sejam capazes de irem em busca pela realização de seus sonhos e saibam construir uma vida com dignidade, respeito, amizade, tolerância e amor entre vocês três e os demais que enriquecerão as suas vidas. Aos meus pais Anúcia e Alois Kirchner pelo testemunho de que o amor e a felicidade existem. Agradeço a Deus que me ilumina com sua luz pelos caminhos da educação e do amor. A todas e todos que fizeram e fazem parte da minha história e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. 4 RESUMO A presente pesquisa tem o seu foco na Educação Integral da Escola em Tempo Integral “Porto Novo” da cidade de Itapiranga- SC, na possibilidade de constituir-se em alternativa para melhorar a qualidade da educação na escola pública. Tem como objetivo verificar para conhecer e entender as propostas educacionais implantadas na escola de ensino fundamental, com jornada ampliada, escola em tempo integral; pesquisar a forma de organização da escola com uma proposta educacional diferenciada e as mudanças necessárias. Investigar e verificar se esse modelo diferenciado de escola pode ser uma alternativa de qualidade na consecução do processo de educação de crianças. Várias abordagens teóricas apresentadas têm sido discutidas e por educadores e estudiosos, como forma de oferecer alternativas para problemas educacionais. Dentre várias alternativas, a ampliação do tempo de permanência da criança na escola. Inicialmente foram abordadas algumas das Fragilidades Educacionais, destacando os problemas que afetam a humanidade no momento atual. Apresento algumas considerações sobre Escola em tempo integral, como possibilidade de aumento de oportunidades educacionais, destacando a Educação Integral na perspectiva de desenvolvimento pleno que desenvolva todas as potencialidades da pessoa humana. Em seguida, apresento as novas bases teóricas sobre e para a educação. Destacam-se as teorias de auto-organização e a concepção sistêmica cujas implicações podem favorecer a concretização de atitudes transdiciplinares e, então, quem sabe, servirem de esteio para um processo educacional em escolas de tempo integral. A pesquisa tendo como base o estudo de caso trouxe contribuições relevantes para compreender essa forma de organizar a educação. As entrevistas realizadas com gestor, professores, alunos, pai e mãe deram suporte para dialogar com autores e revelar limites e possibilidades da escola em tempo integral. Foi possível constatar que a integração da escola com a comunidade foi determinante na implantação e consolidação do projeto. E que a escola em tempo integral cria condições de maior convivência entre as pessoas, oportuniza a adoção de atitudes mais humanas. Muitos são os desafios apresentados, mas, o projeto de escola em tempo integral pode ser uma alternativa efetiva no complexo compromisso com o processo de formação de pessoas. Palavras-chave: Educação integral. Escola de Tempo Integral. Formação Humana. Dimensões políticas e pedagógicas. 5 ABSTRACT To present research has focus in the Integral Education of the School in Integral Time “Porto Novo” of the city of Itapiranga - SC, in the possibility of constituting as alternative to improve the quality of the education in the public school. It has as objective verifies to know and to understand the education proposals implanted at the school of fundamental teaching, with enlarged day, school in integral time; to research the form of organization of the school with a differentiated education proposal and the necessary changes. To investigate and to verify that differentiated model of school can be a quality alternative in the attainment of the process of children's education. Several theoretical approaches have been discussed by educators and studious, as form of offering alternatives for education problems. Among several alternatives, the enlargement of the time of the child's permanence in the school. Initially some of the Education Fragilities were approached and outstanding the problems that affect the humanity in the current moment. Some considerations on School in Integral Time were presented, as possibility of increase of education opportunities, detaching the Integral Education in the perspective of the whole development that develops all of the human person's potentialities. Soon afterwards, the new theoretical bases on and for the education were still presented. They stand out the solemnity-organization theories and the systemically conception whose implications can favor the materialization of transdisciplinary actions and, then, to serve as shore for an education process in Schools of Integral Time. The research has as base the case study that brought relevant contributions to understand that form of organizing the education. The interviews accomplished with manager, teachers, students, parents gave support to dialogue with authors and to reveal limits and possibilities of the School in Integral Time. It was possible to verify that the integration of the school with the community was decisive in the implantation and consolidation of the project and that the school in integral time creates conditions of larger coexistence among the people, favors the adoption of more human attitudes. Many are the presented challenges, but, the school project in integral time can be an effective alternative in the compound commitment with the process of people's formation. Key-words: integral Education. School of Integral Time. Human formation. Political and pedagogic dimensions. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1: Tabela dos profissionais da escola ..........................................................................49 Quadro 2: Tabela dos pais ........................................................................................................49 Quadro 3: Tabela de alunos ......................................................................................................49 Mapa 1: Mapa de Santa Catarina. Em destaque o município de Itapiranga.............................51 Mapa 2: Vista aérea da cidade de Itapiranga............................................................................52 Foto 1: Imagem da balsa no Rio Uruguai, no período da colonização do distrito “Porto Novo”, nos anos de 1926 ......................................................................................................................55 Foto 2: Público presente no 1º Seminário Regional de Educação Integral, realizado dia 1º de dezembro de 2007.....................................................................................................................58 Foto 3: Senador Cristóvan Buarque durante o 1º Seminário Regional de Educação Integral. Realizado dia 1º de dezembro de 2007.....................................................................................59 Foto 4: Almoço no pátio, ambiente aberto. Ano de 2005.........................................................68 Foto 5: Servindo o almoço em local improvisado.Ano de 2005 ..............................................69 Foto 6: Servindo almoço no refeitório, ambiente planejado. Ano de 2009..............................70 Foto 7: Refeições realizadas no refeitório, espaço planejado e organizado. Ano de 2009 ......70 Foto 8: Escovação de dentes em local adaptado. Ano de 2005................................................71 Foto 9: Escovação dos dentes: A mudança do ambiente. Ano de 2009 ...................................71 Foto 10: Espaços explorados pelas crianças. Ano 2006...........................................................73 Foto 11: Obras de reforma e ampliação em 2008.....................................................................83 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8 2 FRAGILIDADES EDUCACIONAIS ................................................................................17 2.1 O CONTEXTO ATUAL ....................................................................................................17 2.2 O CONTEXTO EDUCACIONAL.....................................................................................19 2.2.1 O que é Educar? ............................................................................................................22 2.3 ESCOLAS EM TEMPO INTEGRAL: UM CAMINHO POSSÍVEL ...............................25 2.3.1 Escola Pública Integrada - Educação em Tempo Integral no Estado de Santa Catarina...................................................................................................................................29 3 EDUCAR PARA A PLENITUDE DA VIDA...................................................................33 3.1 A EDUCAÇÃO INTEGRAL..............................................................................................33 3.2 O PROCESSO DE VIVER ................................................................................................35 3.3 AUTO-ORGANIZAÇÃO DA VIDA, AUTOPOIÉSE ......................................................37 3.4 ESCOLA COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA E DE FORMAÇÃO HUMANA........40 3.5 TRANSDISCIPLINARIDADE: UM OUTRO JEITO DE CAMINHAR..........................44 4 DESCRIÇÃO METODOLÓGICA, PROCEDIMENTOS DE COLETA E DISCUSSÃO DE DADOS OBTIDOS ..................................................................................46 4.1 DEFINIÇÃO DA AMOSTRA ...........................................................................................48 4.2 PESQUISA – PROCEDIMENTOS DE COLETA ............................................................50 4.3 CONHECENDO A ESCOLA PESQUISADA: ESCOLA PORTO NOVO ......................51 4.3.1 Histórico da escola (Tendo como referência o site da Escola, www.epiportonovo.com.br) ...................................................................................................53 4.4 REFLETINDO COM OS ENTREVISTADOS .............................................................59 4.4.1 A escola em tempo integral na concepção da comunidade escolar ...........................60 4.4.2 A Escola em Tempo Integral e a formação humana (relações de convivência).......74 4.4.3 As dificuldades de consolidação ...................................................................................81 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................88 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................94 ANEXO 01 – COMISSÃO DE EDUCAÇÃO BASICA ......................................................99 ANEXO 02 – MATRIZ EPI – 1ª A 4ª SÉRIE ....................................................................100 ANEXO 03 – MATRIZ EPI – 5ª A 8ª SÉRIE ....................................................................101 ANEXO 04 – EPI – 119 ESCOLAS (04/12/2006) ..............................................................102 8 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa é resultado de muitas reflexões, leituras e vivências ocorridas em vinte anos de magistério, onde muitas evidências me reportam a minha infância. Essas vivências que constituíram o meu ser. Tudo teve início em São João do Oeste/SC, cidade onde fui concebida, após terem já nascido dois irmãos e três irmãs, sendo que os cinco primeiros vieram um em cada ano após o casamento, e eu fui concebida após um bom intervalo, minha irmã mais nova já estava para completar três anos. Meu pai, um empresário pequeno, mas com grandes ideias, percebeu que em Itapiranga haveria grandes oportunidades de sua empresa ter maiores possibilidades de crescer. Naquela época São João, hoje Município de São João do Oeste pertencia ao município de Itapiranga e meu pai conseguiu trocar sua residência, por outra, em Itapiranga. Em fevereiro de 1970 aconteceu a mudança de cidade, com a instalação de sua empresa de eletroeletrônicos, na sede do município de Itapiranga. Os rádios e as primeiras televisões do município foram instalados pela sua empresa e foi em Itapiranga que nasci. Um ano depois, nasceu mais uma irmã; já estávamos nesse momento entre sete irmãos. Tive uma infância com muita liberdade para brincar, correr, inventar, pular, construir. Espaço é o que nunca faltou, brincávamos com irmãos o dia todo. Meu pai e minha mãe trabalhavam o dia todo na empresa, os irmãos mais velhos cuidavam dos mais novos. Aos quatro anos, em 1974, iniciei no jardim de infância São Vicente, em Itapiranga, que era de responsabilidade das irmãs da Divina Providência. Lembro das histórias de fantoches. Naquela época ficou evidenciado que temos que aprender como as professoras nos ensinam e que do outro jeito está errado. Lembro que a professora foi ensinar o número 5 e eu falei que sabia; ela então pediu que eu fosse até o quadro escrever, mas a minha grafia não era a mesma da professora, então estava errado. O grande momento da minha vida escolar, aguardado com grande expectativa, foi o ingresso ao ensino fundamental, na Escola São Vicente, na época a única da cidade. Eu estava com quase sete anos; chegou a hora tão almejada, pois meus cinco irmãos mais velhos falavam muito da escola e isso aumentava ainda mais a minha curiosidade. Minhas irmãs orientavam que devia ficar bem quieta na sala e ser bem comportada, (esse comportada era não se mexer, não falar com os colegas e não olhar para trás), pois assim a professora iria gostar de mim. A sala de aula era divida por colunas, desde os “mais” até a coluna dos 9 “menos” inteligentes. O livro era fechado por um clips, somente a professora abria a próxima página. Minhas irmãs incentivavam quanto ao fazer os temas e com os cuidados com o material. Em nossa casa, à noite, meu pai colocava os sete filhos no colo e contava histórias, isso era muito bom. Na época eu brincava de professora, tinha um local e dava aula para as crianças que moravam próximo de casa. Tinha muita vontade de ter os livros da escola em casa, para aperfeiçoar a minha tarefa de professora doméstica. Os anos finais do ensino fundamental foram marcados pelo ensino por meio da decoreba e disciplinas dissociadas de nossa vida. Algumas vezes desafiava os professores quando faziam atividades que não considerava importantes. Ingressei no segundo grau na escola CIDI-FUNEI, no curso de magistério. Uma escola particular, mantida pelos irmãos da Sagrada Família, sediada na cidade de Itapiranga. Era a única possibilidade no município de frequentar o segundo grau. Para o ingresso se fazia necessário um teste seletivo, a procura era maior que a oferta, diziam que assim selecionavam somente os “bons” alunos. Minhas irmãs fizeram o curso de magistério e eu segui o conselho, ou fazia o magistério ou técnico em contabilidade. A orientação era que se não quisesse seguir a profissão, esse curso ajudava para sermos boas mães. E como sempre gostava de brincar de ser professora, quem sabe seria a profissionalização de minhas brincadeiras. Antes de terminar o segundo grau iniciei minha vida profissional como educadora. Em 1987, com 17 anos, atuando como professora de 2ª série do ensino fundamental (como atualmente é chamado) por um pequeno período, somente substituindo uma professora afastada por problemas de saúde, na turma em que posteriormente fiz meu estágio. Nesse período estava concluindo o curso de magistério, que, para a época, era a formação exigida para a atuação nesse nível de ensino, não sendo exigida a formação de nível superior. Lembro que não havia nenhuma professora com formação de nível superior que atuava de 1ª a 4ª série, bem como nem se falava que isso seria algo importante. Minha turma de magistério foi marcante, pois fazíamos protestos quando os professores eram ditadores, revolucionamos as horas culturais/cívicas, inventávamos paródias contestando algumas atitudes da direção. Nas aulas de didática eram ensinadas algumas técnicas, como apagar o quadro pedagogicamente, bem como a grafia ou o desenhar correto de escrever cada letra. Era atribuído grande valor a disciplina, que cinquenta por cento de uma aula bem encaminhada era entrar com os alunos para a sala em fila e em silêncio. O restante ficava a critério de nossa imaginação, comecei a ministrar minhas aulas, lembrando e executando de tal forma como os professores fizeram comigo enquanto eu fui aluna. 10 Esse rigor da escola, presente no município de Itapiranga, bem como a ideia de que a disciplina era fator primordial no trabalho do professor, tem raízes na colonização do município. Entre inúmeras colonizações organizadas, implantadas no oeste de Santa Catarina a do município de Itapiranga constituiu-se na mais coercitiva, repressiva e fechada. Não se reconhecia a humanidade dos denominados bugres e caboclos (tidos como irremediavelmente inferiores) (EIDT, 1999) Nesse período de colonização foram criadas também as escolas, “a escola paroquial e comunitária foi inspirada no modelo autoritário e confessional das escolas paroquiais do Rio Grande do Sul e, anteriormente, da Alemanha” (EIDT, 1999, p.10). “A igreja recrutou os depurados, deslocando-os para os rincões de Santa Catarina. Usando o pretexto de que as autoridades eram, sobretudo, insensíveis, relapsas e negligentes no trato da questão social” (EIDT, 1999, p.18). Isso ocorreu porque “os Jesuítas temiam, na verdade, a perda, a indisciplina e a conseqüente decadência dos valores impostos em virtude da imigração alemã no Rio Grande do Sul, no século XIX”. Para manter a ordem estabelecida pela igreja, o professor precisava seguir alguns critérios como cita Eidt: A função do professor, vista como vocação e sacerdócio, foi decisiva para imposição de um conjunto de crenças e códigos absolutistas que a perpetuavam de um modelo de vida grupal e normativo. Esse modelo pretendia, na verdade, corrigir debilidades e deficiências verificadas nas regiões de origem dos imigrantes. [...] Em todas as comunidades rurais foram fundadas escolas, especialmente por motivo religioso. Com uma estrutura técnico-pedagógica deficiente, o currículo limitava-se a leitura, escrita, cálculos e sessões diárias de catecismo e aulas de religião (EIDT, 1999, p. 11). Mesmo após a estadualização do ensino, em 1938, a igreja e a comunidade escolar interferiam na nomeação de professores a fim de que fossem pessoas fieis a sua missão, honestas e tivessem retidão de caráter. A escola seguia a ordem da igreja, pautada nos princípios da espiritualidade, disciplina rígida, obediência cega, condenação do mundo moderno. “A ação pedagógica era severa e rígida a fim de encaminhar e manter os educandos na verdade e no bem.” (Idem, p.27) “Os comportamentos “desviantes” eram severamente punidos e repreendidos (quase sempre com a concordância dos pais). O castigo físico justificava-se quando o objetivo era conduzir o “desviante” à “normalidade”.” (Ibidem, p. 28). 11 O objetivo da educação, nesse período, era enquadrar o educando na estrutura social arcaica, que zelava primordialmente por uma vida pós-morte, antagonizando ostensivamente a liberdade de pensar e interpretar o mundo. Muitas vezes, os professores eram recrutados entre os moradores da comunidade, por aqueles que se destacavam pelo elevado espírito comunitário, bem como os que propagavam a língua alemã, pois o professor, nesse período deveria ser bilíngue. Todas essas considerações feitas em relação a esse período caracterizam a formação da grande maioria dos professores que atuam ainda hoje no município. Meus professores e eu mesma fomos educados nesses princípios. No ano seguinte, em 1988, fiquei a disposição dos professores, atuando como substituta em uma escola estadual, em todas as séries (pré-escola a 8ª série do ensino fundamental) e com todas as disciplinas. Para fazer isso, não deixava nenhum aluno fazer perguntas, somente cópia de conteúdo do quadro, pois não sabia sobre a matéria e essa foi a alternativa para que ninguém percebesse essa limitação. Em 1989, iniciei a carreira na rede municipal de ensino de Itapiranga, como coordenadora de uma escola de educação infantil, CEBEM (Centro de Bem Estar do Menor). Nela eram desenvolvidos projetos com crianças carentes em idade escolar (reforço escolar, atividades artísticas e de esportes, culinária artesanato, música, dança), também chamado de contraturno. Eu era a única professora da escola, havia três turmas em cada período, matutino e vespertino, e para cada turma era contratada uma estagiária, estudante do ensino médio (magistério). Minha função era de organizar os planejamentos de cada turma, uma de jardim de infância (três e quatro anos), outra de pré-escolar (cinco e seis anos) e a outra com alunos que frequentavam um período a escola de primeiro grau em diferentes séries, e no outro período estavam nessa turma. Atendíamos crianças de três a quatorze anos. Muitas eram as atividades que organizávamos, pois tínhamos o desafio de fazer algo que motivasse as crianças a frequentar esse Centro; os pais das crianças, na grande maioria, estavam trabalhando como operários em uma empresa de abate de aves e suínos, localizada no bairro. Minha primeira experiência, como professora efetiva na rede municipal de Educação de Itapiranga, foi numa escola com algumas características de escola com tempo ampliado. As características dessa escola referiam-se muito mais como contraturno, pois as atividades não eram integradas. Em um período as crianças frequentavam a escola em outro espaço, e no outro período vinham nesse centro. Passados alguns anos, passei a exercer a função de diretora na escola de educação 12 infantil São Vicente, no centro da cidade de Itapiranga, escola na qual frequentei a educação infantil. Mesmo exercendo a função de diretora, iniciei minha licenciatura de pedagogia, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas, na cidade de Palmas, localizada no sudoeste do estado do Paraná. Uma cidade localizada na divisa do Paraná e Santa Catarina, e com regime especial de aulas. Para muitos que fomos estudar lá, era nossa possibilidade mais viável, pois não havia muitos cursos disponíveis na região. Ficávamos lá durante uma semana inteira por mês, com aulas intensivas, sendo que tínhamos sete semanas de aula por semestre. Em 1997, por mudanças político-partidárias no município fui substituída da direção da escola. As questões políticas prevaleciam sobre as questões educacionais. Então passei a atuar em sala de aula nesta mesma escola, com turma de pré-escola. Foi um período em que eu já estava com a metade do curso de pedagogia frequentado, e assim podia colocar as teorias aprendidas em prática, pois o curso contribuiu muito para minha atuação como educadora. O estágio, uma exigência do curso, foi realizado com alunas do magistério, turmas do 2º e 3º anos, na Escola Estadual São Vicente de Itapiranga, em forma de curso de aperfeiçoamento, realizado durante uma semana no período de aula da turma, com o projeto “O lúdico na Aprendizagem”. O curso de pedagogia habilitava para as séries iniciais e para as disciplinas pedagógicas do segundo grau, por isso essa opção de estágio. Ao concluir o estágio fui convidada para atuar como professora do curso de magistério. Atuei nas disciplinas de Didática da alfabetização e Didática de artes, no segundo e terceiro ano das turmas de magistério, da Escola Estadual São Vicente. Em 1999, no retorno de minha licença gestante, por sugestão da secretaria municipal de educação, tive a oportunidade de trabalhar como professora na Creche Elisabeta Rost, com crianças de um e dois anos. No ano de 2000 mudei de cidade, passando a residir em Florianópolis. Trabalhei, primeiramente, em uma escola municipal, “Gentil Mathias da Silva”, no bairro Ingleses, onde residia. Trabalhei com turmas de 3ª e 4ª séries, sendo um período de grande aprendizado. Precisava me adaptar ao novo local, conhecer as pessoas com as quais estava trabalhando, tentar conhecer as propostas da escola e da rede municipal. Um bairro com 60 mil habitantes, com um grande crescimento populacional, atraídos pela beleza natural do local, bem como as oportunidades de trabalho. A comunidade passou a ser constituída por pessoas de diversas regiões do país e a busca pelas melhores condições financeiras ficavam bem evidenciadas. Em 2002 efetivei-me na rede estadual, na Escola Intendente José Fernandes, no mesmo bairro, como professora da área um (1ª a 4ª série). Atuei como professora 13 alfabetizadora. Tive que buscar alternativas para conseguir alfabetizar os alunos das minhas duas turmas, pois além de turmas grandes (35 alunos cada turma), faltava espaço físico, material didático, e não havia apoio pedagógico. Cada professor trabalhava isolado em sua sala, parecíamos pequenas ilhas. Em 2003 fui nomeada diretora dessa escola. Esse foi um grande desafio, pois a escola atendia 2.500 alunos e com um quadro de aproximadamente 100 professores, que atendia alunos do ensino fundamental e médio. Uma escola grande com muitos problemas. Tive a oportunidade de trabalhar com pessoas de todas as áreas, profissionais de culturas diferentes umas das outras. Professores oriundos de diversas regiões do país. A escola recebia quase todos os dias transferências de alunos e mesmo professores chegavam para se efetivar e preencher as vagas ofertadas. Uma das grandes dificuldades se deu pela formação e a articulação do conjunto de educadores, foi um dos grandes aprendizados na minha vida profissional. Não havia trabalhado com professores das áreas de disciplinas específicas de ensino que constituem a educação básica. Conhecer as áreas e poder articular os trabalhos administrativos com os pedagógicos desafiaram-me na busca de conhecê-las um pouco mais, fazer a tentativa de uma gestão democrática, envolvendo todas as áreas e os profissionais para a participação das decisões e projetos da escola. Uma realidade bem diversa, onde os problemas e a falta de comprometimento dos profissionais da educação fora marcante. Em 2005 retornei a minha cidade natal, Itapiranga, assumindo a direção de uma creche municipal onde estou até o momento. Nesse ano, a Escola Porto Novo, uma escola da rede estadual do município de Itapiranga iniciou as atividades com um modelo diferenciado de organização escolar. Foi implantada a Escola Pública Integrada – EPI, denominada Escola de Educação em Tempo Integral. Essa escola, por estar com um número reduzido de alunos envolveu-se na discussão do projeto que o estado de Santa Catarina estava lançando. O Projeto consistia numa proposta de ampliar o tempo de permanência do aluno na escola. “O Projeto de Escola em Tempo Integral é o resultado de toda uma caminhada, um planejamento coletivo, um anseio da comunidade, que percebeu nesse projeto uma alternativa a mais para uma educação integral e de qualidade para as nossas crianças” (retirado do site da escola: www.epiportonovo.com.br; acesso em março de 2009). As atividades do projeto iniciaram em 2005 com 1ª e 2ª séries do ensino fundamental, num total de 64 alunos. No ano de 2006, continuou gradativamente, ampliando as séries. Atualmente, o projeto atende alunos de 1ª a 7ª séries em período integral. O número total de alunos atendidos em 2009 é de 180 alunos. A adesão ao projeto aconteceu por necessidade de ampliar o número de matrículas. Essa é uma citação do gestor em suas falas em reuniões de 14 pais, em que estive presente, bem como em registros nos meios de comunicação do município. Para o gestor da escola, o número reduzido de matrículas, tendo um déficit nas turmas iniciais do ensino fundamental, com 6 alunos na 1ª série e 8 alunos na segunda série, foi um dos motivos para implantar o projeto.“Se continuasse uma escola normal, essa escola estava no caminho para fechar. Mesmo sendo uma escola referência em gestão, isso não refletiu em procura de matrículas”. O prêmio de referência em gestão escolar, conforme o diretor, “destacou-se com essa conquista, deu credibilidade à escola para ser contemplada com o projeto escola em tempo integral. Gestão referência foi importante para escola”. Outro aspecto destacado pelo gestor como motivo para implantação do projeto foi a vontade de inovar, fazer uma escola diferente. “Quando ouvi o então secretário da Educação do Estado de Santa Catarina, Jacó Anderle, sonhar com a escola ideal, fiquei encantado. Conseguimos motivar o grupo de professores a implantar o novo modelo de escola que reverteria essa realidade”. É Importante destacar que os conceitos e princípios norteadores que embasam o projeto, segundo documento lançado pela equipe técnica da Secretaria de Estado da Educação, são fruto de discussões entre a equipe técnica da secretaria, gestores escolares e profissionais da área da educação envolvidos pelo interesse no projeto. Esse documento destaca alguns princípios a serem adotados para a implantação das EPIs. Dentre outros, destacam-se o respeito à diversidade de cada Projeto Pedagógico das escolas, e para a necessidade de se respeitar as formas de organização e operacionalização que emergirão da comunidade escolar, que devem estar em sintonia com as políticas educacionais mais amplas do estado de Santa Catarina. Sempre busquei explicações e ou caminhos para melhorar minha prática, tanto como gestora, quanto como professora. Encontrei grandes desafios, procurando alternativas, sendo que a busca se tornou fundamental. Vivi nesses anos todos, as experiências na certeza de que o conhecimento nunca está pronto. A certeza atrelada à convicção de ser possível construir e reconstruir me conduziu ao ingresso no programa de mestrado em educação para estudar mais e buscar alternativas, enquanto ser humano e enquanto ser profissional. Em 2007 iniciei as aulas no programa de Mestrado em Educação, na Unoesc, Campus de Joaçaba. Enquanto estudava disciplinas obrigatórias, bem com as disciplinas optativas, na de linha de processos educativos, iniciei o projeto de pesquisa, tendo como foco a escola em tempo integral. 15 Pesquisar a forma de organização da escola em tempo integral, com uma proposta educacional diferenciada, instigou e instiga a minha curiosidade. Investigar, para conhecer e entender um projeto que propõe profundas mudanças. Mudanças também nas relações de espaço e de tempo escolar. Importa também investigar e verificar se esse modelo diferenciado de escola pode ser uma alternativa de qualidade na consecução do processo de educação de crianças. Muitas indagações paralelizam com as apresentadas, porém especificamente, nessa pesquisa, pretendo investigar, conhecer e entender as que seguem: o que mudou na escola com a implantação do projeto escola em tempo integral? Essa forma de organização escolar consegue atender aos conceitos básicos da educação integral? Como é no imaginário desses professores, uma escola que trabalha a educação integral em tempo integral? Qual a diferença da escola em tempo integral das outras escolas? O que mudou, na prática, o que estão fazendo de diferente? Como e o que os pais dos alunos têm a dizer sobre essa modalidade de educação? O que pensam eles? Quais as razões que os levaram a matricular os seus filhos nessa escola? Levando em consideração que não existe zoneamento1, os pais têm a liberdade de matricular seus filhos na escola de sua preferência. Várias abordagens têm sido discutidas e apresentadas por educadores e estudiosos, buscando oferecer alternativas para problemas educacionais. Alguns caminhos apresentados, dentre eles a ampliação da permanência da criança na escola. Nesse sentido, os objetivos da pesquisa foram verificar para conhecer e entender as propostas educacionais implantadas na escola de ensino fundamental, com jornada ampliada - Tempo Integral; identificar os avanços que ocorreram com a implantação do projeto na escola em tempo integral; Refletir sobre as concepções de educação integral e de tempo integral presentes em referenciais específicos e também expressos pelo corpo docente, gestores, pais e alunos. Investigar a organização desse modelo de escola, e verificar se, efetivamente, esse projeto sinaliza alternativas educacionais. O presente estudo foi organizado em três capítulos, assim construídos: no primeiro capítulo apresento um pouco da Fragilidade Educacional, abordando problemas que afetam a humanidade, no momento atual. Nesse mesmo capítulo, faço algumas considerações sobre Escola em tempo Integral, e a Educação Integral. No segundo capítulo, Foram abordadas as bases teóricas sobre e para a educação, com destaque às teorias de auto-organização e a concepção sistêmica cujas implicações podem favorecer a concretização de atitudes 1 Zoneamento escolar foi uma prática que existiu no período de fundação da Escola Porto Novo, para direcionar as matrículas, cada família podia fazê-la no bairro em que residia, não sendo permitida a opção pela escola de preferência. 16 transdisciplinares e então, quem sabe, servirem de esteio para um processo educacional em escolas em tempo integral. No terceiro capítulo, a pesquisa de campo, com apresentação e descrição metodológica, caracterização da escola estudada, seleção de amostra, apresentação dos dados, sua discussão e interpretação reflexiva. E, no último capítulo, faço as considerações finais. 17 2 FRAGILIDADES EDUCACIONAIS 2.1 O CONTEXTO ATUAL As últimas duas décadas do século XX registram um estado profundo de crise mundial. Capra (1982) afirma que essa crise é complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais, pode ser considerada uma ameaça de extinção da espécie humana e de toda a vida do planeta. Percebe-se que muitas foram as mudanças ocorridas em função dessa crise. Na sociedade chamada do conhecimento e da comunicação, cria-se cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas. Boff (2000) alerta que a internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar com ninguém. O mundo virtual criou uma nova forma de viver para o ser humano, caracterizado pelo fechamento em si mesmo. Uma realidade que afeta a vida humana naquilo que possui de mais fundamental, o contato humano. Essa sociedade do conhecimento e da comunicação ameaça a essência humana. Para Assmann (1998), a profundidade e a rapidez com que as tecnologias da informação e da comunicação transformam aspectos da vida cotidiana, são tão grandes que, ao longo de toda evolução da espécie humana, nunca houve mutações tão profundas e rápidas. Estamos num mundo que funciona em rede. “Redes de intercâmbios, de cooperações e empréstimos, mas também redes de desigualdades, de intolerâncias e violências”, conforme Moraes (2003, p. 21). O mundo da globalização vem afetando profundamente nossas vidas, as formas de viver e conviver, os padrões de fazer e ser. O mundo globalizado vem construindo uma nova realidade, mediante a troca de produtos, serviços, tecnologias, como também de drogas, movimentos migratórios, violência e desemprego. Porém, Moraes (2003) alerta que em termos de solidariedade muito pouco se intercambia. Um fenômeno irreversível, sendo impossível retroceder. Não há como voltar atrás no tempo e começar tudo de novo, optando por uma nova direção. Estamos ameaçados pela poluição atmosférica e pela super população. A tecnologia industrial tem contribuído para uma grave deterioração do meio ambiente natural. A saúde é 18 ameaçada pela água e pelos alimentos contaminados por uma grande variedade de produtos químicos tóxicos. Para Capra (1982), a deterioração de nosso meio ambiente natural tem sido acompanhada de um correspondente aumento nos problemas de saúde dos indivíduos. Nos países de terceiro mundo, as doenças nutricionais e infecciosas são a grande causa de morte. Os países industrializados são flagelados pelas doenças crônicas e degenerativas e, percebe-se que, cada vez mais, a situação tende a se agravar. Em meio a tantos avanços tecnológicos, os problemas de ordem social estão mais graves. Será que a sociedade atual está preocupada com a vida? Nessa sociedade há lugar onde caibam todos? Rolf Behncke (1995 apud MATURANA; VARELA) reflete sobre a profundidade dessa nossa incapacidade de conviver com os outros. Afirma que a humanidade, apesar de ter conquistado todos os ambientes da Terra, pode estar chegando ao fim, pois a civilização se vê diante do risco real de extinção. Motivo? Só porque o ser humano ainda não conseguiu conquistar a si mesmo. Para Behncke, a incompreensão dos seres humanos entre si, ameaça não só a vida humana no planeta, mas, principalmente, a vida interior, a confiança básica recíproca, que é o suporte fundamental do viver social. Nesse sentido questiona: no que os economistas, os políticos, os educadores sociais, os meios de comunicação, os meios de informação estão empregando seu tempo? Como fazer para que os seres humanos se sintam inseridos e não vítimas da insensibilidade social e ética que comportam as lógicas de exclusão predominantes no cenário histórico? Qual a contribuição da educação para esse cenário? Na sociedade do conhecimento, como educar? Como aprender? Sabe-se que a existência de um mundo e de uma sociedade em rede apresenta importantes consequências para a educação. Mas o problema maior, como discutido por Moraes (2003) é que os professores não estão devidamente capacitados para trabalharem neste mundo enredado e globalizado. Na realidade precisamos aprender a viver/conviver com a mudança, com as diferenças, com a diversidade e a pluralidade, pois, como humanidade, estamos desterritorializados e necessitamos aprender a conviver com outras etnias, com diferentes costumes e valores. Como fazer? O que fazer? Qual é o papel da escola e do professorado neste novo contexto de perplexidade e mudança? Como aprender a viver/conviver com a diferença? Como desenvolver uma inteligência coletiva e não apenas individual? Como aprender a respeitar as exigências de sustentabilidade ecológica e os valores de dignidade humana? (MORAES, 2003, p. 22). 19 Apesar de reconhecermos essa realidade, ficamos sem saber que atitude tomar para que possamos melhor compreender a potencialidade desta época. Na realidade não existe fórmula, mas sabemos precisar um equilíbrio emocional que ajude a encontrar novas soluções aos problemas. Para Moraes (2003, p. 53), “Somos nós que, apegados aos nossos valores, à nossa forma fragmentada e preconceituosa de pensar o mundo e a vida, remamos contra a correnteza da vida, dificultando a evolução e a expressão de seus ciclos naturais.” 2.2 O CONTEXTO EDUCACIONAL Para Moraes (2003, p. 53), “A gravidade da problemática atual é que a escola tem se apresentado como uma estrutura fechada em si mesma, aprisionada em seus próprios muros e muito pouco dialógica em relação à realidade e ao contexto do mundo onde está inserida”. Se as mudanças ocorridas na sociedade, não mudarem a estrutura fechada em que as escolas ainda se encontram, têm que começar a pensar na possibilidade de interação da escola com a realidade. Sabe-se que muitos são os problemas, tradicionais e novos, apresentados pelas escolas, apesar das tantas mudanças que houve mundo afora. É momento de perceber que estamos em uma sociedade do conhecimento e da comunicação, e que novos caminhos podem desenvolver, ao mesmo tempo, talentos para a ciência e para tecnologia, como também talentos para a paz, a solidariedade e a tolerância. Essa possibilidade de compreensão, como enfatiza Moraes (2003), requer o desenvolvimento de uma atitude criativa e positiva diante da vida. Para reverter a situação em que nos encontramos, com prevalência do desemprego, da intolerância, da fragmentação destrutiva dos saberes, da insustentabilidade ecológica e da obsolescência de nossas instituições educacionais, é desafio de grande amplitude. Porém, é impossível para a escola, que não interage com seu meio, acompanhar a rapidez das transformações que ocorrem no mundo e na vida. São diversos os problemas resultantes da organização educacional, tais como a fragmentação do conhecimento, o individualismo, a competição, dificuldades de aprender e a desvalorização do educador. Assmann (1998) afirma ser desolador o panorama educacional brasileiro, principalmente, na escola pública no ensino fundamental e médio. “A luta pela revalorização e redignificação, salarial e profissional, dos docentes adquiriu tal prioridade que muitos já 20 nem se lembram de ancorá-la também no reencantamento do cerne pedagógico da experiência educacional.” (ASSMANN, 1998, p. 23). A provocação é sentido de que as reivindicações dos professores devem, também, estar ancoradas em propostas pedagógicas, priorizando a melhoria da qualidade pedagógica e socializadora dos processos de aprendizagem. Além das dificuldades de ensinar e aprender, agressões, humilhações e ausência de limites, estão presentes no cotidiano da escola. Existe uma situação de medo, uma percepção de que as relações humanas estão cada vez mais desrespeitosas. Nesse sentido, faz-se necessário desenvolver a capacidade de resolver conflitos coletivamente, pautados no respeito e princípios discutidos pela comunidade. O importante é a retomada de alguns princípios, não somente impor e cobrar regras, como enfatiza o psicólogo Yves de La Taile (2009). Para ele, a escola deve investir em formação ética no convívio entre alunos, professores e funcionários. A escola deve transformar-se em espaço de convivência, de respeito e de relações humanas. Um espaço que possa contribuir para a responsabilidade dos atos e a responsabilidade pelas escolhas. Uma das grandes fragilidades da educação escolar tem a ver com as formas relacionais. Temos dificuldade de manter um ambiente de convivência saudável entre os próprios professores. Se os adultos, com experiência, conhecimento, não conseguem se relacionar de forma aceitável, como e o que podemos fazer? O que fazer para que o respeito, a ajuda mútua, o afeto, a humildade e a dignidade sejam valores vivenciados nos espaços escolares? No reverso, o contexto mundial, em crise, exige de nós, conforme Moraes (2003) que saibamos aprender a viver/conviver e a desenvolver uma inteligência coletiva para que possamos sobreviver nesta situação mundial cada dia mais complexa. A existência de um mundo e de uma sociedade em rede apresenta importantes conseqüências para a educação. Influencia a maneira de trabalhar em educação, de aprender e de educar, bem como a maneira de preparar o indivíduo para o trabalho e para a aprendizagem continuada ao longo da vida. Influencia também no planejamento e na escolha dos conteúdos curriculares, na maneira como organizamos as atividades e o funcionamento das instituições educacionais (p. 2122). No entanto, e ao contrário dessa realidade em rede, continuamos apegados ao velho modelo tradicional mecanicista e cartesiano. A escola continua separando cognição e vida, razão e emoção, matéria e espírito, indivíduo e meio ambiente, hemisférios cerebrais esquerdo 21 e direito, o que a torna incapaz de mudar a maneira de trabalhar e de planejar. Sedimenta-se a fragmentação do pensamento humano e conserva-se a unilateralidade de visões de mundo e de vida. Outro problema educacional é o pequeno ingresso de jovens em cursos para formação de futuros professores e/ou para o desempenho de funções escolares. Rocha Filho (2007) afirma que pouquíssimos jovens manifestam seu desejo para serem professores ou pedagogos, porque, segundo os jovens, significa preparar-se para retornar à escola, e dela querem distância. Para Rocha Filho (2007, p.19), muitas podem ser as causas, entre outras destaca os longos momentos “sentados em bancos desconfortáveis por horas intermináveis, ouvindo um professor após outro falar e escrever sobre coisas mortas, conhecimentos construídos por outros, idéias totalmente fora do contexto em que estão inseridos, sem relação com suas vidas, seus trabalhos, suas famílias, seus desejos”. Assim, se durante o tempo de estudante, a escola trabalha conhecimentos desconexos, sem sentido e, principalmente, desconsiderando o contexto do aluno, ele se desinteressa pelos estudos e não vê a hora de se “livrar desse local”. Estudar poderia ser encarado como algo que gera prazer, apesar do esforço requerido, se houvesse desejo de conhecer e a escola satisfizesse essa necessidade inerente ao ser humano. O que se percebe é que os ambientes escolares, em geral, não trabalham a favor da vida. Organizações escolares continuam dividindo horários, fragmentando disciplinas e vivências, repartindo conteúdos e desconhecendo a existência de outros saberes. “É aquela organização que, a torto e direito, tenta convencer a todos que vida é fragmentação, competição, separação de saberes e de grupos sociais.” (MORAES, 2003, p. 260). Para Moraes (2003), uma escola sem vida é uma escola engessada, inibidora dos diálogos e das conversações nutridoras, possuidora de uma estrutura pedagógica que discrimina, que classifica os alunos, que trabalha a favor da exclusão. Na, verdade, as escolas atravessam um momento difícil, os muitos problemas de seu dia-a-dia têm provocado educadores, gestores e pais, através de gestão coletiva, a empreender ações no sentido de fortalecer o sistema escolar. Percebe-se a necessidade urgente de reformular a escola buscando um arranjo possível, algo que não esteja pronto e que, portanto, precisa ser construído. (SANTA CATARINA, 2006, p.71). Na mesma direção se manifesta Moraes, ao afirmar que “necessitamos de um novo 22 modelo educacional. Um paradigma que colabore para a formação integral do seu aprendiz, que seja capaz de aproximar a educação da vida e trazer um pouco mais de vida para dentro de nossas salas de aula” (2003, p. 178). Muitos são os problemas educacionais, entre esses problemas está a organização educacional, e pensar a educação no sentido de poder contribuir para formação humana é um desafio da atualidade. Não podemos mais aceitar a educação que não contribua para formação de pessoas. É momento de reconhecer a pessoa como um todo e não um ser fragmentado entre corpo e intelecto, nesses aspectos a escola em tempo integral pode se configurar com uma alternativa educacional. 2.2.1 O que é Educar? Um dos compromissos das instituições escolares está relacionado ao educar, ao ensinar e ao aprender. No entanto o educar está relacionado em como o educador concebe a educação e a concepção que permeia a vida do educador. É importante trazer as discussões sobre o que é educar, pensando em uma educação escolar com tempo ampliado, com possibilidade de pensar uma educação que englobe formação e informação, onde as vivências escolares podem ser um fator que contribua para uma formação mais completa e humana. A educação, para Maturana (1998), configura um mundo e os educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo que viveram ao serem educados no educar. Sendo assim: O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o outro no espaço de convivência (MATURANA, 1998, p. 29). Educar é conviver, reconhecendo que educar e aprender significa viver. O educar ocorre o tempo todo, e as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se caracteriza de acordo com o conviver da comunidade em que vivem. “A educação é um processo de transformação na convivência, onde o aprendiz se 23 transforma junto com os professores e com os demais companheiros com os quais convive em seu espaço educacional, tanto no que se refere às transformações na dimensão explícita ou consciente, como na dimensão implícita ou inconsciente”, conforme (MORAES, 2003, p.121). A educação é um processo contínuo que dura a vida toda e faz da comunidade onde vivemos um mundo espontaneamente conservador. Para Maturana, duas épocas são decisivas da vida de toda a pessoa, a infância e a juventude. Na infância, a criança vive o mundo em que se funda sua possibilidade de converterse num ser capaz de aceitar e respeitar o outro a partir da aceitação e do respeito a si mesma. Na juventude, experimenta-se a validade desse mundo de convivência na aceitação e no respeito pelo outro a partir da aceitação e do respeito por si mesmo, no começo de uma vida adulta social e individualmente responsável (1998, p. 29). Educar é saber escutar a mensagem do outro. Conviver implica a aceitação do outro em seu legítimo outro. “E isso requer o respeito às diferenças, à multiculturalidade e pressupõe a existência de amorosidade, compaixão e solidariedade nas relações entre todos os seres” (MORAES, 2003, p. 50). Cabe refletir sobre que educação precisamos, ou qual educação queremos. Para Morin (2007), a educação deve estar centrada na condição humana. Seres humanos devem reconhecer-se em sua humanidade comum e, ao mesmo tempo, reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Conhecer o humano é situá-lo no universo e não separá-lo. Todo conhecimento deve contextualizar seu objeto. Conforme Morin (2007) a compreensão humana deve ser uma das finalidades da educação do presente e do futuro. Educar para compreender a missão espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. Compreender significa, intelectualmente, apreender em conjunto, abraçar junto. Compreender inclui um processo de empatia, de identificação e de projeção. Morin (2007) enfatiza que, se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas. Compreender é também, incessantemente, aprender e reaprender. Dada a importância para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades, e essa deve ser a tarefa da educação do presente e do futuro. Uma das funções da escola é educar para a humanização contribuindo para o desenvolvimento humano. Educar para unir, criar, num processo de formação de vivências e 24 experiências fazendo da escola um laboratório de relações humanas, ricas de significados. Na interação com os outros, na ajuda mútua, no fortalecimento entre alunos e professores, na consolidação da inclusão. Essa educação possibilita o sentimento de ser um integrante do processo de ensinar e aprender. Precisamos saber que pessoas queremos formar, para qual sociedade a ser construída. Maturana se faz o questionamento: “Mas que mundo queremos?” Ao responder, sinaliza um mundo que deseja para seus filhos e filhas: Quero um mundo em que meus filhos cresçam como pessoas que se aceitam e se respeitam, aceitando e respeitando outros num espaço de convivência em que os outros os aceitam e respeitam a partir do aceitar-se e respeitar-se a si mesmos. Num espaço de convivência desse tipo, a negação do outro será sempre um erro detectável que se pode e se deseja corrigir. (1998, p. 30). Para Maturana é essa vivência de aceitação que configura nosso modo de ser humano. Por isso, devemos reconhecer que não somos de nenhum modo transcendentes, mas somos num devir, num contínuo ser variável ou estável, mas que não é absoluto nem necessariamente para sempre. A aceitação de si mesmo e o auto-respeito não acontecem se dão se os afazeres de uma pessoa não são adequados ao viver. Como posso aceitar-me e respeitar-me se o que sei, se meu fazer não é adequado ao meu viver, e portanto, não é um saber no viver cotidiano, mas sim no viver ficcional de um mundo distante? (MATURANA, 1998, p.31) Espaços escolares transformados em espaços de ação e reflexão, em espaços de convivência possibilitam o fazer e o conviver, onde alunos e professores possam vir-a-ser, a partir de uma educação fundada na biologia do amor (MORAES, 2003). Entretanto “como posso aceitar-me e respeitar-me se estou aprisionado no meu fazer (saber), porque não aprendi um fazer (pensar) que me permitisse aprender quaisquer outros afazeres ao mudar meu mundo, se muda meu viver cotidiano? (MATURANA, 1998, p.31,32). A educação deve levar a fazeres relacionados com o viver cotidiano, oportunizar o viver para a aceitação e o respeito de si mesmo, levar para a aceitação e respeito pelo outro. Maturana (1998) afirma que o professor ou professora precisa saber como interagir com os 25 meninos e meninas num processo que não os negue ou os castigue. Não fazê-lo é desarticularse com viés central da convivência humana que é o amor. As ações que constituem o outro como um legítimo outro na realização do ser social, tanto vive na aceitação e respeito por si mesmo quanto na aceitação e respeito pelo outro. Como humanidade, necessitamos de novas práticas pedagógicas, “uma pedagogia voltada para a formação integral do aprendiz, para o desenvolvimento de sua inteligência, de seu pensamento, de sua consciência e de seu espírito”. (MORAES, 2003, p.18). A formação integral nos leva a refletir sobre a ampliação do tempo escolar, com as escolas em tempo integral, numa possibilidade de novos olhares sobre a educação e a convivência escolar. A escola é um importante espaço de convivência humana, lugar de socialização, de encontros e descobertas. 2.3 ESCOLAS EM TEMPO INTEGRAL: UM CAMINHO POSSÍVEL Vivemos, atualmente, um panorama em que simultaneamente as tecnologias e o mundo globalizado trouxeram maiores oportunidades e agilidade às informações. Para os educadores, cabe um sempre renovado questionamento: qual é a nossa função frente a esse contexto ágil e nebuloso? E, novamente se tornam de grande relevância as nossas tradicionais perguntas: o que é educar? Como educar? Qual a função do professor? Que metodologias utilizar? Qual é a melhor forma de organização escolar para atender as demandas educacionais nesse mundo em que o “sólido se desmancha” na vulnerabilidade? A educação está profundamente imbricada na forma como o educador organiza o ensino e depende de como a atividade é encaminhada. Quanto maiores as possibilidades, as habilidades e os conhecimentos, maiores são as oportunidades de educação, considerando o contexto social em que a escola está inserida. A escola de tempo integral pode apresentar-se com melhor estrutura para dar suporte a essas possibilidades e oportunidades diversas aos alunos, professores, direção, funcionários e comunidades. Seu espaço precisa ser capaz de acenar para a abertura de manifestações que, tradicionalmente, não fazem parte das instituições de ensino. Esse alargamento do tempo e dos compromissos educacionais da escola tem sido defendido com vários argumentos, como veremos a seguir. Em termos sociais, temos aspectos 26 relacionados com a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, a ausência de espaços públicos nas cidades, a desorientação dos pais em relação a valores e expectativas na educação das crianças, as transformações na instituição familiar. Um aumento da permanência da criança na escola pode ser visto como condição para que se ponha em prática um modelo de organização escolar que possibilite a realização de um projeto educacional democrático. Significa possibilitar espaços educacionais e de aprendizagem que ultrapassam os limites do mero cumprimento da lei. Ampliar a jornada escolar está previsto na LDB nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da educação) ao afirmar a importância da educação integral: Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola. § 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei. § 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. [...] Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta lei. [...] §5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas em tempo integral. A LBD 9394/96, preconiza a ampliação gradativa do tempo de permanência na escola na forma progressiva de implantação do ensino fundamental em tempo integral. Deixa a critério dos níveis de ensino as decisões de implantação. Essa proposta de ampliação do ensino fundamental para o tempo integral, preferencialmente, deve se dar nos limites da Década da Educação (1997-2007). Outra medida que merece destaque é a aprovação do FUNDEB pelo Congresso Nacional em 2007, estabelecendo o financiamento diferenciado para matrículas em escolas de tempo integral. Entende-se por tempo integral as matrículas em turno escolar igual ou superior a sete horas diárias. É o um dispositivo que apresenta recursos destinados para o ensino fundamental em tempo integral. Na realidade da escola pública brasileira, a escola em tempo integral é algo novo, diferente do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos. Também no setor privado, especialmente nas escolas que atendem a elite, onde o horário integral já é corriqueiro. 27 Várias experiências brasileiras são registradas, dentre elas destaca-se a experiência do Rio de Janeiro. No decorrer de duas gestões estaduais (1983/1986 e 1991/1994) foram criadas 500 escolas em tempo integral, os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública); criaramse estruturas extraordinárias, conforme Cavaliere (2002) com concepção administrativa e pedagógica própria que pretendiam, segundo seu projeto original, promover um salto de qualidade na educação fundamental do estado. Após 15 anos e, nos dois governos que se sucederam, os programas em curso foram praticamente interrompidos, sendo a maior parte dessas escolas descaracterizadas em relação a sua proposta original. Apesar das dificuldades, Cavaliere (2002) mostra que o programa de escolas em tempo integral “trouxe inovações importantes relativas à estrutura e à cultura organizacional da escola. O horário integral, associado a uma proposta de escola que se pretende democrática, impõe soluções estruturalmente inovadoras”(p.101) A organização do tempo, do espaço e dos recursos na escola de tempo integral nos CIEPs, conforme Cavaliere (2002) deve garantir num turno de 8 a 9 horas um equilíbrio entre diferentes tipos de atividades que propiciam um clima de bem-estar e colaboração favorecendo o bom aproveitamento escolar. Nos CIEPs foram experimentadas duas concepções diferentes de horário de atividades. A primeira consistia na concentração, em uma parte do dia, das atividades de sala de aula, com a professora da turma (núcleo comum). Na outra parte do dia, agrupavam-se as atividades complementares de cultura, esporte e lazer. Essa fórmula, conforme Cavaliere (2002), apesar de prática para a organização dos horários e deslocamentos, trouxe o problema da reafirmação de uma hierarquia entre as atividades, reforçando serem as atividades de sala de aula mais importantes. A segunda forma experimentada consistiu no intercalamento, durante o dia, dos diversos tipos de atividades, favorecendo uma mesma valorização. Conforme Cavaliere (2002), apesar dessa fórmula também trazer problemas, tais como a maior dificuldade na montagem dos horários e a maior quantidade de deslocamentos, mostrou-se mais adequada à criação, dentro da escola, de um processo de valorização e ressignificação, para a vida escolar, das atividades artísticas, esportivas e culturais, em geral. Cavaliere (2002) destaca que foram várias as contribuições que a implantação das escolas em tempo integral trouxe a rede de escolas do Rio de Janeiro. Atualmente o que se encontra nos CIEPs fica muito aquém das pretensões originais do programa inicial, mas a experiência proporcionou avanços efetivamente incorporados. 28 Um dado ressaltado por Cavaliere é de que o forte investimento na formação do professor deixou uma geração de docentes marcada pela expectativa da transformação e pelo sentimento de protagonismo. No início da gestão estadual 1999-2002, a Secretaria Estadual de Educação, do Rio de Janeiro computava em sua rede 336 CIEPs, sendo que as demais foram municipalizadas. Segundo relatórios apresentados pela autora, desses 336 CIEPs, a maior parte encontrava-se em situação precária de funcionamento E poucos conseguem manter o regime de tempo integral. Faltam recursos humanos e materiais necessários para execução da proposta original. A transferência de 101 CIEPs para a rede municipal de ensino, do Rio de Janeiro, deuse no final de 1986. Mantiveram-se apenas as características de oferecer o horário integral e o mínimo de estrutura indispensável a sua execução. Atualmente, integram um conjunto de 164 escolas, dessas 101 CIEPs e 63 de outros formatos, que oferecem o tempo integral em sistema misto. Sistema misto se refere em oferecer, na mesma unidade, as opções de tempo integral e tempo parcial. “O resultado é que esses CIEPs, pela continuidade de vigência do turno integral, que com alguns deles já se encontra com mais de 15 anos de funcionamento contínuo, constituem hoje experiência relativamente desenvolvida e consolidada”. (CAVALIERE, 2002, p.94) Diversas outras experiências, com diferentes concepções, foram criadas no país, entre elas a implantação, no Estado de Santa Catarina, de 119 escolas estaduais para oferecer educação em tempo integral. (SANTA CATARINA, 2006, p.88) Essas e várias outras experiências, em curso no país, vêm alimentando a possibilidade de apostar na construção de outro patamar de educação, no compromisso de “promover uma educação de qualidade para todos e todas, mais democrática, mais humana, capaz de ampliar as oportunidades de aprendizagem a partir do reconhecimento das diferenças e ritmos e estilos de aprendizagem”. (SANTA CATARINA, 2006, p. 71) Apesar de avanços na educação brasileira, como a universalização do acesso ao ensino fundamental, não há respostas favoráveis diante das demandas de aprendizagem e sociabilidade requeridas na contemporaneidade. O sistema educacional continua apresentando fraco desempenho. Segundo dados do IBGE2 e do INAF3 (2004), 31,3% dos alunos pouco utilizam a leitura e a escrita em sua vida diária. A maioria revela compreensão mínima de um texto escrito, e somente 26,2% atingem níveis mais elevados nessas habilidades. Esses resultados 2 3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional 29 refletem diretamente em altas taxas de evasão e repetência no ensino fundamental. O INAF mostra também que 8% dos brasileiros entre 15 e 64 anos encontram-se na condição de analfabetismo absoluto O SAEB4 (2001) indica que mais de 80% dos alunos que frequentam a 4ª série do ensino fundamental não se apropriam das habilidades esperadas para essa etapa escolar. Indica ainda que de cada 100 crianças matriculadas na primeira série do ensino fundamental, apenas 54 concluem a 8ª série. As causas são muitas, entre elas, o tempo de permanência das crianças e jovens nas escolas, como sinaliza o Caderno de Modelos Diferenciados de Escolas de Santa Catarina. Dados indicam que no Brasil a média de horas-aula do ensino fundamental fica em torno de 4 horas, e em alguns municípios essa média cai, ficando abaixo de 4 horas por dia. Os sistemas de ensino têm sido convocados a se prepararem para garantir aos alunos pelo menos 5 horas por dia na escola e, nesse caso, torna-se fundamental que os educadores pensem e organizem formas de ampliar o tempo de permanência das crianças e jovens na escola, para qualificar melhor as propostas de aprendizagem ofertadas nesse tempo ampliado. (2006, p. 72). Com esse propósito e desafio, o Estado de Santa Catarina possibilitou a ampliação da jornada escolar, com o projeto “Escola Pública Integrada: Educação em tempo Integral”. A seguir alguns aspectos que integram esse projeto, desde a estrutura física, bem como aspectos pedagógicos, aspectos educacionais e de alimentação. 2.3.1 Escola Pública Integrada - Educação em Tempo Integral no Estado de Santa Catarina Com objetivo de ampliar as oportunidades de aprendizagem para milhares de crianças e adolescentes, que frequentam a escola pública catarinense, conforme o Caderno Pedagógico de modelos diferenciados de Escola, o Governo do Estado de Santa Catarina, por intermédio da Secretaria de Estado da Educação formulou e implantou programas denominados modelos diferenciados de escola. Entre eles, a EPI (Escola Pública Integrada) que oferece educação 4 Sistema de Avaliação da Educação Básica 30 fundamental em tempo integral. Os projetos propõem mudanças profundas no espaço e no tempo pedagógico da escola. Atividades disciplinares se integram com atividades de natureza lúdica, com arte, com a música, com a tecnologia, com o esporte e com várias possibilidades de aprendizagem e interação coletiva, na tentativa de aproximar cada vez mais a escola da vida cotidiana (SANTA CATARINA, 2006, p. 9). O projeto catarinense busca consolidar um conceito de escola pública que responda substantivamente às exigências sociais do século XXI. Para tanto, a função social da escola se amplia, aumentando as possibilidades de participação e de interação. A Escola Pública Integrada vem se consolidando em Santa Catarina, num contexto em que a temática educação integral ganha relevância, ocupando destaque na agenda nacional. Com esse dimensionamento fica evidenciado que uma proposta de educação integral deve dar atenção a todas as potencialidades de cada indivíduo, não apenas às dimensões físicas e mentais, como também à emocional e espiritual, procurando não separar nem hierarquizar essas dimensões humanas. A intenção de uma educação integral caminha, portanto, lado a lado com a formação integral, salientando a necessidade de uma formação do indivíduo compreendido como ser multidimensional. E nesse sentido, por mais que variem os formatos e arranjos das experiências em curso no país, não podemos perder de vista a concepção que circula nas produções acadêmicas e nos programas políticos na área, sob pena de incorrermos em erros já cometidos no passado (SANTA CATARINA, 2006, p. 70). O projeto da Escola Pública Integrada tem a intenção de se apresentar como educação integral, deixando claras as concepções que consideram primordiais, mas também percebe as dificuldades dos sistemas de se organizarem efetivamente em prol dessa educação integral. Mesmo assim, o Estado traz algumas experiências que alimentam a possibilidade de apostar na construção de outro patamar de educação. Em Santa Catarina, o idealizador do projeto foi o então Secretário de Educação, Professor Jacó Anderle. O Documento Institucional, produzido pelo Grupo Intersetorial de Trabalho da SED, foi lançado em outubro de 2003. Ele contém os princípios conceituais e operacionais que norteiam o processo de implantação do projeto no estado. Naquele mesmo 31 ano 17 escolas aderiram ao projeto, iniciando assim a experiência. A justificativa de implantação da Escola Pública Integrada no Estado atribui ênfase aos princípios já anunciados na Proposta Curricular de Santa Catarina e que se traduzem em três pontos fundamentais: “qualidade de ensino-aprendizagem como garantia; ampliação das oportunidades oferecidas pela escola para apropriação do conhecimento historicamente produzido; e gestão compartilhada como processo de construção do Projeto Político Pedagógico da Escola.” (SANTA CATARINA, 2006, p. 72) Além do que dispõe a LDB, a Constituição Estadual de Santa Catarina prevê no Art. 163. “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] X- implantação progressiva da jornada integral, nos ternos da lei”. O Sistema Estadual de Ensino prevê o aumento progressivo da jornada escolar para o regime de tempo integral no ensino fundamental. Ainda, no que diz respeito à legislação que ampara o processo em questão, é importante destacar que temos no Estado o Decreto nº 3.867, de 19/12/2005, que regulamenta a implantação da Escola Pública Integrada no Ensino Fundamental na rede pública estadual. Esse Decreto tem como meta ampliar progressivamente a oferta da educação escolar para até oito horas diárias, por meio de atividades curriculares integradas. Em dezembro de 2004, foi aprovado, junto ao Conselho Estadual de Educação, o Parecer nº 249 e, a partir desse, nasce uma primeira proposta de Matriz Curricular Complementar para a Escola Pública Integrada (Anexo 01). Essa matriz apresenta três eixos temáticos: Linguagem e Comunicação, Ciências e Matemática, Histórico e Social. Esses eixos expressam as decisões exigidas naquele momento. No entanto havia possibilidade das escolas optarem entre a Grade Complementar de 6 horas-aula ou de 8 horas-aula. A matriz curricular, conforme o caderno do Estado sofreu algumas críticas, mas representou para a época um avanço, por tratar-se de resultado, mesmo que acompanhada de contradições, das discussões realizadas no Curso de Capacitação das EPIs, que aconteceu em 2004. A capacitação de 120 horas-aula, realizada com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE -, atendeu a um total de 270 educadores, entre gestores, professores e técnicos da SED5, GEECTs6 e da EPIs7. No ano seguinte, os educadores envolvidos com os projetos nas escolas, reivindicaram mudanças na Matriz, destacando dificuldades na operacionalização e consequentemente, na seleção e contratação dos docentes para atuar nas chamadas atividades complementares. Para 5 Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia Gerências Regionais de Educação, Ciência e Tecnologia 7 Escola Pública Integrada 6 32 sanar as dificuldades apresentadas foi constituída uma Comissão, formada por representantes da SED, GEECTs, diretores e professores das EPIs para estudar a Matriz Complementar, bem como a Legislação da EPI. Desses encontros originou-se a Matriz nº 124/3 de 1ª a 4ª série (Anexo 02) e a Matriz nº 129/9 de 5ª a 8ª série (Anexo 03). Matrizes construídas com base nos estudos e debates da Comissão, sendo que as alterações propostas representam um esforço de readequação da Matriz anterior, permitindo uma melhor rearticulação entre as disciplinas da Base Comum Nacional e da Parte Diversificada. A Escola Pública Integrada é uma realidade experienciada por 119 escolas estaduais (Anexo 04) que, ao longo desses últimos quatro anos, ampliaram o tempo de permanência do aluno na escola. Nesse cenário nos deparamos com novos desafios no campo educacional, pensar numa educação integral, no sentido de alcançar uma educação mais ampla, mais completa, que “procura desenvolver na criança uma série de hábitos sadios, inteligentes e belos”. (CHAVES 2002, p.46) Para poder avaliar a educação em tempo integral, entendo que é necessário conhecer e entender os projetos presentes na comunidade local. Afinal, o entendimento sobre o que perpassa em uma escola que trabalha a educação integral em tempo integral nos faz refletir sobre o que isso significa, bem como o que acontece nessa escola. 33 3 EDUCAR PARA A PLENITUDE DA VIDA Os novos suportes teóricos, aqui apresentados, procuram envolver os processos de vivência e convivência escolar e consideram a escola um importante espaço de convivência humana. A Teoria Autopoiética, procura explicar o padrão de organização dos sistemas vivos e, nela, a aprendizagem humana como algo intrínseco à vida e ao processo de viver. A educação integral se constitui numa possibilidade de interação na formação integral do aprendiz e nos remete olhar o todo ao trazer a transdisciplinaridade como suporte, num diálogo constante entre a parte e o todo. Ela busca visão e ações integradas. 3.1 A EDUCAÇÃO INTEGRAL A perspectiva de educação integral remete a idéia de desenvolvimento pleno, dentro de uma educação que desenvolva todas as potencialidades da pessoa humana. Essa ideia está intrínseca como meta primordial do sistema educacional de uma nação. A partir desse aspecto Yus (2002) questiona: Será que nossos sistemas educacionais estão realmente buscando a educação integral? Os sistemas educacionais estão centrados em uma pequena parcela das potencialidades humanas dos estudantes, então o que é a educação integral? A ideia de integralidade pode estar muito influenciada pela concepção que temos de pessoa. Yus (2002) enfatiza que a tradição cartesiana não só mostrou a importância de separar dimensões humanas (mente-emoção, corpo-espírito), mas também de hierarquizá-las, favorecendo algumas (por exemplo, mente, corpo) e reprimindo outras por considerá-las primitivas (exemplo: emoção), ou por serem imaginárias ou irracionais (exemplo: espírito). Dentro dessa perspectiva, não é estranho que a ideia de educação integral, muitas vezes, trabalhe unicamente a de conhecimentos, habilidades e valores morais, deixando de lado outras potencialidades. A educação integral, segundo Yus (2002), deve dar atenção a todas as potencialidades humanas, já que possuem diversos graus de desenvolvimento em cada estudante, como a inteligência emocional ou a inteligência espiritual, assim como os estilos cognitivos, as capacidades intuitivas, artísticas, criativas, entre outras. Para concretizar a educação integral, precisamos de uma mudança de paradigma. As 34 raízes dessa mudança estão no pensamento de filósofos e educadores inovadores que, ao longo do século XX, foram trazendo uma visão integral ou holística para a educação (YUS, 2002). Educar integralmente requer uma educação centrada no aprendiz e no desenvolvimento e exteriorização de suas capacidades. A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, e sim por um processo microssocial em que é levado a assumir posturas de liberdade, respeito, responsabilidade. Para Gallo (2002), uma aula constitui-se num processo de formação do aluno, não pelo discurso que o professor possa fazer, mas pelo posicionamento que assume em seu relacionamento com os alunos, pela participação que suscita neles, pelas novas posturas que eles são chamados a assumir. Pensar em educação integral significa educar de forma integral. Mas, para que isso aconteça, faz-se necessário educar os profissionais que pretendem atuar na educação integral. Nesse sentido Yus (2002) enfatiza: Para educar holisticamente, os professores também devem formar-se holisticamente, intensificar essas capacidades ocultas, disfarçadas ou reprimidas por sua formação acadêmica e racionalista, procurar em todos os cantos de sua pessoa e buscar o equilíbrio que um educador precisa para transmitir confiança e apoio adequado para todos aqueles que procura educar (YUS, 2002, p. 9). Ser educador, nessa perspectiva, exige uma formação que contemple qualidades essenciais, pois são eles os responsáveis pelas vivências dos princípios de formação integral. Para Yus (2002), os professores devem deixar de ser aqueles que transmitem informação e conhecimento, para se transformarem em “jardineiros”, com a responsabilidade de nutrir as crianças de forma a permitir que o potencial inato de cada uma delas floresça e se transforme em ação responsável. Antes de qualquer coisa, uma formação integral requer um educador que permita nas crianças, o desenvolvimento. Conforme Moraes (2003) e Morin (2001), o desenvolvimento da capacidade de problematização e articulação de conhecimentos, reconhecendo, sobretudo, a inscrição corporal do conhecimento, na qual a emoção apresenta um papel relevante como potencializadora de ações e reflexões inerentes aos processos de aprendizagem. Nossa realidade revela que o professor apresenta uma formação bastante precária. Não existe, em nível nacional, uma política de educação continuada. Há diferentes concepções de formação, como as mais tradicionais, que a visualizam como um conjunto de cursos, pautadas 35 em blocos de capacitações, “reciclagens e treinamentos”, caracterizando, na maioria das vezes, um trabalho superficial e fragmentado. Formação continuada do professor, pensada numa visão de mundo ampliada, valoriza o saber e a experiência docente, relaciona a prática centrada na reflexão ativa sobre essa mesma prática. Segundo Coelho (2002) é preciso ressaltar o tempo que deve ser despendido para essa formação, para que a mesma possa ser viabilizada. Para a autora, o tempo ampliado, em um único local de trabalho pode possibilitar aos professores esses momentos de reflexão pedagógica, educacional, institucional e social. O professor, com aulas em várias escolas, como forma de preencher a sua carga horária está impossibilitado de tecer qualquer relação entre o seu “fazer cotidiano”, os “fazeres coletivos” e suas “condições para o exercício profissional”. Investir na formação do docente, como alerta Moraes (2003), pois é na prática do professor que se encontram as sementes da mudança. “Uma mudança implica em ruptura de hábitos, de padrões ou rotinas e pressupõe a revisão de um conjunto de crenças que dão suporte a nossas ações”. (MORAES, 2003, p.185) Reconhecer que a realidade ao nosso redor é um reflexo de nossos pensamentos e de nossas ações, de nossas formas de viver em sociedade, como também é um reflexo de nossas ações educacionais e atitudes pessoais. Cada ser humano carrega dentro de si o mundo em que vive e que pretende viver. Considerando a educação como um elemento fundamental da dinâmica da vida, ela deve estar voltada para compreensão da vida. Existem aqueles que continuam acreditando que a educação e a escola estão separadas da vida. Importante que a criança goste da escola e deseje estar nesse ambiente. A escola precisa ser convidativa e ser um local de encontro. A escola em tempo integral, por ter esse tempo ampliando para alunos e professores, cria condições de uma maior convivência entre as pessoas, e que essa vivencia possa ser sentida como um laboratório de soluções, adotando atitudes humanas. 3.2 O PROCESSO DE VIVER Para Monod (2002), a vida emergiu do acaso e, se é assim, ela poderia ter acontecido 36 ou não. Não houve um projeto, não houve um propósito e a vida não foi uma doação. Mas se a vida emergiu e não foi resultado de uma ação projetada, ela é um jeito de caminhar, cujos caminhos vão sendo construídos na diversidade de suas realizações nas mais variadas espécies de seres vivos existentes e que já não existem mais. Manfred Eigen (1997 apud MURPHY; O’NEILL), ao refletir sobre a pergunta “o que é vida?”, afirma tratar-se de uma pergunta difícil. Ele a caracteriza, dizendo que as coisas que chamamos “vivas” possuem características e capacidades excessivamente heterogêneas, e que é, precisamente, essa abundância, variedade e complexidade que constituem a essência da vida. Um grande número de cientistas se debruça sobre a questão da vida, na tentativa de encontrar respostas a esta inquietante pergunta. No complexo enredo dessa discussão e busca os físicos, os químicos e matemáticos, além dos filósofos começam a se interessar um pouco mais pelos problemas biológicos. Muito do sucesso da biologia molecular, como enfatiza Moraes (2003), é conseqüência das implicações das idéias de Schrödinger e outros, em especial, das pesquisas relacionadas às descobertas do DNA. Uma das questões chave, trazidas por Schrödinger, para essa discussão, refere-se ao fato de que “a ordem surgiu da ordem”, como forma de entender a maneira como os organismos transmitem informações de uma geração a outra. E a outra premissa, também levantada por Schrödinger, é de que somente existe “a ordem a partir da desordem”. Essa premissa tenta entender os complexos processos realizados pelos seres vivos para conservar a sua estrutura organizacional. A vida não pode existir sem que, simultaneamente, as duas premissas se realizem. A “ordem a partir da ordem” gera a vida e a “ordem a partir da desordem” garante a sua continuidade. Schrödinger (apud Moraes 2003) afirma que um sistema vivo, para manter-se como tal, necessita relacionar-se com o meio através de um processo contínuo de extração de energia do ambiente. Uma organização está viva quando troca matéria-energia com o seu meio. Mas, o que é viver? Como viver? Qual a ação do viver, como viver bem com toda plenitude e liberdade? Como viver e ser feliz? A vida é uma qualidade emergente, presente no todo. A vida, tomada como soberana, exige muitas dimensões, tais como a alimentação, a reprodução, o abrigo e a educação. Nesse cenário, a humanidade é mais do que a soma dos seres humanos, bem como a comunidade é mais do que a soma dos indivíduos. O apelo de Morin (1998) é que sejamos cada vez mais humanidade, e nos conclama para constituir uma humanidade. Um dos princípios dessa constituição, como humanidade, é reconhecer nossa pertença a uma única 37 espécie. Para Boff (1999), a vida precisa de cuidado. Dentre muitas ressonâncias do cuidado, está o amor. Para Maturana (1998), o amor que resultada em cuidado é um amor contemplado como fenômeno biológico e não algo especial dos humanos e entre humanos, está dentro do dinamismo da vida. Na deriva biológica, o amor, segundo Maturana (1998), é o fundamento do social. Ele dá origem à sociedade. O amor é sempre uma abertura ao outro e uma convivência e comumunião com o outro. Então, o amor se instaura como o mais alto valor da vida. Muitas teorias importantes sobre a vida têm sido construídas, mas a vida continua sendo um grande mistério que transcende várias áreas do conhecimento humano. O que se sabe é que a vida se produz autopoieticamente e se reproduz. A capacidade de auto-organização da vida, de produção contínua de si mesma é denominada por Maturana e Varela (1995) de autopoiése. Isso significa que a vida em si é autopoiética, que a biosfera, como um todo, é também autopoiética, no sentido de que é capaz de produzir-se e sustentar-se a si mesma. A biologia tenta explicar a vida como um fenômeno natural e, como ciência esse conceito possui uma natureza transdisciplinar. É um conceito que permite várias leituras e muitos significados. 3.3 AUTO-ORGANIZAÇÃO DA VIDA, AUTOPOIÉSE Os processos de conhecer e aprender são processos autopoiéticos que envolvem a totalidade do ser humano. Maturana e Nisis destacam que: Sob um olhar autopoiético, educar e aprender são fenômenos biológicos fundamentais que envolvem todas as dimensões do viver humano, em total integração do corpo com o espírito, lembrando que quando isto não ocorre se produz alienação e perda do sentido social e individual do viver (MATURANA & NISIS, 1997, p.49) Na vida de cada ser vivo existe um potencial de auto-organização. Foi no início da década de 1960, que o neurocientista chileno, Humberto Maturana, começou a investigar a organização da vida, como os organismos vivos se auto-organizam, reproduzem-se e evoluem. Com a colaboração de Francisco Varela, publicou em 1970, a teoria da autopoiése. Que significa autocriação, autoprodução? Essa teoria considera que a conservação da 38 organização de um sistema vivo existe somente enquanto sua dinâmica estrutural acontece com conservação de sua organização. Para Assmann (2001), o conceito de autopoiése é menos comum na literatura científica de hoje. A etimologia grega do termo autós: próprio + poiein: fazer, ou o substantivo póiesis, portanto autofazer-se, autofazimento, autoengendramento. Assmann, com base na concepção de auto-organização conjectura a possibilidade de sua extensão para a consciência possível. Sinaliza, [...] “uma ponte possível entre os níveis de intencionalidade auto-organizativa da vida que transcorrem sem qualquer intervenção da consciência e os níveis onde desponta uma consciência possível” (2001, p. 98/99). Assmann contribui dizendo que a teoria autopoética de Maturana e Varela (1995) apresenta o conceito de autopoiése como cerne da discussão sobre o conhecimento. Autopoiése é um conceito transversátil porque transita de forma versátil da natureza para a história, da biologia para a cultura. Uma teoria que fez as pazes com a biologia e a evolução e que percebeu os equívocos do historicismo. (ASSMANN, 2001, p.99) Segundo Maturana & Varela os processos de autopoiése são constituídos através da estrutura e organização, sendo que um depende do outro, e para entender melhor esses processos eles trazem alguns conceitos: Estrutura e organização são dimensões constitutivas dos sistemas vivos integrantes de uma unidade composta autopoiética. [...] A estrutura é constituída pelos componentes (substâncias, energia, matéria, etc.) e as relações efetivas entre eles; juntos, componentes e suas relações, constituem uma determinada unidade sistêmica. Essas relações, a partir de processos interativos, caracterizam cada unidade específica. A organização traduz o conjunto de relações entre os componentes e caracteriza o sistema como integrante de uma determinada classe, como por exemplo um ser humano, um gato, um cachorro, uma ave ou uma flor. Assim, a organização, como expressão de uma unidade composta, permite a classificação do sistema. É a estrutura que garante a sua identidade como sistema autônomo a partir de suas relações com o meio circundante, sendo que o meio é constituído de tudo aquilo que não faz parte da organização do sistema vivo que interage constantemente com ele, como sendo uma unidade. (1995; 1997, apud MORAES, 2003, p.85) A estrutura é, segundo Moraes (2003), o que determina o espaço de sua existência, um espaço no qual o sistema opera em rede enquanto unidade composta e que pode ser perturbado a partir das interações entre seus componentes. Nos processos autopoiéticos, a estrutura muda continuamente de estado, e ao mesmo tempo, conserva a organização em função da plasticidade do sistema com o meio. 39 Para continuar vivo, o sistema necessita que sua estrutura, independente das mudanças que ocorram, mantenha a organização. Segundo Moraes (2003), os seres vivos seriam unidades sistêmicas e dinâmicas que possuem uma estrutura que interage com o meio e que sofre mudanças para manter a sua organização. Para Maturana & Varela (1995) um sistema vivo está vivo porque interage constantemente com o meio ambiente e, a partir de suas interações, acontecem mudanças estruturais congruentes com as mudanças também estruturais que ocorrem no próprio meio. É, portanto, um ser vivente ao coexistir com o meio, com sua comunidade com a qual coexiste biológica, emocional, mental e espiritualmente. Ao relacionar-se com o meio, desencadeia mudanças em suas próprias estruturas. Assim, a condição necessária e suficiente para que um sistema vivo exista é a sua autopoiése, a sua capacidade de autoprodução e de criação de si mesmo. Um aspecto fascinante é a maneira de trazer à luz o entrelaçamento entre vitalidade e cognitividade, processos de vida e processos de conhecimento. As biociências, conforme Assmann (1998), descobriram que a vida é basicamente, uma persistência em processos de aprendizagem. Seres vivos são seres que conseguem manter de forma flexível e adaptativa, a dinâmica de continuar aprendendo. O olhar autopoiético da teoria desenvolvida por Maturana e Varela (1995;1997, apud MORAES, 2003, p.46) representa diferentes aspectos ou dimensões do fenômeno que integra vida e aprendizagem. “Reconhece que mente e matéria são dimensões do fenômeno da vida e que o processo de cognição nada mais é do que o próprio processo da vida. Compreende o cérebro como parte de uma estrutura através da qual a cognição opera, mas que não é a única estrutura responsável pela construção do conhecimento.” Isso significa colocar a vida, acima de tudo, como princípio e não mais como ponto de chegada de todas as nossas ações. Toda questão do conhecimento envolve primeiramente estar vivo. Então, a vida é inerente, presente e não pode ser postergada, não pode ser a meta alcançável, ela é a base da qual se parte. Na realidade, conforme Moraes (2003), como tudo está relacionado, interligado através de uma teia – a grande teia da vida – onde todas as coisas estão interconectadas, inter-relacionadas, estruturalmente acopladas, viver nada mais é do que conviver. De acordo com essas teorias, “aprender resulta de uma história de interações recorrentes, onde dois ou mais sistemas interagem em diferentes momentos da vida. Organismo e meio coexistem mediante processos de interdependência.” (MORAES, 2003, p.47) 40 O conceito de autopoiése é um conceito sistêmico na medida em que trata de toda a cadeia de intencionalidades inscritas na auto-organização da vida. O sistema nervoso é tão importante quanto os outros sistemas. Ele faz a acoplagem, conecta o sistema sensório e motor. Consequentemente, a questão da aprendizagem é sistêmica, está conectada a um conjunto de relações, inter-relações e procura sempre um envolvimento de diversas variáveis e parâmetros. Resgatar a complexidade da vida, como evidencia Moraes (2003), nos ajuda a compreender melhor os processos que emergem no seio dos ambientes sociais e isto talvez nos ajude a encontrar soluções mais adequadas e criativas aos graves problemas presentes no setor educacional. “Resgatando a vida, estaremos também resgatando cada um de nós, resgatando a nossa alegria e o nosso prazer em viver. Alegria e prazer, que constituem os momentos de felicidade, é o que mais falta em nossas escolas e na sociedade em geral.” (MORAES, 2003, p. 248) A educação pode contribuir para que a criança mude suas atitudes, seus comportamentos, mas não o seu modo de ser. No exercício da responsabilidade, com possibilidade de fazer escolhas, torna-se responsável pela escolha. Essas possibilidades trazem a tona os princípios de liberdade, os comportamentos e as atitudes. Pensar na inserção da comunidade, fazer a sua vida no meio onde está é reconhecer que a pessoa é capaz de se realizar em seu espaço de vivência. Aos educadores cabe provocar o pensar, provocar o gosto pelo pensar. Pensar de forma sistêmica significa levar a concepção sistêmica para a sala de aula, superando o individualismo e vendo o aluno como ser vivo. A tarefa escolar, sob o ponto de vista autopoiético, “é criar as condições que levem o aprendiz a ampliar sua capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive, de modo a contribuir para a sua conservação e transformação de maneira responsável, em coerência com a comunidade e o entorno natural a que pertence”. (MATURANA & NISIS 1997, p.18). Dessa fala emerge o questionamento: para que educador se não for para melhorar a vida? 3.4 ESCOLA COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA E DE FORMAÇÃO HUMANA A escola, como espaço educativo, configura um mundo que será vivido, segundo a qualidade dessa convivência e a qualidade das conversações que se estabelecem. Maturana 41 (1999) reconhece que a educação tem tudo a ver com o tipo de mundo que queremos, sendo que essa construção se dá em comunhão. Um mundo que se configura no viver e conviver entre os seres humanos. A Educação Integral, com tempo de permanência maior na escola, ampliação dos espaços de convivência, a discussão sobre a formação humana, considerando a pessoa como um ser inteiro, pode ser fortalecido. Uma das maiores dificuldade educacionais está na confusão entre duas classes distintas de fenômenos; para Maturana e Nisis (1997, p.11) são a formação humana e a capacitação. Para os autores, “a formação humana tem a ver com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser co-criadora com os outros de um espaço humano de convivência social desejável”. A tarefa educacional consiste na criação das condições que guiam e apoiam a criança em seu crescimento como ser capaz de viver no auto-respeito e no respeito pelo outro. A capacitação, segundo Maturana e Nisis (2000), tem a ver com a consolidação de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar o seu modo de viver. Para isso, a tarefa educacional consiste na criação de espaços de ação onde se exercitem as habilidades que se deseja desenvolver. A tarefa da formação humana implica em oportunizar a criança para que viva “como um ser socialmente responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade e seu refletir, capaz de ver e corrigir erros, capaz de cooperar e de possuir um comportamento ético [...] uma criança que cresce no respeito por si mesma pode aprender qualquer coisa e adquirir qualquer habilidade se o desejar” (MATURANA e NISIS, 2000, p.12). Nesse contexto cabem sempre e novamente os grandes questionamentos para a educação: A vida é aprendizagem? Ou aprendizagem encontra-se separada da vida? Quando se pensa, de forma simplista, a aprendizagem como um processo mental ela está separada da vida. É quando a preocupação maior reduz-se a, supostamente, desenvolver a inteligência e não a vida. Também é importante questionar se a aprendizagem é intrínseca ou extrínseca a vida. Será que nascemos, vivemos, crescemos e depois aprendemos? Será que em determinado momento estamos estudando e aprendendo e depois sendo preparados para a vida? Então e de forma profunda: educação é preparação para a vida? O que é e como viver a vida plenamente? Com o avanço das biociências, como se refere Assmann (1998), a concepção de vida foi alargada, sem, no entanto, dar-se por definida. Para as biociências a vida é essencialmente aprender e isso se aplica aos mais diferentes níveis distinguíveis no complexo fenômeno da vida. 42 É necessário reconhecer que, diferentemente das apostas de postergação e de visualização de resultados, em detrimento do sentido da educação, educar é viver e não preparar para a vida. Educar é permitir o vivido e não a expectativa do viver, lançado num futuro ainda inexistente. Educar é viver, em sua plenitude, todos os momentos do presente e ter a certeza de que as coisas tem sentido enquanto em processo de realização. Aprender para viver bem todos os dias, como algo que vale a pena, uma vida em realização. Uma aposta bem diferente do aprender projetando um viver feliz para no futuro ser. Para desfrutar, no futuro, as coisas maravilhosas que a vida oferece. O que é educar? Para muitos a educação é uma ação exercida por adultos sobre as crianças, como um ato de impor o conhecimento e não extrair como indica o sentido da Paidéia. A escola é mantida com fim específico de formação, ratificando a definição da Paidéia que significa formação, mas no sentido de extrair de dentro. Uma formação que brota de dentro para fora. Paidéia, segundo Werner Jaeger (1995, p.24), era o "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana" realizada na Grécia antiga. Inicialmente, a palavra paidéia (de paidos - criança) significava simplesmente "criação de meninos". Esse significado inicial da palavra está muito longe do elevado sentido que mais tarde adquiriu. O termo Paidéia também significa a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelos gregos, a Paidéia combinava ethos (hábitos) que tornassem a pessoa um ser digno e bom, tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim capacitar para o exercício da liberdade e da nobreza. A Paidéia também pode ser encarada como o legado deixado, em uma sociedade, de uma geração para outra. O objetivo fundamental da educação era a formação aristocrática do ser humano individual como Kalos agathos ("Belo e Bom"). A partir do século V a. C. exige-se algo mais da educação. Para além de formar o ser humano, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. É então que o ideal educativo grego aparece como Paidéia, formação geral que tem por tarefa construir o sujeito como humano e como cidadão. Platão define Paidéia da seguinte forma "(...) a essência de toda a verdadeira educação ou paidéia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento" (Apud JAEGER, 1995, p. 147). Na sua abrangência, o conceito de Paidéia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que 43 a Paidéia também designasse o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito além dos anos escolares. No contexto da Paidéia, a preocupação maior da atividade educacional está na aprendizagem e na formação de pessoas. O desenvolvimento do potencial humano é melhorar a convivência humana. A educação pode fazer a diferença. Os alunos em sala de aula são seres humanos em sua individualidade. O professor com mero transmitir de conteúdos não entende essa abrangência do processo educativo. A reorientação de seu fazer pedagógico deve convidá-lo para falar da vida e do aconhego. Deve possibilitar o reconhecimento e o respeito pela valorização como ser humano, construir compromissos e responsabilidades do aluno para com a sua comunidade e possibilitar um construir-se como pessoa. Para Assmann (1996), o professor quando passa a se sentir mais responsável, muda seu jeito de agir pedagogicamente. Fazê-lo, segundo o autor, é significar o sentido do Paidagos como um cuidador, aquele que cuida de nichos vitais. O cuidado é, para Boff (1999), o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra o ethos fundamental do humano. Para Boff, o significado da palavra grego Ethos tem a ver com toca de animal ou casa humana. Ethos é um conjunto de princípios que rejem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e responsável; o ethos constrói pessoal e socialmente o habitat humano. No cuidado, indentificamos os princípios, os valores e as atitudes que permitem na vida um bem-viver por meio de ações. Ou seja, “cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro”. (BOFF, 1999, p. 33). O cuidado nos leva a pensar de forma sistêmica e a fugir do fragmentado e do disciplinar, aspirando a transdisciplinaridade, numa atitude de simplicidade, permitindo o diálogo. “Existem muitos caminhos para o conhecimento a construir, em direção à transdisciplinaridade”. Essa se apresenta como alternativa epistemológica à compartimentalização e da educação. Ela é um complexo de atitudes diferentes em níveis diferentes da realidade (ROCHA FILHO, 2007, p. 36). A organização sistêmica efetiva a comunidade escolar como um todo. A educação integral remete a ideia de educar no todo, numa visão holística, percebendo a inteireza da pessoa, assumindo uma multiplicidade de tarefas e,essas necessitam da articulação entre elas, 44 um diálogo constante. A transdisciplinaridade tem papel fundamental na educação, ainda mais quando pensamos em educação integral. 3.5 TRANSDISCIPLINARIDADE: UM OUTRO JEITO DE CAMINHAR A interdisciplinaridade se realiza no trabalho cooperativo de professores de diferentes disciplinas que decidem integrar suas ações educativas. Segundo Rocha Filho (2007, p. 28), “Existe um único argumento a favor da disciplinaridade: a incapacidade intelectual humana de conhecer tudo no tempo de uma vida.” Ações disciplinares fragmentam o conhecimento, dificultando uma visão ampla. A visão disciplinar talvez possa ser superada por uma visão sistêmica e pelo reconhecimento de que somos parte de um grande sistema. Para Yus (2002), as escolas transpiram fragmentação por todos os poros, conhecimentos fragmentados em disciplinas, unidades e lições isoladas, sem possibilidade de ver a relação dentre e entre elas, e entre essas e a realidade que os alunos vivem. É preciso visualizar as conexões presentes em todas as esferas da vida. Por meio da transdisciplinaridade, podemos superar as limitações. Isso significa abandonar o individualismo, adotando uma atitude ao mesmo tempo de humildade perante os muitos saberes, e atitudes de participação e integração das ações pedagógicas. “É necessário trabalhar pela eliminação da fragmentação do conhecimento, que dá poder a pessoas que não sabem como manejá-lo adequadamente justamente porque não tem a consciência da totalidade” (ROCHA FILHO, 2007, p. 35). Para Strieder (2004, p.71), “é quase inacabável o leque de tensões que ameaçam a vida em nosso planeta” [...] “a insistência na divisão do saber em disciplinas só tende a perpetuar e aprofundar as tensões”. Para o autor, “a educação disciplinar constitui-se num sistema fundado com base em valores de outros séculos”. A abordagem transdisciplinar pode ser uma importante contribuição, quando o desafio/desejo é viver num mundo globalizado carente de sensibilidade solidária. Mas, como trabalhar de forma transdisciplinar? Como ser professor (a) transdisciplinar se a formação foi, prioritariamente, fragmentada? Quais ações e atitudes devem ser assumidas? No universo das situações vivenciadas pelos educadores, “ser uma pessoa com atitudes transdisciplinares subentende a apreciação inclusiva de si mesmo, dos outros e seus contextos, com suas deficiências e proficiências, ultrapassando as aparências e abraçando-os na sua 45 integralidade” (ROCHA FILHO, 2007, p. 83). Educar transdisciplinarmente requer ações que percebam as dinâmicas do contexto da comunidade escolar para poder integrar os conteúdos às experiências de vida dos alunos, considerando suas idéias prévias, os conhecimentos construídos, suas expectativas, o conhecimento de si e suas relações interpessoais. É notório lembrar que existe profunda ligação entre o saber cotidiano e o contexto da vida. São as ações vivenciadas que impulsionam o agir nas diferentes situações e nas atitudes. Os processos de reflexão que os educadores apresentam sobre os valores conduzem ao autoconhecimento, que contribui para a melhoria na qualidade de vida. O conhecimento das qualidades e fragilidades nos prepara para diferentes situações que surgem no decorrer da vida. Pensamentos, palavras e ações, podem contribuir decisivamente para a construção dos mundos que queremos valorizando a vida em sua plenitude. A Escola de tempo integral, além da ampliação do tempo e espaço para permanência dos alunos na escola, expande seus objetivos ao assumir uma educação integral. A organização escolar inclui educadores de diferentes áreas, não apenas o professor de turma, mas o grupo de especialistas é ampliado, e esses contribuem para possibilitar diferentes abordagens. O trabalho educativo torna-se mais complexo, tornando necessária a articulação entre os diferentes profissionais. 46 4 DESCRIÇÃO METODOLÓGICA, PROCEDIMENTOS DE COLETA E DISCUSSÃO DE DADOS OBTIDOS Metodologia é a base do processo de pesquisa, é o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade estudada. Ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas. A metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção de realidades e o potencial criativo do investigador. Minayo (1998, p. 17) escreve: Entendemos por pesquisa a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualização frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. O ato de pesquisar está relacionado com o desejo de conhecer alguma coisa, com a necessidade de aprofundar e ampliar conhecimentos e, também, com a satisfação da curiosidade. A pesquisa, hora realizada, foi desenvolvida numa perspectiva qualitativa que, segundo Zago (2003, p 295), tem como “uma de suas características permitir a construção da problemática de estudo durante seu desenvolvimento”. Para André é: Qualitativa porque se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente), defendendo uma visão holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta todos os componentes de uma situação, suas interações e influências recíprocas (1995, p.16). Segundo Minayo & Sanches (1993), a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, de um lado não perceptíveis e não captáveis em equações médias e estatísticas. A abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza: ela se envolve em empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas (MINAYO & SANCHES 1993, p. 244). 47 Trata-se de um estudo com abordagem fenomenológica. A fenomenologia tem por principal objeto o estudo, conforme Maurice Merlau-Ponty (1975), da essência das coisas. Busca a compreensão dos fatos por aproximações sucessivas e confrontos. A fenomenologia estuda os significados da experiência humana, ou seja, a experiência é o material expressivo da pesquisa fenomenológica, enfatizando os aspectos subjetivos. A pesquisa fenomenológica não se direciona para o caráter quantitativo das entrevistas realizadas, mas busca de dados qualitativos. O momento da entrevista, para obtenção de dados, não pode ser visualizado como um procedimento mecânico, mas como um encontro social, uma relação pesquisador – pesquisado, caracterizado pela empatia, intuição e imaginação. A Instituição pesquisada foi Escola em Tempo Integral Porto Novo de Itapiranga/SC. Como essa pesquisa se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo e significativo, optou-se então por um estudo de caso. Conforme Gil (1991, p. 121), “o estudo de caso caracteriza-se por grande flexibilidade [...] o primeiro procedimento consiste em delimitar a unidade que constitui o caso em estudo [...] além de ser difícil traçar os limites de qualquer objeto social, é difícil determinar a quantidade das informações necessárias sobre o objeto delimitado [...] exige-se do pesquisador certa dose de intuição para perceber quais dados são suficientes para se chegar à compreensão do objeto como um todo.” De acordo com Meksenas (2002, p. 118), o estudo de caso “conduz uma análise compreensiva de uma unidade social significativa. Análise compreensiva, pois o significado que os sujeitos pesquisados atribuem a suas vidas, aos fenômenos e as relações sociais são um dos centros de atenção do pesquisador”. Para Severino (2007, p. 121) estudo de caso é uma “pesquisa que se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo. A coleta dos dados e sua análise se dão da mesma forma que nas pesquisas de campo, em geral.” Na concepção de Ludke e Andre (1986, p.110), o estudo de caso “tem por objetivo aprofundar a descrição de determinada realidade”. Por isso, nesse estudo, procurei ressaltar aspectos marcantes do projeto da escola em tempo integral. Nesta pesquisa também foram realizados estudos de observação na escola. A observação foi feita segundo princípios definidos pela metodologia, que sugere a definição do que observar. Conforme Vianna (2003), o que observar deve ser selecionado previamente, qual seu centro de atenção, ou quais os aspectos a enfocar, a fim de que não se fixe em 48 aspectos menos relevantes em detrimento de outros bem mais importantes para os objetivos da pesquisa. “A atenção seletiva deve fazer parte da metodologia de trabalho do observador. [...] Ao realizar uma observação, além de controlar fatores de ordem pessoal, que podem mudar a sua perspectiva no processo de observação, o observador deve ter plena consciência de que não pode observar tudo”. (VIANNA, 2003, p.89) Utilizei entrevistas semiestruturadas como auxílio na direção sobre o que perguntar. O não fechamento das questões permitiu maior liberdade e espaço ao entrevistado. A gravação em áudio das entrevistas foi de fundamental importância, pois, de acordo com Zago (2003), o pesquisador fica mais livre para conduzir as questões e avançar na problematização, além de favorecer a relação de interlocução. Essa prática exige uma negociação com o pesquisado para obter sua aprovação. Esse tipo de registro tem função importante na organização e análise dos resultados pelo acesso a um material mais completo do que as anotações podem oferecer e ainda permite escutar novamente as entrevistas, reexaminando o seu conteúdo. 4.1 DEFINIÇÃO DA AMOSTRA Foram entrevistados três professores, bem como o gestor da escola. Foi envolvido um pai que participou das reuniões de implantação do projeto da escola de tempo integral e que tem filho matriculado nessa escola, desde a implantação do projeto. Esse pai foi escolhido, intencionalmente, pela presença em vários momentos na vida da escola. Falar sobre o período de implantação, e ter um pai que se envolveu e continua participando ativamente da escola, trouxe informações relevantes à pesquisa. Também conversei com uma mãe, cujo filho foi matriculado no decorrer do desenvolvimento do projeto. Essa mãe foi escolhida por sorteio, bem como por sua disponibilidade e aceitação em participar da pesquisa. Foi entrevistada uma aluna da 5ª série que frequenta o projeto desde o início e um aluno da 7ª série que iniciou sua vida escolar frequentando a escola no modelo anterior e que, com a implantação progressiva do projeto, passou a frequentar em tempo integral. Os alunos também foram escolhidos sob o mesmo critério da mãe. Na escolha dos professores a preferência foi para aqueles que estão desde o início da implantação do projeto e um que entrou na escola no decorrer do programa. Dois desses professores exercem suas atividades pedagógicas nas séries iniciais do ensino fundamental e 49 outro de disciplina específica, em todas as séries do ensino fundamental. Assim, o total dos entrevistados foi de oito pessoas. Após a transcrição do conteúdo, da fala dos entrevistados, foi feita a devolução para que os mesmos verificassem a fidedignidade da produção. Para melhor visualização dos sujeitos da pesquisa, apresento as tabelas com o perfil dos entrevistados. As tabelas foram divididas, sendo que na primeira foram apresentados os professores e gestor, a segunda tabela apresenta os pais e a última, apresenta os alunos. Nº 1 SUJEITOS Professor A FORMAÇÃO Pedagogia FORMAÇÃO TEMPO ESPECÍFICA MAGISTÉRIO ESCOLA Séries iniciais e DE TEMPO NA 25 anos 15 anos educação infantil 2 Professor B Geografia Geografia 11 anos 7 anos 3 Professor C Pedagogia Séries iniciais e 34 anos 3 anos 18 anos 7 anos educação infantil 4 Gestor Matemática, ciências Gestão Escolar naturais Quadro 1: Tabela dos profissionais da escola Fonte: A autora Nº SUJEITOS FORMAÇÃO Nº DE FILHOS NA TEMPO DE ESCOLA ESCOLA 1 Pai Graduado 1 5º ano 2 Mãe Ensino médio 1 3º ano Quadro 2: Tabela dos pais Fonte: A autora Nº SUJEITOS ANO EM CURSO INGRESSO NA ESCOLA TEMPO INTEGRAL 1 Aluno 1 7ª série Desde a 1ª série A partir da 5ª série 2 Aluno 2 5ª série Desde a 1ª série Desde a 1ª série Quadro 3: Tabela de alunos Fonte: A autora A realização de estudos de observação foi feita na própria escola. Diversas questões foram levadas em consideração como, o que professores e alunos fazem realmente no transcurso do período escolar, as interações entre alunos e professores, qual a preocupação com a educação na consolidação dos valores, no respeito com outro, nas relações de 50 convivência, e as estratégias adotadas pelos professores na superação do individualismo e na proposição do auto-respeito. 4.2 PESQUISA – PROCEDIMENTOS DE COLETA No primeiro momento fiz a minha apresentação, fornecendo dados sobre a instituição de origem e o tema da pesquisa. Nesse encontro solicitei a permissão da unidade escolar para a realização da pesquisa. Também entrei em contato com professores e direção e foram expostos os objetivos da pesquisa, bem como conversei sobre a disponibilidade de alguns participarem da entrevista. As entrevistas ocorreram na escola; foram marcadas com antecedência de acordo com a disponibilidade do entrevistado. Foi solicitada a permissão para a gravação da entrevista e assegurado seu direito não só do anonimato, com também acesso às gravações, como ainda ser aberta a possibilidade do entrevistado fazer perguntas que desejasse. Após assinado o termo de consentimento, iniciei as entrevistas. A entrevista semiestruturada teve como base as seguintes temáticas: A implantação do projeto; o que mudou com o projeto de escola em tempo integral; a diferença de uma escola que trabalha em tempo integral em relação à escola tradicional; concepção de educação e de escola em tempo integral; as relações de convivência; a consolidação de valores; as dificuldades vivenciadas; o perfil do professor para trabalhar em uma escola em tempo integral. Para os pais foram levadas em consideração as razões que os levaram a matricular seus filhos nessa escola; o que eles têm a dizer e o que pensam sobre escola em tempo integral, aspectos que consideram positivos, aspectos a serem melhorados e como melhorá-los. O que mudou na rotina da família, tendo os filhos fora de casa por oito horas diárias. Junto aos alunos o interesse foi ouvi-los em relação à experiência de escola em tempo integral, o que tem de diferente em termos educacionais e relacionais; como se sentem no ambiente escolar de tempo integral; a descrição que fazem da convivência com os colegas e com os professores; o que consideram como pontos positivos da escola e o que gostariam que fosse diferente. Questões que revelam o que está por detrás desse tempo escolar. 51 4.3 CONHECENDO A ESCOLA PESQUISADA: ESCOLA PORTO NOVO Essa escola foi a primeira da região do extremo-oeste catarinense que aderiu ao projeto de Escola em Tempo Integral da rede estadual de ensino. Implantou, em 2005, o Projeto Escola Pública Integral, que atende atualmente a 181 alunos de 1ª a 7ª séries. Atende, ainda, 11 alunos no ensino regular na 8ª série. Atuam na escola 18 professores, 4 serventes, um diretor, uma assistente técnico pedagógico e uma assistente de educação. A Escola Pública Integral Porto Novo localiza-se na cidade de Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina, na divisa com o Estado do Rio Grande do Sul e com a República Argentina, como mostra o mapa a seguir. Mapa 1: Mapa de Santa Catarina. Em destaque o município de Itapiranga Fonte: site: www.mapainterativo.sc.gov.br 52 Mapa 2: Vista aérea da cidade de Itapiranga Fonte: Prefeitura Municipal de Itapiranga Para a implantação uma das justificativas utilizadas foi o número reduzido de alunos que frequentavam a escola. Na época, muitos alunos foram atraídos para uma escola municipal localizada no bairro e a cada ano, o número de alunos que permaneciam nessa escola era menor. Um fato importante que acontece no município é que as escolas públicas não existe escolas particulares no ensino fundamental - fazem certa “disputa” por alunos. Cada uma realiza trabalhos com a pretensão de buscar um número maior de alunos na comunidade. A Escola Porto Novo precisava procurar uma alternativa, pois estava no caminho de fechar, se o quadro não fosse revertido. A adesão ao projeto apresentado pelo Governo do Estado tinha como perspectiva matricular novos alunos. O projeto está, nesse ano de 2009, no seu quinto ano de implantação e a procura de vagas é muito grande, gerando inclusive, lista de espera. O Projeto de escola em tempo integral é resultado de toda uma caminhada, um planejamento coletivo, uma resposta ao anseio da comunidade, que percebeu nesse projeto uma alternativa para uma educação integral e de qualidade para as crianças (site da escola, acesso dia 15/09/08). Os alunos das 1ª e 7ª séries permanecem na escola por 08 horas. Eles chegam às 7h30min e saem da Escola às 15h e 30min. O projeto está sendo desenvolvido numa parceria entre o Governo Estadual e a Sociedade Civil. As entidades da Sociedade Civil envolvidas são: 53 • FAI – Faculdades de Itapiranga: que disponibiliza a Brinquedoteca, espaço e equipamentos cedidos gratuitamente. • Associação SEARA: sua contribuição é a cedência do parque infantil e campo de futebol e espaço para a prática do futebol de areia. • ASSOCIAÇÃO DE PAIS E PROFESSORES: que ajudam via contribuição da APP; Transporte dos alunos até a Escola. Os pais pagam o transporte particular, porque os alunos que frequentam a escola vêm de todos os bairros da cidade. A prefeitura oferece transporte para os alunos da zona rural, considerando que cada bairro possui escola e como essa opção de matricular os filhos nessa escola é livre e não existe uma política de zoneamento escolar, os pais são responsáveis pelo transporte até a escola de sua preferência. A escola em tempo integral trabalha o Currículo Normal8·, intercalado com o Currículo Complementar9. Oferece aulas de Jogos Matemáticos, dentre eles o Xadrez; oferece aulas de Dança e Ginástica Artística; um destaque importante para a História Local e os Estudos Regionais; também oferece ambientes para trabalhos de Artesanato, aperfeiçoamento em Informática, em Língua Estrangeira Inglês e alemão, em Literatura Infantil; oferece, além disso, Orientação de Aprendizagem, prática de Esportes e a Brinquedoteca; possibilita oportunidades para aprendizagem em instrumentos de Música e a realização de atividades em Horta. Após o almoço, que é acompanhado por educadores, os alunos fazem a escovação dos dentes também orientada por professores. Segue-se a hora do soninho, esse acontece na sala da turma como um momento de relaxamento, quando cada aluno e educador deitam no seu colchonete e ao som de músicas relaxantes descansam. A Escola Pública Integral Porto Novo te como filosofia: "Escola Humanizadora, pensando valores e inclusão, proporcionando uma Educação Integral". 4.3.1 Histórico da escola (Tendo como referência o site da Escola, www.epiportonovo.com.br) Fundada em 22/03/84, inicialmente, tinha como objetivo atender aos filhos de 8 Currículo Normal, são as disciplinas que pertencem a base comum da série Currículo Complementar são as disciplinas diversificadas que estão no currículo das escolas em tempo integral apresentadas nos anexos 02 e 03. 9 54 funcionários e operários da Empresa SAFRITA-S.A Frigorífico de Itapiranga (hoje SEARA/CARGIL) que residiam nas imediações. Também essa proximidade com a empresa era uma forma de facilitar a assistência aos alunos e à própria Escola, oferecida pela empresa. A SAFRITA se dispôs a contribuir para, gradativamente, melhorar as condições didáticas para o ensino, especialmente nas áreas de ciências e artes. Disponibilizaram diversas ferramentas, máquinas de escrever, duplicador a álcool, alguns móveis, alimentos para merenda escolar e outros donativos para suprir as primeiras necessidades para o bom desempenho do ensino desta escola. Colocou à disposição da Escola a quadra de esportes para a prática de Educação Física, enquanto a Escola não possuísse a sua própria. Justifica-se ainda, a criação da Escola, pela necessidade de atender ao excesso de matrícula na EB São Vicente - hoje - EEB, São Vicente, única na época, em oferecer ensino de I Grau completo na cidade de Itapiranga. Na época, a EB são Vicente contava com 1214 alunos, não dispondo de espaço físico, para atender a crescente demanda de matrículas que aumentava anualmente em torno de 15%, como resultado da expansão industrial e comercial, como também do êxodo rural e migrações de outras cidades. O nome Porto Novo é uma homenagem aos colonizadores e aos pioneiros. É um modo de deixar para a posteridade a corajosa história da colonização de Itapiranga e região. Também, motivou a escolha do nome porque a Escola tem sua localização em frente ao Porto da Barca, principal via de comunicação com a margem oposta do Rio Uruguai: o Estado do Rio Grande do Sul. A Escola de Ensino Fundamental Porto Novo situa-se na Rua São Bonifácio, nº 1221, na cidade de Itapiranga, Santa Catarina, próxima à Indústria Seara/Cargill. É propriedade do Estado de Santa Catarina. A EEF Porto Novo, desde a sua implantação funcionou oferecendo o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série. 55 Foto 1: Imagem da balsa no Rio Uruguai, no período da colonização do distrito “Porto Novo”, nos anos de 1926 Fonte: Prefeitura de Itapiranga O currículo da Escola Porto Novo foi elaborado nos termos do Decreto Nº 2209/77. No dia 24/02/84 fez-se o remanejamento - sob a responsabilidade dos Diretores da UCRE (Unidade de Coordenadoria Regional de Educação) com sede em São Miguel do Oeste/SC, atualmente GEREI (Gerência de Educação e Inovação), pertencente nº 31 Secretaria Regional com sede no município de Itapiranga - dos alunos e professores da EB São Vicente que viriam compor o corpo docente e discente da EB Porto Novo. Após o remanejamento e composição do quadro administrativo, docente e discente, deu-se início às atividades do ano letivo nas dependências da FUNEI (Fundação Educacional de Itapiranga - Uma escola dos religiosos Católicos da congregação da Sagrada Família) que ofereciam o ensino de segundo grau, hoje chamado de ensino médio, no período noturno, desocupado durante o dia. Permaneceu funcionando nessas dependências até 23 de abril de 1984, em virtude de o prédio da EB Porto Novo não estar concluído. A partir de 24 de abril as atividades tiveram continuidade no prédio próprio da Escola. Em conversas informais com professores aposentados pude perceber quanto conflito gerou esse remanejamento de professores e alunos. Eles relataram o momento da criação da escola, afirmando que na época havia somente uma escola, a Escola São Vicente. Então foram definidos critérios para decidir quem iria trabalhar na nova escola. Segundo os relatos, 56 ninguém queria trabalhar numa escola de bairro, então os últimos professores que ingressaram na escola seriam deslocados para a nova escola. Afirmam que houve muito choro e desespero entre os professores. O mesmo ocorreu com os alunos que deveriam estudar nessa escola, eu mesma, na época estudava na 8ª série, minha turma estava estudando junto desde o jardim de infância e, na 8ª série foi dividida. Como critério ficou determinado que os alunos que moravam da Rua Sete de Setembro, aproximadamente a 500 metros da escola, (sentido centro em direção a escola) deveriam obrigatoriamente estudar na Porto Novo. Nossa turma foi dividida, eu, como não pertencia aquele zoneamento, não fui estudar lá, mas grande parte de meus amigos foram. Muitos foram os anos de conflito em função do zoneamento. Atualmente não existe mais essa questão, os pais podem matricular os filhos na escola e no bairro de sua preferência. 4.3.2 A escola completa 25 anos de fundação No dia 22 de março de 2009, a escola Porto Novo completou 25 anos de atividades. Para comemorar essa data, a comunidade escolar promoveu festividades nas dependências do educandário. Entre as atividades, aconteceu a homenagem aos ex-servidores, docentes e funcionários. Para a organização da comemoração foram envolvidos a APP e o conselho deliberativo da escola. Foi elaborado um informativo, publicado no jornal da cidade, tendo como manchete a informação “Escola Porto Novo, um novo conceito em educação”, sobre os 25 anos da Escola. Destaca-se, na reportagem, uma mensagem que aparece em vários cartazes distribuídos pela escola: “Não eduque uma criança para vencer na vida, e sim para ser feliz. Assim, ela aprenderá o valor das coisas e não o seu preço.” (Autor desconhecido) Na comemoração foi realizado um resgate histórico da escola, feito pelos professores e alunos. A elaboração do resgate foi feita a partir da realização de entrevistas com ex-diretores, e ex-servidores. Essas entrevistas foram filmadas e apresentadas no dia da festa. Elas contêm depoimentos sobre como tudo começou, bem como as dificuldades do início das atividades educacionais. Nesse histórico, registra-se que um dos grandes marcos da escola foi o prêmio de Referência em Gestão Escolar no ano de 2001, no qual a escola recebeu dois trofeus: de Escola Referência Regional e de Referência Estadual. Porém, o maior marco de destaque da escola é, sem dúvida, a Implantação da Escola 57 Pública Integral, significativo, porque fez a escola ter um incremento superior a 50% no número de alunos. 4.3.3 Seminário Regional de Educação Integral Outra grande realização da Escola em Tempo Integral Porto Novo foi a realização do 1º Seminário Regional de Educação Integral. Esse evento foi realizado no dia 1º de dezembro de 2007 e contou com a presença, como palestrante, do senador Cristovam Buarque. Na oportunidade, Buarque falou para mais de 500 professores, pais e pessoas da comunidade local e regional e, ao final foi muito aplaudido. O evento, além da participação da comunidade escolar, contou com a presença de representantes da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina que participaram dos debates e discussões sobre educação integral. Foi importante observar a organização da escola, ver como ela se realiza e faz acontecer as suas diversas atividades. A organização observada, o dia-a-dia apresentado e presenciado trouxe benefícios enormes para a escola. Os representantes da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina haviam visitado a escola no dia anterior ao evento e puderam participar das atividades da escola, vivenciando um dia de escola integral. O seminário teve como objetivo promover o debate acerca das questões que perpassam a educação integral e o currículo integrado, tendo como referência a proposta da Escola Pública Integrada. Envolver a área administrativa do Estado, das Gerências Regionais de Educação e Secretarias Municipais de Educação promovendo um intercâmbio das experiências construídas por essas escolas, oportunizou aos envolvidos o relato cotidiano da experiência de educação integral. Todo esse contexto discutido serviu para avaliar e repensar os processos vivenciados no dia-a-dia da escola. Entre os presentes e representando a Secretaria Estadual de Educação, estavam o Profº Antônio Elizio Pazeto, (Diretor de Educação Básica e Profissional) do Estado de Santa Catarina, que participou da mesa redonda do seminário. Também esteve presente a Profª Regina Maria Lassance Nascimento, Coordenadora Estadual da Escola em Tempo Integral, que falou sobre Escola em Tempo Integral. Participou com relato de experiências das escolas públicas que adotaram esse tipo de atividade. O Proº Vilson Von Borstel da Escola Porto Novo de Itapiranga também se fez presente. A realização desse seminário ajudou na consolidação da Escola em tempo integral. A 58 foto a seguir mostra a presença de mais de 500 pessoas nesse 1º Seminário de Educação Integral Foto 2: Público presente no 1º Seminário Regional de Educação Integral, realizado dia 1º de dezembro de 2007 Fonte: Escola Porto Novo Para o professor Vilson Von Borstel, diretor da escola, “defender e buscar uma escola para nossos filhos é o desejo da grande maioria das pessoas. Sonhamos para nossas crianças, principalmente, para nossos filhos, acesso à escola que ofereça possibilidades de formação integral que garanta pleno sucesso profissional na idade adulta”. Durante o seminário, o diretor da escola expôs aos participantes que o grande desejo é transformar a escola em um local que proporcione alegria e satisfação, aliada a um excelente nível de ensino-aprendizagem. Para o senador Cristóvan Buarque, somente numa escola com jornada ampliada, proporcionando uma diversidade maior de atividades, é possível atingir um nível de excelência na satisfação da criança por estar na escola, paralelo a um bom nível de formação. “Escola Nova é a escola em tempo integral”. 59 Foto 3: Senador Cristóvan Buarque durante o 1º Seminário Regional de Educação Integral. Realizado dia 1º de dezembro de 2007. Fonte: Escola Porto Novo 4.4 REFLETINDO COM OS ENTREVISTADOS Para o presente estudo foram realizadas 08 (oito) entrevistas visando conhecer e entender melhor o projeto da escola em tempo integral. Os entrevistados demonstraram interesse e colaboração, trazendo suportes importantes para fazer essa reflexão. Com o propósito de atingir os objetivos dessa pesquisa, organizei os dados das entrevistas e, dessa organização resultaram as seguintes categorias de reflexão: a) A escola em tempo integral na concepção da comunidade escolar; b) A escola em tempo integral e a formação humana/relações de convivência; c) As dificuldades de consolidação; Apresento a seguir as reflexões dos entrevistados, obtidas através da realização das entrevistas semiestruturadas. 60 4.4.1 A escola em tempo integral na concepção da comunidade escolar O projeto de implantação da escola em tempo integral mudou significativamente a organização escolar da Escola Pública Integral Porto Novo. Fez com que a comunidade escolar pensasse a escola de outra maneira, e principalmente envolveu todos os segmentos da escola, professores, equipe gestora, funcionários, pais, para efetivar o processo de implantação. Para conhecer melhor essa proposta educacional, busquei identificar junto aos entrevistados os motivos da implantação da escola em tempo integral, as mudanças ocorridas, e o que acontece na prática. As justificativas do Estado de Santa Catarina para implantação da Escola Pública Integrada (EPI) apresentada nos princípios da Proposta Curricular de Santa Catarina foram: “qualidade de ensino aprendizagem como garantia; ampliação das oportunidades oferecidas pela escola para apropriação do conhecimento historicamente produzido e gestão compartilhada como processo do Projeto Político Pedagógico da Escola” (SANTA CATARINA, 2006, P.72) A iniciativa do Governo do Estado de Santa Catarina em implantar o Projeto da EPI está pautada nesses princípios e a escola pesquisada por estar passando por dificuldades, relacionadas ao número de alunos pensou, discutiu com a comunidade a possibilidade de adesão ao projeto, como relata o Gestor “estávamos no caminho de fechar a escola, percebemos que fazer uma escola com um novo modelo, reverteria essa realidade”. Não ter alunos na escola, significa não ter trabalho para o professor. Principalmente para o professor efetivo da rede estadual, já que muitas escolas passaram pelo processo de municipalização, o que deixou e deixa muitos professores sem terem onde atuar. O resultado é que ficam à disposição das Unidades Escolares, como relata o Professor C “era lotado em outra escola, como o município assumiu de 1ª a 4ª série, nós ficamos excedentes”. Esse professor relatou que a escola em tempo integral trouxe também oportunidades para os professores, porque ampliou o número de turmas na escola, consequentemente, houve uma expansão da oferta de vagas para os professores. Para Maurício (2009) a escola pública de horário integral deve ser uma opção para o aluno e para o professor, ambos devem querer passar por essa experiência, devem estar disponíveis a esse desafio, que implica na convivência de longas horas diárias. Na medida em que a escola tem sucesso, a demanda aumenta e a oferta pode ser ampliada. Também a fala da Professora B destaca a necessidade de inovar, o jeito de fazer escola 61 “primeiro objetivo era chamar alunos [...] nós estávamos perdendo alunos”. Para a Professora A “víamos que com o tempo a escola fecharia, por falta de aluno [...] o projeto nos chamou atenção, uma educação diferenciada [...] com conteúdos diferenciados, disciplinas diversificadas”. Além da possibilidade da escola fechar por falta de alunos, percebeu-se uma oportunidade diferenciada de educação, com possibilidades para criar ambientes e situações de aprendizagens alternativas. A comunidade escolar sentiu a necessidade de mudar, de adotar uma nova organização escolar, um novo modelo educacional. Moraes (2003, p.178) contribui dizendo que a realidade exige um “paradigma que colabore para a formação integral do ser aprendiz, que seja capaz de aproximar a educação da vida e trazer um pouco mais de vida para dentro de nossas salas de aula”. A realidade dessa escola estava exigindo uma mudança, e esse projeto poderia ser uma alternativa viável para a comunidade escolar. Segundo os entrevistados, houve mudanças significativas em relação ao modelo tradicional no qual estava inserida, antes da implantação do projeto de escola em tempo integral. Essa forma tradicional já não era considerada suficiente pela comunidade. Se os pais têm opções de matricular seus filhos na escola em que acreditam possuir uma melhor proposta pedagógica e educacional e se essa não estava mais tendo procura por parte dos pais, tinha-se um indicativo de que as práticas pedagógicas não estavam a contento. Ainda há pouco consenso sobre as melhores maneiras de implantar a Educação em Tempo integral, bem como sobre os resultados que elas propiciam. Mas, sabe-se que a interação que houve da equipe gestora e dos professores com a comunidade para implantação do projeto, como aparece na fala do Pai “um grupo de pais chegou a saber, foi encabeçando [...] tivemos duas ou três reuniões, ele (gestor) foi colocando” motivando a comunidade participar e responder ao convite em matricular os filhos nessa escola, dando credibilidade ao projeto. Para Maurício (2009), a constatação de que as diferentes representações a respeito da escola, a expectativa que se tem dela é a integração da escola com a comunidade e o reconhecimento de que existe uma cultura local que é condição para que o processo educativo se desenvolva. A comunidade foi chamada para participar das decisões sobre a implantação desse novo modelo, e continua participando, trouxe e continua trazendo importantes contribuições para a organização pedagógica e educacional da escola. Para firmar esse envolvimento da escola com a comunidade, alguns pais foram consultados e desafiados a matricular seus filhos 62 na escola, agora apresentada como possuidora de um projeto de Escola em Tempo Integral. Sobre essa participação o pai relata que “nós ficamos uma semana para pensar se iria colocar ou não [...] a gente pesquisou o que seria essa escola integral [...] deu até um pouco de medo [...] não se tinha nenhum modelo de escola integral”. Foram mobilizadas famílias da comunidade do bairro e também famílias de outros bairros da cidade, bem como do centro da cidade. A estratégia desse contato de mobilização foi apresentar a proposta da Escola em Tempo Integral e, deixar-lhes “um tempo” para pensar e decidir. Nesse espaço de tempo, direção e professores ficaram à disposição para esclarecimentos, em caso de dúvidas, sobre a implantação e funcionalidade dessa proposta inovadora. O tempo que foi dado para os pais decidir sobre a inserção de seus filhos nessa proposta de educação foi um tempo curto e, certamente, esse prazo exímio também serviu de desafio. O tempo necessário para uma tomada de decisão é relevante e tem-se muitas dúvidas em relação a essa quantidade de tempo necessária. Qual é o tempo necessário para uma decisão tão importante? Uma reflexão que nos remete para a interpretação do tempo vivido – kairós - e do tempo cronológico – cronos. Somente para sentir a importância desse momento, trazemos uma contribuição de Assmann (1998) ao fazer uma relação entre o tempo “contado” e o tempo vivido: [...] a relação profunda entre o tempo do relógio e a racionalidade moderna. O predomínio do tempo “contado” (tempo cronológico) sobre o tempo vivido (kairós) se implantou lentamente, especialmente desde a Idade Média e tornou-se um aspecto fundamental da racionalidade científica e da organização social da modernidade. (p.207) Os seres humanos, historicamente, isolaram lentamente o tempo no aspecto medível, e deixaram de lado o tempo vivido, um tempo necessário para cada escolha. Parece que vivemos sempre sujeitos a uma pressão mais forte de possibilidades de utilização do tempo. Para Assmann (1998, p.225) “a vida não se desprende do tempo, enquanto duração. O tempo humano está inscrito na duração, ele existe mediante o devir e não é redutível a fragmentos separáveis”. Um tempo cronológico curto (uma semana) para decidir a educação em um tempo ampliado. Pensar uma escola em tempo integral está vinculado a um aumento significativo do tempo de permanência na escola. E isso causou medo e insegurança para os pais e também para os educadores. Como aparece na fala da Professora B “nós começamos isso aqui, e na época fomos para curso e estávamos todos apavorados”. 63 Para Coelho (2009), pensar em educação integral é referir-se ao trabalho pedagógico que mescla atividades educativas diversas, em que essas atividades contribuem para com a implantação de uma formação mais completa e integrada. Para essa realização exige-se do profissional comprometimento e busca constante, como menciona a professora B “os primeiros anos exigiram muito de nós [...] demos tudo de nós para dar certo”. Investir na formação do docente, pois como se refere Moraes (2003, p.185) é apostar que na prática da docência se encontrem as sementes da mudança. “Uma mudança implica em ruptura de hábitos, de padrões ou rotinas e pressupõe a revisão de um conjunto de crenças que dão suporte a nossas ações”. E essa mudança exigiu e continua exigindo dos profissionais muito empenho, dedicação e vontade de inovar. Uma mudança de concepção gera insegurança e medo. Medo como desafio diante do novo e do desconhecido. A ampliação do tempo escolar precisa ser acompanhada de uma nova visão da escola e de seu papel social, e isso implica pensar e repensar a formação dos educadores. Para Coelho (2009), a extensão do tempo escolar deve construir o tempo qualitativo dentro da escola. Esse tempo pressupõe uma formação mais completa para ser aluno/humano. Que o trabalho pedagógico contemple atividades educativas diversas e que, ao fazê-lo, contribua para com a implantação de uma formação mais completa e integrada. Coelho (2002) ressalta que pensar em educação integral é pensar numa política de formação continuada para o profissional da educação, não se pode descuidar do tempo que deve ser despendido nessa formação. A autora defende que o tempo ampliado possibilita ao professor trabalhar em uma única escola, onde possa trabalhar com dedicação exclusiva, ou pelo menos um tempo maior em uma mesma escola. Isso fica evidenciado na fala da Professora B “antes o professor corria para três quatro escolas, hoje acho que no máximo duas e a maioria fica aqui, ele está presente às oito horas com aluno”. Existem possibilidades de maior de troca de experiências entre os professores. Uma formação dentro de “uma proposta que perceba que o desenvolvimento humano é um processo integrado e harmonioso que abrange todas as dimensões do Ser” (Moraes, 2003, p.180), faz com que o ser condicione o conhecer e esse, condicione o ser, numa interação dinâmica com o mundo. Um processo que requer desenvolvimento integrado, muito mais rico que se propunha até então. Para isso, Cabe a educação desenvolver metodologias e estratégias que colaborem para o regate da inteireza humana, privilegiando não apenas os seus aspectos físico e cognitivo, mas também anímico e espiritual, aspectos estes que fazem parte da totalidade humana. (MORAES, 2003, p.181) 64 Além da ampliação de tempo e espaço para a permanência dos alunos na escola, expande seus objetivos ao assumir a formação contínua em serviço, como tarefa inerente e necessária ao seu fazer cotidiano. Para Monteiro (2009, p.35), “o horário integral exige e permite que professores tenham tempo para reuniões diárias destinadas ao planejamento, estudo e desenvolvimento de práticas reflexivas que possibilitem a constante avaliação e qualificação do trabalho realizado”. Para Professora A, o planejamento é muito importante “no começo sempre tínhamos cada semana um tempo para planejarmos, isso ficou de lado, isso está faltando, nós deveríamos estar mais vezes fazendo esses encontros”. Existe a necessidade de planejamentos mais seguidos, porque o horário integral exige e permite que os professores tenham tempo para reuniões, para planejamento de suas atividades, para estudo e desenvolvimento de práticas reflexivas que possibilitem o aprofundamento de sua visão sobre o trabalho desenvolvido. Diante dessa questão a Professora B diz que “conseguimos mais do que na escola tradicional, é mais fácil, porque nós temos a hora do meio dia que os alunos conversam e que nós também ficamos conversando”. O fato de estar mais tempo em uma mesma escola, possibilita aos professores, um tempo maior de diálogo entre si. Existe a necessidade também, conforme Monteiro (2009, p.44) “de aprender a trabalhar com profissionais com outras formações e experiências, que estarão trabalhando com os alunos em ações com repercussões educativas, que os professores precisam aprender a explorar”. Educar nesta perspectiva requer muito mais do que realizar atividades em disciplinas diversificadas, demanda o desenvolvimento que oportunize aprendizagens significativas, em diferentes situações e tempos, e em contato com diferentes profissionais. Sobre a formação o Gestor diz “temos problemas de falta de preparo [...] falta um conjunto de ações para tornar todo o processo realmente capacitado para educar de forma integral.” Para a Professora A, a questão da formação foi que exigiu e continua exigindo muito dos profissionais, ela diz “você tem que ir a busca o tempo todo, principalmente nas disciplinas diversificadas [...] o que falta na formação é nas disciplinas específicas”. Comentou durante a entrevista que tiveram uma formação no início da implantação do projeto, com trocas de idéias com outras escolas. “A formação que houve foi mais geral, como seria a escola em tempo integral, mas falta em algumas disciplinas”. Para essa educadora as disciplinas diversificadas, que são disciplinas específicas da escola em tempo 65 integral são as que mais desafiam. Elas não estão presentes na escola tradicional, são elas que fazem da escola em tempo integral o diferencial das outras escola, elas é que trazem o indicativo de maiores oportunidades educacionais. Isso mostra a necessidade de se rever os processos de formação. Sobre isso Monteiro (2002, p.149) enfatiza que “torna-se cada vez mais evidente que não era possível basear toda a formação profissional numa etapa única, anterior ao início da atividade profissional”. A formação, além do processo inicial, deve possibilitar ao longo da vida profissional, num processo contínuo, o desenvolvimento, podendo e devendo ser ampliada e aprofundada em vários momentos da vida dos profissionais. A realidade vivenciada nessa escola fez com que os professores pensassem a escola de uma maneira diferente, pois os alunos que entravam nesse espaço escolar vieram com expectativas e desejos, como manifesta a Professora A “o aluno mais ativo [...] mais exigente”, fez com que professores adotassem novas metodologias, pois tinham o propósito de mostrar para a comunidade de que o projeto era bom. Isso fica evidenciado também na fala da Professora B “fazer bem feito para chamar clientela [...] um experimento que nós fomos fazendo, o integral chamou alunos”. Para a professora, esse aumento de alunos pela procura por vagas, que hoje não atende toda demanda, é uma resposta do trabalho realizado. Com relação ao currículo, por orientação da equipe pedagógica do estado, houve alguns cuidados no processo de escolha das disciplinas da chamada Parte Diversificada. A seleção pautou-se nas particularidades da escola. Considerando os recursos humanos e as condições materiais de que a escola dispõe, essa diversidade está presente na fala da Professora A “temos mais atividades, mais disciplinas, conteúdos diversificadas [...] ele tem mais leitura, mais interpretação de texto, vai aperfeiçoando outras línguas. Quando a escola consegue oferecer um ambiente propício, as manifestações se expressam em diversas e diferentes linguagens, despertando a criança para novos interesses. Interesses que trazem um indicativo de que a escola está ampliando as oportunidades de aprendizagem. Isso fica evidenciado nas falas dos alunos. Para o Aluno 1, a Escola em Tempo Integral se diferencia por ter “mais atividades, aprendemos mais, [...] a escola mudou” e para Aluno 2 “as aulas são bem diferentes, tem mais oportunidades de estudo”. Todos os entrevistados mencionados referendam que a Escola em Tempo Integral oferece maiores oportunidades. O tempo maior na escola, o contato com mais pessoas e formas diferenciadas de aprender fazem a diferença. Para o Gestor “vão sair com uma base de conhecimentos muito maior [...] uma gama muito grande de atividades e de contatos”. 66 Para a mãe, a escola se difere porque percebe que seu filho tem “interesse em aprender além [...] ele tem uma visão mais ampla [...] isso porque tem muito mais atividades. Os argumentos da mãe, para explicar esse encantamento pela escola, estão na afirmativa de que essa escola está além de suas expectativas. As diferenças observadas que aconteceram na escola com a implantação da escola em tempo integral e apresentadas pelos entrevistados vão desde o aumento de alunos na escola, “aumentou o número de alunos” (Professora B), quanto das metodologias dos professores, ela se refere “o integral só acrescentou, tanto nos alunos como na nossa vida, eu enriqueci”. Para o Gestor o que mudou na escola é principalmente “O nível de satisfação, o nível de empenho [...] o grupo vive mais a escola [...] o nível de conflitos”. Um ambiente educacional onde o envolvimento das pessoas sinaliza a vivência do processo educativo. Tudo isso tem muito a ver com a construção de ambientes educacionais desejáveis, já que estamos preocupados em resgatar e cultivar a alegria na escola, em construir ambientes que realmente possam contribuir para o desenvolvimento de experiências ótimas de aprendizagem, para vivenciar o processo criativo, onde as crianças possa se sentir mais felizes e emocionalmente mais saudáveis. (MORAES, 2003, p.59) Esse ambiente agradável é fundamental em uma escola em tempo ampliado; isso foi o que manifestou o Aluno 2 “adoro estudar aqui [...] ficar o dia inteiro com os amigos e estudar”. A mãe quando se refere ao espaço escolar, diz que “lá ele está feliz [...] ele gosta da escola”, demonstrando a satisfação em estar nesse ambiente. Maurício (2009) contribui dizendo que a escola pública de horário integral introduz alguns condicionantes, entre eles, é que a criança precisa gostar da escola. Ela precisa querer estar na escola. A escola precisa ser convidativa. “O ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas propiciar aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos”. (ASSMANN, 1998, p.29) Para Maturana (2004), nosso modo de viver ocorre do modo como nos relacionamos uns com os outros e com o mundo que configuramos enquanto vivemos. As interações dos alunos durante o dia todo na escola, formam uma rede de conversação, que destaca os contatos diários com amigos e com professores. O aluno 1 disse gostar de estar nesse 67 ambiente, porque traz algo muito importante que é a emoção do “tempo para conversar, para brincar”. O desenvolvimento adequado depende de nosso crescimento no brincar, do tempo necessário para brincar. Nesse sentido Maturana e Zöller (2004) evidencia que: Nossa cultura ocidental moderna desdenhou o brincar como característica fundamental generativa na vida humana integral. Talvez ela faça ainda mais: talvez negue o brincar como aspecto central da vida humana, mediante sua ênfase na competição, no sucesso e na instrumentalização de todos os atos e relações. (MATURANA; ZÖLER 2004, p 245.) O brincar é importante para o desenvolvimento da criança, e a criança aprende brincando. O método utilizado na escola deve também ser de acordo com a natureza do brincar. Acreditar que o amor e a brincadeira são modos essenciais do viver humano se torna fundamental. Durante a entrevista com a mãe, que matriculou seu filho quando o projeto estava no 3º ano de existência, falou que “a gente se interessou [...] já ouvia falar bem do integral”. Essa família entrou em contato com várias pessoas para se definir. E agora seu filho está no 3º ano na escola, ela diz “estou feliz que nós fizemos isso”. Mas acredita que na escola “aprendem alguma coisa diferente, porque ele aprende melhor do que se tivesse em casa comigo”. Em casa, segundo a mãe, “as crianças ficam por muito tempo em frente a televisão ou computador”. Para a mãe o argumento de priorizar a presença do filho nessa escola, vai além da necessidade, é uma questão de opção. Para o Professor C “a escola integral tem mais participação dos pais, e estamos muito abertos para as famílias participar da escola. A escola e as famílias fazem um trabalho em conjunto”. Isso ocorre em reuniões ou mesmo no dia-a-dia da escola em que os pais têm a liberdade de vir almoçar com as crianças, participar das atividades escolares, ou mesmo, acompanhar as aulas. Essa integração e o envolvimento estão presentes desde as primeiras reuniões quando estavam discutindo sobre a implantação do projeto. Os pais priorizam a escolha, eles afirmam que o motivo que os levaram a matricular seus filhos na Escola em Tempo Integral é a por opção, fruto de uma avaliação. Sobre a escolha a mãe fala “Acho que nós estamos no caminho certo, tendo uma escola integral boa, o futuro é isso deixar as crianças mais tempo na escola”, e para o pai existe a “preocupação em deixar os filhos sempre ocupados” Com relação às mudanças que ocorreram na escola, no que se refere à questão de estrutura física o aluno 1 diz “a escola mudou, [...] o espaço ficou melhor”. A consolidação do 68 projeto resultou na ampliação do espaço físico, que recebeu muitos investimentos. Sendo que toda a escola passou por uma reforma e ampliação do espaço. Ter uma escola que trabalha em tempo integral, exige a necessidade de espaços que antes não tinham uma importância relevante, como é o caso do refeitório. Uma Escola em Tempo Integral, também é uma escola que ofereça condições físicas para manter um padrão adequado para efetivar as atividades básicas de educação física, esportes, danças, artes, artesanato, informática, literatura, jogos matemáticos, lego, música e outros. Algumas imagens (Fotos nº 4 e 5) apresentam ambientes da escola antes da reforma, lembrando que o projeto iniciou com a estrutura física que a escola possuía. As duas fotos, 5 e 6, revelam como era o ambiente para as refeições, como não possuíam refeitório, as mesmas eram realizadas no pátio com área coberta, mas aberto nas laterais. Foto 4: Almoço no pátio, ambiente aberto. Ano de 2005 Fonte: Escola Pública Integral Porto Novo 69 Foto 5: Servindo o almoço em local improvisado.Ano de 2005 Fonte: Escola Pública Integral Porto Novo As fotos Nº 6 e 7, apresentadas a seguir, mostram o ambiente do refeitório, que com a reforma e a ampliação, receberam esse novo espaço, que além de necessário, possibilita uma melhor organização dos espaços da escola em tempo integral. Uma escola com tempo ampliado requer alguns cuidados em relação à higiene do ambiente. O cuidado com a higiene é necessário em todo espaço escolar, maior ainda na escola com tempo ampliado. Um refeitório com espaço adequado, considerando que as crianças fazem diariamente três refeições (lanche da manhã, almoço e lanche da tarde) e para isso o espaço fechado, protegido do vento e do sol, oportuniza um ambiente favorável e indispensável para realizar as refeições de forma organizada, higiênica e saudável. 70 Foto 6: Servindo almoço no refeitório, ambiente planejado. Ano de 2009 Fonte: autora Foto 7: Refeições realizadas no refeitório, espaço planejado e organizado. Ano de 2009 Fonte: autora 71 A demanda do tempo traz como consequência a necessidade de espaço. Não basta ampliarmos o tempo de permanência na escola, precisamos ampliar também o espaço, para isso, algumas adequações são importantes. “São necessárias instalações adequadas para que todos os alunos possas escovar os dentes” (MAURÍCIO, 2009, p.26) . A foto apresentada a seguir demonstra o lugar onde foi adaptado para escovação de dentes. Foto 8: Escovação de dentes em local adaptado. Ano de 2005 Fonte: Escola Pública Integral Porto Novo Foto 9: Escovação dos dentes: A mudança do ambiente. Ano de 2009 Fonte: a autora 72 Essas mudanças que ocorreram com a reforma e ampliação da escola trouxeram um ambiente melhor organizado, limpo e higiênico para que as questões básicas de higiene e alimentação se efetivassem melhor. Outro espaço importante é a biblioteca, anteriormente estava situada junto à sala dos professores, num espaço improvisado, agora com espaço próprio. A sala de informática recebeu um espaço adequado com dez computadores. Para Aluno 2, esses espaços “ são oportunidades bem boa que poucos ganham[...] as aulas de informática...”. Para o aluno ter um ambiente adequado motiva a querer estar na escola. Na reforma também foi construídos banheiros novos e amplos, onde são realizadas as escovações de dentes. O refeitório, além de ser um local amplo, fechado, também possui um palco para as apresentações. Nos corredores, perto as salas, existe espaços para exposição de trabalhos dos alunos. Quase todos os ambientes estão climatizados, a grande parte recebeu os climatizadores de doação da empresa localizada ao lado da escola. Segundo o Gestor “teremos em breve uma estrutura que vai ser referência, acho que isso foi resultado do trabalho”. Isso se referindo ao espaço do ginásio com piscina semiolímpica. O ginásio foi uma reivindicação que existe desde a fundação da escola. Também o aluno 2 mostra a satisfação em relação a esse novo espaço “agora com o ginásio é oportunidade bem boa que poucos ganham, e no ano que vem vai ter natação”. Natação, um esporte que estará no currículo da escola em 2010. Para Professor B “agora com o atrativo da piscina”, falando com entusiasmo em relação a essa oportunidade a mais de esporte e de espaço físico. “O tempo é uma das variáveis que compõe a ideia de educação integral. Tem outra variável muito importante, que é o espaço”, salienta Gouvêa (2008, p.31). Nesse sentido, a criança deve ser levada para fora para aproveitar os espaços. É necessário espaço suficiente para realização das atividades propostas pela escola, condições para realização de atividades práticas. Muitas atividades diversificadas exigem um espaço amplo, onde se possa vivenciar a liberdade de aprender. Nas observações que fiz, e nos momentos em que estive na escola, na coleta de dados, percebi que as crianças têm liberdade de explorar todos os ambientes da escola. A escola não tem muros, existe um espaço aberto. As crianças brincam pelos barrancos nos terrenos junto à escola, correm pelo terreno e sabem até onde podem ir, quais os limites da escola, somente na divisa com uma empresa vizinha, existe cercas que divide o espaço, os outros limites são as casas vizinhas, que não são cercadas. 73 Foto 10: Espaços explorados pelas crianças. Ano 2006 Fonte: Escola Pública Integral Porto Novo Para Carvalho (2006), coordenadora geral do Cenpec10, a Escola em Tempo Integral proporciona à criança diferentes espaços, pois ela precisa ter tempo para brincar e também para fazer nada. Ela precisa exercer o ócio criativo. “Tantas atividades exigem um espaço amplo e aberto – onde possam vivenciar a liberdade e aprender que as regras são necessárias para a convivência respeitosa e solidária com múltiplas possibilidades de uso”. (MONTEIRO, 2009, p.37) 10 Cenpec: Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação 74 4.4.2 A Escola em Tempo Integral e a formação humana (relações de convivência) A proposta de ampliação do tempo diário de permanência das crianças na escola merece reflexão de diferentes naturezas. Entre elas a de que educação em tempo integral nos remete a ideia de educação integral e formação humana. O entendimento sobre educação integral e formação humana, nas entrevistas com os diferentes segmentos, trouxe importantes contribuições. Perceber também as questões de relações de convivência nesse espaço educacional significa considerar que a escola deve ser um espaço de convivência e de aceitação. Quando questionado sobre o que entende sobre Educação Integral, a Professora B diz que “Educação integral é um acompanhamento do todo do aluno [...] a educação integral ajuda eu ser professora, contribui ser amiga deles, auxilia não só na educação como disciplina, mas também na vida social”. Para Professora B, a percepção de ver o aluno como um todo e integrado. Essa integralidade supõe que todas as áreas são importantes no processo de desenvolvimento humano e que a educação passa ser vista além da disciplina, do conteúdo, e que educação é envolvimento de pessoas. Guará (2009, p.70) enfatiza que a integralidade se processa pelo equilíbrio entre os aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e sociais, conectando a educação ao desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais, sociais e afetivas de crianças e adolescentes. Para a autora, “apesar da preponderância eventual de um ou de outro desses aspectos, essa perspectiva compreende o homem como ser uno e integral, que precisa evoluir plenamente num processo de educação que se articula com o desenvolvimento humano.” Para Professora A “não é uma educação estanque, é bem dinâmica”. Nesse sentido a professora entende que a educação integral deixa de ser uma educação fragmentada em conteúdos e disciplinas, mas a percebe como uma integração entre disciplinas. A Professora B considera que “o integral trabalha mais isso, não é eu na minha disciplina e acabou”. Para Moraes (2003, p.12), a educação integral tem a ver com “uma escola relacional, não mais fragmentada em compartimentos desconectados, disciplinas estanques, ou mesmo que só trata o cognitivo, deixando de lado para um segundo plano as questões afetivas e sociais”. Para a mãe, a escola em tempo integral é a tendência porque “eles tem o ensino amplo”, e isso, acredita, é o que todos os pais visualizam para seus filhos. Essa escola consegue atender diversos aspectos, “não precisa levar ele por fora” referindo-se a matricular o filho em aulas ou escolinhas fora da escola. Isso também foi respaldado na entrevista com o 75 Aluno 1 “porque tem algumas coisas que se eu não estudasse aqui, teria que pagar”. Questionado sobre educação integral, o Pai enfatizou que “as aulas de tarde, não vou dizer que isso é um reforço, é uma coisa a mais”. Considera que o tempo que a criança passa na escola, se destina às possibilidades de aprendizagem alternativas. Para ele, a educação integral vem ao encontro, pois o tempo a mais para a criança se destina a experienciar outras situações de aprendizagens. “A proposta de educação íntegra, que integra conhecimentos diversos e proporciona formação integralizada, circunstância indispensável no projeto de escola de horário integral”. (MAURÍCIO, 2009, p.27) Educar integralmente requer uma educação centrada no aprendiz e no desenvolvimento e exteriorização de suas capacidades. A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos e sim por um processo microssocial em que é levado a assumir posturas de liberdade, respeito, responsabilidade. Para Professora A “a escola deve ter esses valores presentes na prática, não só na teoria”. Para o Gestor, a educação integral está relacionada, primeiramente, com o lado humano “antes do conteúdo, da informação técnica, vem o lado humano”. Para isso, segundo ele, o professor precisa “trabalhar o sentimento, o aluno, gostar dele, gostar das atividades, das relações humanas”. Maurício (2009, p.27) contribui dizendo que a escola deve ser “o lugar de encontro [...] que a escola seja um laboratório de soluções”. Para isso, o horário integral deve ser para alunos e professores. Segundo o autor “tempo e espaço aqui se tornam condições para formular propostas que tenha o encontro, a convivência, como eixo para desenvolver conhecimento”. Escola relacional, como denomina Moraes (2003), considera que as relações entre educador e aprendiz afetam as atividades pedagógicas, nesse sentido o Gestor considera que “para ser feliz precisa gostar do que faz, de quem você convive”. Moraes (2003, p.126) considera que: Algumas das questões e preocupações da ação docente sob ponto de vista autopoiético, que a tarefa docente é a formação humana dos aprendizes, onde os conteúdos são apenas veículos relacionais para a sua consecução. O mais importante é que a educação seja capaz de criar condições que permitam a cada um ser cidadão/a sério, responsável e, sobretudo, feliz. Evidencia-se que educar é muito mais que um ato transmissivo, e uma integração entre o sentir e o pensar. Segundo Professor C “A Escola não deve só informar [...] a escola integral deve dar a formação, os valores humanos são importantes” 76 O Gestor relata um caso de um aluno, que acabara de chegar à escola e precisavam encontrar uma alternativa para “enturmar o aluno rejeitado [...] todos entraram no compromisso de ajudar [...] porque as crianças são sensíveis”. Esse exemplo mostra a dimensão dos problemas que as escolas encontram. Um aluno que veio de outra cidade, com costumes diferentes, com atitudes agressivas, não sendo aceito na turma. O Gestor, o professor e a turma fizeram uma discussão e pelo diálogo consensuaram o compromisso do grupo em relação à aceitação. A diferença no resultado pode estar na forma de como se encaminha o problema, o que se faz com esse problema. Pensar uma educação integral é pensar nas pessoas, valorizar o ser humano como um ser de vida, perceber o outro como alguém que precisa sentir-se reconhecido. Perceber que as pessoas têm possibilidades de serem melhores. O papel da educação está em perceber o outro e em valorizá-lo. Trabalhar em uma escola em tempo integral requer pessoas sensíveis, que ao perceber um problema consigam pensar nos encaminhamentos para construir alternativas. Para Maturana (2000), a formação humana da criança, como tarefa educacional, consiste na criação de condições que a guiam e a apóiam em seu desenvolvimento como um ser capaz de viver no auto-respeito e no respeito pelo outro. Criar condições, no âmbito escolar, que permitam que a criança amplie sua capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive. É a proposição evidenciada na citação de Maturana (1998): É difícil educar para a aceitação e o respeito de si mesmo, que leva à aceitação e ao respeito pelo outro, assim como à seriedade no fazer? Não, só que isto requer que o professor ou a professora saiba como interagir com meninos e meninas num processo que não os negue ou castigue, seja pela forma como eles aparecem na relação, seja porque não aparecem como as exigências culturais dizem que deve ser. Esse professor ou professora pode fazê-lo porque, eles também, respeitam a si mesmo e ao outro. (p. 32) Para o Professor C “a verdadeira educação é dada conversando, conviver um com o outro, ter o professor que interage com os alunos.” Para Maturana (1998), a educação, como sistema educacional, configura um mundo e, os educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo que viveram ao serem educados no educar. Sendo assim, Moraes, coerente com a proposta de Maturana (1999) assinala que não devemos “ensinar valores, mas vivê-los desde a biologia do amor, cultivá-los em nossa corporeidade, a partir de respeito a si mesmo que surge no viver/conviver no respeito mútuo”. (MORAES, 2003, p.125) Educar é conviver, reconhecendo que educar e aprender significa viver. Ao educar 77 ocorre o tempo todo, e as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se caracteriza de acordo com o conviver da comunidade em que vivem. Para o Gestor “Nós aprendemos a conviver oito horas”. Conceber a escola como um espaço de vivência ficou evidenciado nas falas dos entrevistados. Para a Professora B “eles terão uma facilidade maior nesse convívio com outras pessoas”. Conforme Moraes (2003, p.121) “A educação é um processo de transformação na convivência, onde o aprendiz se transforma junto com os professores e com os demais companheiros com os quais convive em seu espaço educacional, tanto no que se refere às transformações na dimensão explícita ou consciente, como na dimensão implícita ou inconsciente”. Para o Professor C, a escola em tempo integral favorece a convivência, uma vez que se tem “várias oportunidades de conversas com outras crianças, o meio social é mais favorável, para aprender a se comunicar”. A educação é um processo contínuo que dura a vida toda e faz da comunidade onde vivemos um mundo espontaneamente conservador. Na infância, a criança vive o mundo em que se funda sua possibilidade de converter-se num ser capaz de aceitar e respeitar o outro a partir da aceitação e do respeito a si mesma. Na juventude, experimenta-se a validade desse mundo de convivência na aceitação e no respeito pelo outro, a partir da aceitação e do respeito por si, mesmo sinalizando para um começo de uma vida adulta social e individualmente responsável. (MATURANA, 1998). Para o Gestor, na Escola em Tempo Integral, a vivência no respeito é facilitada porque “eles convivem muito mais com pessoas”. Também o Professor C afirma que “o integral dá mais oportunidades de conviver com as pessoas, o homem é um ser social, no convívio vai notar que as pessoas são diferentes, que pensam diferentes, que agem de maneira diferente, sabendo conviver com todos na escola”. Educar é saber escutar a mensagem do outro. Conviver implica a aceitação do outro em seu legítimo outro. “E isso requer o respeito às diferenças, à multiculturalidade e pressupõe a existência de amorosidade, compaixão e solidariedade nas relações entre todos os seres” (MORAES, 2003, p. 50). O Professor C considera que os alunos “estão mais amigos, se entrosam mais, se misturam mais, não tem grupinhos separados”. Para Aluno 2, é muito boa essa possibilidade de conviver com os amigos e fazer novos amigos: “tenho como amigos os que eu conheço e faço novos amigos”. As falas dos professores, do gestor e dos alunos contêm em si a reflexão sobre que educação precisamos ou queremos, que segundo Morin (2007), centra-se na condição humana. Seres humanos devem reconhecer-se em sua humanidade comum e, ao mesmo tempo, reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Conhecer o humano é 78 situá-lo no universo do humano e não separá-lo. Todo conhecimento contextualiza esse sujeito inserido e reconhecido como humano. Conforme Morin (2007), a compreensão humana é uma das finalidades da educação do presente e do futuro. Educar para compreender é uma missão espiritual da educação: ensinar e viver a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. Compreender significa aqui, intelectualmente, apreender em conjunto, abraçar junto o que inclui um processo de empatia, de identificação e de projeção. Para a Professora B, a educação integral vai “além do conteúdo, além da aprendizagem e da disciplina, estamos convivendo em grupo”. É essa convivência na interação com os outros, na ajuda mútua, no fortalecimento entre alunos e professores, na consolidação da inclusão, o sentir sujeito integrantes do processo de ensino e aprendizagem. Para a Professora B “o tempo integral deu segurança na nossa vida profissional, automaticamente nós refletimos isso para o aluno”. Para essa professora houve a possibilidade de alterar a carga horária, “eu assumi com dez horas, quer dizer eu já posso aumentar minha carga horária aqui, porque o tempo integral chamou alunos”. Para ela, a escola de tempo integral significa estabilidade e segurança. Quando o professor está bem consegue realizar um trabalho com maior entusiasmo, “isso gratifica e automaticamente fazemos um trabalho melhor, a ligação nossa só foi melhorando”. A prática pedagógica está diretamente relacionada com a condição interior e a realidade do contexto profissional, reflexos de nossos pensamentos e de nossas ações. A realidade profissional assegurando maiores possibilidades de espaço de atuação para professores, e “tem muito haver com a construção de ambientes educacionais desejáveis”. (MORAES, 2003, p.59) Também Morin (2007) enfatiza que consolidar a autoaceitação exige saber compreender antes de condenar-se a si mesmo e aos outros. Fazê-lo é estar no caminho da humanização das relações humanas. Compreender é também aprender e reaprender, incessantemente. Dada a importância para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma, de tamanho planetário de nossas mentalidades, e essa é tarefa da educação do presente e do futuro. Espaços escolares transformados em espaços de ação e reflexão, em espaços de convivência possibilitam o fazer e o conviver, onde alunos e professores possam vir a ser, a partir de uma educação fundada na biologia do amor (MORAES, 2003). Entretanto “como posso aceitar-me e respeitar-me se estou aprisionado no meu fazer 79 (saber), porque não aprendi um fazer (pensar) que me permitisse aprender quaisquer outros afazeres ao mudar meu mundo, se muda meu viver cotidiano? (MATURANA, 1998, p.31,32). Esse aceitar-se nos afazeres realiza-se quando a educação leva a fazeres relacionadas com o viver cotidiano, oportuniza o viver para a aceitação e o respeito de si mesmo que, por sua vez, leva a aceitação e ao respeito pelo outro. Por isso, Maturana (1998) afirma que o professor ou professora precisa saber como interagir com os meninos e meninas num processo que não os negue ou os castigue. Não fazê-lo é articular-se com viés central da convivência humana que é o amor como as ações que constituem o outro, como um legítimo outro, na realização do ser social. Um processo educacional de escola integral voltado para a formação integral requer nova prática pedagógica, “uma pedagogia voltada para a formação integral do aprendiz, para o desenvolvimento de sua inteligência, de seu pensamento, de sua consciência e de seu espírito”. (MORAES 2003, p.18). A formação integral requer a ampliação do tempo escolar, nela está a possibilidade de novos olhares sobre a educação e a convivência no ambiente escolar. Diversos olhares, para conhecer com mais profundidade o aluno, como saliente o Professor C “todos os professores conhecem a criança”. Ele ainda enfatiza que os professores de diversas áreas tem contato com o aluno, o que facilita também a avaliação do aluno não mais reduzida ao olhar de “um professor”. A Professora B confirma que na escola de tempo “integral você consegue acompanhar o aluno”, e essa relação com diversos professores e o tempo maior de convivência traz outras possibilidades para os processos educacionais. A escola é um importante espaço de convivência humana, lugar de socialização, de encontros, de descobertas e, porque não reconhecer que em algumas situações de ocupação, como concebe o Aluno 2 ao afirmar que “ficar o dia inteiro é não ficar incomodando os pais em casa”. Na percepção fica evidenciado que os filhos também incomodam os pais em casa, e ficar o dia inteiro na escola facilita a vida dos pais. Entretanto, cabe salientar que essa não é a visão dos pais que participaram das entrevistas. Para a mãe “no início foi difícil chegar de meio dia e ele não estar em casa, a gente se acostuma”. Na fala da mãe está presente que o tempo maior na escola é algo novo para os pais e eles sentem a falta da presença da criança em casa. A Educação Integral, um tempo maior de permanência na escola, ampliação dos espaços de convivência, fortalece a discussão sobre a formação humana, aquela que considera a pessoa como um ser inteiro. Nessa discussão marca presença uma das maiores dificuldades educacionais que é a 80 confusão entre duas classes distintas de fenômenos. Para Maturana e Nisis (2000, p.11), os fenômenos são a formação humana e a capacitação. Para os autores, “a formação humana tem a ver com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser cocriadora com os outros de um espaço humano de convivência social desejável”. A tarefa educacional consiste na criação das condições que guiam e apoiam a criança em seu crescimento como um ser capaz de viver no auto-respeito e no respeito pelo outro. A capacitação, segundo Maturana e Nisis (2000), tem a ver com a consolidação de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar o seu modo de viver. Para isso, a tarefa educacional consiste na criação de espaços de ação onde se exercitem as habilidades que se deseja desenvolver. Para a mãe entrevistada, a escola proporciona e incentiva a busca além dos conteúdos, “a diferença de muitas matérias vai além, o filho é instigado a querer saber mais sobre alguns assuntos, ele veio e disse eu quero a máquina, foi no computador pesquisou, filmou e fotografou obras de artes”. A tarefa de formação humana implica em oportunizar a criança para que viva “como um ser socialmente responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade e seu refletir, capaz de ver e corrigir erros, capaz de cooperar e de possuir um comportamento ético [...] uma criança que cresce no respeito por si mesma pode aprender qualquer coisa e adquirir qualquer habilidade se o desejar” (MATURANA e NISIS, 2000, p.12). Esses espaços, para exercitar as habilidades estão evidenciados na fala do Professor C, ao dizer que a “criança é educada no almoço, ela recebe educação de como proceder, como almoçar, para consumir alimentos, todo cardápio, a comer verdura, no soninho ela incentivada a dormir depois do almoço, e que o sono é importante. Nas matérias diversificadas, tem canto, música, dança, xadrez, isso ajuda educar a criança continuamente” São exemplos de processos educacionais que contribuem para que a criança mude suas atitudes e seus comportamentos. No exercício da responsabilidade, com possibilidades de fazer escolhas, torna-se responsável pela escolha. Essas possibilidades trazem a tona os princípios de liberdade, os comportamentos e as atitudes. Pensar na inserção da comunidade, fazer a sua vida no local e no meio onde está é possibilitar a pessoa ser capaz de se realizar em seu espaço de vivência. Aos educadores cabe provocar o pensar e provocar para gostar de pensar. Todo processo educacional da escola de tempo integral leva a pensar de forma sistêmica, e fazê-lo significa levar a concepção sistêmica para a sala de aula. Superar o individualismo e pensar o aluno como ser vivo. Um pensar que integra os diferentes modos de pensar, um pensar mais 81 abrangente, mais articulado para compreender e fazer melhor a educação. Para a mãe entrevistada, o gostar é uma condição de satisfação “Eles têm todas as atividades, se eles gostam de ir para escola é porque é bom”. O gostar de estar na escola é um indicativo de que as atividades estão bem encaminhadas. A tarefa escolar, sob o ponto de vista autopoiético, “é criar as condições que levem o aprendiz a ampliar sua capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive, de modo a contribuir para a sua conservação e transformação de maneira responsável, em coerência com a comunidade e o entorno natural a que pertence” (MATURANA & NISIS 1997, p.18), 4.4.3 As dificuldades de consolidação A experiência do Projeto escola em tempo integral vem se consolidando num contexto em que a temática educação integral ganha relevância e lugar de destaque na agenda nacional, com amparo jurídico significativo na legislação brasileira. Uma proposta de educação integral deve dar atenção a todas as potencialidades de cada indivíduo. A viabilidade de um projeto dessa envergadura exige questões estruturais, organizacionais e pedagógicas. Apresentar uma experiência permite também, deparar com algumas dificuldades em sua consolidação. Dificuldades que também têm a ver com o perfil de profissional que se propõe a trabalhar na perspectiva da educação integral e da articulação entre as disciplinas. A escola pública de horário integral já ultrapassa o âmbito da necessidade, tendo em vista sua presença cada vez mais significativa na legislação a respeito e o aumento do número de experiências de alargamento do tempo escolar diário. Mesmo tendo assegurado na legislação, para o gestor uma questão evidenciada é que “estamos aqui a secretaria está lá, mas sem muito respaldo[...] no conjunto falta investimento, falta prioridade, para escola integral”. Caracterizando o distanciamento das políticas públicas com a realidade da escola. O conceito de educação integral encontra amparo jurídico na legislação brasileira. Conforme Guará (2009, p.66) a legislação assegura: [...] sua aplicabilidade no campo da educação formal e em outras áreas da política social. O arcabouço normativo oferecido pelo paradigma da proteção integral garante direitos de toda criança ou adolescente a receber atendimento em todas as suas necessidades pessoais e sociais, a aprender, a se desenvolver adequadamente e a se protegido (a). 82 Embora se reconheça o avanço da legislação sobre o tempo integral escolar, ainda é considerado insuficiente para reparar as perdas que o ensino fundamental sofreu pelas décadas de descaso em relação à escola em tempo integral. Conforme Lígia Martha Coelho e Janaína Meneses, na 30º Reunião Anual da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), realizada em 2007, as autoras apresentaram o tema “Tempo integral no ensino fundamental: ordenamento constitucional/legal em discussão”. As autoras afirmaram que os princípios da educação constantes na Constituição de 1988 já revelavam a presença da concepção de educação integral, apesar de não haver menção explícita ao termo. Interpretam que o fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), ao direcionar recursos para educação básica em tempo integral, legitima esse direito. A garantia legal tem uma importância fundamental para assegurar a efetivação de políticas públicas, principalmente para os que se encontram mais prejudicados em sua cidadania, bem como, para os que apresentam déficits de aprendizagem. Educação integral como direito a cidadania supõe uma oferta de oportunidades educativas, na escola e além dela, que promovam condições para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da criança e do jovem. Sua inclusão no mundo do conhecimento e da vida passa pela garantia de um repertório cultural, social, político e afetivo que realmente prepare um presente que fecundará todos os outros planos para o futuro. (GUARÁ, 2009, p.77) Além do direito ao acesso as escolas em tempo integral, que ainda está aquém das necessidades, outras dificuldades são apresentadas pelos entrevistados. Para Professora B uma das preocupações está “principalmente com a 6ª e 7ª série, que deveriam ter outras atividades diferentes para integral [...] algumas coisas devem ser mudadas, algumas disciplinas tem que ser revistas”. As duas turmas mencionadas pela professora estão no projeto de tempo integral há três anos, pois a partir da 4ª série foram integradas ao projeto de escolar em tempo integral. A Professora B questiona em relação ao espaço “qual é o espaço que eles têm?”. Argumentando que muitas dificuldades acontecem, principalmente, por falta de espaço “com outro espaço, como a da natação, outras atividades pode ser melhoradas”. Para Professora B falta uma “sala ambiente que é o sonho de todo professor, o lego precisa uma sala específica”, fala também dos “computadores tem dez, porque não um para cada um”. Também para os pais como para os professores na questão do espaço físico residem dificuldades. Para a mãe uma dificuldade é a “falta espaço [...] com o ginásio vai melhorar eles vão ter um lugar para fazer educação física”. Como não tem local para as práticas 83 esportivas, eles ficam nas salas, nos corredores, no refeitório, ou se deslocam até as praças públicas. Esse deslocamento, que é quase que diário, preocupa a mãe, para ela, os alunos ficam expostos aos perigos do trânsito, “esse negócio de corre na rua, na praça” Também para o Pai “a infraestrutura, um ambiente adequado [...] a reforma, prejudicou muito o andamento da escola”. Para ele a questão da falta de espaço físico adequado e também todo o transtorno que ocorreu e ocorre com a reforma e ampliação, prejudica os alunos que estão em aulas, convivendo com o barulho e dividindo o espaço com os construtores, como mostra a foto a seguir. Foto 11: Obras de reforma e ampliação em 2008. Fonte : Escola Pública Integral Porto Novo Para o pai outra dificuldade apresentada é “o barulho”, produzido pela empresa localizada ao lado da escola. Os membros da APP foram até a empresa para dialogar sobre o barulho que atrapalha as aulas, e diz ele “até que conseguimos colocar aqueles climatizadores, o que possibilita manter as salas de aula fechadas, diminuindo a entrada do som”. A empresa fez a doação de climatizadores para todas as salas localizadas de frente para a empresa. O aumento do tempo de permanência na escola traz como consequência a necessidade de espaço. São necessárias instalações adequadas para que todos possam realizar as atividades em locais adequados. São necessários espaços suficientes para a realização das práticas 84 desenvolvidas, algo que, gradativamente tende a acontecer, mas com todos os transtornos vivenciados num canteiro de obras. A dificuldade percebida pela Professora A é “a financeira, porque ainda falta material para dar uma aula melhor”. Para ela as disciplinas diversificadas exigem um maior e mais diversificado material, para que os objetivos das disciplinas se efetivem. “As necessidades de espaço físico, de materiais e instrumentos para dar condições de trabalho às novas atividades, melhorando as já existentes, requerem soluções rápidas que, muitas vezes, não são atendidas pelo poder público nem na velocidade nem na quantidade necessárias.” (SANTA CATARINA, 2006, P.79) Outra questão que preocupa a mãe é a higiene “A higiene dos colchões, onde eles dormem”. Para ela o fato deles não terem um local apropriado para guardar os colchonetes, sendo que “eles ficam nas salas expostos à poeira, e depois são colocados no chão para dormir”. Ela não sabe como fazer diferente, mas considera preocupante, pois pode afetar a saúde, principalmente, para quem tem problemas alérgicos. Para o Gestor, “O grande desafio sempre é o lado humano [...] cada um tem a sua individualidade”. A expansão de tempo na escola exige da equipe de gestão movimentos de pessoas em fluxo coordenado pelas orientações e necessidades pedagógicas. Para ele “o grande desafio é a convivência”, pois a escola aumentou o número de alunos, e isso ocorreu consequentemente com os professores. Cabe a gestão da escola promover e articular a ação de pessoas nos processos democráticos de participação para que haja envolvimento e comprometimento de todos. A gestão cabe oportunizar o diálogo na escola e fora dela. Maturana (2001, p.47) faz referência as relações humanas fundadas na aceitação mútua e na aceitação do outro na convivência, “o social é uma dinâmica de relações humanas que se funda na aceitação do outro, e se não há espaço de abertura para que o outro exista junto de si, não há fenômeno social”. Tornar a escola um espaço onde cada um dos participantes possa ouvir e ser ouvido e onde todos estejam comprometidos. Na realização dos objetivos da escola é um desafio apresentado pelo Gestor. Para ele é preciso “manter o foco, com objetivo, senão desanda o projeto”. Sendo necessárias algumas habilidades para conduzir as questões de conflitos, pois muitas são as ideias, formas de pensar e de ver a educação. Algumas pessoas têm dificuldades em aceitar o que o grupo decide. Mas ele acredita que o diálogo entre as pessoas, tentar entender e respeitar as individualidades são as formas de conduzir. “Educar é enriquecer a capacidade de ação e reflexão do ser aprendente; é desenvolver-se em parceria com outros seres; desenvolver-se na biologia do amor que nos 85 mostra que o ser vivo é uma unidade dinâmica do ser e do fazer” (MATURANA & NISIS, 1997, P.49). Assim, a educação é um processo de transformação na convivência, onde o aprendiz se transforma junto com os professores e com os colegas com os quais convive em seu espaço educacional. A complexidade da gestão de uma escola em horário integral assume uma multiplicidade de tarefas, referentes ao reconhecimento da articulação entre educação, cultura e saúde. Essa questão da gestão da Escola Pública Integrada aparece no Caderno Pedagógico de Modelos Diferenciados de Escola, com um capítulo sobre essa temática. “A Escola Integral exige esforço, dedicação e exclusividade de tempo dos gestores. Administrar os diversos interesses, limitações de recursos e encontrar soluções para diversos obstáculos que vão surgindo na caminhada é tarefa muitas vezes desgastante.” (SANTA CATARINA, 2006, P.78) A gestão escolar passa a ser um canal de integração e de ações, que acontecem através de reuniões para viabilização da atuação integrada de diferentes profissionais, o envolvimento dos profissionais com a realização de uma educação nos princípios do projeto de escola em tempo integral. Quando pensamos nos profissionais que atuam nas escolas em tempo integral temos em mente aquele professor capaz de envolver-se com responsabilidade e comprometimento nessa proposta de ensino. Para a professora A “o professor está sempre em busca, sempre em busca de algo diferente, pesquisando, procurando, sempre interagindo com os alunos, ser bem dinâmico”. Para atuar em uma escola em tempo integral exige-se do profissional abertura para a busca constante, implicando uma postura de pesquisador capaz de dinamizar as atividades. Trabalhar em tempo integral torna-se um desafio para os educadores principalmente quando esse educador tem como objetivo transformar a escola em um local agradável. Por isso a Professora B acredita que o perfil do profissional é “ser dinâmico [...] competente, dedicado, amigo deles (alunos), e que domine o conteúdo”. Para ela existe a preocupação da metodologia adotada, do contato afetivo com os alunos, e por fim menciona a questão de saber o conteúdo. Para o Professor C o educador deve ser “um profissional com compromisso”, o primeiro critério do educador em tempo integral é o comprometimento com a escola, com a educação. Ainda para esse professor “envolver o lúdico na escola” já que a educação precisa envolver práticas lúdicas por facilitarem a aprendizagem que torna-se mais prazerosa. Uma questão evidenciada na entrevistas é em relação à afetividade do profissional. Para o Gestor o profissional de educação precisa “trabalhar com as emoções”. Para Maturana 86 (1998, p.92) “vivemos uma cultura que desvaloriza as emoções em função de uma supervalorização da razão, num desejo de dizer que nós humanos, nos distinguimos dos outros animais por sermos seres racionais”. Para Maturana somos mamíferos, e somos animais que vivem na emoção. O Professor B enfatiza o “querer o bem da criança, conversar muito com ela e ser muito humano”. É o entrelaçamento da emoção e da linguagem no conversar. Para Maturana (1998, p. 92) “não é o encontro que define o que ocorre, mas a emoção que constitui como um ato”. A maneira de conversar, de dialogar, de nos relacionar traz esse encaminhamento, traz a vivência dos valores humanitários, a partir do respeito mútuo que surge no viver e no conviver. O Gestor afirma ser indispensável “gostar da escola, gostar de pessoas, ser um professor apaixonado”. Acredito que isso passa, primeiro por gostar de sim mesmo, para então sim gostar da profissão que escolheu, fazer a sua parte, reconhecer a sua responsabilidade no espaço educacional em que está atuando, para transformá-lo num lugar de pessoas que convivem num respeito mútuo. Outra questão importante a considerar na educação escolar, é a questão da articulação entre as disciplinas. Uma contribuição que pode ser aproveitada para repensar o currículo. Existem muitos caminhos para o conhecimento e um deles, a ser construído, é em direção a transdisciplinaridade. Uma escola em tempo integral, que traz como pressuposto a educação integral precisa assumir esse diálogo entre especialistas das diversas áreas. Por meio da transdisciplinaridade “poderemos superar nossas próprias limitações, preconceitos e complexos, instituindo uma educação científica útil, muito diferente da que vem sendo realizada hoje”. (ROCHA FILHO, 2007, P.35) A transdisciplinaridade se realiza no trabalho cooperativo de professores de diferentes disciplinas que decidem integrar suas ações educativas. Para Professora A “isso está faltando, nós deveríamos estar mais vezes fazendo esses encontros”. Na mesma direção destaca o Gestor “deveria ser melhor”. Para a Professora B, que também trabalha em escola com ensino tradicional “nem sempre, mas conseguimos mais do que na escola tradicional”. Para ela essa articulação nem sempre acontece, mas percebe que acontece mais do que na outra escola em que atua. “Desse modo, o grande desafio da transdisciplinaridade é o diálogo ético entre especialistas das diversas áreas – um processo que implica na expansão contínua das competências individuais”. (ROCHA FILHO, 2007, p.45) 87 O olhar transdisciplinar nos remete a um todo significativo que emerge de um diálogo constante entre a parte e o todo e busca encontrar os princípios convergentes entre todas as culturas. Como o prefixo trans indica aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Educar transdisciplinarmente requer diálogo constante entre a comunidade escolar, integrando as experiências dos alunos, que envolve os elos de ligação entre as disciplinas, no objetivo de construir um conhecimento integral, unificado. (ROCHA FILHO, 2007) Para o professor C essa articulação acontece por meio de conversas entre os professores “nós conversamos bastante”, é nesse diálogo que surgem ideias, sugestões que contribuem no trabalho coletivo. Trabalhar de forma transdisciplinar significa abandonar o individualismo, adotando uma atitude ao mesmo tempo de humildade perante os muitos saberes, e atitudes de participação e integração das ações pedagógicas. “É necessário trabalhar pela eliminação da fragmentação do conhecimento, que dá poder às pessoas que não sabem como manejá-lo adequadamente justamente porque não tem a consciência da totalidade” (ROCHA FILHO, 2007, p. 35) A Escola em tempo integral, além da ampliação do tempo e espaço para permanência dos alunos na escola, expande também seus objetivos ao assumir a realização da educação integral. A organização escolar inclui educadores de diferentes áreas, não apenas o professor de turma, mas um corpo de especialistas ampliado capazes de contribuírem para possibilitar diferentes abordagens. Isso torna mais complexo o trabalho educativo, tornando necessária a articulação entre os diferentes profissionais, onde a visão mecanicista do mundo precisa ser substituída por uma visão sistêmica. A Escola de Período Integral pode constituir-se em alternativa para melhorar a qualidade da educação na escola pública considerando que ela necessita de um constante pensar e repensar do agir educativo e no envolvimento de todas e todos, num processo que não apenas ensina o que sabe e estimula o aprender, mas que vive intensa e coerentemente, voltada para a construção de uma escola e de um mundo melhor e mais humano. 88 CONSIDERAÇÕES FINAIS Educação integral supõe uma oportunidade de oferta de processos educativos, bem como promover condições para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da criança, articuladas com as diversas dimensões da vida. Pesquisar a forma de organização da escola em tempo integral, com uma proposta educacional diferenciada, instigou a minha curiosidade. Essa investigação teve o intuito de conhecer e entender um projeto escolar que propõe profundas mudanças educacionais. Mudanças nas relações de espaço e de tempo escolar. Importou também investigar e verificar se esse modelo diferenciado de escola pode ser uma alternativa de qualidade na consecução do processo de educação de crianças. Muitas indagações paralelizam com as apresentadas, porém, especificamente, nessa pesquisa, pretendi investigar, conhecer e entender o que mudou na escola com a implantação do projeto escola em tempo integral e se essa forma de organização escolar consegue atender aos conceitos básicos da educação integral. Outras questões que nortearam essa pesquisa foram, a diferença da escola em tempo integral das outras escolas, o que mudou na prática, saber como e o que os professores, o gestor, os pais dos alunos têm a dizer sobre essa modalidade de educação. O que pensam e quais as razões que os levam os pais a matricular os seus filhos nessa escola. Várias abordagens têm sido discutidas e apresentadas por educadores e estudiosos, buscando oferecer alternativas aos problemas educacionais. Dentre as várias alternativas apresentadas está a ampliação do tempo de permanência da criança na escola. Em relação aos motivos pelos quais a escola implantou o projeto em tempo integral ficou evidenciado que essa escola passava por uma dificuldade no baixo número de alunos, principalmente nas séries iniciais, onde que em 2004 estavam matriculados na 1ª série do ensino fundamental 9 alunos, e na 2ª série 6 alunos. A implantação do projeto foi uma alternativa viável. A comunidade escolar entendeu e aceitou a mudança, a adoção de uma nova organização escolar, um novo modelo educacional, contribuiu na mobilização das famílias. Houve uma integração mais significativa entre a escola e a comunidade. A comunidade, chamada participa das decisões não somente sobre a implantação desse novo modelo, mas continua trazendo importantes contribuições para a organização pedagógica e educacional da escola. A participação da comunidade foi e é um fator decisivo para 89 implantação e para consolidação do projeto, essa integração dá suporte para que se efetivem anseios da comunidade escolar. Outra questão importante, conhecida pela pesquisa, foi constatar que por parte dos pais e, partilhada pelos alunos, está a satisfação. Para eles a função da escola, para além de um local de estudos, oferece também possibilidades diferenciadas de atividades e, consequentemente, maiores oportunidades educativas. Pais e alunos consideram importante a presença e o comprometimento de bons professores e equipe gestora. A satisfação dos pais e alunos, constatada nessa pesquisa, é representada pela confiança, registrada no aumento do nº de alunos de 116 em 2004 para 192 em 2009. Para os professores esse projeto exigiu e continua exigindo muito empenho, dedicação e vontade de inovar. Reconheçam que a mudança de concepção gerou insegurança e medo. Medo como desafio diante do novo e do desconhecido. Para os professores, trabalhar nesse novo modelo de escola foi e continua sendo um grande desafio. Eles precisam aprender a trabalhar nessa nova organização de escola, principalmente nas disciplinas diversificadas. Argumentam que grande parte dessa dificuldade encontra-se em sua formação especificamente voltada para uma “preparação” para especificidades da disciplina, enquanto a escola em tempo integral desafia o educador a ir além de sua formação. Daqui deduz-se a necessidade de formação continuada, particularmente, para os educadores das escolas de tempo integral. Coelho (2002) ressalta que para pensar em educação integral é necessário pensar também numa política de formação continuada para o profissional da educação e não se pode descurar do tempo que deve ser despendido nessa formação. A autora defende que o tempo ampliado em um único local de trabalho pode possibilitar, aos professores esses momentos de reflexão pedagógica, educacional, institucional e social. Existe assim a possibilidade maior de troca de experiências entre os professores. A formação continuada dos professores é um condicionante para todas as modalidades de educação, mas ainda não tem uma política séria que viabilize de fato. A formação continuada possibilita o desenvolvimento, ao longo da vida profissional, como um processo contínuo, podendo ser ampliada e aprofundada em vários momentos da vida dos profissionais. Além da formação continuada, ficou evidenciado que existe a necessidade de planejamentos mais seguidos e com a participação coletiva dos educadores e equipe pedagógica. O horário integral exige e permite que os professores tenham tempo para encontros de planejamento de atividades, para estudo e desenvolvimento de práticas reflexivas que possibilitem o aprofundamento de sua visão sobre o trabalho desenvolvido. 90 Importante destacar que a escola em tempo integral, investigada está atendendo os princípios da educação integral por oferecer maiores oportunidades de aprendizagem. Ela oferece uma variedade de disciplinas diversificadas que, segundo os entrevistados está contribuindo significativamente com o processo educacional. O tempo maior na escola, o contato com mais pessoas e formas diferenciadas de aprender fazem a diferença da escola em tempo integral. A pesquisa mostra, com destaque, que o aluno gosta da escola e deseja estar nesse ambiente escolar. A escola em tempo integral cria condições de maior convivência entre as pessoas, oportuniza a adoção de atitudes mais humanas. Todos os pesquisados disseram que um dos grandes ganhos até aqui, embora ainda não suficiente, foi uma maior convivência entre professores e alunos. Outra mudança importante foi em relação à estrutura física. A consolidação do projeto resultou na ampliação do espaço físico. A escola passou por reformas e ampliação do espaço. Uma escola em tempo integral exige espaços que antes não tinham uma importância relevante, como é o caso do refeitório, espaço para lazer e para um descanso após o almoço. Uma escola em tempo integral requer uma estrutura física adequada para efetivar as atividades básicas e atividades diversificadas, desde espaços para a prática de esportes, danças, artes, artesanato, informática, literatura, jogos matemáticos, lego, música e outros. Uma escola com escola em tempo integral requer cuidados essenciais com relação à higiene do ambiente. Instalações sanitárias adequadas, funcionais e apropriadas para escovações de dentes, de fácil acesso e limpeza, cozinha e refeitório com utensílios apropriados em suficientes, além de espaço funcional e higiênico, considerando que as crianças fazem diariamente três refeições (lanche da manhã, almoço e lanche da tarde). Para que o momento das refeições seja considerado um momento educativo, não somente em relação aos hábitos alimentares e sua diversificação, mas de convívio e entretenimento, ele possui um palco para apresentações, importa que seja um ambiente favorável organizado, agradável, higiênico e saudável. Outro espaço importante é a biblioteca, anteriormente situado junto à sala dos professores, num espaço improvisado, agora com espaço próprio. A sala de informática foi igualmente adequada, porém ainda com número de computadores considerado insuficiente, dez até o momento. Os corredores mais amplos possibilitam espaços para exposição de trabalhos dos alunos. Quase todos os ambientes estão climatizados, fruto de parceria com a empresa localizada ao lado da escola. 91 Quanto ao tema educação integral e formação humana, ficou constatado que, para os professores, esse tema é complexo e exige visualizar o aluno como um todo e como um ser humano. Nessa visão não pode haver a sobreposição dos aspectos cognitivos em relação aos afetivos. Na concepção dos professores o reconhecimento da escola como um local de formação humana, passa pela superação da tradicional concepção de educar como um mero repasse de informações, para transformar-se num ambiente onde os processos educativos tenham na interação e na convivência o seu suporte. Educação integral fundamenta-se na relação de convivência do educador com alunos, para construir espaços onde a congruência e a afinidade entre ambos se tornem cada vez mais efetiva. Nessa perspectiva, educar significa levar a concepção sistêmica para a sala de aula. Superar o individualismo e pensar o aluno como ser vivo, como ser por inteiro, com potencialidades e fragilizadas que se entrecruzam constantemente. A concepção sistêmica tem sua aposta na integração dos diferentes modos de pensar, de modos de pensar mais abrangentes, mais articulados em busca da melhor compreensão dos significados do aprender e da complexidade das relações intra e entre humanos. A escola também convive com inúmeras dificuldades. Dificuldades em relação à sua consolidação, ao perfil do profissional para atuar na perspectiva da educação integral e, de importância fundamental, o desafio da articulação entre as disciplinas. Em suas entrevistas os educadores falaram de qual o perfil para trabalhar em uma escola em tempo integral. Para eles importante é ter abertura para a busca constante, o implica numa postura de pesquisador e dinamizador de atividades. Requer-se preocupação e um repensar constante em relação aos aspectos metodológico e pedagógicos que precisam ser dinâmicos porque frutos de diálogo amplo e profundo. Foram apontadas limitações em relação ao espaço físico, requerido pelo aumento do tempo de permanência na escola. Faltam locais apropriados e amplos para a realização das atividades complementares ou diversificadas, já que ainda é necessário deslocar-se para outros locais, distantes da escola. Para as disciplinas diversificadas faltam materiais para aplicações práticas tanto em quantidade quanto em qualidade. Considerando todos esses enfoques importantes para concretização do projeto, destaco a importância da gestão democrática presente na escola estudada. Essa gestão está conseguindo promover e articular a ação de pessoas nos processos democráticos de participação, envolvimento e comprometimento. A gestão oportuniza o diálogo, na escola e fora dela. Nesse diálogo constante com a comunidade escolar traz as famílias para a escola, 92 acolhe e discute suas sugestões, colocando-as no compromisso de atuar e ajudar nas ações e atividades da escola. Por fim destacamos que nessa escola visualiza-se, de forma precária, em termos práticos, mas nos imaginários crescem entendimentos em relação à importância do envolvimento gradativamente com o a atitude transdisciplinar. Os entrevistados destacam sua importância, mas percebem suas limitações. Sabem que essas limitações podem ser superadas pela formação continuada. Para os educadores, a escola em tempo integral possibilita maiores oportunidades para realização de atividades integradas se desenvolvidas tem como base a atitude transdisciplinar. O tempo de permanência dos educadores na escola, um fator positivo no aprofundamento de experiências partilhadas, na reflexão sobre as mesmas e na sua reestruturação. Como modelo diferenciado de organização, a Escola em Tempo Integral é uma alternativa em prol da qualidade e da humanização. Uma alternativa efetiva no complexo compromisso com o processo de formação de pessoas. A Escola em Tempo Integral sonha estratégias de melhorias no processo de formação humana integral. Para construir uma Escola em Tempo Integral, não basta somente uma Lei que a assegure, porque ela pode representar uma solução momentânea. Esse foi sem dúvida o grande diferencial dessa escola, que conseguiu fazer essa articulação nos termos da Lei com o comprometimento da escola, onde gestor, professores, alunos, pais, líderes da comunidade, assumiram o projeto e deram a ele a dinâmica necessária para que a Escola em Tempo Integral fosse fortalecida como local público destinado a garantir o desenvolvimento das crianças e dos jovens. Dentre as conquistas da escola está o baixo índice de evasão, que somente ocorre em casos de mudança de cidade. Existe também uma procura muito grande por vaga nessa escola, e os pais após conseguirem, não desistem dela, por que a reconhecem como um modelo diferenciado de escola oferecendo uma alternativa de qualidade na consecução do processo de educação de crianças Após o termino da pesquisa fiz algumas observações importantes, uma delas se deu no final de novembro de 2009, quando iniciou o processo de matrículas para o ano letivo de 2010. Os pais fizeram fila na escola a partir das 23 horas do dia anterior ao início das matrículas, como forma de garantir vaga para seus filhos. Isso é um diferencial, porque em nenhuma outra escola da cidade ocorre essa procura e essa vontade de efetivar a matrícula. Outro fato importante, que foi amplamente destacado pela imprensa regional, a 93 inauguração do centro poliesportivo com piscina semi-olímpica. A inauguração contou com a presença do governador do Estado, alunos, professores, lideranças, autoridades e toda a comunidade. Além da piscina semi-olímpica, a primeira fora da capital, a escola conta quadra de esportes, ambos com vestiários, banheiros e mais duas salas de aula. A Escola, desde sua inauguração, há 25 anos, almejava um espaço para práticas esportivas, e conseguiu mais do que havia solicitado. Os investimentos realizados são frutos do trabalho e da organização da comunidade local que demonstrou, através da capacidade de organização, que a educação necessita de investimentos em sua estrutura física para que sejam efetivadas as práticas pedagógicas. Essa pesquisa traz importantes contribuições no âmbito escolar, porque nos faz perceber que o mundo relacional pode ocorrer como um processo harmonioso e integrado. Mostra que a escola é um espaço onde para além do aprender a pensar e aprender a aprender, é um espaço social para aprender a viver e conviver. Para mim, educadora e pesquisadora, acredito que a vivência de experiências em contextos educacionais, com ambientes que colaboram em desenvolver situações de aprendizagem facilita o cultivo da alegria, e pode garantir a inteireza humana assegurando a abertura para continuar aprendendo ao longo da vida, além de possibilitar momentos de felicidade capazes de promover uma melhor qualidade de vida. 94 REFERÊNCIAS ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Editora Unimep, 2001. _____________. Metáforas novas para reencantar a educação. Piracicaba: Unimep, 1996 _____________. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. ASSMANN, Hugo & SUNG Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. Petrópolis: Vozes, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. _________. 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