II Encontros Coloniais
Natal, de 29 a 30 de maio de 2014
Muitos soldados, poucos fidalgos: os candidatos ao governo do Rio Grande (1700-1751)
Leonardo Paiva de Oliveira
Graduando em História, UFRN
Orientadora: Carmen Margarida Oliveira Alveal
[email protected]
O processo de seleção dos governadores das capitanias da América portuguesa
passava por diversas instâncias e consultas. Primeiramente abria-se um prazo para a
candidatura, depois o Conselho Ultramarino iria analisar os nomes e dispô-los em uma lista
organizada hierarquicamente para depois mandar para o Rei e assim conseguir o despacho
régio.1A tendência após a Guerra de Restauração foi que os cargos de grande importância,
sejam eclesiásticos ou de governança, fossem concedidos a pessoas de cada vez maior
qualidade, principalmente no caso dos governos-gerais e vice-reinados da Índia e do Brasil. A
partir dessa afirmativa Nuno Gonçalo e Mafalda Soares fazem o seguinte questionamento:
“[...] Mas os outros governos e capitanias do Atlântico, muito mais numerosos e cujo
exercício se revelava por vezes penosos, será que não contrariariam essa tendência?”.2 Desta
forma, partindo deste questionamento, esse trabalho pretende analisar o perfil dos candidatos
ao governo do Rio Grande durante a primeira metade do século XVIII.
Dos 11 governos que teve a capitania do Rio Grande no período analisado, pelo menos
em quatro deles não foi possível identificar os candidatos, seja por falta de documentos ou ao
péssimo estado dos mesmos, como no caso da relação de candidatos ao governo em que
Domingos de Morais Navarro foi candidato. Nos casos das relações de André Nogueira da
Costa (1708-1711), Salvador Álvares da Silva (1711-1715) e Luís Ferreira Freire (1718-1722)
não foi possível até o momento identificar a documentação referente a escolha deles, apenas
suas cartas patentes no ato de nomeação dos mesmos no posto de capitão-mor por parte do
rei3. Tais cartas patentes apenas possibilitam delinear o perfil daqueles que foram
1
MONTEIRO, Nuno. Governadores e capitães-mores do império atlântico português no século XVIII. In:
BICALHO, Maria Fernanda; FERLINE, Vera Lúcia. Modos de governar: ideias e práticas políticas no império
Português – Séculos XVI-XIX. São Paulo: alameda, 2005.
2
MONTEIRO, Nuno; CUNHA, Mafalda Soares. Governadores e capitães-mores do Império Atlântico português
nos séculos XVII e XVIII. In: MONTEIRO, Nuno; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares (Org.). Optima
Pars Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, p. 196.
3
LEMOS, Vicente de; MEDEIROS, Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte:
1701-1822. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do RN, 1980, v. 2.
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selecionados, permanecendo, infelizmente, ainda obscuro o perfil dos demais candidatos que
não foram escolhidos.
O primeiro governo do Rio Grande, no século XVIII, foi o de Antônio Carvalho de
Almeida (1701-1705). Acreditasse que para esse caso não houve um concurso como
normalmente acontece para a seleção do próximo capitão-mor, pois até o momento não foi
encontrada nenhuma documentação referente a isso e também porque a sua nomeação ocorreu
devido à indicação de seu irmão, o padre Miguel Carvalho de Almeida, sacerdote do hábito de
São Pedro4, que tinha mandado um requerimento ao rei pedindo autorização para atuar nos
sertões do Rio Grande e também para que o seu irmão, Antônio Carvalho de Almeida fosse
junto com ele àquela capitania, assumindo o cargo de capitão-mor da mesma. O rei
encaminhou o requerimento do Padre ao presidente do Conselho Ultramarino, D. Francisco de
Távora, para que se fosse feita uma consulta a respeito deste requerimento5. Ao analisar sua
carta patente, tem-se o seguinte trecho:
Faço saber aos que esta minha carta patente virem que em consideração do que se
me representou a favor do Padre Miguel Carvalho em ordem ao serviço que se vai
fazer nos sertões do Assu, e da melhor execução que nele pode ter servido seu irmão
Antonio Carvalho de Almeida, Capitão-mor [...]6.
A partir do trecho acima, pode-se perceber como a indicação de Miguel Carvalho teve
alguma influência no processo de escolha do novo capitão-mor. Agora é importante destacar
que Antônio Carvalho de Almeida era um Moço da Câmara da casa de Sua Majestade, ou
seja, possuía um título nobiliárquico importante7, consequentemente, deveria ser alguém com
algum prestígio na Corte, assim como o seu irmão. Além da própria influência que deveria
existir, a sua escolha seguia a tendência de selecionar para os cargos de governanças os
homens de melhor qualidade social.
O próximo governo foi o de Sebastião Nunes Colares (1705-1708). Na consulta8 que
antecede a sua nomeação, concorreram ao cargo também Luiz de Sousa Furna, Antônio
Rodrigues Colaço, José Porrate de Álvares e Castro e Gabriel da Silva Lagos. Dentre os cinco
4
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10016.
Arquivo Histórico Ultramarino – Rio Grande do Norte, Papéis Avulsos, Caixa 01, Doc. 56.
6
REGISTRO da patente do capitão-mor Antonio Carvalho de Almeida apud LEMOS, Vicente de; MEDEIROS,
Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte: 1701-1822. Natal: Instituto Histórico e
Geográfico do RN, 1980. v. 2.
7
Para mais informações sobre esse título ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser Nobre na colônia. São
Paulo: UNESP, 2005. Especialmente p. 68.
8
AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 01, Doc. 58.
5
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candidatos, nenhum possuía algum título nobiliárquico, apenas experiência militar e, em
alguns casos, experiência em outros cargos do governo que não eram militares. Sebastião
Nunes Colares, segundo o seu currículo, possuía uma vasta experiência militar, com mais de
23 anos de atuação, atuando nos postos de soldado, alferes ajudante, capitão de infantaria e de
navios e também capitão-mor da capitania do Sergipe. Durante seu período de atuação, passou
por diversas localidades, como em Goa, Meca, Portugal e Sergipe, mostrando que tinha um
experiência atlântica. Dentre as diversas atividades realizadas, tem destaque a escolta que ele
fez do vice rei, Antônio de Mello e Castro, do Brasil a Portugal. Já Luiz de Sousa Furna
também possuía uma vasta experiência militar, cerca de 21 anos de atuação, todos esses 21
anos na capitania da Paraíba. Ocupou os cargos militares de capitão de cavalos e coronel das
ordenanças. Além de sua experiência militar, chegou a ocupar durante algum tempo os postos
de provedor e contador da Fazenda Real, e posteriormente ocupou os cargos de juiz de órfãos,
ouvidor e auditor da gente de guerra, todos esses cargos na capitania da Paraíba. Outro
candidato, Antônio Rodrigues Colaço, serviu em Pernambuco durante 23 anos como praça de
soldado, alferes de infantaria paga, e capitão de ordenança9. Além de ocupar esses cargos
militares, foi também procurador do Senado da Câmara da vila de Olinda e Tesoureiro da
Santa casa de Misericórdia. O quarto candidato, José Porrate de Álvares e Castro, serviu
durante quatro anos no posto de Capitão de infantaria, no terço do Mestre de Campo Manoel
Álvares de Moraes Navarro, atuando principalmente na chamada Guerra dos Bárbaros 10,
deslocando-se principalmente entre as capitanias da Paraíba e Rio Grande. Finalmente,
Gabriel da Silva Lagos possuía cerca de treze anos de experiência militar, ocupando os postos
de soldado, Ajudante supra e Sargento-mor na capitania do Sergipe.
Feita a análise dos currículos desses candidatos, o Conselho Ultramarino colocou em
primeiro lugar Sebastião Nunes Colares, em segundo lugar Luís de Sousa Furna e em terceiro
Antônio Rodrigues Colaço, deixando os demais candidatos sem colocação, mostrando dessa
forma que eles não deveriam ser levados em consideração no ato da escolha do rei. Dentre os
três escolhidos pelo Conselho, eles eram os que possuíam maior experiência militar, e tendo
9
Pela descrição do documento, aparentemente Antônio Rodrigues Colaço passou de alferes de infantaria paga
para capitão de ordenança. Tal mudança de cargo e de tipo de tropa foi uma estratégia adotada pela Coroa, que
selecionava para os cargos de comando das ordenanças pessoas provenientes do oficialato das tropas regulares.
Para mais informações, ver: MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Forças militares no Brasil colonial. In:
Possamai, Paulo (Org.). Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil. Estudos de História Militar na
Idade Moderna.
10
Para mais informações sobre essa guerra, ver: PUTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a
colonização do sertão Nordeste do Brasil 1650-1720. São Paulo: Edusp, 2000.
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algumas experiências em outros cargos do governo fora da esfera militar, mas vale ressaltar
que desses três, apenas Sebastião Nunes Colares possuía uma experiência além das terras
americanas e também foi o único que já tinha ocupado o posto de Capitão-mor anteriormente,
mostrando neste caso que quando os títulos nobiliárquicos estavam em falta, ou seja, quando
não se podia avaliar pela qualidade titulada dos indivíduos, a experiência militar era o fator
determinante na escolha.
Na consulta que antecede o governo de Domingos Amado (1715-1718)11, um total de
três candidatos se colocaram à posição de serem nomeados para o posto de Capitão-mor.
Foram eles o próprio Domingos Amado, Antônio de Souza Caldas e Fernão Lobo de Souza.
Analisando o currículo deles, para o primeiro, consta que serviu por tempo de 18 anos, todos
eles na Europa, nos postos de praça de soldado, sargento supra, furriel-mor, alferes e Capitão
de infantaria, dando-se destaque de sua participação na Guerra de Sucessão Espanhola,
combatendo em diversas cidades daquele país, chegando durante os combates a ser ferido por
“sete feridas penetrantes” e sendo inclusive feito prisioneiro e enviado para França, para
depois conseguir retornar a Portugal, não sendo esclarecido como ocorreu a sua liberação. O
segundo candidato, Antônio de Souza e Caldas, serviu durante cerca de sete anos na
Catalunha, nos postos de furriel-mor, alferes, tenente e capitão de infantaria. Sua participação
também foi focada na Guerra de Sucessão Espanhola, envolvendo-se em diversos embates
com as tropas inimigas de Portugal, chegando a ter que atravessar um rio com a água pelos
peitos carregando o peso das cargas de munições e artilharias que tinha conquistado do
inimigo. Outro candidato, Fernão Lobo de Souza, consta ter servido a Portugal por um
período de 16 anos, no próprio país, no reino de Angola, na praça da Bahia e na capitania de
Sergipe, nos postos de praça de soldado, capitão de esquadra, alferes pago, ajudante supra e
capitão-mor da capitania de Sergipe. Possuía grande experiência marítima, navegando por
diversas localidades e participando de alguns conflitos em alto mar. Acompanhou o
Governador de Angola, Henrique Jacques de Magalhães, do Rio de Janeiro até Angola.
Quando foi capitão-mor de Sergipe e teve notícias da morte do rei Dom Pedro II, organizou
naquela capitania junto com os oficiais da Câmara, um evento de solenidade, fazendo com
que os nobres e oficiais de milícias descarregassem grandes cargas de mosqueteiras em
homenagem ao falecido rei.
11
AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 01, Doc. 77.
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Ao fim da listagem dos nomes dos candidatos e de seus feitos, o Conselho
Ultramarino decidiu votar em primeiro lugar em Domingos Amado, alegando que este era o
que possuía maior experiência dentre os candidatos e também porque deu grande contribuição
no conflito em que esteve envolvido, destacando o fato dele ter sido ferido sete vezes nas suas
batalhas. Em segundo lugar foi escolhido Antônio de Souza Caldas, por ter servido sempre
com grande valor durante a guerra. E por fim, Fernão Lobo de Souza, sem ser colocada
nenhuma justificativa. Dentre os critérios destacados pelo Conselho, mais uma vez a
experiência teve grande peso. Assim como no caso analisado anteriormente, não existia entre
os candidatos nenhum que possuísse alguma distinção nobiliárquica, por isso a escolha pela
experiência. No entanto, vale destacar que dentre eles o único que possuía experiência como
capitão-mor foi o que ficou em terceiro lugar, mostrando aqui que tal experiência não teve
tanto peso no momento da escolha pelos conselheiros. Enquanto aos dois primeiros
colocados, o fato de eles terem participado da Guerra de Sucessão teve grande relevância, o
que evidencia que a experiência militar era de grande importância. Interessante de se destacar
dentre os feitos dos candidatos, foi a tentativa de criar uma imagem heroica de seus feitos,
como no caso de Domingos Amado, que destacou o fato de ter sido ferido sete vezes e levado
como refém; assim como a tentativa de se mostrar intimamente conectado ao poder do rei
como um fiel vassalo, quando Antônio de Souza e Caldas tentou mostrar sua fidelidade
máxima ao destacar as homenagens que organizou em respeito da morte de seu amado rei.
Na consulta referente à nomeação de José Pereira da Fonseca (1721-1728)12,
concorreram ao cargo de capitão-mor as seguintes pessoas: José Pereira da Fonseca, Pasqual
de Souza e Patrício da Nóbrega de Vasconcelos. Analisando os seus currículos, consta que o
primeiro serviu por tempo de 33 anos em diversas espacialidades, sendo elas, Pernambuco,
Angola e Bahia, ocupando os cargos de praça de soldado, sargento-supra, alferes ajudante e
capitão de infantaria do terço pago que serviu de guarnição da praça de Olinda. Esteve
presente em diversas embarcações, fosse pela costa do Brasil fosse, entre o Atlântico,
mostrando-se um experiente marinheiro. Chegou a receber agradecimentos do governador de
Pernambuco, Félix José Machado de Mendonça, pelos seus serviços naquela capitania. O
próximo candidato, Pasqual de Souza, consta ter servido por um período de cerca de 21 anos,
em Pernambuco, Cerará e Rio Grande, como praça de soldado, sargento supra, alferes
ajudante, sargento-mor da fortaleza do Rio Grande e capitão de infantaria do terço de
12
AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 02, Doc. 08.
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guarnição de Olinda. Na sua experiência militar, participou de conflitos contra os indígenas,
auxiliando o governador de Pernambuco, Sebastião de Castro Caldas, que estava ferido por
um tiro que recebeu13. E por fim, Patrício da Nóbrega de Vasconcelos consta ter servido por
cerca de dez anos nas províncias da Beira, Trás os Montes, Alentejo e nas cidades do Recife e
Ceará. Ocupando os cargos de praça de soldado, alferes, tenente e capitão de infantaria.
Dentre os feitos destaca-se sua participação na Guerra de Sucessão Espanhola, envolvido em
diversos embates, principalmente na fronteira entre os dois países, nas intermediações do rio
Caya, conquistando fortes e artilharia inimiga. Conseguindo ter sucesso em suas empreitadas,
chegou a receber, ainda durante o conflito, uma carta de agradecimento do rei pelos seus
serviços. No Brasil, merece destaque sua participação no processo de restauração da Fortaleza
Nossa Senhora da Assunção, no Ceará, serviço este que o fez receber novamente mais uma
carta de agradecimento do rei pelos seus serviços.
Após a análise dos currículos dos candidatos, o Conselho Ultramarino votou em
primeiro lugar em Pasqual de Souza, pois foi dentre os opositores, aquele que ocupou o posto
de maior graduação, o de sargento-mor, naquela mesma capitania. Em segundo lugar foi
escolhido José Pereira da Fonseca e em terceiro, Patrício da Nóbrega, não tendo nenhuma
justificativa para esses dois. Importante destacar nessa consulta, que além da classificação
designada pelo Conselho, também foi colocada a escolha de dois conselheiros, os doutores
Manoel Fernandes Varges e José de Carvalho Abreu, que votaram em primeiro lugar em José
Pereira da Fonseca, justificando suas escolhas devido a vasta experiência do mesmo, e em
segundo lugar em Pasqual de Souza. Mostra-se, nesse caso, que dentro do próprio Conselho
Ultramarino não existia um consenso. Terminou sendo escolhido pelo rei, José Pereira da
Fonseca. Nesse processo de escolha, pode-se perceber que parte do Conselho decidiu por
aquele que teve experiência na patente de maior grau na hierarquia militar, enquanto para
outra, mais valeu o tempo de serviço de José Pereira, que era maior do que o de Pasqual de
Souza, ou seja, mesmo tendo menos prestígio de certa forma, por ocupar um cargo de menor
importância, sua experiência por ser mais vasta, cerca de 12 anos a mais, foi o que mais foi
levado em consideração. Interessante de se destacar nessa relação analisada, é que na parte
que diz respeito a Patrício da Nóbrega, afirma que ele recebeu uma carta de agradecimento do
rei, com este dizendo que suas obras ficariam em sua real lembrança para os momentos de lhe
13
No documento não fica claro o motivo do tiro, mas pelo o que deixa entender foi durante o conflito com os
indígenas.
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conceder alguma mercê, o que foi lembrado pelo suplicante, mas que no entanto, para essa
mercê em específico, suas obras não foram o suficiente para o fazer ganhar.
Na consulta referente à nomeação de João de Barros Braga (1731-1734), participaram
do concurso João de Barros Braga, João de Teive Barreto de Menezes, José Henrique de
Carvalho, Miguel de Melo, João da Silva Pereira e Cristovão Dias Castro. Analisando o
currículo do primeiro, consta ter servido por cerca de 33 anos na capitania do Ceará, nos
postos de ajudante, capitão de cavalos e coronel da vila de São José. Analisando os seus
serviços é realmente impressionante a quantidade de feitos que consta no seu currículo. Em
média cada currículo ocupa cerca de uma página, enquanto o deste indivíduo ocupa oito
páginas e meia. Dentre os seus serviços, auxiliou no aldeamento de tribos indígenas, levando
diversos indígenas a essas aldeias a sua custa; auxiliou nas reformas de algumas fortalezas e
edificações de igrejas, tirando alguns gastos de sua própria fazenda para concretizá-los;
ajudou nas despesas para a construção da casa da Câmara da vila de São José; participou de
batalhas contra grupos de indígenas que se rebelavam contra a Coroa, adentrando nos sertões
com seus homens e escravos, tudo com muita despesa de sua fazenda; na chegada do
desembargador Cristóvão Soares Reimão àquela capitania, construiu uma casa para ele e os
seus oficiais que o acompanham por não ter naquele lugar, local apropriado para aquelas
pessoas; e muitas outros serviços que não receberão destaque nessa análise. O próximo
candidato, João de Teive Barreto de Menezes, fidalgo cavaleiro da casa real consta ter servido
por cerca de 13 anos, na cidade do Funchal e na corte. Ocupou os cargos de soldado da corte e
de capitão de infantaria. Dentre suas experiências, ganha destaque as diversas vezes que
embarcou em comboio a outras embarcações, muitas vezes carregando os quintos reais de
outras regiões ou então dando segurança ao transporte de autoridades governativas. O terceiro
candidato, José Henrique de Carvalho, consta ter servido por cerca de 22 anos, na Corte, pela
Repartição da Junta do Comércio e Armazéns da Coroa, e em Pernambuco, mais
especificamente em Olinda. Serviu nos postos de praça de soldado, infante, cabo de esquadra,
sargento do mar e guerra, ajudante do número da guarnição da cidade de Olinda e capitão de
infantaria da mesma cidade. Dentre os seus serviços, ganha destaque sua participação na
Guerra de Sucessão Espanhola, participando de alguns conflitos, e também no comboio que
fez dos governadores de Angola e Minas ao reino e de várias navegações em proteção à
região costeira do Brasil, mostrando-se um experiente marinheiro. O próximo candidato,
Miguel de Melo, consta ter servido por 18 anos, na Comarca do Santarém e Angola, nos
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II Encontros Coloniais
Natal, de 29 a 30 de maio de 2014
postos de alferes do terço auxiliar e capitão-mor do presidio de Caconda, em Angola,
provedor da fazenda real e juiz de órfãos daquele mesmo lugar. Dentre os seus feitos, destacase o seu comportamento na vila angolana, que se encontrava em guerra, e segundo seu
currículo, o suplicante “agiu com suas máximas astucias”. Finalmente, Cristóvão Dias Castro
serviu por tempo de 17 anos na região do Trás os Montes, nos postos de praça de soldado e
sargento supra. Dentre os seus serviços, destaca-se a guarnição que fez de algumas regiões da
área em que atuava por estarem sofrendo ataques do inimigo, e posteriormente avançar junto
com suas tropas a corte de Madrid, sendo ele mais um candidato envolvido na Guerra de
Restauração.
Após a análise dos candidatos, o Conselho Ultramarino votou em primeiro lugar em
João de Barros Braga, pois possuía muita experiência nos sertões do Ceará e que seus serviços
foram de grande ajuda à Coroa. Em segundo lugar ficou Miguel de Melo e em Terceiro, João
de Teive Barreto de Menezes. Outros conselheiros tiveram posições diferentes ao segundo e
terceiro lugar, no entanto, todos concordaram que João de Barros Braga era o mais indicado
para o cargo. Nesta consulta, mais uma vez apareceu um candidato nobre, ao governo do Rio
Grande, que foi o caso de João de Teive. No entanto, apesar de ser uma pessoa com qualidade
social, um fator de grande influência no processo de escolha para os governantes, sua
experiência militar era pequena se comparada aos demais, principalmente a João de Barros,
que possuía mais do que o dobro de experiência. Mostrou-se nesse caso, mais uma vez a
experiência militar como um fator determinante no processo de escolha. Agora cabe ressaltar
que João de Barros, apesar de sua experiência, deveria ser uma pessoa de grande poder
econômico e com muita influência naquela região, tendo em vista a quantidade de auxílios
que ele providenciou a partir de suas próprias custas e também era um grande sesmeiro do
Ceará, possuindo um total de 13 sesmarias14. Então, apesar de não ser uma pessoa com títulos
nobiliárquicos, era um militar experiente e com muito cabedal, o que deve ter influenciado do
forma significativa no processo de sua escolha.
Na consulta que antecede o governo de João de Teive Barreto de Menezes (17341739)15, preterido no governo anterior, se candidataram ao posto Miguel de Melo, José
Rodrigues de Castro e José Vieira da Silva. Analisando o currículo do primeiro, não houve
14
Tal informação pode ser retirada da Plataforma SILB. A Plataforma SILB (Sesmarias do Império LusoBrasileiro) é uma base de dados que pretende disponibilizar on-line as informações das sesmarias concedidas
pela Coroa Portuguesa no mundo atlântico.
15
AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 3, Doc. 190.
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nenhuma alteração significativa com relação aos seus feitos já analisados na consulta passada,
por isso não há necessidade de escrever aqui. O próximo candidato, José Rodrigues de Castro,
consta ter servido por cerca de nove anos na corte e na capitania de Pernambuco, na cidade do
Recife, ocupando os cargos de soldado pago e alferes. Dentre os seus serviços não teve
nenhuma experiência que merecesse destaque, a não ser que quando ocorreu um levante dos
terços na capitania de Pernambuco por falta de pagamento, ele não se envolveu. Consta
também que ele era um dos principais daquela capitania16. Por fim, José Viera da Silva consta
ter servido por cerca de 29 anos, na província de Trás os Montes, como furriel da Companhia
de Dragões e tenente da mesma companhia. Dentre os seus feitos destaca-se sua participação
na Guerra de Sucessão, envolvendo-se em algumas batalhas com tropas inimigas.
Após a análise dos candidatos, o Conselho Ultramarino votou em primeiro lugar em
Miguel de Melo, justificando sua escolha pelo fato dele já ter tido a experiência de ser
capitão-mor de outra localidade. Em segundo lugar José Rodrigues de Castro, pois era uma
das pessoas mais nobres de Pernambuco17. E em terceiro, em José Vieira da Silva. Nesta
seleção, o Conselho adotou como critério não apenas a experiência militar como também a
experiência do cargo, já que Miguel de Melo já havia exercido esse mesmo cargo. Vale
ressaltar o fato de José Vieira da Silva ter ficado em terceiro lugar, pois era entre os três o que
tinha maior tempo de serviço, com 11 anos a mais do que Miguel de Melo e 20 anos a mais
do que José Rodrigues de Castro e ainda com experiência na Guerra de Sucessão. Neste caso,
por algum motivo não identificado, sua ampla experiência não foi levada em consideração.
Interessante de se destacar, que quem terminou sendo escolhido para assumir o governo do
Rio Grande não foi nenhuma dessas três pessoas. João de Teive Barreto de Menezes foi quem
foi escolhido pelo rei. Não se sabe ainda o motivo pelo qual ele foi escolhido sem o seu nome
se quer ter sido enviado na lista.
Na consulta que antecede o governo de Francisco Xavier de Miranda Henriques
(1739-1751)18, se candidataram ao cargo além do próprio Miranda Henriques, Caetano de
Mendonça e Rafael Ribeiro Pereira. Analisando o currículo do primeiro, consta ter servido
por tempo de 18 anos no reino e na praça de Mazagão. Era um moço fidalgo da casa real e
16
Para mais informações sobre o termo “principais da terra”, ver: BICALHO, Maria Fernanda. Conquista,
Mercês e Poder Local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura política do Antigo Regime”. In:
Almanack Braziliense, nº 2, 2005.
17
Até o momento ainda não foi encontrada nenhuma referência sobre essa pessoa para tentar verificar sua real
condição naquela capitania.
18
AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 4, Doc. 253.
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ocupou os postos de praça de soldado de cavalo, cavaleiro acobertado com armas às suas
próprias custas e capitão de infantaria. No decorrer de sua trajetória, esteve envolvido em
diversos combates com os mouros no Mazagão. O próximo candidato, Caetano de Mendonça,
era cavaleiro fidalgo da casa real, servindo por tempo de 12 anos nas capitanias de
Pernambuco, Rio Grande e na própria Corte. Ocupou os postos de praça de soldado infante,
ajudante supra de um terço dos moços solteiros, sendo elas nas capitanias do Brasil e
posteriormente foi soldado de cavalo do regimento de Cascais, na Corte portuguesa. Dentre os
seus feitos, destaca-se apenas que obrou com destaque e destreza em algumas prisões e no
auxílio de alguns levantes. Por fim, Rafael Ribeiro Pereira, cavaleiro professo da Ordem de
Cristo19, serviu nos postos de capitão-tenente da Fortaleza de São Sebastião, no Rio de
Janeiro, e alferes de uma companhia da nobreza auxiliar nessa mesma cidade. Não consta no
documento os anos de serviço desse indivíduo nem se destaca nada em especial de sua
atuação, apenas se afirma que em tudo o que trabalhou foi com grande zelo.
Após a análise dos candidatos, o Conselho Ultramarino votou em primeiro lugar em
Francisco Xavier de Miranda Henriques; em segundo lugar em Caetano de Mendonça e em
terceiro lugar em Rafael Ribeiro Pereira, não apontando nenhuma justificativa do porquê de
suas escolhas. Nesta relação, destaca-se a qualidade dos candidatos, sendo um cavaleiro
fidalgo, um moço fidalgo e um cavaleiro da Ordem de Cristo. Não possuíam experiências
militares tão extensas nem passaram por diversos postos, como em casos anteriores, no
entanto, possuíam status que os elevavam a serem tidos como candidatos muito fortes. Dentre
os três, Francisco Xavier de Miranda Henriques era o que tinha maior experiência militar e
provavelmente devido a essa experiência é que ele foi escolhido.
Após a análise dos candidatos ao governo do Rio Grande na primeira metade do
século XVIII, não restam dúvidas sobre o perfil desses sujeitos. Militares de grande
experiência no que diz respeito ao assunto de guerras e combates e pouquíssimos com algum
tipo de distinção nobiliárquica, o que normalmente se espera para um indivíduo que irá ocupar
um cargo de governança. Por se tratar de uma capitania periférica, esse tipo de informação
serve apenas para reforçar a ideia de que nem todo governo interessa àqueles pertencentes à
nobreza portuguesa, abrindo espaço para que pessoas de menor prestígio social possam ter, de
certa forma, uma oportunidade de mostrar um bom serviço de governança e com isso
conseguir através do reconhecimento régio, mercês que possibilitem alguma ascensão social,
19
Para mais informações sobre a Ordem de Cristo ver: OLIVAL, Fernanda. Ordens militares e o estado
moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641 – 1789). Lisboa: Estar, 2001.
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II Encontros Coloniais
Natal, de 29 a 30 de maio de 2014
fosse com a obtenção de títulos ou com a oportunidade de governar alguma outra capitania de
menor expressão20.
REFERÊNCIAS
BICALHO, Maria Fernanda. Conquista, Mercês e Poder Local: a nobreza da terra na América
portuguesa e a cultura política do Antigo Regime”. In: Almanack Braziliense, nº 2, 2005.
LEMOS, Vicente de; MEDEIROS, Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio
Grande do Norte : 1701-1822. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do RN, 1980. v. 2.
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Forças militares no Brasil colonial. In: Possamai,
Paulo (Org.). Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil. Estudos de História
Militar na Idade Moderna.
MONTEIRO, Nuno. Governadores e capitães-mores do império atlântico português no século
XVIII. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINE, Vera Lúcia. Modos de governar: ideias e
práticas políticas no império Português – Séculos XVI-XIX. São Paulo: alameda, 2005.
MONTEIRO, Nuno; CUNHA, Mafalda Soares. Governadores e capitães-mores do Império
Atlântico português nos séculos XVII e XVIII. In: MONTEIRO, Nuno; CARDIM, Pedro;
CUNHA, Mafalda Soares (Org.). Optima Pars Elites Ibero-americanas do Antigo Regime.
Lisboa: ICS, 2005, p. 196.
OLIVAL, Fernanda. Ordens militares e o estado moderno: honra, mercê e venalidade em
Portugal (1641 – 1789). Lisboa: Estar, 2001.
PUTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão
Nordeste do Brasil 1650-1720. São Paulo: Edusp, 2000.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser Nobre na colônia. São Paulo: UNESP, 2005.
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Leonardo Paiva de Oliveira ao analisar as trajetórias dos capitães-mores do Rio Grande no século XVIII,
consegue perceber essa dinâmica de ascensão social por parte de alguns indivíduos após o término de seus
governos no Rio Grande, com alguns recebendo o hábito da Ordem de Cristo e outros conseguindo ser capitãesmores em outras capitanias. Ver: OLIVEIRA, Leonardo Paiva de. Da espada à pena: estudo de trajetória dos
capitães-mores do Rio Grande no século XVIII. No prelo.
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II Encontros Coloniais
Natal, de 29 a 30 de maio de 2014
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Muitos soldados, poucos fidalgos