CUSTO E ESCOLHA UMA INDAGAÇÃO EM TEORIA ECONÔMICA JAMES M. BUCHANAN CUSTO E ESCOLHA UMA INDAGAÇÃO EM TEORIA ECONÔMICA Tradução: Luiz Antonio Pedroso Rafael Título original: Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory Licensed by The University of Chicago, Chicago, Illinois, USA © 1969 by James M. Buchanan. All rights reserved. Preparação de originais e revisão técnica: Jorge Vianna Monteiro Professor Associado, Depto. de Economia, PUC-RJ Carlos Roberto Faccina Professor Titular, Depto. de Economia, Universidade Mackenzie Paulo Sérgio Fenani Professor Assistente, Depto. de Economia, Universidade Mackenzie Revisão de provas: Pedro Adão Ruiz Edição da versão digital: Monica Magalhães Fábio Ostermann Direitos para a versão digital concedidos por Instituto Liberal a OrdemLivre.org, marca da Atlas Economic Research Foundation. "Eu, também, saí em busca da expressão. Agora sei que meus deuses não me concederam nada além da alusão ou menção." Jorge Luis Borges Prólogo de A Personal Anthology James M. Buchanan e a Economia Política Brasileira Jorge Vianna Monteiro Professor Associado, Depto. de Economia, PUC-RJ Há pelo menos três possíveis fontes na minha crítica à economia política ortodoxa. Primeiro, fui influenciado por Frank Knight e por F. A. Hayek em suas insistentes lembranças de que o problema da ordem social não é científico, no sentido habitual. Segundo, fui muito influenciado pela advertência de Knut Wicksell de que os economistas deveriam parar de agir como se o governo fosse um déspota benevolente. Terceiro, desde muito cedo no meu pensamento rejeito a promoção que o economista ortodoxo faz da eficiência alocativa como um padrão de avaliação independente. J. Buchanan, 1992. 1 Enfim, publica-se no Brasil um livro do mais inovador dos economistas contemporâneos. Não obstante ter ganho em 1986 o Prêmio Nobel de Economia, o professor James M. Buchanan é ainda razoavelmente desconhecido no meio econômico brasileiro. Pior para todos nós! De fato, a contribuição de Buchanan - que pode ser sintetizada no paradigma em que as instituições contam, isto é, são tratadas endogenamente à interação social - tem uma angustiante atualidade para a crise da economia política brasileira: ela fornece a referência analítica em que se enquadra boa parte dos dilemas econômicos nacionais e, como tal, permite delimitar toda uma classe de soluções que tem escapado sistematicamente à consideração dos economistas brasileiros. 1 J. Buchanan (1992), Better than Plowing and Other Personal Essays, (Chicago: The University of Chicago Press). 6 Mesmo um texto como Custo e Escolha, que aparentemente se localiza na teoria microeconômica, tem um vínculo muito especial com uma das grandes questões da política econômica brasileira: o endividamento do Estado. Em verdade, este livro, escrito em 1969 2, é uma erudita explanação do conceito de custo de oportunidade e surgiu para esclarecer aspectos da questão da dívida pública, na discussão que se seguiu à publicação de seu Public Principies of Public Debt (1958). Buchanan destaca-se nesse debate pela ênfase no aspecto moral da dívida pública 3 e por considerar que os encargos da dívida devam ser aferidos em termos das oportunidades não escolhidas ou preteridas, e não em termos de transferências de recursos reais como ditava nos anos 50 e 60 a tradição keynesiana. Assim, o custo da dívida reside não nos recursos per se, mas na utilidade associada àquelas oportunidades de que se abre mão quando se empreende uma escolha. O capítulo final de Custo e Escolha também é muito especial porque direciona a atenção do economista para a caracterização do custo nas interações que se processam fora do mercado: as escolhas coletivas que se resolvem nos processos políticos são um exemplo. E precisamente no estudo dessas public choices que Buchanan tem contribuído de modo tão fundamental com sua Teoria Econômica de Constituições (J. Buchanan e G. Tullock, 1962; J. Buchanan, 1975; G. Brennan e J. Buchanan, 1985). De igual modo, é nessa dimensão que se resume a crise econômica brasileira: como fazer com que o processo político possa induzir seus participantes (os políticos) a produzir resultados de interesse social, escapando, assim, da inerente tendenciosidade às escolhas individualistas que associam cliente-lismo e oportunismo eleitoral. 2 E com uma segunda edição em 1978. Em entrevista à Revista Veja, 14 de Abril de 1993, Buchanan enfatiza ser "imoral gastar recursos hoje e deixar a conta para gerações futuras". 3 7 Afinal, não podemos insistir em diagnósticos ingênuos que pressupõem, por exemplo, que tudo que um ajuste fiscal precisa promover é levar o déficit das contas públicas para um nível "tolerável". O contexto de instituições democráticas situa esse ajuste em outra perspectiva; que regras constitucionais restringirão mais efetivamente o comportamento fiscal do governo? Ou, numa observação de especial significado para a economia brasileira contemporânea: Concluir normativamente que a atividade empreendida pelos governos é "demais" ou "de menos" parece ser um esforço um tanto inútil, exceto quando se está preparado para sugerir algumas possíveis (isto é, viáveis) modificações nas regras (...) segundo as quais as decisões são tomadas (...) J. Buchanan e G. Tullock, 1962, pág. 210 4. A noção de uma constituição monetária e fiscal enfatiza a necessidade de incorporar regras estáveis e previsíveis na política econômica – o que reconhecidamente representa uma melhoria tecnológica que promove a cooperação social e benefícios mútuos para governo e agentes privados. E o que trabalharia contra esse avanço na concepção de uma estratégia macroeconômica? A ação de pequenos grupos de interesse preferenciais que obtêm ganhos, em decorrência da imprevisibilidade tão característica das nossas instituições monetárias e fiscais em vigor, pode ser um fator limitativo apreciável. Tais pessoas e organizações investem recursos reais no desenvolvimento de suas habilidades diferenciais quanto à previsão e reação diante da instabilidade do comportamento dos agentes públicos (políticos, burocratas), obtendo, assim, uma vantagem significativa no jogo da política econômica. Elas poderiam amargar pesadas perdas transacionais 4 J. Buchanan e G. Tullock (1962), The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, (Ann Arbor: Michigan University Press) 8 com a evolução para o regime de regras monetárias e fiscais estáveis. No cenário de instabilidade institucional em que opera a economia brasileira, a própria burocracia governamental e a legislatura acabam por oferecer, elas próprias, exemplos sui generis desse mecanismo de rent-seeking/rent-avoidance. Em verdade, todo esse conflito distributivo deve ser basicamente tratado em nível constitucional; caso contrário, a operação governamental (nível pós-constitucional) transcorrerá num contexto de intenso conflito redistributivo, com os processos políticos atendendo as maiorias, a expensas das minorias. Assim sendo, 1993 é uma boa ocasião para que se divulgue entre nós a contribuição científica do professor James Buchanan: afinal, estaremos, em breve, em plena fase de revisão da Constituição. O objetivo do design constitucional seria uma Constituição que: * coordene a ação coletiva para a obtenção de um equilíbrio (em que fiquem definidos, entre outros, o papel do Estado, o grau de coerção permissível nas políticas públicas); e * seja aceita como "boa" por um segmento expressivo da coletividade, por não viabilizar a tiranização do Estado, exercida em causa própria, ou em nome de qualquer coalização política. Enfim, um resultado que a moderna literatura macroeconônica rotula de um equilíbrio forte. Perceba, no entanto, o leitor a aberração institucional em que podemos incorrer quando aceitamos pontos de vista simplistas da burocracia governamental que propõe que a "boa" Constituição seja aquela que venha a viabilizar o plano econômico governamental. É irrecusável, pois, reconhecer o quão significativa é a obra do professor Buchanan e sua escola de pensamento 5 para o desenvolvimento de uma percepção mais estratégica, e menos 5 Que tem sido rotulada alternativamente de "Escola de Virgínia" (originariamente, esse grupo de cientistas sociais, teve por base Charlottesville, depois Blacksburg, e, presentemente, Fairfax, todas cidades universitárias no Estado de Virgínia, EUA), "Nova Economia Política", e "Public Choice". 9 contábil-operacional, da formulação da política econômica para os anos 90 no Brasil. Por fim, vale ressaltar dois aspectos muito interligados e muito lembrados (A. Sandmo, 1990 6) na apreciação da obra de James M. Buchanan. Sua contribuição é antagônica à engenharia social, a que, vez por outra, tenta-se resumir a ciência econômica, sobretudo pelos economistas que se deslocam da academia para ocupar postos de comando na burocracia do Executivo. Igualmente, é reconhecida a rara humildade desse economista que não se considera um "economista natural" 7 (J. Buchanan, 1992) e está sempre disposto a lembrar a seus leitores e ouvintes que tudo teria sido muito diferente em sua vida não tivesse ele literalmente tropeçado numa tese de Knut Wicksell, num depósito da biblioteca da Universidade de Chicago –, e de cuja leitura aprofundou sua compreensão do critério da unanimidade no modelo de trocas voluntárias – ou aprendido, também em Chicago, as virtudes do mercado, nos ensinamentos de seu admirado professor Frank Knight, nos anos 40. Contudo essa humildade não tem inibido que sua criatividade o transforme no reformador de instituições – o que, por vezes, desloca seu trabalho intelectual para a fronteira da economia com a filosofia política, em que seu nome, ao lado de John Rawls, está ligado à renovação do contratualismo social. Foi com essa vocação que o professor Buchanan corajosamente desafiou nos anos 60 e 70 o establishment acadêmico, apontando uma falha original na construção do receituário keynesiano de política econômica: o lastro institucional da teoria de Keynes, especialmente na área fiscal, seria a razão para que as soluções keynesianas, quando postas em prática, viessem acompanhadas de substancial intervencionismo estatal, e 6 A. Sandmo (1990), Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal of Economic Literature, XXVIII, Março, 50-65. 7 Ou seja, alguém com talentos intrínsecos que afloram, independentemente de treinamento profissional, educação e experiência (J. Buchanan, 1987). 10 eventualmente tornarem-se incompatíveis com instituições políticas de governo representativo (J. Buchanan e R. Wagner, 1977) 8. Aí está outro angustiante sinal da atualidade do pensamento do professor Buchanan para a economia política brasileira. Nos últimos anos, no rastro de experimentos de estabilização econômica, o governo tem aumentado expressivamente sua presença na economia: os pesados déficits orçamentários e a copiosa regulação econômica bem caracterizam essa posição. É muito provável que isso seja uma conseqüência não antecipada de políticas econômicas engendradas em modelos teóricos que, em verdade, assemelham o governo a um déspota benevolente, com o quadro institucional-legal-constitucional oculto em condições do tipo ceteris paribus. Deste modo, essa é uma conjectura relevante, sobretudo em face da intensa erosão da ordem institucional no Brasil, especialmente, como observado nos últimos anos, no âmbito da constituição fiscal. Por tudo isso, uma vez mais, é bem-vindo o lançamento de Custo e Escolha. Rio de Janeiro, 2 de julho de 1993. * G. Brennan e J. Buchanan (1985) The Reason of Rules: Constitutional Political Economy, (Cambridge: University Press) * J. Buchanan (1992) Better than Plowing and Other Personal Essays, (Chicago: The University of Chicago Press) * J. Buchanan (1987) The Qualities of a Natural Economist, em C.Rowley (Editor), Democracy and Public Choice: Essays in Honor of Gordon Tullock, (Londres: B. Blackwell) * J. Buchanan (1975) 8 J. Buchanan e R. Wagner (1977), Democracy in Deficit: The Political Legacy of Lord Keynes, (New York: Academic Press). 11 The Limits of Liberty: Between Anarchy and Leviathan, (Chicago: The University of Chicago Press) * J. Buchanan e G. Tullock (1962) The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, (Ann Arbor: Mi-chigan University Press) * J. Buchanan (1958) Public Principies of Public Debt (Homewood: Irwin) * J. Buchanan e R. Wagner (1977) Democracy in Deficit: The Political Legacy of Lord Keynes, (New York: Academic Press) * A. Sandmo (1990) Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal of Economic Literature, XXVIII, Março, 50-65 12 Prefácio Edição original Estamos diante de uma escolha. Devemos decidir agora se leremos ou não este Prefácio, se leremos outra coisa, se pensaremos em silêncio, ou talvez se escreveremos algo para nós mesmos. O valor que atribuímos à mais atraente dessas várias opções é o custo que deveremos pagar se optarmos pela leitura deste Prefácio agora. Este valor é e deve permanecer inteiramente especulativo; ele representa o que pensamos agora em relação ao que a outra oportunidade poderia oferecer. Após termos nos decidido pela leitura deste Prefácio, qualquer chance de compreender a opção e, por conseguinte, medir o seu valor terá se desvanecido para sempre. Apenas durante o momento ou o instante da escolha é que o custo pode ser capaz de modificar o comportamento. Se tivéssemos decidido há alguns instantes que a nossa avaliação da outra opção excedia àquela que seria esperada da leitura deste Prefácio, teríamos então perdido a prosa trivial deste economista. Contudo, se a tivéssemos rejeitado desde o princípio, jamais poderíamos saber o que teríamos perdido. Os benefícios de que ora nos asseguramos através da leitura do presente Prefácio não são comparáveis com os custos que teríamos de arcar em decorrência da escolha da opção mais atraente. Esses benefícios, se cabíveis, existem e podem ser avaliados após o fato. Os custos que podem ter influência sobre o comportamento não existem; nunca são concebidos; não podem ser mensurados após o fato. Não obstante, ao concluirmos a leitura deste Prefácio, algo terá acontecido, algo capaz de ser avaliado. Podemos pensar sobre o que faríamos com esses minutos e, caso desejável, poderíamos traduzir esses "poderiam ter sido" que nunca foram em termos de valores. 13 Um observador do nosso comportamento, conhecendo a escolha com a qual nos deparamos, poderia efetuar uma estimativa objetiva dos minutos do nosso tempo de expediente que a leitura deste Prefácio exigiria. Após havermos feito nossa decisão, esse observador poderia olhar o relógio e verificar as suas estimativas objetivamente. Se ele conhecesse o valor de remuneração das outras opções, teria condições de atribuir algum valor a esse tempo de expediente, um valor objetivo útil para inúmeras finalidades de comparação. Evidentemente, o observador não seria capaz de estimar com precisão o valor que poderíamos atribuir às nossas próprias oportunidades perdidas antes da escolha ou depois dela. Na argumentação ordinária, denominamos ambas as avaliações, as nossas próprias e as do observador, de "custos". O observador externo do nosso comportamento poderia afirmar que a leitura do presente Prefácio nos custou ou terá custado X minutos, que ele estima valer Y dólares. Via de regra, diríamos que a mesma atividade "nos custará X minutos se dormirmos" ou "terá custado X minutos se tivéssemos estado dormindo". O que se deve observar é que esses vários usos da palavra "custo" são categoricamente diferentes. O hábito lingüístico dita uma mesma palavra para várias coisas diferentes. Não é nenhuma surpresa a enorme confusão, especialmente entre os economistas, que se faz em relação à palavra custo. Já discorri o suficiente sobre o sumário do argumento principal deste livro. As idéias centrais são simples e não tenho pretensão alguma de alcançar a sofisticação analítica. Minha hipótese de trabalho é de que muitos economistas mergulham profundamente na complexidade da análise enquanto deixam de perceber determinados pontos da lógica econômica elementar. As explanações teóricas podem não ser pertinentes a determinadas aplicações, e aqueles que estão ansiosos por prosseguir na busca da cura dos males da humanidade poderão escarnecer-se da minha insistência em relação à purificação metodológica. O seu ceticismo poderá aumentar ao reconhecer que, em qualquer confronto preliminar, as suas próprias opiniões equiparam-se às aqui desenvolvidas. Há poucos economistas modernos que deixariam de 14 aceitar a definição elementar do custo de oportunidade. Os textos convencionais são férteis em afirmações supostamente bem entendidas. Sugiro que haja uma diferença significativa entre estas definições de segunda ordem e aquelas implícitas na análise que segue. O custo de oportunidade tende a ser definido de modo aceitável, entretanto não permite a introdução da lógica do conceito para informar as aplicações analíticas subseqüentes. Tenho como meta utilizar a teoria do custo de oportunidade para demonstrar as diferenças metodológicas básicas que, de um modo geral, passam despercebidas e para mostrar que o uso constante dessa teoria traz mais luz a importantes áreas de divergência sobre assuntos relacionados com políticas. Somente no setor de finanças públicas, os debates sobre incidência de impostos, a capitalização tributária, o fardo da dívida pública e o papel da análise de custo-benefício poderão ser resolvidos em parte, se os protagonistas aceitarem os conceitos comuns de custo. O estado indesejável em que se encontra a economia do bem-estar ao menos poderá ser entendido e apreciado mais adequadamente, se as confusões incorporadas ao custo forem reveladas. O caloroso e extensamente latente debate anterior sobre a possibilidade do cálculo socialista talvez ressurja com um brilho diferente. Algo pode ser dito sobre importantes tópicos da atualidade, como o serviço militar e a criminalidade. Nenhuma destas ou quaisquer outras aplicações de políticas será discutida exaustivamente. Discussões desse tipo exigiriam no mínimo um livro de igual porte ao do presente volume para desatar os nós górdios que as ambigüidades da teoria do custo produziram. Meu objetivo secundário é investigar a evolução das idéias na concepção do custo. Principalmente em virtude de os modernos economistas demonstrarem uma relativa negligência em relação à matéria. Desejo salientar a contribuição oriunda da tradição da London School of Economics, tradição esta ainda não amplamente reconhecida, e à qual nem mesmo os seus próprios membros lhe dão o devido crédito. 15 A escola austríaca contemporânea poderá sugerir especialmente, com alguma razão, que a teoria desenvolvida seja rotulada adequadamente como "austríaca". Sem dúvida alguma, a concepção inglesa vale-se de uma importante fonte austríaca. Contudo, ao ler os antigos austríacos juntamente com as contribuições feitas por Londres, convenço-me de que foram adicionados atributos singularmente característicos e de que toda a construção alcançou sua viabilidade operacional apenas em Londres. Para ilustrar este ponto, muito do que me parece ser da teoria ortodoxa do custo pode ser atribuído diretamente às suas fontes austríacas. Segundo minhas leituras e interpretações, Wicksteed merece crédito por fornecer uma fonte da tradição da escola inglesa distintamente não-ortodoxa, que é igual ou talvez mais importante que a de Viena. Os seguidores americanos de H.J. Davenport, cujas idéias pessoais em relação ao custo eram altamente perceptivas, não geraram uma tradição que possa ser comparável à de Londres. As principais fontes da moderna tradição de Londres estão representadas nos estudos de Robbins, Hayek e Coase, realizados durante a década de 30. Essas tradições são seguidas insistentemente pelos escritos duramente negligenciados de Thirlby, que se estendem de 1946 a 1960. Na década de 50 foram publicados estudos adicionais por Jack Wiseman sobre essa tradição. Todavia, esses materiais publicados são aparentemente os únicos resíduos visíveis atualmente de um extenso diálogo que talvez tenha sido parte integrante do ensino de economia na escola inglesa por um período de aproximadamente trinta anos. O capítulo 1 esboça a história doutrinal da teoria do custo antes de 1930. O capítulo 2 discute as origens e o desenvolvimento da teoria de Londres e o capítulo 3 apresenta sucintamente a teoria do custo de oportunidade em dois contextos analíticos contrastantes. Os capítulos restantes do livro são devotados a suas aplicações. O capítulo 4 examina a teoria do custo nas finanças públicas, aplicação que despertou meu interesse pessoal pela necessidade de elucidação teórica. O capítulo 5 usa a lógica do custo de oportunidade como uma forma de reconsideração das normas de 16 bem-estar de Pigou. O capítulo 6, o mais importante e o mais difícil do livro, demonstra a importância da teoria básica do custo em todo o reino do processo decisório não relacionado com o mercado. 17 Agradecimentos Considero-me afortunado por poder considerar Frank H. Knight como "meu professor", e sua influência sobre o meu pensamento revela-se em sua forma mais direta neste livro do que em qualquer outro trabalho. A sua insistência para que as idéias fundamentais estivessem corretas, bem como as suas importantes contribuições para a teoria do custo foram a fonte de inspiração de meus esforços. Mais especificamente, desejo também agradecer aos muitos alunos, colegas e condiscípulos; aos alunos dos seminários do programa de pós-graduação de 1965 e 1967 na Universidade de Virgínia, que sofreram comigo durante os períodos críticos, no auge de minhas incertezas. Em 1967 foi circulado um esboço preliminar e tive a sorte ser contemplado com muitos conselhos úteis de revisão. Neste sentido, desejo agradecer a contribuição de William Breit, R.H. Coase, F.A. Hayek, Mark Pauly, Roger Sherman, G.F. Thirlby, Gordon Tullock, Richard E. Wagner, Thomas Willett e Jack Wiseman. Apesar de não se aperceberem na época, Francesco Forte e S.H. Frankel deram-me motivação para o debate nos momentos em que o meu próprio entusiasmo se enfraquecia. Em numerosas outras ocasiões, meu trabalho neste livro foi facilitado em muitas etapas por minha secretária Betty Tillman cuja lealdade e devoção raramente serão igualadas neste mundo cada vez mais impessoal de estudos acadêmicos. J. M. B. Los Angeles, Março de 1969 Sumário Capítulo 1 O Custo na Teoria Econômica Economia Clássica A Economia da Utilidade Marginal A Síntese de Marshall Frank Knight e os Paradigmas Neoclássicos Capítulo 2 Inglesa 23 31 35 37 As Origens e o Desenvolvimento de uma Tradição Wicksteed e o Cálculo da Escolha H.J. Davenport Knight e o Custo como Avaliação Robbins, 1934 Mises, Robbins, e Hayek e o Cálculo em uma Economia Socialista Hayek, Mises e a Economia Subjetivista A Importância Prática do Custo de Oportunidade: Coase, 1938 G.F. Thirlby e The Ruler O Human Action de Mises A Morte de uma Tradição? Apêndice do Capítulo 2: O Trabalho de Shackle sobre Decisão Capítulo 3 41 43 44 44 46 49 53 57 62 63 64 Custo e Escolha A Ciência Prognóstica da Economia O Custo na Teoria Prognostica O Custo em uma Teoria de Escolha O Custo Influenciando a Escolha e por ela Influenciado Custo de Oportunidade e Custo Real A Subjetividade dos Custos Históricos Custo e Equilíbrio 67 71 72 74 75 78 80 19 Capítulo 4 O Custo dos Bens Públicos A Teoria da Incidência de Tributação Os Custos e o Processo Decisório Fiscal: O Modelo Democrático Os Custos e o Processo Decisório: O Modelo Autoritário Os Custos e o Processo Decisório: Os Modelos Mistos A Escolha Entre Projetos Os Custos do Financiamento da Dívida de Bens Públicos O Teorema da Equivalência de Ricardo Capitalização de Tributação Capítulo 5 Custo Privado e Social Análise Sumária Um Exame Mais Minucioso Custos Internos, Equilíbrio e Quase-Rendas Um Exemplo Ilustrativo A Economia Pigouviana e a Ética Cristã O Estreito Interesse Próprio e as Alternativas de Quase-Rendas de Oportunidade Conclusão Capítulo 6 83 87 90 91 93 95 99 101 101 105 109 110 113 115 117 O Custo sem os Mercados Preços, Custos e Equilíbrio de Mercado O Preço do Serviço dos Recursos como Custo do Produto Final Equilíbrio de Mercado, Custos e Quase-Rendas O Custo do Efetivo Militar, um Exemplo O Custo da Criminalidade: um Outro Exemplo O Processo de Escolha Artificial O Cálculo e a Escolha Socialista Os Custos na Escolha Burocrática 120 121 123 125 128 131 132 135 Principais Obras do Autor 140 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA O Custo na Teoria Econômica Economia Clássica "Se, em uma nação de caçadores... ...matar um castor geralmente custa o dobro do trabalho de matar um cervo, é natural que um castor deva ser trocado por ou ter o valor de dois cervos." 1 A teoria clássica do valor de troca pode ser sumariada da forma acima. Adam Smith não teve o mesmo cuidado que este seu companheiro contemporâneo que tece suas suposições com maior precisão, porém talvez seja esse o motivo que nos faça gostar de ler The Wealth of Nations. O valor normal ou natural na troca é determinado pelos custos relativos de produção, o que responde às questões principais da economia clássica. Os custos são calculados em unidades de produção de recurso. A frase "geralmente custa" significa que um gasto de recurso específico é exigido, um gasto que pode ser estimado antecipadamente com alguma precisão e mensurado após o fato, tanto pelo proprietário do recurso como por um observador externo que também faz o papel de contabilista de custos. Os custos 1 Adam Smith, The Wealth of Nations (New York: Edição da Random House Modem Library, 1937), pág. 47. 21 CUSTO E ESCOLHA relativos de produção são quantificáveis objetivamente, não sendo necessário nenhum processo de avaliação. Se houver um padrão de mensuração, os custos relativos poderão ser computados do mesmo modo que os pesos relativos de maçãs ou batatas. No modelo elementar e hipotético de Smith, o padrão para mensuração é representado por uma unidade de tempo de trabalho homogêneo. Não há insumos não originados da mão-de-obra (nenhum outro "bem negativo"). As funções de produção tanto para o cervo quanto para o castor são lineares e homogêneas; em outras palavras, o cervo e o castor encontram-se disponíveis em quantidades ilimitadas nos níveis predominantes de custo relativo. Mesmo em um modelo tão simples, por que os custos relativos determinam os valores normais de troca? Isso ocorre porque supõe-se que os caçadores sejam indivíduos racionais que maximizam uma utilidade que permita identificar os "pontos bons" avaliados positivamente e os "pontos ruins" avaliados negativamente nas funções de sua utilidade. Se, por qualquer motivo, os valores de troca chegarem a alguma proporção diferente daquela dos valores de custo, o comportamento será modificado. Se um determinado caçador souber que é capaz, com o gasto de um dia de trabalho, de matar dois cervos ou um castor, ele não optará por matar cervos se o preço de um castor for equivalente ao de três cervos, mesmo que ele faça parte da demanda, ou seja, um consumidor final apenas de cervos. Ele poderá "produzir" cervos a um custo menor através da troca nessas circunstâncias. Ao devotar um dia de seu tempo para matar um castor e posteriormente trocá-lo por cervos, esse caçador acabará ficando com três, e não dois, cervos. Dada a possibilidade de todos os caçadores comportarem-se da mesma forma, nenhum cervo será produzido até e a menos que o valor esperado de troca retorne à condição de igualdade em relação à razão do custo. Qualquer divergência entre o valor esperado de troca e o valor do custo esperado neste modelo seria reflexo de um comportamento irracional da parte dos caçadores. Segundo esta interpretação, a teoria clássica personifica o conceito do custo de oportunidade. Para o caçador que se encontra a ponto de tomar uma decisão de caráter alocativo, o custo de um 22 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA castor é igual ao de dois cervos e o custo de um cervo equivale ao de meio castor. Em uma razão de troca de um para dois, cada caçador em perspectiva deverá estar à margem da indiferença. A produção física e a produção através da troca geram resultados idênticos. O tempo de trabalho, o padrão de mensuração, representa o denominador comum por meio do qual os custos de oportunidade são calculados. O valor de troca realizado não é necessariamente igual ao valor do custo realizado no modelo elementar cervo-castor nem, via de regra, no modelo clássico. Como pudemos interpretar, deve haver uma indeterminação competitiva na alocação de recursos para a produção de cervos e castores. Se, relativamente aos padrões predominantes de demanda, uma grande quantidade de caçadores decide produzir castores em um determinado dia, o preço ou valor de mercado do castor cairá para um valor abaixo do custo. Ou, alternativamente, se o padrão de demanda sofre uma rápida modificação enquanto a alocação de recursos permanece substancialmente inalterada, idêntico resultado pode ser esperado. O preço, que é um valor realizado de troca, não só pode divergir como realmente divergirá do valor do custo realizado. Quando isso ocorre, entretanto, alguns dos caçadores analisarão a ocasião em que a decisão foi tomada e concluirão que cometeram erros. Não existe casualidade unilateral neste modelo cervo-castor. Os custos relativos determinam os valores normais de troca. De modo implícito, a teoria pressupõe que as previsões sobre as relações de produção, as razões entre insumos e produção apresentam uma precisão consideravelmente maior dos que as previsões sobre os padrões de demanda. Esse fato converte a teoria em uma elegante hipótese operacional. Pode-se introduzir mensurações objetivas externas que deverão gerar previsões sobre os valores normais de troca. Essas previsões podem ser tendenciosas. A teoria não prevê o valor normal de troca quando a produção não é possível, isto é, quando a oferta é fixa. Nesse caso, o valor normal de troca, do mesmo modo que o valor realizado de troca em todos os casos, é estabelecido pelas forças da demanda. 23 CUSTO E ESCOLHA Contudo, para Adam Smith, esse fato, por si só, não incorporaria uma teoria de previsão. Não se pode introduzir nenhuma tendência comportamental que relacione os valores dos "bens" entre si em termos de algum denominador comum identificável objetivamente. A respeito desses bens cuja oferta é fixa, Smith simplesmente negaria e existência de uma teoria de valor. Observada neste contexto, a infame afirmação de J.S. Mill que nada mais poderia ser dito sobre a teoria de valor pode ter uma interpretação um pouco mais favorável do que os economistas modernos lhe tenham dado. O valor de troca tende a ser mais equitativo se houver um custo de produção passível de mensuração objetiva. Esta proposição é positiva e está isenta de conteúdo normativo. Não se afirma ou se subentende que o preço de mercado deva igualar-se ao custo de produção. Em um sentido mais direto, a economia clássica não possui uma teoria normativa de alocação. A uniformização do retorno de unidades semelhantes tende a emergir do postulado básico do comportamento racional em conjunto com a identificação implícita dos "pontos positivos" e "pontos negativos" na função de utilidade dos indivíduos. A interpretação esboçada acima é injusta para aqueles que criticam a economia clássica. São abundantes as confusões em relação a muitos pontos de análise. Os problemas começam ao abandonarmos a simplificação extrema do modelo de insumo único e homogêneo de Smith. A complexidade do raciocínio clássico é centralizada na busca de um denominador comum comparável de valor quando os insumos (bens negativos) são heterogêneos. A genialidade de Ricardo não foi capaz de solver este desafio, apesar de seus valentes esforços. A teoria de Rent explicou repetidamente, embora de forma insatisfatória, o retomo de propriedade. Contudo, os quocientes de trabalho-capital permaneceram e a alternativa de Marx em relação ao tempo de trabalho "socialmente necessário" foi um recuo àquela circularidade que toda a teoria clássica havia se preparado para burlar. Smith e, finalmente, Ricardo foram forçados a reabilitar a pertinência pragmática da teoria em prejuízo de sua elegância. As unidades heterogêneas de insumo eram mensuradas através dos preços monetários estabelecidos em mercados de fatores. O custo 24 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA de produção dos bens era calculado em dinheiro. Como explicação elementar do valor de troca normal ou natural de um bem específico, as características essenciais do modelo cervo-castor continuam válidas. O valor de troca normal de um par de sapatos tenderá a ser igual a $10, se o custo monetário para a produção de sapatos for igual a $10, ou seja, o desembolso necessário feito aos proprietários de todos os recursos de produção. Infelizmente, a elegância e a objetividade do mundo do cervo-castor desaparecem neste modelo mais realista de custo de produção. O custo de oportunidade objetivo de um castor no modelo de Smith é igual a dois cervos visto que "geralmente" é necessário o dobro do insumo físico para a produção de um castor. Em um contexto mais realista, qual seria o custo de oportunidade de um par de sapatos? Os custos são mensurados em numéraire ∗ e estes refletem os valores dos insumos físicos. Desaparece a conexão direta entre esses dois insumos e os produtos alternativos. Afirmar que os pagamentos aos proprietários dos recursos de produção totalizam $10 não implica, ao menos diretamente, que os produtos alternativos avaliados em $10 possam ser produzidos. Se os custos forem iguais a $10, o produtor deve esperar um valor de pelo menos $10. O postulado de comportamento racional juntamente com a inferência de que o numéraire seja desejado positivamente ainda implica que o valor esperado seja igual ou superior aos custos. Mas o que então determina os custos? A teoria já não é mais tão simples a ponto de permitir que concentremos nossa atenção em um momento de decisão, um ato de escolha. Em vez disso, devemos então pensar em uma cadeia de decisões interligadas relacionada a quantidades variáveis de produção, a períodos de tempo distintos e aos muitos indivíduos que decidirão. O produtor, em face de um desembolso quase certo de $10, deve esperar um valor superior a esse montante caso se decida a produzir. Entretanto, os proprietários dos recursos, que se ∗ N.T.: Numéraire - Bem econômico escolhido arbitrariamente para servir de denominador comum de um valor imutável, ou seja, como moeda de valor constante em cujos termos são expressos todos os demais preços. 25 CUSTO E ESCOLHA encontram atual e teoricamente separados do produtor-empresário, também devem tomar decisões. Por que a soma dos insumos é igual a $10? Os valores de troca são estabelecidos para as unidades de recurso nos mercados, sendo que se deve supor que cada proprietário espere valores superiores aos custos ao tornar disponível uma unidade de recurso. Porém, quais serão os seus custos? Os economistas clássicos eram obrigados a discutir os custos de produção de recursos primários. Acreditavam que, até certo ponto, eram bem-sucedidos em relação à mão-de-obra não qualificada ou comum. No modelo elementar de Smith, o custo de um castor é igual ao de dois cervos, que, para fins de comparação, é medido como o trabalho de um dia, o tempo necessário para o abate de qualquer uma das opções que o caçador tem à mão. O custo do tempo de trabalho ordinário é representado pelo milho necessário à nutrição do trabalhador, que lhe permitirá multiplicar sua espécie. Novamente, esse milho pode ser mensurado segundo o tempo de trabalho necessário para a sua produção ou cultivo. Entretanto, é muito grande a diferença analítica entre essas duas afirmações, sendo que na última podemos observar uma extensão falsa de uma teoria de valor de troca basicamente correta. O teorema do custo de oportunidade, sobre o qual é centrado o modelo do cervo-castor, desaparece quase que por completo na teoria de salários pela mão-de-obra comum. O tempo de trabalho de um dia mensura o custo de um castor em virtude de representar um produto genuinamente alternativo, dois cervos. Pode-se presumir que o tempo de trabalho de meio dia mensure o custo de um trabalhador, não porque represente qualquer produto genuinamente alternativo, mas porque representa o gasto necessário à sua nutrição. A relação de insumo-produção encontrada no modelo mais simples foi sutilmente modificada. O insumo de mãode-obra que mede o custo de um castor é aquele necessário à produção da alternativa igual a dois cervos. E nenhum castor seria abatido se a razão adequada de valor esperado não fosse válida. O gasto efetivamente exigido para o abate de um castor é de muito pouca importância em relação ao valor realizado de troca. Em comparação, a teoria clássica de salários não inclui nenhuma con26 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA sideração a respeito da alternativa de produzir um trabalhador. Mesmo o crítico mais favorável encontraria dificuldade para inserir o pensamento do custo de oportunidade na análise. Talvez devido a essa dificuldade é que Smith e Ricardo se esquivaram de uma análise mais rigorosa ao discutir salários. Formulou-se uma teoria clássica medíocre que relacionava os salários aos níveis de subsistência. De acordo com essa teoria de salários, baseada nos princípios malthusianos de população, a teoria do custo do valor de troca perde quase todas as suas amarras de custo de oportunidade. Os salários do trabalho não qualificado tendem aos níveis de subsistência, não em decorrência de um resultado previsível do comportamento racional do indivíduo, mas em conseqüência dos controles naturais impostos pela fome e as epidemias. Rompe-se a relação entre o valor de troca e o comportamento de escolha do indivíduo - e com ela a lógica essencial de qualquer teoria sobre custo de produção. Essa teoria clássica de salários está quase que desprovida de conteúdo comportamental. Ainda não tivemos a oportunidade de mencionar um foco de confusões que atormenta e às vezes domina o debate clássico sobre custo. Este foco é representado pelo conceito de custo da dor, geralmente chamado de custo real. Não satisfeitos em buscar uma teoria prognóstica para o valor de troca, os escritores clássicos procuraram "explicar" o surgimento do valor em um certo sentido filosófico básico. O esforço e a dificuldade, a dor física inerente ao trabalho parecia "justificar" o pagamento de salários. A observação revelou que o capital também era remunerado. Desse modo, o conceito de abstinência desenvolvido por Senior pareceu colocar o capitalista ao lado do assalariado como consignatário de compensações justificáveis. Não devemos subestimar a importância dessa doutrina de custo real em semear mais dúvidas. Mesmo nos dias de hoje, a teoria da vantagem comparativa ensinada por 27 CUSTO E ESCOLHA inúmeros analistas sofisticados evidencia o seu manifesto absurdo, embora, felizmente, com poucos danos 2. O custo realmente reflete a dor ou o sacrifício; é esse o significado elementar da palavra. Contudo, devemos reconhecer o problema lingüístico com o qual se deparam os economistas ao usar o termo "custo" para expressar coisas bastante distintas. Toda e qualquer oportunidade no reino da possibilidade, cuja antecedência permita escolher uma alternativa preferida mas mutuamente exclusiva, refletirá os "custos" ao ser "sacrificada". E a sua rejeição deve implicar dor a despeito do fato de um prazer diferencialmente maior ser prometido pelo deleite proporcionado pela alternativa mutuamente exclusiva. Custo e dor estão longe de serem antônimos, contrariamente ao que os debates menos rigorosos parecem sugerir; o conceito de custo como dor ou sacrifício é e deve ser fundamental à idéia de custo de oportunidade. Em alguns aspectos, do tratamento clássico, o conceito de dor-como-sacrifício pôde ser entendido. Como já mencionamos, o custo do acúmulo de capital foi debatido em termos de "abstinência": a abstenção do consumo do capital permite que ele se multiplique. É evidente que esse fato envolve o raciocínio de custo de oportunidade. Entretanto, para a maioria, o conceito de custo real ou de custo de dor na economia clássica refere-se a algo muito diferente. A dor, em um contexto de comportamento, também pode surgir quando nada é sacrificado. A dor ocorre quando, em decorrência de uma cadeia de eventos passados, a utilidade do indivíduo é reduzida sem contrabalançarem os prazeres. O gasto necessário de trabalho poderá implicar dor, algo que, dentro dos limites, seja passível de mensuração através do suor, fadiga muscular e lágrimas. A transferência de bens de capital para o atendimento de uma obrigação de pagar uma dívida, impostos ou pedágio em uma rodovia, também envolve dor em relação a algo que poderá ser mensurado de modo aproximado por meio da redução no valor líquido do balanço do 2 Mesmo em 1967, os economistas necessitavam ser avisados dessa falácia. Para maiores informações sobre o assunto, vide Royall Brandis, The Myth of Absolute Advantage, American Economic Review, LVII (março de 1967), 169-74. 28 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA indivíduo. Neste segundo sentido, o custo de dor não tem nenhuma conexão com o sacrifício deliberado de opções. A expectativa dessa dor poderá gerar informações para a comparação das oportunidades alternativas de escolha, porém a realização dessa dor é de pouca importância para explicá-la ou justificar seu valor. Esta distinção vital entre as duas diferentes noções do custo de dor não foi reconhecida pelos economistas clássicos e tampouco pelos seus inúmeros sucessores. As raízes de muitas ambigüidades modernas se originam da clássica falta de percepção dessa diferenciação, uma falha que a economia neoclássica não eliminou a contento. A Economia da Utilidade Marginal A teoria de valor foi revolucionada após 1870. A teoria clássica do custo de produção deu lugar à teoria de utilidade marginal, que foi desenvolvida de modo variado por (William Stanley) Jevons, (Karl) Menger e (Leon) Walras. Esses teóricos sentiam-se de algum modo menos comprometidos do que os seus predecessores clássicos para definir custos precisamente pela simples razão que, para eles, os custos eram muito menos importantes na explicação do valor de troca. Pelo menos nos estágios elementares da análise, esses indivíduos mostravam-se dispostos a aceitar as definições clássicas: as suas disputas com os classicistas não se baseavam no conceito de custo. Eles acreditavam que suas diferenças fossem mais profundas. Porém, independentemente do modo através do qual os custos tenham sido definidos, os teóricos da utilidade marginal rejeitaram a análise clássica. O desenvolvimento de uma teoria geral do valor de troca tornou-se uma preocupação fundamental. A análise clássica fora rejeitada por apresentar dois modelos independentes, um para os bens reprodutíveis e o outro para os bens de oferta fixa. A solução então foi reivindicar uma generalidade para o único modelo de valor de troca que os escritores clássicos haviam reservado para a segunda categoria. O valor de troca segundo os teóricos da 29 CUSTO E ESCOLHA utilidade marginal é, em todos os casos, determinado pela utilidade marginal, pela demanda. No ponto de troca do mercado, toda a oferta é fixa. Portanto, os valores relativos ou preços são estabelecidos exclusivamente através das utilidades marginais relativas. Se a revolução acima não tivesse tido conseqüências maiores, ela quase que poderia passar despercebida. A contribuição desses teóricos não se limitou à mera substituição de uma utilidade por uma teoria do custo de valor de troca. No decurso desse processo de substituição, eles foram obrigados a desenvolver a idéia que os valores são fixados à margem. Desse modo, conseguiram solucionar o paradoxo diamante-água; o valor em uso e o valor em troca já não eram mais possivelmente contraditórios. Nascia então o cálculo econômico. Não obstante, a eliminação do aparato clássico causou alguns prejuízos. Em sua busca de uma teoria geral, os economistas da utilidade marginal abandonaram grande parte de uma teoria prognóstica de valor normal de troca. Conseguiram obter uma explicação satisfatória sobre o valor realizado e pouco fizeram no sentido de desenvolver a análise do valor esperado ou natural. A rigor, a teoria desses estudiosos era lógica, não uma hipótese científica sujeita a contradições. E, como ocorre em relação a todas as teorias de caráter geral, a teoria da utilidade marginal se propunha a fornecer muitas explicações. Contudo, essa generalidade trouxe alguns benefícios secundários e a sua extensão lógica foi a teoria da distribuição da produtividade marginal. Devido ao fato de os bens serem avaliados segundo as suas utilidades marginais relativas, os recursos também deveriam de avaliados de acordo com os valores dos componentes de seu produto final. Não surgiu a necessidade de passar além da oferta fixa de recursos em uma primeira aproximação. Por cerca de um século, a teoria da população foi suprimida do conjunto de instrumentos dos economistas. A economia da utilidade marginal geralmente é denominada de "economia de valor subjetivo", sendo que a revolução doutrinal 30 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA também recebe a mesma denominação. A teoria clássica do custo de produção era objetiva no sentido em que se supunha que as mensurações externas dos custos comparativos fossem capazes de gerar prognósticos sobre o valor normal de troca de mercadorias. A sua substituição por uma teoria que explicasse os valores relativos de troca através das utilidades marginais relativas necessariamente implica uma perda de conteúdo objetivo empírico. Contudo, considerava-se também que as utilidades marginais dependessem das quantidades e, para todo o grupo de compradores, do abastecimento do mercado. Portanto, mesmo com um conhecimento completo das condições de demanda, não se podiam prever os valores normais de troca até e a menos que fossem feitas previsões sobre o abastecimento relativo. O aspecto de custo ou de oferta do valor teve de ser incluído. Não era mais possível uma explicação unilateral; a economia da oferta-procura tornou-se uma necessidade. Para uma dada oferta de uma certa mercadoria, o valor de troca era determinado pela utilidade marginal, estabelecido de acordo com um processo de interação de mercado. Entretanto, o fenômeno utilidade é de natureza subjetiva e não algo que se possa mensurar externa ou objetivamente, como o clássico custo de produção. Para entendermos esse conceito, imaginemos um mundo onde existam apenas duas mercadorias, sendo que cada uma delas possui uma oferta fixa, por exemplo, o mundo do urso e do quati ∗. Ambos são "bens" e cada bem toma-se disponível em uma quantidade previsivelmente fixa em cada período. Se conhecermos com precisão a demanda ou os programas de utilidade marginal para todos os consumidores, poderemos estimar o valor de troca. Observemos, contudo, que essa previsão não surge como conseqüência ou resultado de um postulado de comportamento racional, ao menos no mesmo sentido que o do modelo clássico do cervo-castor. Suponhamos que, em condições de oferta fixa juntamente com os padrões de demanda, seja possível fazer a ∗ N.T.: Quati (Racoon) — Procionídeo da América do Norte afim do quati e do mãopelada. 31 CUSTO E ESCOLHA previsão que um urso será permutado por dois quatis. Caso se observe que os valores realizados são diferentes daqueles previstos, isso será apenas conseqüência da inexatidão dos dados iniciais que deram origem à previsão. Não se acionou nenhum mecanismo de equilíbrio; não há percepção de erro, como há no modelo do cervocastor. Não surgirá processo corretivo algum; os valores realizados estarão sempre "corretos", os erros somente aparecem nos dados empregados pelo observador. Neste aspecto, a teoria da utilidade marginal em sua metodologia elementar é parente do modelo simples de Keynes para a determinação de renda. Por outro lado e apesar desuas falhas, a teoria clássica do custo de produção é mais estreitamente análoga à teoria sueca da determinação de renda na qual as expectativas podem fazer parte explícita da análise. A introdução de elementos de uma teoria prognóstica de valor de troca exigia um retorno à análise quase-clássica. Reconheceu-se que os custos de produção influenciavam o valor de troca através de seus efeitos sobre a oferta. E, ao discutir custos, os teóricos da utilidade marginal podiam aceitar uma medida monetária sem ambigüidade uma vez que não tinham motivo para buscar um denominador comum aos insumos de recursos físicos. A necessidade de pagar os insumos surge devido ao fato de que os mesmos representam componentes de valor nos produtos finais. Esta abordagem nos conduz quase que diretamente ao raciocínio do custo de oportunidade. O valor ou o preço das unidades de recurso representa, especialmente para a escola de Viena (Menger, Böhm-Bawerk, Wieser), o valor de produto que poderia ser produzido pelas mesmas unidades de recurso em usos ou empregos alternativos. É esse o preço que o usuário ou o empregador dos recursos deve adiantar para atrair os recursos para longe dessas oportunidades alternativas. Em termos de decisão para o proprietário dos recursos, o conceito implícito do custo de oportunidade é idêntico àquele presente no modelo cervo-castor de Smith. 32 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA Para a escola de Viena, particularmente para Wieser, o comportamento racional da parte dos proprietários dos recursos assegurou a uniformidade do retorno a todos os empregos. Dentre os teóricos do valor subjetivo, Jevons foi singular em seu tratamento ao custo, de modo consideravelmente mais clássico do que o da escola de Viena. O custo de produção implica "dor", um conceito quase inteiramente ausente do debate da escola de Viena. Esse custo de dor pode ser discutido em termos de inutilidade marginal. Desse modo, Jevons foi inteiramente marginalista e, para ele, toda escolha era reduzida a uma comparação entre as utilidades e inutilidades marginais. Ele foi capaz de solucionar o paradoxo diamante-água basicamente através do aparato clássico. Em virtude de Jevons não haver generalizado a concepção de produto alternativo, sua teoria de custo mostrou-se inferior à da escola de Viena ou mesmo à teoria implícita de Smith. Não obstante, Jevons concentrou sua atenção no ato da escolha econômica, e isso poderia ter influenciado Wicksteed em seus importantes progressos em direção à concepção inteiramente moderna. Segundo os antigos teóricos da escola de Viena, os custos de produção são mensurados monetariamente e refletem o valor da produção que poderia ter sido gerada se os mesmos insumos de recursos fossem aplicados racionalmente em empregos alternativos. Este é sem dúvida um conceito de custo de oportunidade, porém é apenas subjetivo no sentido em que os valores dos bens são estabelecidos através de suas utilidades marginais relativas para os que exercem a demanda. Dado que esses valores são estabelecidos nos mercados organizados, eles podem ser mensurados objetivamente. A Síntese de Marshall Alfred Marshall pensou haver reescrito a economia clássica, incorporando nesse processo qualificações e críticas aparentemente desenvolvidas independentemente dos teóricos da utilidade 33 CUSTO E ESCOLHA marginal, a despeito das semelhanças no tratamento a determinados elementos. A sua análise de período forneceu um modelo geral no qual intervalos de ajuste determinavam o relativo poder explanatório das hipóteses de utilidade marginal e de custo de produção. Marshall, um simpatizante dos clássicos, percebeu as vantagens prognósticas do modelo clássico básico. Sendo um analista muito sofisticado, ele não deixou de perceber a simples idéia do custo de oportunidade, contudo dificilmente encontramos em seu debate afirmações explícitas a respeito desse conceito. Uma leitura mais superficial poderá sugerir que Marshall dispunha-se a aceitar a ingênua versão clássica de custo real ou de dor que emergia dos esforços do trabalhador e da abstinência do capitalista. Sua falta de precisão foi, em parte, conseqüência de uma preocupação direta e pragmática com a explicação da formação de preço. Para seu próprio bem, Marshall não formulou questões de caráter conceituai ou definidor e aparentemente nem se dispôs a levar adiante essas indagações uma vez obtidas as respostas que considerou satisfatórias para importantes questões de ordem prática. Para essas finalidades, os custos monetários determinados por preços estabelecidos em mercados de fatores eram suficientes. Na análise de longo período, uma vez efetuados todos os ajustes, se as outras coisas não se modificarem nesse intervalo, os preços tendem a situar-se no mesmo nível dos custos monetários se houver predominância do retomo constante. Para Marshall essa afirmação era razoavelmente satisfatória, era tudo o que realmente poderia se esperar da economia. Seus modelos, apresentados neste texto e em outros estudos, freqüentemente são "imprecisos" - tem-se essa sensação deliberadamente - mais pelo fato de ele haver reconhecido as complexidades inerentes à tentativa de pôr as coisas em seu devido lugar do que por não as ter percebido. Talvez essa afirmação seja parcialmente favorável a Marshall, porém sente-se que, apesar de suas ambigüidades, ele jamais teria cometido as asneiras de seus sucessores ao não conseguir formular uma definição adequada para custo. 34 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA Frank Knight e os Paradigmas Neoclássicos Frank Knight, cuja "preocupação central é a definição correta do problema...", apresenta uma diferença acentuada em relação a Marshall. Ele notou as ambigüidades presentes no tratamento neoclássico do custo, principalmente no de Marshall. Em vários de seus estudos importantes elaborados no final da década de 20 e no início da próxima, Knight formulou o conceito de oportunidade ou de custo alternativo de produto, que se tomou o paradigma da teoria moderna de preço, notadamente em sua variação americana de Chicago. A partir do modelo do cervo-castor de Adam Smith, Knight demonstrou o seu conteúdo inerente de custo de oportunidade juntamente com as linhas que esbocei no início deste capítulo. "(...) ...o custo de castor é igual a cervo e o custo de cervo é igual a castor, sendo este o único conteúdo objetivo e científico do conceito de custo 3." O custo de oportunidade de uma mercadoria é mensurado em unidades de produto alternativo ou excluído, sendo "todas as referências de 'sacrifício' ou de 'gastos' [deveriam ser] simplesmente omitidas" 4. "(...) ...o custo deve ser mensurado em termos de produtos, não de dores ou gastos" 5. Em sua afirmação de 1928 sobre o que ele considerava como a definição "correta", Knight seguia o que se reconheceu posteriormente como sendo a posição comum da escola austríaca, especialmente aquela representada em Wieser. Ele também indicou em um estudo posterior que sua posição era compartilhada por Wicksteed. O custo de produção de uma unidade de uma determinada mercadoria é simplesmente mensurado pelo produto real alternativo que poderia ter sido produzido, se os insumos de recursos usados na produção fossem redistribuídos racionalmente para outros usos. O valor de mercado desses produtos alternativos fornece um denominador comum para o cálculo estimativo, um 3 Frank H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Statement of the General Theory of Price, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 359. 4 Ibid., pág. 355. 5 Ibid., pág. 363. 35 CUSTO E ESCOLHA valor que é determinado pelo processo de troca. Knight parece estar correto ao propor que essa abordagem é semelhante à de Wieser, que afirmava: "Visto que cada processo produtivo reduz essa posse, ele reduz a utilidade - ele custa, e custa exatamente tanto quanto o valor que o material e a mão-de-obra necessários teriam produzido se aplicados racionalmente" 6. Entretanto, após alguns anos, Knight notou que algo estava errado com a sua mensuração direta do custo de oportunidade de produto alternativo. Em estudos publicados em 1934 e 1935, ele tentou verbalizar suas apreensões sem grande êxito 7, 8. Ele tentou modificar a definição de produto alternativo de custo para considerar as diferenças no fatigante setor dos diferentes usos de recursos, especialmente no que tange à aplicação da distribuição do trabalho. Valendo-se de uma argumentação extremamente complexa, Knight afirmou que, na mesma proporção em que os proprietários dos recursos não uniformizam os retornos pecuniários às unidades de recursos em todos os usos, o princípio do custo de produto alternativo não poderá ser aplicado em sua totalidade. Se o caçador de cervos aceita uma compensação pecuniária relativamente mais baixa para o seu trabalho mais agradável, cada dólar de pagamento de recursos retirado da produção de cervos e transferido para a produção de castores produzirá um aumento de mais de um dólar ao produto "social". Portanto, o custo de oportunidade do aumento resultante na produção de castor é maior do que o valor de mercado para o cervo que os insumos de recursos poderiam ter produzido antes dessa transferência. Assim, a 6 F. von Wieser, The Theory of Value, Annals of the American Academy of Political and Social Science, 2 (março de 1892), 618. Vide também F. von Wieser, Über den Ursprung und die Hauptgesetze des wirtschaflichen Werthes (Wien, 1884), pág. 100. 7 The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), Journal of Political Economy, XLII (outubro de 1934), 660-73, reeditado em Frank H. Knight, On the History and Method of Economics (Chicago: University of Chicago Press, Phoenix Books, 1963), 104-18. Um artigo revisivo da edição de dois volumes de Wicksteed. 8 Frank H. Knight, Notes on Utility and Cost (Mimeografia, University of Chicago, 1935). Publicado sob a forma de dois artigos, em língua alemã, em Zeitschrift für Nationalekonomie (Viena), Band VI, Heft 1, 3 (1935). 36 O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA mudança líquida em fadiga também deverá ser reconhecida e considerada. Essa observação é certamente razoável e fundamentalmente correta, a despeito de refletir um conceito de custo de oportunidade bastante diferente daquele que Knight postulara inicialmente. A introdução de vantagens e desvantagens não pecuniárias no uso de recursos prejudica o elo crucialmente importante entre o valor de mercado mensurado objetivamente do produto alternativo e o custo que é introduzido no cálculo subjetivo do indivíduo que toma a decisão. Essa relação é essencial para que a teoria de valor conserve o seu conteúdo científico em qualquer aspecto prognóstico. Sem se aperceber do fato, Knight passou de um modelo positivo de comportamento no qual os custos são mensuráveis objetivamente para um modelo lógico de escolha no qual os custos são puramente subjetivos. Neste modelo desprovido de conteúdo prognóstico, o valor de mercado do produto excluído ou alternativo não tem influência direta na decisão do proprietário do recurso. Portanto, este valor não poderá ser, de maneira alguma, considerado como a medida de seu custo. Se interpretado adequadamente, como Wicksteed quase chegou a afirmar, o valor previsto ou esperado do produto alternativo no momento da decisão, que é estimado pelo indivíduo que faz a escolha, representa o custo. Além disso, de acordo com essa definição, o valor não mercadizável das condições alternativas de emprego está incluído como parte essencial do custo. Aposição inicial defendida por Knight tornou-se ortodoxa e assim permanece em relação à maior parte da teoria moderna de preço. O conceito de custo de oportunidade é a parte mais importante. "O custo de qualquer das alternativas (simples ou complexa) escolhidas representa a alternativa à qual se tem de renunciar; se não houver alternativa alguma em relação a uma determinada experiência, não haverá escolha, não haverá um problema econômico e o custo não terá significado algum." 9 "Assim, o custo econômico constituirá a renúncia a algum 'outro' uso de alguns recursos ou da capacidade do recurso para que se 9 Knight, Notes on Utility and Cost, op. cit., pág. 18. 37 CUSTO E ESCOLHA possa assegurar a vantagem do uso para o qual se destina." 10 "A única teoria geral do custo que pode ser conservada será, finalmente, a do custo alternativo, mais bem formulada como custo de produto excluído. Contudo, essa afirmação fica sujeita à qualificação de que somente seja verdadeira 'na medida' do equilíbrio que as condições indicadas possam alcançar." 11 Dentro do contexto de quase todos os debates teóricos, essas afirmações são perfeitamente aceitáveis e inteiramente corretas. O custo é mensurado através do valor de mercado do produto excluído. O custo é objetivo no sentido em que pode ser estimado, pelo menos após o fato, por observadores externos, a despeito da premissa de que os valores de mercado sejam estabelecidos, via de regra, através das avaliações subjetivas de muitos produtores e consumidores. Os preços de mercado mensuram as avaliações coletivas às margens da produção, e os próprios preços são objetivos. Essas afirmações a respeito de custo são aceitas em caráter amplo e irrestrito pela maioria dos adeptos da moderna teoria de preços, que, em sua maior parte, não é capaz de notar que o custo de oportunidade assim definido não possui conexão alguma com a escolha. E é precisamente por essa razão que as diferenças simples porém sutis entre essa ortodoxia e a teoria alternativa da escola inglesa fornecem assuntos adequados para um pequeno livro. 10 Ibid., pág. 19. 11 Knight, The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), op. cit., pág. 116. 38 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA As Origens e o Desenvolvimento de uma Tradição Inglesa Wicksteed e o Cálculo da Escolha Wicksteed merece ser reconhecido por ter deslocado a teoria do custo das suas fundações objetivas clássicas. Embora Jevons faça justiça ao rótulo de precursor, o principal avanço para além dos conceitos de Marshall foi alcançado por Wicksteed, que vinculou de modo bastante direto o custo de oportunidade à escolha. Ele afirmava que o custo de produção "em termos do fato histórico e irrevogável de que os recursos tenham sido orientados para este ou aquele propósito especial não tinha influência sobre o valor da coisa produzida" 1. Nesse sentido, o custo de produção não afeta a oferta. O que efetivamente afeta a oferta é o custo previsto "no sentido em que se deve renunciar às opções ainda disponíveis para se produzir o artigo específico" 2; esse custo "influencia a decisão do artesão de produzi-lo ou não" 3. Estabelece-se então o relacionamento crítico entre qualquer mensuração de custo e ato de escolha. Em qualquer momento no tempo pode-se olhar para a frente ou para trás. Olha-se 1 Philip H. Wicksteed, The Common Sense of Political Economy (Londres, Macmillan, 1910), pág. 380. 2 Ibid. 3 Ibid. 39 CUSTO E ESCOLHA para trás no tempo quando se está diante de uma perspectiva de opções não mais possíveis. Olha-se para a frente no tempo quando se está diante de uma perspectiva de alternativas que ainda permanecem disponíveis; as escolhas podem e devem ser feitas. Segundo esse esclarecimento elementar, o custo tende a ser uma parte da escolha dentre as opções, uma escolha que deverá ser subjetiva para o indivíduo que a está fazendo. O custo não possui relacionamento direto com a mercadoria ou as unidades de recursos que apresenta no debate clássico e no neoclássico. Wicksteed, reconhecendo inteiramente as muitas ambigüidades que circundavam o uso do termo "custo", forneceu excelentes exemplos" 4. Entretanto, uma análise mais detalhada mostra que a clareza de Wicksteed deixou algo a desejar. Ao ter de formular uma definição para custo de produção ou preço de custo, ele a colocou como "o valor estimado, medido em ouro, de todas as opções que tenham sido sacrificadas para se colocar uma unidade da mercadoria em questão no mercado" 5. (Os caracteres em itálico existem originalmente.) Não há dúvida que Wicksteed exerceu uma importante influência na formação da teoria do custo que surgiu no final da década de 20 e início da década seguinte na Escola Inglesa de Economia. E, como espero poder mostrar, vestígios da teoria do custo "correta" podem ser encontrados nas perspicazes observações de Wicksteed. Isso pode não se mostrar muito aparente em Wicksteed pelo simples motivo que não lhe foi necessário ir mais além para responder às suas próprias perguntas. Sente-se que as teorias do custo de Wicksteed e de Marshall poderiam ser 4 "Estas reflexões explicarão a grande ambigüidade do termo 'preço de custo'... (...). [ 0]s membros de uma mesma classe profissional....utilizarão o termo com diferentes sentidos. Um deles poderá afirmar que 'não está conseguindo lucro algum', mas está 'vendendo com prejuízo'. Outro dirá que 'as coisas estão ruins para ele, mas não tão ruins assim', quando ambos tentam indicar exatamente as mesmas condições. Alguns indivíduos afirmarão de boa-fé que estão 'vendendo a preço abaixo do custo', porém, mesmo nessas condições, jamais lhes ocorrerá suspender suas operações." Ibid., pág. 381. 5 Ibid., pág. 385. 40 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA consideradas inteiramente iguais em relação ao desafio apresentado por uma nova série de questões da década de 30. H.J. Davenport Herbert J. Davenport foi um economista americano e quase que um contemporâneo de Wicksteed. Sua influência limitou-se a um grupo relativa mente pequeno de seguidores do qual não surgiu nenhuma grande figura na história da doutrina. Contudo, a percepção de Davenport em relação ao custo de oportunidade, se vista a partir da perspectiva desenvolvida neste livro, sugere ser apropriado colocar o seu nome junto ao de Wicksteed e de Knight nesta revisão sumária. A ênfase de Davenport era orientada para o que ele denominava de "custo do empresário", definindo-a claramente como uma dimensão de utilidade. "Isso quer dizer que o custo como um determinante marginal é puramente uma questão dentro dos aspectos pessoais na atividade empresarial, um fato gerencial, um fenômeno subjetivo no qual todas as influências relativas à psicologia da escolha entre as diferentes ocupações e o lazer têm um lugar determinado" 6. Além disso, Davenport reconheceu expressamente que o custo está relacionado com as particularidades da situação de escolha, e, sem dúvida, a sua ênfase sobre o custo do empresário originou-se de suas críticas a outros escritores, notavelmente Marshall, que confundiu esse conceito com o que Davenport denominou de "custo coletivista" 7. Incrustado no tratado de Davenport, Valor e Distribuição é um conceito de custo de oportunidade quase tão sofisticado quanto aquele desenvolvido por Wicksteed. O fato que não permitiu que as idéias de Davenport tivessem uma maior influência do que tiveram 6 Herbert J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University of Chicago Press, 1908), pág. 273. 7 Vide em especial ibid. pág. 404. 41 CUSTO E ESCOLHA foi, aparentemente, a sua falha em articular essas idéias e, quiçá, a sua petulância para com os ídolos da profissão de sua época. Davenport certamente teria melhores chances tivesse ele sido capaz de criticar as confusões mais flagrantes sobre a teoria do custo que somente surgiu após a década de 20 8. Knight e o Custo como Avaliação É interessante notar que, antes de escrever qualquer um dos estudos citados anteriormente, Frank Knight referia-se expressamente à estimativa de custo como um processo de avaliação inerente à própria escolha. "[O] custo de qualquer valor é simplesmente o valor do qual se desiste quando ele é escolhido; é apenas a reação ou a resistência à escolha que a transforma em escolha." 9 (Os caracteres em itálico existem originalmente.) Contudo, ao estabelecer esta relação entre o custo de oportunidade e o processo de decisão, Knight confundiu as questões fundamentais orientando posteriormente a sua ênfase para o valor do produto alternativo, um valor determinado, presumivelmente, não pelo indivíduo que faz a escolha, porém por todo o processo de mercado. Robbins, 1934 Em um estudo básico publicado em 1934 10, Lionel Robbins reagiu contra a ênfase de Knight e de outros sobre o conceito de produto alternativo de custo de oportunidade, tanto quanto o próprio 8 Para um sumário da história da teoria de custo no qual as idéias de Davenport são apresentadas com destaque, vide Bob M. Keeney, The Evolution of Cost Doctrine (Mimeografada, Mid-western Economics Association, novembro de 1967). 9 Frank H. Knight, Fallacies in the Interpretation of Social Cost, Quarterly Journal of Economics, XXXVIII (agosto de 1924), 592f, reeditado em F.H. Knight, The Ethics of Competition (Londres: Allen and Unwin, 1935), pág. 225. 10 L. Robbins, Certain Aspects of the Theory of Cost, Economic Journal, XLIV (março de 1934), 1-18.0 interesse de Robbin por essas questões ficou videnciado em seu estudo anterior, On a Certain Ambiguity in the Conception of tationary Equilibrium, Economic Journal, XL (Junho de 1930) esp. 209-11. 42 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA Knight foi levado a fazê-lo em seus estudos de 1934 e 1935. Ao reagir dessa forma, Robbins forneceu os fundamentos para um conceito de custo de oportunidade que posteriormente veio a ser identificado com a Escola Inglesa de Economia. Tanto Knight em seu estudo de 1924 quanto Robbins deixaram de entender a importância da diferenciação que estavam estabelecendo. Robbins acreditava estar meramente esclarecendo determinadas ambigüidades que surgiram em relação à ortodoxia emergente da escola austríaca, cuja origem ele atribuía a Wieser. Especificamente, Robbins arguia que o custo deve ser definido em termos do valor excluído e não em termos do produto real excluído. Ele demonstrou que, indo-se além do modelo do cervo-castor de Smith, o produto real excluído não tinha muita importância. Os seus exemplos ilustrativos foram os dos produtos finais gerados através de insumos inteiramente diferentes ou através dos mesmos insumos em coeficientes variados e fixos. Nessas condições, as variações na demanda produzem variações no custo, que não podem ser interpretadas em termos de alternativas reais de produtos excluídos. Os custos modificam-se em função das variações dos valores relativos dos insumos, valores esses obtidos a partir da demanda do produto final. Embora esses esclarecimentos fossem úteis e representassem os principais pontos da argumentação de Robbins, eles não serão motivo de debate no presente texto. Robbins introduziu várias afirmações, mais ou menos como apartes, que envolvem um conceito de custo básico diferente. Aparentemente, ele não viu essas afirmações por esse prisma porque eram particularmente óbvias para quem conhecesse Wicksteed e talvez, por outro lado, não fossem relevantes em relação ao seu tema central. Refiro-me a conexão explícita que fazia entre o custo e o próprio ato da escolha. "O processo de avaliação é essencialmente um processo de escolha, sendo que os custos representam o aspecto negativo desse processou (P. 2, os caracteres em itálico não existem originalmente.) "O principal requisito de qualquer teoria do custo é a sua capacidade de explicar as resistências efetivas com que a 43 CUSTO E ESCOLHA produção de qualquer linha da indústria se depara." (p. 5, os caracteres em itálico existem originalmente.) "O produtor independente pensa sobre o sacrifício que está fazendo por não produzir uma outra coisa." (p. 5, os caracteres em itálico não existem originalmente). Infelizmente, após haver difundido essa afirmações altamente provocativas em seu debate, Robbins passou a obscurecer, quase que simultaneamente, o seu potencial de impacto. Neste ponto, Robbins aparentemente adota o mesmo procedimento que Knight adotara uma década antes. Na página imediatamente consecutiva às duas afirmações citadas acima, Robbins declara: "A condição para que os preços se igualem ao custo de produção, no aspecto de valor, é tão essencial ao equilíbrio do sistema walrasiano quanto a condição de que os produtos marginais sejam proporcionais aos preços de fatores" (P. 6). A distinção sutil, porém essencial entre o custo na ocasião do ato da escolha e o custo na teoria prognóstica de comportamento econômico desaparece nessa afirmação aparentemente ortodoxa e neoclássica. Mises, Robbins e Hayek e o Cálculo em uma Economia Socialista Como sugeri no Prefácio deste livro, os seguidores contemporâneos da escola austríaca podem reivindicar com certa legitimidade que o conceito do custo de oportunidade atribuído a Jevons, Wicksteed, Davenport e Knight, que finalmente se desenvolveu em tradição na escola inglesa, foi pesquisado de modo independente pelos seguidores anteriores da escola austríaca e notadamente por Ludwig von Mises. Em seu monumental, polêmico e muito negligenciado tratado intitulado Human Action 11, Mises apresenta uma teoria do custo de oportunidade que na verdade é quase equivalente à totalidade do conceito da escola inglesa que será descrito posteriormente. Neste ponto observa-se que apenas o 11 Ludwig von Mises, Human Action (New Haven: Yale University Press, 1949). 44 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA tratado da escola alemã, que fornece o embasamento para o trabalho em língua inglesa, não fora publicado até 1940. Portanto, para o período em questão, devemos examinar os estudos anteriores de Mises. Além disso, deve-se fazer uma referência específica ao seu estudo de 1920, no qual Mises argumentava ser impossível o cálculo econômico cm uma sociedade socialista 12, e ao seu livro publicado em seguida, em 1922 13. A leitura moderna das contribuições anteriores de Mises sugere que parte da força intuitiva de sua argumentação era proveniente de um conceito de custo de oportunidade mais sofisticado do que a sua capacidade de verbalizá-lo na ocasião. O ataque de Mises à possibilidade do cálculo socialista é inteiramente compatível com o conceito do custo de oportunidade que surgiu posteriormente com maior amplitude, tanto na escola inglesa como em seus próprios estudos. Embora não voltasse o enfoque de sua argumentação anterior diretamente ao problema de custo, per se, o caráter geral do debate de Mises está nitida e estreitamente relacionado com os desdobramentos posteriores de sua teoria do custo. A sua contribuição a essa teoria é certamente digna de reconhecimento juntamente com a de Wicksteed e a de Knight. A parte da importância de seus próprios trabalhos, a influência de Mises pode ser observada no trabalho de Lionel Robbins e de F.A. Hayek, o austríaco que foi transplantado para Londres, tornando-se um dos principais personagens da tradição da escola inglesa. Além de escrever o seu estudo de 1934, citado anteriormente, Robbins também participou do amplo debate sobre a possibilidade do cálculo econômico no socialismo 14. Qualquer 12 Die Wirtschaftsrechnung im Sozialistichen Gemeinwesen, Archiv fur Sozialwissenschaften, 47 (1920), reeditado sob o título de Economic Calculation in the Socialist Commonwealth, em F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning (Londres: Routledge, 1935). 13 Ludwig von Mises, Die Gemeinwirtschaft (Jena, Alemanha: Gustav Fischer, 1922). A segunda edição alemã surgiu em 1932. Mises adicionara um epílogo a essa edição por ocasião de sua tradução de título Socialism (New Haven: Yale University Press, 1951). 14 Lionel Robbins, The Great Depression (New York: Macmillan, 1934), esp. págs. 143-54. 45 CUSTO E ESCOLHA avaliação de sua contribuição no presente momento deverá estar intimamente relacionada com a avaliação do trabalho de Mises. É muito provável que a argumentação de Robbins tenha se baseado em um conceito mais sofisticado do que aquele que é discutido expressamente, pode-se perceber em uma leitura moderna que, juntamente com Mises e Hayek, Robbins poderia ter sido muito mais eficaz se tivesse conseguido articular melhor a diferenciação entre o custo mensurável objetivamente e o custo como um elemento do processo decisório. A contribuição específica de Hayek ao desenvolvimento de uma teoria do custo, contida em seu debate sobre o cálculo econômico em uma sociedade socialista é particularmente uma colcha de retalhos. Na Introdução da sua famosa coletânea de ensaios 15, Hayek prenuncia a sua ênfase posterior e mais expressamente metodológica sobre a necessidade de diferenciação entre o sentido subjetivo aparente dos dados que o indivíduo escolhe no processo econômico e as informações objetivas disponíveis para qualquer observador externo. Como poderemos ver, o procedimento metodológico é essencial a todo e qualquer entendimento genuíno de custo. Entretanto, Hayek, em 1935, aparentemente não havia incorporado totalmente essa metodologia à sua teoria fundamental. Em seu ensaio intitulado The Present State of the Debate, que faz parte de sua coletânea, Hayek sugere claramente que o custo de produção torna-se difícil de calcular em um contexto socialista basicamente em virtude da ausência das condições de equilíbrio competitivo onde o "custo de produção possuiria, na realidade, um significado bastante exato" 16. Essa ênfase também evidente no trabalho de Robbins abriu o caminho para a resposta eficaz de Lerner cujo simples argumento era para que se adotasse uma norma no estabelecimento de preços dos custos de 15 16 F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning, op. cit. Ibid., pág. 226. 46 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA oportunidade marginais, independentemente da condição do mundo. 17 No momento, nosso objetivo não é avaliar o debate sobre o cálculo econômico em um contexto socialista, porém apenas examiná-lo à luz das contribuições que faz para a teoria pura do custo de oportunidade. A exceção de Lerner (cuja percepção era muito mais profunda, além do fato de haver participado pessoalmente da tradição da escola inglesa em desenvolvimento), aqueles que defendiam que o cálculo econômico em um contexto socialista era possível aceitavam uma definição objetiva de custo sem qualquer exame crítico mais sério das questões que esta poderia suscitar. Hayek, Mises e a Economia Subjetivista F.A. Hayek foi nomeado Professor Catedrático em Ciência Econômica e Estatística em Tooke, na Escola Inglesa de Economia em 1931 onde desempenhou a função até 1950. Ao lado de Robbins, Hayek merece ser reconhecido como o gerador de grande parte da tradição da escola inglesa na teoria do custo, uma tradição que aparentemente emergiu gradualmente durante essas duas décadas. Como sugerimos acima, a contribuição de Hayek foi basicamente a de produzir os fundamentos metodológicos subjacentes para trabalhos mais explícitos sobre custo de outros autores, Ele apresentou a metodologia do subjetivismo com autoridade convincente; seus ensaios ainda permanecem como leitura recomendada quase trinta anos após a sua primeira publicação. E a teoria econômica de um modo geral certamente poderia ter evitado várias confusões modernas se os ensaios de Hayek tivessem tido maior disseminação e compreensão mais ampla. 17 A.P. Lerner, Statistics and Dynamics in Socialist Economics, Economic Journal, XLVII junho de 1937), 253-70. 47 CUSTO E ESCOLHA Devemos fazer uma distinção entre a economia ortodoxa neoclássica, que incorpora a revolução do valor subjetivo ou da utilidade marginal na teoria de valor e na economia subjetivista dos contemporâneos da escola austríaca, notadamente Mises e Hayek. A dependência do preço (valor) em relação à Utilidade marginal determinada subjetivamente pode ser inteiramente reconhecida, enquanto, em sua essência, se preserva uma teoria objetiva do custo. Segundo a famosa afirmação de Jevons, a utilidade marginal depende da oferta, a qual, por sua vez, depende do custo de produção. Como já tivemos a oportunidade de mencionar, essa teoria é de natureza totalmente objetivista, embora seja óbvio que a avaliação dos compradores e dos vendedores está incorporada como parte dos dados objetivos. Os custos são determináveis objetivamente, embora a teoria não afirme que os custos por si sós possam determinar o valor. Diferentemente da teoria clássica, falta à explicação a causalidade unilateral, porém não lhe falta objetividade. É essa objetividade que é descartada em sua totalidade tanto por Mises como por Hayek. Nesse ponto eles diferem intensamente dos antigos membros da escola austríaca, embora não pareçam perceber a magnitude dessa distinção. Em muitos aspectos, eles se parecem muito mais próximos de Wicksteed do que de Wieser. Não parece haver dúvida de que a economia subjetivista tenha sido introduzida expressamente na escola inglesa por Hayek. Em um estudo de importância fundamental publicado em 1937 18 ele enunciou as características fundamentais da metodologia subjetivista, características essas que elaboraria em detalhes consideravelmente maiores em seus trabalhos posteriores 19. Em seu estudo de 1937, Hayek reconhece o mérito de Mises em seu 18 F.A. Hayek, Economics and Knowledge, Economics, IV (1937), 33-54, reeditado em Hayek, em Individualism and Economic Order (Chicago: University of Chicago Press, 1948), págs. 33-56. 19 Os ensaios adicionais que surgiram em 1940,1941,1942 e 1943 são apresentados na obra de dois volumes denominada de Individualism and Economic Order, op. cit., e The Counter-Revolution of Science (Glencoe, III.: The Free Press, 1952). 48 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA trabalho preliminar 20, publicado em alemão em 1933, cuja publicação somente foi possível muito tempo depois (1960) e em língua inglesa. O estudo inicial de Hayek fornece, de certo modo, a metodologia "clássica" dos subjetivistas, uma metodologia essencial a uma teoria do custo diretamente relacionada com a escolha que será contrastada com a teoria do custo incorporada na ortodoxia neoclássica. A sutil distinção entre a economia de valor subjetivo e a economia subjetivista adotada por Hayek e Mises permaneceu na obscuridade enquanto a tarefa da teoria econômica limitava-se em sua maior parte à explicação das interações de mercado. A argumentação famosa de Jevons sobre a oferta serve de ilustração. Enquanto os produtores individuais, em resposta a demanda dos consumidores, forem os agentes cujo comportamento tentamos explicar, não há necessidade de indagarmos se os custos de produção são de natureza subjetiva ou objetiva. Os custos são os obstáculos às escolhas dos produtores e os economistas podem debater as "leis do custo" nesse contexto, sem que se suponha possível a mensuração objetiva. Com o advento da economia do "bem-estar," não importando como ela possa ser definida, a imprecisão metodológica admissível previamente deixara de ser satisfatória. Se um determinado processo de interação de mercado levado às condições ideais - concorrência pura ou perfeita - e empregado como padrão na obtenção de condições que passam então a ser adotadas como normas para interferir no processo real de mercado, a questão da mensuração objetiva deve ser abordada diretamente. Caso os preços "devam" ser igualados aos custos de produção, em conseqüência de uma determinada política, deve-se supor que os custos sejam objetivos na medida em que possam ser mensurados por outros indivíduos além daquele que toma a decisão. 20 Ludwig von Mises, Grundprobleme der Nationökonomie (Jena, Alemanha: Gustav Fischer, 1933), traduzido por George Reisman com o título Epistemological Problems of Economics (New York: Van Nostrand, 1960). 49 CUSTO E ESCOLHA Somente Hayek e Mises pareciam ter plena ciência desse problema e da sua importância, embora muitos outros economistas pareçam demonstrar uma vaga perturbação em relação ao mesmo. A economia subjetivista, para Hayek e Mises, representa uma negação expressa da objetividade dos dados que norteiam a escolha econômica. O sujeito agente, o indivíduo que faz a escolha, seleciona determinadas opções preferidas segundo os seus próprios critérios, alcançando, na falta de modificações externas, o equilíbrio econômico. Contudo, esse equilíbrio personalizado ou equilíbrio de Crusoe mostra-se totalmente diferente daquele que descreve as interações entre muitos agentes, muitos indivíduos que farão a escolha. No último caso, as ações de todos os outros se transformarão nas informações necessárias à escolha por um único indivíduo. O equilíbrio não é descrito em termos de "condições" determinadas objetivamente ou de relações entre magnitudes específicas, por exemplo, preços e custos, mas em termos da realização de expectativas consistentes que se reforçam mutuamente. A diferença entre essas duas abordagens, a objetivista e a subjetivista, é profunda, mas continua a ser ininteligível na concentração neoclássica sobre o processo de interação em um mercado idealizado através do qual todos os indivíduos comportemse economicamente. Em um ambiente econômico imutável, habitado por indivíduos puramente econômicos, as duas abordagens tornam-se superficialmente idênticas. Em um universo no qual os comportamentos não sejam puramente econômicos, onde ocorre a escolha genuína, diferenças importantes surgem com muita nitidez. Nesse momento crítico do desenvolvimento da teoria econômica, devemos, penso eu, perguntar por que os argumentos convincentes de Hayek tiveram tão pouco peso. Sem dúvida, a economia objetivista continua a ser a estrela do dia e poucos são os seus praticantes que se detêm a examinar sua base metodológica de modo mais crítico. Sem dúvida alguma, são vários os motivos dessa falha, porém a atenção indevida dedicada à definição de equilíbrio, apesar de imensamente importante por si só, poderá haver atrasado o processo de aceitação dos conceitos subjetivistas de natureza mais 50 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA geral. Os leitores neutros dos debates calorosos sobre o cálculo econômico em contextos socialistas podem ter sido levados a pensar que a questão central fosse realmente aquela que envolvia a possibilidade de derivação equívoca dos critérios para as políticas geradas a partir de circunstâncias de equilíbrio estacionário. Esta é sem dúvida uma importante questão cuja crítica subjetivista fica aqui obscurecida. Como já tivemos a oportunidade de observar anteriormente, essa concentração orientada para o equilíbrio, pela qual Hayek, Robbins e, em menor proporção, Mises são culpados, permitiu que Lerner abandonasse todas as referências ao equilíbrio geral em sua derivação das regras das políticas que exigem expressamente a introdução de custos mensuráveis objetivamente. A Importância Prática do Custo de Oportunidade: Coase, 1938 Paralelamente às contribuições de caráter mais abstrato à teoria do custo feitas por Robbins, Hayek e Mises, outros elementos de uma tradição talvez mais autêntica da escola inglesa surgiram em 1930. Eles refletem a aplicação direta de alguns dos conceitos básicos de Wicksteed aos problemas com que se defronta o homem de negócios. Essa abordagem de "bom senso" tinha suas raízes na escola inglesa, no trabalho de Cannan, que insistiu continuamente em iniciá-la com os problemas que porventura existissem. Aparentemente, Cannan, embora aceitasse prontamente o conceito de custo de oportunidade, não prestou nenhuma contribuição específica à teoria do custo 21. Essa abordagem comercial prática foi promovida posteriormente por Arnold Plant, que aparentemente prestou uma contribuição significativa porém indireta ao desenvolvimento da tradição da escola inglesa. Em minha opinião, Plant não fez nenhuma abordagem expressa à teoria do custo em qualquer de seus 21 Vide em especial a revisão da obra de Henderson intitulada Supply and Demand, reeditado em An Economist's Protest, de Edwin Cannan (Londres: P.S. King, 1927), págs. 311-14. 51 CUSTO E ESCOLHA trabalhos publicados, entretanto as contribuições de seus alunos e colegas refletem sua influência. Tanto R.H. Coase quanto G.F. Thirlby, cujas contribuições estão sumariadas abaixo, foram discípulos de Plant. O contraste entre a definição-mensuração de custo do contabilista e a do economista neoclássico é o padrão de procedimento. Porém, este contraste – quando o significado de custo de oportunidade é totalmente incorporado – adquire características que ainda hoje em dia encontram-se fora do conjunto de instrumentos da economia ortodoxa. Esse fato pode ser claramente observado em uma série de artigos escritos por R.H. Coase, publicados em 1938, que foi especialmente redigida visando ao esclarecimento dos práticos em contabilidade 22. Esses documentos ainda são do conhecimento de relativamente poucos economistas modernos, apesar de sua abordagem excepcionalmente clara dos problemas conceituais inerentes ao uso do termo "custo" e de sua insistência enfática e necessária para que o custo seja relacionado ao processo de escolha. "A primeira recomendação que se faz com muita ênfase é que a atenção esteja voltada para as variações que advirão caso uma determinada decisão seja tomada, sendo que as variações pertinentes às decisões comerciais são as que surgem nos custos e/ou receitas." (Pág. 106.) "Deve-se observar que os registros contábeis meramente apresentam valores relacionados a operações passadas. As decisões comerciais dependem de estimativas sobre o futuro." (Pág. 108.) "[0]s custos e as receitas não podem ser expressos em termos monetários sem ambigüidade, visto que os cursos de ação podem conter vantagens e desvantagens de natureza não monetária, em decorrência da exis22 R.H. Coase, Business Organization and the Accountant, The Accountant (outubrodezembro de 1938). Esses artigos foram reeditados na obra de David Solomons (ed.), Studies in Costing (Londres: Sweet and Maxwell, 1952), págs. 105-58. Além de Coase, outros membros do grupo de jovens economistas de Plant eram R.S. Edwards, R.F. Fowler e David Solomons. Esse grupo se interessava em dar à teoria econômica uma maior importância prática nas operações comerciais e particularmente na prática contábil. 52 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA tência de incertezas e das diferenças entre o momentos em que os pagamentos são realizados e as receitas efetivadas." (Pág. 116.) "O custo de fazer qualquer coisa é constituído das receitas que poderiam ser realizadas caso essa decisão específica não fosse tomada. Quando alguém diz que um determinado curso de ação não 'paga o seu custo', isso apenas significa que ele prefere algum outro curso de ação - a receita de um indivíduo, quer de natureza monetária, quer não monetária, será maior se ele não realizar o custo. Este conceito particular de custos pareceria ser o único conceito de utilidade na solução de problemas comerciais, dado que a sua atenção está orientada para os cursos alternativos de ação que se abrem para o comerciante. Os custos somente estarão cobertos se o comerciante escolher, dentre os vários cursos de ação disponíveis, aquele que gere o máximo de lucro. Para se cobrir os custos e maximizar o lucro existem basicamente duas formas que expressam um mesmo fenômeno" (Pág. 123, os caracteres em itálico não existem originalmente.) Uma análise criteriosa e moderna dos documentos iniciais de Coase indicará que o conceito de custo incorporado a eles é teoricamente diferente do conceito do paradigma neoclássico. Coase vincula o custo à escolha de modo bastante explícito e rejeita qualquer tentativa de classificar os custos em categorias - por exemplo, custos fixos e variáveis - independentemente da identificação da decisão em questão. Talvez, para o nosso objetivo, a contribuição mais significativa esteja contida nas declarações acima, apresentadas em caracteres itálicos. Qualquer oportunidade de lucro que se encontre dentro do campo da possibilidade e seja rejeitada transforma-se no custo de empreender o curso de ação preferido. A despeito da necessidade de aceitarem esse resultado direto do raciocínio aparentemente consistente de custo de oportunidade, os economistas mostraram-se - e mostram-se extremamente relutantes em adotar este conceito. A inclusão de todos os lucros anteriores como custos aniquila todo o aparato de curva de custo que é parte normal das atividades de nosso dia-a-dia. E, sem ele, de que modo poderíamos ensinar teoria elementar de preço? 53 CUSTO E ESCOLHA Segundo o modelo neoclássico rigoroso, os custos são amplamente diferenciados dos lucros anteriores em virtude de não estarem diretamente vinculados à escolha. Custos são desembolsos mensuráveis objetivamente, aproximados pelo valor do produto alternativo. Neste ponto, recomenda-se ter em mente os fundamentos clássicos de análise. Os custos, na medida em que sejam objetivos e, portanto, mensuráveis externamente por alguém que se encontre distante do processo de escolha, fornecem a base para uma hipótese prognóstica sobre o comportamento de indivíduos agentes (empresas) e, através dela, uma hipótese de preços. O mundo neoclássico objetivista e o mundo subjetivista londrino-vienense praticamente não se reconciliam. A confusão foi aprofundada ainda mais pelas contribuições de Robinson-Chamberlin e contribuições a ele relacionadas durante o início da década de 30, justamente quando os conceitos mais básicos da teoria do custo pareciam estar a caminho do esclarecimento. Essas contribuições à teoria da empresa levando-a a uma posição demasiadamente importante em um modelo que parecia incorporar os conceitos de custo objetivistas em vez dos subjetivistas. Se a finalidade da análise é "explicar" o comportamento da empresa, a escolha deve ser alvo de atenção, não se podendo relegar os custos à condição de objetos. Todo o aparato marginalista de receita e de custo, a rigor, permanece tão somente como parte de uma lógica central de escolha porque, para o indivíduo que toma a decisão, tanto o custo quanto os benefícios são avaliados em termos puramente subjetivos. Não causa espécie o fato de que os modernos desenvolvimentos na teoria da empresa tenham-se preocupado com o relaxamento da objetividade artificial e aparente da sucessão de custos e receitas ao substituírem os indicadores mais plausíveis de utilidade, ainda que de natureza amplamente não operacional. O trabalho inicial de Coase sobre a teoria da empresa situouse dentro de um contexto explanatório de escolha, sem as limitações das contribuições mais aclamadas dos modelos de concorrência imperfeita e de concorrência monopolista. Nesse contexto, Coase demonstrou estar totalmente correto tanto em sua argumentação de 54 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA que os lucros anteriores deveriam ser incluídos no custo de oportunidade quanto em sua insistência para que o custo fosse considerado como aquele que pode ser evitado não se tomando uma determinada decisão. A despeito de suas importantes contribuições para o esclarecimento do conceito do custo de oportunidade no contexto da teoria da empresa, Coase não incorporou totalmente, em seus estudos de 1938, a "economia subjetivista" de Hayek e Mises à sua análise e tampouco estabeleceu uma distinção entre o seu conceito e aquele incorporado à ortodoxia neoclássica 23. G. F. Thirlby e The Ruler Em termos acadêmicos, tanto Viena quanto a Cidade do Cabo eram vizinhas próximas de Londres na década de 30 e, devido à influência dos economistas que haviam sido transplantados para a escola inglesa, a próxima contribuição importante à teoria do custo surgiu na Cidade do Cabo. Basicamente sob a tutela de Arnold Plant e de W.H. Hutt, desenvolveu-se uma tradição verbal na Cidade do Cabo que ampliava a abordagem de Londres. Os resultados publicados apareceram em 1946, em dois estudos de G. F. Thirlby. Nesses estudos, Thirlby, que recebera treinamento na escola inglesa e que retornara a Londres alguns anos depois, prosseguiu com o processo de esclarecimento. Ele prosseguiu com seus esforços de converter outros economistas ao que ele 23 Em seu último e mais conhecido estudo sobre o preço de custo marginalista, o argumento de Coase a favor da tarifa multilateral era enunciado através do conceito de custo de oportunidade desenvolvido em seus estudos iniciais. Sua ênfase, de acordo com a interpretação de escritores posteriores, era, entretanto, voltada ao conflito familiar entre os critérios de custo marginal e de lucratividade. Sua defesa do custo de oportunidade na formação de preços mul-ti-part tem sido amplamente ignorada. Vide R.H. Coase, The Marginal Cost Controversy, Economica XIII (agosto de 1946), 169-82. Ao tecer comentários sobre o estudo de Coase, G.F. Thirlby criticou a objetividade implícita do custo. Vide G. F. Thirlby, The Marginal Cost Controversy: A Note on Mr. Coase's Model, Economica, XIV (fevereiro de 1947), 48-53. 55 CUSTO E ESCOLHA considerava um aspecto mais aceitável e consistente do custo de oportunidade, contudo sua argumentação parece haver sido amplamente rejeitada. Em seu primeiro estudo de 1946, Thirlby, da mesma forma que Coase, associou as noções de custos do economista com as do contabilista 24. Thirlby havia incorporado à sua análise a economia subjetivista de Wicksteed e da escola de Viena contemporânea em sua totalidade. Sua ênfase voltava-se à subjetividade dos custos. O trecho a seguir, extraído de seus primeiros estudos, faz referências algo detalhadas: Para o subjetivista, o custo é entendido como relacionado com uma oportunidade em perspectiva substituída pela decisão administrativa de adotar um em vez de outro curso de ação. Ele está inevitavelmente relacionado ao comportamento do indivíduo. O indivíduo se depara com a possibilidade de adotar um ou outro de (pelo menos) dois cursos de ação, mas não ambos. Ele considera a importância relativa que atribui subjetivamente aos dois cursos de ação e estabelece que um dos cursos lhe é mais importante do que o outro. Ele "prefere" um curso ao outro. A sua oportunidade de aproveitar a alternativa menos preferida transforma-se no custo presumível da adoção do curso de ação menos preferido. Ao decidir aproveitar o curso preferido, o indivíduo incorre em custo - ele destitui a oportunidade alternativa. O custo não é representado pelas coisas - por exemplo, o dinheiro que fluirá ao longo de determinados canais em decorrência da decisão; é a perda, prevista ou realizada, para o indivíduo que toma a decisão, da oportunidade de usar essas coisas nos cursos alternativos de ação. Evidentemente, esse custo não poderá ser descoberto por um outro indivíduo que eventualmente observe e registre o fluxo dessas coisas ao longo desses canais. Custo não é algo que 24 G F. Thirlby, The Subjective Theory of Value and Accounting Cost, Economica, XIII (fevereiro de 1946), 32-49. 56 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA possamos descobrir objetivamente desse modo; é algo que existia na mente do indivíduo que toma a decisão antes do início do fluxo, algo que muito provavelmente terá sido percebido apenas vagamente... O custo é efêmero. O custo decorrente de uma determinada decisão perde o seu significado quando esta é tomada visto que ela exclui o curso de ação altemativo 25 (Os caracteres em itálico existem originalmente.) A ênfase de Thirlby em relação à natureza efêmera do custo diferencia o seu estudo das contribuições anteriores na tradição da escola inglesa. Em estudo anterior, o próprio Thirlby renuncia à defesa desse conceito, voltando a defendê-lo enfaticamente em estudos posteriores. Observemos que, em certo ponto de seu estudo, ele usa os termos "previsto ou realizado": Thirlby não consegue perceber que a própria noção do custo realizado gera contradição, como ele demonstraria posteriormente. Do mesmo modo, a sua referência ao custo como sendo "percebido apenas vagamente" implica que algo diferente do que foi percebido surge em algum momento posterior da seqüência decisão-ação que poderá ser denominada de custo. O rigoroso raciocínio de oportunidade-custo de Thirlby em relação à questão da importância e praticabilidade das chamadas "regras" para o estabelecimento de preços era simples e direto. Foi esse o teor de seu segundo estudo intitulado The Ruler 26. Thirlby tornou evidente que estava relativamente desinteressado na tão calorosamente discutida questão da "regra a ser adotada", uma questão que obscurecia a análise do problema de "qualquer regra". Da mesma forma que em outro estudo, sua ênfase orientou-se para o fato de que o custo não era "algo objetivo no sentido em que pudesse ser examinado minuciosamente". Apesar de se saber que os padrões das definições e das medidas omitiam as avaliações das 25 Ibid., págs. 33-34. G.F. Thirlby, The Ruler, South African Journal of Economics, XIV (dezembro de 1946), 253-76. 26 57 CUSTO E ESCOLHA "oportunidades perdidas", Thirlby argumentou que, a menos que essas avaliações fossem consideradas, nenhuma regra jamais poderia ser aplicada para assegurar o atendimento satisfatório das preferências dos indivíduos. Ele rejeitou a diferenciação ortodoxa entre "longo período" e "curto período," sendo bastante claro ao afirmar que "o custo somente ocorre ao serem tomadas as decisões, isto é, em etapas de planejamento" (Pág. 259.) Ele explicou a diferença entre o que poderíamos chamar de níveis de cálculo de decisão, orçamento e contabilidade. O custo é pertinente à decisão e deve refletir o valor das opções excluídas. Entretanto, um orçamento reflete os aspectos relacionados com a receita prevista ou antecipada e os gastos que decorrem de uma determinada decisão. Seria um equívoco considerar esses gastos previstos do modo como são apresentados em um orçamento como custos. Todavia, o orçamento também deve ser diferenciado do cálculo que mensura as receitas realizadas e os gastos resultantes de um determinado curso de ação. Esta diferenciação em si é muito simples, porém extremamente útil aos nossos objetivos. Ela demonstra que a estrutura de aparência direta, ou estrutura ex-ante 27, não é per se suficiente para assegurar a adoção do conceito de custo apropriado. O orçamento é, por definição, um documento de planejamento, uma projeção ex-ante de eventos, que, porém, não equilibra as receitas antecipadas em relação ao custo antecipado no respectivo sentido de oportunidadecusto. O aspecto "custo" de um orçamento mensura os gastos antecipados que deverão ser realizados em decorrência de um determinado curso de ação escolhido previamente. Esse aspecto não é capaz de refletir o valor dos cursos alternativos de ação que poderiam ter sido escolhidos, exceto no caso excepcional em que não se pudessem assegurar receitas alternativas superiores ao gasto antecipado. Não há nem deverá haver dificuldade em convencer os críticos que o custo deva ser subjetivo no momento da escolha. Entretanto, pode-se aceitar totalmente a opinião subjetivista a este respeito e ainda pensar que, após a decisão, o custo se torna objetivo e, portanto, mensurável. Em seu estudo anterior Thirlby poderá não se 27 N.T.: Ex-Ante — Expressão criada por Gunnar Myrdal que se aplica às quantidades de investimento, poupança ou consumo planejado como ação para um período que se inicia. Portanto, como são quantidades hipotéticas, funcionam como rota para planos econômicos gerais, que serão depois confrontados com os cálculos ex-post, realizados ao fim do período. 58 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA ter apercebido inteiramente do desaparecimento instantâneo do custo ao ser tomada a decisão. Contudo, em The Ruler, esse ponto é ressaltado. "[O] valor do custo nunca se tornará objetivo; isto é, jamais será possível verificar se a previsão da receita alternativa estaria correta visto que o empreendimento alternativo nunca terá existido para produzir a receita alternativa efetiva (Pág. 264)." Na mesma linha desses dois estudos de 1946, Thirlby prosseguiu com suas idéias sobre custo, em sua maior parte, segundo o contexto de uma teoria de organização comercial e financeira. A despeito do fato de que uma grande parcela de suas idéias centrais tivesse sido desenvolvida nos dois estudos anteriores, algumas mudanças de ênfase são dignas de nota. Em um estudo de 1952, Thirlby defendia plausivelmente um reconhecimento mais amplo de uma dimensão de tempo na análise econômica, particularmente no que se refere ao processo decisório. "[Um] período de tempo é despendido entre a decisão e a realização dos resultados... Uma deliberação mental ou operação de planejamento, seguida de uma decisão, antecede as operações comerciais planejadas." O reconhecimento desse fato "manteria diante de nossas mentes o elevado grau de subjetividade no processo de maximização e evitaria que atribuíssemos uma falsa objetividade aos valores de custo e receita." 28 Em seu estudo posterior publicado em 1960, Thirlby sugere que as modificações sutis na definição de custo geraram confusão em relação ao custo social. "Esta mudança sutil no significado de custo, da avaliação de seu próprio (do empresário) produto final excluído ao ingresso monetário exigido por um curso de ação selecionado, é uma mudança que leva a um outro conceito que traz em seu bojo a suspeita de que o custo deva ser considerado como custo social. Esta definição assemelha-se ao primeiro significado de custo, segundo o qual ele deve ser um valor alternativo excluído, porém diferente desse valor no sentido que ele não representa a avaliação feita pelo próprio empresário em relação ao seu próprio produto final excluído, mas as avaliações de outras pessoas 28 G.F. Thirlby, The Economist's Description of Business Behavior, Economica, XIX (maio de 1952), 150. 59 CUSTO E ESCOLHA (consumidores) em relação a produtos que poderiam ter sido produzidos por outros empresários se não tivessem sido excluídos." 29 Esta afirmação sumaria com precisão a distinção entre a concepção de Londres sobre o custo de oportunidade e a concepção ortodoxa atualmente defendida pela maior parte dos economistas. O Human Action de Mises Como já observamos anteriormente, Ludwig von Mises foi um dos principais criadores da economia subjetivista apresentada na escola inglesa por Hayek. Seu trabalho influenciou Robbins e Thirlby. Já tivemos a oportunidade de mencionar o trabalho anterior de Mises sobre a possibilidade do cálculo econômico em um contexto socialista e devemos fazer referência agora ao seu tratado intitulado Human Action 30, publicado em inglês em 1949, porém baseado em um trabalho em alemão, publicado em 1940. Nesse livro, Mises discute o custo de forma explícita porém sucinta e o seu conceito fundamental assemelha-se à concepção de Londres cuja representação mais genuína se encontra no trabalho de Thirlby. De um modo genérico, "os custos são iguais ao valor vinculado à satisfação que se deve sacrificar para alcançar a meta visada" (Pág. 97.). "No fundo das muitas tentativas para determinar os preços não mercadizáveis situa-se o confuso e contraditório conceito de custos reais. Se os custos fossem uma coisa real, isto é, uma quantidade independente de critérios de valores pessoais, passível de discriminação e mensurável, seria possível então que um árbitro neutro determinasse a sua altura (...) ...Custo é um fenômeno de avaliação. Custos são valores vinculados à satisfação mais valiosa de um desejo que permanece insatisfeito." (Pág. 392.). 29 G.F. Thirlby, Economists' Cost Rules and Equilibrium Theory, Economica, XXVII (maio de 1960), 150. 30 Von Mises, op. dt. 60 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA As idéias de Mises sobre o custo foram desenvolvidas posteriormente por dois de seus seguidores americanos. Em seu tratado de dois volumes intitulado Man Economy and the State, Murray Rothbard adota um conceito subjetivista de custo estreitamente relacionado com o de G. R Thirlby 31. Por outro lado, talvez a única e a mais satisfatória incorporação do conceito de custo relacionado à escolha, em um contexto de teoria de preço geral, seja encontrada na obra de Kirzner Market Theory and the Price System 32. A Morte de uma Tradição? Na escola inglesa, as idéias sobre custo desenvolvidas por Robbins, Hayek, Coase, Thirlby e outros tornaram-se parte de uma tradição verbal que se desenvolvia e incluía muitos participantes. Contudo, os modernos seguidores dessa tradição parecem escassos e apenas Jack Wiseman estaria totalmente habilitado para essa tarefa. Em dois estudos básicos publicados na década de 50, Wiseman tentou, como outros anteriormente, aplicar a lógica de oportunidade-custo da escola inglesa aos problemas longamente debatidos do estabelecimento de preços para o custo marginal. Ele usou essa lógica como critério geral para a organização de uma economia coletivisia e como critério específico para empresas de utilidade pública 33. Wiseman transferiu-se da Escola de Economia de Londres para York em 1963 e Thirlby aposentou-se da vida ativa acadêmica em 1962. Sem dúvida, ainda existem vestígios da tradição de oportunidade-custo da escola inglesa, porém isso não influencia a 31 Vide Murray Rothbard, Man, Economy and the State (New York: Van Nostrand, 1962), esp. Vol. I, 290-308. 32 Vide I.M. Kirzner, Market Theory and the Price System (New York: Van Nostrand, 1963), esp. Capítulo 9. 33 Jack Wiseman, Uncertainty, Costs, and Collectivist Economic Planning, Economica, XX (maio de 1953), 118-28; e o seu estudo The Theory of Public Utility Price - An Empty Box, Oxford Economic Papers, 9 (fevereiro de 1957), 5674. 61 CUSTO E ESCOLHA corrente principal de ensino de teoria econômica nem as contribuições eruditas dos membros dos corpos docentes. Nos Estados Unidos, a influência de Mises e de seus seguidores da escola de Viena contemporânea aparentemente situa-se à margem da corrente moderna de teoria econômica. O conceito de custo de oportunidade – que surgiu em decorrência das abordagens de bom senso e dos austríacos subjetivistas –, o conceito que floresceu por duas década na escola inglesa, parece ter sido derrotado em sua luta por um lugar entre os paradigmas da economia moderna. Como muitos outros enigmas da história intelectual, este não é de fácil explicação. A argumentação não foi refutada e, dentro de seus limites, permanece válida. Esperamos que a presente obra possa produzir sua ressurreição parcial ao enunciar os fundamentos metodológicos das duas teorias paralelas do processo econômico 34. Apêndice do Capítulo 2 O Trabalho de Shackle Sobre Decisão Qualquer pesquisa sobre as contribuições de Londres estaria incompleta sem uma referência ao trabalho de G.L.S. Shackle. O problema de integrar construções intelectuais no âmbito do próprio pensamento está bem ilustrado neste caso. Shackle cursava a Escola de Economia de Londres nos anos em que o conceito de custo de oportunidade se desenvolvia, em vários de seus estudos, Thirlby expressa sua gratidão a Shackle, tornando imediatamente evidente que o tratamento de Shackle ao processo decisório está totalmente compatível com a doutrina inglesa de custo de oportunidade. Porém – e surpreendentemente – Shackle, pelo que se sabe, não estabeleceu a relação óbvia entre o seu trabalho estimulante e importante sobre decisão, incerteza e tempo com o trabalho sobre custo de oportunidade realizado por seus contemporâneos da Escola 34 O manuscrito deste livro foi concluído antes que o autor pudesse ter acesso ao artigo intitulado Cost, de A.A. Alchian, na International Encyclopedia of the Social Sciences, 3 (New York: Macmillan, 1969), 404-15. 62 AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA de Economia de Londres. Shackle retorna à ortodoxia em seu tratamento geral do custo per se. Suas contribuições para a teoria da decisão podem, não obstante, ser úteis ao esclarecimento da teoria do custo. Alguns trechos extraídos de um de seus livros 35 são dignos de nota: Quando um número qualquer de ações, diferentes entre si pelo conjunto de resultados que lhes é respectivamente atribuído, se encontra disponível e a escolha entre elas está a critério do indivíduo que toma a decisão, os resultados desse conjunto, cada um deles considerado como um todo, são rivais entre si e mutuamente exclusivos. Em cada conjunto, seus componentes também são hipóteses mutuamente exclusivas. Portanto, esses resultados podem não estar ligados a fatos, mas a coisas imaginadas pelo indivíduo que toma a decisão. Eles existem em sua imaginação, não depois, mas antes de seu compromisso em relação a um determinado ato; sua existência está confinada ao momento da decisão e é parte desse ato. [Pág. ix, x.] O significado literal de decidir é cortar (...) um corte entre o passado e o futuro [Pág. 3.] (...) Supomos que a escolha dentre um conjunto de atos rivais disponíveis será feita em função das conseqüências associadas aos atos de alguma maneira e intensidade pelo indivíduo que toma as decisões. Também supomos que as únicas conseqüências pertinentes a essa escolha sejam as experiências do indivíduo que toma as decisões. (...) Por três motivos separados elas não podem ser experiências provenientes de fora da mente do indivíduo que toma a decisão, de fontes observáveis em princípio por terceiros; elas não podem, em outras palavras, ser o que se denomina habitualmente de experiências "reais" que exigem 35 G.L.S. Shackle, Decision, Order, and Time in Human Affairs (Cambridge: Cambridge University Press, 1961), págs. ix, x. Citado com permissão da Cambridge University Press. 63 CUSTO E ESCOLHA a intervenção das percepções do mundo exterior através dos sentidos; elas não podem ser 'novidade'. [Pág. 8.] (...) Os resultados são produtos da imaginação [pág. 9]. Dada a alegação de que os resultados, em comparação à decisão que é tomada, são produtos da mente do indivíduo (não importando se após algum tempo eles se transformarão em realidade observável), nada poderá ser mais irrelevante. [Pág. 10.] As afirmações acima e muitas outras afirmações de Shackle poderiam ser inseridas sem nenhuma modificação nas discussões de custo de Coase e Thirlby. A falha de Shackle em trazer essas importantes idéias ao seu próprio - porém mais elementar - debate de custo indica que a teoria prognóstica baseada na teoria clássica pode coexistir com a teoria lógica da escolha nos padrões de pensamento de um único economista, mesmo que essas duas teorias sejam incompatíveis entre si. 64 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Custo e Escolha Um século se passou desde a revolução provocada pelo conceito do valor subjetivo na teoria econômica, porém a teoria subjetiva de valor ainda não está totalmente reconciliada com a derivação clássica da teoria objetiva. Conforme indicam as observações sobre o desenvolvimento do conceito de custo de oportunidade, os economistas ainda não estabeleceram uma distinção cuidadosa entre a teoria prognostica ou científica e a teoria lógica da interação econômica. Como os capítulos subseqüentes poderão demonstrar, esta confusão metodológica é a fonte de equívocos universais na economia aplicada. O tratamento e a discussão de custo, especialmente em relação à escolha, fornecem um contexto específico útil dentro do qual as questões metodológicas de caráter mais geral podem ser examinadas. A Ciência Prognóstica da Economia Desde suas origens clássicas, a economia reivindica o título de ciência prognóstica. Isso significa a introdução de hipóteses refutáveis teoricamente e que a contestação dessas hipóteses pode exigir um reconhecimento final por profissionais e cientistas competentes. A despeito dessa limitação, a ciência deve possuir teor objetivo e empírico. Algo mensurável – ao menos teoricamente – que permita a comprovação ou a contestação das principais hipóteses. Os elementos básicos da teoria econômica são, naturalmente, os atos dos seres humanos. A ciência se consiste nos esforços para prever os efeitos no comportamento humano, induzidos por modificações específicas no meio ambiente. A operacionalidade requer uma mensuração objetiva das respostas comportamentais. 65 CUSTO E ESCOLHA Consideremos a proposição elementar de que os preços relativos sobem quando os custos relativos aumentam, em condições ceteris paribus 1. Esta proposição se origina do postulado de que as pessoas comportam-se "economicamente", tentando minimizar "custos" e maximizar "benefícios" ou "receitas". Entretanto, este postulado permanece empiricamente vazio até que seja dado um conteúdo descritivo específico aos "custos" e "benefícios" ou às "receitas". O postulado comportamental é o do homem econômico. Caso este postulado seja abandonado, as previsões perdem seu poder. É importante observar as limitações e os poderes desta teoria prognóstica. Não existe a suposição implícita que o homem deva comportar-se economicamente. Se interpretada adequadamente, o poder da teoria fica limitado à elaboração de prognósticos baseados na condição "como se", do comportamento real do homem num sentido médio ou representativo. A suposição motivacional é vital porque possibilita que o cientista empregue as magnitudes do custo monetário observáveis objetivamente, sendo que a receita monetária flui como uma representação das opções de escolha avaliadas subjetivamente, segundo os padrões de comportamento dos indivíduos. A experiência revela que essa teoria genuinamente científica de comportamento econômico tem alcançado êxito considerável. O comportamento do homem é efetiva e suficientemente econômico para permitir que muitas previsões sejam comprovadas. Porém, o descuido em relação às limitações básicas da teoria prognóstica tem gerado muitos erros na aplicação normativa. O modelo neoclássico ortodoxo do processo de mercado é aquele em que os agentes comportam-se economicamente. A medida que o modelo se aproxima da realidade, os fluxos de custo e receita observados objetivamente representam opções de dimensões 1 N.T.: Ceteris Paribus - Expressão latina que significa "permanecendo constantes todas as demais variáveis". Em economia, a expressão é utilizada quando se deseja medir as conseqüências de mudanças de uma variável sobre outra, supondo-se as demais inalteradas. 66 CUSTO PRIVADO E SOCIAL diferentes e avaliadas subjetivamente dentre as quais as escolhas são efetivamente realizadas pelo indivíduo. Em mesmo grau e idêntica proporção, pode-se prever qual o relacionamento específico entre os custos e os preços observados objetivamente para descrever o equilíbrio para o qual todo o processo converge. Observemos especialmente que esses relacionamentos, essas condições de equilíbrio são, por si mesmos, previsões derivadas baseadas nos postulados de motivação do modelo. Por exemplo, as igualdades entre os preços e os custos marginais, como quantidades observadas objetivamente em condições de equilíbrio inteiramente competitivo, são previsões feitas por inferência, que dependem das suposições de comportamento sobre as quais se assenta toda a teoria. Essas igualdades são desprovidas de importância normativa e não apresentam uma relação direta com a eficiência de alocação. A desordem metodológica que se instalou na economia moderna talvez seja revelada com maior nitidez atravessando-se sem autorização a ponte existente entre as previsões feitas por inferências à teoria genuinamente científica e as conclusões normativas sobre eficiência que são geradas com tanta freqüência. Isto pode ser ilustrado através de uma variação, semelhante à utilizada por Knight em seus estudos citados anteriormente, baseada no modelo mais simples, o modelo do cervo e do castor elaborado por Adam Smith. As condições objetivas do modelo permanecem as mesmas. É necessário um dia de trabalho para o abate de um cervo, e de dois dias para o de um castor. Os custos mensuráveis objetivamente formam uma razão de um para dois. Faz-se uma previsão que os valores de troca se situarão em uma razão de dois para um, razão esta que será descrita pelas igualdades entre os custos e preços marginais. Suponhamos, contudo, que a razão do preço relativo apresente uma tendência de deslocamento na direção do nível de equilíbrio previsto; os preços não tenderão a se igualar aos custos marginais. Mesmo o mais ingênuo dos economistas do bem-estar poderá concluir, através da variação acima, que a distribuição de recursos é ineficiente. Em vez disso, 67 CUSTO E ESCOLHA esse economista provavelmente introduziria, como o fez Knight, a possibilidade de que os caçadores, de um modo geral, tenham alguns argumentos não pecuniários ou não econômicos em suas funções de utilidade. Os custos marginais - uma vez que afetam o comportamento da escolha - podem então não ser os mesmos que as razões de tempo de trabalho simplesmente observadas. O economista do bem-estar, supondo apenas que o mercado esteja organizado de forma competitiva, conclui então que as igualdades de preço e custo marginais estejam satisfeitas no equilíbrio que ele observa, a despeito das variações em relação às previsões com bases objetivas. Todavia, ao recorrer aos argumentos não econômicos da função de utilidade para retificar suas previsões falsificadas, o economista desloca toda a análise, de uma teoria prognóstica para uma de natureza não prognóstica e puramente lógica. Os fluxos de custo-receita observáveis objetivamente não podem ser usados como substitutos das alternativas avaliadas subjetivamente, nas quais os elementos não econômicos sejam poderosos. As previsões sobre as relações que caracterizam posições de equilíbrio são falsas. Caso essas previsões não sejam realizadas, não existirá indicação de ganhos em potencial no comércio. Portanto, não se poderá esperar progresso algum em bem-estar advindo dos reajustes efetuados para assegurar que as relações previstas sejam produzidas. Todas estas implicações em relação à moderna economia do bem-estar, não podem ser subestimadas. Minha argumentação sugere que quase a totalidade desta subdisciplina tenha-se baseado em simples confusão metodológica. Ela transformou as proposições prognósticas em normas de exclusão, que vêm sendo utilizadas na elaboração de propostas de políticas econômicas. Alguns dos exemplos mais específicos desta confusão serão discutidos nos capítulos subseqüentes. Por um lado, pode-se afirmar que o economista neoclássico tenha sucumbido à tentação de imprimir à totalidade de sua teoria uma generalização maior do que a sua metodologia teria capacidade de garantir. Essa tentação tem sido aumentada pela teoria lógica paralela e igualmente confusa da escolha econômica que, per se, é 68 CUSTO PRIVADO E SOCIAL de caráter inteiramente geral, carecendo de conteúdo prognóstico. Esta teoria meramente lógica, nitidamente diferenciada da teoria clássica em suas implicações prognósticas, tem suas origens nos teóricos do valor subjetivo, contudo suas fontes mais explícitas são representadas por Wicksteed, pelos austríacos posteriores e pelos economistas associados com a Escola de Economia de Londres. Em sua totalidade, foi essa a teoria econômica subjetivista defendida por Hayek e Mises a que me referi anteriormente. É necessário fazer alguma reconciliação entre a teoria genuinamente científica do comportamento econômico e a lógica pura da escolha. A concretização dessa reconciliação representa um dos maiores objetivos do presente estudo exploratório no qual o conceito de custo de oportunidade toma-se o dispositivo analítico de união. O Custo na Teoria Prognóstica Rigorosamente dentro da ciência prognóstica da economia, a definição de custo pode ser considerada adequada na maioria dos textos modernos, quase não havendo necessidade de modificação em suas conceituações comuns. É o custo dos conhecidos diagramas dos textos, a magnitude objetivamente identificável que é minimizada. É o valor de mercado do produto alternativo que pode ser produzido através de uma redistribuição racional dos recursos de insumos para usos diferentes daqueles observados. Esse valor se reflete nos preços de mercado para as unidades de recursos; assim sendo, o custo é medido diretamente através dos gastos monetários previstos. Para quem o custo é importante? Esta questão torna-se crucialmente importante. O custo, de acordo com a definição acima, a rigor, defronta-se apenas com um autômato, o homem puramente econômico, que habita o modelo do cientista. Esse é o elemento inibidor de comportamento introduzido no modelo de mercado puramente mecânico. A conversão de dados objetivos que reflitam os gastos monetários previstos nas avaliações subjetivas feitas no mundo real pelos indivíduos que decidem não são motivo 69 CUSTO E ESCOLHA de preocupação para o adepto da teoria prognóstica. Num sentido mais rigoroso, essa teoria não é, de forma alguma, uma teoria de escolha. Os indivíduos não escolhem; comportam-se de modo previsível em resposta às mudanças mensuráveis objetivamente em seu meio ambiente. O Custo em uma Teoria de Escolha A distinção entre o conceito de custo no contexto prognóstico, como esboçamos acima, e o conceito de custo em uma teoria de escolha mais generalizada, como já pudemos articular embora não totalmente - no Capítulo 2, pode ser mais bem ressaltado elaborando-se este segundo conceito. O elemento essencial no presente conceito é a relação direta entre o custo e o ato da escolha, uma relação que não existe na teoria prognóstica neoclássica. Segundo as concepções inglesa e vienense, em contrapartida, o custo torna-se o aspecto negativo de qualquer decisão, o obstáculo que deve ser superado antes que uma alternativa possa ser escolhida. O custo é aquilo que o indivíduo que toma a decisão sacrifica ou abandona ao fazer uma escolha. O custo é constituído da própria avaliação que o indivíduo faz do prazer ou da utilidade cuja exclusão prevê como necessária em decorrência da sua seleção de cursos alternativos de ação. As implicações específicas a seguir surgem do conceito de custo vinculado à escolha: (1) A mais importante delas, o custo deve ser experimentado exclusivamente pelo indivíduo que toma a decisão; não é possível transferir o custo ou impô-lo a outras pessoas. (2) O custo é subjetivo; existe apenas na mente, em nenhum outro lugar, do indivíduo que toma a decisão. (3) O custo baseia-se em expectativas; é necessário um conceito de antevisão ou ex-ante. (4) Jamais se poderá ter uma idéia real do custo em conseqüência do próprio ato da escolha: não se desfruta algo a que se renuncia. 70 CUSTO PRIVADO E SOCIAL (5) O custo não pode ser mensurado por um outro indivíduo além do indivíduo que toma a decisão porque não se pode observar diretamente a experiência subjetiva. (6) Finalmente, o custo pode tornar-se obsoleto no próprio momento da decisão ou escolha. Em uma teoria de escolha, o custo deve ser considerado como uma dimensão de utilidade. Contudo, na teoria prognóstica ortodoxa, o custo é considerado como uma dimensão de mercadoria. Esta distinção pode ser aplicada a cada um dos seis atributos enumerados acima. Na teoria da escolha, o custo representa a perda da utilidade prevista, resultante do sacrifício de uma alternativa rejeitada. Visto as funções de utilidades serem necessáriamente de ordem pessoal, o custo está diretamente vinculado ao indivíduo que faz a escolha e não pode existir independentemente desse indivíduo. Na teoria prognóstica de comportamento econômico, o custo de produção de um "bem" é representado pela quantidade de um outro bem que poderia ser produzido em seu lugar. Desse modo, o custo existe independentemente do processo de escolha, não havendo um vínculo direto entre a escolha e a experiência do custo. Assim sendo, o custo é uma questão puramente subjetiva em qualquer teoria de escolha, enquanto que, em qualquer teoria que implique previsões genuínas, o custo é objetivo. Para que o custo possa influenciar a escolha, ele deverá basear-se em expectativas; não poderá basear-se na experiência realizada - pelo menos diretamente. Por outro lado, uma vez divorciado da escolha, o custo torna-se um conceito físico; torna-se irrelevante o fato de o custo ser mensurado antes, no momento ou após a efetivação do compromisso. No modelo de Smith, o custo de um castor é igual ao de dois cervos e esse pressuposto será válido enquanto existirem as relações físicas postuladas; não há motivo para se fazer a distinção entre as mensurações ex-ante e ex-post. Dada a natureza tecnológica ou física do custo, obtido pela função de transformação em espaço de mercadoria, as opções com que se depara o agente podem ser "custeadas" por meio de um observador externo. O observador não tem necessidade de psicoanalisar o caçador no 71 CUSTO E ESCOLHA modelo de Smith. E o problema da obsolescência não aparece na definição objetiva implícita na teoria prognóstica. Por outro lado, em qualquer teoria genuinamente de escolha, o custo deve estar demarcado de modo preciso no tempo visto estar vinculado ao momento da escolha. Antes da escolha, o custo existe como uma experiência subjetiva; após a escolha, esse aspecto desaparece do custo. O que acontece ao indivíduo após ter feito sua escolha é uma questão ainda a ser considerada. O Custo Influenciando a Escolha e por ela Influenciado Os seis atributos de custos enumerados anteriormente são importantes a qualquer escolha específica. Para que o custo possa influenciar essa escolha, ele deve ser definido em termos desses atributos. Não obstante, também devemos reconhecer que a escolha também gera as suas conseqüências: os fatos ocorrem como resultado de decisões. Ao ter-se comprometido com um determinado curso de ação em vez de outro e efetuado alguma estimativa racional dos custo que essa decisão representaria, o indivíduo "sofre" as conseqüências. Ele poderá não se arrepender de sua decisão anterior, porém, ao mesmo tempo, poderá submeterse à "dor" ou ao "sacrifício" ao ser-lhe necessário reduzir seus níveis de utilidade. O fato de as escolhas terem sido feitas correta ou equivocadamente quase não tem importância direta na existência desse "custo" influenciado pela escolha. Esse "custo" conseqüente à escolha é parcialmente responsável pela confusão existente entre o custo na teoria prognóstica e o custo na lógica da escolha. A respeito do que ocorre após a escolha é que os economistas parecem estar se referindo ao traçar suas curvas de custo nos quadros-negros e sobre o que os contabilistas parecem estar-se preocupando. E necessário que o "custo" influenciado pela escolha seja examinado mais meticulosamente. Se "forçarmos" os princípios lingüísticos para que estes acomodem o jargão ortodoxo, a melhor alternativa, no nosso 72 CUSTO PRIVADO E SOCIAL entender, parece ser permitir que o termo "custo" seja empregado nesses dois sentidos nitidamente distintos em qualquer teoria de escolha, e continuar a utilizá-lo em seu único significado na teoria prognóstica de comportamento econômico. Assim sendo, teremos o "custo que influencia a escolha" e o "custo por ela influenciado" na teoria da escolha, definido como dimensão de utilidade, e teremos também o "custo objetivo," definido rigorosamente na dimensão da mercadoria, na teoria prognóstica. Deixemos então o custo objetivo da ciência prognóstica e nos concentremos no custo que influencia e escolha e que por ela é influenciado. Toda escolha compreende ambos os conceitos de custo. Em primeiro lugar, existe o obstáculo genuíno à escolha, o custo de oportunidade que era o centro das idéias dos economistas cujas contribuições estão sumariadas no Capítulo 2. Em segundo, existem os prejuízos em utilidade sempre decorrentes de a escolha ter sido feita, sejam eles sofridos pelo indivíduo que faz a escolha ou por terceiros, independentemente de haver ou não substitutos mensuráveis objetivamente para esses prejuízos, por exemplo, desembolsos. Esses prejuízos são os resultados da decisão, nunca a sua causa. Neste caso, o custo inibe a escolha; no outro, o custo é gerado por ela. Esses conceitos de custo podem ser discutidos mais detalhadamente em relação a várias das distinções habitualmente feitas que, em última análise, são falaciosas. Custo de Oportunidade e Custo Real A rigor apenas o custo que influencia a escolha representa uma avaliação das "oportunidades" sacrificadas. Portanto, seria razoável que limitássemos o uso do termo custo de oportunidade a este conceito e inventássemos outras designações descritivas para o custo influenciado pela escolha em uma lógica de escolha e para o custo objetivo da teoria prognóstica. Contudo, em um sentido mais amplo, qualquer uma das três concepções poderá ser tratada expressivamente em termos de custo de oportunidade. Na concepção da teoria de preço ortodoxa, segundo a qual o custo é mensurado objetivamente através dos desembolsos monetários, 73 CUSTO E ESCOLHA torna-se útil, para fins explanatórios, equiparar esses desembolsos aos valores que os membros da sociedade atribuem aos produtos finais alternativos que poderiam ter sido produzidos pelos mesmos desembolsos orientados de modo diferente. Portanto, de certo modo ambíguo, o custo efetivamente reflete "oportunidades perdidas". Porém, vale mencionar que as "oportunidades perdidas" neste contexto refletem de modo mais preciso o valor das opções em potencial atribuído por terceiros em vez do próprio indivíduo que faz a escolha. O conceito de "oportunidades perdidas" também pode ser aplicado aos resultados da escolha ou ao custo por ela influenciado. Neste caso, o conceito está vinculado à escolha e as oportunidades representam tudo o que "poderia ter sido", se analisadas após tomada a decisão. Segundo essa percepção tardia, as opções podem ter uma ótica diferente quando analisadas antes de efetivar-se o compromisso. No contexto de pré-escolha ou de custo influenciado pela escolha, as oportunidades perdidas serão aquelas que "poderiam ser", na medida em que sejam consideradas e analisadas durante o momento da própria escolha e refletidas no valor previsto presentemente para os prejuízos em utilidade que devem ser esperados. No contexto de pós-escolha ou de escolha influenciada pelo custo, comparativamente, as oportunidades perdidas são aquelas que poderiam ter sido desfrutadas na medida em que se reflitam nos prejuízos em utilidade ou nos sacrifícios experimentados. Poderá haver uma diferença psicológica importante nos prejuízos em utilidades que envolvem o custo que influencia a escolha e o que é por ela influenciado. No momento da própria escolha, o custo será a avaliação do indivíduo que escolhe em relação aos prazeres esperados a que deve renunciar após ter efetivado o seu compromisso; o custo também será aquilo que o indivíduo poderá evitar se escolher uma outra opção. Neste contexto, o custo deve ser e permanecer um evento puramente mental. A utilidade para o indivíduo que faz a escolha somente estará reduzida na medida em que seja funcionalmente dependente da utilidade esperada nos períodos de pós-decisão. Realizada a escolha, o custo ainda poderá refletir a avaliação dos prazeres que 74 CUSTO PRIVADO E SOCIAL foram sacrificados, permanecendo um evento mental, contudo o processo vai muito mais além. Entre as experiências que poderiam ter sido evitadas podem estar aquelas que exigem uma submissão explícita à dor, ao sofrimento, à privação, em algum significado fisicamente importante do termo. Tendo assumido o compromisso de pagar o que lhe tenha sido debitado em conta, o comprador deverá quitar os seus débitos em seus vencimentos. A despeito dessa expectativa possivelmente racional em relação a esse custo no momento da escolha, o comprador ainda sofrerá alguma dor quando tiver de quitar essas contas. Essa exposição puramente física aos efeitos negativos impostos pela escolha adentra a avaliação subjetiva da alternativa que poderia ter acontecido. Portanto, de certo modo, a natureza do custo é diferente no contexto de custo influenciado pela escolha e de custo que influencia a mesma, embora ambos permaneçam no espaço de utilidade. Ao tratarmos o custo em um contexto de custo influenciado pela escolha ou de que influencia a mesma, em outras palavras, ao permanecermos alinhados com a própria teoria da escolha, nos aproximaremos mais da noção clássica de custo real do que da concepção neoclássica. Tanto na forma de obstáculo em contraposição à escolha quanto de uma indesejável conseqüência da mesma, o custo representa o prejuízo em utilidade. De modo relativamente diferente, se o custo estiver divorciado do processo de escolha, como ocorre no contexto prognóstico neoclássico, ele não terá nada de "real". Não haverá nenhuma dor, sofrimento ou prejuízo em utilidade. Esta parece ter sido a base da distinção conceitual entre o custo de oportunidade e o custo real que levou Knight a afirmar que "...todas as referências a 'sacrifícios' (deveriam ser) simplesmente omitidas" 2. 2 F.H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Statement of the General Theory of Price, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 355. 75 CUSTO E ESCOLHA A Subjetividade dos Custos Históricos Tenho me referido ao termo custo como "subjetivo" em qualquer lógica de escolha e como "objetivo" em qualquer ciência prognóstica. Em uma discussão preliminar de um outro estudo 3, empreguei a terminologia subjetiva-objetiva de modo ambíguo porque, naquela época, não era capaz de diferenciar separadamente cada uma das dimensões de custo desses contextos relacionados porém muito diferentes. Os custos, nos modelos econômicos prognósticos, devem ser objetivos. Entretanto, se o custo é introduzido em uma lógica de escolha, é evidente que será subjetivo. Essa consideração tem sido repetida enfaticamente por alguns estudiosos da Escola de Economia de Londres, cujos trabalhos já tivemos a oportunidade de mencionar, destacando-se G. F. Thirlby. As conseqüências da escolha, os resultados da decisão, são introduzidos nas experiências do indivíduo como eventos avaliados subjetivamente, mesmo que, como já mencionamos, possa também haver repercussões físicas da decisão. Se um compromisso, ao ser assumido, gera outros eventos, esses afetarão a utilidade do indivíduo - de modo bastante independente do fato de que esses eventos não podem ser evitados. O indivíduo sofre o prejuízo em utilidade em conseqüência de uma decisão anterior mesmo que, em última análise, ela tenha sido totalmente racional per se. Esse sofrimento é um evento de natureza subjetiva seja ele o arrependimento em relação ao que poderia ter sido ou a dor em relação ao que é. A rigor, somente esse custo de natureza subjetiva e influenciado pela escolha pode ser inteiramente justificado em relação ao conceito de "custo histórico" do economista ou aos "custo passados" de Jevons. Devido ao fato que a escolha já foi realizada, esse custo é irrelevante, exceto nos casos em que a 3 Vide, do autor, Public Debt, Cost Theory, and the Fiscal Illusion, em Public Debt and Future Generations, James M. Ferguson (ed.) (Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1964), págs. 150-62. 76 CUSTO PRIVADO E SOCIAL experiência possa modificar as expectativas quanto às opções de escolha no futuro. Segundo esse aspecto de influência da escolha, o custo estará relacionado à escolha ex post, porém não pessoalmente vinculado ao indivíduo que toma a decisão. Esta importante distinção deu sua própria contribuição à confusão existente na teoria geral de custo. Como já observamos anteriormente em relação ao primeiro atributo relacionado ao custo que influencia a escolha, o custo de oportunidade deve ser experimentado pelo próprio indivíduo que toma a decisão para que a escolha possa ser influenciada de alguma forma. Torna-se evidente que, neste contexto, o custo somente poderá ser experimentado pelo indivíduo que faz a escolha; de outro modo, todo o conceito perde o seu significado. Por outro lado, as conseqüências da escolha - as perdas em utilidade sofridos como resultado de uma decisão - não necessitam ser sofridas apenas pelo indivíduo que faz a escolha. Dado o fato que essas conseqüências são sempre depreendidas após a escolha, o próprio indivíduo que a faz poderá ser considerado uma pessoa diferente uma vez depreendidas as conseqüências da escolha. Entretanto, ainda que este conceito seja ignorado, não haverá conexão formal entre o indivíduo que toma a decisão e o indivíduo ou indivíduos que sofrem as perdas em utilidade em decorrência da escolha. Aqueles que "arcam com as conseqüências" – mesmo que o ato de arcar com elas seja uma experiência subjetiva – não necessitam sofrer a "agonia da escolha". Através de dados supostamente objetivos, extraídos da dimensão de não utilidade, a economia neoclássica formula previsões sobre as propriedades das relações de equilíbrio que deverão ser estabelecidas pelos participantes no processo de interação de mercado. Até que ponto a ênfase dedicada ao equilíbrio permitirá alguma reconciliação entre os dois conceitos de custo, entre o custo objetivo da ciência prognóstica e o custo puramente subjetivo existente na lógica da escolha? Os gastos mensuráveis objetivamente refletem as oportunidades preteridas apenas em condições de equilíbrio pleno? 77 CUSTO E ESCOLHA Custo e Equilíbrio Se toda a economia não estiver operando em condições de pleno equilíbrio competitivo, poderão ocorrer lucros-perdas. Desse modo, os gastos observados não podem ser considerados como reflexos das oportunidades preteridas dos indivíduos que tomam a decisão em qualquer outro contexto geral. Por outro lado, em condições de equilíbrio pleno, os gastos observados representam diretamente a contribuição máxima dos recursos em diferentes usos. Portanto, à medida que os indivíduos que fazem a escolha se comportam economicamente, os gastos observados refletem, ainda que indiretamente, os genuínos "custos de oportunidade". A aparente reconciliação aqui existente chega às raias da tautologia, contudo, o principal objetivo da teoria econômica que considera o custo como importante fator é demonstrar de que modo as escolhas realizadas em contextos que não são de equilíbrio podem gerar mudanças em direção ao equilíbrio. As escolhas realizadas em condições de desequilíbrio devem ser informadas por custos de oportunidade que, mesmo indiretamente, não podem ser representados pelos gastos mensurados. Em condições de desequilíbrio, os custos de oportunidade decorrentes da adoção da decisão "errada" devem incluir os lucros preteridos com a rejeição do curso de ação alternativo. O marginalismo apresenta uma solução apenas parcial a esse problema. Se um indivíduo se comporta de modo econômico, se não há oportunidades de lucro em outros pontos do sistema e se todas as decisões podem e devem ser feitas marginalmente, a derivação de custo marginal na teoria ortodoxa representa o genuíno "custo de oportunidade" de uma decisão de produção. Isso significa que todas as escolhas são realizadas em condições de equilíbrio, num contexto de planejamento a curto prazo, onde as decisões de produção através das empresas permanecem conceitualmente divorciadas do restante da economia. Entretanto, é essencial que cada uma das condições de qualificação seja atendida caso o custo marginal mensurado seja empregado para representar objetivamente 78 CUSTO PRIVADO E SOCIAL o elemento subjetivo que participa efetivamente do cálculo de escolha do indivíduo. Se, por outro lado, o indivíduo incorporar considerações de natureza não pecuniárias ou não econômicas à sua decisão, se houver lucros a serem auferidos em outras atividades além da atividade em questão, se houver a possibilidade de ajustes discretos em vez dos ajustes marginais, então o gasto marginal mensurado objetivamente não será uma expressão genuína do custo de oportunidade porque a condição "se" pode significar uma inibição ao comportamento de escolha não suscetível à mensuração objetiva. Uma teoria de escolha exigirá necessariamente uma estreita relação entre a importância dos custos mensurados objetivamente, em condições de equilíbrio a longo ou a curto prazo, e a presença ou ausência de incerteza. Diante da incerteza, a avaliação das opções pelo indivíduo que faz a escolha pode ser diferente das avaliações de qualquer observador externo, mesmo que as condições para qualificação sejam atendidas. Portanto, ratifica-se aqui a subjetividade inerente do custo em qualquer teoria de escolha. Os conceitos de equilíbrio apresentados nesta seção e até este ponto são os da teoria prognóstica neoclássica. Isso implica que as descrições de equilíbrio assumem a forma de relacionamentos definidos objetivamente entre as variáveis nas dimensões de não utilidade. Os preços devem apresentar relações específicas com os custos. Se nos for satisfatório permanecer dentro de uma teoria de escolha de natureza mais genérica, porém, em última análise, não prognóstica e puramente lógica, o conceito de equilíbrio poderá ser modificado. O equilíbrio da "economia subjetivista", defendido por Hayek, é descrito de modo comportamental. Ele é alcançado quando os planos dos participantes do processo de interação econômica estão mutuamente satisfeitos. Embora os preços mantenham-se nesse equilíbrio para apresentarem alguma relação com os custos, eles não possuem significado objetivo, portanto não podem ser utilizados como critérios na determinação de preços em um dado aspecto de eficiência ou de bem-estar. 79 CUSTO E ESCOLHA O Custo dos Bens Públicos A ciência prognóstica da economia postula que o homem comporta-se "economicamente". Ele o faz para minimizar o "custo" em algum aspecto objetivamente identificável. Empregando uma curiosa inversão, alguns economistas aplicam o postulado de comportamento, que se tem revelado útil na elaboração de previsões positivas, como normas na teoria da escolha. Na economia aplicada, na teoria de política econômica ou economia do bem-estar nos deparamos com normas definidas em termos de relações específicas entre "custos" e "preços", relações que incorporam magnitudes objetivas mensuráveis conceitualmente. Na prática, mas talvez descuidadamente, o cientista da economia aplicada bem como o teórico da economia do bem-estar aceitam o comportamento do homo economicus como um critério de valor. Em seu entusiasmo na aplicação da teoria econômica, não a uma análise das interações institucionais mas à escolha real, essas pessoas propõem indiretamente que os indivíduos que fazem a escolha, isolada ou conjuntamente, deveriam minimizar os gastos mensuráveis objetivamente. Esse erro é fundamental e se estende desde a estimativa da renda nacional até a economia do departamento de defesa 1. Apenas algumas das muitas aplicações poderão ser analisadas na presente obra em maiores detalhes; mas elas talvez sejam suficientes para ressal tar a importância das diferenciações metodológicas que tenho enfatizado. De modo arbitrário, limitarei o 1 Para uma discussão crítica da mensuração do produto interno, baseada em uma análise relacionada, porém nitidamente distinta da análise desenvolvida no presente livro, vide S.H. Frankel, The Economic Impact on Under-Developed Societies (Cambridge: Harvard University Press, 1953), esp. Capítulo III. 80 CUSTO PRIVADO E SOCIAL meu debate a três áreas separadas. No presente capítulo, examinarei os vários problemas que surgem em decorrência da aplicação do conceito de "custo" a bens públicos ou da coletividade. Em seguida, apresentarei um debate sobre algumas das dificuldades encontradas na economia do bem-estar de Pigou ∗ e no processo decisório não mercadizável. A Teoria da Incidência de Tributação Cabe à teoria da incidência de tributação a parte do leão da atenção dedicada às finanças públicas neoclássicas, especialmente entre os estudiosos de língua inglesa. Um exame superficial desta literatura sugere que a sua meta é responder a questões como: Quem paga os bens e serviços públicos? Quem arca com o ônus final do pagamento, segundo instrumentos tributários específicos? De que modo a alocação do "custo" ou "ônus" varia em diferentes tipos de tributos? Os dois termos "custo" e "ônus" parecem ser usados quase como sinônimos. A suposta objetividade dessas magnitudes é mais ou menos tida como correta. Afinal, a receita cobrada pelo tesouro pode ser contabilizada. Alguém deve ficar sujeito a esse "custo"; alguém deve liberar o comando sobre o poder aquisitivo que, por sua vez, representa recursos reais. Determinados tributos geram "um ônus excessivo" sobre a cobrança efetiva da receita e superior a ela, contudo esses tributos também são quantificáveis objetivamente, pelo menos teoricamente. Tem-se dedicado muito pouca atenção ao possível relacionamento existente entre os tributos, como os custos dos bens públicos e os tributos na escolha desses bens. A análise de incidência e de transferência de tributação examina o comportamento de escolha dos indivíduos e das empresas, contudo não é o comportamento de escolha que se relaciona com o financiamento dos bens públicos ou a escolha ∗ N.T.: Arthur Cecil Pigou, 1877-1959, economista inglês da linha neo-clássica, discípulo e sucessor de Alfred Marshall na cadeira de Economia Política em Cambridge. 81 CUSTO E ESCOLHA dentre as várias opções tributárias. Supõe-se que o indivíduo ou a empresa estejam sujeitos a uma modificação imposta nas alternativas de escolha privadas ou do mercado. Neste caso, os impostos podem afetar o custo em um contexto que influencie a escolha, tornando evidente o fato que a teoria da incidência de tributação careceria de conteúdo não fosse este o caso. Consideremos o conhecido parâmetro do imposto fixo. Neste caso não ocorre transferência alguma; não se questiona a incidência de tributação. Porém, é óbvio que exista um "custo" para os bens públicos, pago pelo indivíduo, e que a "escolha" deva ser realizada. Comparemos este exemplo com o do imposto de consumo, digamos, sobre bebidas alcoólicas. Neste caso, o tributo, se transferido pelo vendedor, modifica as opções com que se defronta o comprador prospectivo, visto que o "custo" de adquirir bebida aumenta. É aqui que a teoria prognóstica ou positiva revela toda a sua força. Devido ao fato que tanto o objeto de consumo quanto o numéraire podem ser prontamente identificados como "bens" na função de utilidade do indivíduo e uma vez que, anteriormente ao tributo, as taxas de aquisição para todos os "bens" podem ser consideradas em equilíbrio, o aumento objetivo mensurável no custo, refletido no aumento em preço provocado pelo tributo pode ser considerado como representativo do aumento no custo subjetivo que efetivamente inibe a escolha do consumidor em relação à mercadoria tributada. Entretanto, seria errôneo relacionar o aumento induzido pelo tributo no preço dos bens de consumo - daí, em seu "custo" para o comprador - com o "custo" inteiramente diferente do bem público que as receitas de tributos representam de algum modo. Isso nos leva às questões iniciais. Em sua forma tradicionalmente desenvolvida, a teoria da incidência de tributação visa realmente à determinação do custo dos bens públicos? A análise ortodoxa de transferência e incidência de tributação ocupase quase que exclusivamente das alterações induzidas pela tributação nos custos da atividade privada de produção, investimento e consumo e das previsões do efeito dessas mudanças sobre o comportamento. 82 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Se a análise não gera informação alguma sobre os custos dos bens públicos, que valor terá? Se o economista pode, com confiança, determinar todos os efeitos de um tributo, supõe-se que ele seja capaz de classificar esse tributo em relação a outros em uma determinada escala de eqüidade ou de eficiência. Nesta tarefa, o economista concebe a sua função como a de orientador do indivíduo que faz a escolha, assim, influenciando indiretamente a escolha realizada dentre os instrumentos de tributação. Aparentemente esse conceito mostra-se suficientemente direto até que se reconheçam os resultados às vezes estranhos do pressuposto da mensurabilidade objetiva dos custos. Ao avaliar as conseqüências -ou conseqüências previstas - da arrecadação de um tributo, o economista estará tentando determinar as mudanças mensuráveis nos valores das variáveis descritivas empiricamente, como preços, quantidades e níveis de emprego? Ou estará tentando determinar as avaliações dos indivíduos em relação a essas mudanças? Consideremos um exemplo simples. Suponhamos que o preço de uma garrafa de bebida alcoólica seja igual a $10 antes da incidência da tributação e que um determinado indivíduo adquira 10 unidades por ano, perfazendo um gasto total anual de $100. É estabelecido um imposto de consumo de $1; observa-se que o preço no varejo aumenta com o valor do tributo, para $11; e a taxa de compra anual desse indivíduo cai para 9 garrafas, perfazendo um gasto total anual de $99. Supondo-se uma curva linear de demanda sobre a faixa pertinente, o economista afirmará que o "ônus" do tributo está calculado em $9,50, sendo que $9 são canalizados através do tesouro e 50¢ são considerados como um "excesso de ônus". Em termos familiares, assume-se simplesmente que o indivíduo "prefira" um tributo fixo, que exija o pagamento de apenas $9. Portanto, segundo os princípios da economia do bemestar, o economista sugere a conveniência do imposto fixo como um substituto para o imposto de consumo 2. Para chegar a essa 2 No momento, não me preocupam as várias qualificações modernas desta proposição, sendo que todas elas são extraídas de alguma versão secundária muito 83 CUSTO E ESCOLHA conclusão, o economista deve supor que o contribuinte esteja interessado exclusivamente nas mudanças pós-tributação em sua posição e que, de outro modo, ele se mostre indiferente em relação aos instrumentos de tributação. Porém, é evidente que existem muitos motivos pelos quais o contribuinte poderá não avaliar os instrumentos alternativos de tributação da mesma maneira que o economista do bem-estar os avalia. O contribuinte poderá, em primeiro lugar, optar por arcar com o custo mensurável maior aplicável através do imposto de consumo devido a uma faixa de opções pessoais de maior amplitude que esse tipo de tributo permite. A característica dessa opção poderá muito bem contrabalançar o "excesso de ônus". Em segundo, o contribuinte poderá preferir a aplicação do imposto de consumo para as bebidas alcoólicas por motivos suntuários, mesmo que esteja ciente de que ele também arcará com um excesso de ônus. A redução nas compras de bebidas por terceiros, induzida pela tributação, poderá ser mais do que suficiente para modificar a posição relativa desse tributo na escala de preferências do contribuinte 3. Mesmo que o economista não se mostre interessado nas avaliações dos contribuintes, cuja possível participação na escolha fiscal pode ser importante de algum modo, e tenha por base uma "função de bem-estar social" obtida externamente para estabelecer a sua classificação de instrumentos de tributação, as questões levantadas acima não desaparecerão e esse economista terá grande dificuldade em defender o "custo" mensurável objetivamente que surge da análise ortodoxa de transferência de tributação como um critério para a classificação dos dispositivos tributários se esse limitada. Minha crítica é válida mesmo no caso em que todas as condições de bemestar sejam inteiramente atendidas em outro ponto do sistema. 3 Em um trabalho anterior, tentei relacionar os efeitos dos diferentes instrumentos fiscais sobre o comportamento do indivíduo no processo fiscal. Vide, do autor, My Public Finance in Democratic Process (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1967). Vide também Charles Goetz, Tax Preferences in a Collective DecisionMaking Context (Dissertação para Doutorado, não publicada, Alderman Library, University of Virginia, 1964). 84 CUSTO PRIVADO E SOCIAL "custo" não estiver relacionado, de algum modo, com as próprias reações e avaliações do indivíduo. Os Custos e o Processo Decisório Fiscal: O Modelo Democrático Quais são os "custos" dos bens públicos no sentido genuíno do custo de oportunidade ou do custo que influencia a escolha? A própria questão vincula os custos diretamente à escolha e requer imediatamente alguma identificação do agente que escolhe. A ligação entre a estrutura de decisão política e as finanças públicas não pode ser evitada. Supõe-se que a teoria tradicional da incidência de tributação seja útil por fornecer bases para escolhas mais bem informadas de instrumentos tributários. Porém não é possível discutir essas escolhas sem que se identifique o indivíduo que as faz. Quem decide? A resposta depende da forma pela qual as decisões políticas são tomadas. Isso é suficientemente óbvio, contudo o que passa despercebido freqüentemente é o fato de o "custo" variar significativamente em relação à grande e variada quantidade de estruturas decisórias. Consideremos, primeiramente um modelo simplificado de decisão coletiva, que nos permita associá-lo com De Viti De Marco. Nesse caso, o indivíduo que toma a decisão fiscal é o consumidor-beneficiário prospectivo dos bens públicos e o contribuinte prospectivo. Esse modelo tem recebido várias denominações, como "individualista", "cooperativo", e "democrático" de diferentes estudiosos. A sua maior vantagem está no fato de que a escolha através dele se parece muito com aquela realizada pelo indivíduo em seu comportamento de mercado. O indivíduo opta por ser tributado para assegurar os benefícios do bem público. O que o indivíduo sacrifica ao fazer a escolha? Ao fazer a escolha, o indivíduo sacrifica a possibilidade de evitar o desembolso tributário efetivo; e, conseqüentemente, ele sacrifica a satisfação trazida por aqueles bens que poderiam ter sido adquiridos com o desembolso previsto. O valor subjetivo atribuído 85 CUSTO E ESCOLHA a esses bens alternativos é um importante custo que influencia a escolha. Isso é suficientemente aparente, porém haverá qualquer motivo para se pensar que o desembolso monetário, mesmo que se pudesse ser previsto com precisão, reflita a barreira subjetiva à decisão do indivíduo? Como nossa análise anterior indicou, para que esse desembolso antecipado possa mensurar, ainda que indiretamente, o custo subjetivo, deve-se supor que não haja nenhuma oportunidade de lucro em outras partes da economia, inclusive no setor público. Entretanto, há uma complicação adicional a ser reconhecida, que, apesar de mencionada anteriormente, não foi discutida em maiores detalhes. Os bens coletivos não são adquiridos individualmente. Nenhum indivíduo pode ajustá-los a seus desejos; todos devem aceitar um mesmo resultado. Na melhor das hipóteses, o aspecto tributário de uma decisão é um vetor cujos componentes representam os impostos que recaem sobre cada membro do grupo. Consideremos então o cálculo decisório da pessoa que participa dessa escolha fiscal "democrática." Ela "votará a favor" de um desembolso em relação a um determinado bem público que deverá ser compartilhado por todos os membros da comunidade. Quais os custos que influenciarão essa escolha? Quais as opções genuinamente sacrificadas que a pessoa rejeita? Se não aprovar o desembolso orçamentário proposto, o próprio desembolso tributário do indivíduo pode ser evitado e, de acordo com as suposições rigorosamente limitadoras sobre a ausência de lucro em outros locais, pode-se considerar que esse desembolso previsto reflita indiretamente pelo menos uma parte do custo. Entretanto, ao rejeitar a proposta orçamentária, o indivíduo também evita ou opta por evitar todas as outras conseqüências da decisão coletiva. Sob o aspecto de custo, essas conseqüências previstas são os pagamentos de tributos feitos por outras pessoas além do indivíduo específico cuja escolha estamos examinando. Se esse indivíduo avaliar positivamente as satisfações sacrificadas que outros poderiam adquirir com esses desembolsos, surgirá então algum elemento de custo. O custo que influencia a escolha, como obstáculo à aprovação pelo indivíduo de uma decisão sobre bens públicos, 86 CUSTO PRIVADO E SOCIAL somente pode ser mensurado através da sua própria participação prevista nos pagamentos de tributos em casos extremos nos quais o indivíduo não atribui nenhum valor ao fato de aliviar o "sofrimento" dos outros. Se essa suposição se aplicar para um participante em uma situação de escolha de grupo, ela deverá aplicar-se a todos os demais. Desse modo, o pagamento total de tributo, que é previsto, mensurado em termos monetários, poderá ser uma estimativa totalmente imprecisa do custo "social" do desembolso orçamentário em questão. O custo que influencia a escolha em relação a cada participante e, portanto, a todos os participantes em um dado sentido aditivo, poderá ser extremamente superior à estimativa produzida através da soma simples da participação de cada indivíduo. Isso não implica que os aspectos decisórios de grupo estejam limitados ao aspecto custo. Justamente pelas mesmas razões, o indivíduo reconhecerá que os benefícios prospectivos de um desembolso proposto para bens públicos não incluirão apenas os benefícios que o indivíduo pretende assegurar particular e individualmente, mas também o fato de o valor que ele atribui aos benefícios previstos fluir para terceiros a medida em que estes participam do bem de consumo comum. Exatamente como o aspecto de custo, toda e qualquer estimativa de benefícios previstos obtida pela simples adição de participações isoladas muito provavelmente apresentará grandes margens de erro. O reconhecimento dos pontos acima sugere que a moderna análise de custo-benefício, que parece orientada para gerar algumas medidas de custos "sociais" e benefícios genuínos a partir de projetos propostos, possui uma adequação limitada. A suposição de que os custos previstos mensurados se igualarão aos benefícios previstos mensurados implica que o grupo deve se situar de algum modo em uma margem de indiferença nessa sua escolha coletiva ou "social", a favor ou contra o projeto. Contudo, como já demonstramos, não existe motivo, por mais remoto que seja, para esse tipo de inferência, ainda que isolada das importantes questões de distribuição que até agora não foram levantadas. Mesmo que a tributação proposta venha a recair igualmente sobre todos os 87 CUSTO E ESCOLHA contribuintes e os benefícios propostos sejam igualmente compartilhados, não caberá suposição alguma de que a razão de unidade mensurada entre custo e benefício deva implicar indiferença na escolha pelo grupo. Os Custos e o Processo Decisório: O Modelo Autoritário Os custos que influenciam a escolha de bens públicos variam segundo a localização do poder real de decisão dentro da coletividade. Mesmo no mais ingênuo dos modelos democráticos, no qual se suponha que o indivíduo que toma a decisão seja ele o contribuinte fiscal prospectivo ou o beneficiário prospectivo em algum sentido "representativo", os verdadeiros custos de oportunidade devem abranger a avaliação pelo indivíduo das satisfações sacrificadas por outros. O próprio fato de a decisão ser coletiva assim o requer. É evidente que, quando modelos decisórios de maior complexidade são introduzidos, o aspecto não pessoal dos custos torna-se mais significativo. Para ilustrar os conceitos acima, podemos voltar nossa atenção ao extremo não democrático do espectro e examinar uma estrutura decisória autoritária. Suponhamos que todas as decisões da coletividade sejam tomadas por uma única pessoa investida de poderes ditatoriais. Limitando nossa análise às finanças públicas, quais são os custos que influenciam a escolha neste contexto? Quais os obstáculos à decisão do ditador sobre a arrecadação de um tributo para financiar uma determinada despesa pública? Em última instância, ele pessoalmente não arcará com qualquer participação no tributo a ser criado. Os "custos" que poderiam ser evitados por uma decisão de não impor o tributo são, portanto, exclusivamente representados pela avaliação do ditador, das satisfações que ele próprio asseguraria com a ausência do tributo. Em um contexto decisório como este, o emprego do desembolso ou pagamento previsto para representar indiretamente o custo que influencia a escolha parece quase que desprovido de significado. Como já mencionamos acima, a análise de custo-benefício pode gerar estimativas altamente 88 CUSTO PRIVADO E SOCIAL imprecisas, mesmo nos modelos democráticos menos sofisticados, devido ao fato de os aspectos coletivos tanto dos custos quanto dos benefícios serem ignorados. Entretanto, os resultados desse tipo de análise não deixam de ter seu significado. Em comparação, a análise de custo-benefício do tipo ortodoxo, ao ser aplicada ao modelo autoritário, torna-se absurda uma vez que não se espera que nenhuma parte do desembolso previsto seja compartilhada pela pessoa que realiza a escolha. Os Custos e o Processo Decisório: Os Modelos Mistos Em qualquer contexto político da realidade, as decisões coletivas são tomadas através de processos institucionais que geralmente refletem uma mistura dos modelos puramente democráticos e puramente autoritários. A maioria dos indivíduos participa direta ou indiretamente do processo decisório de grupo, todavia, determinadas pessoas participam mais ativamente do que outras. Isso quer dizer que a eficácia dos próprios indivíduos e dos grupos em influenciar o processo decisório apresenta uma grande variação nesse contexto. Os custos que influenciam os cálculos de escolha de um determinado indivíduo dependem, sobretudo, de seu grau de participação personalizado ou individualizado em um pagamento ou desembolso previsto e da avaliação que faz desse desembolso em termos do sacrifício de suas próprias satisfações. Além disso, o indivíduo deve avaliar as satisfações que, em sua opinião, outros deverão sacrificar à medida que fiquem sujeitos ao processo de tributação. Somente no caso em que cada um dos participantes do processo decisório de grupo julgasse as satisfações sacrificadas de todos os outros como tão importantes quanto as suas, a distribuição dos pagamentos previstos de tributos não traria influência alguma aos "custos", à medida que estes influenciassem ou modificassem as decisões. Se cada indivíduo, independentemente de seu poder sobre as decisões coletivas, avaliasse subjetivamente cada dólar previsto para o pagamento do tributo pago pelas outras pessoas como se fosse seu, nem a 89 CUSTO E ESCOLHA distribuição do poder decisório, nem a distribuição das participações no tributo poderiam modificar os custos que se apresentam como obstáculos à escolha. Neste caso restrito, as mensurações ortodoxas de custo-benefício poderiam ser representações razoavelmente precisas dos custos e benefícios que influenciam a escolha. Os meros requisitos deste modelo bastam para evidenciar a sua manifesta absurdidade" 4. Os defensores das estimativas de custo-benefício poderão contestar, afirmando que as decisões coletivas, não importando como nem por quem sejam tomadas, devem ser dirigidas através das comparações de projeto que as estimativas revelam. O objetivo da análise de custo-benefício que este argumento sugere não é demonstrar os verdadeiros custos de oportunidade em um contexto em que o custo influencia a escolha, e sim delimitar as regras para escolha. Porém por que os custos mensuráveis objetivamente devem ser considerados capazes de refletir o "custo social" em qualquer um dos significados razoáveis do termo? As avaliações dos indivíduos devem receber a devida importância em qualquer tentativa de obtenção de declarações normativas, todavia essas avaliações apresentam uma relação direta muito pequena com os desembolsos mensurados pelos vários motivos mencionados, sendo os mais importantes os de distribuição. Neste ponto, o defensor da ortodoxia do custo-benefício poderá rejeitar a limitação implícita de 4 É interessante observar que os analistas sofisticados de custo-benefício reconhecem a importância da distribuição das quotas tributárias (ou quotas de benefício), enquanto simultaneamente deixam de reconhecer a importância da distribuição do poder decisório. A omissão desse segundo efeito de distribuição provém, é claro, do paradigma segundo o qual os "custos" existem como magnitudes objetivamente quantificáveis, não relacionadas com o processo de escolha. Dentre os estudiosos da economia aplicada do bem-estar que examinaram a metodologia da análise de custo-benefício, apenas Roland N. McKean parece ter consciência da existência desse tipo de problema. Vide seu estudo, The Use of Shadow, Prices em Samuel B. Chase, Jr. (ed.) Problems in Public Expenditure Analysis (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1968), págs. 33-65. Para uma discussão específica sobre a importância da distribuição das quotas de tributo ou de benefício, vide o estudo de Burton A. Weisbrod Income Redistribution Effects and Benefit-Cost Analysis, págs. 177-208 do mesmo volume. 90 CUSTO PRIVADO E SOCIAL seu procedimento estimativo em relação a fluxos de custos e benefícios mensuráveis objetivamente. Ele poderá sugerir a inclusão de algumas estimativas de características de alternativas avaliadas subjetivamente nos custos e benefícios previstos, porém incomensuráveis objetivamente. Por meio desse procedimento, entretanto, toda a análise é sutilmente convertida, daquela capaz de produzir um acordo em potencial entre os cientistas competentes a um exame de caráter puramente subjetivo, não para os indivíduos que tomam a decisão, mas para o economista que oferece a sua orientação normativa. O especialista em custo-benefício deve contentar-se com apenas uma das alternativas acima. Ele não poderá reivindicar uma precisão "científica" para as suas estimativas a menos que se limite rigorosamente às magnitudes observáveis objetivamente. Contudo, se adotar este último procedimento, ele não poderá afirmar que as suas estimativas refletem normas razoáveis nas quais as escolhas "sociais" se baseiam. A Escolha Entre Projetos Até agora, nossa atenção limitou-se ao aspecto de custo de uma possível decisão de criar um tributo com a finalidade de financiar um projeto governamental específico. Essa mesma escolha envolve um custo bastante diferente daquele que aparece quando várias escolhas diferentes são consideradas. Um deles é o da escolha de um entre muitos projetos públicos. Nesse caso, o custo que influencia a escolha será bastante diverso daquele que integra a decisão de criar o tributo. A cada decisão específica vincula-se um custo de oportunidade singular, dependendo das características específicas da decisão. Os economistas observam com freqüência que os verdadeiros custos de oportunidade dos projetos empreendidos deixam de existir durante os períodos de desemprego em massa. Porém, recomenda-se o devido cuidado na interpretação do significado preciso dessa conclusão e no exame das particularidades da decisão em questão. Primeiramente, consideremos a decisão de 91 CUSTO E ESCOLHA emitir moeda ou não para financiar despesas, públicas ou privadas, durante uma fase de profunda recessão. As alternativas que se apresentam são, em primeiro lugar, não se tomar providência alguma em relação à deficiência na demanda agregada e, em segundo, financiar novas despesas através de tributação ou de empréstimos públicos. Uma vez que se suponha que existem recursos não empregados, a emissão de moeda não gerará pressões inflacionárias. Estando o indivíduo que decide adequadamente informado, para ele não haverá "custos reais", no sentido das satisfações que serão sacrificadas em relação a si próprio ou aos outros. Dado que qualquer um dos cursos alternativos de ação, mesmo que traga um fluxo de benefícios idênticos, gerará esses custos reais, esse indivíduo se inclinará a escolher a alternativa da emissão de moeda. No caso desta escolha, seria correto afirmar que não há ou não deverá haver obstáculo algum ao custo. Se, entretanto, a despeito da existência de recursos não empregados, for escolhida a alternativa da tributação como dispositivo de financiamento, a escolha então envolverá um custo. Os usos alternativos que se poderá fazer do dinheiro arrecadado em tributação são sacrificados pelo indivíduo que toma a decisão e pelos outros ao se escolher a alternativa de tributação. Assim, essas opções sacrificadas devem ser avaliadas no momento da escolha. A existência de desemprego poderá reduzir os custos que influenciam a decisão em relação aos benefícios que influenciam a escolha da nova despesa, porém não se pode negar a existência dos "custos reais". A escolha financeira que faz parte do potencial decisório de emitir moeda ou de financiar novas despesas através de outros recursos deve estar claramente diferenciada da decisão de gastar, que surge quando se deve fazer a escolha dentre os projetos. Primeiramente, existe a escolha de usar a verba para ampliar os gastos do setor privado ou do setor público. A escolha de um projeto para o setor público implica um custo de oportunidade que está representado pelas satisfações previstas que serão sacrificadas pelos possíveis aumentos dos gastos no setor privado e que poderiam ser geradas pelas mesmas verbas. Mesmo tendo sido feita 92 CUSTO PRIVADO E SOCIAL a opção pelo projeto do setor público, uma outra escolha deve ser confrontada, o que também implica um custo que influencia a escolha, um obstáculo à decisão. Uma vez emitida a moeda e tomada a decisão de ampliar as despesas do setor público, deve-se enfrentar a escolha entre as diferentes utilizações para a verba. O custo que influencia a escolha de um novo edifício para os correios representa o valor subjetivo que o indivíduo que toma a decisão atribui a um novo edifício para a escola que poderia ser construído em seu lugar. A conhecida afirmação "Os edifícios para os correios construídos durante a década de 30 custaram muito pouco em termos das alternativas sacrificadas" tende a ser enganosa. Na realidade esses projetos implicaram custos de oportunidade verdadeiros para as pessoas que tomaram a decisão. Esses custos eram representados pelos valores esperados para outros projetos públicos e privados que jamais foram levados adiante. A emissão de moeda, na medida em que tenha sido realizada diante das condições vigentes na década de 30, foi a escolha que deveria ter custado muito pouco em termos das alternativas sacrificadas. Os Custos do Financiamento da Dívida de Bens Públicos Em nenhuma outra área a confusão elementar sobre a teoria do custo tem estado em maior evidência do que nos cáusticos debates sobre a incidência da dívida pública. Na verdade, foi precisamente através do meu próprio envolvimento na controvérsia do ônus da dívida moderna e de meus esforços subseqüentes para reconciliar meus conceitos com os de renomados companheiros economistas que minha atenção se voltou para a teoria do custo 5. O problema do ônus da dívida ilustra, por um lado, a necessidade de 5 Em meu livro anterior, minhas idéias sobre custo eram confusas. Vide, do autor, Public Principles of Public Debt (Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1958). Um tanto atrasado, em resposta à crítica, esbocei as diferenças na teoria da dívida em relação às confusões da teoria do custo. Minhas contribuições, juntamente com outros estudos, são apresentadas em James M. Ferguson (ed.), Public Debt and Future Generations (Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1964). 93 CUSTO E ESCOLHA diferenciarmos entre o custo que influencia a escolha e o que por ela é influenciado e, por outro lado, a necessidade de relacionarmos o custo diretamente à escolha. Consideremos primeiramente a opinião amplamente defendida por economistas sofisticados antes de 1958. Afirmava-se que o "ônus real" do financiamento da dívida de bens públicos, os verdadeiros custos de oportunidade, deveria ser experimentado na ocasião em que os recursos reais fossem efetivamente empregados. No caso da dívida da II Guerra Mundial, o aço foi usado para a fabricação de armas em 1943 e não em outro período posterior. Parecia então ser um contra-senso manifesto, uma violação do raciocínio mais elementar de custo de oportunidade declarar que o ônus da dívida pública fora "transferido para as gerações futuras". Por mais difícil que tenha sido defender essa opinião em 1969 (a despeito do patrocínio continuado dessa causa em debates menos sofisticados apresentados em textos didáticos), o raciocínio ortodoxo em relação ao custo de oportunidade, que mensura os custos reais em termos dos recursos reais quantificados objetivamente e que se concentra em custos independentemente das particularidades da decisão, nos leva de modo bastante lógico a essa teoria. Quem desiste do comando dos recursos reais obtidos para uso público em condições de financiamento de dívida? A resposta óbvia será: aqueles que adquirem os instrumentos de débito junto ao Erário público. Esses compradores de obrigações não apresentam a mínima preocupação em relação à decisão de financiar a dívida; a escolha desses compradores limita-se ao simples fato de adquirir títulos da dívida pública ou outros investimentos do setor privado ou bens de consumo. Essas pessoas certamente não tomam parte na escolha fiscal. Não se pode dizer que elas sofram o "custo" dos bens públicos que a emissão de títulos da dívida pública financiará. Para determinar o verdadeiro custo dos bens públicos, o custo que influencia a escolha fiscal, devemos examinar as opções fiscais. O que será evitado se a dívida não for contraída e se os bens públicos não forem produzidos? Se a dívida pública não é contraída, se os títulos dessa dívida não são emitidos, o indivíduo que toma a decisão, juntamente com 94 CUSTO PRIVADO E SOCIAL outros indivíduos na coletividade, evita a necessidade de executar o serviço e a amortização da dívida em períodos futuros. Os custos da concretização da dívida, no sentido em que possam influenciar uma decisão sobre as opções fiscais, devem se refletir na avaliação subjetiva desses gastos subseqüentes da pessoa que decide. Quanto aos custos que influenciam a escolha, estes se concentram no momento da escolha e não em períodos posteriores durante os quais o gasto efetivo deva ser realizado. Porém os custos subjetivos que a influenciam somente existem em função da percepção pelo indivíduo que toma a decisão de que será necessário realizar gastos em período futuro. A concentração do custo que influencia a escolha no momento da decisão se origina do simples fato de que a decisão é tomada; esse custo não possui nenhuma relação com o fato de que os recursos sejam utilizados no período inicial nem é influenciado por esse fato. Os custos influenciados pela escolha no caso de projetos cuja dívida é financiada, os prejuízos em utilidade em decorrência da escolha, são sofridos exclusivamente nos períodos posteriores à decisão. Esses pagamentos efetivos, que podem ser mensurados monetariamente, podem reduzir as utilidades de pessoas diferentes daquelas que participam da decisão. De certo modo, esse ônus da dívida é sempre um peso morto, sendo que a sua localização no tempo não apresenta nenhuma relação com qualquer período durante o qual os projetos públicos geram os seus benefícios. Dentre os estudiosos que contribuíram para o debate moderno sobre a teoria da dívida pública, alguns reconhecem que, em comparação com o financiamento através da tributação, a questão da dívida pública gera um "ônus" relativo sobre as gerações futuras. Entretanto, chegam a essa conclusão porque afirma-se que a dívida pública reduz a formação de capital em muito maior grau que o financiamento através da tributação. Desse modo, as "gerações futuras" herdarão um estoque de capital um pouco menor nas condições atuais de financiamento da dívida pública do que herdariam em condições de financiamento de despesas públicas semelhantes através da arrecadação tributária. Esta linha de argumentação, que 95 CUSTO E ESCOLHA pode ser associada a Vickrey e Modigliani 6, também se baseia na falha em relacionar o custo com a escolha. Independentemente do fato de a formação de capital privado ser ou não ser relativamente reduzida pelo financiamento da dívida ela é irrelevante quanto à localização do ônus da dívida nos períodos posteriores à escolha. Mesmo que toda a verba alocada para a compra dos títulos fosse retirada do consumo de então, os custos subjetivos da questão do débito ainda se constituiriam na avaliação, pelo indivíduo que toma a decisão, dos prazeres que deveriam ser sacrificados por ele próprio e por outros em períodos futuros, quando os desembolsos para o serviço e a amortização do débito tivessem de ser feitos. A decisão de um comprador prospectivo de títulos da dívida pública é evidentemente pertinente à taxa de formação de capital, porém não é a mesma decisão que a do vendedor prospectivo de títulos da dívida pública. Se o comprador de títulos da dívida pública retira a verba de um investimento privado corrente, ele estará impondo um "ônus" a seus próprios herdeiros em períodos futuros, sendo que o reconhecimento desse fato representará o obstáculo à sua escolha. 6 Vide as contribuições dos mesmos em Ferguson, op. cit. Um erro semelhante é cometido por Feldstein e ratificado por Prest e Turvey em sua revisão da análise de custo-benefício. Segundo Feldstein, o custo de um projeto depende em parte do fato de as verbas serem ou não retiradas do consumo atual ou de investimentos. Entretanto, na medida em que as mensurações de custo-benefício tenham qualquer utilidade, deve-se supor que os indivíduos dos quais a verba se origina, neste caso presume-se que seja através de tributação, estejam em equilíbrio entre os desembolsos para o consumo e para investimentos. Neste caso, as utilidades em relação a cada dólar estão equalizadas na margem. Como sugerimos anteriormente, a menos que se suponha esse equilíbrio pleno, toda a abordagem, que, na melhor das hipóteses, é limitada, toma-se inútil. Vide M.S. Feldstein, Opportunity Cost Calculations in Cost-Benefit Analysis, Public Finance, XIX (1964) 126, como já citado em A.R. Prest e R. Turvey em Cost-Benefit Analysis: A Survey, Economic Journal, LXXV (dezembro de 1965), págs. 686-87. É interessante o fato de que Davenport parece ter-nos alertado indiretamente sobre esse erro há meio século. Ele ressaltou que os custos para um mutuário (aquele a que deve renunciar para assegurar a verba) não apresentam nenhuma relação direta com o custo para o mutuante (aquele a que deve renunciar ao tomar uma decisão de consumo com poupança). Existem duas escolhas diferentes e, portanto, dois custos. Vide H.J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University Press, 1908), pág. 260. 96 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Se ele retira a verba do consumo corrente, nenhum ônus será imposto. Contudo, o que devemos ressaltar aqui é que a escolha dessa pessoa está nitidamente separada e diferenciada daquela feita pelo indivíduo que se decidiu pela emissão dos títulos. A ênfase nos aspectos de formação de capital na dívida pública parece surgir de uma confusão em relação aos resultados não de uma, mas de duas decisões, e aos cálculos não de um, mas de dois conjuntos de indivíduos que decidem. O Teorema da Equivalência de Ricardo Ricardo formulou o teorema de que uma pessoa racional deveria manter-se indiferente entre a arrecadação de um tributo extraordinário e a emissão de um empréstimo público de igual valor. Em seu modelo, Ricardo supunha que o indivíduo possuía um horizonte de tempo infinitamente longo e que os mercados de capitais eram perfeitos no sentido em que um indivíduo poderia obter um empréstimo a uma mesma taxa que a coletividade. Nessas condições, o indivíduo poderia, sem nenhum custo, transformar uma dessas duas alternativas fiscais na outra através de transações no mercado de capitais. Segue-se que o indivíduo deveria manter-se indiferente em relação a elas. Assim, a análise é elementar e óbvia. Porém uma análise semelhante poderia ser estendida a qualquer ato de escolha individual. Se, por exemplo, o indivíduo é informado que sempre poderá trocar uma laranja por uma maçã através do mercado, ele permanecerá indiferente entre um presente representado por uma laranja ou por uma maçã, dada a possibilidade da transformação sem custos. Entretanto, isso não implica que uma laranja seja igual a uma maçã na avaliação subjetiva do indivíduo. Essa igualdade somente surgirá se for permitido ao indivíduo ajustar as quantidades compradas e vendidas em um ponto tal que o equilíbrio de comportamento seja plenamente alcançado. Em situações isoladas de desequilíbrio, não se pode assumir a existência dessa igualdade na avaliação subjetiva. Desse modo, se aplicarmos o conceito às alternativas representadas pela dívida pública e pela tributação, o 97 CUSTO E ESCOLHA indivíduo permanecerá indiferente em virtude de poder realizar transformações sem nenhum custo, mas não pelo motivo que as duas alternativas sejam de igual valor em sua consideração subjetiva das mesmas. O reconhecimento desse simples conceito sugere que a conversão da alternativa de dívida pública para um equivalente de valor atual poderá não mensurar ou representar com precisão o verdadeiro custo que influencia a escolha, embutido na questão da dívida. Caso se observe que o indivíduo escolha a alternativa da dívida pública, isso será uma indicação que o custo está abaixo daquele representado pela alternativa da tributação, que é definido como igual ao valor presente dos encargos de futuros serviços e das amortizações da dívida. Não se pode inferir que a escolha do indivíduo seja marginalista. Os custos de oportunidade que influenciam a escolha, a avaliação subjetiva do sacrifício de prazeres em períodos futuros, podem estar substancialmente abaixo do valor representado pelo valor corrente capitalizado das obrigações de pagamento necessárias. Somente nos casos em que seja possível supor que o indivíduo tenha ajustado totalmente os seus padrões de despesa com poupança para igualar a sua própria taxa de desconto em prazo à taxa de mercado é que se pode afirmar que o indivíduo deve se encontrar em uma margem subjetiva de indiferença entre os dois instrumentos fiscais. Na verdade, são precisamente as diferenças entre as avaliações subjetivas de instrumentos de valor corrente igual com dimensões de tempo diferentes que levam o indivíduo a se comportar na direção do equilíbrio pleno. Do ponto de vista metodológico, certamente seria impróprio enunciar implicações de escolha entre instrumentos de valores correntes iguais, bens ou obrigações, a partir das características de equilíbrio para cuja direção está voltado o comportamento de escolha. 98 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Capitalização de Tributação O teorema de Ricardo se relaciona a uma aplicação de teoria fiscal separada que a teoria de custo consistente poderá esclarecer. Exatamente o que os teóricos fiscais querem dizer quando afirmam que um tributo poderá ser totalmente capitalizado em determinadas condições? O cálculo aritmético é simples e direto: o valor atual do bem sujeito ao novo tributo é anotado de modo a refletir o peso dos tributos futuros previstos como encargos sobre a renda. O comprador do bem, após o momento da capitalização, não arcará com parcela alguma do ônus tributário; este recairá exclusivamente sobre o proprietário do bem por ocasião da imposição do tributo. Não haverá equívoco algum nessa afirmação sucinta da análise ortodoxa, se as condições através das quais a capitalização pode ocorrer forem cuidadosamente estipuladas. Contudo, freqüentemente se supõe que o "ônus" do tributo seja experimentado subjetivamente somente quando da anotação do valor de capital do bem, não ocorrendo nenhum outro sacrifício posterior de utilidade. Essa suposição se baseia em confusões elementares. O momento da capitalização corresponde ao momento da escolha, segundo nossa discussão anterior sobre o custo. Podemos aclarar ainda mais nossa análise se imaginarmos que um proprietário de um bem faça uma escolha que implique renúncia, em tributação ou em qualquer outra forma, a uma parte do fluxo de renda futuro desse bem. Teremos então um custo de oportunidade que influenciará a escolha, uma avaliação puramente subjetiva das opções que devem ser sacrificadas devido ao fato da renúncia a reivindicações de renda em período futuro. Porém, como ocorre com a questão da dívida pública, esse custo subjetivo aparece apenas em virtude da expectativa de que, em períodos futuros, algum pagamento sobre a renda deva ser efetuado, alguma satisfação em potencial, alcançada através do uso da renda, deva ser sacrificada. Realizada a escolha e aplicado o tributo ou outra reivindicação qualquer sobre a renda gerada pelo bem, advirão conseqüências que podem incluir a necessidade contraída de se efetuar os pagamentos exigidos. Na decisão tomada anteriormente, 99 CUSTO E ESCOLHA esses custos tornam-se os custos influenciados pela escolha, que tanto podem ser mensurados objetivamente quanto avaliados subjetivamente. O proprietário do bem experimenta prejuízos em utilidade nesses períodos posteriores, que não podem ser eliminados através do processo de capitalização, visto que, na verdade, a previsão desses prejuízos em utilidade em período futuro representa a única base para os custos subjetivos experimentados durante o momento da escolha ou da capitalização. Às vezes a distinção entre a transferência do ônus entre os proprietários de bens e a localização temporária desse ônus pode ser objeto de confusão. A capitalização concentra o ônus da tributação sobre o proprietário de um bem no momento da arrecadação inicial. Contudo, a expressão "no momento" refere-se ao padrão de propriedade, não ao ônus da tributação. Mesmo se o proprietário vender o bem imediatamente após a capitalização plena, ele ainda experimentará os custos influenciados pela escolha nos períodos subseqüentes. Tanto na capitalização tributária quanto na escolha econômica comum existem dois custos, não apenas um, cuja diferenciação é necessário fazer. De forma inteiramente análoga ao custo que influencia a escolha cm qualquer decisão, existe a percepção puramente subjetiva que os fluxos futuros de renda serão reduzidos. Este fenômeno é experimentado na sensação de avaliar as oportunidades de prazeres futuros que tenham sido excluídas repentinamente. De forma análoga ao custo influenciado pela escolha, existe o prejuízo experimentado em utilidade, que havia sido previsto e que possui o seu equivalente objetivo nas obrigações de pagamento assumidas. O proprietário do bem não pode, portanto, capitalizar totalmente os futuros pagamentos de tributos no sentido em que ele sofra todo o ônus real no momento da imposição dos mesmos e em quaisquer circunstâncias. Não haverá absolutamente nada de contraditório nessa conclusão uma vez inteiramente reconhecida a dualidade do custo em qualquer escolha. O custo previsto não é nem pode ser o substituto de um ônus efetivamente experimentado. Esses dois conceitos tampouco podem 100 CUSTO PRIVADO E SOCIAL possuir dimensões equivalentes. "O covarde morre mil vezes antes da sua hora." 101 CUSTO E ESCOLHA Custo Privado e Social A igualdade entre o custo marginal privado e o custo marginal social representa o critério alocativo da economia do bemestar de Pigou 1. Esse princípio permanece aceitável para a maior parte dos economistas do bem-estar. Considera-se que a tributação e o subsídio corretivos sejam requisitos para o atendimento das condições ideais necessárias na presença de efeitos externos. O assunto de debate a ser tratado no momento limita-se ao conceito de custo implícito no critério da política de Pigou; por esse motivo, não há necessidade de revisarmos trabalhos mais recentes sobre a teoria da externalidade, alguns dos quais atribuem importantes qualificações às normas pigouvianas 2. O presente capítulo tem por objetivo demonstrar que os princípios de Pigou deixam de estabelecer a distinção entre os custos que podem influenciar a escolha e os custos mensuráveis objetivamente. 1 O critério que identifica a igualdade entre o produto marginal privado e o produto marginal social reduz o critério de custo quando este é descrito em termos de custo de oportunidade. O deixar de adotar um curso de ação que traga benefícios externos pode ser considerado como o equivalente analítico de adotar um curso de ação que traga custos externos. Em sua própria formulação, Pigou valeu-se da terminologia de produto quase exclusivamente, embora tenha-se referido a ambos os tipos de divergência. Vide A.C. Pigou, The Economics of Welfare (4a edição; Londres: Macmillan, 1932), esp. págs. 131-35. 2 Notadamente, R.H. Coase, The Problem of Social Costs, Journal of Law and Economics, III (outubro de 1960), 1-44; Otto A. Davis e Andrew Whinston, Externality, Welfare, and the Theory of Games, Journal of Political Economy, LXX (junho de 1962), págs. 241-62. 102 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Análise Sumária Consideremos um exemplo comum no qual o comportamento de uma pessoa (ou de uma empresa) causa deseconomias, não a si mesma mas a outros indivíduos. Essas deseconomias representam a perda de "bens" para outros, sem que haja uma compensação através dos procedimentos comuns de mercado. A aplicação da norma de Pigou sugere que os custos impostos externamente aos indivíduos que não fazem parte do processo decisório devam ser incluídos nos cálculos do indivíduo que toma a decisão. Esses custos devem ser adicionados aos próprios custos internos do indivíduo que decide, custos que se supõe que este indivíduo leve em conta. O dispositivo geralmente proposto é a imposição de um tributo sobre o desempenho da externalidade que gera a atividade, um tributo equivalente aos custos externos por unidade que a atividade imponha. Outros dispositivos às vezes propostos são providências de natureza institucional, projetadas de modo a internalizar a externalidade. Em todos os casos, o objetivo é dar aos custos que informam ou influenciam o indivíduo que toma a decisão a adequação necessária em relação aos custos "sociais" verdadeiros. Os modelos permanecem individualizados no sentido em que os custos "sociais" são calculados através da simples adição dos indivíduos pertencentes à comunidade ou grupo em questão. Um Exame mais Minucioso Segundo a teoria de Pigou, a mudança nos "custos" resultante da aplicação expressamente recomendada de um tributo modifica o comportamento da pessoa atuante de modo a gerar "eficiência". Porém, qual o significado do termo "custos" nesse contexto? Esse arcabouço de Pigou nos fornece talvez o melhor e mais singular exemplo da confusão reinante entre os conceitos de custo objetivos formulados classicamente e os conceitos de custos subjetivos que influenciam a escolha do indivíduo. Consideremos, em primeiro lugar, a determinação de quanto do tributo corretivo deverá ser aplicado. Essa quantidade deve ser igual aos custos externos sofridos por outras pessoas, exceto aos do indivíduo que toma a decisão, em conseqüência dessa 103 CUSTO E ESCOLHA decisão. Esses custos são experimentados por indivíduos que poderão avaliar os seus próprios prejuízos resultantes em utilidade: eles poderão muito bem especular sobre o que "poderia ter ocorrido" se não houvesse a deseconomia externa que sofrem. Entretanto, para que possamos estimar a dimensão do tributo corretivo, alguma mensuração objetiva deve ser empregada em relação a esses custos externos. Porém o analista não disporá de referência alguma a partir da qual possa elaborar estimativas plausíveis. Dado que as pessoas que sofrem esses "custos" - aquelas afetadas externamente - não participam da escolha que os gera, simplesmente não há meios de determinar, mesmo indiretamente, o valor que atribuem ao prejuízo em utilidade que poderia ser evitado. No exemplo clássico, quanto a dona de casa cuja roupa para lavar está suja devido à fumaça teria de pagar para mandar removê-la do ar? Até e a menos que ela realmente se depare com essa escolha, qualquer estimativa deverá permanecer inteiramente arbitrária. Os danos provocados pela fumaça não podem ser, nem mesmo remotamente, calculados com base nos desembolsos estimados que seriam necessários para produzir "limpeza" no ar. É evidente que se pode definir fisicamente o que seja "ar limpo", a dificuldade não está na impossibilidade de definir unidades em um sentido fisicamente descritivo. Contudo, independentemente de definição, não se pode permutar ou comercializar "ar limpo" isoladamente entre cada indivíduo. Cada pessoa deve simplesmente ajustar-se ao grau de pureza do ar existente em seu meio ambiente. Não existe a possibilidade de se efetuar ajustes marginais em relação às quantidades do "bem" de modo a gerar um equilíbrio que evite as diferenças interpessoais nas avaliações relativas. A figura 1 ilustra meu argumento. Não há meios que permitam ao analista determinar objetivamente se a dona de casa se encontra na posição A, B, ou C no diagrama, não obstante torna-se evidente que o prejuízo em utilidade, tanto marginalmente quanto no total, poderá ser significativamente diferente nos três casos. Não existe uma base de comportamento que permita a observação das avaliações para esse caso. A figura 1 também sugere que, se as 104 CUSTO PRIVADO E SOCIAL funções relativas à preferência do indivíduo possuírem propriedades comuns, as avaliações em separado dos mesmos provavelmente variarão em proporção direta ao patrimônio-renda de cada um deles. A dona de casa mais abastada dará maior valor ao a r limpo do que a dona de casa menos favorecida. A razão é óbvia. A deseconomia externa "danos causados pela fumaça" não pode ser "recomercializada" entre as pessoas. Se isso fosse possível, a dona de casa menos favorecida poderia mostrar-se disposta a assumir uma parcela adicional dos danos em troca de uma compensação monetária de parte de sua vizinha de mais posses. Porém, visto que tal troca não poderá ocorrer, ela deverá simplesmente ajustar-se à proporção dos "pontos ruins" em seu meio ambiente. "ÓTIMO" "BOM" FIGURA 1 A mensuração objetiva dos custos impostos externamente parece mais viável nos casos em que a remoção do agente nocivo possa gerar mudanças na função de produção das empresas. Se as unidades danificadas estivessem produzindo empresas, não indivíduos, não haveria necessidade de maiores complicações com a avaliação dos prejuízos de utilidade. Pode-se observar que uma mudança no índice de "poluição" altera o índice de desembolso requerido para a produção de bens e serviços comercializáveis. Uma 105 CUSTO E ESCOLHA vez que esses bens e serviços comandam os preços nos mercados, a mensuração objetiva de seus valores será possível 3. Para que a tributação corretiva, equivalente aos custos impostos externamente a outros (que devemos supor que sejam mensuráveis objetivamente, a despeito dos problemas observados acima), possa produzir as mudanças em comportamento previstas pela análise de Pigou, os custos internos com que se depara o indivíduo que toma a decisão também devem ser mensuráveis objetivamente, ao menos de modo indireto. A análise pressupõe implicitamente que, na ausência da tributação corretiva, as escolhas são orientadas através dos desembolsos monetários efetuados na aquisição dos insumos em transações comuns de mercado. Entretanto, como já pudemos comprovar, não existe um respaldo lógico para essa suposição em casos mais genéricos. Os desembolsos monetários observados não necessitam refletir os custos que influenciam a escolha, os verdadeiros custos de oportunidade analisados pelo indivíduo que decide. Existe uma inconsistência evidente. A norma de Pigou tem por meta alinhar os custos marginais privados, uma vez que influenciam a escolha, com os custos sociais, uma vez que são mensuráveis objetivamente. A introdução de dispositivos de correção adequados somente será possível no caso da mensurabilidade objetiva. Porém em que condições pode-se assumir que os custos mensuráveis objetivamente, externos e internos, reflitam, com uma precisão razoável, os custos que o indivíduo que realmente toma a decisão levará em consideração. Em condições 3 É provável que esse ponto ajude a determinar a origem da confusão. Marshall e Pigou desenvolveram o conceito de externalidade dentro do contexto dos modelos interempresariais, assumindo de modo implícito a existência de estruturas competitivas. Como poderemos observar, a adequação dos custos mensuráveis objetivamente fica limitada mesmo neste modelo, mas os erros apresentam uma classe diferente de magnitude em relação àqueles que surgem quando as externalidades se referem a uma interação interpessoal ou a uma interação interempresarial na qual as funções de utilidade são empregadas. A possibilidade de mensuração objetiva dos custos externos não garante, evidentemente, que a política de aplicação de uma tributação corretiva seja desejável. Em condições de concorrência, essa política pode ser defendida plausivelmente dentro de certos limites. Em comparação, a tentativa de aplicação de tributação corretiva em uma empresa que gere a externalidade poderá ser mais nociva do que benéfica. Sobre esta questão elementar, vide, do autor. External Diseconomics, Corrective Taxes and Market Structure, American Economic Review, LIX (março de 1969), págs. 174-77. 106 CUSTO PRIVADO E SOCIAL ideais de equilíbrio competitivo, os custos que podem ser mensurados pelo observador tendem a substituir razoavelmente as avaliações subjetivas das pessoas que decidem. Porém, quase por definição, os efeitos externos não se impõem nessas condições. Custos Internos, Equilíbrio e Quase-Rendas Recomenda-se especificar cuidadosamente as condições nas quais se considere que esses desembolsos mensurem, mesmo que indiretamente, a barreira subjetiva que se contrapõe à escolha. São as seguintes essas condições: (1) o indivíduo ou empresa deve encontrar-se em pleno equilíbrio competitivo em relação à atividade que gera a deseconomia externa; (2) nesse nível de equilíbrio de atividade e apenas nesse nível, as perdas são evitadas e nenhum lucro é auferido; e (3) não há perspectiva de lucro em mais nenhum lugar da economia. Nessas condições, os custos que podem ser evitados são simplesmente os desembolsos que devem ser efetuados. O indivíduo ou a firma dispõem de apenas uma alternativa de ação para evitar a perda. Essa alternativa seria não agir. Nesse caso, ele evita o desembolso que o ato decisório considerado na sua totalidade ou marginalmente requer. Torna-se evidente que não agir é o curso de comportamento mais atraente, uma vez que todas as outras opções devem gerar perdas líquidas. É importante observar que as quase-rendas não podem existir na situação de equilíbrio competitivo que o modelo requer. Portanto, o dispositivo de capitalização dos potenciais de recursos diferenciais em quase-rendas para igualar os custos entre cada uma das empresas separadamente não pode ser utilizado. Para que ele possa existir, a relação entre os custos que influenciam a escolha e os desembolsos mensuráveis objetivamente dependerá crucialmente da ausência de quase-rendas. Se essas rendas existirem, tanto no que diz respeito ao comportamento pessoal de um indivíduo ou à atividade produtiva de uma empresa, não se poderá supor que os desembolsos previstos sejam capazes de mensurar os custos de oportunidade subjetivos, aqueles que devem influenciar o comportamento real de escolha. A conexão indireta entre os custos 107 CUSTO E ESCOLHA de oportunidade subjetivos e os desembolsos mensurados objetivamente que esse equilíbrio estabelece é destruída. A causa é que na presença de "quase-rendas", ou indivíduo ou a empresa dispõem de mais de um curso alternativo de ação que evitará perdas. As "quaserendas" ou suas equivalentes produzem um respaldo que possibilita um maior significado aos elementos subjetivamente apropriados do cálculo da decisão. Como Frank Knight pôde reconhecer ainda que imperfeitamente em seus estudos de 1935 4, a tolerância para quaisquer aspectos não pecuniários presentes no cálculo da escolha de um indivíduo ou de uma empresa causa um efeito desastroso no emprego de desembolsos mensuráveis como substitutos dos custos de oportunidade que, de falo, influenciam o comportamento de escolha. Para os nossos objetivos neste momento, a tolerância permitida para as "quase-rendas" ou seus equivalentes destrói a lógica fundamental das normas políticas de Pigou. Simplesmente não há meios de diferenciar satisfatoriamente os custos de oportunidade subjetivos que influenciam a decisão e os desembolsos mensuráveis objetivamente sofridos pelo indivíduo que decide e pelos outros indivíduos afetados externamente em decorrência dessa decisão. Um Exemplo Ilustrativo A maior parte da análise crítica pode ser esclarecida através de um simples exemplo ilustrativo. Suponhamos que eu, o autor, aprecie a caça à raposa e que mantenha um canil para os meus cães de caça próximo à minha residência. Pretendo adicionar mais um cão de caça à minha matilha, que já é grande; e conheço, com razoável precisão, o preço de mercado para cães de caça. O preço de cada cão é, digamos, $100. Meu vizinho mora próximo ao canil e está exposto ao ruído produzido pelos cães. Assim, ele e sua família sofrerão uma perda 4 F. Knight, Notes on Utility and Cost (Obra mimeografada, University of Chicago, 1935). Publicada sob a forma de dois artigos em alemão no Zeitschrift für Nationalökonomie (Viena), Band VI, Heft, 1 , 3 (1935). 108 CUSTO PRIVADO E SOCIAL em utilidade previsível caso eu resolva adquirir mais um cão. Para fins de análise, suponhamos que esse dano externo causado ao meu vizinho possa ser avaliado em $45, provavelmente por um observador perito no assunto, pelo meu vizinho e por mim mesmo. Suponhamos então que eu antecipe os benefícios incrementais do cão adicional em $160. Esse valor ultrapassa significativamente o preço de $100. Suponhamos também que não haja canais alternativos para os gastos que me permitam garantir benefícios marginais líquidos. Nessas circunstâncias, os custos de oportunidade gerados pelos prazeres que devo evitar em decorrência de fazer o gasto podem ser, grosso modo, estimados em $100. Contudo, além desses custos, posso muito bem incluir no meu cálculo decisório os prazeres que meu vizinho terá de sacrificar em conseqüência da aquisição de mais um cão. O seu sofrimento previsto, tanto quanto o meu, pode ser um obstáculo à minha decisão. Suponhamos que eu tente atribuir da melhor forma possível um valor a essa própria utilidade prevista para o meu vizinho e que obtenha o valor de $45, o qual, como já observado acima, representa grosso modo o valor que o próprio vizinho atribui à ação. O obstáculo à minha escolha, o meu custo que influencia a escolha, incorporará dois elementos. Em primeiro lugar, existe a avaliação de usos alternativos do gasto previsto, o qual, nas condições postuladas, mensuramos em $100. Em segundo, há a avaliação que faço dos prazeres antecipados que meu vizinho deve sacrificar, nesse caso $45. Nestas circunstâncias, prosseguirei com a realização da compra, uma vez que o valor dos benefícios marginais antecipados, $160, ultrapassa a avaliação das alternativas sacrificadas, $145. Observemos que no comportamento postulado, estou agindo de acordo com o critério de Pigou, ora denominado de norma ética de comportamento privado. Literalmente, estou considerando meu vizinho como a minha própria pessoa; meus cálculos decisórios internos refletem com precisão "o custo social marginal" como um obstáculo à decisão, a despeito da ausência de qualquer imposto corretivo. Todavia, também devemos notar que no caso da escolha 109 CUSTO E ESCOLHA relacionada em questão se observará que impus um custo externo ao meu vizinho pelo qual não o compensarei. Caso um economista da linha de Pigou fosse solicitado a fornecer orientação ao governo, é provável que recomendasse que me fosse aplicado um imposto corretivo, sobre o total dos custos externos, em nosso exemplo $45. Fica claro que, a menos que os componentes de meus custos de oportunidade subjetivos sejam diretamente modificados por tal imposto, o efeito me fará mudar de decisão. Os custos que uma decisão positiva implica serão então calculados em aproximadamente $190. Em face dos mesmos, devo abster-me da aquisição do cão, a despeito da distorção "social" ou alocativa que essa abstenção possa gerar. No exemplo acima, o imposto corretivo tende a converter um resultado de escolha socialmente desejável em indesejável. Meus componentes internos de custo de oportunidade podem ser modificados pela aplicação do imposto. Tenho plena ciência de que estou sendo tributado pela expressa razão que o meu comportamento pressiona a economia externa. Posso reduzir o valor que atribuo aos prazeres do silêncio sacrificados por meu vizinho. Essa reação terá maior probabilidade se for estipulado que a receita do imposto será tributo serão transferida diretamente ao meu vizinho. Essa conexão estreita e, mais importante ainda, o conhecimento do objetivo do imposto corretivo não recebem o devido destaque na literatura de Pigou nem parecem descrever, ainda que remotamente, o comportamento de escolha. Na melhor das hipóteses, podemos reconhecer alguma substituição entre o imposto e a valoração subjetiva do componente "externo" do custo de oportunidade; certamente não haverá motivo para esperarmos algo como uma compensação plena. Neste exemplo simplificado, a suposição feita é que eu atribua às alternativas preteridas dos outros um valor mais ou menos equivalente às minhas. Porém, não necessitamos pressupor esse exemplo de altruísmo extremo para chegar à conclusão que o imposto corretivo gera resultados ineficientes. No caso da escolha relacionada, discutida no exemplo, mesmo que eu atribua um valor de apenas $16 aos prazeres preteridos por meu vizinho, o imposto 110 CUSTO PRIVADO E SOCIAL corretivo de $45 me levará a escolher o resultado ineficiente, ou seja: ($100 + $16 + $45 = $161 > $160). Este valor torna-se ainda tanto menor quanto mais reduzida for a "quase-renda" pessoal ou o "excedente marginal". Suponhamos, por exemplo, que minha estimativa de benefícios marginais seja de apenas $146 e que eu atribua um valor de somente $2 aos prazeres preteridos de meu vizinho. Assim, meus custos que influenciarão a escolha, após a aplicação de impostos, serão iguais a $147 ($100 + $2 + $45), e excederão meus benefícios marginais antecipados. Serei então conduzido à escolha social ineficiente, embora a ineficiência diferencial seja menor do que nos casos em que eu atribua um valor ligeiramente maior às perdas em utilidade antecipadas para outros indivíduos. A Economia Pigouviana e a Ética Cristã O exemplo acima sugere que uma defesa da aplicabilidade da norma política pigouviana poderá estar na hipótese comportamental de que cada pessoa age rigorosamente de acordo com os seus próprios interesses materialistas "privados", cuja definição está desprovida de um sentido mais amplo. Pode-se supor que o seu próprio comportamento esteja inteiramente livre das influências dos efeitos que exercem sobre outras pessoas. Pode-se então argumentar que, nessas condições, o conflito demonstrado entre a política corretiva e a obtenção da eficiência alocativa não apareceria. Como demonstraremos na seção a seguir, mesmo esta suposição restritiva não é capaz de resgatar a análise pigouviana. Porém, neste ponto, a legitimidade da própria hipótese deve ser submetida a um exame mais rigoroso. Inicialmente, a hipótese comportamental nada mais parece do que uma extensão da hipótese do "homem econômico", que vaga pela teoria econômica preditiva. Todavia, um exame mais minucioso revela que o requisito neste ponto é muito mais restritivo. Na teoria econômica tradicional de mercado, a suposição 111 CUSTO E ESCOLHA comportamental implícita é a da "ausência de altruísmo" 5, esclarecida primeiramente por Wicksteed. Essa suposição meramente enuncia que, de um modo geral em média, os indivíduos ou as empresas engajadas num comportamento típico ao de mercado deixam de considerar os interesses diretos daqueles que representam o lado contrário do contrato de comércio. O "homem econômico" de Wicksteed pode ater-se à ética cristã sem neurose alguma, dado que lhe é possibilitado escolher, se desejar, integrar ao seu padrão de comportamento algum reconhecimento dos interesses de todos os seus semelhantes, exceto daqueles com quem esteja negociando diretamente. Ele poderá seguir "amando o seu próximo", desde que este não esteja negociando com ele. Na relação de externalidade, por definição, a troca deixa de ocorrer. Seria razoável pensarmos que é justamente nesse tipo de relação que padrões de comportamento genuinamente benevolente poderiam ser observados. Na verdade, pode-se argumentar plausivelmente que em praticamente todo o nosso comportamento fora de mercado existe um potencial de externalidade e que o funcionamento normal da sociedade depende crucialmente de uma certa reciprocidade em termos de respeito. Se o direito de propriedade não estiver muito bem definido, será difícil o estabelecimento de arranjos típicos aos de mercado. As próprias formas de comportamento parecem dedicar, pelo menos "da boca para fora", algo além do interesse próprio definido estreitamente. O pedido: "Importa-se que eu fume?" seria um exemplo clássico da preocupação com o próximo. As divergências em relação aos padrões de comportamento baseados em funções de utilidade estreitamente materialistas parecem ser praticamente universais apenas sob a existência de relações de externalidade pessoais. Em outras palavras, o argumento contra a hipótese do estreito interesse próprio somente se aplica inteiramente quando a relação de externalidade potencial estiver limitada a um número de pessoas criticamente reduzido. 5 N.T.: O termo 'ausência de altruísmo' é amplamente utilizado na modelagem matemática dessas idéias e refere-se à importância que o agente econômico atribui, num dado momento, à utilidade de outros agentes. 112 CUSTO PRIVADO E SOCIAL Em grupos mais numerosos, por comparação, a incorporação dos interesses dos "outros" no cálculo de utilidade dos indivíduos será muito pequena ou mesmo nula. Nesse caso, o indivíduo não possui ou não poderá possuir "próximo" algum em qualquer sentido real de comportamento, a despeito da presença de "efeitos de proximidade". Nessas condições, restauram-se pelo menos parcialmente a lógica de Pigou e as implicações de sua política. O indivíduo que despeja lixo nas ruas não residenciais da cidade grande provavelmente não estará muito preocupado com os efeitos desse seu comportamento sobre os outros. Isso sugere que, nesses casos, os dispositivos corretivos, implícitos na análise de Pigou, não devem gerar conflito em relação às normas alocativas habituais, desde que, evidentemente, todas as demais condições exigidas para a sua aplicabilidade sejam atendidas 6. O Estreito Interesse Próprio e as Alternativas de Quase-Rendas de Oportunidade A seção anterior sugeriu que um dos meios de resgatar a lógica da política de Pigou reside em fazer que a hipótese explícita 6 Neste momento, talvez deva ser observada a interessante diferença em ênfase revelada por cientistas políticos e economistas cujos debates enfocam essencialmente as mesmas interações de comportamento. Em política, a ênfase principal volta-se tradicionalmente para a obrigação política no dever assumido pelo indivíduo de agir de acordo com "o interesse público". Isso representa uma tentativa de aprimorar os resultados através da modificação da função de utilidade do indivíduo no sentido de que o mesmo dê um maior valor às utilidades dos outros. Apenas recentemente as possibilidades de se realizarem mudanças institucionais que canalizem a escolha privada na direção de produzir resultados sociais mais desejáveis têm recebido alguma atenção. Em compensação, na economia as mudanças de política ou institucionais têm sido o centro das atenções. Relativamente pouca discussão tem sido devotada às normas de comportamento individual. Como demonstra a nossa análise, fundamentando-se na hipótese implícita de que o indivíduo aja segundo o seu próprio e restrito interesse, os economistas desenvolvem normas de política que se podem revelar inaplicáveis caso esse postulado comportamental subjacente não espelhe a realidade. Para um debate inicial sobre essa diferença entre as duas disciplinas, vide, do autor, Marginal Notes on Reading Political Philosophy, apresentado no Apêndice I da obra de James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962; Edição em Brochura, 1965). 113 CUSTO E ESCOLHA de que nenhum fator relacionado com "consideração pelos outros" possa influenciar o indivíduo que gera os custos externos. Entretanto, mesmo com essa limitação sobre as funções de utilidade individuais, haverá conflitos entre as aplicações das normas de política e os critérios de eficiência se houver um potencial de "quase-rendas" para os cursos alternativos de ação. Isso também pode ser demonstrado através do exemplo ilustrativo simples que já discutimos. No uso inicial do exemplo, supusemos que não houvesse a perspectiva de "lucros" para qualquer outra oportunidade de gosto. Nesse caso, e somente nele, o gasto em moeda esperado em recursos e insumos, isto é, $100, reflete com precisão o componente interno dos genuínos custos de oportunidade, e o imposto marginal esperado de $45, o componente equivalente exigido externamente. Nesse modelo, a hipótese adicional de que a pessoa que escolhedecide não atribui valor algum aos níveis de utilidade alcançados por outros indivíduos nem às mudanças nesses níveis provocadas por seu próprio comportamento restaurará a consistência entre a lógica da política pigouviana e as normas gerais de eficiência. Devemos demonstrar então que, mesmo que preservemos a hipótese do estreito interesse próprio em relação ao comportamento individual, qualquer relaxamento da hipótese sobre "lucros" ou "quase-rendas" em cursos alternativos de ação destruirá todo o aparato de políticas. Consideremos a situação na qual existam perspectivas de "lucro" antecipado em oportunidades alternativas de gasto. Suponhamos que, ao considerar a aquisição do cão de caça adicional, para o qual estimo um benefício marginal de $160, eu espere um gasto em insumos mensurados em $100, porém que também antecipe que poderia investir $100 em uma outra linha de atividade que gerasse um benefício marginal esperado, que avalio subjetivamente em $115. Nesse caso, $115, e não $100, será o valor que melhor representará o meu custo de oportunidade que influencia a escolha, ou seja, o obstáculo à escolha antes da imposição do imposto. Suponhamos então que o imposto corretivo de $45 seja aplicado à aquisição marginal e, da mesma forma que 114 CUSTO PRIVADO E SOCIAL anteriormente, imaginemos que isso reflita precisamente a própria avaliação de meu vizinho em relação aos danos externos que ele sofrerá em decorrência de minha ação. Deduz-se que a melhor mensuração para os "custos sociais"- aqueles que devem recair sobre todos os membros do grupo e que são o resultado da escolha marginal - seja igual a $160. Esse valor reflete meus próprios custos de oportunidade marginais, agora estimados em $115, mais os custos externos que recaem sobre meu vizinho, estimados em $45. Em virtude de os custos sociais e os benefícios sociais decorrentes da minha aquisição de mais um cão de caça serem estimados em $160, as normas alocativas habituais sugerem que eu deva permanecer indiferente quanto à decisão. Observemos, contudo, que essa indiferença não seja incluída em meu próprio cálculo de escolha após a aplicação do imposto corretivo sobre minha compra marginal. Agora, comparando as alternativas, meus custos que influenciam a escolha serão iguais a $166,75 e não $160. Eu não apenas devo avaliar o gasto previsto em termos das alternativas preteridas, isto é, $115, como também o gasto fiscal marginal esperado cm termos das alternativas preteridas que o pagamento tornará impossível alcançar. Se o "lucro" esperado em relação ao gasto de $100 em um curso alternativo de ação é igual a $115, podemos estimar que os custos que influenciam a escolha pertinentes ao imposto de $45 sejam de aproximadamente $51,75. A escolha deixa de ser marginal em meu próprio cálculo decisório; o imposto corretivo fez com que os custos de oportunidade que influenciam a escolha - custos privados - ultrapassassem os custos sociais marginais. Devo então efetuar um ajuste exagerado em meu comportamento, mesmo considerando os argumentos mais restritos de interesse próprio em minha função de utilidade. Conclusão Devo salientar que o presente capítulo não foi elaborado com a intenção de realizar uma análise geral crítica das normas políticas de Pigou. Tal análise exigiria uma abordagem de muitas das questões interessantes que foram ignoradas nas considerações 115 CUSTO E ESCOLHA que teci. Meu objetivo é utilizar este ramo conhecido da teoria da economia aplicada para demonstrar a conveniência de esclarecer os conceitos básicos de custo de oportunidade. Para aqueles que aceitam e entendem totalmente as contribuições das escolas inglesa e de Viena, as inconsistências internas da lógica de Pigou serão aparentes. Para aqueles que tenham sido treinados nos paradigmas neoclássicos do custo de oportunidade, o reconhecimento dessas inconsistências poderá exigir uma análise dos exemplos elementares. Não é fácil questionar preceitos consagrados tradicionalmente. Além disso, nas várias versões que elaborei do presente capítulo, foi-me difícil evitar que a análise deslizasse para o tipo de metodologia convencional que freqüentemente emprego em outros estudos. O resultado poderá ter uma aparência complexa, a despeito da natureza elementar das questões consideradas. Com efeito, a incorporação do conceito de custo de oportunidade da escola inglesa implica a transformação de uma das pedras basilares da teoria econômica. Somente quando essa modificação fundamental estiver concluída o progresso orientado para a mudança de toda uma superestrutura poderá ser experimentado de modo mais amplo. Enquanto isso, apenas os aspectos mais expostos dessa superestrutura - a análise do bem-estar de Pigou, por exemplo poderão ser diretamente relacionados com determinadas falhas em uma das pedras de base de toda a teoria. 116 O Custo Sem os Mercados Se os preços são estabelecidos através de um processo de mercado, as decisões dos compradores e vendedores se basearão em comparações de custo-benefício. Antes que qualquer escolha seja realizada, os benefícios previstos devem ser superiores ao custo de oportunidade. Caso seja possível um ajuste contínuo, cada participante se movimentará na direção do equilíbrio comportamental no qual o benefício marginal previsto se iguala ao custo de oportunidade marginal. Nesse contexto puramente individualista, não se faz necessário o questionamento do significado exato de custo ou benefício. A análise oferece uma lógica à decisão racional individual e o custo é simplesmente aquilo que é excluído pela escolha positiva no momento da própria escolha. Como salientou Hayek, o equilíbrio em uma interação de mercado é categoricamente diferente do equilíbrio comportamental do indivíduo que participa dessa interação. No segundo caso, deverá haver uma ausência de ganhos do comércio dentro da faixa percebida de escolha do indivíduo. No primeiro deverá haver uma ausência de ganhos do comércio, no total ou marginalmente, a partir da ação adotada entre todos os indivíduos, sendo que cada um deles vê as perspectivas de comércio com outros como parte de seu próprio conjunto de escolha. Para que se possa estabelecer o equilíbrio de mercado, cada participante deve encontrar-se em seu próprio equilíbrio de comportamento, porém o oposto não é necessariamente verdadeiro. Isto é, cada indivíduo pode alcançar o equilíbrio comportamental no momento da escolha, contudo, a menos que as decisões de diferentes indivíduos apresentem uma relação singular entre si, o equilíbrio de mercado não ocorrerá. O CUSTO E ESCOLHA fato de esse equilíbrio deixar de ocorrer dará início a mudanças no equilíbrio comportamental dos indivíduos, que afetarão escolhas posteriores. Preços, Custos e Equilíbrio de Mercado Quais as relações entre "preços" e "custos" em condições de equilíbrio pleno de mercado? Para cada um dos participantes, o benefício marginal previsto será igual ao custo de oportunidade marginal, ambos mensurados em termos da avaliação subjetiva do indivíduo. Observa-se que todas as pessoas se deparam com preços relativos uniformes; essa condição é necessária à eliminação dos ganhos do comércio. Dado que cada um dos participantes se encontra em pleno equilíbrio de comportamento, cada pessoa deverá se deparar com o mesmo custo marginal. Na qualidade de participante da demanda, o indivíduo ajusta as suas compras de modo a assegurar-se de que o benefício marginal previsto seja igual ao preço. Logo, os benefícios marginais previstos de um bem, mensurados em dinheiro em espécie, são iguais para todos os consumidores. Na qualidade de fornecedor, o indivíduo ajusta suas vendas de modo a assegurar-se de que as oportunidades previstas excluídas, o custo de oportunidade marginal, mensurado em dinheiro em espécie, sejam iguais para todos os fornecedores. Em condições de equilíbrio pleno de mercado, os preços tendem a igualar-se aos custos de oportunidade marginais. Porém, nesse momento, os custos são inteiramente análogos aos benefícios marginais da parte da demanda. Somente os preços possuem conteúdo empírico objetivo, nem as avaliações marginais dos consumidores nem os custos marginais dos fornecedores (as avaliações marginais das alternativas excluídas) podem ser utilizados como base na determinação de preços. O motivo é que ambos são postos em igualdade com os preços através de ajustes de comportamento de ambos os lados do mercado. Os preços não são postos em igualdade no caso de certos fenômenos determináveis objetivamente e mensuráveis empiricamente, que ocorrem no mercado, no lado da demanda ou no da oferta. 118 Através dessa lógica elementar de processo de mercado, retornamos ao modelo clássico dos bens de oferta fixa, o modelo que foi generalizado com o advento da teoria do valor subjetivo. Aqui não existe "teoria" de valor de troca normal com conteúdo positivo. A análise pode "explicar" os resultados, fornecer uma lógica da interação; falta-lhe a hipótese prognóstica. O Preço do Serviço dos Recursos como Custo do Produto Final Os produtos finais, entretanto, não ficam disponíveis em quantidades fixas e, com a introdução dos serviços de recursos, a objetividade do custo tende a ser utilizada novamente. Os preços para os serviços produtivos são estabelecidos em um processo de mercado. Esses preços, da mesma forma que os preços de produtos finais, podem ser observados empiricamente. Os preços para os serviços de recursos são obtidos através das avaliações que se fazem dos produtos finais, que se baseiam reconhecidamente em elementos subjetivos. Porém, todo o mercado atua de modo a estabelecer preços observáveis que, por sua vez, parecem constituir os custos dos produtos finais objetivamente reais. O custo de produção com que se deparam as empresas produtoras também são os preços das unidades de recurso recebidas por agentes de fornecimento. Portanto, no caso de mercados de produtos finais, os ajustes do lado da oferta parecem oferecer uma fuga da lógica em direção à realidade empírica. O abastecimento atua dessa forma para transportar os custos para condições de igualdade com os preços; os custos representam as avaliações marginais das alternativas excluídas que são expressas por todo o mercado, em termos monetários. Pelo menos no que tange aos preços de produtos finais, parece que retomamos ao mundo quase-clássico da causalidade unilateral. Porém, mesmo em condições de equilíbrio pleno de mercado, a objetividade do custo de oportunidade é apenas aparente. Como Frank Knight já havia indicado corretamente em CUSTO E ESCOLHA seus estudos de 1934 e 1935, mesmo em equilíbrio pleno, os preços dos serviços de recursos somente refletem os custos se as vantagens ou desvantagens não pecuniárias estiverem ausentes das escolhas dos agentes fornecedores do recurso. Se os retornos pecuniários forem a motivação exclusiva dos fornecedores de recursos, o preço observado para uma unidade de recursos efetivamente representará o custo de oportunidade que influencia a escolha para essa unidade, mesmo que indiretamente. Se, por outro lado, os elementos não pecuniários se fizerem presentes nas decisões dos fornecedores dos recursos, o custo das unidades de recurso que influencia a escolha não será observável nos preços monetários pagos pelos recursos. Desaparecerá então a relação aparente entre os recursos finais já quitados, em um sentido objetivo, e os preços observados pagos pelos serviços desses recursos. Na verdade, isso não afeta a análise padrão da interação de mercado nem modifica as inferências de bem-estar que podem ser alcançadas pelo entendimento do ajuste da concorrência. Desde que os indivíduos de ambos os lados do mercado possam expressar suas preferências através de ajustes contínuos de comportamento, os elementos não pecuniários estarão inteiramente incorporados à solução que possa resultar. Os preços tenderão a se igualar aos custos de oportunidade marginais. O que será destruído pela presença de elementos não pecuniários na escolha é a objetividade espúria dos custos mensurados pelos preços dos serviços de recursos. Entretanto, esses preços podem incorporar elementos não pecuniários apenas em relação a determinados fornecedores de recursos e não necessariamente a todos. Se houver uma quantidade suficiente de fornecedores situada na margem da indiferença dentre todos os empregos que geram retornos pecuniários equivalentes, os preços de serviços de recursos representarão com precisão os custos de oportunidade marginais, a despeito dos fornecedores inframarginais que habitualmente fazem a escolha baseando-se nas compensações de naturezas não pecuniária e pecuniária. Inframarginalmente, os elementos não pecuniários da escolha não afetam a relação entre os preços observados para o serviço de 120 recurso e os custos marginais dos produtos finais. Porém, isso apenas se aplica aos custos marginais; não é possível mensurar os custos médios com precisão através dos desembolsos observados para insumos de recursos. Mesmo que os elementos não pecuniários não estejam presentes nas escolhas efetivas realizadas à margem do ajuste e, logo, não incluídas nos custos de oportunidade marginais, a presença de elementos não pecuniários nas escolhas feitas nas faixas inframarginais de oferta assegura que os desembolsos observados não mensurarão os custos totais. Isso não altera os resultados alocativos do processo de interação de mercado, porém significa efetivamente que o emprego dos desembolsos previstos ou observados na mensuração dos custos totais - custos que devem ser comparados aos benefícios previstos para poder fundamentar as decisões alocativas não mercadizáveis - pode gerar graves equívocos. Equilíbrio de Mercado, Custos e QuaseRendas Na ausência de elementos não pecuniários nas escolhas dos fornecedores de recursos, os desembolsos observados, associados aos serviços de recursos, aparentemente possibilitam um meio de mensuração, ainda que indireto, dos custos de oportunidade que influenciam a escolha em relação a esses fornecedores se o sistema se encontrar em pleno equilíbrio competitivo. Todavia, as condições para equilíbrio requeridas pelo contexto acima são muito mais rigorosas do que aquelas necessárias para outros fins. Todos os fornecedores de recursos devem situar-se em uma margem de indiferença em relação a empregos alternativos; as quase-rendas não podem estar presentes. Caso determinadas unidades de recurso aufiram quase-rendas, os desembolsos observados para os serviços de recursos não refletirão com precisão os custos que influenciam a escolha dos proprietários dos recursos no que tange às escolhas de natureza interocupacional ou interindustrial. Os preços do serviço de recursos são estabelecidos nas margens apropriadas de emprego; a concorrência entre os CUSTO E ESCOLHA compradores faz com que unidades similares aufiram retornos semelhantes. A semelhança na produtividade interna ou intraindustrial não implica, contudo, semelhança na produtividade de empregos alternativos ou interindustriais. Os recursos podem especializar-se de modo diferenciado em determinadas indústrias. Quando isso ocorre, as quase-rendas aparecem. Na verdade, a existência dessas quase-rendas não viola a lógica da interação de mercado. Em condições de equilíbrio, os preços se igualarão aos custos, porém os custos devem estar vinculados às decisões específicas que sejam tomadas. Ao vender os seus serviços a uma única empresa dentro de uma indústria competitiva, o possuidor dos recursos sacrifica um retorno que poderia obter de qualquer outra empresa na mesma atividade. As quase-rendas não estão presentes nesta situação, uma vez que o possuidor dos recursos mostra-se indiferente em relação à contratação de seus serviços por diferentes empresas. Contudo, a escolha do emprego desses serviços pode ocorrer na presença das quase-rendas. As remunerações sacrificadas fora da atividade industrial podem ser inferiores àquelas que podem ser obtidas através de uma única firma dentro da atividade industrial. Assim, os preços serão iguais em relação a todos os custos que informam as escolhas dentro da atividade industrial. Entretanto, à exceção do fornecedor marginalista, os preços pagos por recursos de serviços - os desembolsos - serão superiores à avaliação marginal dos retornos alternativos em potencial que serão sacrificados fora da atividade industrial, mesmo em condições de pleno equilíbrio de mercado. A existência dessas quase-rendas inframarginais não altera os resultados alocativos do processo de mercado devido ao fato de desaparecerem na margem. No caso da decisão interempresarial ou interindustrial, o fornecedor do recurso marginal encontra-se em pleno equilíbrio. O desembolso observado que lhe é feito pela empresa mensura com precisão a sua avaliação das opções sacrificadas. O receita dos fornecedores inframarginais em quaserendas foi tema de um importante debate ocorrido há meio século para o qual Allyn Young contribuiu ao demonstrar a irrelevância dessas receitas em relação à eficiência alocativa. 122 Porém, os problemas surgem quando se tenta utilizar as propriedades do processo de mercado como linhas mestras ou normas para o processo decisório não mercadizável. Nesse sentido, deve-se considerar a relação existente entre as quase-rendas inframarginais e os "custos". O Custo do Efetivo Militar, um Exemplo O exemplo a seguir ilustra alguns dos principais pontos do presente capítulo. Suponhamos que o governo solicite a orientação profissional de um economista. Deseja-se conhecer qual é o "custo" de manutenção de um efetivo militar de determinada qualidade e quantidade. A comparação das estimativas dos benefícios em relação a esse "custo" provavelmente gerará informações que permitirão que se tomem decisões alocativas sobre a quantidade do efetivo militar a ser utilizado. Para simplificar o problema, suponhamos que se necessite de uma determinada quantidade de soldados. Essas unidades são homogêneas para os fins militares a que se destinam. FIGURA 2 s O X Na figura 2, suponhamos que S represente a curva de oferta de soldados e X a quantidade necessária. Assumimos que a curva de oferta seja conhecida com exatidão pelo consultor e que ela represente uma relação dos preços mínimos (salários) que seriam necessários para produzir as várias quantidades indicadas. Inicialmente, suponhamos também que todos os soldados em perspectiva estejam motivados exclusivamente pelas compensações pecuniárias previstas. Neste caso, a curva S também representa os retornos que esses militares sacrificarão em linhas alternativas de emprego. O fato de a curva de oferta inclinar-se para cima indica uma produtividade diferente nos empregos alternativos a despeito da uniformidade das unidades que produzem o serviço militar. Caso o governo se comporte como uma indústria inteiramente competitiva na aquisição do efetivo militar, o seu desembolso previsto será mensurado através do retângulo OXPY. Entretanto, esse desembolso superestima os "custos" relacionados com as escolhas ocupacionais em perspectiva em virtude das quaserendas inframarginais. A área sombreada RPY não faz parte dos custos totais que influenciam a escolha. Se o valor representado pela área sombreada for incluído no aspecto de custo em uma comparação de custo-benefício, o resultado estará prejudicado, mostrando-se contrário à alocação do recurso para essa finalidade. Essa conclusão será válida, independentemente dos meios pelos quais o governo adquire o seu efetivo militar, desde que utilize exclusivamente contratos de aquisição. Se, por motivos de eqüidade, o governo pagar um salário uniforme para todos os soldados, a despeito do aparecimento das quase-rendas inframarginais, o desembolso será superior aos "custos," porém parte dele representará então um subproduto da alocação dos recursos. A menos que essa característica seja incluída no cálculo de custo-benefício, muito poucos recursos serão alocados a todos os preços de fornecimento em ascensão para projetos ou instalações públicas. Nesse caso, o emprego do conceito de desembolso previsto para mensurar "custos" refletiria o erro de Pigou demonstrado eficazmente por Young. Se, nas escolhas ocupacionais dos fornecedores de recursos, houver elementos de natureza não pecuniária, a curva de oferta deixará de mensurar as remunerações dos soldados em perspectiva em relação a outros empregos. Essa curva pode ser traçada, digamos A na figura 2, que efetivamente reflete as remunerações pecuniárias. Da forma que está traçada, a curva dos retornos alternativos em relação à "verdadeira" curva da oferta sugere que as diferenças de caráter não pecuniário passam de positivas a negativas com o aumento da quantidade. Esse fenômeno apresenta uma dificuldade mais séria ao economista, que deverá estimar os custos gerados pela presença das quase-rendas marginais. Se os aspectos não pecuniários da escolha puderem ser desprezados, a área sob a curva real de oferta efetivamente mensurará "custos", e essa área poderá ser delineada por aproximação através dos dados observados das remunerações oferecidas por empregos alternativos. Contudo, na presença dos elementos de natureza não pecuniária, essa maneira indireta de estimar por aproximação os custos que influenciam a escolha deixa de existir. O fato de algumas estimativas de remunerações alternativas superestimarem ou subestimarem os custos dependerá da quantidade estipulada. De acordo com a figura 2, o resultado seria uma superestimativa para as quantidades orientadas para a esquerda da faixa de quantidade e uma subestimativa para as quantidades orientadas para a direita dessa faixa. Todas as mensurações de custo discutidas até agora, sejam diretas ou indiretas, somente terão significado se o governo adquirir as unidades de recursos em uma série de composições semelhantes às do mercado com os indivíduos que deverão fornecer os serviços. Os soldados devem vender os seus serviços voluntariamente. Caso o recrutamento dos soldados ocorra de qualquer outro modo, as considerações de custo ora discutidas necessitam ser reexaminadas. Na ausência dos elementos de natureza não pecuniária na escolha de cada um dos indivíduos selecionados, os custos de oportunidade de uma força militar recrutada seriam mensurados através das remunerações que os membros desse efetivo poderiam assegurar em empregos não militares 1. Isso implicaria que cada membro da força se mostraria indiferente em relação a um emprego de natureza militar ou não militar se as remunerações no emprego militar fossem equivalentes àquelas dos empregos não militares. Como já pudemos observar, existe um requisito muito mais rigoroso do que aquele necessário para eliminar a significatividade dos elementos não pecuniários nas decisões alocativas em um processo semelhante ao do mercado. Nesse processo, os elementos não pecuniários não necessitam modificar os resultados alocativos desde que uma quantidade suficiente de ajustadores marginalistas permaneçam indiferentes em relação às diferenças não pecuniárias entre cada um dos empregos. Porém, caso as remunerações sacrificadas devam mensurar os custos que influenciam a escolha, essa indiferença deve estar manifesta em cada um dos fornecedores de recursos, não apenas naqueles considerados como os ajustadores marginalistas. O desaparecimento dos elementos não pecuniários do processo de escolha nas margens de comportamento livremente ajustadas, como o desaparecimento das quase-rendas nas margens, restaura a importância alocativa dos preços de recursos-serviços como medidas aproximadas dos custos de oportunidade marginais. Entretanto, isso somente trará alguma utilidade se os serviços de recursos forem adquiridos por meio de composições contratuais ordinárias. O Custo Exemplo da Criminalidade: um Outro Apenas recentemente os economistas têm dedicado um pouco mais de atenção ao crime e ao castigo, porém pode-se prever com muita segurança que esse tema esteja se tornando um 1 Esta definição dos custos de oportunidade em situações de recrutamento é apresentada por George Stigler em seu texto altamente respeitado sobre a teoria micrcroeconômica. Stigler afirma: "O custo de um soldado para uma economia, contudo, está em seu produto sacrificado em condições de civil, e esse custo não é diretamente influenciado por sua taxa de remuneração". Vide George Stigler, The Theory of Price, (3a Edição; New York: Macmillan, 1966), pág. 106. importante campo de pesquisa. Inúmeros estudos relacionam a extensão da análise econômica, por um lado, às decisões dos criminosos e, por outro lado, às decisões dos que fazem cumprir a lei. Ambos os tipos de decisões situam-se nitidamente fora de um contexto de equilíbrio de mercado. A implicação de meu debate é que todos os custos que o economista possa vir a identificar necessitam apresentar muito pouca relação com os custos que servem como obstáculos efetivos às decisões. O reconhecimento desse fato não destrói necessariamente a utilidade da análise econômica. Os custos que o economista quantifica podem estar relacionados direcionalmente com aqueles que inibem a escolha. Nesse caso, mudanças no nível dos custos objetivados (por exemplo, modificações nas probabilidades de condenação e no rigor da pena) produzem efeitos sobre a quantidade de crimes cometidos. Neste ponto, surgem graves problemas ao se tentar estabelecer normas mais explícitas para a política, como por exemplo, ao se discutir as condições de maior favorabilidade ou de eficiência. Parte do recente e excelente estudo de Gary Becker pode ser usada como exemplo 2. Ao discutir as condições de maior favorabilidade, Becker argumenta que, se o custo de captura e condenação de transgressores for zero, o valor marginal das multas impostas aos criminosos deverá ser equivalente ao valor marginal do mal que a transgressão provoca. Este modelo é confessadamente limitado, porém, mesmo assim, a conclusão de Becker somente é válida com a suposição especial sobre o comportamento de escolha do criminoso em perspectiva. Ao contemplar uma transgressão, deve-se supor que o criminoso exclua de seus cálculos qualquer tipo de consideração sobre o dano causado a terceiros. Deve-se supor que isso não constitua obstáculo à sua decisão; não é parte de seu custo que influencia a escolha. Se, por qualquer motivo, esse elemento for incluído como custo verdadeiro, a norma proposta por Becker passaria além dos limites. Determinados tipos de crimes considerados de "interesse social" seriam evitados impondo-se as condições de Becker. (A análise de agora é praticamente idêntica àquela feita em capítulo anterior com referência à análise de 2 Gary Becker, Crime and Punishment: An Economic Approach, Journal of Political Economy, LXXVI (março-abril de 1968) págs. 169-217. Pigou.) Mais provavelmente e de modo mais significativo, a quantidade ideal de transgressões estaria assegurada se as multas marginais permanecessem consideravelmente inferiores aos danos marginais causados a terceiros. Em outras palavras, para o criminoso que incorpora em seu custo algum tipo de consideração sobre o mal que seu crime provoca a terceiros, o ponto no qual "o crime poderá não compensá-lo" será atingido muito antes do ponto no qual o economista que o observa anota o desaparecimento do lucro líquido. O esclarecimento do conceito de custo poderá acarretar certas implicações interessantes e relativamente importantes em relação à atividade criminal, ou mesmo em relação à atividade não criminal que seja, por qualquer motivo, considerada suspeita ou imoral. Na proporção em que a consideração dos males em perspectiva causados a terceiros, ou, na verdade, qualquer restrição de ordem moral à decisão, variará de acordo com a localização e o grau de incidência da transgressão contemplada, variará também o custo de oportunidade da infração. Logo, podemos esperar que os crimes cometidos na comunidade local do transgressor, contra pessoas com que este tenha um maior contato, normalmente implicariam um maior obstáculo de custo devido à restrição moral sobre o agente dessa situação. Deduz-se então que as multas ou penalidades exigidas para se chegar a um determinado nível de contenção poderão ser algo menores nesses casos do que em outros. Isto é, os crimes cometidos localmente deveriam estar sujeitos a multas inferiores àquelas relativas a crimes idênticos cometidos fora da comunidade e contra "estrangeiros". Outras implicações semelhantes podem ser estabelecidas. Via de regra, as penalidades e as multas para crimes comparáveis poderão ser menores nas pequenas localidades e maiores nos grandes centros. Além disso e de modo muito importante, as sentenças para os crimes contra a pessoa ou a propriedade em um mesmo grupo étnico ou religioso podem ser mais brandas do que as sentenças para os crimes contra a pessoa ou a propriedade de membros de um grupo étnico ou religioso diferente daquele a que o criminoso pertence. O Processo de Escolha Artificial O problema mais grave na extensão do significado alocativo básico do custo de oportunidade que influencia a escolha para as decisões que devam ser feitas fora do processo de mercado tem sido ignorado até aqui. A discussão precedente limitou-se a um exame do significado do custo em um contexto fora de mercado e a algumas das dificuldades encontradas nos cálculos estimativos. O problema do processo de escolha em si não é levantado aqui, embora tenha sido abordado sucintamente no Capítulo 4. No exemplo do efetivo militar apresentado anteriormente, supusemos, sem um escrutínio mais crítico, que, se os custos pudessem ser estimados, as escolhas que deveriam finalmente ser feitas se baseariam nessas estimativas. Isso tende a remover todo o conteúdo comportamental do processo de escolha. Ademais, é essencial que se esclareça a diferença entre os "custos verdadeiros" e os "custos que influenciam a escolha fora de mercado". O ponto básico a ser salientado é simples: os custos relevantes ao processo decisório devem ser aqueles que se relacionam com as decisões tomadas. A própria natureza da escolha fora de mercado garante que os "custos" não podem ser os mesmos confrontados na escolha de mercado. O emprego de serviços de recursos sob qualquer forma implica um custo aos possuidores dos recursos; esse custo se consiste na própria avaliação que os possuidores de recursos fazem das próprias opções sacrificadas, uma avaliação feita no momento do compromisso. É esse o "verdadeiro" custo de oportunidade que se incorpora ao processo de mercado e é esse custo, pelo menos nas margens de ajuste, que se alinha aos preços do produto final. O resultado é a eficiência alocativa. Contudo, nesta interação todas as escolhas são feitas pelos que provocam a demanda e a oferta, sendo cada um responsável pelos resultados de seu comportamento. O possuidor de um recurso que decide colocar seus serviços à disposição de uma utilização A em vez de B terá de conviver com sua decisão. Na medida em que sua própria utilidade influencie o seu comportamento, esse indivíduo agirá sob pressão para tomar a "decisão" correta, uma vez que a sua utilidade será a magnitude afetada em decorrência de uma decisão "incorreta." Se um indivíduo que decide em uma situação de mercado deixa de se beneficiar das oportunidades em potencial, que posteriormente se revelarão como altamente desejáveis, ele sofre a sensação de perder oportunidades. Essas experiências que "poderiam ter sido" serão reconhecidas como seus próprios prejuízos. Esta estrutura decisória não pode existir em situações fora do contexto de mercado. Se os "verdadeiros custos" da utilização de recursos pudessem ser mensurados (digamos por um observador onisciente, capaz de ler todas as funções de preferência) juntamente com os "verdadeiros benefícios", a eficiência alocativa no uso não mercadizável dos recursos apenas poderia ser assegurada se o indivíduo que decide agisse de acordo com critérios artificiais de escolha. Isto é, a eficiência alocativa somente poderá surgir se o indivíduo que decide efetivamente resolve agir, sem obedecer a um padrão de comportamento, como um autômato seguindo regras. Esta diferença é amplamente reconhecida e tão antiga quanto a defesa aristotélica da propriedade privada. Porém, devo admitir que ela não orienta de modo efetivo e crítico a essência da análise econômica que apresento em virtude da ampla confusão reinante na teoria elementar de custo. Apenas recentemente, através dos esforços de estudiosos (como Alchian, Coase, Demsetz, McKean e Tullock) que começam a desenvolver os rudimentos de uma teoria econômica de propriedade, é que podemos encontrar um exame mais detalhado da relação entre os resultados previstos e a estrutura decisória através da qual as decisões são feitas. O Cálculo e a Escolha Socialista Os defensores da escola de Viena e seus pseudo-defensores – Mises, Hayek e Robbins – que se envolveram na disputa pela possibilidade de efetuar o cálculo socialista no grande debate dos anos entre as grandes guerras, contribuíram para o desenvolvimento da teoria de custo de oportunidade e reconheceram implicitamente a distinção básica ora enfatizada. Porém, esse aspecto particular da argumentação desses estudiosos ficou obscurecido por uma ênfase relativamente excessiva às dificuldades de cálculo que os indivíduos socialistas encarregados de decidir enfrentariam. De fato, essas dificuldades são extremamente importantes, além disso, os problemas de informação com os quais se depara o planejamento econômico centralizado são realmente gigantescos, como a experiência nos tem demonstrado. Porém, de um modo relativo, a crítica mais representativa da organização econômica socialista aponta para as dificuldades do processo de escolha. Mesmo que o Estado Socialista descobrisse um oráculo capaz de levar à perfeição todos os cálculos, mesmo que reveladas todas as funções de preferência e todas as funções de produção fossem estabelecidas com precisão, a eficiência alocativa somente poderia surgir se os indivíduos que efetivamente decidem fossem transformados em eunucos da economia. Se esses homens pudessem ser motivados a comportar-se, tomar decisões de acordo com critérios de custo diferentes de seus próprios critérios, a sua estrutura decisória poderia tornar-se exeqüível. Em outras palavras, mesmo que os problemas de cálculo sejam inteiramente desprezados, o sistema socialista somente poderá gerar eficiência em seus resultados se seus indivíduos puderem ser treinados a tomar decisões que não incorporem os custos de oportunidade com os quais eles se deparam individual e pessoalmente. É gritante o contraste entre as hipóteses comportamentais implícitas feitas por aqueles que defendem os impostos corretivos e subsídios pigouvianos para enfrentar as deseconomias e economias externas e as hipóteses comportamentais implícitas feitas por aqueles que argumentam que a organização socialista pode gerar resultados eficientes. Como já pudemos observar no Capítulo 5, para que as propostas políticas de Pigou possam atingir os seus próprios objetivos declarados, os indivíduos que geram externalidades devem comportar-se de modo a maximizar os seus próprios e restritos interesses econômicos. Não se pode supor que os efeitos do comportamento dessas pessoas sobre os níveis previstos de utilidade dos demais influenciem seus comportamentos. Em comparação, deve-se supor que o administrador ideal da empresa socialista aja exclusivamente com base em critérios não individualistas. Não se pode permitir que a sua própria utilidade influencie as decisões que toma; ele deve fazer a escolha de acordo com os custos e os benefícios previstos para toda a comunidade; a sua própria posição na comunidade deve ser tratada como se fosse a mesma de qualquer outro membro. Enquanto o homem pi-gouviano deve ser rigorosamente o homo economicus no sentido mais restrito, o burocrata socialista deve ser o homo não economicus no sentido mais puro. Esses dois tipos de homens, que podem apenas ser caricaturas das pessoas reais, têm sido citados como exemplo em inúmeros debates sérios sobre políticas do mundo real. O contraste entre as hipóteses de comportamento implícitas nessas duas entidades relacionadas da literatura é notável por si só, porém ainda mais notável em relação aos nossos objetivos é a fonte comum da confusão. Em seus aspectos contrastantes, tanto as políticas corretivas pigouvianas quanto a economia socialista idealizada são produtos intelectuais da confusão sobre a teoria de custo. Ambas têm suas raízes na economia clássica, com as suas objetivações de custos. Os custos somente podem estar divorciados da escolha se puderem ser objetivados; e somente estando divorciado da escolha é que o contexto institucional-organizacional no qual o indivíduo que faz a escolha habita não terá influência sobre os custos. De acordo com o esquema socialista, os custos derivam das relações físicas entre insumos e produtos. Essas relações são mensuráveis externamente e podem fornecer os fundamentos para as regras dos administradores de empresas. A valoração apenas entra no cálculo se o público consumidor, através de seu comportamento, estabelecer preços de demanda que se tornam as realidades objetivas. A valoração subjetiva que deve subsidiar cada escolha é negligenciada. Os Custos na Escolha Burocrática Os burocratas que decidem são seres humanos. Esse simples fato começa agora a ser reconhecido nas teorias sobre burocracia 3. O indivíduo que se depara com várias opções deve fazer uma escolha, e o custo que inibe a decisão será a sua própria avaliação das opções que devem ser sacrificadas. Pode-se estabelecer regras para orientá-lo na adoção de critérios que reflitam as realidades econômicas subjacentes. Em um mundo de total certeza, não existe o problema da decisão. Um computador poderá fazer todas as "escolhas", se é que elas podem existir nesse contexto. Uma das principais confusões que conduzem à falsa objetivação dos custos tem sido a ampliação da suposição de conhecimento perfeito da teoria do equilíbrio competitivo para o campo da análise das escolhas em situações de não equilíbrio, sejam elas feitas em um processo de mercado ou não. A verdadeira escolha se apresenta apenas em um mundo de incertezas e, naturalmente, todas as escolhas econômicas devem ser feitas nesse contexto. Toda e qualquer análise da escolha burocrática deve basear-se no reconhecimento desse fato simples. Imaginemos o modelo mais simples possível. Suponhamos que um funcionário público deva decidir entre dois cursos de ação, a e b . Esses cursos de ação podem representar qualquer coisa, inclusive a produção de n ou de n + 1 unidades de produção. Qualquer um dos eventos, x o u y , poderá acompanhar cada curso de ação. Novamente, esses eventos podem assumir praticamente qualquer forma, inclusive o estado da demanda do consumidor na margem. Em seguida, suponhamos que o resultado total da comunidade para cada um dos resultados possíveis seja estimado com precisão e que sejam os indicados pelos valores das quatro células da figura 3 4. 3 Vide Gordon Tullock, The Politics of Bureaucracy (Washington, D.C.: Public Affairs Press, 1965). 4 Estas estimativas são necessariamente ex-ante: apenas um resultado poderá ser realmente observado após a escolha. _____________ X a b FIGURA 3 100 (6) 50 (4) y 20 (2) 60 (5) A escolha entre a e b na verdade dependerá das probabilidades subjetivas atribuídas a x e y . Suponhamos que o indivíduo que faz a escolha atribua uma probabilidade equivalente a cada evento. Através da aritmética, torna-se evidente que o valor esperado para toda a comunidade será maior em relação a a do que a b. Contudo, alterando-se os coeficientes de probabilidade, de (0,5 e 0,5) para (0,4 e 0,6), o valor esperado para a comunidade toma-se mais elevado em relação a b do que a a . Em caso de incerteza verdadeira, o indivíduo que toma a decisão deve considerar essas probabilidades subjetivas; não há um conjunto de coeficientes determinado objetivamente. Ao reconhecermos esse fato, toma-se evidente que não há meios de avaliar o desempenho do indivíduo que faz a escolha, nem externamente, nem após a escolha. Cada um desses dois indivíduos poderá escolher de modo diferente ao se deparar com conjuntos idênticos de alternativas. Não existe uma "escolha correta" e independente das probabilidades subjetivas atribuídas. Em nosso exemplo, um dos indivíduos poderá rejeitar b porque o seu custo excede aos retornos previstos; o outro poderá rejeitar a pelo mesmo motivo. Não existe um meio que permita a um observador externo ou auditor decidir após o fato qual dos dois indivíduos ateve-se mais às "regras". Essa dificuldade na avaliação da eficiência do processo decisório fora do contexto de mercado sugere que o padrão institucional de premiação e castigo possa ser modificado para que, independentemente das escolhas que venham a ser realizadas, se garanta que o indivíduo que escolhe receba algum incentivo pessoal para se comportar de acordo com os critérios de maximização "social". Essa medida substituirá a motivação ex-ante ao comportamento do indivíduo no "interesse público" pelas tentativas desorientadas e inúteis de julgar ou acompanhar os resultados após o fato. A necessidade de algum tipo de coordenação entre a estrutura de custo-benefício com que se depara o indivíduo que decide e a "verdadeira" estrutura de custo-benefício de toda a comunidade tem sido cada vez mais reconhecida tanto na teoria quanto na prática. Entretanto, esse dispositivo institucional está necessariamente limitado e, por inúmeros motivos, não é capaz de resolver totalmente o dilema da escolha econômica não mercadizável. A escolha fora do contexto de mercado não pode, por sua própria natureza, duplicar a escolha de mercado até e a menos que o padrão de propriedade-responsabilidade da primeira seja totalmente equivalente ao da segunda; uma realização que, na verdade, poderia eliminar todas as diferenças institucionais entre as duas. Como exemplo inicial, suponhamos que uma estrutura individual de custo-benefício seja introduzida do modo indicado pelos termos entre parênteses da figura 3. Pelo menos em termos ordinais, as compensações relativas para o indivíduo que toma a decisão coincidem com as compensações da comunidade. Contudo, se o indivíduo atribuir probabilidades subjetivas iguais a x e a z, o seu próprio cálculo de custo-benefício o levará a selecionar b em vez de a. Naturalmente, o conjunto de números foi elaborado deliberadamente para que indicasse este resultado, porém deve ficar claro que a equivalência ordinal entre a estrutura de compensação do indivíduo que toma a decisão e a d e toda a comunidade não é suficiente para assegurar maior consistência nas escolhas. Sugere-se então a proporcionalidade. Se as compensações pessoais ao indivíduo que decide, sejam elas negativas ou positivas, forem rigorosamente proporcionais às de toda a comunidade, as escolhas feitas segundo critérios de valor esperado gerarão a coordenação exigida. Neste ponto, a importância da maximização do valor esperado como regra para o comportamento de escolha do indivíduo deve ser questionada. Já está amplamente comprovado o fato que um indivíduo somente maximizará o valor presente se não obtiver nenhuma utilidade ou desutilidade em correr riscos e se a utilidade marginal da renda para ele for constante através de toda a faixa de resultados relevantes. Se a utilidade marginal da renda declina através dessa faixa e se o indivíduo que faz a escolha não se mostra averso nem inclinado a correr riscos, ele tenderá a demonstrar alguma preferência pela alternativa mais segura, um pouco da diferença "não pecuniária" favorecerá a alternativa b na ilustração numérica da figura 3. A questão que surge então é se essa diferença não pecuniária com que se depara o indivíduo que toma a decisão, e cujas compensações são proporcionais àquelas para toda a comunidade, necessita ser ou não a mesma que "deveria" informar a decisão tomada do ponto de vista da comunidade. Como Domar e Musgrave salientaram em relação a outro ponto de vista 5, o indivíduo cuja estrutura de compensação seja apenas uma quota proporcional daquilo com que poderia se deparar em situação de propriedade plena se inclinará a correr mais riscos. O motivo é óbvio. Dado que a diferença não pecuniária somente aparece em decorrência do declínio da utilidade marginal da renda, o fato de a faixa de resultados ser menor em condições de compensações parcialmente proporcionais do que em condições de responsabilidade e propriedade plena garante alguma redução nessa diferença. Um elemento adicional e importante inclina-se a trabalhar em sentido contrário. Em uma dada estrutura de compensações individuais apenas proporcionais em relação às compensações de toda a comunidade, as diferenças absolutas entre o valor previsto das alternativas são menores para o indivíduo que toma a decisão do que para a comunidade; e as diferenças nos custos de oportunidade das duas alternativas separadas são menores. Considerando-se o 5 E.D. Domar e R.M. Musgrave, Proportional Income Taxation and Risk-Taking, Quarterly Journal of Economics, LVIII (maio de 1944), págs. 388-422, reeditado pela American Economic Association, Readings in the Economics of Taxation (Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1959), págs. 493-524. raciocínio acima, parece evidente que o comportamento tenderá a responder menos em relação às mudanças nas condições subjacentes da escolha burocrática do que as mudanças nas condições de escolha de mercado. O indivíduo que decide nessas condições não é capaz de perceber as mudanças dos sinais com a mesma sensibilidade que teria no primeiro caso. Se também reconhecermos e considerarmos a resposta do comportamento como sensível a limiares, via de regra, essa diferença em comportamento será ainda mais pronunciada 6. Esses elementos separados ressaltam o fato de que a proporcionalidade entre a matriz de custo-benefício do indivíduo que toma a decisão e a da comunidade não garante uma aproximação entre os resultados de escolha obtidos em situações de mercado e os obtidos em regimes de escolha burocrática. O custo com que se deparam os agentes que escolhem deve permanecer inerentemente distinto nas duas estruturas decisórias, e são essas duas estruturas que constituem o obstáculo fundamental ao alcance da eficiência em situações de escolha fora do contexto de mercado. 6 Devletoglou argumentou persuasivamente que todo comportamento humano deve ser analisado em termos de um modelo sensível a limiares. Vide Nicos Devletoglou e P.A. Demetriou, Choice and Threshold: A Further Experiment in Spatial Duopoly, Economica, XXXIV (novembro de 1967) págs. 351-71.