Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antônio de Almeida
 Manuel Antônio de Almeida: médico,
jornalista e político.
 Publicado
inicialmente
em
anexo
(folhetim) no Correio Mercantil do Rio de
Janeiro, onde o autor trabalhava.
 Publicado semanalmente no período
entre 27-06-1852 a 31-07-1853, sob
pseudônimo.
 Em 1854-1855, os capítulos são
enfeixados em dois volumes, publicados
sob o pseudônimo “Um brasileiro”. Não
teve sucesso. Foi “redescoberto” somente
com o advento do Modernismo.
O enredo
 A vinda de Leonardo e Maria da Hortaliça
 A sociedade da época (“Era no tempo do
rei...”)
 As personagens
 Os costumes
 A narrativa propriamente dita
Comentários sobre a obra-1
“Destoa da ficção daquele momento [da
literatura] pelo humorismo imparcial e
mesmo amoral, pelo estilo coloquial, mas
sem banalidade, pelo tom direto. Como
estabeleceu Paulo Rónai, não se trata dum
fenômeno de realismo antecipado, mas de
realismo arcaico: uma narrativa inspirada
nos romances de cunho picaresco dos
séculos XVII e XVIII.”
(CANDIDO, Antonio e CASTELLO, José Aderaldo.
Presença da Literatura Brasileira – Das origens ao
Realismo)
Comentários sobre a obra-2
A respeito do realismo, é possível afirmar
que há realismo, mas não o realismo
antecipador do Realismo da segunda
metade do século XIX, pela ausência, por
exemplo, do caráter cientificista. Não se
deve falar, também, em “romance de
transição”, pois o realismo ali presente
decorre da descrição com a finalidade de
“retrato”, mais associando tal ocorrência
a “realidade”, não a “realismo”.
(CANDIDO, Antonio e CASTELLO, José
Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira –
Das origens ao Realismo)
Comentários sobre a obra-3
“Poder-se-ia ajuntar que as suas características são,
porventura, devidas, também, ao fato de o Autor
escrever sem compromissos literários. Era um
amador anônimo, sem responsabilidade em face
da moda reinante, contando episódios que lhe
foram narrados por um companheiro de
tipografia, antigo sargento de polícia sob as
ordens do famoso Major Vidigal, personagemchave no enredo do livro. Essa pureza
espontânea, servida por um grande talento
narrativo e uma absoluta falta de atitude, levou-o
a despreocupar-se em “fazer estilo”, e tornou a
sua obra um exemplar raro e encantador das
tendências realistas, em contraposição às que, no
romantismo, visavam à amplificação retórica e à
fraseologia idealista.”
(CANDIDO, Antonio e CASTELLO, José Aderaldo. Presença da
Literatura Brasileira – Das origens ao Realismo)
Comentários sobre a obra-4
“As Memórias de um Sargento de
Milícias estão isentas de qualquer
traço
idealizante
e
procuram
despregar-se da matéria romanceada
graças ao método objetivo de
composição, próximo do que seria
uma crônica histórica cujo autor se
divertisse em resenhar as andanças e
os pecadilhos do uomo qualunque(1).”
(1) uomo qualunque (do italiano): um homem qualquer
(BOSI, Alfredo. História Concisa de Literatura
Brasileira)
Comentários sobre a obra-5
Trata-se do que se faz “entre o relato de
um momento histórico (o Rio sob D.
João VI) e uma visão desenganada da
existência, fonte do humor difuso no
romance.”
(BOSI, Alfredo. História Concisa de
Literatura Brasileira)
Comentários sobre a obra-6
“E o romance picaresco, de origem espanhola,
(...) assentava-se inteiramente nas aventuras
de um pobre que via com desencanto e
malícia, isto é, de baixo, as mazelas de uma
sociedade em decadência. Mundo em que a
brutalidade e a astúcia traziam as máscaras
da coragem e da honra. O pobre, no seu afã
de sobreviver, transformava-se em pícaro,
servindo ora a um ora a outro senhor e
provando com o sal da necessidade a comida
do poderoso. Ao pícaro é dado espiar o
avesso das instituições e dos homens: o seu
aparente cinismo não é mais que defesa entre
vilões encasacados.”
(BOSI, Alfredo. História Concisa de Literatura
Brasileira)
Comentários sobre a obra-7
“A mesma atenção (aquela presente nos
folhetins de Paris) é dada aos homens e
mulheres que vão e vêm pelos becos do
velho Rio, e dos quais o observador nota
ora o ofício (“Fora Leonardo algibebe(1) em
Lisboa, sua pátria”), ora os caracteres
físicos: “Maria da Hortaliça, quitandeira das
praças de Lisboa, saloia(2) rechonchuda e
bonitota...”; “um colega de Leonardo,
miudinho, pequenino, e com fumaças de
gaiato e o sacristão da Sé, sujeito alto,
magro e com pretensões de elegante”...”
(1) algibebe: aquele que fabrica e vende roupas de fazenda
ordinária
(2) saloio: aldeão das imediações de Lisboa; camponês
(BOSI, Alfredo.
Brasileira)
História
Concisa
de
Literatura
Comentários sobre a obra-8
“Mas o realismo de Manuel Antônio de Almeida não se
esgota nas linhas meio caricaturais com que define
uma variada galeria de tipos populares. O seu valor
reside principalmente em ter captado, pelo fluxo
narrativo, uma das marcas da vida na pobreza, que é
a perpétua sujeição à necessidade, sentida de modo
fatalista como o destino de cada um. Esse contínuo
esforço de driblar o acaso das condições adversas e
a avidez de gozar os intervalos de boa sorte impelem
os figurantes das Memórias, e, em primeiro lugar, o
anti-herói Leonardo, “filho de uma pisadela e de um
beliscão”, para a roda viva de pequenos engodos e
demandas
de
emprego,
entremeadas
com
ciganagens e patuscadas que dão motivo ao
romancista para fazer entrar em cena tipos e
costumes do velho Rio.”
(BOSI, Alfredo. História Concisa de Literatura Brasileira)
Comentários sobre a obra-9
“As Memórias nos dão, na verdade, um
corte sincrônico da vida familiar brasileira
nos meios urbanos em uma fase em que
já se esboçava uma estrutura não mais
puramente colonial, mas ainda longe do
quadro industrial-burguês.”
(BOSI, Alfredo. História Concisa de Literatura
Brasileira)
Presença do anti-herói
“Como sempre acontece a quem tem muito onde
escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer
clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha
queria fazer artista metendo-o na Conceição, a quem
D. Maria queria fazer rábula(1) arranjando-o em algum
cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo
queria dar um destino que julgava mais conveniente
às inclinações que nele descobria, o pequeno,
dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a pior
possível: nem foi para Coimbra, nem para a
Conceição, nem para cartório algum; não fez
nenhuma destas coisas, nem também outra
qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadiomestre, vadio-tipo.”
(1) rábula: advogado de cultura limitada; indivíduo que advoga
sem possuir diploma
A metalinguagem
“Os leitores devem já estar fatigados de
histórias de travessuras de criança; já
conhecem suficientemente o que foi o
nosso memorando em sua meninice, as
esperanças que deu, e o futuro que
prometeu. Agora vamos saltar por cima de
alguns anos, e vamos ver realizadas
algumas
dessas
esperanças.
Agora
começam as histórias, se não mais
importantes, pelo menos um pouco mais
sisudas.”
Tipo x Personagem
“Havia no tempo em que se passam estas cenas instituições
muito curiosas no Rio de Janeiro; algumas eram notáveis
por seu fim, outras por seus meios. Entre essas uma havia
de que ainda em nossa infância tivemos ocasião de ver
alguns destroços, era a instituição dos mestres-de-reza.
O mestre-de-reza era tão acatado e venerado naquele tempo
como o próprio mestre de escola; além do respeito
ordinariamente tributado aos preceptores, dava-se uma
circunstância muito notável, e vem a ser que os mestresde-reza eram sempre velhos e cegos. Não eram em grande
número, por isso mesmo viviam portanto em grande
atividade, e ganhavam sofrivelmente. Andavam pelas
casas a ensinar a rezar aos filhos, crias e escravos de
ambos os sexos.
O mestre-de-reza não tinha traje especial: vestia-se como
todos, e só o que o distinguia era ver-se-lhe
constantemente fora de um dos bolsos o cabo de uma
tremenda palmatória, de que andava armado, compêndio(1)
único por onde ensinava a seus discípulos.”
(1) compêndio: livro de doutrinas (no caso, em sentido figurado,
tomado com valor de “livro”); resumo
COSTUMES-1
“Era esse dia domingo do Espírito Santo. Como todos sabem, a
festa do Espírito Santo é uma das festas prediletas do povo
fluminense. Hoje mesmo que se vão perdendo certos hábitos,
uns bons, outros maus, ainda essa festa é motivo de grande
agitação; longe porém está o que agora se passa daquilo que
se passava nos tempos a que temos feito remontar os leitores.
A festa não começava no domingo marcado pela folhinha,
começava muito antes, nove dias cremos, para que tivessem
lugar as novenas. O primeiro anúncio da festa eram as Folias.
Aquele que escreve estas Memórias ainda em sua infância
teve ocasião de ver as Folias, porém foi já no seu último grau
de decadência, e tanto que só as crianças como ele davam-lhe
atenção e achavam nelas prazer; os mais, se delas se
ocupavam era unicamente para lamentar a diferença que
faziam das primitivas. O que dantes se passava, bem
encarado, não estava muito longe de merecer censura; porém
era costume, e ninguém vá lá dizer a alguma velha desse
tempo que aquilo devia ser por força muito feio, porque leva
uma risada na cara, e ouve uma tremenda filípica(1) contra as
nossas festas de hoje.”
(1) filípica: discurso violento e ofensivo
Costumes-2
“Todos sabem nesta cidade onde é o Oratório de
Pedra; mas o que todos talvez não saibam é
para que serviu ele em outros tempos. Sem
dúvida naquele oratório havia a imagem de
algum santo, e o povo devoto ia ali rezar?
Exatamente. Mas por que é que hoje não
continua essa prática, por que apenas se
conserva sobre a parede aquela espécie de
guarita de pedra, sem imagem alguma, sem luz
à noite, e diante da qual passam todos
irreverentemente sem tirar o chapéu e curvar o
joelho? Primeiro que tudo extinguiu-se isso
pela razão por que se extinguiram muitas
coisas boas daquele tempo; começaram todos
a aborrecer-se de achá-las boas, e acabaram
com elas. Depois houve a respeito do Oratório
de Pedra muito boas razões policiais para que
ele deixasse de ser o que era.”
Ausência de um final feliz
“Passado o tempo indispensável do luto, o
Leonardo, em uniforme de Sargento de
Milícias, recebeu-se na Sé com Luisinha,
assistindo à cerimônia a família em peso.
Daqui em diante aparece o reverso da
medalha. Seguiu-se a morte de D. Maria, a
do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de
acontecimentos tristes que pouparemos
aos leitores, fazendo aqui ponto final.”
A crítica-1
“É mister(1) agora passar em silêncio sobre
alguns anos da vida do nosso memorando para
não cansar o leitor repetindo a história de mil
travessuras de menino no gênero das que já se
conhecem; foram diabruras de todo o tamanho
que exasperaram a vizinha, desgostaram a
comadre, mas que não alteraram em coisa
alguma a amizade do barbeiro pelo afilhado:
cada vez esta aumentava, se era possível,
tornava-se mais cega. Com ele cresciam as
esperanças do belo futuro com que o
compadre sonhava para o pequeno, e tanto
mais que durante este tempo fizera este alguns
progressos: lia soletrado sofrivelmente, e por
inaudito triunfo da paciência do compadre
aprendera a ajudar missa.”
(1) mister: necessário
A crítica-2
“Era este um homem todo em
proporções infinitesimais, baixinho,
magrinho, de carinha estreita e
chupada, excessivamente calvo;
usava de óculos, tinha pretensões
de latinista, e dava bolos por dá cá
aquela palha. Por isso era um dos
mais acreditados da cidade.”
A crítica-3
“- Sabem que mais? atalhou o major;
são horas de uma diligência a que
não posso faltar... O rapaz está livre
de tudo, contanto que, acrescentou
dirigindo-se a Maria-Regalada, o
dito, dito...
- Eu nunca faltei à minha palavra,
replicou esta.
Retiraram-se as três cheias do maior
contentamento, e o major saiu
depois também para cumprir a sua
promessa.”
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Memórias de um Sargento