ALGORITMOS DAS QUATRO OPERAÇÕES: COM A PALAVRA O
PROFESSOR
GONÇALVES, Alex Oleandro
[email protected]
Eixo Temático: Educação Matemática
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este artigo é parte de um estudo mais amplo, realizado no curso de pós-graduação, Mestrado
em Educação nos anos de 2008/2010. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que objetiva
destacar os resultados significativos que apontam as relações entre o que o professor diz ser
importante para o ensino das quatro operações fundamentais e aquilo que ele diz ensinar
destas operações. Participaram deste estudo quatro professores do Ensino Fundamental, dois
atuando na quarta série (atual quinto ano) e dois na quinta série (atual sexto ano) de escolas
públicas de Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, Paraná. A coleta de
informações e composição dos textos se deu em quatro momentos incluindo questionário,
entrevista por palavras-chave – desenvolvida por Vianna (2000) – entrevista semi-estruturada
e entrevista em grupo. As entrevistas foram textualizadas conforme a metodologia da História
Oral (GARNICA, 2006) e passaram por um processo de interpretação e análise fundamentada
na prática profissional e aspectos teóricos da literatura sobre o ensino das quatro operações,
principalmente nos estudos de Kamii e Declark (1994); Spinillo (1994); Nunes e Bryant
(1997); Magina (2001) e Carraher, Carraher e Schliemann (2006). A análise dos dados aponta
para a valorização dos algoritmos prontos, nem sempre confirmada quando os entrevistados
dizem como deveria ser o trabalho com as quatro operações. Fatores como falta de tempo,
insegurança, falta de conhecimento do professor, resistência do professor e do aluno, entre
outros, foram apontados como possíveis causas que reforçam a tendência dos professores em
considerar algo importante para o ensino das quatro operações, mas não utilizá-lo nas aulas.
Palavras-chave: Educação Matemática. Algoritmos. Operações. Formação de Professores.
Introdução
As quatro operações que hoje achamos tão simples representaram durante dezenas de
séculos algo complexo e destinado à elite. Eram necessários vários anos para dominar os
mistérios da divisão e da multiplicação. Os algoritmos marcam um passo importante na
democratização do cálculo que por séculos foi privilégio de uma minoria. Os algoritmos das
quatro operações que usamos atualmente sofreram alterações motivadas por necessidades
históricas e sociais.
3644
Um pouco da história dos algoritmos
Os algoritmos são instrumentos desenvolvidos para tornar o cálculo mais simples por
economizar tempo e facilitar sua realização através da generalização dos passos. Não
dispondo deste recurso, o homem foi capaz de realizar cálculos graças aos dedos da mão
(Figura 1), o que pode ter sido um dos fatores que motivaram a origem dos sistemas
primitivos de base dez que evoluíram para o sistema decimal atual (IFRAH; 1994, p. 95).
FIGURA 1 - Multiplicação com os dedos das mãos encontrado atualmente na Índia, Síria, África, etc.
FONTE: Ifrah (1994, p. 95)
A base dez foi, e continua sendo, a mais comum e sua adoção é quase
universal, apresentando vantagens sobre bases tão grandes como a sexagesimal, pois facilita a
aprendizagem de uma tabela de adição ou multiplicação. Um importante passo para o
aperfeiçoamento da numeração escrita foi o desenvolvimento pelos hindus de técnicas
operatórias baseadas no princípio de posição aliadas ao conceito do zero. O procedimento
que, mais tarde, os europeus viriam a chamar de per gelosia (por janela) é um bom exemplo
de como os hindus realizavam multiplicações a partir do século VI (Figura 2). Os algarismos
do exterior do quadro formam o produto: 74 x 235 = 17390.
FIGURA 2 - Multiplicação per gelosia.
FONTE: GONÇALVES (2010)
3645
Dentre os matemáticos do período de 780 – 850, Mohamed Ibn Mussa al-Khowarismi
contribuiu para a disseminação dos métodos de cálculo e procedimentos algébricos com suas
obras: a aritmética e a aljabr. Latinizando o nome de al-Khowarismi transformou-se em
Achoarismi, Algorismi, Algorismus, Algorismo e, por fim, em Algoritmo, que, durante muito
tempo na Europa designou o cálculo inventado pelos árabes.
O algoritmo como era chamado o cálculo escrito teve de esperar durante séculos até
obter o triunfo diante da resistência dos cristãos da Europa. Até que, a partir do intercâmbio
com a cultura muçulmana na época das Cruzadas, surgem os primeiros algoristas europeus
(IFRAH, 1994, p. 312). Os algarismos arábicos entram, então, no Ocidente, ao mesmo tempo
em que o zero e as técnicas de cálculo escrito hindu e se difundem acentuadamente trazendo
vantagens sobre os antigos métodos por serem mais práticos e fáceis de serem entendidos.
O século XVI marca o triunfo dos algoristas sobre os abacistas (BOYER, 1974,
p.184). No século XIX, o período conhecido como Renascimento, é marcado pelo
desenvolvimento de grandes universidades na Europa e pela difusão dos algarismos arábicos
que se estabilizam definitivamente.
O ensino de algoritmos na escola
Os algoritmos apresentam a potencialidade da generalização e eficácia – o mesmo
procedimento para se calcular 17x12 pode ser utilizado para 1765x298 e se aplicado
corretamente temos a garantia de chegar à resposta certa. Não teríamos êxito com o sistema
romano1, pois o que fundamenta os algoritmos que conhecemos são as próprias características
do sistema hindu-arábico: o valor posicional e a base dez. Mas, por que o ensino desses
algoritmos tornou-se objeto de estudo de tantas pesquisas na atualidade?
Vários estudos discutem a forma como esses algoritmos foram incorporados pela
matemática escolar, principalmente, porque a maneira como são ensinados não corresponde
ao raciocínio empregado na resolução de problemas (NUNES; BRYANT, 1997; MAGINA et
al., 2001; KAMII & DECLARK,1994). Signorini (2007) verificou entre crianças de terceira e
quinta séries que ao utilizar os algoritmos formais de adição e subtração estas não percebem
princípios e propriedades do Sistema de Numeração Decimal implícitos nesse procedimento.
1
As contas eram feitas no ábaco e o sistema numérico servia para registrar o resultado (IMENES, 1998, p. 45).
3646
Investigando a compreensão acerca dos algoritmos, Souza (2004) constatou em sua
pesquisa que muitas vezes o professor aceita o procedimento algorítmico usual como uma
regra necessária e natural que deve ser seguida à risca na realização das operações básicas,
não havendo para ele outra forma de realizar cálculos por escrito. Minotto (2006) verificou
que as professoras de sua pesquisa tinham uma compreensão parcial dos procedimentos
envolvidos nos algoritmos convencionais, notadamente no da subtração, utilizando uma
linguagem verbal que, segundo a pesquisadora, pode comprometer a comunicação no ensino
desses algoritmos.
Constance Kamii, discutindo os conteúdos trabalhados nas séries iniciais, afirma que
se pode ensinar a dar respostas corretas a somas como 2+3, mas a compreensão das relações
envolvidas nas quatro operações seria fruto de um trabalho muito mais complexo e demorado
(KAMII, 1997, p. 25). Neste sentido os exercícios de arme e efetue teriam um papel
secundário no ensino das quatro operações, pois o que se espera é a repetição do
procedimento algorítmico predeterminado sem reflexão do porquê de sua eficácia.
Em pesquisa realizada em 2006, constatamos o treino algorítmico como principal
objetivo traçado por uma professora de primeira série nas atividades de resolução de
problemas (GONÇALVES, 2009), fato já destacado nos estudos de Spinillo e Magina (2004,
p.22). Como causa desse tipo de trabalho, os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam que,
“para a grande maioria dos alunos, resolver problemas significa fazer cálculos com os
números do enunciado ou aplicar algo que aprenderam nas aulas.” (BRASIL, 1997, p. 42).
A compreensão conceitual do algoritmo produzido no processo de resolução de
problemas matemáticos tem sido foco de muitas pesquisas, principalmente aquele considerado
alternativo, que caracteriza o pensamento da criança (CARRAHER & SCHLIEMANN, 1983;
KAMII, 1994; SPINILLO, 1994; MAGINA, 2001; NUNES, 2005; CARRAHER,
CARRAHER e SCHLIEMANN, 2006). Esses autores alertam para o fato de que a escola
deveria valorizar os métodos de representação dos alunos e, ao mesmo tempo, propiciar que
reconheçam que é preciso adotar um simbolismo comum que permita comunicação e troca.
Porém, a resolução de problemas não exclui a aprendizagem dos algoritmos.
Concordamos com Butts (1997, p. 37) ao afirmar que a habilidade em fazer cálculos requer
exercício e prática e que o desafio do professor seria abordar exercícios algorítmicos com uma
postura problematizadora. Ao refletir sobre os procedimentos envolvidos nos algoritmos, as
crianças podem perceber que eles se destacam pela economia e eficiência.
3647
A pesquisa
A princípio, podemos afirmar que ensinamos tudo o que julgamos importante. A
experiência de dez anos nas séries iniciais nos diz que nem sempre isso é verdade. Nesta
pesquisa desenvolvida no Mestrado visamos identificar que relações há entre o que o
professor diz ser importante no ensino dos algoritmos escolares das operações aritméticas
básicas e a forma como diz trabalhar esses algoritmos. Procuramos evidenciar o domínio
conceitual e o papel atribuído aos algoritmos – se os professores consideram mecanismos que
permitem economia de tempo e registro ou um conteúdo obrigatório a ser trabalhado.
Atribuímos aos professores nomes escolhidos por eles: Cláudio e Maria com
graduação em matemática (Licenciatura), atuam num colégio estadual em Campina Grande
do Sul e lecionam para a quinta série (atual quinto ano); Soraia e Rosângela com graduação
em Pedagogia lecionam em uma escola municipal da mesma região para a quarta série (atual
quinto ano).
Optamos por fazer as entrevistas em quatro momentos que denominamos Jornadas
contendo questionário fechado, entrevista por palavras-chave2, entrevista semi-estruturada e
entrevista em grupo, o que possibilitou uma exploração bastante aprofundada do discurso.
Primeira Jornada – impressões iniciais
Propomos aos entrevistados, inicialmente, uma questão fechada que constituiu nossa
primeira fonte de dados da pesquisa (Quadro 1).
QUADRO 1 - Questionário fechado inicial
2
Metodologia desenvolvida por Vianna (2000), orientador desta pesquisa no mestrado.
3648
Constatamos que, embora destaquem como mais importante um determinado recurso
para o ensino das quatro operações, os professores dizem não usá-lo em suas aulas. O
“Trabalho com exercícios do tipo: Arme e efetue” foi considerado mais importante pelos
entrevistados com formação em matemática do que pelos sem formação em matemática.
“O segundo eu vou fazer o arme e efetue porque eu faço bastante disso. Tá no
caderno (do aluno). Você viu”. (Maria)
A partir dos resultados com o questionário fechado, definimos palavras-chave que
serviram de base para o desenvolvimento do discurso da Segunda Jornada.
Segunda Jornada – entrevista por palavras-chave
A caracterização e a entrevista por palavras-chave3 seguiram a metodologia da
História Oral (GARNICA, 2006; p. 86) com relação à coleta e textualização das entrevistas.
Todos falaram livremente como queriam, sem a obrigatoriedade de contemplar todas as
palavras. Colocamos em foco os algoritmos e a relação entre as demais variáveis (Quadro 2).
QUADRO 2 - Palavras-chave utilizadas na Segunda Jornada
Na caracterização dos professores, apesar de afirmarem não terem se tornado
professores por vontade própria, relatam lecionar entre dez e vinte anos. A opção teria surgido
de uma necessidade de trabalhar, incentivados, principalmente por alguém muito próximo.
Maria relata sua satisfação por dar aula para quintas séries há 12 anos porque estes fazem o
que o professor manda. Com relação à formação inicial, afirmam:
3649
“O que a gente aprende na faculdade é diferente do que você faz na sala de aula”.
(Maria)
“O que você aprende é pouco para poder ensinar”. (Rosângela)
“A divisão que eu aprendi foi no processo curto e naquela época os alunos
aprendiam o processo longo fazendo aquela conta enorme”. (Soraia)
Os professores reforçam sua opinião a respeito dos algoritmos na entrevista por
palavras-chave em alguns momentos:
“Todo mundo acha ‘arme e efetue’ um absurdo, mas é no ‘arme e efetue’ que eu
vou ver se o aluno aprendeu o processo da conta. Tem que trabalhar aquilo isolado
com ele”. (Soraia)
“[...] os algoritmos devem ser trabalhados porque é a prática”. (Rosângela)
A professora Maria aponta o professor Cláudio como um bom exemplo por trabalhar
bastante a resolução de algoritmos das quatro operações, embora este tenha dito na entrevista
por palavras-chave que acha errado avaliar o aluno só com exercícios de arme e efetue. Diante
da defasagem com que os alunos chegam à quinta série, a professora ressalta que se deveria
trabalhar mais as quatro operações nas séries iniciais e que não se deveria deixar o aluno sair
da quarta série sem dominar esse conhecimento. Pois, segundo ela:
“De primeira à quarta série, é mais fácil para ensinar as operações com materiais
manipuláveis, mas de quinta à oitava eu não consegui” (Maria)
“Ainda não consegui descobrir de que forma o professor deve trabalhar para
garantir a aprendizagem das operações. Mas, é trabalhando muito” (Maria)
Comentou ainda que, apesar de sua dificuldade com o cálculo mental, diz permitir que
os alunos utilizem, mas prioriza a resolução algorítmica na correção por acreditar que devam
ser ensinados todos os passos da resolução para sanar dificuldades nas quatro operações.
Sobre a resolução de problemas das quatro operações, os professores entendem-na
como uma habilidade que deve ser trabalhada após a compreensão das operações e dizem que
seus alunos têm dificuldades para interpretar e resolver as operações envolvidas na resolução.
Rosângela afirma passar algumas situações problema com o objetivo nos algoritmos, pois
considera que são necessários para que o aluno resolva as situações problema.
As perguntas que aparecem na Terceira Jornada são mais diretas visando esclarecer
pontos de contradição da Segunda Jornada e outros pontos nos quais os colaboradores não
tocaram que poderiam servir de base para responder à questão da pesquisa. Além disso, foram
também analisados os cadernos dos alunos e uma avaliação escrita.
3
As palavras-chave são expressões ou termos que possam desencadear um discurso fluente por parte do
entrevistado: algo polêmico, que o incomode, que o faça refletir.
3650
Terceira Jornada – confrontando perspectivas
Procuramos identificar outros elementos que o professor considerasse importante para
o ensino das quatro operações que não fossem os algoritmos escolares convencionais. Ao
solicitar que contassem uma experiência mal sucedida e outra bem sucedida no ensino das
quatro operações, foi possível identificar que os professores se sentem frustrados por explicar
o conteúdo e os alunos não entenderem. Os quatro professores relataram as dificuldades com
a divisão, principalmente os erros algorítmicos relacionados ao conhecimento da tabuada.
Sobre como ensinar cálculos específicos que poderiam ser resolvidos mentalmente –
como 399+2999 – todos se referem à explicação dos algoritmos convencionais. Os
professores com formação em matemática afirmaram que deve ser colocado o número maior
em cima, na adição. Na insistência, os entrevistados fizeram alguma referência tímida a outras
formas de resolver as operações que lhes foram apresentadas na entrevista:
“É só tirar um aqui e aumentar ali (399+2999=398+3000=3398). O meu marido faz
assim. Eu não. Eu tenho muita dificuldade”. (Maria)
“Olha, eu não me lembro... você pode ensinar uma técnica, que eu já vi, por
exemplo, em vez de fazer 399, faz 300 + 90 + 9. O 2999 você faz 2000 + 900 + 90 + 9.
Mesma coisa para a subtração que seria alguma coisa parecida.” (Cláudio).
A professora Soraia diz se surpreender com seus alunos que realizam cálculo mental,
porém, se mostra preocupada com a falta da resolução do algoritmo apesar de considerar que
a resolução do aluno não estaria errada. Ao ser perguntado como avalia o cálculo mental –
item presente nos critérios de avaliação do município – a professora Rosângela diz ter ficado
com dúvida se realmente está ou não avaliando, pois não tem como garantir que o aluno
calculou mentalmente. Além disso afirma que os valores da operação 399+2999 apresentada
na entrevista são grandes demais, se referindo ao cálculo algorítmico e não fazendo menção
ao cálculo mental. Na divisão, afirma que o processo longo é mais fácil, pois você só dá uma
regra para que o aluno a resolva. Sobre a calculadora, a professora diz na Segunda Jornada
ser ótima porque o aluno vai usar bastante. Perguntando como seria seu trabalho esta afirmou:
“É lógico que tem que trabalhar com a calculadora, mas, não trabalho, né. Você vê
como que é?” (Rosângela)
O professor Cláudio que apontou na Segunda Jornada a importância de se trabalhar
com uma variedade de materiais manipuláveis e jogos, quando indagado, afirma:
3651
“Nesse ano não tive tempo de pensar em qualquer coisa assim. A não ser o xadrez,
mas, daí, não seria com quinta série. Seria com o pessoal do 2º grau.” (Cláudio)
Apesar de citar muito o trabalho com material dourado, sobre o trabalho com a
decomposição do número a professora Rosângela afirma:
“Não. Já tentei, mas, não dei sequência. Talvez, por falta de tempo, mesmo. Mas,
acho fundamental isso daqui, viu. Para fazer cálculo mental, mesmo.” (Rosângela)
Embora reconheça que problemas do livro didático que enfatizam termos como perdeu
e ganhou são mal elaborados por indicar diretamente as operações a serem feitas, a professora
Maria os aplica com seus alunos. Esta demonstra preocupação de que o aluno descubra a
operação a ser feita para cada problema.
A pressão da Secretaria da Educação do município para que não utilizassem exercícios
do tipo arme e efetue foi citada pela professora Soraia. Esta afirmou resistir para continuar a
utilizá-los em suas aulas e que se considera tradicional, mas não abre mão do seu jeito de
ensinar. Porém, afirmou acreditar que os alunos aprendem com outros recursos, os quais ela
aprendeu a utilizar em cursos e troca de experiências com outras professoras.
Fatores como insegurança do professor, falta de conhecimento, resistência do
professor e do aluno, falta de tempo, entre outros, pareceram reforçar a tendência em
considerar algo importante para o ensino das quatro operações, mas não utilizá-lo nas aulas.
Assim, optamos por uma quarta entrevista – em grupo – para discutirmos essas questões e
analisarmos a postura diante de algoritmos alternativos das quatro operações fundamentais.
Quarta Jornada – uma discussão final
A entrevista em grupo feita nesta fase visou constituir o momento da participação dos
quatro professores numa discussão em grupo quando apresentamos num projetor multimídia
alguns algoritmos alternativos para identificar suas opiniões sobre a viabilidade de serem
usados em sala de aula. Destes, destacamos dois para analisarmos a reação dos professores.
Foi lhes apresentado como alternativa para a adição 1587 + 295, adicionar 300 e,
depois fazer a compensação subtraindo 5 do resultado (Figura 3).
FIGURA 3 - Algoritmo da compensação para a adição.
3652
Maria: Então, deixa eu contar o que aconteceu na 5ªA. Eles já aprenderam. Daí, eles não
quiseram. Ninguém quis do meu jeito.
Rosângela: Mas, eu também já tentei fazer assim. Ai, gente! Tem aluno – não sei se é por
causa da família – que fala assim: “Eu já fiz mentalmente. Dá tanto”. Daí, você pergunta:
“Mas, como é que você fez?”.
Outro algoritmo alternativo que apresentamos é utilizado na divisão por 5, que
consiste em dobrar o dividendo e o divisor, para que a divisão seja feita por 10 (Figura 4).
FIGURA 4 - Algoritmo alternativo da divisão por 5.
A pouca intimidade com as relações matemáticas presentes nos algoritmos pode ser
observada em algumas afirmações, bem como a dificuldade de sua aplicação em sala.
Soraia: Nunca vi fazer isso daí, não!
Rosângela: Eu também aprendi alguns desses macetes. Mas, aquele de dividir ali, eu não
sabia. Eu nunca pensei nessa divisão aí. É bem mais simples, né?”
Maria: Eu vi um projeto de um professor que fez isso. Eu desisti, mas ele continuou e deu
certo. Ele disse que os alunos aprenderam mais fácil.
Rosângela: Na quarta série, quando vamos multiplicar por dez, vinte..., dizemos: “é só
colocar o zero para fazer a multiplicação!”. Nossa! Tem aluno que fica colocando zero vezes
zero, fica fazendo toda aquela fileira de zeros. Daí, você fala, fala, fala,... ai meu Deus!
Cláudio: Na quinta série quem conhece o método tradicional não vai fazer desse. Dá mais
trabalho. Você faz mais contas para chegar na mesma coisa. Ele (o aluno) não vai querer.
Rosângela: Aquele ali é mais para cálculo mental. Sabe o que eu acho engraçado? Tem aluno
que é espertinho em certas coisas, mas por que será que não consegue fazer divisão. Né. Às
vezes, parece que tem algum problema lá no cérebro dele porque você tenta desse jeito, tenta
de outro jeito e não entra. Nessas horas, dá vontade de dar uma calculadora prá ele.
Destacamos a dificuldade por parte dos alunos em aceitar métodos de resolução
diferentes dos tradicionais algoritmos, bem como a resistência do professor, em parte alegada
pela falta de tempo e de conhecimento para aplicá-los em suas aulas e, ao final, sintetizamos
3653
algumas causas prováveis que levam o professor a considerar importantes diversos recursos
para a aprendizagem dos algoritmos, mas não os utilizar.
Considerações Finais
Neste trabalho procuramos investigar as relações entre o que o professor diz ser
importante para o ensino das quatro operações fundamentais e sobre a forma como diz ensinar
essas operações. Os professores tiveram oportunidade de falar sobre suas preferências,
frustrações, reflexões e perspectivas. Em momento algum tivemos a intenção de julgá-los.
Percebemos o apego aos algoritmos prontos de resolução no decorrer das entrevistas
motivado por diversos fatores. Os professores afirmam que a forma como ensinam sofreu
influência da forma como foram ensinados e, apesar de ressaltarem o papel negativo de ter
que decorar para suas vidas, dizem ser esta a principal habilidade que precisa ser desenvolvida
por seus alunos no aprendizado das operações. A memorização da tabuada é, para eles,
essencial para o cálculo da divisão e da multiplicação. Os professores da pesquisa reconhecem
a expectativa frustrada de os alunos estarem dominando o uso dos algoritmos das operações
básicas e a tabuada, mas, apesar disso, consideram que seu papel resume-se a cobrar que os
alunos estudem, pois essa seria a causa de não dominarem as operações.
Alguns momentos nas entrevistas reforçam a ideia de que os professores estariam
julgando algo importante motivados pelo discurso sobre o uso de novas tendências presente
na literatura recente e pelo combate ao modelo tradicional, incorporando em sua fala
considerações sobre a importância de se trabalhar com recurso que poderia sequer conhecer.
Os professores da pesquisa falaram da importância de se trabalhar com cálculo mental, jogos,
calculadora, materiais variados, mas não os utilizam por diversas razões apontadas por eles.
Na resolução de problemas indicam uma ordem linear das operações e, apesar de dizerem que
o aluno pode resolver problemas como preferir, não são citadas estratégias diferenciadas para
a resolução e os cadernos dos alunos mostram a insistência no treino dos algoritmos.
Sobre formas de ensinar operações específicas, nenhum dos entrevistados se referiu ao
cálculo mental ou decomposição, ou outra estratégia parecida. Todos entenderam que ensinar
a realizar um cálculo seria ensinar a utilizar adequadamente os algoritmos. Ao serem
indagados sobre outros métodos, citaram caminhos para resolver os próprios algoritmos
anteriormente citados, como, processo longo versus processo curto na divisão.
3654
Outra dificuldade apontada pelos professores da pesquisa é a falta de conhecimento a
respeito de outras formas de trabalhar as operações: uma coisa é achar importante, outra é ter
condições de aplicar em sala. A hipótese de que os professores com formação em matemática
teriam maior facilidade em descrever as relações envolvidas nos algoritmos das quatro
operações, não foi confirmada. Os quatro compartilharam das mesmas dificuldades.
Outro ponto que nem sempre é destacado pela literatura, e que os professores em geral
têm presenciado, é o fato de que nem sempre se pode usar em sala de aula o que se considera
importante com turmas onde há um número elevado de alunos matriculados. Os colaboradores
afirmam que até gostariam de utilizar jogos em suas aulas, mas, com muitos alunos em sala
não seria possível. Além disso, a indisciplina e a falta de interesse dos alunos são também
apontadas como fatores que fazem com que o professor busque passar o mínimo de instruções
para os alunos, dando a sensação de ter seu papel desempenhado.
O estudo até aqui realizado não permite a generalização, o que não constituiu de fato o
objetivo desta pesquisa. Os resultados podem ter impacto positivo diretamente sobre os
colaboradores da pesquisa, no que se refere à reflexão sobre a própria prática, e indiretamente,
aos envolvidos de alguma forma com a Educação Matemática, graças à contribuição dada
pelos professores, que se expuseram à avaliação dos leitores, procurando justificar suas
escolhas. Estes reforçam a necessidade de rever os cursos de formação inicial e continuada de
modo a promover o desenvolvimento de habilidades relativas ao conhecimento sobre novas
tendências do ensino da matemática de modo que se possa escolher de maneira mais
consciente possível o melhor caminho para se ensinar dentro de cada realidade e contexto.
Terminamos aqui este trabalho com a certeza de ter contribuído com uma pequena
parcela do conhecimento acerca da compreensão do complexo fenômeno educacional e tendo
claro que muitas outras questões ficaram sem respostas e que merecem atenção em estudos
futuros. A formação inicial e continuada do professor para o trabalho com quatro operações, o
trabalho com a divisão e raciocínio proporcional dos professores de diversos níveis, o trabalho
com a tabuada e a cultura da transmissão de conhecimento no ensino das quatro operações são
alguns dos temas que podem gerar novos estudos a partir deste que foi realizado.
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VIANNA, Carlos R. Vidas e circunstâncias na educação matemática. Tese (Doutorado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. CD-ROM.
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ALGORITMOS DAS QUATRO OPERAÇÕES: COM A PALAVRA O