Sumário
O Coração, Esporte e
Exercício Físico — I
Seções
v
vi
vii
viii
Editor Convidado: Nabil Ghorayeb
Carta do Presidente da SOCESP
Otávio Rizzi Coelho
Carta do Editor Convidado
Eventos
Normas para Publicação
Artigos de Atualização
97
Avaliação cardiológica pré-participação
do atleta
Preparticipation screening of athletes for
cardiovascular disease
NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S.
DIOGUARDI, DANIEL J. DAHER, CÉSAR
A. JARDIM, CLAUDIO A. BAPTISTA, MICHEL BATLOUNI
105
Avaliação cardiovascular pré-participação
na academia: aspectos médicos e
fisiológicos
Preparticipation cardiovascular evaluation on
the gym: medical and physical features
DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO
GUISELINI, NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE
DIOGUARDI
114
121
Preparação do atleta de esportes
competitivos
The high performance athlete training
TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI
ANGELI, LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE
DE BARROS
Prevenção primária da doença coronária
pela atividade física
Coronary disease primary prevention and
physical activity
JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO,
ANA FÁTIMA SALLES,
XIOMARA MIRANDA SALVETTI
130
Prevenção secundária da doença arterial
coronária pela atividade física
Secondary prevention of coronary artery
disease by physic activity
ROMEU SERGIO MENEGHELO,
ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI
FUCHS, CARLOS ALBERTO CORDEIRO
HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER
143
Insuficiência cardíaca: importância da
atividade física
Heart failure: exercise training
PAULO YAZBEK JÚNIOR,
LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG,
EDMAR BOCCHI, GUILHERME V.
GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO,
ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA
152
Valvopatias: atividades físicas e esporte
Valvopathy: physical activity and sports
FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ,
TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG
160
Miocardiopatias: atividades físicas e
esporte
Cardiomyopathies: exercise and sports
LUCIANO NASTARI,
MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES,
CHARLES MADY
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
iii
169
Cardiopatias congênitas: atividades
físicas e esporte
Congenital heart diseases: physical activities
and sports
ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA
APARECIDA DE PAULA E SILVA, ANTONIO
CARLOS DE CAMARGO CARVALHO
184
Atividade física e doença cardiovascular
na mulher
Exercise and cardiovascular disease in
women
PAOLA SMANIO,
LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA
Edição Anterior: Editor Convidado: Febre Reumática
Benedito Carlos Maciel
Próxima Edição: Editor Convidado: O Coração, Esporte e Exercício Físico — II
Nabil Ghorayeb
iv
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-PARTICIPAÇÃO
GHORAYEB N e cols.
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta
DO ATLETA
NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S. DIOGUARDI, DANIEL J. DAHER,
CÉSAR A. JARDIM, CLAUDIO A. BAPTISTA, MICHEL BATLOUNI
Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte —
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Ibirapuera —
CEP 04012-180 — São Paulo — SP
O exame cardiológico pré-participação do atleta tem por objetivo detectar possíveis anormalidades cardíacas, silenciosas ou não, que podem levar ao afastamento
temporário ou definitivo do esporte e em alguns casos até a morte súbita durante o
esporte. Os mais de 4 mil exames cardiológicos realizados desde 1975 em atletas
amadores e profissionais seguiram esse protocolo básico: anamnese e exame clínico, eletrocardiografia em repouso, teste ergométrico (até exaustão), ecocardiografia
com Doppler, radiografia do tórax e análises laboratoriais (hemograma, perfil glicídico e lipídico, função renal, reações sorológicas para doença de Chagas). Muitas das
alterações encontradas nos exames de rotina e que podem ser confundidas com
cardiopatias são adaptações fisiológicas resultantes do treinamento intensivo e regular, compondo as características conhecidas como síndrome do coração de atleta, cardiomegalia, distúrbios do ritmo e da condução, e alterações da repolarização
ventricular no eletrocardiograma. Esses critérios, que definem as alterações como
as de corações não-patológicos estruturalmente, são: retorno aos padrões normais
após suspensão temporária da atividade esportiva, normalização das modificações
eletrocardiográficas durante o teste ergométrico, funções sistólica e diastólica normais no ecocardiograma.
Palavras-chave: coração de atleta, hipertrofia cardíaca, exame pré-participação do
atleta, avaliação cardiológica do atleta, morte súbita.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:97-104)
RSCESP (72594)-1518
INTRODUÇÃO
As mortes súbitas de atletas ocorridas recentemente
em diferentes países, durante as práticas esportivas,
causam grande impacto no meio leigo e científico e
indicam a necessidade de posicionamento científico
bem definido do cardiologista em relação ao tema. A
avaliação cardiológica pré-participação periódica de
atletas tem sido objeto de publicações de grande importância(1-5), é necessidade bem definida entre os que
atuam na área desportiva, porém não foi ainda imple-
mentada na prática.
Os médicos responsáveis pela orientação clínica das
avaliações de atletas, ao se depararem com alterações
que simulem cardiopatia ou que a identifiquem como
tal, enfrentam difícil e delicado encaminhamento das
decisões. A recomendação de afastamento do atleta
no auge de sua vida profissional e econômica não é
aceita tranqüilamente. Muitas vezes, tem sido ignorada pelo atleta e por seus familiares, dirigentes e empresários.
A avaliação cardiológica pré-participação de atle-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
97
tas competitivos objetiva
identificar alterações estruturais e/ou de caráter
GHORAYEB N e cols.
funcional exacerbado,
Avaliação cardiológica
como bradicardias extrepré-participação do atleta
mas, outros distúrbios do
ritmo cardíaco e hipertrofia cardíaca fisiológica ou
não. Situações patológicas, como displasia arritmogênica do ventrículo
direito, cardiomiopatia hipertrófica, síndromes arritmogênicas e outras, podem
aumentar o risco de morbidade e mortalidade durante a prática físico-esportiva(2-4). Entre as principais
causas de eventos fatais nas atividades esportivas,
não-traumáticas, destaca-se a etiologia cardiovascular.
Os objetivos básicos da avaliação cardiológica préparticipação(4, 5) são:
1. Detectar precocemente cardiopatias incipientes, que
causem risco durante o exercício físico esportivo ou de
lazer.
2. Analisar o impacto dos treinamentos intensivos e
contínuos no aparelho cardiovascular.
3. Confirmar a regressão das alterações cardíacas com
o abandono dos treinamentos, constatada geralmente
após três a seis meses de afastamento.
4. Avaliar os riscos e os benefícios cardiovasculares
do exercício, principalmente após a quarta década de
vida, quando aumenta a incidência de doenças degenerativas, como a aterosclerose coronária.
5. Determinar a capacidade funcional do atleta.
Os exames pré-participação devem ser realizados
indistintamente em todos os atletas, sempre coordenados por médico. Algumas publicações relatam que o
exercício físico vigoroso foi gatilho de complicações
cardiovasculares, inclusive o da morte súbita, ocorrida
durante os treinos e competições. A detecção precoce
de anormalidades permite, com sua resolução satisfatória, em muitos casos, a continuidade da atividade
esportiva(2, 6).
Por outro lado, a crescente associação atividade física/saúde induziu novos hábitos populares
de crescente participação esportiva, principalmente em provas de alto nível de intensidade, como
maratona e triatlo, entre outras. Isso se refletiu na
necessidade de avaliar e preparar grande contingente de indivíduos, nos quais o fator idade, importante para atletas olímpicos, deixou de ser levado em conta. Atualmente, esportistas de todas
as faixas etárias participam de provas de longa
duração e de grande exigência cardiovascular.
Para eles aplica-se a mesma avaliação recomendada para os atletas.
98
ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS
CARDIOVASCULARES
A primeira descrição médica do chamado “coração
de atleta” foi feita por Henschen(7), logo após a primeira
olimpíada da era moderna, em 1896, ao examinar corredores de esqui “cross-country” na neve, utilizando
apenas como exame propedêutico a percussão do precórdio. A síndrome do coração de atleta é caracterizada por várias alterações fisiológicas e anatômicas, de
caráter benigno e reversível, que correspondem a adaptações ao aumento da demanda energética durante o
esforço repetitivo. Há aumento da força de contração,
com melhor reserva cardíaca e melhor aproveitamento
do oxigênio, mesmo em níveis máximos de trabalho.
Para a mesma carga de esforço, em relação a um coração sedentário, um coração treinado apresenta menor duplo produto (freqüência cardíaca x pressão sistólica máxima) e, conseqüentemente, menor gasto
energético. Entre os efeitos cardiovasculares do treinamento físico vigoroso praticado durante longos períodos, observados experimentalmente e em atletas competitivos altamente treinados, incluem-se(5, 8, 9):
1. menor freqüência cardíaca em repouso e em qualquer nível de exercício;
2. redução mais rápida da freqüência cardíaca após
exercício;
3. maior volume sistólico em repouso e durante exercícios progressivos;
4. elevação do débito cardíaco máximo;
5. aumento do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx);
6. volume cardíaco aumentado em estreita correlação
com o volume sistólico durante o exercício;
7. pressões de enchimento do coração (pressão diastólica final do ventrículo direito e pressão capilar pulmonar) normais em repouso e ligeiramente elevadas
durante o exercício;
8. maior diminuição da resistência periférica total e redistribuição do fluxo sanguíneo;
9. aumento da extração de oxigênio pelos músculos
esqueléticos periféricos, níveis reduzidos de lactato
sanguíneo e aumento da diferença arteriovenosa de
oxigênio máxima;
10. dilatação e hipertrofia cardíacas.
Ademais, verificam-se: maior eficiência mecânica da
musculatura esquelética, associada a aumento da capilarização e das atividades enzímicas, e aumento da
capacidade funcional pulmonar e melhor relação ventilação/perfusão.
Essas alterações cardiovasculares resultam provavelmente de complexa interação de mecanismos centrais e periféricos, operando em níveis estruturais, eletrofisiológicos, bioquímicos, metabólicos e neurogênicos. E dependem da intensidade e da duração do treinamento, do tipo de atividade atlética e, provavelmen-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
te, de fatores genéticos(8, 9).
GHORAYEB N e cols.
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta
AVALIAÇÃO
CARDIOLÓGICA
DO ATLETA
A avaliação do atleta
segue a semiologia tradicional, porém com maior
ênfase cardiovascular. Geralmente os atletas são indivíduos assintomáticos e
em excelente estado geral. A referência a sintomas,
principalmente os induzidos pelo esforço físico, deve
ser valorizada e investigada. Tem sido constatado aumento da incidência de arritmias ventriculares complexas, como taquicardias ventriculares não-sustentadas
no pico do esforço, as quais, afastadas as causas clássicas de cardiomiopatias e síndromes arritmogênicas,
têm como hipótese mais aventada a seqüela pós-miocardite viral, sugerida nos exames de imagens, como
a ressonância magnética e a cintilografia do miocárdio.
Quanto aos exames complementares, a seleção
adequada de medidas propedêuticas, dentre as várias
atualmente disponíveis, fornece ao médico meio mais
acurado para o diagnóstico e o prognóstico comparativamente à época em que só se dispunha de eletrocardiografia e radiografia simples do tórax(1, 2, 4, 5).
A rotina de avaliação cardiovascular é controversa
na literatura(1, 2, 4, 5). Discute-se o custo/benefício efetivo
de uma avaliação mais completa comparativamente a
só anamnese e eletrocardiografia em repouso. Nossa
experiência com mais de 4 mil avaliações de atletas
demonstrou um número significante de arritmias complexas desencadeadas no pico do esforço em atletas
assintomáticos e sem substrato anatômico de cardiopatia. A avaliação utilizada há mais de 30 anos na Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte
do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia é constituída de(5): anamnese e exame físico; radiografia de
tórax (póstero-anterior e perfil esquerdo); eletrocardiografia clássica em repouso; teste ergométrico ou ergoespirométrico; exames laboratoriais; e ecocardiografia
bidimensional com Doppler colorido. Exames cardiológicos mais específicos, como Holter, “tilt test”, cintilografia do miocárdio, ressonância magnética do coração, estudos eletrofisiológicos e cinecoronarioventriculografia, são realizados caso a avaliação inicial indique
necessidade.
Anamnese e exame físico
História clínica
A anamnese permanece como a fonte mais rica de
informação, devendo ser completa e detalhada, com
ênfase para antecedentes cardiovasculares familiares,
sintomas sugestivos de doença cardiológica e história
cronológica da vida esportiva. Antecedentes familiares
de cardiopatias congênitas, morte súbita de parentes
(homens com menos de 55 anos e mulheres com menos de 65 anos)(10), hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias e insuficiência coronária, e antecedentes
pessoais de precordialgia, dispnéia, síncope, tonturas
e palpitações, desencadeados pelo exercício, obrigam
investigação mais detalhada.
O histórico esportivo deve incluir o início das atividades físicas regulares, a duração e a intensidade dos
treinamentos, e a qualidade do trabalho físico, que depende da posição do atleta na equipe e do tipo de modalidade esportiva praticada. Associadas às características genéticas, essas variáveis constituem fatores
que podem determinar alterações anatômicas cardíacas próprias do atleta e ser confundidas com cardiopatias assintomáticas(5, 8). Um princípio importante na
avaliação cardiovascular é que as funções miocárdicas e a circulação coronária podem ser adequadas no
repouso, mas não durante o exercício; portanto, devese dar maior atenção à influência da atividade física
nos sintomas referidos pelo atleta(3, 4). Entretanto, mesmo atletas com cardiopatias podem apresentar alta
capacidade funcional, atingindo 15 a 16 MET no teste
ergométrico(11).
Exame físico
O exame físico do atleta deve ser completo, observando-se hidratação e palidez das mucosas, medidas
antropométricas, pulsos e sopros carotídeos, pulsos periféricos e exame toracoabdominal. No coração de atleta
existem achados habituais, como sopros sistólicos funcionais, terceira e quarta bulhas, bulhas hiperfonéticas
e bradicardia. Outros elementos, como taquiarritmia,
fibrilação atrial e sopros, sugerindo doença valvular e
cardiopatias congênitas, não fazem parte da síndrome
do coração de atleta e obrigam investigação mais detalhada. Nos longilíneos devem ser afastadas as formas heterozigóticas (leves) da síndrome de Marfan
(doença da válvula mitral ou do anel aórtico)(10-13).
Muitas das cardiopatias que podem levar à morte
súbita de atletas podem não ser identificadas apenas
pela avaliação clínica. Da série de 130 mortes súbitas
em atletas americanos de 1985 a 1995, apenas 8 (6%)
tiveram diagnóstico de cardiopatia pela avaliação clínica, ainda em vida(3). Algumas doenças, como a estenose aórtica, foram facilmente detectadas pela ausculta
cardíaca. Entretanto, origem anômala da coronária esquerda e cardiomiopatia hipertrófica só apresentaram
sintomas em 31% e 21% dos casos, respectivamente.
Radiografia de tórax
Radiografia de tórax em posição póstero-anterior e
perfil esquerdo deve ser solicitada de rotina. Seu baixo
custo e as valiosas informações que fornece sobre a
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
99
estrutura do coração e dos
vasos sanguíneos torácicos permitem identificar
GHORAYEB N e cols.
cardiopatias silenciosas,
Avaliação cardiológica
incluindo calcificações pepré-participação do atleta
ricárdicas e vasculares importantes, assim como doenças congênitas com início na vida adulta. Nos
atletas, permite avaliar a
área cardíaca, que poderá estar globalmente aumentada, com circulação pulmonar reforçada em decorrência das características hiperdinâmicas funcionais
do coração de atleta, além de detectar alterações osteoarticulares e pleuropulmonares, sintomáticas ou
não(5).
Eletrocardiografia
A eletrocardiografia de 12 derivações continua sendo importante método diagnóstico cardiovascular. Existem alterações na freqüência cardíaca, no ritmo, na condução elétrica e na repolarização ventricular que são
consideradas variações da normalidade presentes no
atleta(5, 14-20). O eletrocardiograma do atleta reflete os
extremos da normalidade mais que qualquer outro
método na avaliação cardíaca.
Distúrbios do ritmo
Bradicardia sinusal. Alguns estudos demonstram incidência de bradicardia abaixo de 50 bpm em até 65%
dos atletas e freqüência cardíaca abaixo de 40 bpm
durante o sono. Arritmia sinusal é freqüente, embora
desapareça com o esforço. Arritmias supraventriculares e ventriculares sem complexidade têm incidência
que varia de 41% a 100% em diferentes estudos.
Distúrbios de condução atrioventriculares
Bloqueios de primeiro e segundo graus são encontrados em cerca de 37% e 23%, respectivamente(19),
sendo reversíveis com a parada do treinamento físico
em 95% dos indivíduos.
Distúrbios de condução intraventricular de níveis
variados
São mais freqüentes os do ramo direito do feixe de
His.
Alterações da repolarização ventricular
O diagnóstico é positivo quando presentes em pelo
menos três derivações do eletrocardiograma. São mais
encontradas nas precordiais esquerdas, com os seguintes padrões:
a) repolarização ventricular precoce, que corresponde
à causa mais comum de elevação do segmento S-T
em coração normal e que pode ser detectada nas
derivações inferiores, precordiais esquerdas e, mais
raramente, nas precordiais direitas;
b) padrão juvenil (onda T negativa e segmento S-T con-
100
vexo de V1 a V3). As ondas T precordiais direitas
geralmente tornam-se positivas após os 16 anos de
idade, mas ocasionalmente podem persistir negativas no adulto jovem;
c) pseudo-isquemia (ondas T negativas ou difásicas).
Sobrecargas ventriculares
O padrão de sobrecarga ventricular esquerda é comum no atleta(19), cuja incidência varia de 35% a 76%;
a incidência do padrão de sobrecarga de ventrículo direito varia de 18% a 69% , embora o diagnóstico de
hipertrofia pelo eletrocardiograma não tenha boa correlação com os achados dos exames de imagem, como
ecocardiografia e radiografia de tórax. As manifestações de hipertrofia de ventrículo esquerdo incluem:
aumento da voltagem; desvio do eixo médio do QRS
para trás, para cima e para a esquerda; prolongamento da despolarização; e gradual deslocamento do segmento S-T e da onda T na direção oposta àquela do
complexo QRS. As limitações de sensibilidade dos critérios eletrocardiográficos na hipertrofia de ventrículo
esquerdo são reconhecidas, variando de 25% a 50%
(critérios de Sokolow-Lyon e escore de pontos de
Romhilt-Estes, respectivamente), e a especificidade é
de cerca de 95% em ambos(8, 9, 12).
Síndromes arritmogênicas, como pré-excitação (síndrome de Wolff-Parkinson-White), síndrome do QT longo e síndrome de Brugada, podem ser causas de morte súbita e são diagnosticadas pela eletrocardiografia.
Alguns estudos demonstraram maior freqüência de síndrome de Wolff-Parkinson-White em atletas que na
população geral, porém com baixa incidência de taquiarritmias, estimada em cerca 0,15%(19).
Teste ergométrico
Avalia a função cardiovascular e a capacidade funcional do atleta nos esforços físicos, seus limites fisiológicos e sua evolução com a preparação física, e diagnostica cardiopatias silenciosas.
A condição funcional será confirmada quando as
alterações prévias da repolarização ventricular forem
reversíveis no teste ergométrico. Na fase de recuperação, a maior parte das alterações retorna aos padrões
iniciais. As alterações do segmento ST-T que não se
normalizarem ou que surgirem durante ou após o esforço devem ser minuciosamente investigadas. Os distúrbios do ritmo e da condução, quando de caráter funcional, retornam à normalidade ou regularizam o grau
de distúrbio(5, 12, 15) já nas manobras pré-esforço ou no
pico do exercício. Por sua vez, o desencadeamento de
arritmias pelo esforço deve ser profundamente investigado.
No Instituto Dante Pazzanese são utilizados os protocolos de Ellestad e de cargas crescentes contínuas
(protocolo de rampa). O ergômetro mais usualmente
utilizado é a esteira, mas, de acordo com a aptidão do
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
atleta, a bicicleta também
pode ser usada. A periodicidade para a realização
GHORAYEB N e cols.
do teste ergométrico em
Avaliação cardiológica
atletas é anual, devendo
pré-participação do atleta
ser menor (semestral)
para esportes de alto nível de demanda energética, como triatlo e maratona, e indivíduos de maior
risco, e trimestral na presença de cardiopatia.
Foram detectadas arritmias induzidas pelo esforço
em 26% dos atletas jovens, sendo 7% arritmias complexas e associadas a cardiopatias, como síndrome de
Wolff-Parkinson-White, doença de Chagas, miocardite, falsa corda de ventrículo esquerdo, dupla via nodal
e displasia arritmogênica de ventrículo direito, que levaram 3,1% desses atletas a serem desqualificados
para competições e encaminhados para tratamento
específico(12, 21).
Exames laboratoriais(5, 13)
Hemograma
A anemia, principalmente a ferropriva, é em geral
conseqüente a erros alimentares e até desnutrição de
vários graus. Mesmo em níveis leves, pode causar prejuízo no rendimento do atleta. Anemias mais intensas
podem ser sintomáticas e causar alteração no eletrocardiograma e sopros. Leucopenia absoluta e relativa
é comumente observada em atletas de alto rendimento, indicando diminuição de imunidade e maior suscetibilidade a infecções virais
Sódio, potássio e cloro
Permite a detecção de distúrbios eletrolíticos que
podem causar diminuição da força muscular, cãibras e
alterações eletrocardiográficas, representadas por distúrbios do ritmo e da repolarização ventricular, que
podem ser confundidas com achados fisiológicos do
eletrocardiograma do atleta.
Perfil lipídico e glicemia
A associação de aterosclerose com dislipidemia e
diabetes é freqüente. A coronariopatia é prevalente no
grupo etário acima dos 35 anos e é considerada a principal cauda de morte súbita em atletas acima dessa
faixa etária
Sorologia para doença de Chagas
A pesquisa da doença de Chagas em suas várias
formas clínicas faz-se necessária como rotina em nosso meio, na avaliação de atletas, por ser ainda endêmica em algumas regiões do Brasil e da América do Sul e
subdiagnosticada nos esportistas brasileiros, que muitas vezes provêm de regiões de nível socioeconômico
mais baixo.
Sorologia para Lues, agregação plaquetária e do-
sagem de ferritina devem ser solicitadas nas suspeitas
clínicas específicas(21).
Ecocardiografia(9, 14, 22)
A ecocardiografia é indicada nos atletas com suspeita de cardiopatia e nos atletas iniciantes em avaliações longitudinais seriadas, para acompanhamento dos
processos morfológicos de adaptação funcional cardiológica ao treinamento físico. Todos os parâmetros rotineiros devem ser indexados para massa corpórea.
A ecocardiografia é um método essencial no diagnóstico de várias cardiopatias que podem predispor
atletas à morte súbita, podendo detectar anormalidades estruturais que envolvem o miocárdio, a aorta e as
válvulas. Pode diferenciar as adaptações fisiológicas
do coração de atleta da hipertrofia patológica da cardiomiopatia hipertrófica.
O coração de atleta corresponde a alterações da
adaptação ao treinamento repetido, que depende da
intensidade, da duração e do tipo de exercício, da idade, do sexo e da raça. O ecocardiograma de atleta demonstra alterações do diâmetro cavitário, da espessura das paredes e da massa ventricular. Geralmente a
hipertrofia ventricular excêntrica predomina nos atletas de resistência, pela sobrecarga volumétrica, e a hipertrofia concêntrica predomina nos esportes isométricos, pela sobrecarga de pressão. Na Tabela 1 estão
apresentados alguns dados ecocardiográficos que contribuem para a discriminação da hipertrofia fisiológica
do atleta na cardiomiopatia hipertrófica.
A utilização da ecocardiografia no exame de préparticipação (triagem) de atletas tem aspectos controversos, principalmente em relação ao custo/efetividade, em decorrência da baixa freqüência de cardiopatias. No entanto, para diagnosticar a síndrome do coração de atleta, diferenciando-a da hipertrofia patológica, é um dos métodos mais sensíveis e específicos.
Outrossim, é útil para a detecção de anormalidades
congênitas, genéticas e adquiridas, de alto risco cardiovascular em jovens, como cardiomiopatia hipertrófica
assimétrica obstrutiva, displasia arritmogênica do ventrículo direito e outras cardiomiopatias, síndrome de
Marfan (com valvopatia aórtica e mitral) e valvopatias
(prolapso da valva mitral e estenose aórtica), que, no
seu início, podem ser clinicamente irreconhecíveis em
jovens atletas assintomáticos(8, 9, 14, 22).
CONCLUSÃO
A avaliação cardiológica é importante em qualquer
indivíduo que pretenda praticar esportes como lazer
ou competição. Diferenciar se os achados caracterizam
hipertrofia cardíaca fisiológica ou cardiomiopatia hipertrófica, responsável por mais da metade das mortes
súbitas nos esportes de jovens com menos de 35
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
101
Tabela 1. Alterações ecocardiográficas no coração de atleta e na cardiomiopatia
hipertrófica.
GHORAYEB N e cols.
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta
Ecocardiograma
Relação septo/parede posterior
de ventrículo esquerdo
Relação septo/diâmetro diastólico
de ventrículo esquerdo
Índice de massa de ventrículo esquerdo
Função diastólica
Movimento sistólico anterior da
válvula mitral
anos,(9, 10, 22) pode, em muitas situações, ser bastante
difícil. Na suspeita de grave doença miocárdica, devese recorrer ao exame de ressonância magnética do
coração, que, apesar do alto custo, por vezes é a única
maneira de se conseguir uma definição.
É preciso observar se as cardiopatias incipientes,
consideradas sem risco e de controle cardiológico mínimo, poderão ter seu curso natural piorado com os
efeitos da estimulação determinada pela atividade es-
102
Coração
de atleta
Cardiomiopatia
hipertrófica
< 1,3
> 1,3
< 0,43
Normal ou alto
Normal
> 0,43
Alto
Diminuída
Não
Sim
portiva. Enfim, atletas aparentemente sadios poderão
ter os riscos de complicações elevados com a continuidade das atividades físicas regulares e intensas.
A morte súbita de causa cardíaca na atividade esportiva varia com a idade, com a população estudada, e com
a intensidade e o tipo de esporte praticado. Embora seja
um evento raro, a repercussão é dramática e deve ser
vigorosamente prevenida, com avaliações cardiológicas
periódicas e completa orientação médica e ética.(5, 13)
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
PREPARTICIPATION SCREENING OF ATHLETES
GHORAYEB N e cols.
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta
FOR CARDIOVASCULAR DISEASE
NABIL GHORAYEB, MICHEL BATLOUNI, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,
SERGIO TIMERMAN, ALI NAKHLAWI, ADRIANO M. TRICOTI,
CLARISSA C. DALL’ORTO, DANIEL F. MUGRABI
Cardiac evaluation before participation in any sport modality is performed to detect possible cardiovascular abnormalities, silent or not, that can definitively or temporally disqualify an athlete for sport activity. A cardiac disease can also set a cascade of events that culminates in sudden cardiac death during effort and this situation
can be prevented by careful clinical assessment. An evaluation protocol conducted
by us for cardiac examination in more than 4,000 athletes in our institution since
1975 included the following procedures: clinical history and physical examination,
resting ECG, exercise stress test, Doppler echocardiogram, thorax X-ray and laboratory analysis including hemogram, fast glycemia and serum lipids, serologic reaction for Chagas disease. Several changes were observed that could be erroneously
mistaken with the so-called athlete’s heart syndrome like cardiomegaly, heart rhythm
disturbances and changes in ventricular repolarization in the resting ECG. The criteria defining those parameters as not abnormal included the return to normal values
after de-training, normalization of the electrocardiographic variables during exercise
stress test, and also systolic and diastolic ventricular function in the Doppler echocardiogram.
Key words: athlete’s heart, cardiac hypertrophy, pre-participation evaluation of athletes, pre-participation examination of athletes, sudden cardiac death.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:97-104)
RSCESP (72594)-1518
REFERÊNCIAS
1. Corrado D, Pelliccia A, Bjørnstad HH, et al. Cardiovascular pre-participation screening of young competitive athletes for prevention of sudden death: proposal for a common European protocol. Publish-ahead-of-print published. Eur Heart J. 2005;26:516-24.
2. Pelliccia A, Maron BJ. Screening athletes for cardiovascular disease. In: Thompson PD. Exercise and
Sports Cardiology. New York: McGraw Hill; 2001. p.
235-48.
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
DAHER DJ e cols.
Avaliação cardiovascular
pré-participação na
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
AVALIAÇÃO CARDIOVASCULAR PRÉ-PARTICIPAÇÃO
NA ACADEMIA: ASPECTOS MÉDICOS E FISIOLÓGICOS
DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO GUISELINI, NABIL GHORAYEB,
GIUSEPPE DIOGUARDI
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Instituto Runner de Ensino e Pesquisa
Endereço para correspondência: Rua Coriolano, 982/83 — Vila Romana —
CEP 05047-000 — São Paulo — SP
O exercício tem importante papel na promoção do bem-estar físico e psíquico,
sendo sua prática atualmente divulgada e encorajada em todas as faixas etárias. As
academias de ginástica, nesse contexto, passaram a ter papel de destaque, sendo
um espaço freqüentado por enorme contingente de pessoas interessadas em atividade física orientada e segura. A avaliação médica, com ênfase nos aspectos cardiovasculares, e a avaliação física desses alunos passaram a ter grande importância,
não apenas em relação à prevenção de eventos relacionados aos exercícios, como
na prescrição adequada dos mesmos. Os profissionais envolvidos nessas tarefas
precisam aliar uma série de qualidades e conhecimentos, e, embora não atendam
atletas profissionais, avaliam e orientam indivíduos que muito freqüentemente praticam atividades físicas de alto rendimento e com grande impacto no sistema cardiorrespiratório. A utilização de métodos diagnósticos, além da história clínica e do exame físico, passou a ser obrigatória em grande parte dessa população, uma vez que
a atividade física pode representar risco naqueles com doença cardíaca não diagnosticada ou que não esteja sob controle adequado. As condutas a serem adotadas
para a correta avaliação pré-participação em alunos de academia, no que se refere
tanto à avaliação médica como aos aspectos fisiológicos, a estrutura necessária
para essa avaliação, os equipamentos mais freqüentemente utilizados e o conhecimento exigido para os profissionais que irão realizá-la serão os aspectos discutidos
neste artigo.
Palavras-chave: avaliação cardiovascular, academia, teste ergométrico, exercício.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:105-13)
RSCESP (72594)-1519
INTRODUÇÃO
A realização de atividades físicas é fundamental na
preservação e na promoção da saúde(1). A regularidade de exercícios realizados de forma adequada promove inúmeras adaptações fisiológicas, anatômicas e
também histológicas, como hipertrofia e hiperplasia das
fibras musculares esqueléticas, aumento da atividade
enzimática celular, aumento da vasculatura capilar e
aumento da volemia, entre outras(2). A pressão arterial
e o perfil lipídico também são alterados favoravelmente, com redução das cifras tensionais em repouso, elevação do HDL-colesterol, e diminuição dos triglicérides e da intolerância à glicose(3). Ocorre, também, melhora tanto da qualidade de vida como da autoconfiança, já bem documentada entre aqueles que praticam
exercícios regularmente(4).
Entretanto, as doenças cardiovasculares podem
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
105
estar presentes entre os
que desejam iniciar ou
continuar esse saudável
DAHER DJ e cols.
hábito, podendo se transAvaliação cardiovascular
formar em obstáculos para
pré-participação na
a realização com seguranacademia: aspectos
ça da atividade física. A
médicos e fisiológicos
avaliação médica, realizada antes do início da atividade física e periodicamente com a continuidade
da mesma, ajuda a prevenir e a superar, com tratamento quando necessário, as
situações que possam colocar em risco a integridade
desses indivíduos, seja em treinos seja durante atividades recreativas ou competitivas. Sabemos que em
número expressivo de indivíduos essa avaliação préparticipação representa a única oportunidade de um
exame periódico, sendo uma situação facilitadora para
que o médico possa aconselhar o aluno quanto aos
diversos aspectos da prática física, bem como dirimir
dúvidas que porventura possam existir.
Os profissionais de educação física que atuam em
locais que desenvolvem programas de aptidão física
relacionados à promoção da saúde e bem-estar devem conhecer os princípios científicos que norteiam a
avaliação física e a prescrição de exercícios. Os resultados dos testes de aptidão física são utilizados para
planejar cientificamente programas de exercícios de
acordo com necessidades, interesses e capacidades
individuais dos clientes(5).
Com o conhecimento, a liderança e a orientação dos
profissionais, o cliente pode reduzir os riscos de lesões
e doenças e melhorar seu nível de aptidão física e saúde de forma eficiente e segura.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, aptidão
física deve ser entendida como a capacidade de realizar trabalho muscular de maneira satisfatória; assim,
dentro dessa concepção, estar apto fisicamente significa apresentar condições que permitam bom desempenho motor quando submetido a situações que envolvam esforços físicos.
De acordo com Bouchard e colaboradores(6), aptidão física é definida como um estado dinâmico de energia e vitalidade que permite a cada um não apenas a
realização de tarefas do cotidiano, ocupações ativas
das horas de lazer e enfrentar emergências imprevistas sem fadiga excessiva, mas também evitar o aparecimento das disfunções hipocinéticas, enquanto funcionando no pico da capacidade intelectual e sentindo
alegria de viver.
Assim sendo, tendo em vista a prescrição de exercícios para o desenvolvimento dos componentes da aptidão
física para a promoção da saúde, pelo menos quatro aspectos devem constar da rotina de avaliação física:
106
— avaliação de aspectos posturais;
— avaliação de aspectos da composição corporal;
—avaliação de aspectos neuromotores;
— avaliação de aspectos metabólicos.
Conforme recomendação do Colégio Americano de
Medicina Desportiva, de 2000, academias, clubes, centros esportivos, empresas e demais locais que desenvolvem programas de exercícios cujo objetivo primário
é o desenvolvimento da aptidão física relacionada à
promoção da saúde e bem-estar devem administrar,
em complemento à avaliação médica, uma bateria de
testes físicos em uma única sessão, usando a seguinte seqüência: pressão arterial e freqüência cardíaca
em repouso, composição corporal, resistência cardiorrespiratória, força de resistência muscular e flexibilidade(7).
É importante que o programa de avaliação física da
academia seja composto de testes simples, porém de
resultados comprovados cientificamente, que possam
ser realizados em espaços adequados e com equipamentos de custo financeiro baixo e aplicados por profissionais especializados.
ESTRUTURA E PROFISSIONAIS
O local da avaliação deverá ser, sempre que possível, o mesmo local em que o indivíduo realiza a atividade física, isto é, na própria academia.
As vantagens dessa decisão são: o relaxamento do
aluno, por estar em local conhecido e sendo avaliado
por profissionais de seu convívio; maior contato entre
aluno-médico-educador físico; e observação imediata
dos resultados dos exames, facilitando a liberação ou
o afastamento temporário do aluno até que providências sejam tomadas. Caso a academia seja utilizada, o
local deverá contar com instalações apropriadas, equipamentos adequados e suporte para atendimento das
emergências que eventualmente venham a acontecer
no ambiente do exame. Devem, portanto, ser seguidas
as normas estabelecidas para a correta e segura realização do teste ergométrico, que, como veremos, é parte
essencial na avaliação ora proposta.
Os profissionais envolvidos na avaliação cardiovascular são o médico e o educador físico, sendo necessário a ambos o treinamento específico para essa situação. A interação entre esses dois profissionais é de
suma importância para a boa realização dos procedimentos em questão.
Os equipamentos mais freqüentemente utilizados
nas avaliações das academias são: para a avaliação
postural, o simetrógrafo; e para a avaliação da composição corporal, balança antropométrica ou digital, compasso de dobras cutâneas e trena metálica. A avaliação dos aspectos neuromotores consta de testes de
flexibilidade e, para tanto, utiliza o banco de Wells ou
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
flexímetro e para o teste
de força de resistência
muscular localizada dinâDAHER DJ e cols.
mica são utilizados apeAvaliação cardiovascular
nas colchonete e cronôpré-participação na
metro. Para os testes subacademia: aspectos
máximos de aspectos memédicos e fisiológicos
tabólicos são utilizados diferentes ergômetros,
como banco, bicicleta ou
esteira, esfigmomanômetro, estetoscópio, freqüencímetro e cronômetro, para a predição indireta do consumo máximo de oxigênio. O eletrocardiógrafo convencional ou os sistemas computadorizados, juntamente
com o cicloergômetro e a esteira ergométrica, são rotineiramente utilizados para a avaliação médica.
da, visando a afastar a presença de ruídos adventícios
como sibilos, roncos e estertores, que podem significar presença de anormalidades respiratórias primárias ou relacionadas com doenças cardíacas. A ausculta pulmonar realizada durante e logo após a fase de
esforço do teste ergométrico pode ser muito reveladora em condições como asma induzida pelo exercício e
em casos de disfunção ventricular. A medida correta
da pressão arterial, tanto em repouso como durante o
exercício, também se mostra fundamental, podendo
inclusive orientar o diagnóstico de um quadro de hipertensão arterial não suspeitado. Em indivíduos adultos,
valores superiores a 130 mmHg para a pressão arterial sistólica e a 85 mmHg para a pressão arterial diastólica são considerados anormais e devem ser fruto de
encaminhamento para investigação.(10)
EXAMES COMPLEMENTARES
HISTÓRIA CLÍNICA
Anamnese ou história clínica é o principal elemento
da avaliação cardiovascular, podendo detectar cerca
de 70% das afecções cardiovasculares em indivíduos
jovens(8). Na academia, por causa do grande número
de avaliações a serem realizadas, recomendamos a
utilização de questionários direcionados, a serem respondidos previamente pelo aluno, com perguntas relativas a possíveis doenças preexistentes, uso de medicações, fumo, drogas, álcool, alergias, asma brônquica, alterações da pressão arterial, tonturas ou síncopes relacionadas ao exercício, palpitações, história de
sopros cardíacos e história de morte súbita ou doenças cardiovasculares na família.
Um questionário mais simples, conhecido como
questionário de prontidão para atividade física (“Physical Activity Readiness Questionnaire” — PAR-Q), poderá ser utilizado como um padrão mínimo de avaliação pré-participação, sendo porém muito útil quando
considerada uma avaliação em massa, como ocorre
em alguns eventos esportivos envolvendo grande número de participantes(9).
EXAME FÍSICO
Deve ser realizado após a história clínica e compreende aferição da pressão arterial, palpação dos pulsos
periféricos, palpação do icto e ausculta cardíaca. Algumas condições como sopros cardíacos, terceira ou
quarta bulhas e estalidos podem estar relacionadas com
cardiopatias e implicam avaliação mais aprofundada,
no sentido de confirmar ou afastar a suspeita de cardiopatia estrutural. A palpação dos pulsos periféricos
pode revelar anormalidades circulatórias e levantar a
hipótese de doenças que levem a alterações desse sinal. Também a ausculta pulmonar deverá ser realiza-
A eletrocardiografia de repouso e o teste ergométrico são os exames indicados para complementar a avaliação cardiovascular, sendo o primeiro indicado em todos os alunos que desejem iniciar uma atividade física, independentemente da idade. A indicação do teste
ergométrico nessa situação é motivo de discordância
na literatura. Acreditamos, no entanto, que sua utilização mais liberal venha proporcionar maior segurança
a todos aqueles envolvidos nas atividades em questão. Os indivíduos que freqüentam o ambiente das academias são por vezes extremamente competitivos e,
apesar de não serem especificamente atletas profissionais, realizam treinamentos em geral em altas cargas
de trabalho, levando a um estresse elevado do sistema
cardiovascular. Naqueles com fatores predisponentes,
essa atividade intensa, às vezes extenuante, pode servir como “gatilho” para eventos cardiovasculares que
não ocorreriam em situação de menor demanda cardiorrespiratória(11).
Eletrocardiografia
A eletrocardiografia de 12 derivações, pelo seu baixo custo e pela facilidade de realização, continua sendo um importante método diagnóstico cardiovascular.
Existem alterações na freqüência cardíaca, no ritmo,
na condução elétrica e na repolarização ventricular que
são consideradas variações da normalidade,(10, 12, 13) mas
que em algumas situações podem revelar anormalidades patológicas que precisam ser mais bem investigadas.
Quando são avaliados indivíduos atletas ou com alto
grau de treinamento, muitas das alterações do eletrocardiograma aqui descritas podem ser encontradas, não
significando presença de doença no sistema cardiovascular. No entanto, em pessoas fora dessas condições, essas anormalidades deverão ser investigadas
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
107
DAHER DJ e cols.
Avaliação cardiovascular
pré-participação na
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
mais profundamente, a fim
de diagnosticar doenças
cardíacas ainda assintomáticas, que podem resultar em risco para o aluno
durante as atividades na
academia.
Teste ergométrico
O teste ergométrico poderá ser realizado em cicloergômetro ou esteira
ergométrica, utilizando protocolos adequados aos objetivos em questão e seguindo sempre as normatizações descritas nas diretrizes do Departamento de Ergometria, Exercício e Reabilitação Cardiovascular da
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC-DERC). Deverá ser sempre limitado por sintomas ou exaustão,
atingindo assim o máximo de sua sensibilidade e especificidade diagnóstica, além de fornecer os dados
necessários para uma correta prescrição da atividade
física aeróbica.
É prudente indicar o teste ergométrico em candidatos a freqüentar academias nas condições:
— homens com mais de 35 anos de idade;
— mulheres com mais de 40 anos de idade;
— indivíduos com dois ou mais fatores de risco para
doença coronária;
— indivíduos com história de asma induzida por esforço;
— candidatos à prática de exercícios vigorosos e/ou
competitivos;
— indivíduos com doença cardíaca conhecida (em qualquer faixa etária).
Os protocolos utilizados na realização do teste são
usualmente os mesmos que se lança mão para a investigação diagnóstica. Na esteira rolante, os de Ellestad e Bruce são os preferidos, apesar do crescente
avanço dos chamados protocolos de “rampa” em nosso meio. Quando a bicicleta ergométrica é utilizada, os
mais utilizados são os protocolos de Astrand (normal e
modificado). A experiência do médico examinador com
cada um dos protocolos e o tipo de ergômetro disponível determinarão, por vezes, a opção a ser escolhida.
Recomenda-se que seja feita uma adaptação em relação à modalidade normalmente mais praticada pelo
aluno; essa opção pode contribuir para a melhor resposta ao teste e, conseqüentemente, levar à avaliação
mais fiel da aptidão cardiorrespiratória, gerando uma
prescrição de exercício adequada.
Após os recentes acontecimentos de morte súbita
no esporte, amplamente divulgados, as indicações para
o teste ergométrico foram francamente modificadas, não
nas diretrizes médicas mas pelo próprio público usuário, o que obrigou sua realização com maior abrangên-
108
cia e em faixa etária mais jovem, visando, de certa forma, a aumentar a segurança e a tranqüilizar os praticantes de atividades físicas. No entanto, deve sempre
ser salientado o baixo valor preditivo desse exame em
populações nas quais o risco de doença é baixo.
Quando forem encontradas alterações no teste ergométrico, sejam estas de caráter isquêmico, por arritmias, resposta alterada da pressão arterial ou sintomas, o aluno deverá ser informado e orientado a procurar seu médico assistente. A liberação para a freqüência na academia, nesses casos, deverá ser feita
em função da gravidade das alterações encontradas.
Nos casos com maior risco de eventos cardiovasculares durante a prática de exercícios, a conduta mais adequada parece ser o afastamento provisório, até que seja
realizado o tratamento da condição diagnosticada e que
ocorra a subseqüente liberação pelo médico assistente do aluno por meio de relatório.
PROCEDIMENTOS PARA A REALIZAÇÃO
DA AVALIAÇÃO FÍSICA
Antes de iniciar qualquer programa de exercícios
físico é recomendado que o aluno/cliente passe por
um exame médico e que, conforme citado anteriormente, indivíduos de ambos os sexos, com mais de 30 anos
de idade, sejam submetidos ao teste ergométrico para
serem liberados para a prática. Recomenda-se que a
avaliação física seja agendada no momento da matrícula e que seja realizada no menor prazo possível, a
fim de que o programa de treinamento seja iniciado
com base nos resultados.
O tipo de avaliação física proposto a seguir é o mais
comumente realizado nas academias, dura cerca de
40 minutos e segue a seguinte ordem:
1. Anamnese e PAR-Q.
2. Medida da pressão arterial e da freqüência cardíaca
em repouso.
3. Medidas antropométricas e avaliação da composição corporal.
4. Avaliação postural.
5. Teste ergométrico submáximo (medida indireta).
6. Teste de flexibilidade.
7. Teste abdominal.
8. Teste de flexão e extensão dos cotovelos.
9. Emissão dos laudos com os resultados.
10. Interpretação e discussão dos resultados com o
aluno/cliente e prescrição dos exercícios.
Aplicação dos testes utilizados na avaliação
física
Anamnese
Além dos dados coletados na anamnese tradicional, é recomendado identificar as experiências anteriores do aluno/cliente com relação à prática de exercí-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cios, ou seja, o que mais
gosta, que sente mais facilidade para realizar ou
DAHER DJ e cols.
mesmo que modalidade
Avaliação cardiovascular
gostaria de praticar. Esse
pré-participação na
procedimento é fundaacademia: aspectos
mental, uma vez que,
médicos e fisiológicos
como geralmente não é
utilizado teste de coordenação motora na avaliação
física, o avaliador obterá
informações importantes
para a prescrição de exercícios bem como para identificar os objetivos.
Avaliação dos aspectos posturais
Tem como objetivo identificar os principais desvios
posturais que podem ser agravados com a prática de
exercícios inadequados. Uma vez identificados desvios significativos, o aluno/cliente deve ser encaminhado para um profissional especializado, pois são casos
de responsabilidade do ortopedista e do fisioterapeuta.
A utilização do simetrógrafo possibilita identificar os
desvios posturais mais evidentes, por meio da observação de pontos anatômicos específicos que permitem identificar possíveis assimetrias decorrentes dessa alteração postural. Os principais desvios posturais
possivelmente encontrados nos avaliados são os de
coluna cervical, coluna dorsal, lombar, joelhos e pés.
Avaliação de aspectos da composição corporal
Com o objetivo de avaliar as relações entre a quantidade e a distribuição da gordura corporal e massa
muscular e as alterações no nível de aptidão física e
no estado de saúde dos alunos/clientes, são aplicadas
as técnicas mais utilizadas no dia-a-dia dos profissionais de Educação Física e Nutrição: as medidas antropométricas e a medida da espessura de dobras cutâneas.
Medidas antropométricas
As mais utilizadas são: massa, estatura, perímetros
corporais e espessura de dobras cutâneas.
A medida das dobras cutâneas pode ser feita em
vários lugares do corpo; entretanto, são 10 os pontos
mais utilizados, atendendo a maioria das equações preditivas disponíveis na literatura especializada: tríceps,
subescapular, axilar média, supra-ilíaca, bíceps, torácica, abdominal, supra-espinal, coxa, e panturrilha medial.
Avaliação dos aspectos neuromotores
As capacidades físicas força muscular e flexibilidade são componentes da aptidão física relacionada à
promoção da saúde e seu desenvolvimento tem influência no desempenho das atividades cotidianas, além
de evitar o aparecimento de alguns tipos de doenças
degenerativas do sistema músculo esquelético. Segun-
do o Colégio Americano de Medicina Desportiva(5), um
único teste não é capaz de avaliar generalizadamente
a flexibilidade corporal total; dessa forma, existem vários testes para medir níveis de flexibilidade em uma
articulação ou em um grupo de articulações, como o
eletrogoniômetro, o flexímetro, o flexiteste e o teste de
“sentar e alcançar”, entre outros. O teste de “sentar e
alcançar”, proposto por Wells e modificado por Camaione, apresenta um indicativo da flexibilidade da região
inferior da coluna lombar e da região posterior da coxa,
e consta da maior parte das baterias de testes de aptidão física relacionada à saúde quando essa variável
deve ser avaliada.
Força muscular
A avaliação da força muscular, de acordo com Mathews(14), é de fundamental importância para o professor de educação física, para a elaboração do programa e para seus alunos/clientes porque: 1) a força é
necessária para uma boa aparência; 2) a força é básica para um bom desempenho na execução de diferentes exercícios; 3) a força é altamente considerada quando da medida de aptidão física; e 4) a manutenção da
força pode servir como uma profilaxia contra certas
deficiências ortopédicas.
Os métodos mais comuns para medir a força muscular são: tensiometria, dinamometria, teste de 1RMVD
(uma repetição máxima voluntária dinâmica) com pesos e determinações por computador da produção de
força e trabalho, incluindo medidas isocinéticas de força muscular(15). Como pode ser observado, a maioria
dos testes de força utiliza equipamentos de alto custo,
não disponíveis em grande parte das academias, o que
faz com que sejam administrados dois testes de baixo
custo e fácil execução: o teste abdominal e a extensão
dos cotovelos.
— Teste abdominal: mede indiretamente a força da
musculatura abdominal, por meio da realização do
maior número possível de flexões abdominais (flexão do tronco e quadril sobre os joelhos) em um
minuto.
— Teste de flexão e extensão dos cotovelos: o avaliado
deve ficar em decúbito ventral, braços estendidos
na largura dos ombros, pernas estendidas e apoio
na ponta dos pés. Durante um minuto são realizadas flexões e extensões do cotovelo, tocando o tórax no solo. Para mulheres, o teste é realizado na
posição ajoelhada.
Avaliação dos aspectos metabólicos
Diminuir a gordura corporal, melhorar a condição
física geral e participar de atividades recreativas e competitivas de natureza aeróbia são alguns dos principais
objetivos dos alunos/clientes de academias, incluindo
aqueles que dizem sentir-se muito cansados após caminhada em ritmo um pouco mais intenso.
Para os casos citados, é importante a prescrição
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
109
de exercícios de predominância aeróbia, sendo,
para tanto, necessário
DAHER DJ e cols.
avaliar a potência aeróbia
Avaliação cardiovascular
para que o professor tenha
pré-participação na
subsídios para tal finalidaacademia: aspectos
de. Esse tipo de avaliação
médicos e fisiológicos
geralmente é realizado por
meio de testes que medem o consumo máximo
de oxigênio (VO 2 máx),
que representa a quantidade máxima de oxigênio que um indivíduo consegue
captar do ar alveolar, transportar aos tecidos pelo sistema cardiovascular e utilizar pelas células na unidade
de tempo. Na avaliação da potência aeróbia, podem
ser utilizados aparelhos denominados ergômetros, entre os quais bicicleta ergométrica (mecânica ou eletromagnética), esteira rolante, banco de madeira, remoergômetro (específico para remadores), e “swimmingflume” (específica para nadadores), assim como pistas
de atletismo e quadras de esporte.
Geralmente, nas academias, a medida da potência
aeróbia realizada nesses ergômetros é feita de forma
indireta, tendo em vista a facilidade e o baixo custo
operacional.
Os testes de medida indireta constitutem uma avaliação em geral, baseada na relação linear entre a freqüência cardíaca e o VO2, medido quando as requisições e as produções energéticas tenham chegado ao
equilíbrio (“steady-state”). Nesse tipo de avaliação são
utilizados normogramas, fórmulas e análise de regressão, desenvolvidos a partir de medidas diretas e com o
objetivo de predizer o VO2 do indivíduo, partindo de um
teste submáximo. Os testes mais utilizados são: teste
de bicicleta ergométrica de Ästrand de 8 minutos, teste
de bicicleta ergométrica de Ästrand de 5 minutos, teste
de banco do Queens College para universitários, teste
de banco de Balke, teste de banco de Astrand, teste
de corrida de 1. 000 metros (para crianças de 8 a 13
anos) e teste de corrida de 12 minutos.
Interpretação dos resultados e discussão com
o aluno/cliente
Interpretação dos resultados
O resultado da avaliação postural permite identificar os possíveis problemas decorrentes principalmente do enfraquecimento e/ou do encurtamento de determinados grupos musculares responsáveis pela postura. Atenção especial é dada aos músculos abdominais,
posteriores da coxa e flexores do quadril pela sua relação com o aparecimento de alterações na região lombar.
A porcentagem de gordura e o índice de massa corporal fornecem dados para identificar os padrões de-
110
sejáveis de massa gorda e massa magra e as possíveis modificações.
Quanto ao nível de aptidão física, tendo como referência as tabelas de classificação, é possível estabelecer, para cada uma das capacidades avaliadas, os respectivos valores considerados recomendados para idade, sexo e objetivos, conforme os resultados obtidos
nos testes metabólicos (resistência cardiorrespiratória)
e neuromotores (força muscular e flexibilidade).
Atualmente existem no mercado programas computadorizados de avaliação física, que emitem laudos
com os resultados e as respectivas classificações dos
diferentes testes aplicados, uma excelente ferramenta
que torna todo o processo mais rápido.
Discussão dos resultados com o aluno/cliente
— Fazendo o aluno/cliente compreender os resultados:
os resultados dos testes e a respectiva classificação de cada um deles são apresentados de forma
clara e objetiva para que o aluno/cliente tenha conhecimento tanto de seu nível corrente de aptidão
física, que será utilizado como ponto de partida para
alcançar as metas/objetivos pré-determinados,
como das necessidades especiais, como, por exemplo, exercícios específicos para o fortalecimento de
um grupo muscular enfraquecido.
— Apresentando o programa de treinamento: tendo em
vista o nível de aptidão física, as metas/objetivos e
as modalidades de exercícios preferidas pelo aluno/cliente, o professor apresenta uma proposta inicial de programa de treinamento contendo informações gerais sobre capacidades a serem treinadas,
modalidades de exercício oferecidas pela academia
e características organizacionais da aula.
As fases seguintes, prescrição e aplicação prática,
são elaboradas a partir da discussão dos resultados
com o aluno/cliente, que acontece logo após a aplicação dos testes ou no próximo encontro entre o professor avaliador e o aluno/cliente.
Caso a discussão dos resultados aconteça no mesmo dia da avaliação física, o professor avaliador terá
pouco tempo para interpretar os resultados, comparando-os com tabelas ou com programas computadorizados, para, em seguida, apresentá-los ao
cliente.Embora o tempo seja curto, sob o ponto de vista motivacional, a experiência prática tem mostrado ser
bastante válido o fato de discutir com o aluno/cliente
os resultados logo após a avaliação física.
Prescrição dos exercícios
É o momento da elaboração teórica do programa,
tendo como ponto de referência metas/objetivos e nível de aptidão física do aluno/cliente e como base os
resultados obtidos nos testes.
— Determinação dos objetivos gerais: como, por exemplo, aumentar a resistência cardiorrespiratória e di-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
minuir 2% da gordura corporal.
— Seleção das modalidaDAHER DJ e cols.
des de exercício de efeito
Avaliação cardiovascular
geral (cíclicas e acíclicas):
pré-participação na
esteira, aula de “spinning”,
academia: aspectos
aula de “step”, circuito aemédicos e fisiológicos
róbio, hidroginástica e natação, entre outras.
— Seleção das modalidades de exercício de efeito
localizado: musculação,
ginástica localizada, pilates, abdominal e alongamento, entre outras.
— Seleção dos métodos de treinamento, intensidade e
volume: esse procedimento metodológico fica a cargo dos professores responsáveis de cada modalidade, embora o professor avaliador sugira, na prescrição, as possíveis combinações de modalidades
de exercício e as respectivas vezes durante a semana. É importante ressaltar que a intensidade da
modalidade de exercício escolhida tem como referência os resultados obtidos nos testes específicos
das capacidades envolvidas (metabólicas e neuromotoras).
Aplicação prática
A elaboração das aulas práticas, incluindo tempo de
duração de cada fase e objetivos específicos de cada uma
das modalidades de exercício, é de responsabilidade da
equipe técnica da academia, cabendo aos professores
avaliadores a responsabilidade de conhecê-las muito bem
para poder fazer uma correta prescrição.
Recomenda-se que o professor avaliador, além do
excelente conhecimento científico relacionado aos fundamentos teóricos sobre avaliação física, treinamento
esportivo e modalidades de exercício, participe das
aulas práticas oferecidas pela academia, adquirindo
vivência prática para tornar sua avaliação mais consistente e precisa. O avaliador com alto nível de competência deve associar os fundamentos teóricos à vivência prática, pois essa combinação confere maior credibilidade.
AVALIAÇÕES EM GRUPOS ESPECIAIS
As avaliações realizadas em crianças, idosos, atletas, grávidas e deficientes físicos devem seguir as di-
retrizes do SBC-DERC, com as adaptações nos ergômetros e protocolos pertinentes a cada grupo estudado. Naqueles indivíduos com cardiopatia já conhecida,
as recomendações para os exames complementares
estão definidas nas mesmas diretrizes anteriormente
citadas. Em relação a estes últimos, recomenda-se que
mantenham as medicações em uso quando da realização do teste ergométrico e que sua prescrição siga
rigorosamente os parâmetros encontrados no exame.
A opção de retirar medicamentos que possam alterar a
resposta eletrocardiográfica e da pressão arterial durante o teste ergométrico é de responsabilidade do
médico do aluno, não devendo essa orientação partir
da equipe da academia. Nos casos em que a resposta
da freqüência cardíaca é alterada por medicamentos
cronotrópicos negativos, a prescrição do exercício deverá se dar pelos resultados obtidos pelas escalas de
esforço percebido e pelos sintomas apresentados durante o esforço. Quando da avaliação de alunos com
doença cardiovascular estabelecida, a realização apenas do teste de potência aeróbica, sem monitorização
eletrocardiográfica, está contra-indicada.
CONCLUSÕES
A segurança do aluno e a correta prescrição da atividade física, com o conseqüente aproveitamento ótimo dos benefícios do exercício na saúde, tanto física
como emocional, são os objetivos principais da avaliação cardiovascular pré-participação nas academias.
Esses ambientes transformaram-se nos últimos
anos em locais de convívio intenso de milhares de jovens, sendo claramente uma opção de estilo de vida. A
orientação adequada para a prática de atividades físicas e a segurança com que esta é praticada passaram
a ser requisitos fundamentais para o bom resultado dessa atividade.
Mais recentemente, pessoas de faixas etárias mais
elevadas também têm procurado as academias para
programas de condicionamento físico, auxílio na redução da obesidade e pela própria prescrição médica do
exercício como parte do tratamento de diversas doenças. Essa diversidade de público acabou por determinar mudanças também no perfil da avaliação médicafísica a ser realizada. Acreditamos que os aspectos aqui
discutidos são, nos dias atuais, os que farão com que
esses objetivos sejam alcançados de maneira mais
consistente.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
111
DAHER DJ e cols.
Avaliação cardiovascular
pré-participação na
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
PREPARTICIPATION CARDIOVASCULAR EVALUATION
ON THE GYM: MEDICAL AND PHYSICAL FEATURES
DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO GUISELINI, NABIL GHORAYEB,
GIUSEPPE DIOGUARDI
Exercising has an essential role in promoting physical and emotional welfare,
thus, nowadays, its practice is promoted and encouraged in all age groups. Gyms
have now an important role in this specific context, since it is an environment frequented by a great amount of people who is interested in safe and oriented physical
activities. The students’ physical and medical evaluations, the last one emphasing
the cardiovascular aspects, are now crucial, not only in relation to the prevention of
events related to physical exercising, but also to the proper exercise prescription. All
professionals involved in these tasks should ally a series of qualities and knowledge
and, although they don’t deal with professional athletes, they evaluate and guide
individuals who very frequently practice physical activities of high performance and
great cardio respiratory system impact. The use of diagnosis methods, besides the
clinical history and the physical exam is now mandatory in a significative part of this
population, once the physical activity can represent risks to those with undiagnosed
or not under control heart disease. The conduct to be adopted for a correct pre
exercising evaluation for gym students, both on the medical and the physiological
aspects, the necessary infrastructure for this evaluation, the most frequent used
equipments and the professional knowledge necessary for the correct evaluations
are the aspects discussed in this article.
Key words: cardiovascular evaluation, gym, stress test, exercise.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:105-13)
RSCESP (72594)-1519
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pré-participação na
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
113
PREPARAÇÃO DO ATLETA DE
BARROS TL e cols.
Preparação do atleta de
esportes competitivos
ESPORTES COMPETITIVOS
TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI ANGELI,
LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE DE BARROS
Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte –
Universidade Federal de São Paulo – EPM
Endereço para correspondência: Ginásio do Ibirapuera (entre portas 4 e 6) –
Rua Marechal Estênio de Albuquerque Lima, 82 – Paraíso – CEP 04005-040 –
São Paulo – SP
A preparação do atleta de alto rendimento é um desafio de natureza multidisciplinar. O limite do desempenho físico depende tanto do sistema de transporte de oxigênio como dos mecanismos periféricos de utilização da energia química. Por outro
lado, preparar fisicamente um atleta para ser exigido no limite máximo de desempenho depende também do entendimento dos fatores de limitação musculoesqueléticos. A sobrecarga física de treinamentos e competições acarreta tanto efeitos agudos como crônicos, capazes de prejudicar o desempenho. A manifestação aguda
mais estudada atualmente caracteriza-se por uma série de sinais e sintomas denominados pela sigla DOMS, que representa o quadro da dor muscular de início tardio,
e que, na realidade, é um quadro inflamatório com marcadores bioquímicos estabelecendo uma relação causa-efeito. A manifestação crônica mais temida é a síndrome de “overtraining”, cuja identificação tem sido feita principalmente por alterações
do quadro psicológico do atleta. Treinar um atleta de alto nível é, portanto, um desafio que não se restringe a aplicar carga de treinos, mas cada vez mais entender
todos os processos hemodinâmicos, metabólicos, bioquímicos e psicológicos decorrentes da sobrecarga e do estresse. Assim, o entendimento pleno desse processo depende principalmente da compreensão da necessidade da adequação da relação treino-recuperação.
Palavras-chave: exercício, treinamento, atletas.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:114-20)
RSCESP (72594)-1520
INTRODUÇÃO
Treinar atletas de alto rendimento, com o objetivo
de torná-los competitivos em nível mundial, constitui
uma tarefa árdua, que envolve conhecimentos tecnológicos e psicofisiológicos. Grandes investimentos são
feitos com o intuito de otimizar o desempenho dos atletas, por meio de constante aprimoramento de equipamentos e materiais esportivos(1-4).
114
Atletas competitivos treinam de 20 a 40 horas por
semana, desafiando constantemente os limites do corpo(1). No entanto, cada atleta bem como a modalidade
praticada têm suas características e necessidades específicas, que devem ser respeitadas com o propósito
de se atingir os melhores resultados e de prevenir lesões.
Nos dias de hoje, os esportes de alto rendimento
têm se tornado tão atrativos financeiramente que os
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
atletas tentam compensar
uma possível falta de talento (predisposição genéBARROS TL e cols.
tica) com treinamento exPreparação do atleta de
cessivamente intenso(2).
esportes competitivos
O dia-a-dia de treino e
os fatores estressantes variam imensamente. Distúrbios psicofisiológicos precipitados pelo “overtraining” provocam alterações
na capacidade do atleta de
suportar as cargas de treinamento. Lesões musculoesqueléticas, irregularidades neuroendócrinas, supressão imunológica e alterações psicológicas são os obstáculos que os atletas enfrentam para atingir e suplantar recordes.(1)
LIMITES DO DESEMPENHO AERÓBIO
Os limites do desempenho nos esportes de alto rendimento têm relação direta com a natureza da modalidade praticada. Dada a enorme diversidade de modalidades esportivas e, conseqüentemente, de seus fatores de limitação, pretendemos inicialmente focar nossa abordagem mais especificamente nos fatores limitantes do desempenho aeróbio.
Desde a década de 60, quando o conceito do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) passou a ser considerado como o melhor indicador do desempenho aeróbio, inúmeros trabalhos de pesquisa abordaram seus
fatores determinantes(5-7). O que limita o VO2 máx? Essa
abordagem, apesar de datar de várias décadas, até
hoje ainda pode ser considerada bastante atual(8). Quando estudamos os fatores limitantes do desempenho
aeróbio podemos visualizar claramente o desenvolvimento e a própria limitação do desempenho do atleta
de alto rendimento.
A capacidade do músculo esquelético de transformar energia química em energia mecânica depende
do adequado aporte de oxigênio. O sistema de transporte de oxigênio torna-se, em última análise, o fator
determinante do desempenho aeróbio(9).
O sistema cardiovascular é considerado o elo limitante da cadeia de órgãos e sistemas que compõe a
seqüência de eventos de captação, transporte e utilização de oxigênio durante o exercício. Em uma revisão
publicada há quase duas décadas(10), o fisiologista respiratório Jerome Dempsey já fazia uma abordagem crítica a respeito da interação de três componentes fundamentais dessa cadeia de eventos. De acordo com
esse autor, pode-se considerar que os pulmões, o sistema cardiovascular e o músculo esquelético compõem
os três elementos fisiológicos mais importantes na análise do desempenho aeróbio. Na visão de Dempsey, os
pulmões não são “treináveis”. Entretanto, pela sua enorme competência ventilatória, possuem reserva capaz
de assegurar um nível de trocas gasosas adequadas
mesmo quando o débito cardíaco é levado a seu limite.
A comprovação fisiológica desse fato é que, ao se atingir o débito cardíaco máximo durante o exercício, a
ventilação pulmonar máxima de esforço é sempre uma
fração porcentual em torno de 70% da capacidade ventilatória máxima, ou seja, os pulmões ainda teriam uma
reserva funcional(11). A exceção a essa regra é o atleta
excepcionalmente treinado do ponto de vista aeróbio.
Nesses casos excepcionais, o atleta atinge valores de
débito cardíaco tão elevados que o tempo de contato
alvéolo capilar se reduz a índices tão críticos que impossibilita o sangue arterializado de manter PO2 normal. Esses sinais de hipoxemia no exercício máximo já
foram descritos na literatura, em relatos de avaliação
de maratonistas de elite(12). Nessas exceções, pode-se
considerar que o coração “ultrapassa” a competência
funcional pulmonar. Quando esse nível de aptidão cardiovascular é atingido, pode-se admitir que o limite
máximo de aptidão aeróbia foi obtido.
LIMITAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO
Do ponto de vista cardiopulmonar, o atleta de alto
rendimento capacita-se a tolerar níveis extraordinários
de intensidade de exercício. Uma corrida de maratona
em ritmo competitivo de elite exige fase estável de consumo de oxigênio superior a 55 ml/kg/min, o que pressupõe a necessidade de o atleta atingir VO2 máx acima
de 70 ml/kg/min(12). Nesse nível de solicitação tanto
metabólica como mecânica, o elemento da cadeia funcional que acaba sendo mais sobrecarregado é o músculo esquelético. Apesar da preocupação com o estado metabólico do músculo durante o exercício, é no
pós-exercício que se manifestam os sinais e sintomas
determinantes da limitação da sobrecarga muscular
decorrente de atividade intensa e/ou prolongada.
As dores musculares conseqüentes à prática de atividade física intensa constituem um dos quadros mais
comumente encontrados, tanto em atletas profissionais
como em praticantes de esportes e exercícios com fins
recreativos ou estéticos.
O quadro, de natureza transitória, é clinicamente
descrito por sinais e sintomas, que, na literatura científica, têm sido denominados DOMS (“delayed onset of
muscle soreness”)(13-15) ou DMIT (dor muscular de início tardio).
A DOMS tem sido caracterizada por dor, edema (aumento do volume do músculo), perda da amplitude de
movimento com conseqüente diminuição da flexibilidade, perda de força muscular do membro afetado, aumento dos níveis séricos de creatina cinase, desidrogenase láctica, mioglobina e fragmentos da cadeia
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
115
pesada de miosina e manifestação subjetiva de dor
muscular.
BARROS TL e cols.
O quadro é, na realidaPreparação do atleta de
de, a consequência de miesportes competitivos
crotraumas nas fibras
musculares, dando início a
um processo inflamatório
localizado na musculatura
solicitada, com manifestações dolorosas intensas,
exacerbadas pela movimentação ou palpação, e que são experimentadas entre 8 e 72 horas após o exercício, podendo persistir por
5 a 10 dias, e cujo pico se dá em 24 e 48 horas após
sua indução(16-19).
O aumento da sensibilidade dolorosa é resultado
do edema e da sensibilização dos nociceptores intramusculares por substâncias algogênicas liberadas após
estiramento e ruptura da banda Z (dano muscular).
Apesar de a DOMS poder ser provocada por qualquer exercício não habitual e/ou intenso e/ou com duração maior que o habitual, os exercícios excêntricos,
ou seja, aqueles que solicitam que o músculo se contraia enquanto é alongado, são reconhecidamente capazes de provocar maior trauma e, portanto, maior incidência do processo(20, 21).
Quanto ao tratamento do quadro, apesar de encontrarmos, na literatura, inúmeros procedimentos propostos, o alívio dos sintomas só poderia ocorrer quando
do uso de medicação analgésica e/ou antiinflamatória(22-26). No entanto, atualmente existem evidências de
que a suplementação nutricional à base de antioxidantes seria capaz de atenuar os sintomas da DOMS, permitindo o retorno mais rápido à prática esportiva(27).
INDICADORES BIOQUÍMICOS DO
TRAUMA MUSCULAR
Alterações enzimáticas
Quando um músculo esquelético é danificado, ocorre o extravasamento de alguns componentes específicos desse músculo para a corrente sanguínea, em decorrência da ruptura de sua membrana. Embora a desidrogenase láctica, a mioglobina e as proteínas estruturais do músculo sejam indicadores de dano muscular, o componente mais comumente analisado para se
constatar lesões no músculo é a creatina cinase. Apesar de ser o indicador mais estudado e utilizado a fim
de se detectar dano muscular, o mecanismo de liberação da CK permanece obscuro, sendo encontrados
aumentos significativos dessa enzima imediatamente
após o exercício, até cinco dias após a atividade(28-34).
Está claro também que os níveis de creatina cinase
não representam apenas dano na fibra muscular, mas
116
também estão associados à ruptura do aparato miofibrilar, o que é demonstrado pelo aumento proporcional
dos níveis séricos de proteína cinase, mioglobina, troponina, e filamentos de cadeia pesada de miosina após
o exercício danoso(35).
O aumento dos níveis de creatina cinase na corrente sanguínea deve-se, inicialmente (primeiras 24 horas), à ruptura das membranas das células musculares. A liberação de creatina cinase encontrada até cinco dias após o término da atividade danificadora devese à destruição das fibras musculares, induzida pelas
reações inflamatórias que ocorrem após o exercício(36).
Alterações hormonais
Os glicocorticóides são hormônios formados a partir de esteróides essenciais e sua principal função consiste em manter os níveis de glicose no sangue. Além
disso, parecem ter importante papel na adaptação ao
estresse(37).
Os níveis de cortisol e de ACTH variam de acordo
com ritmo circadiano, alimentação e padrão de exercício, sendo caracteristicamente mais altos pela manhã(38).
Com o início do exercício, tende a existir um curto tempo de atraso (minutos) para haver resposta do cortisol;
no entanto, os níveis aumentam de maneira proporcional à intensidade de exercício. Isso ocorre para intensidades superiores a 50% a 60% do VO2 máx(39). A obtenção dos níveis máximos de cortisol depende da duração total do período do exercício(40). Pode-se concluir,
portanto, que exercícios de curta duração podem não
conceder tempo suficiente para que ocorra a resposta
de pico do cortisol durante o exercício. Além disso, em
cargas de trabalho inferiores a 50% do VO2 máx, a concentração de cortisol em geral diminui, pois a taxa de
remoção sanguínea desse hormônio é maior durante exercícios de baixa intensidade que em repouso,
parecendo ocorrer o mesmo com sua taxa de secreção(41, 42).
O exercício anaeróbio possui intensidade suficiente
para produzir respostas ACTH-cortisol; no entanto, sua
duração, geralmente, é tão curta que aumentos nas
concentrações séricas desses hormônios podem não
ser observados, mesmo na fase de recuperação do
exercício(43). Buono e colaboradores(44) relataram aumentos significativos de cortisol e ACTH após um minuto de exercício a 120% do VO2 máx, sendo o aumento do ACTH imediato e o do cortisol, entre cinco e quinze minutos após o exercício.
SÍNDROME DO “OVERTRAINING”
“Overtraining” pode ser visto como um processo de
deterioração do desempenho decorrente em última análise de uma relação inadequada entre treinamento e
recuperação(45, 46). Distúrbios fisiológicos, psicológicos,
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
bioquímicos e imunológicos podem ocorrer independentemente ou conBARROS TL e cols.
juntamente. A disfunção
Preparação do atleta de
do eixo hipotálamo hipofiesportes competitivos
sário em decorrência de
etresse repetitivo de natureza física ou não representa a mais provável patogênese dessa condição(47). Não existe um único marcador biológico
para o diagnóstico do estado de “overtraining”. Os testes psicológicos parecem ser a ferramenta mais promissora para esse propósito(46).
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE TREINAMENTO
Em termos de treinamento, a especificidade do esporte ainda é a primeira regra a ser lembrada ao atleta
que necessita adaptar órgãos e funções às exigências
específicas do esporte escolhido. A adaptação ao treinamento é a somatória das modificações trazidas pela
repetição sistemática do exercício. Quanto maior o grau
de adaptação, maior será a capacidade de desempenho(48).
Essas mudanças estruturais e fisiológicas resultam
de uma necessidade específica do corpo decorrente
de atividade seguida, e são dependentes do volume,
da intensidade e da freqüência do treinamento. Melhoras do desempenho também são decorrentes das mudanças no sistema neuromuscular, que facilitam e aumentam o desempenho de habilidades que exijam movimentos mais rápidos e potentes(49).
CONCLUSÕES
A preparação do atleta de alto rendimento é, portanto, uma ciência multidisciplinar. Nas décadas de 80
e 90, houve grande desenvolvimento das ciências do
treinamento esportivo. Como comentado neste artigo,
chegou-se a proporcionar ao atleta extaordinários aumentos da sua função cardiopulmonar detectando-se
sinais fisiológicos da limitação máxima do ganho hemodinâmico por efeitos do treinamento. Chegou-se,
portanto, aos chamados limites do corpo, fruto desse
grande desenvolvimento do conhecimento científico
aplicado ao treinamento esportivo. Nesta década, passamos a enfrentar mais um desafio: como compatibilizar alto nível de treinamento e competições com a integridade funcional, principalmente do aparelho locomotor, como também prevenir os sinais e sintomas dos
distúrbios hormonais, metabólicos e psicológicos do
“overtraining”. Parece, portanto, surgir uma nova área
das ciências do treinamento, que poderia ser denominada Ciência da Prevenção e Recuperação Esportiva.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
117
THE HIGH PERFORMANCE ATHLETE TRAINING
BARROS TL e cols.
Preparação do atleta de
esportes competitivos
TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI ANGELI,
LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE DE BARROS
The high performance athlete training procedure is a multidisciplinary challenge.
The physical performance limits depends upon the oxygen transport system as the
muscle capacity of energy production. By the other side, to train an athlete till his
limits also depends on understanding the factors involved in the overload of the
musculoskeletal structures. The training and competitions overload also can evocate acute and chronic disturbances that can decrease performance. The acute most
common disturb is the so called DOMS that means delayed onset muscle soreness.
This clinical presentation is an inflammatory process detected by biochemical markers in a cause-effect relationship. The most avoided chronic disturbance is the
overtraining syndrome detected mainly by mood disturbances. The high performance athlete training is a challenge that requires much more than applying workloads.
It depends on the understanding of the cardiovascular, metabolic, biochemical and
psychological procedures that follows the overload and stress. The complete understanding of this picture depends mainly on the correct training-recovery ratio.
Key words: exercise, training, athlete.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:114-20)
RSCESP (72594)-1520
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA CORONÁRIA
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Prevenção primária
da doença coronária
pela atividade física
PELA ATIVIDADE FÍSICA
JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO, ANA FÁTIMA SALLES,
XIOMARA MIRANDA SALVETTI
Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina
Endereço para correspondência: Rua Tapejara, 109 — CEP 05594-050 —
São Paulo — SP
A atividade física traz benefícios à saúde, reduz a morbidade e a mortalidade
coronárias e restringe a atuação dos fatores de risco. O exercício mínimo benéfico à
saúde seria de 700 kcal/semana, o que corresponderia a caminhar ≅ 10 km/semana. O exercício ideal, para a redução da doença coronária, seria de 2.000 kcal/
semana, o que equivaleria a caminhar ≅ 30 km/semana (≅ 1 hora/dia). Os efeitos do
exercício são variados. As perdas de peso são discretas (≅ 2 kg-3 kg), e em associação a dieta trouxe reduções de 8,5 kg. Relatam-se pequenas diminuições do colesterol total (6,3%), do LDL-colesterol (1%-10%), dos triglicérides (3%-5%) e da hemoglobina glicosilada A1c (0,5%-1%) e elevações do HDL-colesterol (3%-5%). Programas de dieta/caminhadas preveniram o diabetes do tipo II em população de risco
(58%, mudança de estilo de vida vs. 31%, uso de metformina). Em hipertensos,
registraram-se reduções de 7,4 mmHg-10 mmHg na pressão sistólica e de 5,8 mmHg7,5 mmHg na pressão diastólica. Exercícios intensos ativam a hemostasia; em altas
concentrações, a adrenalina promove agregação plaquetária. Em indivíduos treinados, verificou-se aumento da fibrinólise e redução da adesividade e agregabilidade
plaquetárias. O exercício aumenta o “shear stress”, estimulando a formação de óxido nítrico no endotélio, inibindo a aterogênese e a inflamação. Os “odds ratio” para
elevações de proteína C-reativa variaram em indivíduos com atividade leve (0,53),
moderada (0,85) e vigorosa (0,98). A adoção da atividade física implica incremento
médio de expectativa de vida de 2,15 anos. Relatou-se redução da taxa de risco de
óbito a 0,64-0,71 e a de infarto do miocárdio a 0,83 em indivíduos ativos. O grande
desafio em um programa de exercício é a aderência. Algumas recomendações são
sugeridas para atenuar essa condição.
Palavras-chave: exercício, doença coronária, atividade física.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:121-9)
RSCESP (72594)-1521
INTRODUÇÃO
Há séculos são reconhecidos os benefícios do exercício. O imperador Huang-Ti viveu na China (2600 a.C.)
e a ele atribui-se a frase: “O corpo precisa de exercício... o exercício expele o ar viciado, melhora a livre
circulação e afasta a doença”(1). Mais recentemente, o
conceituado Dr. Paul Dudley White (1885-1973), cardiologista do Presidente Eisenhower, propunha que os
indivíduos normais deveriam exercitar-se diariamente,
perfazendo sete horas por semana(2).
A atividade física regular incluindo grandes massas
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
121
musculares – andar, nadar, correr – traz adaptações orgânicas, em geral,
OLIVEIRA FILHO JA
e cardiovasculares, em
e cols.
especial, capazes de mePrevenção primária
lhorar a saúde, reduzir a
da doença coronária
morbidade e a mortalidapela atividade física
de e interferir no desenvolvimento da doença arterial coronária e dos fatores
de risco coronário(1-6). Há
evidências de que o exercício físico reduz a incidência de diabetes do tipo II,
osteoporose, obesidade, depressão, e câncer de mama
e de cólon(5).
A modalidade mais prática e mais inócua de exercício é a caminhada. Calcula-se que em velocidades de
3 km/h (≅ 2 MPH), 4,5 km/h (≅ 3 MPH) e 6 km/h (≅ 4
MPH) sejam gastos, em média, respectivamente, cerca de 2 METs, 3 METs e 4 METs(1). Em geral, um indivíduo adulto caminha em velocidade de ≅ 4,5 km/h. A
dose mínima de exercício, para obter efeitos benéficos
à saúde, seria de 700 kcal/semana, que representaria,
para indivíduo de ≅ 70 kg, aproximadamente 10 km/
semana (≅ 1 hora, 3 vezes/semana)(3). A dose de exercício ideal, capaz de reduzir a incidência de infarto do
miocárdio a longo prazo, seria de 2.000 kcal/semana,
e corresponderia, para um indivíduo de cerca de 70
kg, a ≅ 30 km/semana (≅ 1 hora/dia)(3). O limiar de intensidade de exercício capaz de trazer benefícios não
está determinado(3).
Tem-se recomendado aos indivíduos que realizem
programas de 30 ou mais minutos de exercícios moderados, todos os dias da semana(3, 5). Crianças e adolescentes deveriam participar de exercícios recreativos
moderados/vigorosos no mínimo durante 60 minutos,
todos os dias, e reduzir o tempo de inatividade física
(televisão, computador, videogames e telefone)(7). O
tempo de televisão deveria ser limitado a duas horas
por dia(7). Mulheres deveriam ser incentivadas a acumular, ao menos, 30 minutos de exercício moderado
(como, por exemplo, andar rápido), de preferência todos os dias (classe I, nível de evidência B)(8).
Os principais benefícios do exercício estão resumidos na Tabela 1(4, 6).
DEFINIÇÕES
Atividade física é qualquer movimento do corpo produzido pelo sistema músculo esquelético, que produz
gasto de energia além do consumo basal(5). Aptidão física é o conjunto de atributos – cardiorrespiratórios,
osteomusculares corporais – necessários para realizar a atividade física(5). Pode ser avaliada pelo consumo máximo ou pico de consumo de O2 (VO2PICO) e varia
122
com o sexo e a idade. Exercício físico é a atividade
física planejada, estruturada, repetitiva, destinada a
melhorar e/ou manter a aptidão física(5). Dose de exercício é a quantidade de exercício gasto durante a atividade física(5). Intensidade do exercício é a taxa de energia utilizada na unidade de tempo durante a atividade
física(5). Em termos absolutos, é expressa em METs (1
MET ≅ 3,5 mlO2/kg/min); em termos relativos, é expressa em porcentual do VO2PICO. Consideram-se exercícios moderados os com 40%-60% do VO2PICO ou 4-6
METs e vigorosos, > 60% do VO2PICO ou > 6 METs(5). Na
avaliação individual deve-se levar em consideração o
grau de aptidão física, que varia com a idade e o sexo.
Dessa forma, um exercício discreto para um jovem de
20 anos pode ser considerado vigoroso para uma senhora da terceira idade(1, 3).
O consumo de 1.000 mlO2 equivale a ≅ 5 kcal. A
conversão pode ser realizada pela fórmula:
kcal/min = [(MET x 3,5 x peso corporal)/200]
sendo o peso dado em quilogramas(3).
EFEITOS DO EXERCÍCIO
Os efeitos do exercício podem ser classificados segundo suas ações no organismo e compreendem efeitos antiaterogênicos, antitrombóticos, endoteliais e eletrofisiológicos.
Efeitos antiaterogênicos
O exercício regular produz efeitos no grau de aterosclerose coronária e nos fatores de risco coronário,
que incluem: redução da adiposidade, principalmente
no tronco e abdome; redução das elevações da pressão arterial; redução da hipertrigliceridemia; aumento
do HDL-colesterol; aumento da sensibilidade à insulina; e utilização de glicose, reduzindo o risco de diabetes do tipo II(3, 5).
Obesidade
A maioria dos estudos demonstra que o exercício
acarreta discretas reduções no peso (≅ 2 kg a 3 kg);
entretanto, a associação da dieta ao treinamento leva
a reduções médias de 8,5 kg, afetando a gordura corporal(3). O objetivo é o gasto calórico por exercícios moderados de baixo impacto – andar rápido, ciclismo –
utilizados com freqüência por longo tempo(3). O “National Weight Control Registry” envolveu 3 mil pacientes
com perdas > 10% do peso corporal por > 1 ano. A
perda de peso, em média, foi de 30 kg durante 5,5 anos.
O gasto calórico semanal foi de 2.445 kcal (mulheres)
e de 3.298 kcal (homens) em atividades tais como andar, pedalar, correr, subir escadas e levantar pesos(9).
Estudos a curto prazo (< 16 semanas, n = 20, gasto
calórico = 2.200 cal) foram mais eficientes que estudos a longo prazo (> 26 semanas, n = 11, gasto calórico = 1.100 cal) em reduzir o peso corporal (0,18 kg/
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
Tabela 1. Benefícios do exercício físico(2, 4).
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Prevenção primária
da doença coronária
pela atividade física
Variável
Efeito
Freqüência cardíaca de repouso,
freqüência cardíaca submáxima,
pressão arterial sistêmica
Potência aeróbia, tolerância ao esforço,
relação carga/duplo produto,
relação carga/isquemia
Sensação de fadiga
Tônus parassimpático
Tônus simpático,
adrenalina (repouso e esforço) e
noradrenalina (esforço) séricas,
resposta simpática ao esforço,
resposta vasoconstritora ao esforço
Colesterol total, LDL-colesterol,
triglicérides séricos
Tolerância à glicose, sensibilidade à
insulina, HDL-colesterol
Fibrinogênio sérico, inibidores do
plasminogênio
Ativadores do plasminogênio
Função endotelial
Dislipidemia, tabagismo, obesidade,
hipertensão arterial, risco de diabetes
melito do tipo II, estresse
Estado psicológico, relacionamento
pessoal
Efetividade da revascularização
miocárdica
Risco de fibrilação ventricular,
risco de primeiro acidente vascular
cerebral, risco de infarto durante exercício
Mortalidade
Redução
Elevação
Redução
Elevação
Redução
Redução
Elevação
Redução
Elevação
Melhora
Redução
Melhora
Melhora
Redução
Redução
LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol =
colesterol de lipoproteína de alta densidade.
semana vs. 0,06 kg/semana) e a gordura total (0,21
kg/semana vs. 0,06 kg/semana). Houve redução da
gordura tanto abdominal como visceral; entretanto, não
há evidências de que essa redução seja relacionada à
dose(10).
Lípides
Há grande variabilidade nos achados de estudos
relacionando níveis lipídicos e exercício, em função da
heterogeneidade das populações, do treinamento efetuado, do uso de fármacos e dieta e da perda de peso
associada(3, 5). Como os estrógenos elevam o HDL, estudos em mulheres envolvem vieses relativos à menopausa e ao uso de hormônios, com fins anticoncepcio-
nais ou de reposição hormonal(3). Em meta-análise de
95 estudos, Tran e Weltman verificaram que o exercício promoveu redução do colesterol total (6,3%) e do
LDL-colesterol (10,1%) e elevação do HDL-colesterol
(5%)(11). Em meta-análise recente, envolvendo 52 estudos com treinamento superior a 12 semanas (n =
4.700), Leon e Sanches detectaram aumento do HDLcolesterol de 4,6% e redução do LDL-colesterol (3,7%)
e dos triglicérides (5,0%)(12). No “Health, Risk Factors,
Exercise Training, And Genetics” (HERITAGE), estudo
controlado de indivíduos normolipêmicos (n = 675) treinados durante cinco meses, os níveis de HDL-colesterol foram elevados em 3% (homens e mulheres), com
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
123
redução do LDL-colesterol
(0,9% em homens; 0,6%
em mulheres) e dos trigliOLIVEIRA FILHO JA
cérides (2,7% em homens;
e cols.
4% em mulheres) (13) .
Prevenção primária
Krauss e colaboradores(14)
da doença coronária
estudaram 111 pacientes
pela atividade física
com sobrepeso e dislipidemia discreta a moderada
submetidos a seis meses
de exercício – “jogging” ou
caminhadas. A dose semanal de exercício relacionou-se com melhores resultados que a intensidade do esforço utilizado(14).
Diabetes melito
O exercício aumenta a sensibilidade à insulina, diminui a produção hepática de glicose e reduz a hiperglicemia pós-prandial e a obesidade; o efeito é independente, porém potencializado pela perda de peso(3, 5, 15).
Em nove estudos incluindo indivíduos com diabetes do
tipo II submetidos a treinamento (n = 337), foi observada redução da Hgb A1c de 0,5% a 1%(15). No “Diabetes
Prevention Program”, o exercício (caminhada de ≅ 6
milhas/semana – 593 kcal/semana, para indivíduo de
70 kg) e a redução do peso (≅ 4 kg) preveniram o diabetes do tipo II em indivíduos de alto risco durante 2,8
anos (58%, mudança de estilo de vida vs. 31%, uso de
metformina)(16).
Hipertensão
Em 44 estudos randomizados e controlados (n =
2.674), Fagard(17) avaliou a relação exercício e pressão
arterial em repouso, encontrando redução da média da
pressão sistólica (3,4 mmHg em geral; 2,6 mmHg em
normotensos; 7,4 mmHg em hipertensos) e da pressão diastólica (2,4 mmHg em geral; 1,8 mmHg em normotensos; 5,8 mmHg em hipertensos). Não houve relação entre magnitude da redução e freqüência, duração e intensidade do exercício(17). Kokkinos e Papademetriou relataram reduções de 10 mmHg na pressão
sistólica e de 7,5 mmHg na pressão diastólica com treinamento(18). Em estudo de coorte, Paffenbarger e colaboradores demonstraram que o exercício reduz a incidência de hipertensão arterial(19).
Tabagismo
Marcus e colaboradores(20) testaram o efeito associado do exercício no tratamento do tabagismo. Em
estudo randomizado em mulheres (n = 281) submetidas a treinamento supervisionado com exercícios vigorosos, a taxa de abstinência foi de 19,4% vs. 10,2%
em dois meses e de 11,9% vs. 5,4% em 12 meses,
respectivamente, nos grupos experimental e controle(20).
Em meta-análise de 11 estudos, o grau de abstinência
foi maior nos indivíduos treinados em três relatos, um
dos quais demonstrou evidências favoráveis à ação do
exercício sobre a cessação do tabagismo(21).
124
Efeitos antitrombóticos
Evidências sugerem que o exercício tem efeitos antitrombóticos(3). Em idosos submetidos a treinamento
vigoroso, houve redução do fibrinogênio e do inibidor
do ativador do plasminogênio e aumento do ativador
tissular do plasminogênio(22). Após teste ergométrico em
sedentários, observaram-se alterações persistentes na
atividade plaquetária, que não ocorreram em indivíduos ativos(23). Wang e colaboradores(24) estudaram a atividade plaquetária em jovens randomizados. Em repouso, a adesividade e a agregabilidade plaquetárias diminuíram nos treinados, sendo menor o incremento
pós-exercício. Os efeitos foram abolidos com o descondicionamento(24). Exercícios moderados não promovem
alterações significantes na coagulação sanguínea(25).
Cadroy e colaboradores(25) submeteram homens sadios a teste cicloergométrico de carga única por 30 minutos a 50% ou 70% do VO2PICO. A formação experimental de trombos de plaquetas em colágeno não se
alterou a 50% do VO2PICO; no entanto, aumentou 20%
após testes a 70% do VO2PICO(25). Em geral, considerase que exercícios intensos promovem ativação da hemostasia, segundo duração, intensidade, modalidade(26), sexo e aptidão física, secundária à ação das catecolaminas(25). Em altas concentrações, a adrenalina
promove agregação plaquetária; em baixas concentrações, potencializa a ação do ADP e do colágeno. Essas ações seriam mais evidentes em pacientes coronários com disfunção endotelial(25).
Alterações da função endotelial
O endotélio tem ação importante no tônus arterial e
na agregação plaquetária(3, 27). O óxido nítrico produzido no endotélio provoca relaxamento das fibras musculares lisas adjacentes, inibe a adesão e a agregação
de plaquetas e células inflamatórias à superfície vascular, diminui a proliferação muscular e a apoptose endotelial, aumenta a atividade das enzimas que neutralizam os radicais livres, reduzindo, assim, a atividade
inflamatória. Sua produção é estimulada pelo “shear
stress” (pressão de arrasto hemodinâmico) na superfície laminar, secundário a aumentos breves e prolongados do fluxo sanguíneo(28). O exercício promove aumento do “shear stress” e vasodilatação em pacientes e
modelos experimentais. O efeito do exercício é relacionado ao óxido nítrico produzido no endotélio(29, 30), em
decorrência da elevação da eNOS (“endothelial NO synthase”) e da ativação da eNOS via fosforilação Akt-dependente (serina/treonina kinase-Akt)(27). Em conseqüência do exercício, a elevação da produção de ácido
nítrico e prostaciclina aumenta a vasodilatação dependente do endotélio e inibe os múltiplos processos envolvidos com a aterogênese e a reestenose(28), bem
como o processo inflamatório associado(31). O “National Health and Nutrition Examination Survey III” (1988-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
1994) envolveu 13.748
participantes com > 20
anos. Os resultados ajusOLIVEIRA FILHO JA
tados para idade, raça,
e cols.
sexo, profissão, fatores de
Prevenção primária
risco coronário e uso de
da doença coronária
aspirina demonstraram os
pela atividade física
seguintes “odds ratio” para
elevações de proteína Creativa em participantes
de atividades físicas, comparados a sedentários: atividades leves (0,53; IC 95% = 0,40-0,71), moderadas
(0,85; IC 95% = 0,70-1,02) e vigorosas (0,98; IC 95% =
0,78-1,23)(31). No “Aerobics Center Longitudinal Study”
(n = 722 homens), a aptidão cardiorrespiratória foi inversamente associada com os níveis de proteína Creativa e a prevalência de proteína C-reativa elevada
(> 2,00 mg/l)(32). A dilatação endotélio-dependente está
reduzida na doença coronária e em pacientes com fatores de risco coronário(3). A atividade aeróbia melhora
a função endotelial(33).
Alterações eletrofisiológicas
O exercício regular resulta no aumento da expectativa de vida e protege indivíduos sadios e cardiopatas
contra eventos cardíacos(34). O mecanismo desse efeito poderia estar relacionado com o aumento da atividade vagal, protegendo o paciente de arritmias letais,
via angiotensina II e óxido nítrico(34). O aumento da atividade simpática parece relacionar-se à elevação do
risco de morte súbita, principalmente em cardiopatas(3).
A redução da freqüência cardíaca submáxima e o estudo da variabilidade da freqüência cardíaca atestam
o efeito vagotônico do treinamento(2-4, 35-37). Em jovens
(18-28 anos), relatou-se freqüência cardíaca em repouso de 43 bpm (corredores de resistência, VO2PICO = 75
ml/kg/min), 54 bpm (atletas em geral, VO2PICO = 58 ml/
kg/min) e 65 bpm (sedentários, VO2PICO = 45 ml/kg/
min)(36). A atividade vagal, avaliada pela variabilidade
da freqüência cardíaca, foi maior durante o dia (p <
0,005), a noite (p < 0,005) e o dia todo (p < 0,001) em
atletas (VO2PICO > 55 ml/kg/min) que em sedentários
pareados (VO2PICO < 40 ml/kg/min)(36). A redução do tônus simpático e da produção de catecolaminas reduz
o risco de fibrilação ventricular(3).
INATIVIDADE FÍSICA E DOENÇA CORONÁRIA
Até os anos 50 e 60, não havia evidências convincentes de que o exercício evitasse o infarto do miocárdio(37). Estudos epidemiológicos envolvendo cobradores e motoristas de ônibus na Inglaterra e carteiros e
empregados do correio nos Estados Unidos apresentavam vieses envolvendo fatores de risco preexisten-
tes (dislipidemia, tabagismo), aspectos comportamentais e de biotipo(37). Estudos posteriores controlados esclareceram os malefícios da inatividade física. O estudo “Health Insurance Plan” (HIP), em Nova York, demonstrou, pela primeira vez, que a incidência de morte
cardíaca súbita e de infarto letal era maior entre segurados inativos(38). No estudo de Evans County, demonstrou-se que a mortalidade em homens brancos administradores e acadêmicos era superior à registrada em
trabalhadores braçais (carpinteiros, mecânicos, trabalhadores manuais) (7,3% vs. 4%, em sete anos), e que
a mortalidade entre os habitantes da cidade era superior à encontrada no ambiente rural, ajustados os valores por idade(39). Morris e colaboradores(40) avaliaram
17.944 civis ingleses, de meia-idade, durante 8,5 anos.
Em ativos e sedentários, a incidência de infarto do miocárdio fatal e de angina do peito foi de, respectivamente, 1,1% vs. 2,9% e 0,33% vs. 0,82%(40). No “Harvard Alumni Study”, Paffenberger e colaboradores(41)
acompanharam 16.936 homens, ex-alunos de Harvard,
entre 35 e 74 anos, totalizando 117.680 pessoas anos.
A incidência de infartos, fatais e não-fatais, foi significativamente maior nos indivíduos que se exercitavam
menos de 2.000 kcal/semana(41). Os principais dados
referentes à prevenção da doença coronária e ao incremento na expectativa de vida promovido pela atividade física, com base no “Harvard Alumni Study”, estão resumidos na Tabela 2(42). Estimativas indicam que
a mudança de hábitos sedentários para estilo de vida
ativo implica incremento médio de expectativa de vida
de 2,15 anos, variando em função da idade no início
do treinamento, respectivamente: 35-39 anos, 2,51
anos; 40-44 anos, 2,34 anos; 45-49 anos, 2,10 anos;
50-54 anos, 2,11 anos; 55-59 anos, 2,02 anos; 60-64
anos, 1,75 ano; 65-69 anos, 1,35 ano; 70-74 anos, 0,72
ano; 75-79 anos, 0,42 ano(42). Considerou-se estilo de
vida ativo a dose de exercício > 2.000 kcal/semana,
envolvendo caminhadas, subir escadas e praticar esportes. O risco de doença coronária foi reduzido em
30% a 40% em mulheres que andaram rapidamente,
no mínimo 3 horas/semana, ou que se exercitaram vigorosamente por 1,5 hora/semana(8). O “Multiple Risk
Factor Intervention Trial” avaliou a relação entre tempo
de lazer em atividades físicas e primeiro evento coronário em 12.138 homens de meia-idade(43). As taxas
de risco foram ajustadas para idade, pressão diastólica, colesterol, tabagismo e grupo (intervenção e controle) e calculadas para o tercil de atividade relacionada ao lazer, evidenciando o efeito benéfico do exercício na morbidade e na mortalidade (Tabela 3).
A inatividade física associada à dieta inapropriada
é a segunda causa prevenível de morte nos Estados
Unidos, sendo responsável por 28% das mesmas (300
mil óbitos anuais). É causa de doenças crônicas responsáveis por 250 mil mortes prematuras anuais, além
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
125
Tabela 2. Incidência de doença coronária, ajustada por idade, tabagismo, hipertensão e atividade física (andar, subir escadas e praticar esportes) em alunos de Harvard(42).
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Prevenção primária
da doença coronária
pela atividade física
Atividade física
(dose de exercício)
Doença coronária
n
Incidência
Risco relativo
< 2.000 kcal/semana
> 2.000 kcal/semana
307
122
1,00
0,61 (p < 0,001)
5,8/1.000 homens anos
3,5/1.000 homens anos
Tabela 3. Taxas de risco de eventos coronários e de mortalidade, ajustadas por idade, pressão diastólica, colesterol, tabagismo e grupo (experimental e controle), segundo o tercil de atividade física relacionada ao lazer
(“Multiple Risk Factor Intervention Trial”)(43).
Evento
Primeiro
tercil
Segundo
tercil
Terceiro
tercil
Morte coronária
Morte súbita
Infarto do miocárdio
Mortalidade global
1,00
1,00
1,00
1,00
0,64 (0,43-0,86) p < 0,01
0,64 (0,43-0,96) p < 0,01
0,90 (0,76-1,06) p = NS
0,71 (0,59-0,91) p < 0,01
0,67 (0,49-0,92) p < 0,05
0,67 (0,45-1,00) p < 0,05
0,83 (0,70-0,99) p < 0,05
0,87 (0,70-1,07) p = NS
de gastos de aproximadamente um trilhão de dólares
em assistência à saúde(44).
RISCOS DO EXERCÍCIO
Segundo a “American Heart Association”, a incidência de parada cardiorrespiratória na população em geral, durante atividade física não supervisionada, é, em
média, de 1/565.000 pessoas horas, variando entre 1/
375.000 e 1/888.000. Consideraram-se quatro relatos
envolvendo “jogging”, natação, tênis, jogos de campo
e esqui de longo alcance entre 1978 e 1982(3). O risco
de infarto e de morte súbita é maior em indivíduos sedentários que se submetem a exercícios vigorosos aos
quais não estão acostumados(2). As ocorrências mais
comuns são as lesões musculoesqueléticas, as quais
atingem 25% dos adultos entre 20 e 85 anos, e 30%
dos casos interrompem o treinamento(2). Consideramse fatores de risco de lesões a intensidade do exercício, a obesidade e a participação em competições(2).
Caminhadas envolvem pequeno risco ortopédico.
ADERÊNCIA
A baixa aderência aos programas de exercício físico constitui um grande problema de saúde pública e
da prática clínica diária. Inúmeros fatores pessoais e
ambientais estão implicados na questão: demográficos
(sexo, idade, raça, condição socioeconômica), biológi-
126
cos (condições de saúde, fatores genéticos, desconforto), psicológicos (crenças, conhecimentos, atitudes,
personalidade, experiências anteriores), sociais (família, supervisão, grupo), físicos (clima, distância, estímulos ambientais) e relacionados ao programa (local,
grupo, intensidade, duração, variabilidade, liderança)(45).
Diretrizes práticas para aumentar a aderência às atividades foram publicadas recentemente(45): 1) Recomendação enfática do médico; 2) Explicações sobre vantagens e desvantagens do exercício e seus benefícios
sobre a saúde; 3) Identificar e reduzir as barreiras ao
exercício; 4) Comparar as vantagens do exercício com
outras condutas terapêuticas; 5) Escolher local conveniente (casa, trabalho, instituições); 6) Fornecer opções
de horários e atividades; 7) Mostrar as expectativas
reais; 8) Realizar testes para avaliar as condições físicas e de saúde; 9) Elaborar metas, segundo as expectativas e possibilidades; 10) Definir horário e atividade;
11) Assinar contrato; 12) Garantir a participação ativa
do cliente/paciente; 13) Fornecer modelos adequados;
14) Elaborar estímulos para a prática do exercício e
afastar estímulos ao sedentarismo; 15) Garantir ambiente agradável; 16) Prescrever intensidade, duração e
freqüência moderadas e progredir gradualmente; 17)
Registrar diariamente as sessões, os sintomas, os sinais e as sensações ocorridas; 18) Garantir o sucesso
do programa; 19) Evitar desconfortos físicos e lesões
musculoesqueléticas; 20) Fornecer programa variado;
21) Enfatizar o prazer na atividade física; 22) Introduzir
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Prevenção primária
da doença coronária
pela atividade física
atividades de recreação e
jogos; 23) Associar música com o treinamento; 24)
Dar “feedback” positivo;
25) Evitar atitudes negativas e punições; 26) Reali-
zar testes periódicos; 27) Ensinar a automonitorização
e o autocontrole; 28) Enfatizar a auto-eficácia; 29) Mostrar liderança conhecedora, confiante, motivada e capaz; 30) Fornecer suporte social, incluindo família e
amigos; 31) Incentivar a formação de grupos; 32) Discutir estratégias para lidar com recaídas(45).
CORONARY DISEASE PRIMARY PREVENTION
AND PHYSICAL ACTIVITY
JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO, ANA FÁTIMA SALLES,
XIOMARA MIRANDA SALVETTI
The physical activity brings benefits to health, reduces the coronary deaths and
events and impairs the risk factors. Physical activity levels to achieve healthy benefits should aim for a minimum total of 700 kcal/week, corresponding to walk 10 km/
week. The exercise dose able to reduce coronary events would be 2,000 kcal/week,
that is, to walk ≅30 km/week (≅1 hour/day).
There are many effects. The weight loss is mild (≅2 kg-3 kg); when the training is
associated to diet, the weight can be reduced 8.5 kg. There are low decreases in
total cholesterol (6.3%), LDL-cholesterol (1%-10%), triglycerides (3%-5%), and A1c
glicolised haemoglobin (0,5%-1%), and increases in HDL-cholesterol (3%-5%). Diet
and walking programs prevent type II diabetes in high risk subjects (58%, changes
in life stile vs. 31% metformin treatment). In hypertensive patients the systolic and
diastolic blood pressure decrease, respectively, 7.4 mmHg-10 mmHg and 5.8 mmHg7.5 mmHg. Vigorous exercise increase platelet activity; high concentrations epinefrine lead to platelet adhesiveness and aggregability. In trained subjects, the fibrinolisis is increased and the platelet adhesiveness and aggregability are depressed. The
exercise enhance the shear stress, by releasing nitrous oxide, impairing atherogenesis and inflammation processes. The odds ratio to C-reactive protein elevations
changed with the activity level: mild (0.53), moderate (0.85), and vigorous (0.98).
The changes to active lifestyle give about 2 year added life. The mortality risk reduction was 0.64-0.71, and the myocardial infarction risk reached 0.83 in active individuals. The major challenge in an exercise program is the adherence; some recommendations are suggested to attenuate this condition.
Key words: exercise, coronary disease, physical activity.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:121-9)
RSCESP (72594)-1521
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
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129
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA DA DOENÇA ARTERIAL
MENEGHELO RS
e cols.
Prevenção secundária
da doença arterial
coronária pela
atividade física
CORONÁRIA PELA ATIVIDADE FÍSICA
ROMEU SERGIO MENEGHELO, ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI FUCHS,
CARLOS ALBERTO CORDEIRO HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Hospital Israelita Albert Einstein
Endereço para correspondência: Rua Nicolau de S. Queiroz, 194 — 16º andar —
CEP 04105-000 — São Paulo — SP
Os objetivos da prevenção secundária da doença coronária são evitar a recorrência da doença e sua progressão e prolongar a vida. A atividade física é apenas
uma das ferramentas para se atingir esses objetivos, mas ela é capaz de produzir
modificações importantes subjetivas e objetivas. Exercícios regulares diminuem os
sintomas e melhoram as manifestações isquêmicas por reduzirem as necessidades
miocárdicas de oxigênio para um mesmo trabalho não exaustivo. Além disso, há
aumento do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), redução
dos triglicérides e efeitos positivos na curva de tolerância à glicose e nos fatores
anticoagulantes do sangue. Há ainda redução de 20% a 30% da mortalidade e podese documentar regressão da aterosclerose coronária em pacientes que se exercitam em níveis mais elevados. Toda sessão de exercício deve ser constituída de:
aquecimento, estímulo e desaquecimento. Existem diversas maneiras de prescrever
o exercício, mas em pacientes com alterações desencadeadas pelo esforço o treinamento deve sempre ser feito em nível inferior daquele que produz essas alterações.
Adicionando-se exercícios de fortalecimento muscular mais leves que os recomendados para populações normais pode-se melhorar a qualidade de vida, especialmente de idosos, que, com a idade, diminuem a capacidade de realizar tarefas que
envolvem contração muscular. A liberação para a prática esportiva só deve ocorrer
depois de cuidadosa estratificação de risco, tendo-se em conta que não há maneiras para se aferir a ação da competitividade inerente a essa prática. Atividade esportiva competitiva profissional é praticamente proibida em pacientes com coronariopatia que desencadeia isquemia miocárdica ao esforço.
Palavras-chave: aterosclerose coronária, prevenção e controle, reabilitação, exercício.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:130-42)
RSCESP (72594)-1522
INTRODUÇÃO
Entende-se como prevenção secundária da doença arterial coronária todas as ações necessárias para
se evitar a ocorrência de novos eventos em doentes
130
coronarianos. Esse conceito simples deve ser atualmente ampliado em decorrência dos conhecimentos científicos revelados nas últimas décadas. Hoje, a prevenção secundária implica a utilização de recursos abrangentes envolvendo mudanças comportamentais, com
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
total controle dos fatores
de risco, além de tratamentos clínicos, invasivos
MENEGHELO RS
e cirúrgicos, não só na tene cols.
tativa de se evitar a recorPrevenção secundária
rência da doença, mas
da doença arterial
também sua regressão e
coronária pela
o prolongamento da vida
atividade física
com qualidade. O conceito de reabilitação cardíaca, que, em décadas passadas, esteve fortemente
ligado à prática de exercícios físicos, hoje pode ser
confundido com essa prevenção secundária. A atividade física é apenas uma das ferramentas utilizadas com
o objetivo de se atingir os objetivos dessa prevenção.
Este artigo se limitará, exclusivamente, às considerações da aplicação dos exercícios físicos visando a atingir as metas da prevenção secundária.
EVIDÊNCIAS DO EFEITO BENÉFICO DO
EXERCÍCIO NA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
Talvez um dos primeiros relatos da ação positiva da
atividade física na doença arterial coronária seja a observação de Heberden, relatada em 1772 e hoje já
bastante difundida. Um de seus pacientes, que possivelmente tinha angina estável, ficou praticamente curado depois da modificação de seu hábito de vida, passando a serrar lenha todos os dias. Efeitos do treinamento em doentes coronariopatas passaram a ser bem
conhecidos na década de 60 e com eles pode-se inferir que o paciente de Heberden teve uma redução das
necessidades miocárdicas de oxigênio, com o treinamento físico, para tarefas que anteriormente geravam
angina do peito.
Os primeiros estudos controlados, versando sobre
os benefícios da reabilitação cardiovascular, relataram
menor ocorrência de angina nos pacientes em reabilitação, após o treinamento(1-4). Sensação de bem-estar
e diminuição dos sintomas ocorreram em mais de 90%
dos doentes que realizaram, pelo menos, seis meses
de exercícios supervisionados no programa de reabilitação do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em
São Paulo, de acordo com questionário que foi aplicado a todos os pacientes que lá se encontravam em
1992. Nessa mesma ocasião, um questionário respondido por doentes que permaneciam no programa por
10 anos revelou que 90% deles iniciaram a reabilitação por indicação médica e 10%, por iniciativa própria.
Depois desse período, o que motivava o prosseguimento para 90% era o fato de que se sentiam melhor com
os exercícios, enquanto 10% dos doentes continuaram
por determinação médica. Esses resultados, que incluem avaliações subjetivas, têm explicações objetivas
pelas evidências de que exercícios regulares, em pacientes com doença coronariana, podem produzir modificações benéficas que reduzem sintomas e melhoram
a qualidade de vida depois da doença instalada.
Basicamente, as mesmas modificações encontradas em indivíduos normais sedentários que iniciam um
programa de treinamento físico são documentadas em
coronarianos que se engajam na prática de exercícios
regulares(5). Essas mudanças, além de morfológicas,
hemodinâmicas e metabólicas, englobam modificações
nos fatores de risco e na qualidade de vida.
As modificações morfológicas induzidas pelo treinamento físico incluem aumentos da massa muscular
do ventrículo esquerdo e de seu volume final diastólico, e estão relacionadas à idade. Elas são mais evidentes em jovens e mais difíceis de serem demonstradas após os 30 anos de idade. Estudos ecocardiográficos demonstraram que, após um período de treinamento em indivíduos normais com menos de 35 anos de
idade, ocorre aumento entre 10% e 20% da espessura
da parede posterior do ventrículo esquerdo, bem como
aumento do volume final diastólico do ventrículo esquerdo(6, 7). Estudo semelhante, em doentes coronarianos que treinaram num alto nível de exercício, ou seja,
80% a 90% do pico máximo de oxigênio, demonstrou
aumento significativo da espessura da parede posterior e do volume final diastólico do ventrículo esquerdo,
bem como da somatória da voltagem do QRS do eletrocardiograma(8). O aumento médio do pico de consumo de oxigênio do grupo foi de 38%. Tal nível de treinamento não é o habitual em programas de reabilitação
de coronariopatas, mas esses dados demonstram que
o comportamento de coronariopatas pode ser semelhante ao de indivíduos normais sedentários submetidos a um programa de exercícios. Em níveis de treinamento que demonstram redução dos sintomas, mas
com incrementos de capacidade física máxima mais
modestos, em torno de 2 MET, nenhuma modificação
ocorreu na espessura da parede posterior e no diâmetro final diastólico(9). Adaptações periféricas também
ocorrem e incluem aumento da massa das fibras musculares, dos capilares e da capacidade oxidativa(10).
Parece ocorrer igualmente aumento da capacidade
vasodilatadora da musculatura esquelética(11). Por causa dessas adaptações, os doentes coronarianos têm
menores freqüências cardíacas e menores pressões
arteriais para uma mesma carga submáxima de exercício. Isso explica a redução dos sintomas de angina e
das manifestações eletrocardiográficas de isquemia
dependentes do exercício após o treinamento.
Pacientes após infarto do miocárdio que se exercitam três vezes por semana, até um nível de 70% a
85% de suas freqüências cardíacas pico, podem aumentar em 30% a 50% suas capacidades físicas, medidas por teste ergométrico em esteira, e o pico máxi-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
131
mo de oxigênio consumido em 15% a 20%(12-14). O
aumento da capacidade
MENEGHELO RS
física ocorre em pacientes
e cols.
com e sem isquemia de
Prevenção secundária
esforço, e naqueles com
da doença arterial
má função ventricular escoronária pela
querda(12, 13). Ridocci e coatividade física
laboradores(14), avaliando
a resposta isquêmica do
segmento ST, observaram
menor infradesnivelamento num nível maior de trabalho cardíaco, após programa de treinamento de intensidade moderada a alta,
em alguns pacientes, após infarto do miocárdio. Esses
dados permitem supor que, em alguns pacientes, essas modificações podem ser explicadas por aumento
do fluxo sanguíneo coronário(14).
Outros investigadores relatam muito pouca evidência de que, em humanos, o treinamento afete direta e
significativamente o fluxo coronariano(15). Após uma revisão de estudos relevantes, Franklin(16) concluiu que
não existem evidências convincentes sobre a estimulação da circulação colateral coronária em humanos.
Entretanto, um estudo em corredores de longa distância sugere que o exercício aumenta as coronárias epicárdicas, fenômeno que, se verdadeiro, em graus menos intensos de exercício pode aumentar o fluxo regional miocárdio em certas circunstâncias(17). Hung e colaboradores(18) não encontraram aumento na perfusão
miocárdica ou na função sistólica, medidas por radionuclídeos, após programa de seis semanas em pacientes após infarto não-complicado. Williams e colaboradores(19) estudaram o impacto do condicionamento
físico na fração de ejeção do ventrículo esquerdo e encontraram que as frações de ejeção em repouso e no
pico do esforço não sofrem alterações significativas.
Entretanto, considerando-se a carga máxima obtida prétreinamento, houve aumento da fração de ejeção de
50% para 54%, após o treinamento, nessa carga(19).
Treinamento físico moderado, quatro a oito semanas
após infarto de parede anterior, em pacientes com função ventricular deprimida, não previne a dilatação do
ventrículo esquerdo, que ocorre, inevitavelmente, em
muitos desses pacientes.O exercício também não causa maior incremento nessa dilatação(20).
Em alguns doentes selecionados, pode ocorrer aumento da fração de ejeção com o treinamento físico(21).
Em muitos casos é provável que haja modesto aumento da contratilidade e do volume sistólico. Hagberg(22)
coletou dados que sugerem que alta intensidade de
exercício pode resultar em adaptações centrais ao treinamento. Essas adaptações cardiovasculares centrais
ocorrem em pacientes com doença coronária, após
programa de um ano, com uma hora de exercício entre
132
70% e 90% do consumo de oxigênio pico, cinco vezes
por semana, tendo sido avaliadas por dados eletrocardiográficos, ecocardiográficos, hemodinâmicos e da
medicina nuclear(22). Os resultados sugerem aumento
da oxigenação miocárdica e, concomitantemente, aumento da função ventricular esquerda nesses pacientes. Esses benefícios cardiovasculares foram mantidos
ao final de seis meses nos pacientes em quem o treinamento inicial prosseguiu. Isso não significa que todos os pacientes com doença coronária possam iniciar esse programa de grande intensidade, mas que, em
pacientes selecionados submetidos a níveis de treinamento maiores que o habitual, pode haver adaptações
maiores que as que se acreditava(22).
As modificações metabólicas que podem ser observadas em decorrência do treinamento incluem aumento da reserva de glicogênio muscular, aumento da utilização de gorduras, maior remoção de lactato, aumento das enzimas do metabolismo aeróbio e aumento do
consumo de oxigênio. O colesterol total não é modificado diretamente pelo treinamento. Apenas o colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol)
tem seus níveis aumentados, especialmente se o treinamento for acompanhado de perda de peso. Há redução dos triglicérides e efeitos positivos na curva de tolerância à glicose. Parece haver uma modificação na
sensibilidade à insulina em diabéticos dela dependentes. Isso pode resultar na redução de suas necessidades diárias se forem mantidos em atividade física regular. Menores níveis de catecolaminas no sangue já
foram documentados, após treinamento com exercício
extenuante em esteira(23). O sistema fibrinolítico do sangue torna-se mais eficiente, o que confere menor possibilidade de infarto do miocárdio nos participantes dos
programas de reabilitação. O treinamento físico age
favoravelmente na redução dos fatores pró-coagulação
em indivíduos com mais de 60 anos de idade(24). Redução da agregação plaquetária foi observada após 12
semanas de treinamento físico em homens obesos
sedentários(25, 26).
Estudos randomizados, principalmente entre 1975
e 1985, sugeriram redução da mortalidade e da morte
súbita cardíaca da ordem de 20% a 30%, mas não foram capazes de demonstrar que essas diferenças eram
estatisticamente significativas, por causa dos insuficientes tamanhos das amostras. Em 1988, Oldridge e
colaboradores(27) publicaram uma meta-análise com 10
investigações clínicas randomizadas, envolvendo um
total de 4.347 pacientes, sugerindo redução da incidência de mortalidade tanto total como cardiovascular
de 25% nos que participavam de programas de reabilitação(27). O treinamento começou entre 8 e 36 meses
após o infarto, e a duração variou de 6 a 48 meses.
Houve redução significativa da mortalidade tanto total
como cardiovascular, com razão de chance de 0,76
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
(95% de intervalo de confiança [CI] 0,63-0,92; p =
0,004]. Os decréscimos da
MENEGHELO RS
mortalidade tanto total
e cols.
como cardiovascular não
Prevenção secundária
dependiam de quando o
da doença arterial
exercício tinha sido iniciacoronária pela
do ou se o programa inatividade física
cluía ou não modificações
de alguns fatores de risco,
ou se era uma intervenção
isolada do exercício. Entretanto, a redução da mortalidade foi mais evidente naqueles que se exercitaram por 52 semanas ou mais e
foi menos significante entre os que se exercitaram entre 12 e 52 semanas. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os que se exercitaram 12
semanas ou menos. Isso é importante porque, hoje,
alguns programas são encerrados após 8 a 12 semanas, uma vez que esse é o tempo de cobertura do seguro em alguns países.
O’Connor e colaboradores(28) realizaram uma metaanálise semelhante e chegaram a conclusão similar,
de que a reabilitação reduziu a mortalidade tanto geral
como cardiovascular em cerca de 20%. Eles também
notaram que houve redução de 37% na incidência de
morte súbita cardíaca(28). Consistentemente com essas
observações, Hämäläinen e colaboradores(29), em estudo prospectivo, observaram que significativa menor
mortalidade decorrente de mortes súbitas e cardiovasculares detectadas com três anos após infarto persiste
no seguimento de 10 anos no grupo em reabilitação. A
mortalidade por doença cardíaca foi de 35,1% no grupo que se exercitava, contra 47,1% no grupo controle
(p = 0,02). No primeiro ano de seguimento, quando a
diferença de mortalidade foi mais acentuada, o uso de
betabloqueadores não era diferente nos dois grupos,
sugerindo que a medicação não deve ter influenciado
nos resultados.
Outros estudos, em que a abordagem terapêutica
foi mais ampla sobre os fatores de risco, mas que incluía também exercícios físicos regulares, encontraram
redução da morte súbita no grupo sob intervenção(30, 31).
O exercício pode contribuir para o aumento da estabilidade elétrica do miocárdio por vários mecanismos: redução da isquemia regional em nível submáximo de
exercício, redução das catecolaminas no miocárdio em
repouso e em níveis submáximos de esforço, e aumento
do limiar de fibrilação, em decorrência da redução do
AMP cíclico(32).
Outras explicações para o impacto na mortalidade
têm sido postuladas, como aumento do tono vagal com
o treinamento físico, documentado pela modificação da
variabilidade da freqüência cardíaca observada por
análise espectral(33). Posel e colaboradores(34) observa-
ram, em modelo experimental de coração isolado de
animal, que havia aumento do limiar de fibrilação, antes e depois do início do infarto, nos corações dos animais submetidos a treinamento físico prévio. Entretanto, Mazzuero e colaboradores(35), estudando a variabilidade da freqüência cardíaca em doentes com infarto
anterior, em treinamento por seis meses, não foram
capazes de documentar influência nesse importante
marcador da mediação da atividade autonômica adrenérgica. O aumento da vigilância que ocorre no ambiente da reabilitação supervisionada pode, em parte,
explicar a redução de um terço na incidência de morte
súbita(36). O contato freqüente com os profissionais de
saúde envolvidos permite o reconhecimento precoce
de fatores desestabilizantes, como isquemia, descompensação e reações adversas de drogas. Van Camp e
Peterson(37), em 1986, relataram a ocorrência de apenas três mortes entre 21 paradas cardíacas em 167
programas que envolveram 51.303 pacientes submetidos a exercícios por mais de dois milhões de horas.
As meta-análises de Oldridge e colaboradores(27) e
de O’Connor e colaboradores(28) não demonstraram redução da prevenção do reinfarto não-fatal nos pacientes em reabilitação. Entretanto, em estudo realizado na
Suécia(37), com 300 pacientes no grupo sob intervenção, que incluía atividade física, os reinfartos não-fatais foram menos freqüentes no seguimento de cinco e
10 anos, e mais pacientes estavam ativos no trabalho
depois de 10 anos (51,8 vs. 27,4; p < 0,01). Bittner e
Oberman(32) relataram que para se observar efetivamente a mortalidade é necessário grande número de pacientes, uma vez que a terapêutica atual reduziu muito a
mortalidade. Esse grande número não é fácil de se
conseguir hoje. Há dificuldade para que investigadores
e pacientes aceitem novas investigações controladas
sobre reabilitação com exercícios. Não seria mais possível, do ponto de vista ético, por exemplo, suspender
medicações como as estatinas para se avaliar exclusivamente a ação do exercício na prevenção secundária.
Atualmente, com o enfoque multifatorial dos programas de reabilitação, envolvendo o controle de vários
fatores de risco, é difícil estabelecer o valor isolado de
cada um deles. Os primeiros trabalhos que abordaram
a ação do exercício sobre os níveis lipídicos sanguíneos não conseguiram demonstrar ação benéfica consistente sobre os níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e de HDL. Houve, sim, redução de 3% a 21%
dos níveis dos triglicérides após um a dois anos de
exercício(38-40). Mais recentemente, vários estudos, incluindo uma intervenção mais ampla, com aconselhamento dietético, demonstraram queda dos triglicérides
e do LDL-colesterol, com manutenção ou aumento do
HDL-colesterol(30, 41-43). A ação isolada do exercício sobre o tabagismo parece não ter ação positiva(44). Isola-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
133
damente, o exercício físico parece não ter tido ação
efetiva na redução do peso
MENEGHELO RS
corporal, mas se fizer pare cols.
te de intervenção multifaPrevenção secundária
torial sobre fatores de risda doença arterial
co tem efeito benéfico(45).
coronária pela
Nas pesquisas relacioatividade física
nadas à regressão da aterosclerose por meio da angiografia, não foram estudadas, isoladamente, as
eventuais ações benéficas do exercício. Entretanto, um
intensivo programa de treinamento físico, em associação com intervenção dietética moderada, demonstrou
efeito favorável sobre as lesões coronárias ateroscleróticas e sobre a isquemia induzida em pacientes com
angina do peito estável(46). Além disso, essa mesma
investigação demonstrou haver relação entre a extensão do efeito benéfico e a intensidade do exercício realizado. A regressão somente foi vista em pacientes
que se exercitavam, em média, 2.200 kcal semanais.
Outro estudo demonstrou que a progressão mais lenta
da aterosclerose foi vista, angiograficamente, nos pacientes que se exercitavam, em média, 1.500 kcal por
semana(43).
Frasure-Smith e colaboradores(47) revelaram ser a
depressão após infarto um fator independente de risco
para mortalidade, mesmo após ter sido ajustado para
disfunção ventricular esquerda e prévio infarto. Roose
e colaboradores(48) relacionaram o fenômeno da morte
súbita com desordens afetivas, como a depressão, observando que a atividade parassimpática, medida pela
análise da variabilidade da freqüência cardíaca, está
diminuída em pacientes deprimidos quando comparados aos controles. Entrevistas com 2.320 homens sobreviventes de infarto agudo do miocárdio revelaram
duas variáveis fortemente associadas com o aumento
de mortalidade em três anos de seguimento: isolamento
social e alto grau de estresse emocional. Os doentes
com isolamento social e alto grau de estresse tiveram
quatro vezes mais risco de morte súbita que os que
não tinham essas condições(49).
Parecem existir influências benéficas do treinamento
físico no psiquismo. Hellerstein(50) relatou que sintomas
de depressão foram reduzidos numa coorte de 100
pacientes participantes de um programa de treinamento.
Os doentes e suas esposas observaram que, em relação ao período anterior ao programa, houve melhora
do sono, da fadiga, da percepção de estresse e das
funções cognitivas. Naughton e colaboradores(51), estudando o impacto do treinamento físico em pequeno
grupo de doentes coronarianos, relataram menores
níveis de tensão, tristeza e ansiedade. Rovario e colaboradores(52) estudaram 28 pacientes com doença co-
134
ronariana em abrangente programa de reabilitação e
verificaram, comparando-os com 20 não-participantes,
que os reabilitandos tinham aumentado seus conceitos positivos e a auto-estima, e tinham menor número
de desordens psiquiátricas. Tinham, também, menor
estresse relacionado ao trabalho e atividade sexual
mais satisfatória. Entretanto, segundo Gentry e
Stewart(53), mudanças psicológicas são difíceis de se
documentar. Os clínicos, portanto, não devem esperar
que as desordens mais importantes, como depressão
grave, possam ser tratadas apenas com um programa
de reabilitação, mas este pode ser um coadjuvante
importante no tratamento.
POSSÍVEIS AÇÕES PREJUDICIAIS DO EXERCÍCIO
FÍSICO REGULAR NA DOENÇA CORONÁRIA
As publicações sobre a mobilização precoce dos coronariopatas após evento coronário, como já foi relatado, desde seus primórdios, destacaram os benefícios
advindos dessa prática, ao se evitar as complicações
do repouso prolongado. A quase totalidade dos trabalhos sobre os programas de reabilitação que se seguiram também concordou em relatar os benefícios que
se conseguem com a prática regular de exercícios em
doentes coronarianos. Os possíveis efeitos prejudiciais, entretanto, raramente são motivo para investigações sistemáticas. Mas eles não podem ser desprezados.
Um dos primeiros possíveis efeitos indesejáveis referidos na literatura foi a especulação de que exercícios mais intensos poderiam levar à hipertrofia ventricular esquerda, e isso não seria favorável para indivíduos com coronariopatia. Como já foi salientado, apenas
treinamento de alta intensidade pode modificar significativamente a massa muscular do ventrículo esquerdo(8). Na maioria dos programas, o nível de treinamento mais baixo não causa preocupação quanto a esse
possível efeito prejudicial(9).
A ocorrência de eventos coronários agudos, durante uma sessão de exercícios, podendo levar à morte
súbita é outro efeito indesejável possível dos programas de reabilitação cardiovascular. Entretanto, a incidência desses eventos é considerada aceitável e não
superior ao número de episódios que ocorrem na população de pacientes coronarianos fora das sessões
de treinamento(37).
Lesões osteoarticulares são outras ocorrências indesejáveis dos programas e têm ligação direta com a
intensidade e a freqüência do treinamento(54). Embora
a prática de exercícios físicos regulares possa produzir injúria musculoesquelética, a adoção de medidas
profiláticas pode reduzi-las a níveis aceitáveis. Entre
essas medidas incluem-se individualização da prescrição, aquecimento, alongamento e relaxamento corre-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
tos e o emprego de calçados e equipamentos adequados(55).
MENEGHELO RS
Outras ações deletérie cols.
as foram aventadas em arPrevenção secundária
tigo de revisão publicado
da doença arterial
por Ellestad(56), em 1987.
coronária pela
Ele advogou a possibilidaatividade física
de de o exercício físico regular, em algumas circunstâncias, ser prejudicial
para coronariopatas, sendo necessária a reformulação dos conceitos até então
vigentes sobre o emprego de exercícios regulares nessa
população. Segundo esse autor, os avanços nos conhecimentos sobre isquemia miocárdica necessitavam
ser aplicados à prescrição de exercícios regulares em
coronariopatas. Para ele, seria preciso valorizar o número não desprezível de mortes súbitas, durante exercício, decorrentes de coronariopatia. Estava também
estabelecido que, em doentes com lesões arteriais
coronarianas, os desnivelamentos do segmento ST,
quase que invariavelmente, significavam isquemia miocárdica. Muitos pacientes, por prescrição médica ou
por iniciativa própria, praticam exercícios em nível de
esforço que produz isquemia miocárdica, aumentando
o risco de morte súbita, podendo também causar morte celular na ausência de infarto do miocárdio. Em sua
argumentação, Ellestad afirmou que, em muitos serviços de reabilitação, os pacientes são repetidamente
exercitados até um nível de freqüência cardíaca que
produz infradesnivelamento do segmento ST ou até
mesmo angina. Algumas vezes, eles são estimulados
a continuar o exercício nesse nível e usam nitroglicerina, que possibilita o prosseguimento do esforço. Outras vezes, os pacientes têm prescrições de exercícios
para serem realizados sem supervisão, com base na
percepção de angina ou numa freqüência cardíaca
determinada. Muitos deles, especialmente os de personalidade tipo A, acreditam que se um pouco é bom
bastante é melhor, e se exercitam acima dos níveis prescritos, sendo sua atividade causadora de infradesnivelamento do segmento ST. Segundo, ainda, esse mesmo autor, é bem provável que episódios curtos de oclusão coronária possam produzir necrose miocárdica.
Os trabalhos da literatura que sustentam essa hipótese são os de Ninomiya e colaboradores(57) e de Braunwald e Kloner(58). Oclusões em coronárias de cães, por
períodos de 15 a 20 minutos, resultaram em alterações
da contratilidade que perduraram por vários dias(57, 59).
Braunwald e Kloner(58) e outros autores(60, 61) especularam que o miocárdio humano também pode sofrer as
mesmas conseqüências diante de repetidas isquemias a que possa ser submetido, e, inclusive, ter pequenas necroses celulares. Esse poderia ser o mecanis-
mo para justificar o fato de que doentes com doença
de três vasos, que morreram por causas não-cardíacas, sem terem tido quadro de infarto do miocárdio clássico, apresentavam áreas de fibrose à necropsia(56, 62).
A partir do alerta de Ellestad, e com base nos trabalhos disponíveis, pode-se concluir que só devem ser
prescritos exercícios físicos que não causem períodos
de isquemia prolongada em doentes coronarianos.
PRINCÍPIOS GERAIS DA APLICAÇÃO DE
EXERCÍCIOS FÍSICO EM CORONARIOPATAS
A avaliação dos dados acumulados, por meio dos
programas de reabilitação de doentes com coronariopatia, permitiu estabelecer regras gerais de procedimentos que devem ser observadas. Os exercícios devem ser isotônicos, evitando-se os isométricos puros.
Estes podem promover algum efeito de condicionamento, mas a sobrecarga aguda que impõem ao sistema
cardiovascular, a chamada sobrecarga de pressão, pelo
aumento das pressões em território intravascular, adiciona riscos para quem tem cardiopatia e estrutura arterial comprometida pela aterosclerose. Não é raro, ainda, associar-se aos exercícios isométricos a manobra
de Valsalva, com possibilidade de ocorrerem arritmias
ventriculares. Entretanto, exercícios de resistência muscular com pesos pequenos e em aparelhos podem ser
empregados, dentro de certos critérios, para propiciar
melhor tônus muscular(63). Quanto mais debilitada a
musculatura esquelética do indivíduo, mais necessidade se tem de empregar esses exercícios. Nesse particular, por exemplo, a qualidade de vida dos idosos pode
melhorar muito com o fortalecimento dos membros
superiores, permitindo a realização de tarefas antes
impossíveis de serem realizadas, como carregar as
compras do supermercado. Costuma-se empregar exercícios repetitivos com intensidade menor que a praxe
de 80% da carga máxima conseguida, como algo em
torno de 40% em coronariopatas. Cuidados especiais
devem ser tomados com os pacientes hipertensos, que
devem ser rigorosamente monitorizados, e com os submetidos a cirurgia de revascularização, com abertura
do esterno, pela possibilidade de não consolidação
óssea.
O regime de trabalho deve ser aeróbio, com adequado transporte de oxigênio. O exercício com predomínio de metabolismo anaeróbico produz acúmulo de
ácido láctico e débito de oxigênio acentuado, levando
o indivíduo à exaustão precoce, sem se obter o efeito
de treinamento, além do risco potencial de arritmias.
Os níveis de trabalho, para maior segurança, devem ser submáximos. Preconiza-se não ultrapassar
60% a 70% da capacidade máxima observada no teste ergométrico. Como existe, dentro de limites submáximos, linearidade entre o consumo de oxigênio e a
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
135
freqüência cardíaca, essa
variável é eficaz para determinar a intensidade do
MENEGHELO RS
treinamento.
e cols.
As sessões de exercíPrevenção secundária
cio devem incluir aquecida doença arterial
mento, estímulo e desacoronária pela
quecimento. O aqueciatividade física
mento permite a acomodação gradual da circulação ao aumento da demanda imposta pelo exercício. Além disso, diminui a incidência de lesões, pelo
exercício, nos músculos aquecidos, cujas fibras têm
maior facilidade de deslizamento. O período de estímulo deve envolver grandes grupos musculares. Nesse período é que se procura atingir a freqüência cardíaca limite para o treinamento. O desaquecimento consiste na diminuição gradativa do exercício, propiciando
manutenção adequada do retorno venoso ao coração.
A súbita interrupção do exercício, com seqüestro de
sangue na periferia, reduz bruscamente o rendimento
cardíaco, podendo causar lipotímia.
A freqüência das sessões, para maior eficácia, deve
ser de três vezes por semana, pelo menos nas fases
iniciais.
O estabelecimento da carga de trabalho, na bicicleta, para a fase aeróbia sem pausa ativa e da respectiva freqüência cardíaca a ser atingida é determinado a
partir de teste ergométrico, na vigência da medicação
em uso. Modificações da terapêutica, especialmente a
introdução ou retirada de drogas com efeitos cronotrópicos, que influenciam a freqüência cardíaca no exercício, determinam a reprogramação da prescrição, com
a realização de novo teste ergométrico. Rotineiramente, a cada seis meses, o paciente é submetido a testes
ergométricos, para reprogramação, ou a menor intervalo, quando intercorrências assim o determinam.
Quando se observa significativa melhora do condicionamento físico nos pacientes que iniciam com baixa
capacidade, recomenda-se, após os primeiros meses
de reabilitação, uma reprogramação.
PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO EM
CORONARIOPATAS
As bases fisiológicas para a obtenção dos benefícios propiciados por um programa regular de exercícios
para doentes coronarianos estão relacionadas ao princípio de uma sobrecarga desencadear mecanismos
adaptativos. Com efeito, espera-se que o esforço físico
realizado, acima daquele da vida diária, determine o
desencadeamento de modificações, principalmente,
nos músculos e nos sistemas cardiovascular e humoral. Assim sendo, a prescrição do exercício deve ser
136
cercada dos mesmos cuidados que cercam a prescrição de qualquer medicamento a esses doentes(64). É
necessário que a prescrição contenha a dose eficaz
do estímulo, mas sem desencadear efeitos colaterais
significativos. Os itens que a compõem já estão estabelecidos em normas mundialmente reconhecidas(65),
bem como em nosso meio(66). São eles: intensidade,
duração, freqüência, modo de exercício e freqüência
de incremento do treinamento. A despeito de existir
pouca polêmica sobre essa prescrição, não se pode
esquecer de que ela deve ser a mais individualizada
possível, uma vez que a generalização pode causar
efeitos indesejáveis não desprezíveis. Eles englobam
a possibilidade de aumento indesejável, em cardiopatas, da massa do ventrículo esquerdo, eventos coronarianos, incluindo morte súbita no exercício, lesões osteoarticulares e necrose celular.
Existem várias maneiras de se estabelecer a intensidade do exercício durante uma sessão de reabilitação de coronariopatas. Entretanto, ela só pode ser determinada a partir de um teste ergométrico sintoma limitante, que permite afastar todos os potenciais riscos, revelando sintomas, comportamento anormal da
pressão arterial, isquemia miocárdica e arritmias. Não
mais se recomenda, para essa população, o estabelecimento da capacidade física máxima a partir de testes submáximos, que podem induzir a erros significativos de avaliação(65). Da mesma forma, não se pode mais
aceitar a prescrição de exercício baseada em nível de
freqüência submáxima calculada apenas a partir da idade do paciente, sem que se realize prova ergométrica.
Executado o teste, de preferência com a medicação em uso e no horário em que o indivíduo vai se
exercitar, a intensidade do esforço pode ser determinada. A freqüência cardíaca, por sua relação estreita
com o volume de oxigênio consumido durante a atividade física e por ser de fácil aferição no esforço, tem
sido a variável mais freqüentemente recomendada para
estabelecer a intensidade do exercício.
A mais simples prescrição preconizada é aquela baseada exclusivamente na freqüência cardíaca atingida
durante teste ergométrico sintoma limitante, considerando-se a maior freqüência cardíaca atingida como
sendo a máxima para o indivíduo. Segundo recomendações do “American College of Sports Medicine”, corroboradas pelo I Consenso Nacional de Reabilitação
Cardiovascular, a intensidade do treinamento pode ser
dada pela freqüência cardíaca que represente 70% a
90% da freqüência pico atingida, o que equivale a 60%
a 80% do pico de consumo de oxigênio do indivíduo(65, 66).
Aqueles com baixa capacidade física podem necessitar de treinamento na intensidade próxima a 70% da
freqüência cardíaca máxima, e os de melhor desempenho, na freqüência mais próxima a 90%.
Outro método bastante difundido, denominado mé-
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todo de Karvonen, preconiza que a freqüência cardíaca em repouso seja
MENEGHELO RS
também considerada
e cols.
como elemento da prescriPrevenção secundária
ção (67) . A freqüência de
da doença arterial
treinamento será a frecoronária pela
qüência que se obtém soatividade física
mando-se a freqüência
cardíaca de repouso com
60% a 80% do valor obtido da diferença da freqüência cardíaca máxima atingida no teste e a freqüência cardíaca de repouso:
FCT = FCR + (FCM - FCR) x 0,60
em que FCT = freqüência de treinamento, FCR = freqüência cardíaca de repouso, e FCM = freqüência cardíaca máxima.
Outra maneira de se prescrever a intensidade do
exercício de uma sessão de reabilitação é a utilização
de unidades metabólicas, múltiplas do MET, que representa o metabolismo basal de um indivíduo em repouso, cujo valor corresponde a consumo de oxigênio
de 3,5 ml/kg/minuto. Esse método é de fácil aplicação
e útil para prescrição de atividades da vida diária e esportivas, uma vez que existem tabelas sobre os gastos
energéticos em MET bastante abrangentes nos consensos, diretrizes de sociedades especializadas e na
quase totalidade dos livros textos que versam sobre
reabilitação cardíaca. A partir do teste ergométrico realizado, pode-se estabelecer a quantidade de unidades metabólicas que o indivíduo pode dispor para os
exercícios e prescrevê-los naquele nível, bem como as
atividades de sua vida. Existem algumas limitações do
método, uma vez que nem todos os indivíduos têm o
mesmo metabolismo basal fixo de 3,5 ml/kg/minuto, podendo mesmo ocorrer modificações importantes diante de doenças associadas e na vigência de ansiedade.
Quando da realização de exercícios que envolvem habilidade e competição, os valores das tabelas podem
não ser os reais para um determinado indivíduo. Para
atividades como caminhar, correr e andar de bicicleta,
o método é mais preciso. Pode ainda haver influência
do ambiente no gasto energético, em algumas situações específicas, como vento, temperatura, umidade
relativa do ar, irregularidades no terreno, tipo de piso,
etc. Finalmente, um erro comum quando se utiliza esse
método é a não observância da necessidade de se atingir níveis próximos ao estado estável quando da realização do teste ergométrico de prescrição. Isso ocorre,
praticamente, em todos os protocolos utilizados em
ergometria que usam o tempo de dois ou três minutos
em cada etapa de esforço, tempo insuficiente para se
atingir o estado estável.
A utilização de uma escala de percepção subjetiva
do cansaço é também um modo de se prescrever a
intensidade do exercício. A escala de Borg original com
escore de 6 a 20 ou sua modificação, que classifica o
grau de esforço por meio de um escore de 1 a 10, é a
mais difundida(68, 69). Os números da tabela original representam aproximadamente 10% da freqüência cardíaca de jovens saudáveis quando tiveram a sensação
subjetiva de cansaço expressa na tabela. Sua aplicação é útil em indivíduos normais e em cardiopatas,
desde que eles sejam pacientemente orientados e possam compreender as instruções. Existem boas correlações entre a sensação subjetiva e variáveis fisiológicas, como a freqüência cardíaca. O método é particularmente eficaz em pacientes que fazem uso de betabloqueadores, uma vez que o emprego da freqüência
cardíaca fica prejudicado como elemento de prescrição.
Diante de exercício gradativamente crescente, o metabolismo humano produz energia predominantemente aeróbica até um certo momento, a partir do qual começa a haver aumento do lactato sanguíneo. Esse ponto, conhecido como limiar anaeróbico, pode ser também um marcador para a prescrição de exercícios físicos aeróbicos. Para identificá-lo, pode-se, num teste
ergométrico, colher amostras sanguíneas seriadas e
estabelecer o momento em que ocorre aumento do lactato. Essa maneira de prescrição, pelas dificuldades inerentes ao método e pelo caráter invasivo, é pouco utilizada em nosso meio para estabelecimento da intensidade de exercício na reabilitação cardiovascular.
Relação bastante estreita ocorre entre o aumento
dos níveis de lactato no sangue decorrente de esforço
gradativamente crescente e variáveis obtidas pela análise dos gases expirados. Assim, o limiar anaeróbico
pode ser identificado por método não-invasivo durante
teste cardiopulmonar. Existem três momentos em que
se podem reconhecer limiares anaeróbios. O primeiro,
quando ocorre aumento do equivalente ventilatório para
o oxigênio, ou seja, a relação entre a ventilação e o
consumo de oxigênio, sem que ocorra aumento do equivalente ventilatório do gás carbônico, ou seja, a relação entre a ventilação e a produção do gás carbônico.
O segundo, quando ocorre aumento do equivalente
ventilatório do gás carbônico. Pode-se também estabelecer o limiar anaeróbico utilizando-se a equação de
regressão entre o consumo de oxigênio e a produção
de gás carbônico, método denominado de “V slope”(70).
A carga e a freqüência cardíaca do momento em que
se deu o limiar anaeróbico são utilizadas para a prescrição do exercício nesse método.
Os exercícios para cardiopatas também podem ser
prescritos utilizando-se a capacidade funcional útil, difundida no Brasil na década de 70 por Boskis. A capacidade funcional de um cardiopata pode ser dividida
em três níveis: a capacidade funcional útil, a capacida-
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137
de funcional limite e a capacidade funcional máxima, que podem ser exMENEGHELO RS
pressas em unidades mee cols.
tabólicas (MET), quilogrâPrevenção secundária
metros, quilocalorias, freda doença arterial
qüência cardíaca ou concoronária pela
sumo de oxigênio. Entenatividade física
de-se por capacidade funcional útil o maior nível de
esforço que não causa sintomas e alterações clínicas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas. A capacidade funcional limite é o nível de esforço que provoca
pelo menos uma alteração, seja ela clínica, eletrocardiográfica, hemodinâmica ou mesmo um sintoma. A capacidade funcional máxima é o nível de esforço suportado pelo indivíduo, independentemente dos sintomas
e das alterações clínicas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas.
PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO NA SEÇÃO DE
REABILITAÇÃO DO INSTITUTO DANTE
PAZZANESE DE CARDIOLOGIA
O trabalho de revisão de Ellestad(56), alertando para
os perigos de se realizarem sessões de exercícios com
significativos níveis de isquemia, determinou, em 1988,
uma modificação na maneira de se prescrever o exercício de reabilitação na Seção de Reabilitação Cardiovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
Pareceu-nos claro que, entre todos os métodos disponíveis para prescrição, o que utilizava o conceito de
capacidade funcional útil era o mais racional quando
se tentava evitar episódios isquêmicos durante a reabilitação. Assim, o teste passou a ser realizado exclusivamente em bicicleta ergométrica, mesmo ergômetro
que é empregado quando se busca aplicar o estímulo,
ou seja, o maior nível de exercício empregado numa
sessão. Foi estipulado que, após pedalagem em pedal
livre, as cargas devem ser iniciadas com 25 watts, por
cinco minutos, e incrementadas de 25 watts, também a
cada cinco minutos. Esse protocolo permite que se
possa aproximar mais do estado estável em cada carga do que quando o tempo de exercício se situa em
torno de três minutos, que é o tempo padrão de praticamente todos os demais protocolos. É mais provável,
pelo menos do ponto de vista teórico, que a freqüência
cardíaca atingida ao final de cinco minutos em cada
carga e os achados clínicos e eletrocardiográficos sejam os mesmos se o exercício se prolongasse por mais
tempo. A carga e a freqüência preconizadas para o
exercício de recondicionamento são as imediatamente
anteriores ao aparecimento de manifestações isquêmicas, caracterizadas por angina e/ou infradesnivela-
138
mento do segmento ST. Essa prescrição do exercício
segundo a capacidade funcional útil é utilizada para os
pacientes com sintomas de angina do peito, infradesnivelamento do segmento ST, arritmias ventriculares
significativas, como extra-sístoles ventriculares pareadas, em salva de três batimentos, ou taquicardia ventricular não-sustentada, e alterações da pressão arterial. Já para os indivíduos que não apresentam sintomas e nenhuma alteração clínica e eletrocardiográfica, a etapa do teste escolhida para a prescrição da
carga e da freqüência cardíaca é aquela em que o paciente apresenta nível de percepção entre 13 e 15 da
escala de Borg, ou seja, entre ligeiramente cansativo e
cansativo.
Mesmo empregando-se os dados da capacidade
funcional útil é possível reconhecer algum grau de isquemia em coronariopatas, durante uma sessão de
exercícios, quando técnicas mais sofisticadas são utilizadas. No Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia,
num grupo de 26 homens com doença coronária comprovada e com cintilografia mostrando hipoconcentração transitória, foi feita repetição da mesma, com injeção do marcador radioativo durante o exercício prescrito numa sessão de reabilitação. Cerca da metade
dos pacientes apresentou algum grau de hipocaptação, sugerindo que, mesmo com toda a cautela na prescrição, os pacientes coronariopatas podem estar realizando o exercício de reabilitação com algum grau de
isquemia miocárdica(71).
PRÁTICA ESPORTIVA EM PACIENTES
CORONARIOPATAS
Uma das maiores dificuldades que o cardiologista
enfrenta é quando da orientação de prática esportiva
em doentes coronariopatas que desejam realizá-la. Naqueles com a doença, mas sem manifestações de anormalidades em teste ergométrico sintoma limitante, a
tarefa fica um pouco mais fácil. Não existindo anormalidades durante o esforço, os risco decorrentes de uma
isquemia ao exercício estão minimizados. Entretanto,
nunca se pode afastar, peremptoriamente, a possibilidade de instabilização de placas que não causam obstrução significativa ao fluxo e não são vistas pelos exames não-invasivos atualmente disponíveis. Essa possibilidade não é desprezível, especialmente se for levada em consideração a liberação adrenérgica sempre ligada à prática esportiva competitiva. Não há método eficaz para medi-la atualmente, mesmo em disputas com mínima emoção. A utilização da escala de
Borg e a liberação baseada em unidades metabólicas
atingidas no teste ergométrico são os métodos de liberação mais fáceis de serem empregados. Quando existem manifestações isquêmicas ao teste de esforço é
muito difícil o estabelecimento de regras gerais, a não
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ser a recomendação explícita de que o conceito de
capacidade funcional útil
MENEGHELO RS
e cols.
Prevenção secundária
da doença arterial
coronária pela
atividade física
seja rigorosamente respeitado. Nesses casos, a prática esportiva tanto competitiva como profissional deve
ser proibida.
SECONDARY PREVENTION OF CORONARY ARTERY
DISEASE BY PHYSIC ACTIVITY
ROMEU SERGIO MENEGHELO, ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI FUCHS,
CARLOS ALBERTO CORDEIRO HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER
The objectives of secondary prevention of coronary artery disease are to avoid
recurrence and progression of the disease and to prolong life. Physic activity is only
one of the tools to reach these objectives but it is able to produce important modifications both subjective and objective. Regular exercises decrease the symptoms
and improve the ischemic manifestations because they produce a reduction in myocardial oxygen uptake for the same non exhausting work. In addition there is an
increase in HDL levels, a reduction in tryglicerides and positive effects in glucose
tolerance test and in the anticoagulant factors of the blood. There is a reduction in
mortality of 20% to 30% and it was possible to document a coronary atherosclerosis
reduction in patients exercising in elevated levels. Each exercise session is composed of: warm up, stimulus and cool down. There are several manners to prescribe
the exercise but in patients with abnormalities produced by exercise, the training
must be done at a lower level than the level that produces these abnormalities. Adding
muscle strengthening exercises at a lower level than the level recommended for
normal persons may improve the quality of life, especially for older persons who with
age have a reduced capacity for tasks that involve muscle contraction. Permission to
practice sports can only be given after a careful risk stratification, taking into account
that there is no way to measure the inherent competitive action. A professional sport
competition activity is prohibited for patients with coronary disease that produces
myocardial ischemia during exercise.
Key words: coronary atherosclerosis, prevention and control, rehabilitation, exercise.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:130-42)
RSCESP (72594)-1522
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: IMPORTÂNCIA DA
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física
ATIVIDADE FÍSICA
PAULO YAZBEK JÚNIOR, LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG, EDMAR BOCCHI,
GUILHERME V. GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO, ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA
Divisão de Medicina de Reabilitação — Instituto do Coração (InCor) —
HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Rua Diderot, 43 — Vila Mariana —
CEP 04116-030 — São Paulo — SP
A insuficiência cardíaca é uma síndrome complexa de prognóstico sombrio. É
associada a limitação física mesmo com medidas terapêuticas adequadas.
Um dos principais sintomas é a limitação da capacidade funcional, com dispnéia
aos esforços. Atribuem-se diversas causas, como vasoconstrição, disfunção endotelial e anormalidade da musculatura esquelética, além da disfunção ventricular.
O treinamento físico torna-se uma opção de tratamento adequado, não-farmacológico, visando a melhorar a respiração do paciente sem causar dano ao músculo
cardíaco.
Palavras-chave: insuficiência cardíaca, atividade física.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:143-51)
RSCESP (72594)-1523
INTRODUÇÃO
Os estudos de Framinghan(1), que acompanharam
durante 40 anos mais de 9 mil pacientes, demonstraram que a insuficiência cardíaca afeta aproximadamente 2,5% dessa população com idade maior ou igual a
45 anos.
De todos os sintomas da insuficiência cardíaca, a
intolerância ao exercício constitui-se no mais importante
fato na limitação do paciente. Mas a ausência de correlação entre a capacidade do esforço e a função ventricular(2) contribuiu para mudar o foco de atuação do coração para a musculatura esquelética(2-4).
Em 1988, Sullivan e colaboradores(3, 4) examinaram
o controle ventilatório de pacientes com insuficiência
cardíaca e demonstraram que 70% desses são limitados por fadiga nos membros inferiores e que a pressão
de capilar pulmonar não foi maior nos limitados por dispnéia, quando comparados àqueles limitados por fadiga.
O treinamento físico tem mostrado ser útil no tratamento da insuficiência cardíaca, com melhora da tolerância ao esforço, maior força muscular e maior consumo de oxigênio.
A MUSCULATURA ESQUELÉTICA E A
CAPACIDADE FUNCIONAL NA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
A reduzida capacidade funcional dos indivíduos com
insuficiência cardíaca não está exclusivamente relacionada à deficiência de bomba cardíaca(5). Estudos não
detectaram aumento imediato da capacidade de exercício com a melhora da função cardíaca(6) e demons-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
143
traram baixa correlação
entre as variáveis hemodinâmicas e a capacidade
YAZBEK P e cols.
de esforço (2), indicando
Insuficiência cardíaca:
haver também modificaimportância da
ções intrínsecas da musatividade física
culatura periférica nesses
doentes(7-9). Essas alterações periféricas mudaram
o paradigma de repouso
para pacientes com insuficiência cardíaca.
São desconhecidos os fatores responsáveis pelas
alterações estruturais da musculatura de indivíduos com
insuficiência cardíaca: atrofia, menor densidade capilar, e remodelamento com predomínio de fibras musculares do tipo II, de maior atividade glicolítica; menor
número de fibras tipo I, de alto poder oxidativo; redução da densidade de cristais de superfície, do volume
e da massa das mitocôndrias por unidade de tecido
muscular; diminuição da atividade da citocromo-oxidase e de outras enzimas oxidativas dessa organela(8);
menor quantidade de mitocôndrias em músculos posturais lentos; diminuída atividade da creatinaquinase e
rápida utilização da fosfocreatina em músculos esqueléticos rápidos. Essas alterações do metabolismo mitocondrial comprometem o processo oxidativo celular
e desencadeiam prematuramente o metabolismo anaeróbio durante o exercício(10), acarretando fadiga muscular precoce e intolerância ao esforço. A menor capacidade oxidativa, por sua vez, retarda a recuperação
dos estoques de energia e a contratilidade muscular(11).
Estudo experimental em ratos com insuficiência cardíaca induzida(12) identificou 24 genes reguladores da
disfunção musculoesquelética.
No início da disfunção ventricular são desencadeados vários mecanismos compensatórios benéficos, para
garantir o desempenho do coração e manter a perfusão de órgãos vitais. A estimulação do sistema nervoso simpático resulta em ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona e conseqüentes vasoconstrição sistêmica e remodelamento cardiovascular. O recrutamento contínuo desses mecanismos acarreta efeitos indesejáveis, isto é, aumento de citosinas pró-inflamatórias, como as interleucinas 1 e 6, a endotelina e o
fator de necrose tumoral (TNF-α)(13), que induzem miopatia esquelética e atividade da proteína fosfatase 2A
na musculatura, reguladora da mioapoptose(12).
Uma grave complicação da insuficiência cardíaca
crônica é a caquexia(14), estado associado a mau prognóstico, independentemente da gravidade funcional da
doença, da idade, da capacidade de exercício e da fração de ejeção ventricular. Evidências sugerem o envolvimento de processos imunes e neuro-hormonais
indutores do desequilíbrio entre catabolismo e anabo-
144
lismo(15). O sistema imunológico estimulado desencadeia a síntese de citosinas inflamatórias, como a interleucina-6 indutora da proteólise e atrofia muscular. O
TNF-α compromete a função endotelial por reduzir a
síntese de óxido nítrico, ativa o eixo neuro-hormonal e
desenvolve o catabolismo em decorrência de resistência ao hormônio de crescimento, redução do esteróide
anabolizante desidroapiandrosterona e menor expressão local do fator I de crescimento insulina-“like”, com
aceleração da apoptose do músculo esquelético. Por
outro lado, ocorre aumento dos hormônios envolvidos
no catabolismo, como o cortisol e a angiotensina II,
esta última responsável por anorexia, perda de massa
corpórea e apoptose de miócitos cardíacos(16).
A atividade física regular eleva o máximo poder aeróbio pelo incremento do volume de ejeção sistólica e
do débito cardíaco(17), bem como por aumento da oferta de oxigênio aos músculos com deslocamento da
curva de dissociação da hemoglobina para a direita,
incremento da microcirculação por aumento do número de capilares musculares(18) e diminuição da resistência à difusão do oxigênio das hemácias para as fibras contráteis(19, 20).
O remodelamento dos músculos exercitados durante
o treino aeróbio pode fornecer justificativa adicional para
a melhora da capacidade física. As fibras tipo IIb, com
alto poder glicolítico, transformam-se em fibras IIa com
maior potencial oxidativo(21). As células musculares tipo
I sofrem modificações estruturais, com aumento do
número e do tamanho das mitocôndrias, e bioquímicas, com incremento da concentração de enzimas nessa organela, principalmente a creatinaquinase, responsável pela restituição imediata de ATP diante de altas
demandas de energia(22).
Outros efeitos da atividade física sobre a insuficiência cardíaca são redução da expressão de citosinas
nos músculos e aumento dos fatores antiapoptóticos e
da atividade da citocromo c oxidase(21, 23, 24).
O condicionamento físico é um recurso terapêutico
capaz de reverter as alterações funcionais e estruturais da musculatura periférica e melhorar a tolerância
aos exercícios e a qualidade de vida dos pacientes com
insuficiência cardíaca(25, 26), sem interferir na causa da
doença.
Em relação à função muscular, Pu e colaboradores(27) registraram aumento significativo do desempenho muscular “leg press” após dez semanas de treinamento físico em pacientes idosos com insuficiência
cardíaca e incremento da capacidade oxidativa dos
músculos.
DESEMPENHO DO CORAÇÃO NA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Sullivan e colaboradores(3) constataram que, em pa-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cientes com insuficiência
cardíaca, a redução de enzimas aeróbicas teria imYAZBEK P e cols.
portante papel em influenInsuficiência cardíaca:
ciar o baixo desempenho
importância da
físico apresentado por
atividade física
eles. Essas enzimas aumentariam o potencial oxidativo periférico dos músculos esqueléticos. Sabe-se
que a redução dessas enzimas leva ao desvio do metabolismo anaeróbio para o metabolismo glicolítico (anaeróbico), o que resulta em alcance preciso do limiar anaeróbio, intolerância ao exercício prolongado e fadiga(28).
Em geral, uma atividade de menor intensidade requer duração de exercício relativamente maior. Na experiência de Romano e colaboradores(28), no Instituto
de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HCFMUSP), no período de exercícios aeróbios 30 a 40
minutos de intensidade média foram suficientes para
produzir efeito funcional de treinamento físico em pacientes portadores de insuficiência cardíaca.
Goodman e colaboradores(29), ao estudar a função
ventricular em indivíduos saudáveis, sugeriram ser o
mecanismo de Frank-Starling mais operativo em intensidade de exercício até o limiar anaeróbio. Além dessa
intensidade, a função ventricular aumentaria pela contratilidade, com diminuição participativa do mecanismo
de Frank-Starling. Como na insuficiência cardíaca a
contratilidade se encontra diminuída, o treinamento(28)
não deve ser realizado pós-limiar anaeróbio.
Staner(30) cita que a contratilidade diminui pela disfunção de proteínas contráteis, disfunção de enzimas energéticas e ruptura da estrutura de membranas celular.
No InCor(28), observou-se incremento da fração de
ejeção de nossos pacientes com insuficiência cardíaca, medida pela cintilografia miocárdica, após três meses de exercício submáximo. Contudo, ao se aproximar do limiar anaeróbio, a fração de ejeção mostra tendência à diminuição. Essas observações vêm ao encontro do estudo de Goodman e colaboradores(29).
Esses dados enriquecem cada vez mais a idéia de
que a indicação do estudo cardiopulmonar no esforço
(ergoespirometria) é indispensável em qualquer avaliação pré-atividade física e reabilitação. O treinamento
físico(28) em portadores de insuficiência cardíaca deverá ficar próximo do limiar anaeróbio (I), não ultrapassando o ponto de compensação ácido-metabólico ou
limiar II.
Normalmente a freqüência cardíaca de treinamento ocorre em torno de 70% do VO2 máx.
A duração empregada em cada sessão é de no mínimo 60 minutos, devendo ser realizada no mínimo três
vezes por semana.
Bekedan e colaboradores(31) observaram correlação
positiva com o aumento da succinato desidrogenase e
VO2 pico, demonstrando que as enzimas oxidativas
apresentaram melhora de suas atividades em pacientes com insuficiência cardíaca durante exercícios físicos programados.
Trabalhos recentes(32, 33) realizados na Divisão de Medicina de Reabilitação do HC-FMUSP e no InCor demonstraram que a redução da capacidade física e o
aumento da resposta ventilatória ao exercício em pacientes com insuficiência cardíaca estão associados com
a alteração funcional da musculatura esquelética, em
particular com a redução da força. Um programa de
fortalecimento muscular poderá aumentar o VO2 tanto
para pacientes com insuficiência cardíaca como para
sedentários.
PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA NA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
Apesar do efeito benéfico da atividade física no sistema cardiovascular, sabe-se que, durante a prática de exercício físico intenso, o risco relativo de eventos cardiovasculares é maior que em atividades habituais(34). No entanto, não houve relação exercício-morte em pacientes com
insuficiência cardíaca durante mais de 60 mil horas-pacientes de treinamento físico, comparado favoravelmente
com exercício em normais e cardíacos(35).
O programa de treinamento aeróbio, contínuo ou
intermitente, e exercício resistido produz melhora na
capacidade física. Entretanto, estudos com exercício
aeróbio demonstraram maior aumento do consumo de
oxigênio quando comparados com estudos que realizaram apenas exercício resistido na insuficiência cardíaca. O aumento da capacidade física na insuficiência cardíaca também foi bem maior quando houve a
associação das atividades aeróbia e resistida.
O exercício em piscina, assim como a sauna, são
atividades geralmente contra-indicadas para pacientes
com insuficiência cardíaca(36, 37). Entretanto, a sauna tem
sido bem tolerada, apresentando melhora hemodinâmica e da função endotelial e diminuição da atividade
neuro-hormonal em portadores de insuficiência cardíaca(38, 39). Contudo, ainda existem controvérsias e questões a serem respondidas sobre atividade física e insuficiência cardíaca.
Programa de treinamento físico domiciliar monitorizado também tem sido estimulado para pacientes com
insuficiência cardíaca. Assim como o programa de atividade física normal, o domiciliar parece ser seguro e
efetivo em diminuir sintomas e melhorar a qualidade
de vida de pacientes com insuficiência cardíaca(40).
A representação gráfica do limiar anaeróbio e do
ponto de compensação respiratória no teste cardiopul-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
145
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física
monar é expressa na Figura 1. O grupo de treinamento de baixa intensidade foi prescrito na freqüência cardíaca limitada pelo
limiar anaeróbio e o de alta
intensidade, na limitada
pelo ponto de compensação respiratória, correspondendo a 67% e 88% do
consumo máximo de oxigênio atingido (VO2p), res-
pectivamente.
A atividade física deve ser estimulada para todos
os pacientes com insuficiência cardíaca estável e que
sejam capazes de participar de um programa de trei-
namento físico (Fig. 2). Assim como a terapêutica clínica cuida de manter a função dos órgãos compensada,
a atividade física promove adaptações fisiológicas favoráveis, resultando em melhora da qualidade de vida
desses pacientes.
Na Figura 3(41) é elucidado que ambas as intensidades de treinamento aumentaram o consumo de oxigênio no pico do exercício, mas em nível submáximo (limiar anaeróbio) somente a baixa intensidade.
Recentemente, estudo mais complexo, com biópsia
do músculo “vastus lateralis” e análise do peptídeo natriurético tipo B em pacientes com insuficiência cardíaca estável submetido a programa supervisionado de
treinamento físico de alta intensidade e baixa intensidade, demonstrou aumento da capacidade oxidativa da
musculatura esquelética. Entretanto, apenas no grupo
Figura 1. Treinamento entre 67% (LA) e 88% (PCR) em pacientes portadores de
insuficiência cardíaca. Pontos e intervalos delimitados pelos equivalentes respiratórios VE/VO2 e VE/VCO2.
LA = limiar anaeróbio; PCR = ponto de compensação respiratória; BI = baixa intensidade; AI = alta intensidade; VE/VO2 = equivalente ventilatório de oxigênio; VE/VCO2 =
equivalente ventilatório de dióxido de carbono; PETCO2 = pressão expiratória final de
dióxido de carbono. Tempo em minutos.
146
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
de baixa intensidade o
peptídeo natriurético tipo B
foi significativamente reduYAZBEK P e cols.
zido tanto em repouso
Insuficiência cardíaca:
como no esforço. Consideimportância da
ra-se que sua secreção
atividade física
está relacionada à distensão da parede ventricular
e o exercício de baixa intensidade poderia promover melhor adaptação ventricular esquerda, ou melhor, acomodação vascular periférica. Além disso, o treinamento de baixa intensidade beneficiou mais a qualidade de vida dos pacientes, quando comparado ao de
alta intensidade.(42)
Pacientes com insuficiência cardíaca estável em uso
de bletabloqueador seletivo e não-seletivo, submetidos
a programa de treinamento físico, aumentaram a tolerância ao exercício submáximo e do O2 de pico. Adicionalmente, o uso de betabloqueadores no tratamento
da insuficiência cardíaca não alterou os benefícios decorrentes do treinamento físico nesses pacientes.(43)
Entretanto, a etiologia não-isquêmica pareceu não se
correlacionar com maior aumento do O2 de pico após
o período de treinamento.
CONCLUSÃO
O aumento da capacidade de exercício de portadores de insuficiência cardíaca submetidos a programa
de atividade física tem sido demonstrado como fator
Figura 2. Fluxograma do Programa de Treinamento Físico para Portadores de Insuficiência Cardíaca.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
147
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física
Figura 3. Comparação da evolução em pacientes portadores de insuficiência cardíaca nas diversas intensidades de exercício.
LA = limiar anaeróbio.
consistente. Estudos randomizados demonstraram que
o grupo treinado melhorou a classe funcional da “New
York Heart Association” (NYHA), e aumentou a tolerância ao exercício e a fração de ejeção do ventrículo
esquerdo. Adicionalmente reduziu a resistência periférica total no pico do exercício(44, 45). Assim como também ficou demonstrado que o grupo treinado estava
associado a menor mortalidade e baixa readmissão
hospitalar por insuficiência cardíaca(34).
A melhora da capacidade física em portadores de
insuficiência cardíaca poderá ser menor nos efeitos fi-
148
siológicos quando comparados a indivíduos saudáveis(46, 47). No entanto, os resultados encontrados não
indicam tendência de que a limitação central seja fator
limitante para que esses pacientes não possam desfrutar dos efeitos benéficos do exercício físico. A importância da periferia, em que a diferença arteriovenosa de oxigênio (A-VO2 dif) tem-se mostrado aumentada nesses pacientes, pode ter papel significativo na
compreensão de funções e estruturas centrais deprimidas, como aumento do débito cardíaco e conseqüente incremento na captação de oxigênio.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
HEART FAILURE: EXERCISE TRAINING
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física
PAULO YAZBEK JÚNIOR, LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG, EDMAR BOCCHI,
GUILHERME V. GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO, ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA
Heart failure is a complete disease with a poor prognosis. It is associated to
limiting systems even with a modern medical management. One of the mainly symptoms is the exercise limitation and the reason for fatigue is attributed to vasoconstrictor drive, endothelial dysfunction and a wide range of structural and abnormalities of skeletal muscle than to ventricular dysfunction pressure.
Physical training became a safe non-pharmacological treatment for heart failure
and help the patient to breath easier and will not cause further damage to heart
muscle.
Key words: heart failure, exercise training.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:143-51)
RSCESP (72594)-1523
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
151
VALVOPATIAS: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTE
TARASOUTCHI F
e cols.
Valvopatias:
atividades físicas
e esporte
FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG
Unidade Clínica de Valvopatias — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —
Cerqueira César — CEP 04015-011 — São Paulo — SP
Ao se recomendar atividade física e esporte, o médico deve considerar as características da atividade proposta, associada ao tipo de valvopatia e sua gravidade.
Uma das formas de se classificar esporte/atividade física é pelo tipo de exercício e
pela intensidade empregados em sua prática. Assim, os exercícios podem ser classificados em dinâmicos e estáticos leves, moderados e intensos. A avaliação da
doença valvar, por outro lado, inicia-se pelo diagnóstico, com anamnese, exame
físico e exames complementares, acrescentada pela estratificação de gravidade,
que leva em conta parâmetros anatômicos e funcionais das valvas, alterações anatômicas do coração e presença de sintomas, principalmente dispnéia aos esforços.
Dessa forma, baseado no diagnóstico tanto anatômico como funcional da valvopatia, e com a caracterização da gravidade, o médico pode recomendar atividade física e/ou esporte de forma individualizada para o paciente.
Palavras-chave: valvopatia, atividade física, esporte.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)
RSCESP (72594)-1524
INTRODUÇÃO
A prática esportiva é parte da cultura social, entendida como atividade física regular e organizada, compreendendo múltiplas modalidades. O hábito do esporte pode ser recreacional ou profissional, espontâneo
ou recomendado. Cada modalidade tem sua exigência
psíquica e física particular e, para a prática adequada
e segura, o esportista deve ter tais requisitos satisfatórios. São inúmeras as doenças que potencialmente limitam e eventualmente contra-indicam certas modalidades esportivas, entre elas as valvopatias cardíacas.
As valvopatias são um grupo especial de doenças
cardíacas, com características peculiares, que, em
geral, após instalação, cursam com longo período sem
manifestações clínicas; quando há o aparecimento de
sintomas, o paciente é um provável candidato à intervenção cirúrgica. Diferentemente de outras doenças
cardiovasculares com maior impacto social e econômico, são poucos os estudos multicêntricos com número
152
grande de pacientes para guiar a uma conclusão definitiva sobre os vários aspectos do manejo das valvopatias. Em nosso meio, é uma condição freqüente, sobretudo porque o acometimento reumático ainda é
muito prevalente. De tal forma que boa parcela dos
pacientes com doença valvar cardíaca no Brasil é composta por jovens. Esses indivíduos comumente representam um desafio para o médico que pretende realizar orientação em relação às atividades físicas e esportivas.
CARACTERIZAÇÃO DO ESPORTE/ATIVIDADE
FÍSICA
Uma das formas de se classificar esporte/atividade
física é pelo tipo de exercício e intensidade empregados em sua prática(1-4). Exercícios dinâmicos (isotônicos) caracterizam-se pela movimentação intensa das
articulações, e pela contração e diminuição do comprimento de vários grupamentos musculares, provocan-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
do aumento do consumo
de oxigênio, implicando
maior freqüência cardíaca,
TARASOUTCHI F
volume sistólico, débito
e cols.
cardíaco, e pressão arteValvopatias:
rial sistólica e média e
atividades físicas
menor pressão arterial die esporte
astólica e resistência arterial periférica(1, 2). O resultado de tal atividade é a
sobrecarga de volume
com hipertrofia ventricular
excêntrica. Exercícios estáticos (isométricos), por outro lado, geram grande força intramuscular, com manutenção do comprimento muscular, sem movimentação
significativa das articulações, implicando aumento da
pressão arterial sistólica, diastólica e média, com sobrecarga de pressão e tendência à hipertrofia ventricular concêntrica(1, 2). Entretanto, sabe-se que as diversas modalidades esportivas combinam atividades estáticas e dinâmicas e podem ser classificadas em ordem crescente do componente estático (I, II e III) e do
componente dinâmico (A, B e C) (Tab. 1).(2)
RECOMENDAÇÃO DE ESPORTE/ATIVIDADE
FÍSICA EM VALVOPATAS
A recomendação de atividade física e esporte em
valvopatas leva em consideração a doença valvar de
base; a partir do diagnóstico e da estratificação de gravidade, o paciente é orientado quanto às possibilidades de prática esportiva(5, 6).
O diagnóstico do tipo de doença valvar, assim como
sua gravidade, é feito por meio de anamnese e exame
físico detalhado, complementado por radiografia de tórax, eletrocardiografia e ecocardiografia. Alguns pacientes eventualmente realizam avaliação hemodinâmica com cateterismo cardíaco. A doença valvar, estenose e insuficiência, uma vez diagnosticada, é graduada
em leve, moderada e grave. Essa classificação leva em
consideração parâmetros anatômicos e hemodinâmicos(5). Além disso, os pacientes são avaliados quanto
aos sintomas (dispnéia em esforços, dor torácica, síncope). Feita essa avaliação, as recomendações serão
individualizadas de acordo com o tipo de valvopatia,
gravidade e sintomas. A seguir estão apresentadas as
recomendações(5, 6).
Estenose mitral
A etiologia da estenose mitral é reumática em 99%
dos casos, acometendo pacientes jovens, principalmente do sexo feminino(5-7). A gravidade da estenose mitral
pode ser avaliada pela área valvar, e pela estimativa
da pressão de capilar pulmonar em exercício e da pressão sistólica de artéria pulmonar. A Tabela 2 apresenta
a classificação da estenose mitral(5, 6).
Tabela 1. Classificação de esportes baseada nos componentes dinâmico e estático de pico.(2)
A – Dinâmico
leve
B – Dinâmico
moderado
C – Dinâmico
intenso
I – Estático leve
Bilhar
Boliche
Golfe
Tiro ao alvo
Beisebol
“Softball”
Tênis de mesa
Tênis (duplas)
Voleibol
II – Estático moderado
Automobilismo
Motociclismo
Hipismo
Mergulho
Arco e flecha
III – Estático intenso
Artes marciais
Ginástica olímpica
Vela
Levantamento
de peso
Alpinismo
Esgrima
Nado sincronizado
Corrida (“sprint”)
Surfe
Patinação
Rodeio
Musculação
Luta greco-romana
Esqui “downhill”
“Badminton”
Futebol
Corrida (fundo)
Tênis
(individual)
“Squash”
Hóquei no gelo
Basquetebol
Handebol
Natação
Corrida (meio
fundo)
Boxe
Decatlon
Ciclismo
Remo
Adaptado de Mitchell e colaboradores.(2)
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
153
Tabela 2. Gravidade da estenose mitral.(5, 6)
TARASOUTCHI F
e cols.
Valvopatias:
atividades físicas
e esporte
Leve
Moderada
Grave
Área valvar
PCP em exercício
PSAP
> 1,5 cm²
1,1-1,5 cm²
< 1 cm²
< 20 mmHg
< 25 mmHg
> 25 mmHg
< 35 mmHg
< 50 mmHg
> 50 mmHg
PCP = pressão de capilar pulmonar; PSAP = pressão sistólica de artéria pulmonar.
Os pacientes com estenose mitral leve geralmente
toleram bem o exercício, permanecendo assintomáticos. Quando a estenose mitral é mais grave, existe a
possibilidade de o esforço físico (com aumento do
débito cardíaco e da freqüência cardíaca) provocar
aumento das pressões em átrio esquerdo, que, em
associação com a estenose mitral moderada a grave, eleva a pressão em capilar pulmonar, gerando
quadro de edema agudo dos pulmões. A estenose
mitral, entretanto, raramente é causa de morte súbita em exercício(5, 6).
As recomendações de atividade física em estenose
mitral geralmente são limitadas pelos sintomas(5, 6). Pacientes oligossintomáticos e/ou com estenose mitral
grave podem ser submetidos a teste ergométrico para
avaliação funcional(8). Teste normal é indicador de bom
prognóstico, porém a presença de alterações hemodinâmicas é argumento para iniciar avaliação de possível intervenção cirúrgica. Pacientes sintomáticos, com
pior prognóstico, podem exercer atividades físicas aeróbicas de baixa intensidade (caminhadas leves), limitando-se pelo sintoma de dispnéia(5, 6). Esses pacientes devem ser avaliados cuidadosamente pela provável indicação de intervenção terapêutica (valvoplastia, cirurgia). Entre os assintomáticos, as recomendações variam de acordo com a gravidade da estenose mitral (5, 6):
1. Pacientes com estenose mitral leve, em ritmo sinusal, podem participar de todas as atividades esportivas, mesmo em caráter competitivo.
2. Pacientes com estenose mitral leve e fibrilação atrial, pacientes com estenose mitral moderada, em ritmo
sinusal ou fibrilação atrial, e pacientes com pressão
sistólica de artéria pulmonar em repouso ou esforço < 50
mmHg podem participar de atividades estáticas ou dinâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB, conforme
Tabela 1).
3. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com
estenose mitral leve, com pressão sistólica de artéria
pulmonar entre 50 mmHg e 80 mmHg, podem participar de exercícios estáticos leve e moderado, e exercício dinâmico leve (IA e IIA, Tab. 1).
4. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com
154
estenose mitral grave, ou pacientes com pressão sistólica de artéria pulmonar > 80 mmHg durante esforço
não devem participar de esportes competitivos. Uma
atividade física aeróbica leve pode ser realizada. Os
pacientes devem ser avaliados cuidadosamente pela
possibilidade de indicação cirúrgica.
5. Pacientes que utilizam anticoagulantes devem ser
aconselhados a não participar de atividades físicas de
alto impacto, pelo risco de sangramento.
Insuficiência mitral
A insuficiência mitral apresenta diversas etiologias,
sendo o prolapso de valva mitral e a doença reumática
as principais causas de insuficiência mitral(5-7, 9, 10). As
recomendações de atividade física e esporte em insuficiência mitral são direcionadas para os casos de insuficiência mitral primária. Quando a insuficiência mitral for secundária a miocardiopatia dilatada ou insuficiência coronariana, essas condições deverão ser analisadas em conjunto com a insuficiência mitral para a
orientação da prática esportiva.
A insuficiência mitral pode se instalar aguda ou cronicamente(5, 7, 9). A insuficiência mitral aguda geralmente apresenta-se como quadro dramático, necessitando
intervenção precoce, não sendo, portanto, objeto deste capítulo. A insuficiência mitral crônica, por outro lado,
permite adaptação inicial das câmaras esquerdas, e o
paciente permanece assintomático por alguns anos(5, 7, 9).
Com o passar do tempo, os mecanismos adaptativos
esgotam-se e o paciente pode desenvolver sintomas.
A presença de sintomas, o diâmetro ventricular esquerdo e a função ventricular são os principais elementos
avaliados para indicação cirúrgica(5, 7, 9, 11).
A abordagem inicial do paciente com insuficiência
mitral visa ao diagnóstico e ao estabelecimento da gravidade da lesão. Anamnese, exame físico, radiografia
de tórax e eletrocardiograma devem ser realizados nos
pacientes. A confirmação diagnóstica é feita com ecocardiografia, que permite estimar a gravidade da insuficiência mitral por meio da observação do jato regurgitante e das alterações anatômicas e funcionais cardíacas decorrentes da insuficiência mitral: dilatação ventricular e função ventricular(5-7). Além da ecocardiogra-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
fia, a ventriculografia radioisotópica também fornece informações detalhaTARASOUTCHI F
das acerca da anatomia e
e cols.
da função ventricular.
Valvopatias:
As recomendações de
atividades físicas
atividade
física e esporte
e esporte
em insuficiência mitral levam em consideração os
sintomas e a gravidade da
insuficiência mitral(5, 6) (jato
regurgitante, dilatação
ventricular e função de ventrículo esquerdo). Pacientes sintomáticos devem ser avaliados quanto à possibilidade cirúrgica, não sendo recomendada a prática
de esportes. A atividade física deve se restringir ao
exercício aeróbico leve, sem objetivo de treinamento
ou competição(5, 6). Em relação aos pacientes assintomáticos, as recomendações são(5, 6):
1. Pacientes em ritmo sinusal, com diâmetro e função
ventricular esquerda normais, podem participar de todos os esportes competitivos.
2. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial com
dilatação ventricular discreta e função ventricular normal em repouso podem participar de atividades esportivas competitivas dinâmica leve e moderada e estática
leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB). Alguns pacientes selecionados podem eventualmente realizar esportes
estáticos leve, moderado e dinâmico leve, moderado e
intenso (IA, IB, IC, IIA, IIB, IIC). Quando o paciente
apresentar fibrilação atrial, o teste ergométrico pode
ser utilizado para avaliar a freqüência cardíaca em exercício.
3. Pacientes com dilatação ventricular marcante ou disfunção ventricular em qualquer grau não devem realizar esportes competitivos.
4. Pacientes em fibrilação atrial anticoagulados devem
evitar esportes de alto impacto pelo risco de sangramento.
Estenose aórtica
A estenose aórtica tem dois picos de incidência: em
jovens (etiologia reumática e congênita) e em idosos
(etiologia aterosclerótico-degenerativa, com calcificação valvar intensa)(5, 7, 10, 12). Em geral, só há sintomas
quando a área valvar aórtica torna-se cerca de um quarto do normal, isto é, cerca de 0,80 cm², caracterizando
estenose aórtica grave(5, 7). São freqüentes, porém, pacientes com estenose aórtica com área < 1 cm² assintomáticos e pacientes com área maior, sintomáticos.
Pacientes assintomáticos cursam com baixa morbidade e mortalidade(5, 7, 12). O aparecimento de sintomas
(dispnéia, síncope, angina), independentemente da
área valvar, confere mau prognóstico, sendo o principal indicador do tratamento cirúrgico(5, 7, 12). A obstrução
ao fluxo causada pela estenose aórtica progride lentamente ao longo dos anos, levando à adaptação ventricular com hipertrofia das paredes, mantendo cavidade
de tamanho normal e débito cardíaco normal. Ocorre,
porém, diminuição da relação volume/massa e da complacência, e aumento do volume diastólico final do ventrículo esquerdo. Também ocorre diminuição da perfusão miocárdica e da reserva vasodilatadora coronária,
mesmo sem aterosclerose das artérias epicárdicas.
Taquicardia/exercício físico pode levar a isquemia subendocárdica, contribuindo para disfunção tanto sistólica como diastólica. Não é possível estimar com certeza como será a evolução da estenose aórtica em cada
indivíduo. Em média, há decréscimo de 0,12 cm² da
área valvar por ano e acréscimo de 10 mmHg no gradiente transvalvar, com evolução pior nas causas ateroscleróticas-degenerativas, quando comparada aos
reumáticos;(5, 7) porém, vários indivíduos apresentam
comportamento diferente. Alguns pacientes com estenose aórtica grave podem apresentar morte súbita, que,
em geral, é precedida de sintomas e é evento incomum.
O diagnóstico de estenose aórtica é feito por anamnese e exame físico, complementados com radiografia
de tórax, eletrocardiografia e ecocardiografia. A avaliação de gravidade inicia-se na anamnese, pela busca
ativa de sintomas relacionados à estenose aórtica, que,
quando presentes, determinam maior probabilidade de
mortalidade (dispnéia, angina, síncope). O ecocardiograma permite a avaliação da valva, com cálculo da
área valvar, e do gradiente entre ventrículo esquerdo e
aorta, definidores de gravidade da estenose aórtica(5, 6).
Em alguns casos, a cineangiocoronariografia é utilizada para cálculo do gradiente entre ventrículo esquerdo
e aorta(5). O teste ergométrico freqüentemente não é
incentivado para portadores de estenose aórtica grave, pelo risco de congestão pulmonar, síncope e arritmias. Também tem a sensibilidade diminuída no diagnóstico de doença arterial coronária, já que boa parte
dos pacientes apresenta sobrecarga de câmaras e alterações da repolarização ventricular(8). Em sintomáticos, deve ser contra-indicado(8); porém, pode ser realizado com segurança em assintomáticos, para avaliação funcional da valvopatia. Achados eletrocardiográficos têm valor duvidoso, porém o desempenho hemodinâmico do paciente é informação valiosa para programação terapêutica e para orientação de atividades físicas. Pacientes assintomáticos, com estenose aórtica
grave e com baixa capacidade funcional ou hipotensão
no teste são prováveis candidatos à terapêutica cirúrgica, mas aqueles sem limitação ou complicações ao
teste máximo apresentam bom prognóstico e boa tolerância às atividades físicas(5, 6). Pacientes com estenose aórtica grave devem ser acompanhados anualmente por meio de ecocardiografia, com o intuito de avaliar
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
155
o grau da estenose, do
gradiente transvalvar, da
hipertrofia do ventrículo
TARASOUTCHI F
esquerdo e da função vene cols.
tricular. Pacientes com esValvopatias:
tenose aórtica moderada
atividades físicas
devem ser submetidos a
e esporte
ecocardiografia a cada
dois anos e leve, a cada
cinco anos.(5)
A recomendação de
atividade física e esporte
em estenose aórtica leva em consideração a presença
de sintomas e a gravidade da estenose aórtica, definida a partir da área valvar e do gradiente de pressão
entre ventrículo esquerdo e aorta(5, 6, 13). A Tabela 3 apresenta a classificação da estenose aórtica(5, 6).
com estenose aórtica moderada sintomáticos não devem realizar atividade física competitiva.
Pacientes portadores de estenose aórtica congênita podem realizar todos os tipos de atividades competitivas, desde que tenham estenose leve (gradiente
transvalvar aórtico de pico < 20 mmHg), sejam assintomáticos, com eletrocardiograma normal ao repouso
e com exercício, com boa tolerância ao esforço das atividades habituais, sem hipertrofia e sem arritmias ventriculares. Portadores de estenose aórtica congênita
moderada (pico entre 20 mmHg e 50 mmHg) podem
realizar esportes do grupo IA e IIA se assintomáticos,
eletrocardiograma e ergométrico normais, sem hipertrofia ventricular esquerda ou hipertrofia ventricular esquerda leve. Estenose aórtica congênita grave é contra-indicação a atividades esportivas competitivas, porém atividades recreativas podem ser avaliadas individualmente.
Tabela 3. Gravidade da estenose aórtica.(5, 6)
Insuficiência aórtica
A insuficiência aórtica apresenta diversas etiologias(5, 7). As mais comuns são valva aórtica bicúspide, doença reumática, endocardite infecciosa, síndrome de
Marfan e dissecção de aorta(5, 7). A insuficiência aórtica
pode ter instalação aguda, com instabilidade hemodinâmica, havendo necessidade de intervenção em caráter emergencial. Entretanto, na maioria dos casos, a evolução da insuficiência aórtica é crônica e gradual(5, 7, 14). Durante o curso da doença, ocorre o remodelamento do
ventrículo esquerdo, com dilatação e aumento do volume diastólico final (para acomodação do maior volume
sem aumentar a pressão de enchimento), objetivando
adaptar-se ao volume regurgitante decorrente da insuficiência aórtica. Nessa fase adaptativa, o paciente pode
estar assintomático(5, 7, 14). O aparecimento de sintomas
é o principal marcador de indicação de tratamento cirúrgico(14). Pacientes assintomáticos com função ventricular normal têm baixa morbidade e mortalidade e
aqueles com disfunção de ventrículo esquerdo evoluem rapidamente para sintomas(14). Pacientes sintomáticos têm mau prognóstico e devem ser avaliados para
programação de intervenção cirúrgica. A avaliação da
gravidade da insuficiência aórtica leva em consideração os sintomas do paciente, o exame físico, com especial atenção aos sinais periféricos da insuficiência
aórtica, e os dados fornecidos pelo ecocardiograma,
fundamental na complementação diagnóstica(5-7). O
ecocardiograma informa o diâmetro do ventrículo esquerdo e a função ventricular, além de avaliar o jato
regurgitante, estimando a gravidade da insuficiência
aórtica(5-7). Em casos de dúvida, o cateterismo cardíaco pode ser utilizado para realização da aortografia,
definindo o grau de insuficiência aórtica. Em relação
aos sintomas, em casos duvidosos (pacientes autolimitados), um teste ergométrico pode facilitar a defini-
Leve
Moderada
Grave
Área valvar
Gradiente
VE-Ao (médio)
> 1,5 cm²
1,1-1,5 cm²
< 1 cm²
< 20 mmHg
21-49 mmHg
> 50 mmHg
VE = ventrículo esquerdo; Ao = aorta.
As recomendações de atividade física e esportiva
para os pacientes com estenose aórtica são(5, 6):
1. Pacientes com estenose aórtica leve, assintomáticos, não apresentam restrições às atividades da vida
diária, à realização de atividades físicas e, inclusive, a
esportes competitivos. Pacientes com antecedente de
síncope, mesmo que com estenose aórtica leve, devem ser avaliados cuidadosamente no sentido de se
descartar arritmias induzidas pelo exercício.
2. Pacientes com estenose aórtica leve a moderada
podem realizar todos os esportes competitivos de baixa intensidade (IA, conforme Tabela 1). Pacientes selecionados podem praticar atividades estáticas leve e
moderada e dinâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA,
IIB). Esses pacientes selecionados podem ser submetidos a teste ergométrico para avaliação do comportamento clínico em atividade física semelhante à que se
propõe orientar.
3. Pacientes com estenose aórtica leve ou moderada,
com taquicardia supraventricular, ou arritmia ventricular complexa em repouso ou exercício devem praticar
somente esportes competitivos de baixa intensidade
(IA).
4. Pacientes com estenose aórtica grave ou pacientes
156
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ção da capacidade funcional(8). Teste máximo, sem
complicações, é sinal de
TARASOUTCHI F
boa tolerância e prognóse cols.
tico com exercício físico.
Valvopatias:
Alterações hemodinâmiatividades físicas
cas, como, por exemplo,
e esporte
hipotensão e baixa capacidade funcional, são sinais de alerta, que devem
afastar o paciente de atividades físicas.
As recomendações para atividade esportiva em insuficiência aórtica são(5, 6):
1. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou moderada, com diâmetro ventricular normal, ou discretamente
aumentado, podem participar de todas as atividades
esportivas competitivas. Em casos selecionados, pacientes com dilatação ventricular moderada podem praticar atividades esportivas estáticas leve e moderada e
dinâmicas leve, moderada e intensa (IA, IB, IC, IIA, IIB,
IIC). Pacientes com dilatação ventricular progressiva
em avaliações seriadas não devem realizar esportes
competitivos.
2. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou moderada, com arritmias ventriculares em repouso ou exercício, devem participar somente de atividades competitivas de baixa intensidade (IA).
3. Pacientes com insuficiência aórtica grave, assim
como aqueles com insuficiência aórtica leve ou moderada sintomáticos, não devem participar de atividades
físicas competitivas.
4. Pacientes com insuficiência aórtica e dilatação evidente da aorta ascendente proximal não devem participar de atividades físicas competitivas.
5. Em pacientes com síndrome de Marfan, além da insuficiência aórtica outros fatores como dissecção e
aneurisma de aorta devem ser avaliados para se recomendar a atividade física mais adequada.
Prolapso da valva mitral
Pacientes com prolapso da valva mitral devem ser
afastados de esportes competitivos se tiverem dilatação ventricular esquerda, disfunção ventricular esquerda, taquiarritmias incontroláveis, síndrome do QT longo, síncope inexplicada, morte súbita prévia, e dilatação do arco aórtico. Quando houver insuficiência mitral
associada, esta deve ser considerada na orientação
de atividade física(5, 6).
Insuficiência tricúspide
A insuficiência tricúspide pode ser secundária a dilatação ventricular direita, associada à hipertensão pulmonar. Insuficiência tricúspide primária é rara, relacionada a doença reumática e endocardite infecciosa. Pa-
cientes com insuficiência tricúspide primária, independentemente da gravidade, na ausência de pressão atrial
direita > 20 mmHg, com pressão sistólica de ventrículo
direito normal e função ventricular direita normal, podem realizar todos os esportes competitivos(5, 6).
Estenose tricúspide (ET)
A estenose tricúspide isolada é rara. Normalmente
associa-se à estenose mitral reumática. Nesses casos,
devem prevalecer as recomendações para estenose
mitral(5, 6).
Doença multivalvar
A presença de doença multivalvar está associada a
doença reumática na maioria dos casos. Os pacientes
com doença multivalvar, de modo geral, devem ser
desaconselhados a realizar atividades esportivas competitivas. A valva mais acometida anatômica e funcionalmente, com comprometimento hemodinâmico mais
importante, deve prevalecer nas orientações quanto à
prática esportiva(5, 6).
Pós-operatório de portadores de próteses valvares
Existem poucas evidências de que o exercício vigoroso em longo prazo tenha influência sobre o funcionamento da prótese valvar. A presença de prótese valvar
determina gradiente transvalvar, com variação individual. O funcionamento adequado da prótese deve ser
pesquisado por meio de anamnese, exame físico e
ecocardiografia. Em algumas situações, pode ser necessária ecocardiografia transesofágica. As recomendações para atividade física e esporte são(5, 6):
1. Pacientes com prótese valvar mitral, que não estejam utilizando anticoagulantes, com prótese normofuncionante, com função ventricular normal, podem participar de atividades físicas competitivas estáticas leve
e moderada e dinâmica leve e moderada (IA, IB, IIA,
IIB).
2. Pacientes com prótese mitral ou aórtica que utilizem
anticoagulantes não devem realizar atividades físicas
de alto impacto, pelo risco de sangramento.
3. Pacientes com prótese valvar aórtica que não estejam utilizando anticoagulantes, com prótese normofuncionante, com função ventricular normal, podem participar de atividades físicas competitivas de baixa intensidade (IA). Pacientes selecionados podem realizar atividades classe IA, IB, IIA, IIB.
Pós-operatório de pacientes submetidos a
valvoplastia
Neste item estão incluídos os pacientes portadores
de estenose mitral, que realizam valvoplastia por cateter-balão, e os pacientes que apresentam insuficiência
mitral corrigida por plástica mitral. No caso da valvoplastia por balão, as recomendações de atividade físi-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
157
TARASOUTCHI F
e cols.
Valvopatias:
atividades físicas
e esporte
ca baseiam-se no grau de
estenose residual após o
procedimento. Em relação
à plástica mitral, os pacientes devem ser aconselhados às atividades competitivas de baixa intensidade (classe IA). Casos
selecionados poderão realizar atividades moderadas (IA, IB, IIA, IIB)(5, 6).
CONCLUSÃO
A recomendação de atividade física e esporte deve
ser feita com cautela em portadores de doenças cardíacas, particularmente as doenças valvares. As valvopatias apresentam espectro variável de apresentação,
e, por esse motivo, as orientações de prática esportiva
devem ser individualizadas. O tipo de valvopatia, a gravidade da lesão e a presença de sintomas (capacidade funcional) são os principais parâmetros analisados
para a orientação do esporte.
VALVOPATHY: PHYSICAL ACTIVITY AND SPORTS
FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG
When recommending physical activity and sports, the physician must consider
the characteristics of the proposed activity, associated to the type of valvopathy and
its seriousness. One way to classify the physical activity/sport is by the type of exercise and intensity employed in its practice. Thus, exercises can be classified in dynamic, light static, moderate and intense. The evaluation of the valvular desease, on
the other hand, is initiated through the diagnostic, with anamnesis, physical examination and complementary exams, supplemented by the stratification of seriousness which takes into account functional and anatomical parameters of the valves,
anatomic alterations of the heart and the presence of symptoms, mainly dyspnea at
effort. Therefore, based on the functional and anatomical diagnostic of the valvopathy and with the characterization of the seriousness, the physician can recommend
the physical activity and or the sport in an individualized way for the patient.
Key words: valvopathy, physical activity, sport.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)
RSCESP (72594)-1524
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159
MIOCARDIOPATIAS: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTE
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias:
atividades físicas
e esporte
LUCIANO NASTARI, MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES, CHARLES MADY
Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP
05403-900 — São Paulo — SP
Jovens atletas têm sido, atualmente, considerados como uma parte especial da
sociedade. Entretanto morte cardíaca súbita pode ocorrer mesmo na ausência de
sintomas prévios, e esse fato tem impacto emocional e social considerável na opinião pública.
Nos Estados Unidos, a cardiomiopatia hipertrófica apresenta-se como a causa
mais comum de morte súbita entre atletas. Diversas doenças cardiovasculares presentes em atletas podem determinar a morte súbita, entre as quais destacam-se a
miocardiopatia dilatada, a displasia arritmogênica do ventrículo direito, a miocardite
viral, a endomiocardiofibrose e a doença arterial coronariana.
As diretrizes para qualificar ou não os atletas capazes de participar de treinamento intensivo e atividades competitivas são fundamentais, porque essas condições aumentam o risco de morte súbita em atletas nos quais a condição cardíaca
apresenta risco que poderá determinar o afastamento definitivo ou temporário desses atletas para competições.
Nos pacientes com insuficiência cardíaca estável, treinamento com exercícios de
intensidade leve a moderada e duração prolongada não apresentou sinais de deterioração dos volumes e da função ventricular esquerda, tendo apresentado redução
significativa da atividade simpática, mostrando-se seguro e efetivo, com melhora da
tolerância ao exercício e da qualidade de vida.
A forma indeterminada da doença de Chagas, claramente, apresenta-se como
uma condição benigna com favorável prognóstico ao longo do tempo. A presença de
taquicardia ventricular no teste de esforço está associada com elevada incidência
de morte súbita em pacientes portadores de cardiopatia da doença de Chagas em
sua forma crônica e com arritmia ventricular presente.
Os efeitos do treinamento com exercícios físicos em pacientes com ou sem sintomas nas principais cardiopatias restritivas, hipertróficas e dilatadas, serão abordados neste capítulo.
Palavras-chave: miocardiopatias, exercício, morte súbita, atletas.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:160-8)
RSCESP (72594)-1525
MIOCARDIOPATIAS E EXERCÍCIO
As doenças cardíacas que alteram a estrutura do
miocárdio caracterizam-se principalmente pela limitação da capacidade física para a realização de um esforço físico repentino ou progressivo. A dispnéia é o
160
principal sintoma que interrompe a progressão do esforço em mais de um terço dos pacientes com disfunção miocárdica(1). O aumento da pressão transpulmonar (Vd/Vt) e da tensão dos músculos inspiratórios leva
à necessidade de aumento da ventilação, o que aumenta a intensidade da dispnéia. Paralelamente à fadi-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ga da musculatura respiratória observa-se a fadiga da musculatura periféNASTARI L e cols.
rica, elevando-se a intenMiocardiopatias:
sidade de ambos, esforço
atividades físicas
muscular e dispnéia. A lie esporte
mitação cardiovascular ao
esforço é considerada tão
significativa que a classificação do grau de acometimento da disfunção miocárdica é baseada, há décadas, no estágio ou grau de acometimento dessa incapacidade de tolerar o exercício. (“New York Heart
Association” – NYHA). Este capítulo tem como objetivo
demonstrar as distintas limitações e indicações do exercício físico nas diferentes classificações das miocardiopatias, divididas em suas formas clínicas: hipertrófica, dilatada e restritiva.
MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA
Caracterizada como desordem primária do miocárdio, a cardiomiopatia hipertrófica é definida como aumento da massa ventricular com desarranjo estrutural
de miócitos e miofibrilas. A manifestação estrutural pode
ser definida como segmentar ou maciça concêntrica
ou assimétrica e difusa ou focal, dependendo da classificação. A incidência da doença pode ser familiar, por
transmissão autossômica dominante ou, ainda, por ocorrência genética aleatória, como doença esporádica.
É importante o conhecimento dessas definições na
prática do esporte, considerando-se que a cardiomiopatia hipertrófica pode ocorrer sem a presença de sinais e sintomas, associado ao fato de que os indivíduos são em sua maioria diagnosticados a partir de uma
avaliação familiar. Além disso, a disfunção miocárdica
nesse tipo de afecção é diastólica, e algumas vezes,
dependendo da forma estrutural como é expressa, as
alterações funcionais somente serão identificadas durante esforço. Assim sendo, nos casos suspeitos, está
indicada a ecocardiografia de estresse físico.
A valorização dos relatos de alguns sintomas que
progridem insidiosamente ao longo do tempo, tais como
dispnéia ou angina atípica, e a presença de palpitações que comumente evoluem para fibrilação atrial ou
arritmias ventriculares podem ser um alerta para a investigação clínica e o diagnóstico precoce da cardiomiopatia hipertrófica. Além disso, em pré-adolescentes e adolescentes, a realização de uma investigação
clínica adequada e a identificação diagnóstica precoce
são importantes para se impedir a ocorrência fatal.
Presença de insuficiência cardíaca congestiva em
fases avançadas da doença e eventos embólicos tem
sido observada, podendo contribuir para a prematuri-
dade da morbidade e da mortalidade.
O principal diagnóstico diferencial a ser considerado é a presença de hipertrofia ventricular esquerda decorrente da conseqüência fisiológica ao treinamento
atlético intenso. A avaliação periódica por meio de ecocardiografia bidimensional pode demonstrar, em atletas de elite, redução da espessura da parede de 2,0
mm a 5,0 mm, no período de três meses de descondicionamento(2). No seguimento de atletas acompanhados no Ambulatório de Cardiologia Esportiva do Instituto do Coração (Incor/HC-FMUSP), que cursam com
hipertrofia ventricular esquerda moderada/importante,
tem-se observado regressão das dimensões cardíacas
e da massa ventricular no período de três a cinco meses.
Em um amplo levantamento com base nas autópsias da população de atletas dos Estados Unidos, a cardiomiopatia hipertrófica foi a causa mais freqüente, representando um total de um terço de todos os óbitos(3).
As recomendações para a prática de atividade física
competitiva em portadores de cardiomiopatia hipertrófica foram bem definidas na 26ª Conferência de Bethesda para Recomendação e Qualificação Atlética,
apresentada pelo “American College of Cardiology”(4).
Entre elas, destaca-se que atletas com diagnóstico
demonstrado de cardiomiopatia hipertrófica não podem
participar de esportes competitivos, com possível exceção para esportes de baixa intensidade. Essas recomendações incluem aqueles atletas com ou sem sintomas e com ou sem obstrução de fluxo na via de saída
do ventrículo esquerdo.
Na Unidade de Miocardiopatias do InCor, está sendo realizado o acompanhamento de mais de 500 casos de cardiomiopatia hipertrófica, em que todo indivíduo ou paciente com esse diagnóstico é orientado a
parar todo tipo de atividade física com caráter competitivo, podendo realizar atividades recreativas. Em casos selecionados, principalmente indivíduos jovens assintomáticos, sem fatores de risco de morte súbita reconhecidos (parada cardiorrespiratória recuperada,
morte súbita em parentes de primeiro grau com menos
de 45 anos de idade, síncope de repetição, taquicardia
ventricular não-sustentada ao Holter de 24 horas, hipertrofia ventricular > 30 mm, gradiente de via de saída do ventrículo esquerdo > 30 mmHg ao ecocardiograma, e não incremento da pressão arterial sistólica à
eletrocardiografia de esforço)(5), tem sido indicada avaliação cardiopulmonar, com a qual pode-se orientar
melhor o tipo e a quantidade de trabalho a ser realizado com supervisäo de um educador físico.
MIOCARDIOPATIA DILATADA
A partir das observações inerentes, a limitação da
manutenção de exercício progressivo e súbito em por-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
161
tadores de disfunção sistólica moderada é importante. Demonstrou-se que
NASTARI L e cols.
o exercício melhora a caMiocardiopatias:
pacidade oxidativa dos
atividades físicas
vasos de músculos esquee esporte
léticos e corrige a disfunção endotelial da musculatura esquelética tanto na
miocardiopatia dilatada
como na miocardiopatia
isquêmica, podendo promover redução da resistência vascular periférica e
melhora do volume sistólico. Também pode ser explicada por meio desses mecanismos a melhora da perfusão do miocárdio, evidenciada na ausência de modificações do diâmetro de coronária. A melhora do fluxo
miocárdico colateral em regiões infartadas e não-infartadas, tardiamente, após evento isquêmico agudo, pode
levar a alguma recuperação da função tanto global como
regional do ventrículo esquerdo(6).A ativação neurohumoral na insuficiência cardíaca é o principal determinante prognóstico de morbidade e mortalidade nesses doentes. A terapêutica farmacológica por si só tem
aumentado a sobrevida na insuficiência cardíaca; no
entanto, a redução da ativação simpática, promovida
pelo treinamento físico, foi claramente demonstrada em
pacientes com disfunção moderada e com insuficiência cardíaca estável(7). Assim, o exercício físico pode
otimizar a prescrição farmacológica de pacientes com
miocardiopatia, melhorando a classe funcional, a capacidade para o exercício e a qualidade de vida. A resposta do débito cardíaco ao exercício também pode
ser preditor independente para sobrevida na insuficiência cardíaca(8) A melhora do consumo de oxigênio
de pico e a redução precoce da fadiga muscular e respiratória com o treinamento físico reforçam os efeitos
benéficos periféricos promovidos pelo exercício(1). Embora os efeitos benéficos tenham sido atribuídos predominantemente a adaptações na circulação periférica e nos músculos esqueléticos, também se atribuem
adaptações no desempenho cardíaco.
O exercício físico regular do tipo aeróbio, prolongado e de intensidade leve a moderada tem indicação
precisa na presença de disfunção ventricular, tanto por
reduzir as repercussões da ativação neuro-humoral(9)
na periferia como por melhorar o desempenho funcional diastólico(8). Qualquer treinamento de resistência
muscular em portadores de dilatação ventricular tem
indicação limitada quando se refere à intensidade. Os
pacientes com insuficiência cardíaca sistólica são dependentes do aumento da freqüência cardíaca para
manter o débito cardíaco em repouso, porém durante
o esforço o aumento da freqüência cardíaca pode ocasionar queda do volume ejetado. Os exercícios de re-
162
sistência ocasionam aumento substancial da freqüência cardíaca e retorno lento no pós-esforço. Nessas
condições, recomenda-se que a carga de trabalho utilizada seja de baixa intensidade e em torno de 40% a
60%, em grandes grupos musculares, em circuitos (variando o grupo muscular a ser utilizado), e que sejam
realizados exercícios localizados na ausência de manobra de Valsalva e isometria muscular, respeitando
os limites de freqüência cardíaca determinados para a
atividade aeróbia. Além disso, é importante o retorno
da freqüência cardíaca à situação pré-esforço, antes
que o paciente se aventure em nova sessão de exercícios localizados. Essa recomendação tem evidenciado
modificações hemodinâmicas semelhantes às observadas no treinamento aeróbio em pacientes com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo(10).
Nesses indivíduos, a medida de limites objetivos
para se indicar uma atividade aeróbia é primordial na
definição da dose de exercício a ser prescrita para o
paciente, bem como para promover as modificações
metabólicas e cardiorrespiratórias necessárias para
melhorar a tolerância ao esforço. Tem-se utilizado, como
parâmetro, a ergoespirometria ou teste de avaliação
cardiorrespiratória. Por meio dessa avaliação, obtémse o limiar anaeróbio e o ponto de descompensação
respiratória. Na prática, quando se tem uma ergoespirometria, estabelece-se a intensidade do treinamento
aeróbio com base nos limiares ventilatórios, o que significa exercício com limite mínimo de freqüência cardíaca igual ao correspondente ao limiar anaeróbio e limite máximo igual à freqüência cardíaca no ponto em que
há descompensação respiratória. Dessa forma, o exercício será realizado com a utilização de metabolismo
predominantemente aeróbio, o que desencadeará, segundo o princípio da especificidade, adaptações nos
sistemas energéticos oxidativos, além de atuar positivamente nos sistemas cardiovascular e autonômico, e
também nos fatores de risco já estudados.
Quando não se dispõe de ergoespirometria, mas
sim de teste ergométrico, pode-se utilizar 60% a 85%
da freqüência cardíaca máxima alcançada no teste, que
se supõe ser realmente máximo. Se houver medida da
freqüência cardíaca de repouso, pode-se utilizar o cálculo de 60% a 70% da reserva de freqüência cardíaca
(Tab. 1).
Miocardiopatia isquêmica crônica com
indicação para tratamento clínico
Um grupo que tem se beneficiado sobremaneira com
o tratamento não-farmacológico por meio de treinamento físico bem dosado é o dos pacientes com história
prévia de infarto do miocárdio ou, ainda, que apresentam fatores de risco associados e doença arterial coronária de microcirculação com algum grau de disfunção
miocárdica e com tratamento meramente clínico.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias:
atividades físicas
e esporte
Os resultados devemse às modificações hemodinâmicas, tais como aumento do volume de ejeção ventricular em repouso e durante o exercício e
redução da freqüência cardíaca em repouso e durante exercício submáximo(11).
Além disso, há modifica-
suficiente para reduzir a progressão da placa aterosclerótica. O seguimento desses pacientes, submetidos
a programa intervencionista (dieta associada a exercício prolongado), evidenciou também, após seis anos
de acompanhamento, regressão da placa aterosclerótica(15). Os resultados foram verificados em pacientes
portadores de doença arterial coronariana que apresentaram gasto calórico semanal médio de aproximadamente 2.200 kcal/semana(12). Quando os pacientes
portadores de doença arterial coronariana atingiam
Tabela 1. Cálculo da freqüência cardíaca de treinamento físico aeróbio para indivíduos em prevenção primária,
a partir da ergoespirometria, da ergometria e da estimativa da freqüência cardíaca máxima pela idade.
Limite inferior
de trabalho
Limite superior
de trabalho
Ergoespirometria
Freqüência cardíaca
no limiar anaeróbio
Freqüência cardíaca máxima
Reserva de freqüência cardíaca
Estimativa da freqüência
cardíaca máxima
FC máx x 0,60
= (FC máx - FC repouso)x 0,50
Freqüência cardíaca
no ponto de
descompensação respiratória
FC máx x 0,85
= (FC máx - FC repouso) x 0,70
= (220 - idade) x 0,70
= (220 - idade) x 0,85
FC máx = freqüência cardíaca máxima; FC repouso = freqüência cardíaca de repouso.
ção estrutural, pois, mesmo na ausência de regressão
da placa aterosclerótica em vasos coronarianos epicárdicos, evidencia-se resposta vasodilatadora endotelial melhorada desses vasos, reduzindo proporcionalmente os efeitos localizados da estenose(12). Esse resultado espetacular deve-se principalmente ao recrutamento de vasos coronarianos colaterais durante o
esforço físico e ao aumento da densidade de capilares
arteriolares no miocárdio e na musculatura esquelética.
Clinicamente, evidencia-se atenuação da depressão
do segmento ST à eletrocardiografia durante o teste
de esforço, bem como diminuição ou desaparecimento
dos defeitos de perfusão evidenciados na cintilografia
miocárdica com tálio, para o mesmo nível de esforço(13).
Esses resultados são indicativos de aumento substancial da perfusão intramiocárdica e, principalmente, da
modificação metabólica expressa pela melhora significativa da capacidade oxidativa enzimática intrínseca
na musculatura cardíaca e esquelética e reestabelecimento da função endotelial coronariana(14).
Estudo populacional em portadores de doença arterial coronariana, acompanhados por arteriografia coronária, concluiu que um ano de atividade física regular aeróbia associada a dieta pobre em gorduras já era
gasto calórico semanal a partir de aproximadamente
1.800 kcal, entretanto, já podia ser observada interrupção da progressão da placa aterosclerótica, ou seja,
estabilização da doença arterial coronariana.
Dessa forma, fica evidente que o exercício físico
pode e deve ser indicado para o portador de doença
arterial coronariana, bem como para indivíduos com
fatores de risco para a mesma. Há que se observar,
entretanto, qual a orientação mais adequada para cada
caso.
Cardiomiopatia da doença de Chagas
A história natural da doença de Chagas é composta de fases e formas clínicas, em que aparece de forma clara a dissociação entre presença de sintomas e
sinais objetivos de lesão miocárdica.
Após a fase aguda de infestação, em que não mais
de 10% dos pacientes apresentam manifestações clínicas consistentes com o diagnóstico de cardite chagásica, em poucas semanas a parasitemia e a reação
inflamatória sistêmica são caracteristicamente reduzidas e inicia-se a intrigante forma indeterminada. Grande porcentagem de pacientes permanecerá nesse estágio evolutivo da doença, apresentando prognóstico
muito semelhante ao de indivíduos normais.(16) A mio-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
163
cardite crônica fibrosante
focal, que se desenvolve
de modo lento, mas persisNASTARI L e cols.
tente, durante longo períMiocardiopatias:
odo de normalidade clíniatividades físicas
ca, promove dano cumue esporte
lativo, que, ao atingir determinado limiar, alcança o
ponto crítico a partir do
qual surgem os sintomas
e sinais físicos de insuficiência cardíaca, condição
rotulada como forma crônica da doença. Assim, tais
conceitos apresentados nessa teoria fisiopatológica indicam que as fases indeterminada e crônica representam evolução única no contexto da história natural da
doença de Chagas. O infiltrado inflamatório linfomononuclear e a fibrose intersticial de distribuição multifocal
são responsáveis pela disfunção do nó sinusal, pelos
bloqueios atrioventriculares, pelas arritmias ventriculares isoladas e repetitivas, e, também, pela disfunção
autonômica do coração. Esse acometimento cardíaco
também pode ser observado na forma indeterminada
da doença de Chagas, porém em menor intensidade.
A morte súbita é uma das principais causas de morte
em chagásicos, independentemente da presença de
sinais e sintomas de insuficiência cardíaca. O principal
mecanismo de morte súbita é a taquicardia ventricular
sustentada, em geral rápida, às vezes polimórfica, degenerando para fibrilação ventricular.
Na abordagem de recomendações em relação a atividade física e cardiopatia chagásica, podem ser consideradas orientações para portadores de forma indeterminada, forma crônica e forma arritmogênica da
doença.
Forma indeterminada
Após avaliação clínica completa, que deve ser determinada pela história clínica e pelo exame físico, complementado com a avaliação laboratorial que deve consistir de eletrocardiografia, radiografia de tórax e estudo radiológico de esôfago e cólon, a ausência de alterações clínicas e laboratoriais determina o diagnóstico
da forma indeterminada da doença. Com base nos aspectos prognósticos apresentados anteriormente(17,18),
parece ser justificada a recomendação virtualmente
consensual de que os pacientes assintomáticos, nessa fase da doença, mesmo apresentando evidências
laboratoriais de dano miocárdico insipiente, não devam
receber restrições quanto a sua atividade física(16). Existem controvérsias em relação à liberação desses pacientes para exercer atividades que envolvam risco próprio e para a coletividade, como, por exemplo, pilotar
aviões, conduzir coletivos e máquinas perigosas, etc.
Forma crônica
As diversas fases evolutivas possíveis na forma crô-
164
nica da doença de Chagas e a correlação com presença ou não de sintomas permanecem com significado
prognóstico obscuro, uma vez que nenhum estudo multicêntrico prospectivo de seguimento por longo prazo
foi avaliado até o momento.
Estudos com o acompanhamento de pacientes assintomáticos, portadores da forma crônica em fase inicial da doença (apresentando alterações eletrocardiográficas e sem alterações de disfunção ventricular), em
seguimento de dez anos(19), demonstraram sobrevida
de 61,3% para o grupo assintomático com eletrocardiograma alterado. Outros autores obtiveram resultados
semelhantes para esse grupo de pacientes(20). Quando
submetidos a avaliação da capacidade funcional pelo
VO2 máx, esses pacientes apresentam diminuição significativa, em comparação ao grupo controle normal(21).
Nas formas mais avançadas, com o estabelecimento
da disfunção ventricular, os poucos trabalhos evolutivos demonstram acentuada piora da mortalidade, inclusive em comparação com outras formas etiológicas
de insuficiência cardíaca(22).
Os sintomas mais freqüentemente encontrados nessa fase da doença são a dispnéia e a fadiga, e a análise subjetiva desses dados clínicos constitui a base da
classificação adotada e amplamente difundida pela
NYHA. Para diminuir a possibilidade de variação de observadores distintos, a análise da capacidade funcional pela ergoespirometria com determinação de VO2
máx revelou-se de grande utilidade na avaliação do grau
de disfunção ventricular(7, 23), no diagnóstico(24), e no
prognóstico(25) da insuficiência cardíaca, inclusive para
indicação de tratamento cirúrgico. Por outro lado, pacientes com cardiopatia chagásica e insuficiência cardíaca em classe funcional II-IV podem apresentar VO2
máx comparáveis com indivíduos normais sedentários(26). Não existem, até o momento, trabalhos na literatura que tornem possível estratificar, de forma segura,
os riscos da forma crônica da doença. O desconhecimento da completa história natural impede que se convencionem quais são as permissividades toleráveis.
Assim sendo, o diagnóstico de fase crônica da doença
constitui empecilho para a realização de atividades físicas de caráter esportivo.(27).
Pacientes portadores de insuficiência cardíaca apresentam benefícios(9) com o tratamento com exercícios
em programas de reabilitação cardiovascular. Esses
pacientes, após avaliação com especialista cardiologista, podem ser programados para realizar atividade
física, supervisionada ou não. É cada vez maior o número de estudos que preconizam exercícios não-supervisionados, após período de aprendizado supervisionado, visando, com isso, ao menor custo e à maior
comodidade para o paciente. A realização de avaliação funcional cardiorrespiratória (ergoespirometria),
com determinação do limiar anaeróbico e do ponto de
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias:
atividades físicas
e esporte
descompensação respiratória, é de fundamental importância para melhor seguimento desses pacientes.
Miocardites
A miocardite é uma inflamação cardíaca que resulta mais freqüentemente de um processo infeccioso, embora também possa ser resultante de agressão secundária do sistema
imunológico, agentes químicos, agentes físicos ou irradiação. Entre os agentes infecciosos, o mais comum
é o viral, principalmente os enterovírus, sendo o coxsackie do tipo B o mais comum e responsável por 50%
dos casos.
Os pacientes com miocardite viral com freqüência
têm história de doença respiratória de vias aéreas superiores, com quadro febril definido, e/ou síndrome gripal precedente, com nasofaringite ou amidalite evidentes. O isolamento do vírus nas fezes, nos lavados faríngeos ou em outros líquidos corporais e as alterações dos níveis de anticorpos específicos são clinicamente úteis. Os pacientes podem também apresentarse assintomáticos ou com ocorrência de arritmias freqüentes e até morte súbita. A infecção pelo vírus coxsackie B é mais freqüente em adolescentes e mulheres jovens, e a gravidez e o estado pós-parto parecem
predispor ao comprometimento do coração.
Após uma fase inicial de agressão viral direta ao
miocárdio, que dura no máximo uma ou duas semanas, a evolução posterior para a cura sem seqüelas é
muito freqüente, embora a miocardite viral aguda possa evoluir ocasionalmente para uma forma crônica com
miocardiopatia dilatada.
Nos últimos cem anos, foram publicados mais de
600 trabalhos científicos, especificamente na abordagem da interação entre atividade física e alterações
imunológicas. Essas respostas dependem de uma série de fatores, que incluem, entre outros, intensidade,
duração, modalidade do exercício, mudanças da temperatura corporal, estado de hidratação, e posição corporal.(28, 29)
Em geral, os exercícios de moderadas duração (>
60 minutos) e intensidade (> 60% VO2 máx) estão associados a poucas alterações e menor estresse no sistema imunológico. Alguns trabalhos demonstram que
níveis elevados de atividade física podem aumentar a
suscetibilidade às infecções respiratórias superiores,
principalmente para agentes virais, embora a resistência para infecções bacterianas permaneça aparentemente inalterada(30). A presença de quadros infecciosos virais aumenta a possibilidade de ocorrência de
miocardites, que, muitas vezes, se apresentam assintomáticas do ponto de vista cardiovascular mas são
potencialmente malignas para esses atletas, que podem ser vítimas de arritmias cardíacas e morte súbita(31).
Para a população de atletas, é baixo o risco de morte
súbita(32, 33). Do total de eventos de morte súbita registrado nos Estados Unidos, a miocardite está presente
em porcentagem inferior a 5% do número total de casos(3, 4, 34), sendo a arritmia a principal causa de morte
súbita para esse grupo de pacientes(4, 35).
O diagnóstico de miocardite aguda pelos dados descritos na literatura deve contra-indicar atividades físicas competitivas, pelo risco em potencial de aparecimento de arritmias malignas. Esses pacientes devem
ser submetidos a controle clínico rigoroso e com determinação do término do quadro agudo; na não-constatação de lesões cardiológicas remanescentes deverá
ser indicado o retorno às atividade físicas. Atletas que
estiverem em vigência de quadro infeccioso agudo deverão ser retirados de atividades esportivas competitivas, até o controle do quadro agudo, para diminuir o
risco de arritmias por possíveis miocardites.
Displasia arritmogênica do ventrículo direito
Doença caracterizada por desordem no músculo
cardíaco, de causa não conhecida e caracterizada patologicamente por substituição fibroadiposa do tecido
muscular do ventrículo direito. Apresenta característica familiar em aproximadamente 30% dos casos, com
herança autossômica dominante e incidência estimada de um para cinco mil indivíduos.
A história natural da doença é determinada por instabilidade elétrica do miocárdio distrófico, a qual pode
precipitar o aparecimento de arritmias de repouso em
qualquer momento do curso da doença. A progressiva
perda do miocárdio resultará em disfunção ventricular
e insuficiência cardíaca.
Não existem estudos clínicos prospectivos controlados que determinem marcadores clínicos que possam predizer a ocorrência de arritmias. A história clínica típica é composta de síncopes, palpitações, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular espontânea,
bloqueio de ramo direito e disfunção ventricular direita,
que pode ser bem determinada pela ressonância nuclear magnética do coração(36).
Os registros de morte súbita em atletas da região
do Vêneto, na Itália, diferem das estatísticas americanas, por ser a displasia arritmogênica do ventrículo direito a causa mais comum de morte súbita em atletas
nessa região(37). Essa diferença pode ser explicada por
uma particular predisposição genética dessa população italiana.
O tratamento baseia-se no uso de drogas antiarrítmicas e, na maioria dos casos, no uso de desfibrilador
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
165
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias:
atividades físicas
e esporte
implantável.
Uma vez estabelecido
o diagnóstico, esses pacientes devem ser orientados a evitar atividades
físicas competitivas; mesmo após o uso de desfibrilador implantável para
a prevenção primária de
morte súbita, está contraindicada a participação
em atividades esportivas
competitivas(38).
MIOCARDIOPATIAS RESTRITIVAS
A característica fundamental desse grupo é a função diastólica anormal, em que as paredes ventriculares se encontram excessivamente rígidas, comprometendo a complacência ventricular. Os principais meca-
166
nismos são: deposição de fibrose e hipertrofia ou infiltração decorrentes de inúmeras causas.
A incapacidade de enchimento ventricular limita o
débito cardíaco e eleva a pressão de enchimento; assim, intolerância ao exercício e dispnéia são os sintomas mais observados.
O principal representante desse grupo em nosso
meio é a endomiocardiofibrose. A capacidade máxima
de consumo de oxigênio apresenta-se comprometida
de forma diretamente proporcional à disfunção ventricular(39). Não existem, até o momento, trabalhos científicos que demonstrem a presença de possíveis marcadores clínicos para predizer mortalidade para esses
pacientes.
Em um levantamento de nove anos, em que foram registradas 29 mortes entre atletas(40), a endomiocardiofibrose esteve presente como causa de
mortalidade em um atleta. O diagnóstico de miocardiopatia restritiva deve contra-indicar a prática desportiva competitiva.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
CARDIOMYOPATHIES: EXERCISE AND SPORTS
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias:
atividades físicas
e esporte
LUCIANO NASTARI, MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES, CHARLES MADY
Young athletes have been regarded as a special part of society. Nevertheless,
sudden cardiac death can occur, usually in the absence of prior symptoms and they
have a considerable emotional and social impact on the lay public.
In the United States, hypertrophyc cardiomyopathy has consistently been the
single most common cadiovascular cause of sudden death. A diverse array of other
cardiovascular disease among athletes may be conditions known to cause sudden
death, such as dilated cardiomyopathy, arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy, myocarditis, endomyocardial fibrosis, atherosclerotic coronary artery disease.
The guidelines for athletic eligibility or disqualification are predicated on the premise that intense training and competition increase the risk of sudden death in susceptible athletes with heart disease and that this risk is likely to be reduced by temporary or permanent withdrawal of the athletes from sports.
In stable chronic heart failure, long-term moderate of exercise training has no
detrimental effects on left ventricular volumes and function, reduces resting sympathetic neural activation, is safe and effective in improving exercise tolerance and
quality of life.
The indeterminate form of Chagas’ disease clearly represents a benign condition
with a favorable long-term prognosis. Ventricular tachycardia on exercise testing is
associated with sudden cardiac death in patients with chronic chagasic cardiomyopathy and ventricular arrhythmias.
The effects of exercise training in patients with asymptomatic or symptomatic
restrictive, hypertrophic and dilated cardiomyopathy will be analyzed in this paper.
Key words: cardiomyopathy, exercise, sudden death, athletes.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:160-8)
RSCESP (72594)-1525
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CARDIOPATIAS CONGÊNITAS: ATIVIDADES FÍSICAS
TEBEXRENI AS
e cols.
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas
e esporte
E ESPORTE
ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA APARECIDA DE PAULA E SILVA,
ANTONIO CARLOS DE CAMARGO CARVALHO
Disciplina de Cardiologia/CEMAFE — Universidade Federal de São Paulo —
Escola Paulista de Medicina
Endereço para correspondência: Rua Napoleão de Barros, 715 — 10º andar —
Vila Clementino — CEP 04024-002 — São Paulo — SP
A prática regular de atividades físicas e esportes vem sendo cada vez mais difundida e estimulada pelos benefícios que acarreta à saúde física e mental, e, conseqüentemente, com sensível melhora da qualidade de vida, não somente em indivíduos hígidos como também em portadores de diferentes tipos de doenças. Na
área da cardiologia, esse conceito se aplica especialmente para a reabilitação de
coronarianos e miocardiopatas.
No presente artigo, os autores analisam as cardiopatias congênitas e suas relações com as atividades físicas e exercícios, considerando a variabilidade de apresentações clínicas dessas doenças, tanto em indivíduos não operados que seguem
sua história natural como naqueles submetidos a cirurgia para correção anatômica
ou funcional das cardiopatias, assintomáticos ou muito sintomáticos e com alto grau
de comprometimento cardíaco e incapacidade física. São analisadas, também, as
características dos exercícios, como tipos e intensidade, procurando uma conduta
com base em diretrizes de reconhecida reputação e também na experiência dos
autores.
Palavras-chave: cardiopatias congênitas, atividades físicas, exercícios.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:169-83)
RSCESP (72594)-1526
INTRODUÇÃO
As cardiopatias congênitas correspondem a 0,8%
do total de nascimentos vivos(1) e se apresentam com
quadros variados de comprometimento, desde padrões
absolutamente “inocentes”, que cursam com pouca ou
nenhuma repercussão clínica ou hemodinâmica, até
aqueles que se apresentam como doenças de grande
complexidade, com comprometimento anatomofuncional acentuado, altamente limitantes e de prognóstico
sombrio.
Independentemente de haver ou não presença de
cardiopatia congênita, sabe-se que o desenvolvimento
tanto psicológico como físico, além da integração soci-
al entre crianças, adolescentes e adultos jovens, advém com o incentivo da atividade física e com o relacionamento em seu próprio meio e na comunidade; portanto, ações comunitárias direcionadas e programas
de atividade física acarretam grandes benefícios em
todos os aspectos citados(2, 3).
Especificamente no caso das cardiopatias congênitas, a prescrição adequada de um programa de exercícios físicos é muito importante, porque tem influência
direta na evolução e no acompanhamento desses pacientes(4). Também não podemos esquecer que a restrição excessiva de atividades físicas nesse grupo de
indivíduos pode causar consideráveis danos físicos e
psicológicos(5).
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169
Embora se saiba que a
morbidade e a mortalidade conseqüentes à prátiTEBEXRENI AS
ca de exercícios nesse
e cols.
grupo de pacientes sejam
Cardiopatias congênitas:
raras, e que relativamente
atividades físicas
poucas doenças cardíae esporte
cas são associadas com
morte súbita durante a atividade esportiva(6), há uma
série de desafios para a
correta prescrição de exercícios por haver poucas informações disponíveis sobre a intensidade e o tipo de atividade a ser administrada, isto é, quanto à segurança de realizar exercícios
vigorosos. Apesar dessas considerações, há mais de
uma década já se detectou maior permissividade para
a participação desses pacientes nessas atividades, sem
evidências de efeitos prejudiciais(7).
AVALIAÇÃO GERAL
Com o progresso obtido no campo do diagnóstico e
do tratamento, a sobrevivência dos portadores de cardiopatia congênita até a idade adulta é de cerca de
80%, na maior parte dos casos com boa ou ótima capacidade física e intelectual(1).
Na prática, para a prescrição de atividades físicas e
de exercícios para esses indivíduos, é fundamental que
o médico responsável tenha conhecimento pleno da
doença e do doente. São diversas as manifestações
clínicas e hemodinâmicas e a ausência de informações
pode trazer conseqüências desastrosas ao paciente(4).
Apenas para fundamentar, é preciso lembrar que o tratamento cirúrgico modifica a anatomia e a hemodinâmica, acarretando alterações importantes no comportamento da doença na fase adulta; há, ainda, outros
fatores a considerar, que influenciam o médico na tarefa de estabelecer limites e que adicionam ingredientes
sociais, políticos e legais no cuidado desses pacientes, como, por exemplo, a pressão psicológica exercida sobre os atletas durante as competições e os casos
de morte súbita (raros)(4).
Para a avaliação de cada indivíduo, é de fundamental importância ter acesso ao maior número de
informações disponíveis. O conhecimento da história, particularmente das informações sobre cirurgia
(se houver), do exame físico e de alguns testes diagnósticos permite uma avaliação do estado geral e do
estado funcional do paciente. História prévia de arritmia sintomática, quadro sincopal, hipertensão pulmonar ou disfunção miocárdica merecem atenção
especial, uma vez que sugerem maior comprometimento cardíaco e, conseqüentemente, maior risco de
complicações, o que implica que devem ser porme-
170
norizadamente avaliados(4, 8). Também, em conseqüência de modificações estruturais e funcionais ocasionadas pelo tratamento cirúrgico ou decorrentes da
evolução da doença, o emprego de métodos diagnósticos auxiliares é necessário(4, 8).
Atualmente, métodos diagnósticos não-invasivos,
como a ecodopplercardiografia e a ressonância nuclear magnética, permitem a obtenção de relevantes informações anatômicas e funcionais com boa acurácia,
como, por exemplo, o tamanho da cavidade e a função
dos ventrículos e das valvas cardíacas, a presença de
“shunts” e a estimativa das pressões intracavitárias,
principalmente da artéria pulmonar, informação fundamental para a prescrição de exercícios. Além das importantes informações hemodinâmicas obtidas pela
ecodopplercardiografia, o emprego de outros métodos
diagnósticos, como teste ergométrico, Holter, cateterismo cardíaco e estudo eletrofisiológico, é de grande
utilidade na obtenção de dados que permitem avaliação mais fidedigna das reais condições de cada paciente(4).
Para o portador de cardiopatia congênita, a liberação para a prática desportiva depende, em algumas
circunstâncias, da presença e da intensidade de sintomas, informações que podem ser difíceis de avaliar,
particularmente nos sedentários(9). Esses indivíduos
podem relatar falta de ar ao exercício, que pode ser
causada pelo descondicionamento físico ou por descompensação cardíaca incipiente. Em alguns casos, o
teste ergométrico pode avaliar a tolerância ao exercício e, quando associado à medida direta do consumo
de oxigênio (VO2 máx), informa objetivamente o estado funcional do paciente(10).
TIPOS DE EXERCÍCIOS E ASPECTOS
FISIOLÓGICOS
Os exercícios são classificados, de acordo com o
tipo, em predominantemente dinâmicos e predominantemente estáticos. Exercícios dinâmicos são aqueles
em que ocorrem encurtamento e relaxamento musculares, associados a amplo movimento articular, com
emprego de pouca ou nenhuma força. Exercícios estáticos caracterizam-se por pouco ou nenhum encurtamento muscular e movimento articular, porém com
emprego de grande força muscular. O impacto causado ao coração e à circulação é significantemente diferente na dependência do exercício físico proposto(4, 11).
Nos exercícios dinâmicos ocorre maior aumento do
débito cardíaco à custa de aumento da freqüência cardíaca, do volume sistólico de ejeção e da pressão arterial sistólica, havendo diminuição da resistência arterial periférica total, o que impõe ao coração sobrecarga volumétrica. Nos exercícios estáticos, ocorre pequena elevação do débito cardíaco, da freqüência cardía-
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ca e do consumo de oxigênio, sem variação do
volume sistólico de ejeção,
TEBEXRENI AS
havendo, ainda, elevação
e cols.
mais acentuada das presCardiopatias congênitas:
sões arteriais (sistólica, diatividades físicas
astólica e média) sem vae esporte
riação considerável da
resistência periférica total,
causando sobrecarga de
pressão ao sistema cardiovascular(4, 11). Vale lembrar
que exercícios dinâmicos e estáticos caracterizam a
atividade baseada no mecanismo de ação envolvido e
não são sinônimos, respectivamente, de exercícios
aeróbicos e anaeróbicos, que são atividades classificadas pelo tipo de metabolismo(12).
É importante salientar que exercícios dinâmicos
acarretam aumento absoluto da massa ventricular esquerda e também do tamanho (volume) do ventrículo
esquerdo, caracterizando hipertrofia excêntrica dessa
cavidade associada a aumento do consumo máximo
de oxigênio (VO2 máx), enquanto exercícios estáticos
também aumentam a massa ventricular, porém sem
aumentar o tamanho da cavidade, caracterizando hipertrofia concêntrica que não está associada a consumo máximo de oxigênio. A realização de exercícios
combinados, isto é, com componentes altamente dinâmico e altamente estático associados, proporciona hipertrofia mista ao coração, ou seja, concêntrica e excêntrica(12).
Fisiologicamente, a realização de exercícios de qualquer tipo acarreta aumento da demanda de oxigênio
pelo miocárdio, em conseqüência do aumento da freqüência cardíaca, da tensão na parede miocárdica e
da contratilidade. Conforme já salientado, o grande
aumento do débito cardíaco (DC = FC x VS), que ocorre à custa do aumento da freqüência cardíaca e do
volume sistólico de ejeção nos exercícios altamente
dinâmicos, resulta em aumento do volume diastólico
final do ventrículo esquerdo (mecanismo de Frank-Starling) e diminuição do volume sistólico final dessa cavidade (estado contrátil aumentado), enquanto o menor
aumento da freqüência cardíaca nos exercícios altamente estáticos pouco ou nada altera os volumes sistólico e diastólico finais do ventrículo esquerdo, embora haja incremento da pressão arterial e do estado contrátil dessa cavidade cardíaca(13).
Assim, orientar, prescrever ou liberar o portador de
cardiopatia congênita para atividades físicas e exercícios de qualquer natureza, inclusive os competitivos,
requer pleno conhecimento das condições clínicas,
anatômicas, fisiológicas e funcionais do paciente, assim como das necessidades específicas de cada tipo
de exercício e a repercussão das mesmas sobre o sis-
tema cardiovascular(12), além do conhecimento da história natural da cardiopatia em todos os aspectos, isto
é, com ou sem intervenção cirúrgica e, caso presente
essa condição, quais as implicações mais comuns decorrentes do momento em que foi realizada(1).
Um aspecto particular a ser lembrado refere-se ao
potencial risco de colisões durante a atividade física
na presença de determinadas doenças, como a síndrome de Marfan, situação que pode acarretar ruptura
da aorta, e outras situações específicas, como pósoperatório de cirurgia cardíaca enquanto não houver
evidências de completa cicatrização e de restabelecimento da estabilidade do externo, assim como ausência de complicações, como pericardite ou arritmia atrial(4).
CLASSIFICAÇÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS
E ESPORTES
Tendo como base o tipo de exercício realizado, dinâmico ou estático, pode-se adotar uma classificação
para os esportes de acordo com cada tipo e com a
intensidade de realização dos mesmos durante uma
competição. Dessa forma, de acordo com a intensidade, os exercícios são classificados como de baixa,
moderada ou alta intensidade. Consideram-se, ainda,
atividades em que existe a possibilidade de haver colisão entre os competidores ou entre o competidor e um
objeto, e também aquelas em que síncope súbita pode
acarretar risco de vida para o próprio atleta ou outros
indivíduos(12).
Algumas observações sobre as limitações dessa
classificação são importantes. Primeiramente, há de se
considerar que num evento esportivo importante ocorre estresse emocional, que é individual do atleta e que
não se consegue mensurar, em que, por ação simpática exacerbada, ocorre aumento do nível de catecolaminas circulantes. Isso resulta na elevação da freqüência cardíaca, da pressão arterial e da contratilidade da
musculatura do coração, que, conseqüentemente, implica maior consumo miocárdico de oxigênio, além de
facilitar e desencadear arritmias e poder agravar uma
isquemia miocárdica. Outro aspecto é que a demanda
cardiovascular é calculada para uma determinada atividade esportiva e desconsidera, por exemplo, que
numa mesma equipe atletas desempenham funções
diversas, com demanda cardiovascular diferente(12). Em
nosso meio, o futebol é o melhor exemplo dessa situação, pois não somente a demanda cardiovascular mas
também a energética, como, por exemplo, de um goleiro, são absolutamente distintas daquela exigida para
um lateral ou para um médio-volante.(12)
Na Tabela 1 encontra-se a classificação de esportes baseada no tipo de exercício, proposta pela Força
Tarefa de Bethesda de 1994(12), referência obrigatória
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171
de trabalhos e publicações
sobre o assunto.
Algumas outras cirTEBEXRENI AS
cunstâncias devem ser
e cols.
consideradas, como, por
Cardiopatias congênitas:
exemplo, a realização de
atividades físicas
competições em situações
e esporte
específicas, como em
grandes altitudes ou em
profundidade, em que há
menor quantidade de oxigênio disponível, em condições adversas de temperatura (calor ou frio) e de alta
umidade, em que pode ocorrer aumento do trabalho
miocárdico para uma mesma intensidade de exercício,
e mesmo sob poluição ambiental com elevada taxa de
monóxido de carbono(12).
Mais recentemente, Picchio e colaboradores(1) publicaram um guia com critérios de avaliação da capacidade de trabalho e da prática de atividades físicas e
esportes para portadores de cardiopatias congênitas,
classificando-as em dois grupos: I) recreativas e II) competitivas. As atividades do grupo I foram subdivididas
em outros dois grupos, A e B.
No grupo A enquadram-se atividades esportivas em
que há necessidade de algum treinamento específico,
Tabela 1. Classificação dos esportes baseada no tipo e na intensidade de exercício.
Exercícios estáticos
Exercícios dinâmicos
A. Baixa
intensidade
B. Média
intensidade
C. Alta
intensidade
I. Baixa intensidade
Bilhar
Boliche
“Cricket”
“Curling”
Golfe
Tiro esportivo
Beisebol
Futebol “society”
Tênis de mesa
Tênis em duplas
Vôlei
II. Moderada intensidade
Tiro com arco
Automobilismo*#
Natação*#
Hipismo*#
Motociclismo*#
III. Alta intensidade
“Bobsledding”*#
Jogos de campo
Ginástica*#
Caratê/judô#
“Luge”*#
Vela*#
Alpinismo*#
Levantamento de
peso*#
Windsurfe*#
Esgrima
Saltos de campo
“Skate”*
Montaria (rodeio)*#
Futebol americano
“Rugby”*
Corrida
Surfe*#
Nado sincronizado
Musculação*#
Esqui na montanha*#
Luta livre*
“Badminton”
“Cross-country”
(clássico)
Hóquei na
grama
Marcha atlética
Corrida
Futebol
“Squash”
Tênis
Basquete*
Hóquei no gelo*
“Cross-country”
(técnico)
Futebol
australiano*
Corridas (média distância)
Natação
Handebol
Boxe*
Canoagem/
caiaque
Ciclismo*#
Decatlon
Patinação
Corrida de
“skate”
* Risco de colisão.
# Maior risco em caso de síncope.
Modificada e adaptada de Mitchell e colaboradores(12).
172
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porém há grande envolvimento lúdico, como, por
exemplo, futebol, basqueTEBEXRENI AS
te, vôlei, tênis, natação,
e cols.
equitação e outros esporCardiopatias congênitas:
tes, cuja intensidade de
atividades físicas
ação não é administrada
e esporte
pelo atleta e sim pelo desenvolvimento do jogo e
de outras variáveis. Essas
atividades, nas quais só se
pode controlar o tempo de
duração e a freqüência semanal, são indicadas para
aqueles indivíduos com situação cardiovascular avaliada como ótima ou boa, e que não necessitam de observação durante o exercício. Observando-se os critérios definidos para enquadramento dos portadores de
cardiopatias congênitas nessas atividades, recomenda-se que o tempo de duração de cada sessão seja de
30 a 60 minutos, com freqüência máxima de três vezes
por semana, e que haja, obrigatoriamente, controle médico periódico(1).
No grupo B incluem-se atividades nas quais é possível o controle da intensidade, da duração e da freqüência, como, por exemplo, natação recreativa em
ambiente confortável, ciclismo estacionário ou em terreno plano, atividades físicas escolares, exercícios de
alongamento ou com manuseio de pequenos instrumentos, ioga e outras, sendo indicadas para indivíduos em boas condições ou que já apresentam algum
comprometimento cardiovascular, após avaliação criteriosa, numa intensidade máxima de 70% da freqüência cardíaca máxima preconizada para a idade, com
duração de 20 a 30 minutos por sessão e freqüência
semanal de três a cinco vezes, sob supervisão de um
paramédico com conhecimento da área, sendo recomendado controle médico periódico(10). A Tabela 2 resume as principais atividades recreativas e a Tabela 3
classifica os esportes competitivos mais comuns de
acordo com o tipo de exercício e o risco de colisão,
segundo a Força Tarefa de Bologna(1).
Na prática, a indicação do tipo de atividade está,
como em outros guias(10), intimamente condicionada ao
conhecimento das particularidades de cada doença e
de cada doente, levando-se em consideração fatores
como o prazer em praticá-las e os benefícios físicos,
psicológicos e sociais agregados, porém considerando, primariamente, a possibilidade de a atividade preconizada intervir na história natural da cardiopatia e
contribuir para a aceleração ou a deterioração da mesma(1).
Dessa forma, para a liberação da prática de atividades físicas e de esportes para portadores de cardiopatia congênita, os autores propõem avaliação clínicofuncional, baseada em critérios bem estabelecidos, con-
siderando cada cardiopatia ou grupo de cardiopatias,
como, por exemplo, as que cursam com hiperfluxo pulmonar, e/ou as características da intervenção realizada(1).
Tendo como base essa avaliação clínico-funcional,
os cardiopatas podem ser classificados em quatro categorias distintas:
1. Pacientes em ótima condição – Características:
- classe funcional I (NYHA) com índice de habilidade
1;
- função ventricular normal;
- alterações hemodinâmicas pós-operatórias ausentes;
- capacidade funcional (tolerância ao esforço) maior
que 80% do valor de referência (VO2 máx > 30 ml/kg/
min);
- ausência de arritmia espontânea ou induzida pelo
esforço.
2. Pacientes em boa condição – Características:
- classe funcional I-II da NYHA e índice de habilidade
1;
- função ventricular normal;
- alterações hemodinâmicas ausentes ou leves;
- capacidade funcional (tolerância ao esforço) entre
70% e 80% do valor de referência (25 > VO2 máx >
30 ml/kg/min);
- ausência de arritmia repetitiva espontânea ou induzida pelo esforço em pacientes com tratamento antiarrítmico (se MP artificial presente: normofuncionante).
3. Pacientes em condição moderada – Características:
- classe funcional II-III da NYHA e índice de habilidade 2-3;
- função ventricular reduzida, com ou sem dilatação
da cavidade;
- alterações hemodinâmicas significativas (“shunt”,
gradiente, hipertensão pulmonar e insuficiência valvar);
- capacidade funcional (tolerância ao esforço) entre
60% e 70% do valor de referência (20 > VO2 máx >
25 ml/kg/min);
- presença de arritmia com uma ou mais das seguintes características: repetitiva espontânea ou
induzida pelo esforço; parcial eficácia de tratamento antiarrítmico, bloqueio atrioventricular de
2º grau estável ou episódios tipo Mobitz 2, disfunção sinusal moderada com pausa menor que
3,5 s durante a vigília, freqüência cardíaca mínima maior que 30 bpm e se MP artificial presente normofuncionante.
4. Pacientes em condição grave – Características:
- classe funcional III-IV da NYHA e índice de habilidade 3-4;
- função ventricular muito comprometida, com ou sem
dilatação da cavidade;
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173
Tabela 2. Atividades recreativas.
TEBEXRENI AS
e cols.
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas
e esporte
Tipo A
Tipo B
Futsal e futebol de campo
Basquete
Ginástica rítmica
Tênis
Esqui na neve
Natação
Equitação
Natação recreativa
Ciclismo estacionário
Atividades físicas escolares
Exercícios de alongamento
Ioga
Modificada de Picchio e colaboradores(1).
Tabela 3. Classificação dos exercícios segundo o tipo e o risco de colisão.
Habilidade
(dinâmicas leves)
Potência
(estáticas: moderada/alta)
Risco de
colisão
Automobilismo
Motociclismo
Equitação
Esportes de tiro
Boliche e bocha
Golfe
Tênis
Halterofilismo
Arremesso de disco, etc.
Corridas de velocidade
Alpinismo
Windsurfe
Esqui aquático
“Motocross”
Futebol, Basquete
Equitação
Esqui alpino
Automobilismo
Motociclismo
Ciclismo
Squash
Modificada de Picchio e colaboradores(1).
- alterações hemodinâmicas significativas;
- capacidade funcional (tolerância ao esforço) menor
que 60% do valor de referência (VO2 máx < 20 ml/kg/
min);
- presença de arritmias graves com uma ou mais das
seguintes características: repetitiva espontânea ou induzida pelo esforço, sustentada, na presença ou ausência de tratamento antiarrítmico, bloqueio atrioventricular de grau avançado, disfunção sinusal grave
com pausa maior que 3,5 s durante a vigília, freqüência cardíaca mínima menor que 30 bpm e se MP artificial presente malfuncionante.
CLASSIFICAÇÃO DAS CARDIOPATIAS
CONGÊNITAS
Tendo em vista a realização de atividades físicas e exercícios programados, as cardiopatias congênitas podem,
inicialmente, ser classificadas como acianóticas ou cianóticas, cujas características são de fácil identificação ao exame físico ou com o emprego de oxímetro,
ou pelas lesões anatômicas e pela presença ou ausência de “shunt”(4).
174
Cardiopatias congênitas acianóticas
Comunicação interatrial
Caracterizada pela presença de comunicação entre os átrios por descontinuidade no septo interatrial, é
classificada como uma cardiopatia congênita acianótica de hiperfluxo pulmonar, na maioria dos pacientes
assintomática, com indicação de tratamento cirúrgico
ou por cateterismo intervencionista nos primeiros anos
de vida, com baixa mortalidade operatória (inferior a
1,0%) e excelente recuperação anatomofuncional nessas condições(1, 3, 8). Pequenos defeitos evoluem com
pouca ou nenhuma sobrecarga volumétrica de ventrículo direito e defeitos moderados ou grandes podem
evoluir com grande sobrecarga volumétrica dessa câmara e com graus variados de hipertensão pulmonar(8).
A sobrevivência após a intervenção cirúrgica é semelhante à da população normal quando o tratamento
é instituído precocemente (até cinco ou seis anos de
idade) ou antes dos 40 anos de idade, desde que a
pressão arterial pulmonar seja inferior a 40 mmHg; se
a pAP for maior que 40 mmHg e não se normalizar no
pós-operatório, a sobrevivência diminui para 50% em
relação ao grupo controle(1).
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A capacidade funcional
permanece normal nos indivíduos operados precoTEBEXRENI AS
cemente, diminuindo nae cols.
queles nos quais as alteCardiopatias congênitas:
rações hemodinâmicas
atividades físicas
conseqüentes à hipertene esporte
são pulmonar estão presentes(1). Arritmias supraventriculares significativas
estão presentes em 50%
dos pacientes operados
após os 40 anos e em menos de 10% dos pacientes
operados precocemente, após 20 anos de acompanhamento(1, 7).
Uma boa avaliação clínica, complementada por exames laboratoriais tais como eletrocardiografia, radiografia de tórax, ecodopplercardiografia, teste ergoespirométrico e Holter de 24 horas, quando necessários,
permite classificar o paciente de acordo com critérios
clínico-funcionais bem definidos, permitindo sua participação em atividades esportivas.
De acordo com o documento elaborado pelo grupo
italiano(1), portadores de cardiopatias congênitas classificadas como “ótima condição” estão liberados para
a prática de atividades esportivas competitivas, desde
que não tenham sido operados, ou seja, aqueles em
curso da história natural da doença; portadores classificados como “boa condição” também podem participar de esportes competitivos, exceto em ambiente subaquático. Finalmente, cardiopatas portadores de comunicação interatrial em “condição moderada ou grave” não devem participar de atividades físicas ou esportivas.
Segundo o documento de Bethesda(8), as recomendações para a realização de atividades físicas e esportes também consideram os pacientes como grupos distintos, isto é, portadores de comunicação interatrial nãotratada (ocluída) e portadores de doença tratada cirurgicamente ou por cateterização intervencionista. Para
os não-tratados, a presença de pequeno defeito septal
sem evidência de hipertensão pulmonar não é impedimento para a participação em todos os esportes competitivos. Nesse grupo de indivíduos (comunicação interatrial não-ocluída), a presença de hipertensão pulmonar significante e/ou de “shunt” direita-esquerda por
meio do defeito implica apenas a realização de atividades classificadas como classe IA; para os portadores
de arritmia supraventricular ou ventricular sintomática
ou, ainda, de refluxo mitral significante, atividades classe IA. No grupo dos ocluídos, seis meses após o procedimento e com avaliação clínica e laboratorial sem
evidências de hipertensão pulmonar, arritmias sintomáticas ou disfunção miocárdica a prática de esportes
competitivos é liberada(3, 8).
Comunicação interventricular
A comunicação interventricular é a cardiopatia congênita mais comum ao nascimento, mas seu fechamento espontâneo pode ocorrer em 60% a 70% dos casos
até os dois anos de idade.
As alterações fisiopatológicas dependem do tamanho do defeito e do grau de resistência vascular pulmonar, sendo considerados pequenos os menores de
3,0 mm, com relação de fluxo pulmonar/sistêmico menor que 1,5:1 e resistência vascular pulmonar normal.
São consideradas comunicações com moderada repercussão hemodinâmica aquelas com relação de fluxo
entre 1,5 e 1,9:1 e resistência vascular menor que 3
U.m2. Portadores de comunicação interventricular pequena e/ou moderada podem participar da maioria dos
esportes, porém na presença de grandes defeitos recomenda-se apenas exercícios de baixa intensidade
(classe IA)(8).
Complicações clínicas na evolução da doença não
operada alteram sua história natural, sobretudo o prolapso do folheto aórtico, associado com insuficiência
valvar aórtica progressiva, e a estenose infundibular
pulmonar. A idade é de fundamental importância, pois
tanto a disfunção ventricular como a hipertensão pulmonar são progressivas(14, 15).
Atualmente, a mortalidade cirúrgica é inferior a 2,0%
na maioria dos grandes centros, ocorrendo completa
recuperação anatomofuncional se o defeito for corrigido completamente e se houver normalização da pressão pulmonar. A expectativa e a qualidade de vida são
comparáveis às de indivíduos normais. Após o tratamento cirúrgico, podem ocorrer “shunt” residual e/ou
seqüelas(1, 15):
- persistência e/ou progressão de hipertensão pulmonar;
- comunicações residuais significantes (incidência <
2%);
- presença e progressão de insuficiência aórtica e/
ou estenose subvalvar aórtica;
- lesões no sistema de condução (bloqueio de ramo
direito associado ou não a bloqueio divisional ântero-superior esquerdo e, mais raramente, a bloqueio
A-V completo – incidência de 1% a 2%);
- disfunção ventricular direita e esquerda;
- arritmias supraventriculares (10%) e ventriculares
(12%).
A liberação para a prática esportiva que ocorre com
seis meses de pós-operatório exige cuidadosa avaliação clínica e complementar (eletrocardiografia, radiografia de tórax, ecodopplercardiografia, Holter de 24
horas, teste ergométrico e/ou cardiopulmonar e, eventualmente, cateterismo cardíaco) e o tipo e a intensidade de exercícios dependem do grau de hipertensão
pulmonar residual e da presença de disfunção ventricular e de lesões anatômicas(1, 8).
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São considerados em
ótimas condições(1) pacientes assintomáticos e em
TEBEXRENI AS
classe funcional I da “New
e cols.
York Heart Association”
Cardiopatias congênitas:
(NYHA), isto é, sem lesões
atividades físicas
residuais, tamanho e fune esporte
ção ventricular normais,
sem arritmias, com teste
de esforço demonstrando
capacidade funcional superior a 80% dos indivíduos normais e VO2 máx igual ou maior que 30 ml/kg/min.
Essa situação é compatível com vida normal, havendo
liberação para qualquer tipo de esporte e trabalho(1).
Em boas condições(1) estão aqueles indivíduos assintomáticos, porém em classe funcional I-II da NYHA.
Pacientes apresentando discretas lesões residuais,
como insuficiência aórtica leve, comunicação interventricular pequena, discreto aumento de cavidades, boa
tolerância ao esforço (capacidade funcional entre 70%
e 80%), VO2 máx entre 25 ml/kg/min e 30 ml/kg/min e
arritmias benignas poderão ser liberados para esportes como tênis, equitação, ginástica rítmica e outros(1).
Em condição moderada(1) encontram-se os sintomáticos em classe funcional II da NYHA, com lesões residuais de discreta/moderada repercussão hemodinâmica (hipertensão pulmonar leve, insuficiência aórtica
moderada, comunicação interventricular moderada),
função e dimensões ventriculares alteradas em grau
moderado, presença de arritmias (extra-sístoles ventriculares repetidas ou taquicardia paroxística supraventricular), menor tolerância ao esforço (capacidade
funcional entre 60% e 70%) e VO2 máx entre 20 ml/kg/
min e 25 ml/kg/min. Para esses indivíduos recomendase atividade física restrita (classe IA)(1, 8).
Pacientes em condição grave(1), de risco elevado e
sem capacidade para o trabalho e atividades físicas
são aqueles muito sintomáticos em classe funcional IIIIV da NYHA. Nesses pacientes permanecem lesões
residuais graves com disfunção ventricular de grau importante, capacidade funcional inferior a 60% e VO2 máx
inferior a 20 ml/kg/min, e arritmias graves mais freqüentes (fibrilação atrial crônica, extra-sístoles ventriculares freqüentes e episódios de taquicardia supraventricular paroxística)(1, 8).
Estenose pulmonar
A estenose da valva pulmonar é uma cardiopatia de
fácil diagnóstico clínico e de relativamente fácil correção, com resultados excelentes e definitivos.
Estenoses leves, com gradientes menores de 50
mmHg entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar,
possibilitam débito cardíaco normal em repouso e no
limite inferior da normalidade ao esforço. Lesões moderadas a graves, com gradientes superiores a 50
176
mmHg ao cateterismo, devem ser corrigidas, quando
diagnosticadas, por meio de valvoplastia pulmonar percutânea, método com eficácia superior a 90% e risco
inferior a 1%. As valvas displásicas e as com anel hipoplásico bem como as estenoses subvalvares e supravalvares podem requerer tratamento cirúrgico. Seqüelas após o tratamento incluem: insuficiência pulmonar
em graus variáveis, estenoses residuais, hipertrofia e/
ou dilatação do ventrículo direito e presença de arritmias, principalmente nos casos operados com necessidade de ventriculotomia(16).
Atletas assintomáticos não-tratados, com gradiente
entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar menor
que 50 mmHg e função ventricular normal, estão liberados para esportes competitivos, sendo necessária
reavaliação periódica; aqueles com gradientes maiores que 50 mmHg estão liberados para esportes leves
(classe IA) até o tratamento definitivo(8).
Após o tratamento com sucesso, decorridos um mês
da valvoplastia com balão e de três a seis meses da
correção cirúrgica, pacientes sem sintomas e com função ventricular normal estão liberados para a prática
de esportes competitivos(8).
Ainda segundo Picchio e colaboradores(1), os pacientes podem ser classificados de acordo com parâmetros clínico-funcionais, conforme já referido. São considerados em ótima condição e liberados para a prática
de esportes competitivos e para qualquer atividade profissional os pacientes assintomáticos, com ou sem insuficiência pulmonar leve, estenose pulmonar residual
com gradiente menor que 20 mmHg e dimensão e função ventricular direita normais. Classificados como em
boa condição encontram-se os pacientes com insuficiência pulmonar leve/moderada, estenose com gradiente menor que 40 mmHg, dilatação e hipertrofia do
ventrículo direito em grau discreto e função ventricular
normal. Para esses pacientes, preconizam-se atividades esportivas lúdico-recreativas (tipo A)(1). Em condição moderada estão os casos em que existe estenose
residual com gradiente de até 60 mmHg, insuficiência
pulmonar moderada/grave, insuficiência tricúspide
moderada e dimensões cardíacas aumentadas com
hipertrofia associada. Não há liberação para a prática
esportiva(1).
Pacientes de alto risco, classificados como em condição grave, são portadores de insuficiência pulmonar
e/ou insuficiência tricúspide graves, dimensão ventricular direita aumentada (podendo haver aumento do
átrio direito) e função ventricular direita ruim. São incapazes para o trabalho e a prática esportiva(1).
Cardiopatias congênitas e morte súbita
Na população geral, portadores de cardiopatia congênita com risco de morte súbita durante a atividade
física são aqueles indivíduos que não têm o diagnóstico de cardiopatia firmado, ou seja, são portadores de
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cardiopatia congênita e não
têm conhecimento da própria doença(4).
TEBEXRENI AS
Embora haja grande
e cols.
destaque na mídia, a inciCardiopatias congênitas:
dência de morte súbita em
atividades físicas
atletas durante uma compee esporte
tição é extremamente rara,
da ordem de 1:100.000 atletas em atividade(17). Dentre
as cardiopatias congênitas
com morte súbita associadas à atividade física intensa, a cardiomiopatia hipertrófica representa aproximadamente um terço dos casos (dados de necropsia), origem anômala das artérias coronárias 20% e estenose aórtica congênita aproximadamente
4% dos pacientes jovens(17).
Cardiomiopatia hipertrófica
A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença genética
autossômica dominante, com penetrância variável, caracterizada pela presença de hipertrofia miocárdica sem dilatação do ventrículo esquerdo, na ausência de outras
cardiopatias ou doenças sistêmicas que possam levar à
hipertrofia do miocárdio(18-20). A expressão genética é uma
mutação de genes que codifica as proteínas do sarcômero cardíaco, tendo sido reconhecidos até o momento mais
de cem mutações em 11 genes(19). História familiar está
presente em dois terços dos casos e a prevalência da
doença é estimada em 0,2% da população geral(19). As
alterações mais importantes da doença são a hipertrofia
miocárdica, que varia bastante quanto a sua localização
e extensão, com espessura variável de 13 mm a 60 mm,
sendo mais freqüente no septo ventricular e nas paredes
anterior e lateral do ventrículo esquerdo, as alterações
histológicas, o aparecimento precoce de disfunção diastólica e a presença de obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo(19).
Com relação à prática desportiva na cardiomiopatia
hipertrófica, o risco de morte súbita, embora raro, existe
e não é o mesmo para todos os pacientes(21, 22). O grande
desafio é avaliá-lo, já que alguns atletas podem tolerar
treinamento intensivo sistemático sem que ocorra agravamento da doença ou morte súbita(23). Existem múltiplos
fatores que contribuem para a ocorrência de morte súbita, sendo os principais a natureza e a intensidade do treinamento, o ambiente de competição (motivação e pressão psicológica), e as características próprias da doença
em cada indivíduo(21). Considerando-se o risco de arritmias potencialmente letais a que determinados portadores
de cardiomiopatia hipertrófica estão sujeitos, associado
a estresse da competição esportiva e possíveis alterações de volume sanguíneo, hidratação e eletrólitos, existem algumas recomendações quanto à participação desses doentes em atividades físicas:
1) portadores de cardiomiopatia hipertrófica assintomáti-
cos ou sintomáticos, com ou sem obstrução da via de
saída do ventrículo esquerdo, não devem participar da
maioria dos esportes competitivos, exceto os classificados como classe IA (exercícios dinâmicos e estáticos de
baixa intensidade(23));
2) deve ser realizada avaliação individual, considerandose os seguintes fatores: como o risco de morte súbita é
menor em indivíduos de mais idade(21), deve-se eleger
para a prática desportiva indivíduos com idade superior a
30 anos que estejam isentos de fatores de risco para morte
súbita como taquicardia ventricular, sustentada ou não,
ao Holter de 24 horas(24); história familiar de morte súbita
anterior aos 40 anos de idade(25); história de síncope ou
outro episódio de perda da consciência(26); anormalidades hemodinâmicas graves (obstrução da via de saída
do ventrículo esquerdo com gradiente superior a 50
mmHg; exercício induzindo hipotensão(23); presença de
insuficência mitral moderada a grave com átrio esquerdo
aumentado (maior que 50 mm) ou fibrilação atrial; e sinais de perfusão miocárdica.
Origem anômala das artérias coronárias
Anomalia na qual a artéria coronária esquerda se origina no seio de Valsalva anterior e após grande angulação segue mais comumente entre o tronco da artéria
pulmonar e a aorta(8). De difícil identificação e diagnóstico, costuma evoluir com quadro de insuficiência cardíaca
grave por disfunção do ventrículo esquerdo e morte súbita em crianças e adolescentes, sendo considerada uma
das principais causas de morte súbita durante a atividade física (20%). Ocasionalmente essas anomalias são
detectadas mais tardiamente. A seguir estão apresentadas, de forma resumida, as recomendações para participação em atividades:
1) diagnóstico da lesão implica a suspensão da participação em esportes competitivos(8);
2) seis meses após cirurgia corretiva a indicação para
participação em atividades físicas e esportes resulta da
realização de um teste de esforço máximo, sem sinais de
isquemia miocárdica ou arritmia(8);
3) atletas precocemente infartados devem seguir as recomendações para essa doença quanto à prática de exercícios(4, 8, 17).
Obstruções à ejeção ventricular esquerda
As obstruções à ejeção ventricular esquerda, sobretudo as estenoses aórticas e as coarctações da aorta,
são as malformações cardíacas, cujo comportamento ao
esforço mais preocupam.
Independentemente da localização da lesão, as alterações fisiopatológicas dependem do grau da obstrução.
De caráter progressivo, com o passar do tempo o ventrículo esquerdo apresenta hipertrofia. Se graves, podem
comprometer as circulações cerebral e coronária, resultando em sintomas graves como angina, síncope, insuficiência cardíaca, arritmias e morte súbita.
Estenose aórtica
A forma mais comum é a estenose aórtica valvar por
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
177
valva bicúspide. Para liberação esportiva considerase estenose leve quando o
TEBEXRENI AS
gradiente entre o ventrícue cols.
lo esquerdo e a aorta é
Cardiopatias congênitas:
menor que 20 mmHg; moatividades físicas
derada, entre 21 mmHg e
e esporte
40 mmHg; e grave, se superior a 50 mmHg. Diante
do esforço, o gradiente poderá duplicar e a pressão
do ventrículo esquerdo se
elevar em 30 mmHg até 120 mmHg. Como o obstáculo à
ejeção sanguínea é fixo, a pressão na aorta não se altera
e o débito cardíaco pode cair. A maioria das mortes (20%
a 80%) em portadores de estenose aórtica ocorre durante o exercício físico e em pacientes com sintomas prévios(8, 28).
Quanto à prática desportiva, atletas com estenose aórtica leve podem participar de esportes competitivos se
forem assintomáticos e com eletrocardiograma de repouso e teste ergométrico normais. Se a estenose for moderada, a prática de exercícios competitivos (classes IA, IB
e IIA) pode ser possível para indivíduos assintomáticos,
sem alterações eletrocardiográficas em repouso e durante o esforço (teste ergométrico) e ao ecocardiograma,
ausência de hipertrofia ou hipertrofia miocárdica discreta. Nas lesões classificadas como graves, não há possibilidade de praticar esportes(8).
Pacientes tratados por cirurgia ou valvoplastia aórtica
em geral apresentam lesões residuais – estenose, regurgitação ou ambos. Reavaliações periódicas são necessárias, pois são lesões progressivas, levando a comprometimento funcional freqüente. A necessidade de reintervenção após comissurotomia aórtica é de 55% em vinte
anos. Outras preocupações são: associação com dilatação e aneurisma aórtico, arritmias e, na presença de prótese metálica, possibilidade de hemorragias pelo uso de
medicação anticoagulante(29).
De acordo com a estratificação proposta pelo grupo
de Bolonha, na Itália(1), são considerados em ótimas condições pacientes sem insuficiência aórtica sem dilatação
da aorta, com gradiente entre o ventrículo esquerdo e a
aorta menor que 20 mmHg, função ventricular esquerda
normal e hipertrofia ventricular discreta; portanto, são
considerados aptos para a prática de atividades esportivas sem restrições, inclusive exercícios de força e potência muscular, que aumentam a resistência periférica e a
pressão arterial (como, por exemplo, levantamento de
peso, alpinismo e “motocross”). Em boas condições encontram-se os pacientes com insuficiência aórtica discreta
(podendo existir estenose associada com gradiente não
superior a 30 mmHg), com função ventricular esquerda
normal e discreta hipertrofia ao ecocardiograma, sendo
permitidas as atividades do tipo A. São classificados em
178
condição moderada pacientes com insuficiência aórtica
significante e/ou estenose aórtica com gradiente médio
de 30 mmHg a 50 mmHg, presença de hipertrofia ventricular esquerda e dilatação da aorta, e com fração de ejeção de ventrículo esquerdo entre 40% e 50%, sendo considerados inaptos para a prática esportiva. Os pacientes
classificados como em condição grave são os portadores
de insuficiência aórtica grau 4 ou de estenose aórtica com
gradiente transvalvar superior a 50 mmHg e fração de
ejeção de ventrículo esquerdo inferior a 40%. Esses pacientes são proibidos de exercer qualquer atividade física(1).
Coarctação da aorta
A coarctação da aorta é malformação relativamente
comum, cujo diagnóstico é suspeitado pela simples palpação comparada dos pulsos e constatação da diferença
de pressão arterial entre os membros superiores e inferiores. O obstáculo aórtico resulta em hipertensão nos
membros superiores e hipotensão nos inferiores, no tórax e no abdome, além de hipertrofia do ventrículo esquerdo. Em 50% dos casos coexiste valva aórtica bicúspide, dos quais 25% apresentam disfunção.
O tratamento pode ser cirúrgico ou percutâneo, baseado nos dados clínicos, ecocardiográficos e hemodinâmicos (gradiente pressórico e imagem angiográfica).
Quando a correção é tardia, pode persistir a hipertensão
arterial em repouso ou aos esforços, associada com maior risco de dilatação e aneurisma da aorta, e hipertrofia
miocárdica progressiva com deterioração da função ventricular esquerda(30, 31).
Quanto à realização de atividades físicas e esportes,
de acordo com o comitê de Bethesda(8), pacientes com
coarctação discreta (gradiente menor que 20 mmHg), sem
circulação colateral muito desenvolvida e/ou dilatação da
aorta e teste ergométrico normal, podem participar de
todos os esportes competitivos. Aqueles com gradiente
maior que 20 mmHg e hipertensão arterial em repouso
ou ultrapassando 230 mmHg ao esforço estão liberados
apenas para esportes de classe A, até a correção do
defeito(8).
Após a cirurgia corretiva, as seqüelas mais comuns e
com possibilidade de progressão são:
- recoarctação da aorta, principalmente nos casos tratados durante o primeiro ano de vida;
- persistência da hipertensão arterial sistêmica (20% a
30%), mais comum quando a correção é tardia(31);
- dilatação progressiva da aorta;
- aneurisma da aorta ascendente ou no local da coarctação;
- disfunção progressiva da lesão valvar aórtica associada, especialmente comum quando a valva é bicúspide(4).
Ainda quanto à liberação para a prática de esportes, o grupo coordenado por Picchio(1) considera pacientes em ótimas condições aqueles com lesões discre-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
tas, se não operados, e os
operados com sucesso
(gradiente menor que 20
TEBEXRENI AS
mmHg). A liberação pode
e cols.
ser feita após seis meses da
Cardiopatias congênitas:
intervenção se a pressão
atividades físicas
arterial apresentar compore esporte
tamento normal em repouso ou esforço. Se a hipertensão persistir, devem ser
evitados exercícios estáticos de alta intensidade (IIIA,
IIIB e IIIC) e esportes com possibilidade de colisão. Para
aqueles com dilatação da aorta, hipertrofia ventricular e
hipertensão arterial, devem ser evitados os esportes da
classe IA(8). Proibidos para qualquer atividade esportiva
ou laborativa estão os pacientes em classe III-IV da NYHA,
com dilatação da aorta maior que 50 mm, fração de ejeção inferior a 30%, hipertrofia de ventrículo esquerdo de
grau importante e seqüelas neurológicas(1, 8). O acompanhamento clínico dos pacientes, tratados ou não, é fundamental, pois a progressão de lesões já existentes ou o
surgimento de novas lesões impõem mudanças na orientação médica.
Síndrome de Marfan
A síndrome de Marfan é uma doença genética, caracterizada por manifestações sistêmicas associadas a dilatação da aorta ascendente, predisposição de dissecção
aórtica e presença de prolapso da valva mitral, decorrentes da produção defeituosa de uma substância do tecido
conectivo, suscetível, portanto, a grande heterogeneidade em sua apresentação(4).
O risco de dissecção aórtica, que pode levar à morte,
pode ser predito pela presença de história familiar de dissecção e pela mensuração e análise do diâmetro da aorta ascendente ao estudo ecocardiográfico(4).
O tratamento cirúrgico dessa doença é recomendado
quando o diâmetro da aorta ultrapassa cinco centímetros, havendo discordância quanto à troca da valva aórtica e ao reimplante do seio de Valsalva acompanhando o
procedimento. Pacientes com aumento “borderline” do
diâmetro da aorta podem se beneficiar da terapêutica com
agentes betabloqueadores para diminuir o risco de dissecção(4).
Quanto à realização de atividades físicas e exercícios, pacientes com dilatação da aorta não devem participar de atividades competitivas; após a cirurgia reparadora, devem ser avaliados, considerando-se que deve ser
evitada a participação em atividades com risco de impacto e colisões pelo risco de lesão (ruptura) decorrente de
desorganização ou malformação tecidual. Quando ocorre troca da valva aórtica associada, há indicação preventiva de anticoagulação oral; portanto, também em decorrência do risco de sangramento, esportes com risco de
colisão devem ser evitados(8, 32).
Cardiopatias congênitas cianóticas
Doença de Ebstein
É uma cardiopatia rara, caracterizada por implante anômalo da valva tricúspide, que reduz a cavidade ventricular. Compreende amplo espectro de malformações anatômicas cardíacas, com diferentes quadros fisiopatológicos, clínicos e prognósticos. Em 85% dos casos existe a
presença de comunicação interatrial do tipo “secundum”
e em 25% das vezes existe a presença de uma via acessória de condução atrioventricular (Wolff-Parkinson-White) manifesta ou oculta(1). Há formas de apresentação da
doença, classificadas como leves, que podem ser acompanhadas de arritmias graves, e casos graves associados com elevado risco de morte com exercício(8, 32); portanto, a recomendação para a prática de atividades físicas e exercícios deve ser baseada na apresentação da
doença(8):
1) indivíduos com expressão leve da doença, ou seja,
isentos de cianose (“shunt” D-E pela comunicação interatrial), com área cardíaca normal ou pouco aumentada e
ausência comprovada de arritmias, estão liberados para
a prática desportiva (classes IA e IIA), com reavaliação
ecocardiográfica periódica obrigatória (mensuração do
diâmetro aórtico);
2) portadores de insuficiência tricúspide moderada a grave, sem evidência de arritmias ao Holter de 24 horas,
podem participar de atividades competitivas de baixa intensidade (classe IA);
3) doentes classificados como grave estão proibidos de praticar esportes – após a cirurgia corretiva, podem ser enquadrados na categoria anterior (classe IA) na dependência de
evolução satisfatória sem evidências da presença de arritmias ao Holter de 24 horas e ao teste de esforço, área cardíaca
pouco aumentada à radiografia de tórax e regurgitação mitral ausente ou leve à ecodopplercardiografia.
De acordo com a classificação proposta por Picchio e
colaboradores(1), os portadores de doença de Ebstein podem participar de atividades físicas e de esportes segundo
critérios bem estabelecidos, anteriormente pré-definidos, e
de acordo com a Tabela 4, apresentada a seguir.
Tabela 4. Condição clínico-funcional e tipos de atividades físicas permitidos(1).
Condição
Atividades físicas
Ótima
Boa
Moderada
Grave
Recreativas tipo B
Recreativas tipo B
Nenhuma
Nenhuma
Tetralogia de Fallot
É a cardiopatia congênita cianótica mais comum em
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
179
crianças com mais de um
ano de idade. As alterações fisiopatológicas apreTEBEXRENI AS
sentadas dependem do
e cols.
grau de estenose pulmoCardiopatias congênitas:
nar e, secundariamente,
atividades físicas
do tamanho da comunicae esporte
ção interventricular e da
resistência vascular sistêmica.
O exercício físico pode
provocar crises de hipoxia,
complicação séria que pode culminar com a morte, desencadeada por vasodilatação nos músculos em atividade, com conseqüente queda da resistência vascular
periférica. Além disso, o aumento da liberação de catecolaminas e a taquicardia resultam em aumento da
obstrução pulmonar, com diminuição do fluxo sanguíneo aos pulmões e aumento do “shunt” direita-esquerda (via comunicação interventricular). A insaturação
periférica aumenta, diminuindo o pH e elevando a pCO2,
contribuindo para a instalação da crise de hipoxia.
Para liberação dos portadores de T4 de Fallot para
a prática desportiva, o ideal é a realização da correção
cirúrgica prévia. Portadores da doença com leve repercussão podem ser liberados para exercícios de baixa
intensidade (classe A), porém com monitorização(8).
Para aqueles operados, o risco do exercício está na
dependência do nível de pressão no ventrículo direito,
do grau de insuficiência pulmonar, da presença de
“shunts” e de estenoses pulmonares residuais (infundibular, valvar ou supravalvar), de disfunção ventricular direita e de lesões no sistema de condução (bloqueio de ramo direito e bloqueio divisional ântero-superior esquerdo).
A idade da correção é um importante fator preditivo
da capacidade de esforço, porque a sobrecarga do ventrículo direito, secundária ao obstáculo, induz redução
das funções sistólica e diastólica, também prejudicadas pela hipoxia prolongada(33).
Na análise de Picchio e colaboradores(1), pacientes
com excelente resultado operatório e com ótimas condições clínicas podem ser liberados para esportes do
tipo IA quando a pressão ventricular direita estiver normal ou próxima disso, com discreta dilatação do ventrículo direito, na ausência de “shunts” residuais e arritmias ao eletrocardiograma de repouso, Holter de 24
horas e teste ergométrico, e, se presente, insuficiência
pulmonar discreta. São considerados em boas condições os portadores de insuficiência pulmonar leve/moderada, com ventrículo direito moderadamente dilatado e função no limite da normalidade, podendo praticar exercícios tipo A e B, mas com monitorização. Em
condição grave encontram-se os que têm insuficiência
pulmonar importante, pressão de ventrículo direito 50%
180
maior que a do ventrículo esquerdo, comunicação interventricular grande, malformações associadas da circulação pulmonar e anormalidades do ritmo. Estes são
incapazes de praticar esportes.
É importante lembrar que a deterioração do ventrículo direito, secundária a insuficiência pulmonar, apesar de lenta, é progressiva e que nenhuma decisão é
definitiva, mas sim temporária. A conduta médica correta depende de acompanhamento clínico cuidadoso
para detecção de sintomas ou sinais de insuficiência
cardíaca e “monitorização” laboratorial com eletrocardiografia e Holter de rotina, que podem dar sinais de
alerta, tais como alargamento do complexo QRS e presença de arritmias (taquicardia ventricular sustentada,
fibrilação ou “flutter” atrial(33)), causas de morte súbita
tardia(34, 35), ecodopplercardiografia, que revela a piora
da função do ventrículo direito e o surgimento ou piora
da insuficiência tricúspide, e teste ergométrico ou ergoespirométrico para detectar piora da capacidade funcional e diminuição do VO2 máx(3).
Cardiopatias congênitas cianóticas não operadas
Para a maioria dos portadores de cardiopatia congênita cianótica não operada, a realização de exercícios físicos implica piora da hipoxemia e desconforto progressivo, o que faz com que haja autolimitação da parte desses indivíduos frente à prática de atividades físicas. Raros são os pacientes que atingem a adolescência e a idade adulta com pouca cianose e desconforto
respiratório apenas quando da realização de atividades físicas; porém, mesmo para esses indivíduos ocorre
intensa dessaturação arterial durante a prática de exercícios(8).
Como recomendação geral, a prática de atividade
física para esses indivíduos deve ser individualizada,
porém, via de regra, apenas exercícios de baixa intensidade podem ser prescritos (classe IA)(8).
Pós-operatório de cirurgias paliativas em cardiopatias
congênitas cianogênicas
As cirurgias paliativas nas cardiopatias congênitas
cianóticas são realizadas no intuito de aumentar ou diminuir o fluxo sanguíneo para os pulmões, trazendo
significativo alívio dos sintomas em repouso, porém com
persistência da dessaturação arterial durante a realização de exercícios(8).
Para esses casos, exercícios da classe IA podem
ser prescritos, desde que, durante sua realização, sejam observados alguns critérios bem estabelecidos(8):
- manutenção da saturação arterial de oxigênio acima de 80%;
- ausência de arritmias sintomáticas e de sinais e sintomas de disfunção ventricular;
- avaliação de capacidade física pelo teste ergométrico e/ou ergoespirométrico próxima do normal.
Doença vascular pulmonar obstrutiva
Indivíduos portadores de doença vascular pulmo-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
nar obstrutiva decorrentes
de síndrome de Eisenmenger têm risco elevado
TEBEXRENI AS
de morte súbita durante
e cols.
atividades físicas de alta
Cardiopatias congênitas:
intensidade, e não devem
atividades físicas
participar de esportes
e esporte
competitivos. Naqueles indivíduos em que há suspeita de hipertensão pulmonar conseqüente à cardiopatia de hiperfluxo pulmonar ou outra, deve-se proceder à quantificação dessa pressão por método indireto (ecodopplercardiografia) ou direto (cateterismo cardíaco) antes da liberação
para a prática desportiva, portanto seguindo as recomendações a seguir, com base na medida da pressão
arterial pulmonar(8):
- se a pressão arterial pulmonar for < 40 mmHg, o
paciente está liberado para todos os esportes competitivos;
- se a pressão arterial pulmonar for > 40 mmHg, deve
ser feita avaliação individual para a prescrição de exercícios, considerando-se outros parâmetros que envolvem a cardiopatia de base.
Outras cardiopatias congênitas cianóticas
De maneira geral, portadores de outras cardiopatias congênitas cianogênicas, como transposição dos
grandes vasos da base, coração univentricular, atresia
tricúspide e outras, apresentam alterações clínicas e
hemodinâmicas importantes e a avaliação para a atividade física ocorre após cirurgia de reparação, geralmente de caráter funcional. Também para esses pacientes a avaliação clínico-funcional pormenorizada e o
acompanhamento periódico são fundamentais(8).
Transposição das grandes artérias após cirurgia de
Senning ou de Mustard
Indivíduos com área cardíaca normal à radiografia
de tórax, sem história de arritmias, “flutter” atrial ou arritmia ventricular, sem história de síncope e com teste
de esforço normal podem ser liberados para exercícios
dos tipos IA e IIA. Para aqueles doentes que não preenchem as condições descritas, há necessidade de cri-
teriosa avaliação individualizada para liberação de atividades físicas(8).
Transposição das grandes artérias após “switch”
arterial (cirurgia de Jatene)
Para esses pacientes, após seis meses da cirurgia
e na ausência de defeitos residuais, com área cardíaca normal e função ventricular normal em repouso e
durante o esforço e na ausência de arritmias sintomáticas, não há restrições quanto à participação em atividades físicas e esportes; porém, pelo risco de desenvolvimento ou acentuação de regurgitação aórtica, recomenda-se a não realização de exercícios classes IIIA,
IIIB e IIIC (exercícios altamente estáticos). Quando alterações hemodinâmicas ou disfunção ventricular leve
estão presentes, devem ser permitidos apenas exercícios das classes IA, IB, IC e IIA(8).
Pós-operatório de cirurgia de Fontan ou derivações
cavopulmonares
Essas alternativas cirúrgicas podem ser empregadas como tratamento paliativo para algumas doenças,
como, por exemplo, atresia tricúspide e coração univentricular. Embora a evolução clínica possa ser satisfatória, esses pacientes apresentam débito cardíaco
diminuído e, conseqüentemente, menor capacidade física. Assim, após avaliação individual cuidadosa e na
ausência de disfunção ventricular, dessaturação arterial em repouso e tolerância “normal” ao exercício em
avaliação ergométrica, podem ser liberados para esportes da classe IA(8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora complexa e com grandes desafios, a prescrição de atividades físicas e exercícios para portadores de
cardiopatias congênitas pode ser realizada com segurança
desde que se tenha pleno conhecimento da doença e do
doente, e que se realize avaliação clínico-funcional criteriosa. O conhecimento e a correta interpretação de diretrizes especificamente concebidas com esse fim contribuem significativamente para a realização de um trabalho que, sem dúvida alguma, acarreta enorme benefício
para o doente e para todos aqueles que, de alguma maneira, mantêm relação com esse indivíduo.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
181
CONGENITAL HEART DISEASES: PHYSICAL
TEBEXRENI AS
e cols.
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas
e esporte
ACTIVITIES AND SPORTS
ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA APARECIDA DE PAULA E SILVA,
ANTONIO CARLOS DE CAMARGO CARVALHO
The regular practice of physical activities and sports is being increasingly stimulated in view of the benefits for physical and mental health, and consequently to the
quality of life of healthy individuals and for those with various diseases. In cardiology,
this concept is applied specially for the rehabilitation of patients with coronary heart
diseases and cardiomyopathies.
In this article, the authors analyze the congenital heart diseases and their relationship with physical activities and exercise, taking into account the clinical presentations variability of these diseases both in individuals who were not submitted to cardiac surgery, and therefore with the disease in its natural course, and in those in
whom the anatomical and functional corrective surgery were performed, asymptomatic or heavily symptomatic patients, and with high degree of cardiac compromise
and physical disability, and the characteristics of the exercises regarding the type
and intensity, aiming to establish recommendations based on putative guidelines
and also on the authors’ experience.
Key words: congenital heart diseases, physical activities, sports.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:169-83)
RSCESP (72594)-1526
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
183
ATIVIDADE FÍSICA E DOENÇA CARDIOVASCULAR
SMANIO P e col.
Atividade física e doença
cardiovascular na mulher
NA MULHER
PAOLA SMANIO, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA
Seção de Medicina Nuclear — Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Ibirapuera —
CEP 04012-000 — São Paulo — SP
Existem diferenças importantes, tanto anatômicas como fisiológicas, entre homens
e mulheres, que devem ser levadas em consideração ao se programar atividade
física e esportiva para o sexo feminino. Por meio da medida do limiar anaeróbio
(maior consumo de oxigênio atingido, sem o desenvolvimento de acidose láctica
sustentada), pode-se avaliar a intensidade segura de treinamento, minimizando a
ocorrência de prejuízos funcionais.
A doença arterial coronariana é a causa mais importante de óbito nas mulheres.
A detecção precoce bem como a prevenção da doença cardiovascular em mulheres
tornaram-se desafios para os cardiologistas. Os fatores de risco para o
desenvolvimento de doença arterial coronariana nas mulheres são os mesmos
observados nos homens. Sabe-se, porém, que há algumas diferenças já bem descritas
na apresentação da doença arterial coronariana segundo o sexo. A mulher desenvolve
a doença dez anos mais tardiamente e, de maneira geral, tem o primeiro infarto do
miocárdio vinte anos após, em relação ao homem. A incidência de doença arterial
coronariana no sexo feminino é relacionada à idade e no período pós-menopausa
aproxima-se à incidência observada no sexo masculino. Talvez isso decorra da perda
de proteção estrogênica. Dessa forma, o conceito de que a doença arterial
coronariana era uma doença ligada predominantemente ao sexo masculino, vigente
por décadas, começa a ser modificado.
A atividade física ajuda a prevenir e a tratar os fatores de risco para doença
aterosclerótica, incluindo hipertensão arterial, resistência à insulina, intolerância à
glicose, dislipidemia e obesidade, entre outros. A magnitude dos efeitos do exercício
é influenciada pelas características do tipo de exercício realizado, por variações
individuais e pela redução do peso corporal decorrente do exercício. Recentes
diretrizes classificam a atividade física como classe I, nível B de evidência na
prevenção de doença cardiovascular na mulher.
Palavras-chave: exercício, doença cardiovascular, mulher, fatores de risco,
prevenção.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:184-92)
RSCESP (72594)-1527
INTRODUÇÃO
Atividade física é definida como qualquer movimento
produzido por músculos esqueléticos e que resulta em
gasto de energia maior que o gasto em repouso(1).
184
Exercício é definido como tipo de atividade física
planejada, estruturada, repetitiva, com o propósito de
melhora do condicionamento físico(1).
Condicionamento físico é definido como condicionamento cardiorrespiratório, fortalecimento muscular,
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
com melhora da composição corporal e da flexibilidade, compreendendo
SMANIO P e col.
uma série de atribuições
Atividade física e doença
do indivíduo adquiridas e
cardiovascular na mulher
que refletem a habilidade
de praticar exercício(1).
A classificação do nível
de exercício depende das
medidas de “quantidade” e
“intensidade” em que a atividade física é realizada.
Intensidade reflete a taxa de energia gasta durante
a atividade física e pode ser mensurada em termos
relativos ou absolutos. Em termos absolutos, a intensidade reflete a taxa de energia gasta durante o exercício,
sendo geralmente expressa em equivalentes metabólicos (METs), em que 1 MET é igual a 3,5 ml O2.kg-1.min-1.
Em termos relativos, reflete a porcentagem de trabalho aeróbico empregada durante o exercício e é expressa em porcentagem da freqüência cardíaca máxima ou do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo).
Considera-se atividade física de intensidade leve
aquela que permanece até 70% da freqüência cardíaca máxima; moderada, entre 70% e 85%; e vigorosa,
acima de 85%(1).
ATIVIDADE FÍSICA E SEXO FEMININO
Aspectos fisiológicos
Existem diferenças importantes anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres e que devem ser levadas em consideração ao se programar a atividade
física e esportiva para o sexo feminino(1).
No esporte, essas diferenças manifestam-se de forma significativa na capacidade física, pois tanto a fisiologia como o aspecto estrutural desfavorecem a mulher nas atividades que exigem força.
No entanto, para elevar o VO2 máximo em ambos
os sexos não há diferença na necessidade de esforço
exigido, no que se refere a intensidade, freqüência e
duração. Há menos diferença entre homens e mulheres atletas que praticam a mesma atividade esportiva
e com o mesmo nível de condicionamento que entre
mulheres condicionadas e não-condicionadas. Em geral, após 90 dias de treinamento o VO2 máximo da
mulher iguala-se ao do homem(2).
Em geral, as mulheres não-condicionadas são menos tolerantes ao exercício em ambiente quente que
mulheres consideradas com alta capacidade aeróbica.
A adaptação da mulher ao calor é diferente, por possuir 10% mais de tecido adiposo, que funciona como
isolamento e previne a perda excessiva de calor pelos
órgãos internos. A temperatura cutânea da mulher é
mais alta nas estações mais quentes e mais baixa nas
frias, com limiar de sudorese mais alto, entre 1,4oC e
20°C. Como conseqüência, em temperaturas mais elevadas o custo fisiológico para manter o equilíbrio térmico com menor sudorese é maior, sendo mais limitante para o desempenho físico.
Em relação às lesões, as mulheres tendem a desenvolver as mesmas lesões que os homens nas mesmas circunstâncias, em decorrência de “overtraining” e
fatores anatômicos, entre outras causas. A incidência
de injúrias de treinamento parece estar mais ligada ao
nível de condicionamento e de atividade física e ao tipo
de esporte praticado que ao sexo.
Os sistemas cardiovascular e sanguíneo também
apresentam algumas diferenças, como número médio
de hemácias em repouso, que é 10% menor na mulher
em relação ao homem. Após o exercício, porém, ocorre aumento de até 10%, determinando aumento da diferença absoluta entre os sexos, voltando aos valores
basais entre 30 minutos e 2 horas. Entre 20 e 30 anos,
as mulheres possuem aproximadamente 15% menos
hemoglobina e 6% menos hemácias por mm3, o que
promove maior capacidade de transporte de oxigênio
nos homens.
Os níveis de pressão arterial tanto sistólica como
diastólica são 5 mmHg a 10 mmHg mais elevados no
homem até os 18 anos, quando a pressão se iguala.
No climatério, a pressão arterial sistólica da mulher eleva-se ligeiramente em relação à do homem.
Outra diferença é relacionada à maior massa muscular do coração do homem, resultando em maior força contrátil e volume sistólico com menor freqüência
cardíaca.
A freqüência cardíaca, por sua vez, costuma ser
mais elevada na mulher, geralmente entre 5 e 8 batimentos em repouso.
O débito cardíaco na mulher, para o transporte de 1
litro de oxigênio em trabalho submáximo, é de 9 litros
de sangue, com conteúdo medido de oxigênio sanguíneo de 16,7 ml/100 ml. Nos homens, o débito cardíaco
é de 8 litros e o oxigênio sanguíneo é de 19,2 ml/100
ml. Essa maior eficiência é decorrente da maior concentração de hemoglobina e do maior tamanho do coração(3).
Distúrbios específicos da mulher atleta
As disfunções menstruais, particularmente a amenorréia, podem acontecer em mulheres que se exercitam muito, pela liberação de prolactina, que leva à anovulação e ao hipoestrogenismo.(4) O retardo da puberdade pode ocorrer em atletas jovens, principalmente
naquelas com magreza acentuada, pela baixa quantidade de gordura corporal, que promove alterações nas
secreções gonadotrópicas(5).
Mas, por meio da medida do limiar anaeróbio (maior consumo de oxigênio atingido, sem o desenvolvi-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
185
mento de acidose láctica
sustentada), pode-se avaliar a intensidade segura
SMANIO P e col.
de treinamento, minimiAtividade física e doença
zando a ocorrência de precardiovascular na mulher
juízos funcionais.
Estudo(6) comparou 9
corredoras de longa distância, com distância percorrida suficiente para
acarretar os distúrbios clínicos descritos anteriormente e 8 mulheres sedentárias, com média de idade
igual a 33 anos. Como as corredoras monitorizavam a
freqüência cardíaca e treinavam em intensidade abaixo do limiar anaeróbio, nenhuma apresentou amenorréia e os níveis séricos de estradiol permaneceram normais.
SEXO FEMININO E DOENÇA CARDIOVASCULAR
A doença cardiovascular é a principal causa de
morte em americanos, tanto no sexo masculino como
no feminino, com morbidade e mortalidade comparáveis(7). A doença arterial coronariana é a causa mais
importante de óbito nas mulheres americanas, sendo
responsável por mais de 250 mil mortes por ano, o que
representa um terço da mortalidade anual(8). Maior número de mulheres morre por doença cardiovascular que
pela somatória de todos os tipos de câncer combinados.
No Brasil, os dados epidemiológicos existentes são
poucos,(9) porém sabe-se que a doença arterial coronariana também é a principal responsável pela mortalidade no sexo feminino.
Na Tabela 1 estão apresentados os dados referentes ao ano de 2001, publicados pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
A detecção precoce bem como a prevenção de doença cardiovascular em mulheres tornou-se um desafio para os cardiologistas(10, 11).
Perfil das mulheres com doença arterial
coronariana
Os fatores de risco para o desenvolvimento de doença arterial coronariana nas mulheres são os mesmos em relação aos homens(12).
Sabe-se, porém, que há algumas diferenças já bem
descritas na apresentação de doença arterial coronariana segundo o sexo. A mulher desenvolve a doença
dez anos mais tardiamente e, de maneira geral, tem o
primeiro infarto do miocárdio vinte anos após, em relação ao homem. A incidência da doença arterial coronariana no sexo feminino é relacionada à idade, e no
período pós-menopausa aproxima-se à incidência ob-
186
servada no sexo masculino. Talvez isso decorra da perda da proteção estrogênica.
Dessa forma, o conceito de que a doença arterial
coronariana era uma doença ligada predominantemente
ao sexo masculino, vigente por décadas, começa a ser
modificado.
O risco para o aparecimento de doença arterial coronariana e de suas complicações varia em torno de
25% para as mulheres na faixa de 40 anos a 50% nas
mulheres idosas(12). Quando a evolução de mulheres
após infarto do miocárdio é analisada dentro do primeiro ano de seguimento, comprova-se maior mortalidade em relação ao sexo masculino (38% e 25%, respectivamente)(12), e aproximadamente 63% das mulheres com morte súbita por doença arterial coronariana
não apresentam sintomas prévios.(13).
Tais evidências, aliadas à realidade social, que exige envolvimento obrigatório do sexo feminino no trabalho, aumento do nível de estresse, tabagismo e dieta
rica em colesterol, implicam necessidade de uma investigação diagnóstica periódica. A importância da atividade física regular para a prevenção de doenças cardiovasculares no sexo feminino vem sendo cada vez
mais estabelecida e comprovada.
Exercício físico para mulheres idosas
Considera-se exercício a atividade física que produza maior consumo de calorias e modificações dos
hábitos em benefício do estado físico e do estado psíquico(14) do indivíduo.
A atividade física regular é fundamental como estratégia de prevenção de inúmeras doenças, entre elas
a cardiovascular.
A atividade física regular pode reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares pela redução e pelo
controle de vários fatores de risco. Atua na hipertensão, no diabetes, na obesidade, na diminuição do desejo de fumar, na redução do estresse e da ansiedade,
e no perfil metabólico das gorduras sanguíneas.
Nas mulheres idosas, ao iniciar uma atividade física, segundo as recomendações do Colégio Americano de Medicina Esportiva, deve-se realizar uma avaliação cardiológica para a exclusão de doenças cardíacas que contra-indiquem a prática esportiva regular.
Deve-se seguir um programa supervisionado, com intensidade crescente.
Quanto ao tipo de exercício, qualquer atividade aeróbica é eficaz. Caminhar é, talvez, o mais simples e
adequado para a maioria das idosas. Essa atividade
pode ser facilmente incorporada à rotina de vida, tornando-se um hábito salutar. Não há necessidade de
equipamentos dispendiosos nem deslocamentos para
locais apropriados e o risco de complicações é mínimo.
Um estudo realizado na Suécia(1), em 1988, incluin-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
Tabela 1. Mortalidade por sexo no Estado de São Paulo, em 2001.
SMANIO P e col.
Atividade física e doença
cardiovascular na mulher
Mortalidade segundo causas (capítulo da CID) e sexo — Estado de São Paulo, 2001
Causas (capítulo da CID)
I. Doenças infecciosas e
parasitárias
II. Neoplasias (tumores)
III. Doenças hematológicas
e transtornos imunitários
IV. Doenças endócrinas
nutricionais e metabólicas
V. Transtornos mentais e
comportamentais
VI. Doenças do sistema
nervoso
VII. Doenças do olho e
anexos
VIII. Doenças do ouvido e
da apófise mastóide
IX. Doenças do aparelho
circulatório
X. Doenças do aparelho
respiratório
XI. Doenças do aparelho
digestivo
XII. Doenças da pele e
do tecido subcutâneo
XIII. Doenças do sistema
osteomuscular e tecido
conjuntivo
XIV. Doenças do aparelho
geniturinário
XV. Gravidez, parto e
puerpério
XVI. Afecções originadas
no período perinatal
XVII. Deformidades e
anomalias cromossômicas
XVIII. Sintomas e sinais
clínicos e alterações
laboratoriais
XIX. Causas externas de
morbidade e mortalidade
Total
Masculino Feminino
Ignorado
Total
6.768
19.769
3.949
16.335
0
0
10.717
36.104
491
463
0
954
4.818
6.066
0
10.884
1.360
446
0
1.806
1.828
1.654
0
3.482
5
1
0
6
14
17
0
31
37.473
33.356
0
70.829
13.603
10.789
0
24.392
8.587
4.381
0
12.968
190
259
0
449
239
426
0
665
2.082
1.900
0
3.982
0
237
0
237
3.314
2.596
2
5.912
1.174
1.115
4
2.293
8.749
6.049
4
14.802
28.911
139.375
4.636
94.675
13
23
33.560
234.073
Fonte: SEADE. Elaboração: CIS/CPS/SES. Dados publicados pela Secretaria da
Saúde do Estado de São Paulo.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
187
do idosas com mais de 70
anos, demonstrou que
aquelas que caminhavam
SMANIO P e col.
pelo menos 30 minutos diAtividade física e doença
ariamente apresentavam
cardiovascular na mulher
melhor capacidade física,
maior densidade óssea,
menor concentração plasmática de triglicérides e
menor prevalência de doença coronária em relação
às que caminhavam menos de 30 minutos. Apesar de a atividade física regular
determinar benefícios evidentes após os 65 anos, verificou-se que 60% a 70% das idosas são sedentárias e
menos de 25% participam de um programa de exercícios adequado para a prevenção de doenças cardiovasculares.
Exercício e fatores de risco cardiovascular
na mulher
A atividade física ajuda a prevenir e tratar os fatores
de risco para doença aterosclerótica, incluindo hipertensão arterial, resistência à insulina e intolerância à
glicose, níveis elevados de triglicérides, níveis baixos
de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDLcolesterol) e obesidade. Atividade física associada à
redução de peso corporal pode diminuir os níveis de
colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol).
A magnitude dos efeitos do exercício é influenciada
pelas características do tipo de exercício realizado,
pelas variações individuais e se o exercício produziu
redução do peso corporal.
Recentes diretrizes(8) publicadas pela “American
Heart Association” classificam a atividade física como
classe I, nível B de evidência na prevenção e tratamento
de doença cardiovascular na mulher.
No perfil lipídico
A partir do fim dos anos 80, o Programa Nacional
de Educação sobre o Colesterol, do Instituto Nacional
de Saúde dos Estados Unidos, publicou diretrizes visando à detecção e ao manejo das alterações do perfil
das gorduras para prevenir e tratar a aterosclerose,
principalmente a doença arterial coronária, cuja mortalidade é alta.
A Campanha Nacional de Alerta sobre o Colesterol
Elevado realizou um importante estudo em 81.262 brasileiros e observou que 40% da população tem colesterol total acima de 200 mg/dl, dos quais 13% têm valores superiores a 240 mg/dl.
Durante a atividade física, o organismo necessita
de maior quantidade de energia em relação ao repouso, o que estimula todo o sistema metabólico, inclusive
o das gorduras. Há controvérsias sobre o nível de es-
188
forço necessário para a obtenção de tais benefícios.
Em estudo(7) que avaliou 7.337 indivíduos, foi observado que as taxas de doença cardiovascular foram
reduzidas em 19%, 38% e 40% nos grupos que realizaram atividade física considerada fraca, moderada e
intensa, respectivamente. O estudo demonstra, ainda,
a importância da prática esportiva com regularidade
(de quatro a seis vezes por semana), do tipo aeróbico,
e com sessões de, no mínimo, 40 minutos.
Outros estudos(3, 15) avaliaram a relação entre gorduras, lipoproteínas e exercício físico. Constataram que
a implementação de exercícios de alta ou baixa intensidade, realizados entre 85% e 90% e em torno de 50%
e 70% do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo),
respectivamente, podem produzir modificações favoráveis e consistentes sobre o perfil lipídico.
Tais alterações são observadas principalmente pela
redução dos triglicérides e pela elevação do HDL-colesterol sanguíneo. Ainda não há dados consistentes
quanto à redução dos valores do colesterol total; entretanto, os benefícios cardioprotetores da elevação do
HDL-colesterol são consistentes com a atividade física
de rotina.
No início do exercício ou no exercício intenso, o glicogênio muscular armazenado e a glicose do sangue
são as principais fontes de energia. No exercício prolongado e de intensidade moderada, as gorduras são
as responsáveis pela liberação da maior quantidade
de energia necessária, pois, nesses casos, o metabolismo predominante é o aeróbico.
Os ácidos graxos são a principal fonte energética
de origem lipídica, e estão armazenados na forma de
triglicérides no sangue, no fígado, nos músculos, no
tecido adiposo e também nas lipoproteínas plasmáticas.
A quantidade de ácidos graxos oxidados no exercício depende do tipo de solicitação ou trabalho muscular, da duração do esforço, da intensidade, da massa
muscular envolvida, da composição corporal, da circulação sanguínea e da quantidade celular de monofosfato de adenosina (AMP).
Durante a atividade física, ocorre no tecido adiposo, pela ação de enzimas, a transformação dos triglicérides em glicerol e ácidos graxos, que são fontes de
energia.
No organismo, em relação ao repouso, a taxa de
oxidação dos ácidos graxos liberados do tecido adiposo e utilizados pelos músculos, pelo fígado e por outros órgãos aumenta de 50% a 75% nos esforços de
intensidade moderada e até 85% nos esforços de grande intensidade.
No diabetes
A elevação da incidência de diabete do tipo 2 nas
últimas décadas bem como o estabelecimento da ligação do diabetes com a doença cardiovascular vêm pro-
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
movendo interesse no estudo dos efeitos da atividade física na resistência à
SMANIO P e col.
insulina, no controle da gliAtividade física e doença
cemia e na redução da incardiovascular na mulher
cidência do diabetes.
O diabetes do tipo 2
está diretamente ligado ao
sobrepeso e ao estilo de
vida sedentário. Ao lado da
predisposição familiar, a
obesidade é considerada
fator fortemente preditor de diabetes. Sabe-se, entretanto, que a inatividade física aumenta o risco de diabetes, independentemente da obesidade. Estudos(16-18)
demonstram que o exercício aumenta a sensibilidade
à insulina, melhora a tolerância à glicose e promove
perda de peso.
Hu e colaboradores(19) acompanharam 5.125 mulheres diabéticas por ano (“Nurse Health Study”), observando 323 novos casos de doença cardiovascular documentada por ano. Observaram, ainda, que o nível de
atividade física era inversamente associado ao número de paradas cardíacas e doença coronária documentada.
Pelo fato de a doença cardiovascular ser responsável por aproximadamente 75% das mortes entre diabéticos, já está bem estabelecida, nesses indivíduos,
a importância da atividade física na prevenção de doença cardiovascular, bem como na redução da mortalidade.
Na atualidade, sabe-se que o diabetes está fortemente associado à doença coronariana na mulher. Na
estratificação de risco cardiovascular, estudos demonstram que a presença de diabetes torna a mulher portadora de alto risco de eventos(12) (“Framingham global
risk > 20% in 10 years”).
A atividade física aumenta a sensibilidade à insulina, com conseqüente redução da insulinemia, principalmente nas mulheres com obesidade do tipo abdominal que apresentam intolerância à glicose.
Inúmeros estudos(11, 19, 20) já comprovaram o benefício da atividade física na redução do risco cardiovascular, da mortalidade cardiovascular e da mortalidade
total nos diabéticos de ambos os sexos. Benefícios também estão comprovados para controlar a hipertensão
arterial e na obesidade.
Na hipertensão arterial
A hipertensão arterial é uma doença altamente presente na população adulta. Nos Estados Unidos, estudos(17, 21) comprovam prevalência aproximada de 25%
entre adultos com mais de 18 anos de idade. No Brasil,
as estatísticas variam de uma prevalência de 22% até
44%, utilizando o critério atual para o diagnóstico de
hipertensão arterial, que é de pressão maior ou igual a
140/90 mmHg. Dessa forma, pode-se dizer que nosso
país possui, hoje, aproximadamente 30 milhões de hipertensos, dos quais apenas 7,5 milhões estão em tratamento.
Acima de 60 anos, a ocorrência de hipertensão arterial é em torno de 65%, em média, aumentando progressivamente com a idade. As crianças e os adolescentes também não estão isentos. O relatório publicado pela força-tarefa americana refere prevalência de
2% a 13%.
O interesse em relação aos efeitos do exercício na
hipertensão arterial não é, contudo, recente. Em 1958,
autores encontraram níveis de pressão arterial tanto
sistólica como diastólica significativamente menores em
trabalhadores braçais, quando comparados com valores obtidos em indivíduos sedentários. Pelo menos 44
estudos randomizados e controlados incluindo 2.674
mulheres demonstraram o efeito benéfico do exercício
no controle da pressão arterial(21). A média das reduções da pressão arterial sistólica e da pressão arterial
diastólica após a atividade física foi, respectivamente,
de 3,4 mmHg e 2,4 mmHg.
Os níveis de pressão arterial basais foram importantes determinantes dos efeitos do exercício. As médias das pressões sistólica e diastólica apresentaram
redução de 2,6 mmHg e 1,8 mmHg nos indivíduos normotensos e de 7,4 mmHg e 5,8 mmHg nos hipertensos, sugerindo a importância da atividade física como
terapêutica única ou coadjuvante da hipertensão arterial.
Além dos efeitos na regulação por meio do “centro
cardiovascular” localizado no bulbo, a atividade física
também controla a pressão arterial pela diminuição do
estresse e da ansiedade que comumente dificultam o
controle pressórico. Shaw e colaboradores(17) demonstraram que o risco do desenvolvimento de hipertensão
arterial sistêmica em indivíduos sedentários é 35%
maior, independentemente de outras variáveis como
obesidade ou risco familiar, para hipertensão.
Na obesidade
O exercício é fundamental como estratégia coadjuvante no combate à obesidade.
O registro nacional de controle de peso americano,
incluindo 3 mil indivíduos que perderam > 10% do peso
corporal e que mantiveram essa perda por um ano,
descreveu a importância da atividade física regular(18).
Em 81% dos participantes houve descrição de aumento da atividade física. Homens e mulheres apresentaram gasto calórico semanal aproximado de 3.298 kcal
e 2.445 kcal, respectivamente.
Sabe-se que a distribuição de gordura corpórea seria
mais importante que o índice de massa corporal (peso
em quilos/altura2 em metros) em relação ao risco de
doença cardiovascular.
Analisando-se a relação entre a circunferência da
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
189
cintura e da bacia, verificou-se que mulheres com
obesidade abdominal caSMANIO P e col.
racterizada pela relação
Atividade física e doença
cintura/bacia maior que
cardiovascular na mulher
0,85 apresentaram maior
risco de doença cardiovascular que aquelas com
obesidade glúteo-femoral,
caracterizada por valores
inferiores a 0,85. Mulheres
com relação cintura/bacia
elevada têm distribuição de gordura similar à dos homens e risco de doença cardiovascular que se aproxima ao do deles também.
Sabe-se que mulheres idosas com obesidade abdominal apresentam maior prevalência de hipertensão
arterial, elevação das gorduras sanguíneas, intolerância à glicose e infarto do miocárdio.
Quanto à atividade física, existem poucas dúvidas
sobre a relevância do exercício físico regular para o controle da obesidade e dos outros fatores de risco de doenças cardiovasculares associados a ela(22).
A prática regular de exercício físico, apesar de não
provocar perda de peso corporal tão intensa quanto a
dieta hipocalórica, preserva a massa magra, atenua expressivamente outros fatores de risco cardiovascular e
evita o ganho de peso.
É consenso entre os estudiosos da obesidade que
a melhor terapia para o emagrecimento se baseia na
associação de dieta com treinamento físico(17).
190
No tabagismo
Alguns estudos verificaram o efeito adjunto do exercício na interrupção do hábito de fumar em mulheres.
Em estudo randomizado(23) que observou 281 mulheres durante 12 semanas de programa de atividade física regular, foram verificados 19,4% de abstinência em
dois meses, comparativamente a apenas 10,2% no grupo controle. Após 12 meses, 11,9% das ativas e 5,4%
das sedentárias permaneceram abstinentes.
Em outros fatores de risco
Há, ainda, evidências de que o exercício reduz o risco
de outras doenças crônicas na mulher, como osteoporose, carcinomas de cólon e mama(24) e depressão(14). A atividade física regular atua, ainda, no tratamento das pacientes com doença vascular periférica e claudicação intermitente. Em revisão(25) de 21 programas de exercício
para pacientes com claudicação, observou-se que após
o exercício físico contínuo a distância para o início da dor
aumentou em média 179% e a média da distância máxima tolerada aumentou em 122%.
No tratamento de doença cardiovascular já conhecida
Inúmeras meta-análises concluíram que o exercício físico, atuando em programa de reabilitação cardíaca, reduz as taxas de mortalidade em pacientes após
infarto do miocárdio.(26, 27)
Tais estudos comprovam que a reabilitação cardíaca reduz a mortalidade, porém não demonstram redução significativa da taxa de infarto do miocárdio recorrente. A atividade física também se mostra útil para o
tratamento de pacientes com angina e sem indicação
de revascularização.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
EXERCISE AND CARDIOVASCULAR DISEASE IN WOMEN
SMANIO P e col.
Atividade física e doença
cardiovascular na mulher
PAOLA SMANIO, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA
The evidence demontrating that physical inativity plays a role in the development
of several diseases continues to grow. Numerous scientific reports have examined
the relationships between physical activity and health outcomes. These reports
support the concept that more active women tend to experience less coronary artery
disease and have lower cardiovascular mortality. Physical activity both prevents and
helps treat many established atherosclerotic risk factors, including elevated blood
pressure, insulin resistance and glucose intolerance, obesity and elevated triglyceride
concentrations and low high-density lipoprotein cholesterol concentration.
There are some physiological and anatomical differences between the effects of
the exercise in relation to the gender.
Despite research based gains in the treatment of cardiovascular disease, it remains
the leading killer of women. Coronary heart disease accounts for the majority of
cardiovascular disease deaths in women, disproportionately afflicts racial and ethnic
minorities, and is a prime target for prevention. Because coronary heart disease is
often fatal, and because nearly two thirds of women who die suddenly have no
previously recognized symptoms, it is essential to prevent coronary heart disease.
The risk factors for cardiovascular disease are the same for both genders. The
identification and the effective prevention of risk factors for cardiovascular disease is
very important. Several lifestyle interventions, like exercise and diet, were rated as
Class I recommendations.
Key words: exercise, cardiovascular disease, woman, risk factors, prevention.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:184-92)
RSCESP (72594)-1527
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