ANEXO
Alemanha dá o primeiro passo na regulação do high-frequency trading
As medidas de política para evitar os riscos e abusos no high-frequency trading
A ausência de consenso em relação aos impactos do HFT nos mercados se reproduz no campo da
política regulatória à qual a estratégia deve estar sujeita. Em primeiro lugar, há um questionamento
sobre a adequação da regulação do HFT – ou seja, se o HFT deve ser regulado ou não. Em segundo
lugar, e admitindo-se que o HFT deve ser regulado, há um questionamento sobre quais as medidas
que devem ser tomadas para evitar os riscos e as possibilidades de abuso de mercado trazidas por
essa estratégia – ou seja, como o HFT deve ser regulado. É sobre este segundo tema que se debruça
este Anexo: com base no documento “The Future of Computer Trading in Financial Markets – An
International Perspective” 1 , sumário da pesquisa sobre o tema financiada pelo governo britânico,
reunimos aqui as principais medidas estudadas para o tratamento regulatório do HFT, inclusive as
levadas à frente pelo Legislativo alemão, com algum detalhamento de seus objetivos e dos principais
benefícios associados a cada uma delas.
1) Notificação de algoritmos
Uma preocupação importante em relação à utilização de algoritmos diz respeito à possibilidade de
que erros nestes algoritmos acarretem perturbações nos mercados, por exemplo, devido ao envio
errôneo de milhares de ordens em milésimos de segundos que alterem o curso dos negócios de
forma relevante. Fornecer ao regulador a descrição das estratégias dos algoritmos, dos parâmetros e
limites de negociação, dos principais controles de risco e dos detalhes sobre os testes dos sistemas,
seria uma forma de assegurar que os algoritmos utilizados estariam sujeitos a controles de risco e
supervisão mais apropriados. A notificação de algoritmos consiste, portanto, numa das propostas de
política regulatória relacionada ao HFT (porém de caráter mais genérico), que opera no sentido de
garantir a resiliência e evitar o mau funcionamento dos algoritmos, de modo que eventos com
impactos negativos sobre a liquidez de mercado não ocorram. Essa medida é proposta explicitamente
na revisão da Diretiva europeia de mercados financeiros, que prevê um detalhamento significativo das
informações a serem fornecidas aos reguladores (MiFID II, artigo 17(2)2). A Lei de HFT alemã, por sua
vez, prevê que quem utilize algoritmos para negociação deve possuir sistemas e controles que
assegurem a resiliência dos mesmos, sem, contudo, detalhar a forma pela qual a supervisão dessa
obrigação será realizada.
2) Circuit breakers
Circuit breakers (interruptores) são mecanismos para limitar ou suspender os negócios num ambiente
de negociação em caso de determinados acontecimentos ou movimentos bruscos no mercado.
Podem também ser usados para interromper sistemas ou algoritmos em função da constatação de
algum problema. Comumente, estes interruptores são acionados por grandes movimentos de preço
nos mercados, mas podem também ser desencadeados em função do acúmulo de ordens nas filas
nos ambientes de negociação antes que as mesmas sejam executadas efetivamente. A introdução de
circuit breakers tem como objetivo reduzir o risco de um colapso do mercado induzido por uma
sequência de negócios em cascata, bem como evitar problemas nos próprios algoritmos utilizados. Os
1
The Future of Computer Trading in Financial Markets – An International Perspective, Foresight, U. K. Department for
Business, Innovation & Skills, 23/10/2012: http://www.bis.gov.uk/assets/foresight/docs/computer-trading/12-1086future-of-computer-trading-in-financial-markets-report.pdf
2
Diretiva relativa aos mercados de instrumentos financeiros, Comissão Europeia, 20/10/2011: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2011:0656:FIN:pt:PDF
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benefícios associados a esses interruptores estão ligados à possibilidade que abrem para a resolução
de incertezas relacionadas à volatilidade excessiva dos mercados, à prevenção de defaults devido a
chamadas de margem não atendidas que podem ocorrer em períodos muito curtos de tempo em
momentos de estresse dos mercados (a interrupção dos negócios permite, ao menos potencialmente,
que se levante o colateral necessário para cobrir as exigências) e contribuiu para proteger
investidores que não monitorem os mercados numa base contínua. O emprego dessa medida de
política é comumente aceito como necessário e benéfico aos mercados: se reconhece que ela pode
desempenhar um papel na regulação do HFT e que ser efetiva para lidar com problemas periódicos
de iliquidez, bem como contribuir para a resiliência dos algoritmos empregados.
3) Limites para os intervalos mínimos de apregoação (minimum tick sizes)
Intervalos de apregoação significam a diferença mínima entre os preços cotados num determinado
mercado. Esses intervalos variam de acordo com o ativo e com o ambiente de negociação em que se
opera. Por exemplo, nos Estados Unidos, ações com preço superior a $1 são cotadas a um tick size
mínimo de 1 centavo; na Europa, por sua vez, há diferentes ambientes de negociação com diferentes
tick sizes para ações. Em especial, uma tendência recente verificada no mercado europeu é a de
crescente redução desses intervalos, como resultado da competição entre diferentes ambientes de
negociação na busca por clientes: esse processo permitiu que as ordens fossem progressivamente
divididas num número cada vez maior de ordens devido à atividade de HFTs. Argumenta-se que essa
tendência levou a uma ampliação significativa do tráfego de mensagens nos diferentes ambientes de
negociação e também que dificulta o processo de descoberta de preço pelos participantes do
mercado – abre-se, portanto, uma possibilidade de manipulação de mercado pelos agentes que
tenham a capacidade de explorar pequenas diferenças de preço com maior velocidade, isto é, HFTs.
Portanto, limitar os tick sizes mínimos é uma forma de facilitar a descoberta de preço, mantendo maior
estabilidade do livro de ofertas – a Lei alemã traz explicitamente este elemento para a regulação do
HFT. Além disso, deve-se considerar a uniformização da política de definição desses intervalos entre
diferentes ambientes de negociação, para evitar a intensificação do ocorrido na Europa, tal como
sugerido pela BaFin (que remete à autorregulação da FESE sobre o tema).
4) Obrigações para formadores de mercado (market-makers)
Os HFTs assumiram em grande parte o papel de formadores de mercado e provedores de liquidez a
partir do emprego de estratégias de arbitragem de preços, que fazem os algoritmos atuarem em
diversas pontas dos mercados. Contudo, não há qualquer comprometimento de provisão contínua de
liquidez por esses HFTs: em momentos de estresse, os algoritmos podem ser simplesmente
desligados, levando consigo a liquidez que teoricamente provinham ao mercado. Nesse contexto,
considera-se a possibilidade de obrigar a atuação perene de HFTs como formadores de mercado nos
ambientes de negociação. Um agente que se proponha a atuar como formador de mercado deve
postar ordens de compra e venda a preços competitivos a qualquer momento em que o ambiente de
negociação esteja funcionando e em qualquer condição de mercado (MiFID II, artigo 17(3)). Com isso,
garante-se a liquidez no mercado, de forma contínua, independente de períodos de estresse.
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5) Tempo mínimo de vigência de ordens
Com a difusão do HFT, os mercados estão cada vez mais caracterizados por um tráfego mais intenso
de mensagens, em função do grande número de ordens postadas, muitas vezes canceladas logo em
seguida, dentro da estratégia de arbitragem de preço que muitos HFTs praticam. O cancelamento de
uma série de ordens recém-postadas num espaço muito curto de tempo pode também ser
interpretado como resultado de tentativas de manipulação de mercado, o que abre precedente para
associar determinados movimentos originados por HFTs com a possibilidade de abuso de mercado.
Para evitar esse problema e eliminar dúvidas no que se refere à relação HFT e manipulação de
mercado, uma medida sugerida é o estabelecimento de um tempo mínimo de vigência para as ordens
postadas (por exemplo, 250 milissegundos), de modo que não se possa cancelá-las antes deste
intervalo. Com isso, pretende-se melhorar a qualidade de execução dos negócios e do mercado em
si, eliminando o ruído gerado pelo tráfego excessivo de mensagens e pela liquidez fictícia induzida por
ordens que serão quase que imediatamente canceladas.
6) Razão entre ordens enviadas e executadas
A ideia de introduzir limites para a razão entre as ordens enviadas e executadas parte de uma lógica
semelhante à medida anterior (tempo mínimo de vigência): busca desencorajar um elevado número
de cancelamento de ordens pelos participantes do mercado, em especial, HFTs. Com isso, busca-se
reduzir o tráfego de mensagens e elevar a previsibilidade dos livros de ordens, bem como evitar que
tentativas de manipulação de mercado sejam conduzidas. A medida pode fixar um limite para a razão
mencionada ou imprimir uma penalidade, em termos de uma taxa adicional, para agentes que
transcendam certo limiar para o indicador. Vale notar que essa é uma medida contemplada na Lei de
HFT alemã, que estabelece que os ambientes de negociação devem estabelecer valores apropriados
para a razão ordens enviadas/executadas.
7) Estrutura de taxação dos ambientes de negociação (maker-taker pricing)
Na configuração atual dos ambientes de negociação, uma possível estrutura de taxação diz respeito ao
sistema maker-taker pricing. Nele, os formadores de mercado (makers), que fornecem liquidez, são
remunerados por um rebate à medida que suas ordens, passivamente postadas, sejam executadas. Os
“tomadores” de mercado (takers) ou traders ativos, por sua vez, pagam uma taxa para executar contra as
ordens postadas pelos formadores de mercado. HFTs geralmente ter maior capacidade de colocar suas
ordens no topo da fila devido à velocidade de seus sistemas e tal estrutura de taxação tende a incentivar o
HFT na formação de mercado. A questão é que os demais investidores podem ser prejudicados, tendo
suas ordens executadas nas condições que vislumbram somente no caso de os HFTs não terem
explorado essa determinada oportunidade. Limitar esse tipo de estrutura de taxação seria, portanto, uma
forma de desincentivar o HFT, reduzindo seu papel nos mercados, e tornar o direcionamento e
transmissão de ordens um processo mais transparente.
8) Consolidação do livro de ordens
Outra forma de reduzir o papel do HFT nos mercados diz respeito à consolidação dos diferentes livros
de ordens dos diferentes ambientes de negociação numa fila única para negociação, ou seja, num
livro central de ordens. Isso reduziria a possibilidade de que diferentes ativos sejam negociados ao
mesmo tempo a preços distintos em diferentes ambientes de negociação. Ainda, uma fila única de
negociação poderia garantir de forma mais efetiva que as ordens postadas serão respeitadas, no que
concerne ao melhor preço e prioridade de execução. Assim, oportunidades de arbitragem entre
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diferentes ambientes, em grande parte, o locus principal de operação de HFTs, seriam eliminadas e
seu papel nos mercados poderia ser reduzido – ou então migraria para outros nichos de operação.
Essa medida é considerada particularmente para a Europa, mas seus custos de implementação
podem ser muito elevados, devido à tecnologia necessária.
9) Regras de prioridade para execução de ordens
A maioria dos ambientes de negociação migrou sua regra de execução de ordens para um sistema
onde a ordem é listada e executada usando uma prioridade baseada no preço postado e no horário
de postagem (price/time priority – PTP), onde os primeiros a chegar são os primeiros a ter seus
negócios executados (considerando a fila e o preço determinado). Este esquema favorece, portanto,
os agentes que tenham capacidade de postar suas ordens com maior velocidade, nominalmente, os
HFTs. Incentiva-se também uma corrida tecnológica na busca incessante por maior velocidade na
colocação, o que pode gerar um grande dispêndio de recursos sem necessariamente acarretar
benefícios correspondentes. A medida considerada diz respeito à alteração da regra de execução de
ordens, de modo que os HFTs não sejam beneficiados em detrimento de outros participantes do
mercado. Contudo, a regra que poderia substituir o PTP, sem causar maiores prejuízos aos mercados
ainda não é clara: por exemplo, poderia ser utilizada uma regra pro rata, um mecanismo conhecido
como spread-priority ou mesmo leilões períodos.
10) Leilões periódicos (periodic call auctions)
O emprego de leilões periódicos segue a lógica detalhada no item anterior: leilões periódicos podem
ser usados para minimizar a vantagem da velocidade dos HFTs e mitigar outras desvantagens que o
modelo contínuo de negociação pode trazer, como o emprego de estratégias de manipulação. Esses
leilões substituiriam o modelo de negócios contínuos, reduzindo a competição incessante por maior
velocidade, concentrando a liquidez em determinados períodos de tempo. Contudo, essa medida
levanta uma série de questões. Uma delas está relacionada ao risco de execução incorrido pelos
investidores: se a frequência dos leiloes não refletir as condições de mercado poderá prejudicar o
modelo de negócios dos formadores de mercado e ter um impacto significativo – e negativo – sobre a
disponibilidade de liquidez no mercado. Além disso, a proposta implica uma mudança significativa nos
modelos de operação dos ambientes de negociação, em nível global, o que pode dificultar a difusão
da medida e, assim, sua eficácia.
11) Imposto sobre transações financeiras (FTT)
Uma medida que não está diretamente relacionada ao HFT, mas que pode impactar
significativamente o modelo de negócios dos HFTs é a introdução de um imposto sobre transações
financeiras em nível europeu. A taxação de cada movimentação financeira, dependendo do modelo
adotado, pode tornar o negócio dos HFTs, comumente baseado no envio de milhares de ordens em
pequenos intervalos de tempo, muito custoso e, assim, desencorajá-lo ou mesmo extingui-lo.
Detalhes maiores requerem um estudo de impacto mais amplo, que ainda não foi desenvolvido.
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Conclusão
Com efeito, inúmeras medidas vêm sendo estudadas para garantir a integridade dos mercados e
reforçar a confiança dos agentes nos mesmos, buscando ampliar a resiliência dos algoritmos
empregados e dos ambientes de negociação (notificação de algoritmos, circuit breakers etc.), bem
como limitar a possibilidade de manipulação e abuso de mercado por parte de HFTs (política de tick
sizes, taxa de execução de ordens etc.). Além disso, algumas medidas buscam desestimular a maior
velocidade dos negócios, à medida que os benefícios de tal processo para o mercado e sociedade
são pouco claros. É importante frisar, ainda, que nenhuma das medidas é consenso: há ainda uma
ampla discussão acerca de cada uma delas. Mas a dianteira tomada pela Alemanha pode servir de
referência para determinar as opções de medida escolhidas para lidar com o HFT em outras
jurisdições, principalmente, em outros países da Europa.
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