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AUSÊNCIA DE INCLUSÃO SOCIAL ANTE A NÃO EFETIVAÇÃO
DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE
Daniela Martins MADRID
RESUMO: O presente trabalho visa estudar o direito fundamental social à saúde através de
um olhar crítico decorrente da problemática que envolve a efetivação deste direito e a sua
repercussão na questão atinente à inclusão social. Dentro do problema levantado busca-se
analisar a positivação do direito a saúde dentro da Constituição Federal de 1988, nos artigos
6º e 196. Após esta análise constata-se que não basta um direito estar positivado sem a sua
efetiva concretização, sendo que a não efetivação do direito social à saúde pode ocorrer por
inúmeros fatores tais como: corrupção e não realização de políticas públicas adequadas.
Observa-se, também, uma interconexão do direito a saúde com as demais gerações de direito
e, demonstra-se que a não efetivação do direito social a saúde acarreta infalivelmente o não
cumprimento dos outros direitos como, por exemplo, o direito a vida, a moradia, a educação
dentre outros. Dessa forma, ocorre, consequentemente, a exclusão social das pessoas
hipossuficientes, ficando estas fora da proteção do direito, não sendo respeitado, portanto, o
artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal que estabelece como um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização
para reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Palavras-chave: Direito Social a Saúde. Direito Fundamental. Efetivação de Direito.
Dignidade Humana. Inclusão Social.
INTRODUÇÃO
O interesse em abordar este tema surgiu exatamente da premissa de que não é
mais suficiente positivar direitos eleitos como fundamentais dentro do rol da Constituição
Federal de 1988.
A sociedade necessita do amparo não mais da criação de Leis, que são
constantemente promulgadas, mas sim da efetização/concretização em relação às normas que
já foram consagradas no texto constitucional.
Nesta esteira de raciocínio, tornou-se comum aos olhos das pessoas –
especialmente as desprovidas de condições financeiras e culturais – à violação ao artigo 6º da
Constituição Federal que disciplina a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
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Mestranda do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná,
Campus de Jacarezinho/PR. Professora de Metodologia do Trabalho Científico, Orientadora de Monografias do
Curso de Direito, Supervisora de Prática Profissional (Fórum Simulado), Supervisora de Monografia/TC das
Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo e advogada em Presidente Prudente/SP.
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segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados como direitos sociais.
Dentro da violação do artigo 6º da Constituição Federal - e dos inúmeros
afrontamentos enfrentados - o recorte proposto a título de estudo e de delimitação do tema é o
da necessidade de efetivação do direito à saúde, como medida de inclusão social das camadas
mais pobres da população brasileira garantindo-se, assim, um amplo acesso à saúde de
qualidade.
Além disso, é importante observar que quando o direito fundamental social à
saúde não é efetivado acaba por refletir este aspecto negativo também aos direitos de primeira
geração.
Nesta linha de raciocínio, o objetivo posto em foco é demonstrar a importância
da efetivação do direito social à saúde como forma de garantir a tutela do direito fundamental
ao mínimo existencial e a inclusão social; bem como abordar os problemas decorrentes da
simples positivação do direito social à saúde e a necessidade de tratamento igualitário entre
ricos e pobres.
O tema em discussão teve como método principal/de abordagem o método
dedutivo, uma vez que o trabalho partiu de uma visão geral constitucional sobre positivação
de direitos fundamentais para após especificar e delimitar, o alcance do objeto de estudo,
dentro da efetivação dos direitos fundamentais sociais à saúde como forma de inclusão social.
Como técnicas de pesquisa foram utilizadas, como forma de coletar e analisar
os materiais pesquisados, as seguintes: a pesquisa indireta documental (Constituição Federal
de 1988 e legislação nacional) e a pesquisa indireta bibliográfica (por meio de doutrinas,
revistas jurídicas, jornais e demais publicações científicas).
1 DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE
O direito a saúde está inserido dentro do rol dos direitos sociais previstos no
artigo 6º da Constituição Federal de 1988.
O artigo 6º da Constituição Federal estabelece que: “são direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”.
Da simples análise de mencionado artigo é possível observar que esses direitos
defendidos são imprescindíveis para a vida em sociedade sendo que, por este motivo, o artigo
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6º está elencado dentro do Título II da Constituição Federal que trata dos Direitos e Garantias
Fundamentais.
Sobre direitos fundamentais é importante destacar que:
Os direitos fundamentais configuram verdadeiras conquistas históricas da
humanidade, que após, lutas entre as classes sociais e, conseqüentemente, evolução
política, cultural, religiosa, econômica e tecnológica da sociedade política, passam a
ser incorporados a textos constitucionais que os assegurem efetivamente, no sentido
de possibilitar a plena concretização de seus conteúdos normativos (SEGATTO e
LEANDRO, 2011, p. 147)
Portanto, os direitos fundamentais são o mínimo que devem ser observados
como forma de garantir a vida digna de toda a população.
Dentro desta afirmação, verifica-se que o direito a saúde é um direito
fundamental - pois trata-se de um preceito básico/mínimo para que o povo brasileiro possa
viver de forma digna, fraterna e segura de acordo com Antonio Carlos Segatto e Leandro
Abati (2011, p. 136) - de segunda geração1, ou seja, de prestação social, no qual o Estado fica
incumbido de “um fazer” diferentemente dos direitos de primeira geração que são marcados
pela abstenção do Estado, ou melhor “um não fazer” por parte deste ente.
Prova disso é que o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 disciplina que
“a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (Grifou-se)
Nesta linha de raciocínio, é importante salientar a importância do direito social
à saúde que possui positivação nos dois dispositivos constitucionais citados acima (artigos 6º
e 196, da CF de 1988).
Isso se justifica uma vez que a finalidade dos direitos prestacionais - em
especial o direito social à saúde - é justamente garantir uma sociedade livre, justa, solidária e
igualitária, afastando as pessoas da marginalização, sendo estes os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º e incisos I a IV da Constituição
Federal de 1988.
Por este motivo, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 61) afirma que “a doutrina tem
reconhecido que entre os direitos fundamentais e a democracia se verifica uma relação de
interdependência e reciprocidade”.
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Alguns autores, como Vladimir Brega Filho (2002), defendem a utilização da palavra dimensão em substituição
a palavra geração.
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Portanto, o direito fundamental, em especial o direito social a saúde, visa
proteger a sociedade e, consequentemente, a democracia sendo que um está intrinsecamente
ligado ao outro, possuindo pontos de convergências entre si.
No entanto - assim com o será demonstrado no transcorrer do trabalho embora exista a positivação do direito fundamental social à saúde, este não vem cumprindo
com a finalidade pela qual foi criado: proteger a sociedade e garantir o direito a vida com
dignidade.
1.1 Repercussão do Direito Social à Saúde no Direito à Vida
Como mencionado acima, os direitos de primeira geração são caracterizados
por “um não fazer” por parte do Estado. Dentre os direitos de primeira geração tem-se o
direito à vida.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 foi além, passando a garantir não
apenas o direito à vida, mas acima de tudo, o direito a uma vida digna, assim como está
estabelecido no artigo 1º, inciso III.
Entretanto, é impossível garantir o direito à vida se não for garantido
primeiramente o direito à saúde. Assim nos dizeres de Mário Henrique de Oliveira Ramos
(2010, p. 336) “a saúde é fundamental à vida das criaturas, seja como pressuposto de
existência, seja na manutenção de uma real qualidade de vida”.
Seguindo ainda a idéia de mencionado autor a saúde é o núcleo do Direito à
vida, sendo que a saúde constitui a essência na natureza de um ser e é absolutamente
necessária e indispensável sendo que a saúde se entrelaça com o direito à vida. (RAMOS,
2010, p. 336)
Neste contexto, observa-se que a saúde está intrinsecamente ligada ao direito à
vida uma vez que não é possível a preservação da vida sem a garantia da saúde.
De acordo com Mário Henrique de Oliveira Ramos (2010, p. 335) “a ausência
de saúde é fator que torna a pessoa incompleta, violada em sua plenitude, um ser infeliz”
Observa-se, portanto, que há uma interligação entre os direitos de primeira e
segunda geração, uma vez que a garantia de um direito depende da realização do outro, assim
como será observado nos tópicos a seguir.
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1.2 Da não Efetivação do Direito à Saúde
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha reconhecido o direito à saúde
como um direito fundamental, verifica-se que a população brasileira não aufere uma saúde de
qualidade.
Isso porque, infelizmente, o positivismo não consegue concretizar os
mandamentos constitucionais, sendo que em outros períodos evitou abusos, entretanto,
atualmente não atende mais às demandas da sociedade atual. (FAZOLI e RÍPOLI, 2008, p.
09).
Ou seja, embora a saúde esteja positivada nos artigos 6º e 196 da Constituição
Federal - e seja fundamental para garantir o próprio direito à vida - não há a sua
efetivação/concretização mesmo diante de expressa previsão constitucional.
Isso ocorre, dentre outros motivos, por fatores ligados à corrupção crescente
que abarca o Brasil e ultrapassa as fronteiras devido à globalização e à ausência de políticas
públicas eficazes apoiadas por uma responsável distribuição de renda e de uma maior
conscientização das questões que envolvem o orçamento público
Em relação à corrupção merece destaque o estudo realizado pelo Banco
Mundial que foi publicado na Revista Veja n.º 1.491 de 14/03/2001 e disponível na obra de
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 24) que afirma que se fossem diminuídos
os níveis de corrupção pela metade diminuiriam, também, a mortalidade infantil em 51%, a
desigualdade na distribuição de renda em 54% e a porcentagem da população que vive com
menos de dois dólares por dia em 45%.
Dessa forma, se fossem reduzidos os níveis de corrupção, consequentemente
existiram mais recursos disponíveis para a área da saúde e, dessa forma, ter-se-ia o direito à
vida resguardado/protegido uma vez que seriam diminuídas as taxas de mortalidade infantil e
iriam ser reduzidas as desigualdades sociais por meio de investimentos devidos nas áreas
sociais.
Contudo, acima da própria questão da corrupção está a certeza da impunidade
o que favorece a prática de atos corruptos em desfavor do Estado e de toda a sociedade, uma
vez que a reiteração de práticas corruptas somadas à tolerância das mesmas conduzem à
institucionalização da corrupção, gerando a falsa ideia de que a coisa pública é de ninguém.
Nesta linha de raciocínio Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p.
14) afirmam que “a corrupção no ápice da pirâmide serve de fator multiplicador da corrupção
dentre aqueles que ocupam posição inferior, desestimulando-os a ter conduta diferente”.
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O resultado disso pode ser resumido em: inúmeros desvios de dinheiro público
para finalidades privadas em detrimento dos interesses públicos o que acaba por colocar em
segundo plano os direitos sociais prestacionais, dentre eles o direito a saúde.
Diante deste quadro passou a ser comum pessoas morrerem sem um
atendimento médico de qualidade, sem terem recursos no hospital em que são atendidas e sem
receberem medicamentos para um tratamento de saúde. Conseguir um leito para uma
internação está se tornando mais difícil do que ganhar na loteria.
Assim, “as leis em geral, ontologicamente voltadas ao bem-estar da
coletividade, passam a satisfazer os interesses de grupos específicos, que financiam os
parlamentares justamente com esse objetivo” (GARCIA e PACHECO, 2011, p. 11).
Destarte é possível constatar uma inversão de valores em que as leis são feitas
para não serem cumpridas. A Constituição prevê o direito a saúde e o eleva dentre o rol de
seus direitos fundamentais. Contudo, esta previsão não ganha vida ficando à mercê apenas do
papel e não da coletividade, não sendo possível falar em efetivação do direito social à saúde
muito embora este direito esteja positivado em âmbito constitucional.
Aliada à corrupção é importante destacar ainda que a ausência de efetivação do
direito social à saúde também está atrelada – conforme mencionado acima – a ausência de
políticas públicas eficazes sendo, portanto, importante destacar o posicionamento de Mário
Henrique de Oliveira Ramos (2010, p. 332) que afirma:
A implementação dos direitos sociais se dá através de políticas públicas orientadas
pelos princípios programáticos retirados do texto constitucional. Os direitos sociais
estão regulamentados, sobretudo em normas programáticas, o que exige mais que a
legislação: exige modificações sociais, econômicas, administrativas, de valores ou
de outra forma, uma evolução e distribuição do conhecimento humano.
Da análise do texto citado acima, é possível constatar que não basta ter o
reconhecimento do direito social à saúde apenas na letra da lei. É preciso, acima de tudo, criar
medidas sociais, econômicas e administrativas como forma de concretizar aquilo que está na
Lei, uma vez que não é mais suficiente positivar direitos eleitos como fundamentais dentro do
rol da Constituição Federal de 1988.
A sociedade clama por uma efetivação, uma concretização em relação àquilo
que está sendo consagrado ou prometido no texto constitucional, sobretudo em relação aos
direitos de segunda geração – da qual emergem os direitos sociais (merecendo destaque o
direito à saúde).
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Soma-se a isso a necessidade de se adotar uma política educacional como
forma de conscientizar a população de que a afronta ao patrimônio público – que está sobre a
égide do Estado – é uma afronta contra toda a sociedade.
Assim, a corrupção e a ausência de políticas públicas que efetivem os
dispositivos constitucionais (artigos 6º e 196) não são um problema que estão longe da
população e restritos apenas as manchetes dos jornais. É, acima de tudo, um mal que acomete
a sociedade e reflete-se em desfavor de toda a humanidade.
Nesta linha de raciocínio é importante destacar que: “A corrupção ameaça a
República não se resumindo no furto de dinheiro público. O corrupto impede que esse
dinheiro vá para a saúde, a educação, o transporte e assim produz morte, ignorância, crimes
em cascata.” (RIBEIRO, 2001, p. 52)
Dessa forma, a conscientização de todas as camadas sociais de que a corrupção
afeta os direitos prestacionais sociais, sendo uma afronta aos direitos fundamentais como um
todo e, o fortalecimento dos padrões éticos são fatores imprescindíveis para afastar a não
efetivação do direito social à saúde e a ausência de inclusão social.
2 AUSÊNCIA DE INCLUSÃO SOCIAL
A não efetivação do direito social à saúde acaba por gerar a exclusão social
sendo uma afronta, também, ao princípio da dignidade da pessoa humana que está previsto no
artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Sobre a dignidade da pessoa humana é importante salientar:
A dignidade da pessoa humana tem sido colocada, nos tempos atuais, como
elemento fundante e legitimador dos demais direitos e garantias fundamentais
positivados nas Constituições dos Estados modernos apresentando-se como uma
contraposição aos inúmeros massacres e violações de direitos sofridos por um povo
em determinado momento. (SEGATTO e ABATI, 2011, p. 150) (Grifou-se0
Da análise do texto citado acima é possível concluir que o princípio da
dignidade da pessoa humana se contrapõe com as violações dos direitos fundamentais, sendo
que a ofensa a um direito fundamental será sentida também pelos demais direitos, visto que
quem confere legitimidade aos direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa
humana.
Assim, o problema da não efetivação do direito social à saúde é muito mais
amplo do que parece uma vez que a pessoa além de não ter o seu direito a saúde e,
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consequentemente o seu direito à vida resguardados – conforme foi trabalhado nos tópicos
acima – não terá também a proteção dos demais direitos tidos como fundamentais como o
direito à moradia, à educação, ao lazer, a igualdade e a solidariedade dentre outros.
Neste patamar “a união e raiz comum de todos estes direitos é a dignidade da
pessoa, fator que orienta a unidade constitucional e o entendimento de todo o ordenamento
jurídico”. (RAMOS, 2010, p. 332).
Neste ponto merece destaque a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 60):
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (Grifou-se)
Desse modo, quando a Lei não é efetivada não são conferidas, às pessoas
hipossuficientes, condições existenciais mínimas para uma vida saudável e com qualidade e,
dessa forma, há a degradação aos direitos básicos destas pessoas e o total desrespeito ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
Isso porque quando o direito fundamental social à saúde não é efetivado acaba
por refletir este aspecto negativo também aos direitos de primeira geração, uma vez que se o
Estado não oferece a efetivação/o acesso à saúde, consequentemente, não estará protegendo o
direito à vida – consagrada como direito de primeira geração - e nem o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo (2008, p. 129)
constata-se que há uma interconexão entre o direito à saúde - individual ou coletiva - com os
demais direitos fundamentais e que estes direitos apresentam zonas de convergência e de
superposição (direitos e deveres) o que acaba por reforçar a tese da interdependência e mútua
conformação de todos os direitos humanos e fundamentais, ou seja, reforça-se a tese de que os
direitos de primeira, segunda e terceira geração fazem parte de um todo, pois se completam,
interagem, pensamento este que também é compartilhado por Vladimir Brega Filho (2002, p.
26).
Seguindo esta linha de raciocínio e, apoiando-se na teoria da universalidade,
Paulo Bonavides (2000, p. 517) sustenta que:
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Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três
gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e
qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova
universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da
universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no
jusnaturalismo do século XVIII. (Grifou-se)
Destarte, seguindo o entendimento do autor acima, destaca-se que as gerações
de direitos possuem áreas de convergências e de conexão entre si sendo imprescindível a
efetivação dos direitos - sobretudo o direito social à saúde - e não apenas uma abstração
destes, pois isso ocasiona a exclusão social e, consequentemente, a afronta ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Por este motivo, diante desta interconexão entre os direitos, verifica-se que a
violação do direito social à saúde afeta paralelamente os direitos das pessoas2 à devida
inclusão social por ficarem fora da proteção do Estado sem terem a devida tutela do direito
fundamental ao mínimo existencial conforme assegura Eduardo Cambi (2009, p. 437), ou
seja, essa parcela da população ficam às margens do direito, assim como bem trabalha
Fernando de Brito Alves (2010).
Isso faz com que seja afastada a eficácia dos direitos fundamentais, abrindo-se,
dessa maneira, o cenário para a injustiça social.
De acordo com Ana Paula Polacchini de Oliveira (2010, p. 56) “o
posicionamento do povo continua na margem inferior da independência que, com os pés no
chão ou mesmo de sapatos, continua contido ou marginalizado”.
Neste patamar é necessário garantir a igualdade e a inclusão social fora do
campo da abstração. Seguindo a orientação teórica de Ronald Dworkin (2005), a igualdade
seria a virtude indispensável para garantir a soberania democrática, sendo que as pessoas
deveriam ser tratadas com o mesmo respeito e consideração.
Portanto, diante da violação do direito social à saúde são afetados,
paralelamente, os direitos das pessoas hipossuficientes à devida inclusão social por ficarem
fora da proteção do Estado sem terem a devida tutela do direito fundamental ao mínimo
existencial afastando-se, assim, a eficácia dos direitos fundamentais, ocasionando, dessa
maneira, a desigualdade, a injustiça e a exclusão social.
Diante disso, verifica-se que não estão sendo observados os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º, incisos I a IV da
Constituição Federal de 1988 quais sejam: garantir uma sociedade livre, justa, solidária e
2
Em especial as hipossuficientes.
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igualitária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais, além de promover o bem de todos.
No entanto para que se possa sustentar a inclusão social da parcela
hipossuficiente da população - que necessita de atendimento digno e de qualidade na esfera da
saúde como forma de garantir a igualdade e a inclusão social – é importante observar os
ensinamentos de Eduardo Cambi (2009, p. 437) que sustenta que ao se falar em concretizar
direitos fundamentais, em países de modernidade tardia, deve-se prestigiar as prestações
fáticas para as populações mais carentes, uma vez que não se pode desconsiderar a realidade
social e econômica do país.
Dessa maneira, a tutela do direito fundamental ao mínimo existencial deverá
observar as circunstâncias concretas de cada caso para se garantir a inclusão social destas
pessoas e a verdadeira igualdade e tratamento humanitário necessário (CAMBI, 2009, p. 437).
Neste ínterim, mencionado autor coloca que: “[...] deve considerar o valor
constitucional da solidariedade (art. 3.º, I, CF), a fim de que sejam selecionados somente
aqueles que não dispõem de condições econômicas para custear o produto ou o serviço fora da
rede pública”. (CAMBI, 2009, p. 437).
Verifica-se, dessa forma, que a ausência de inclusão social da parcela
hipossuficiente encontra suas raízes dentro do próprio “esquecimento” da efetivação dos
dispositivos constitucionais tais como o artigo 6º e o artigo 196.
Todavia, mister se faz que ocorra a merecida inclusão através da efetivação do
direito social à saúde. Entretanto, deverão ser prestigiadas as pessoas mais carentes uma vez
que se este fato não for observado não será atingida a plena inclusão, sendo mais uma medida
paliativa que não atingirá os seus fins jurídicos e sociais.
Apenas dessa forma é que se poderá falar em cumprimento aos princípios: da
dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e a observação dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º , incisos I a IV, da
Constituição Federal de 1988.
CONCLUSÃO
Observa-se - de acordo com os apontamentos elencados acima - que não basta
à simples positivação do direito social à saúde nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal.
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A questão relacionada à saúde é assunto polêmico e que necessita de
efetivação/operacionalização como forma de garantir a inclusão social, à dignidade da pessoa
humana e à igualdade entre ricos e pobres.
A questão da exclusão social, diante da não efetivação da saúde pública, é
ponto manifesto, uma vez que há uma relação entre o direito à saúde e os demais direitos
fundamentais, como o direito à alimentação, à moradia, à educação, assim como fora
trabalhado nos tópicos deste trabalho.
Portanto, um direito está ligado ao outro e, a partir do momento em que um
deles não é observado, todos os demais restarão prejudicados e acarretarão na exclusão social
das pessoas hipossuficientes, além do desrespeito à dignidade humana.
Dentro desta realidade faz-se necessário criar políticas públicas eficazes e
ligadas a uma melhor distribuição de renda e a uma maior responsabilização das questões que
envolvem o orçamento público; além de se combater a corrupção que assola o país.
Para isso, precisa-se afastar a ideia da população de que o dinheiro público não
é de ninguém e partir para uma conscientização de que o dinheiro público pertence a todos e
que todos possuem o direito de ter a aplicação deste numerário dentro de obras sociais – tais
como: saúde, educação, moradia, etc – e não em benefícios de interesses privados.
É imprescindível que a população deixe a sua apatia de lado e passe a enxergar
a corrupção não como algo que não lhe atinge, mas sim como um dos fatores responsáveis
pela não inclusão social devido a não efetivação dos direitos sociais à saúde.
Diante destes apontamentos fica claro que a corrupção afronta os direitos
fundamentais, ameaça a igualdade entre as pessoas deixando cair por terra à sua dignidade.
Desse modo a população hipossuficiente acaba por viver marginalizada, fora da proteção e
das garantias que o Estado previu em seu texto constitucional.
A ameaça aos direitos fundamentais também é uma ameaça em relação a anos
e anos de lutas e conquistas históricas por um Brasil melhor. Ficar silente ante a não
efetivação dos direitos fundamentais – sobretudo o direito fundamental social à saúde – e da
exclusão social é concordar com o massacre da democracia.
Acorda Brasil! A sua hora é agora!
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ausência de inclusão social ante a não efetivação do direito