PERNAMBUCO,
VOCÊ É MEU
Jota Alcides
1
2
Jota Alcides
PERNAMBUCO,
VOCÊ É MEU
Prefácio de Marcos Vilaça
da Academia Brasileira de Letras
3
Copyright by Jota Alcides – 2005
J85p
ALCIDES, Jota
Pernambuco Você é Meu.Brasília:
Fatorama, 2005.
96 p.: il.
1. Radiodifusão 2. Programa de Rádio 3. História
da Radiodifusão, Brasil I. Título
CDU 654,195(81)
CDD 621.384.16
Capa:
Ivanilde Bruno
Fotografias:
Arcevo Aldemar Paiva
Todos os direitos reservados ao autor
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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Multimídia Aldemar Paiva, 25 anos de sucesso no rádio brasileiro
5
6
Dedicatória
Ao multimídia oitentão, criador, produtor e âncora do
fenomenal “Pernambuco Você é Meu”, show de sucesso durante
25 anos no rádio brasileiro, Aldemar Paiva, sua querida esposa,
artista plástica Angelita, seus filhos Mônica, médica, Carla,
arquiteta, Dema, engenheiro, e sua ciranda de netos: Flávia,
Conrado, Duda, Drancinho, Deminha, Artur e Adriano. Pernambuco
é de Vocês. Vocês são de Pernambuco. Com a raça genuína, a garra
combativa, o espírito de liberdade e o frevo impetuoso que inspiram
e fazem a efeverscente e gloriosa história pernambucana
incomparável na história do Brasil.
7
Ademar
com sua
Angelita
e filhos:
Dema,
Carla e
Mônica
Com sua
esposa e
a animada
ciranda
de netos
Com família
e amigos
em noite de
autógrafos
do livro
“O causo
eu conto”
8
Sumário
Apresentação .............................................................................. 11
Prefácio de Marcos Vilaça .........................................................17
01. Frenético Mundo Novo ........................................................21
02. Falando para o Mundo .........................................................27
03. Entre Dois Mundos ..............................................................35
04. Brava Terra do Frevo............................................................43
05. Pernambuco Você é Meu ......................................................53
06. Arteexpressão Cultural .........................................................63
07. Amor, Humor e Sabor ..........................................................73
08. Adeus às Ilusões Perdidas ....................................................79
09. Eterno Obelisco ao Frevo.....................................................85
Posfácio ......................................................................................91
Cronologia ..................................................................................94
Bibliografia .................................................................................95
9
10
APRESENTAÇÃO
Maior e mais democrática festa do Brasil, o
carnaval proporciona em Pernambuco, todos os anos, um
espetáculo que é admirado internacionalmente. Mais de dois
milhões de pessoas, multicoloridamente fantasiadas e
explodindo em alegria contagiante, superlotam o centro do
Recife, seguindo o Galo da Madrugada, o maior bloco
carnavalesco do mundo, com direito ao “Livro dos
Recordes”.
De câmeras em helicópteros sobrevoando a
cenográfica e histórica capital pernambucana, televisões
mostram a multidão eufórica e frenética, dançando o frevo
e fazendo o mais animado carnaval de rua do planeta. Como
está registrado em outro livro deste autor – “Comunicação
& Linguagem das Massas” – publicado em 1992, é assim
que o Recife mostra, exuberantemente, sua linguagem
recifreval.
“Quando começa o carnaval e o frevo rompe
furiosamente o ar, o Recife é uma massa expressiva e
explosiva, cheia de energia transformadora e renovadora
fluindo com intensidade. Sente-se nelsonferreiramente feliz
por ser brasileira pernambucanamente. Mexe-se toda.
“Deixa o frevo rolar”. Solta-se, levinamente, com
sentimento e fogosidade em profusão. De cabeça feita,
braços abertos e pernas pro ar, comunica-se marcando
11
passo, parafusando, dobradiçando, tesourando e gingando
voluptuosamente. Evoé Momo!.
Com seus encantos de Namorada do Brasil, o
Recife ferve, recifrevilha, efervescente, recifrevando.
Maliciosa, irreverente e espirituosamente fantasiada. De
plumas e paetês. Ou simplesmente de minissaia, short ou
biquíni, ou audaciosamente de tanga e topless. Ou qualquer
roupa. Sem preconceitos. Descobrindo as partes encobertas
e cobrindo as partes descobertas. Dando asas à imaginação. Esquece da vida a amargura e entrega-se aos sonhos
e às cores da festarola com fantastiquice. Com toneladas
de confetes, quilômetros de serpentinas. Muita água e muito
talco. Uma recifelicidade no reinado da ilusão!”.
É assim o carnaval em Pernambuco. Vem crescendo, gradativamente, desde a chegada do frevo aos
diversos segmentos da sociedade industrial e urbanizada,
deixando de ser música e dança apenas de grupos negros
da sociedade escravocrata. Principalmente depois da
Abolição da Escravatura em 1888, vem atraindo e
envolvendo, em seqüência, operários industriais, trabalhadores no comércio, funcionários públicos, profissionais
liberais, classe média e, finalmente, as elites e os intelectuais.
Vem crescendo, mais ainda, desde do início da década de
50 do século XX, quando Pernambuco experimenta
acelerado desenvolvimento do rádio e o rádio passa a dar
ampla difusão ao frevo, ritmo e dança de Pernambuco.
Expressão histórica e emblemática dessa
evolução é o programa radiofônico “Pernambuco Você é
12
Meu”, campeão nacional de audiência durante 25 anos.
Líder absoluto no Nordeste brasileiro, de 1952 a 1977, sob
o comando do versátil e engenhoso animador e produtor
artístico Aldemar Paiva, jornalista, radialista, publicitário,
escritor, cronista, dramaturgo, ator, poeta e cordelista,
precursor da homem multimídia.
Sua primeira fase, de 1952 a 1968, é nas ondas
da emissora pioneira da América Latina, Rádio Clube de
Pernambuco, no horário das 7h30 às 9h. Depois, de 1968
a 1977, sempre no mesmo horário, agitando as manhãs
brasileiras, ganha o País nas ondas do Rádio Jornal do
Commércio, emissora mais potente do Brasil que coloca,
orgulhosamente, “Pernambuco falando para o Mundo”.
Metade da existência do “Pernambuco Você é
Meu”, de 1964 a 1977, transcorre em plena ditadura militar
no Brasil, tempo de autoritarismo político, perseguições
policiais, prisões ilegais, tortura de opositores e ampla
escuridão para a liberdade de expressão. Nesses chamados
anos de chumbo, os comunicadores em geral praticam
verdadeiro malabarismo verbal e literário, por metáforas,
fábulas, alegorias, utopias e poesias, como artifício para
sobrevivência diante da censura implacável.
Prudente e moderado, consciente dos limites da
realidade, ainda mais aos sobreviventes de ideais, Aldemar
Paiva adota como política de seu programa a arte poética,
espantando os maus e baixos sentimentos. Concentra seu
programa na valorização da cultura popular, pois é também
uma época de renovação cultural e artística, com
13
movimentos que fazem história, como Beatlomania,
Tropicália, Festivais da Canção e Jovem-Guarda.
Produzido e apresentado com expressiva
qualidade artística e aparelhado tão somente para o
entretenimento sadio de seus milhares de ouvintes,
Pernambuco Você é Meu atravessa esse período escapando
das imposições discri-cionárias vigentes e até mesmo do
abominável patrulhamento ideológico, de todas as cores e
tendências, que se espalha perigosamente.
Primeiro porque tem um formato textual e
musical comprometido, quase exclusivamente, com a
cultura popular nordestina e de Pernambuco, especialmente
o frevo, criação genuinamente pernambucana. E, segundo,
porque é comandando por um prosador arguto e criativo,
capaz de gerar e pegar atalhos de linguagem para
desenvolver suas narrativas, sem comprometer o entendimento pelo público.
Muitos dos maravilhosos e divertidíssimos
“causos” e “cordéis”, que fazem parte do acervo desse
vitorioso e inesquecível programa da radiofonia brasileira,
agora estão nas páginas de Fatorama, o primeiro jornal
fast-news do Brasil, editado em Brasília desde 2001. Nele
escreve Aldemar Paiva, semanalmente, contando velhas e
novas estórias, verdadeiras pérolas de humorismo,
espirituosidade e criatividade do rico folclore e da cultura
popular que tanto caracterizam, inspiram e animam o povo
brasileiro. Agora, ao festejar seus 80 anos, merece todas as
homenagens, sobretudo dos pernambucanos.
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Este trabalho abrange variados aspectos da
história do rádio no Brasil e no Mundo, do pioneirismo de
Pernambuco na radiodifusão das Américas e da evolução
do rádio no Recife, mas seu foco central é a fenomenal
trajetória do programa “Pernambuco Você é Meu”, com
Aldemar Paiva. Mostra, avalia e explica sua vitalidade e
sua influência nos relacionamentos sociais, artísticos e
culturais do Recife. É um tributo ao âncora de uma das
maiores audiência do rádio brasileiro em sua longa história
já próxima de completar 100 anos.
Como retrospectativa assumidamente saudosista
de uma época de ouro do rádio, além de contar com indispensáveis registros históricos, vale-se o autor do esforço
de memória para reconstituição de sua percepção auditiva
e imaginativa, permitindo-se transitar entre a fantasia e a
realidade e até adotar o imagismo. Ressalta a forte
contribuição do “Pernambuco Você é Meu” para maior
valorização e popularização do frevo, marca pernambucana
inconfundível. Embora não seja biografia, traz essenciais
traços biográficos de Aldemar Paiva, uma das glórias da
radiodifusão nacional. Orgulho de Pernambuco para o
Brasil.
Meus mais sinceros agradecimentos ao ministro
e acadêmico pernam bucaníssimo Marcos Vilaça, defensor
apaixonado dos valores culturais e das mais belas tradições
populares de Pernambuco, pelo prefácio, que enriquece e
engrandece este trabalho voltado para o resgate da memória
artística de uma época de ouro do rádio de Pernambuco,
pioneiro e líder no Nordeste brasileiro. Agora, em flashback
15
desse tempo que não deve ser jamais esquecido, sintonize
imaginariamente o rádio no “Pernambuco Você é Meu” e
sinta o mundo fervendo e frevando com Aldemar Paiva.
Freneticamente! Maravilhosamente!
Jota Alcides
Brasília, junho de 2005
16
PREFÁCIO
McLuhan deixou-nos, entre outras obras primorosas
sobre a Era Eletrônica, Os meios de comunicação como
extensões do homem. Nesse estudo, destaca o envolvimento
emocional e sentimental provocado pela imagem auditiva do
rádio. Esse poder faz do rádio uma extensão do sistema nervoso
central do homem. O rádio tem papel primordial como mediador
de cada indivíduo entre a vida familiar e a vida social.
Nesse mundo fantástico, Pernambuco também tem
uma história de vanguarda marcante, aliás, sua inquestionável
vocação na formação histórica e no desenvolvimento do País.
Não apenas em pioneirismo, mas também em evolução, como
durante as décadas de 50, 60 e 70, do século passado, quando a
televisão surgiu e se expandiu nacionalmente. Pernambuco se
antecipou com produções de rádio criativas e brilhantes que
depois inspiraram os caminhos de sucesso da televisão brasileira.
Uma das grandes produções desse período é o programa
“Pernambuco Você é Meu”, apresentado pelo extraordinário
Aldemar Paiva, um comunicador nato, com toda a potencialidade
necessária à eficiente e dinâmica comu-nicação humana.
É verdade que toda produção intelectual e artística
deve ser julgada considerando-se, naturalmente, a caracterização sociológica e tecnológica de sua época. “Pernambuco Você é Meu” fez história justamente nas décadas
em que o rádio era o principal meio de comunicação com as
massas e a televisão estava apenas iniciando no Brasil.
17
Durante 25 anos, com entusiasmo e criatividade,
Aldemar Paiva construiu pelas ondas do rádio, diariamente,
uma forte relação afetiva e interativa com a sociedade do
Recife e de Pernambuco. Como está expresso no título de
sua maior obra artística, “Pernambuco Você é Meu” traduz
uma inspiração. De sentimento telúrico, de zelo cívico, de
compromisso carinhoso, de afeição assumida, de emoção
aberta e de paixão explícita.
Dos meus tempos do Recife, morando no Recife,
que permanece sendo minha cidade amada mesmo depois de
tantos anos com residência em Brasília, mantém-se
inalteráveis em minha memória algumas das principais
atrações de então do rádio de Pernambuco. Entre elas,
“Pernambuco Você é Meu”. Jamais esquecerei esse programa
de narrativa envolvente e exibidor do frevo contagiante, de
Nelson Ferreira, de Capiba e de Levino Ferreira.
Com este ensaio “Pernambuco Você é Meu”,
além de homenagear seu e nosso amigo e multimídia
Aldemar Paiva, merecidamente, resgatando e documentando uma época importante e inesquecível do rádio
nordestino e brasileiro, o jornalista Jota Alcides, cuja
formação humana, acadêmica, cultural e política tem raízes
profundas no Recife de tantas inspirações, volta a expressar,
também, seu arraigado sentimento de bem-querer a
Pernambuco, sempre ressaltando seus maiores valores e suas
mais notáveis tradições.
Tenho honra e prazer ao apresentar este nono livro
de Jota Alcides, depois de ter feito o prelúdio do seu primeiro
trabalho literário lançado há 15 anos, em 1990, sobre o poder
18
de comunicação do Padre Cícero, sacerdote mais punido e mais
venerado na América Latina, agora sob estudo do Vaticano para
sua reabilitação, esperança da maioria do povo do Nordeste.
Como em três estudos anteriores, nos quais revela formidável
capacidade de pesquisador, PRA-8-O Rádio no Brasil, Recife
Berço Brasílico e Marquês do Recife, neste reafirma e consagra
a vitalidade histórica e cultural de nossa terra.
Se o Brasil tem hoje o segundo maior e mais
moderno sistema de rádio do mundo, depois dos Estados
Unidos, é valioso o renovado lembrete de Jota Alcides
indicando que tudo começou no Recife, em 1919, pelo
engenho, talento e ousadia de Augusto Pereira, fundador do
Rádio Clube de Pernambuco e pioneiro da radiodifusão
brasileira, antecipando-se, inclusive, às transmissões
experimentais norte-americanas. Foi assim que “conquistamos um meio de unir e sensibilizar o Brasil”, no dizer
do nosso saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade.
De acordo com o que está na Teoria do Rádio, de
Brecht, “um homem que tem algo a dizer e não encontra
ouvintes está em má situação. Porém, pior os ouvintes que
não encontram quem tenha algo a dizer”.
Nessa jornada de quase um século do rádio no
Brasil, Pernambuco sempre teve o que dizer e o que ouvir.
Marcos Vilaça
da Academia Brasileira de Letras
Brasília, junho de 2005
19
Aldemar ao
microfone
do Rádio
Clube de
Pernambuco
em 1951
Na festa de
inauaguração
do Palácio
do Rádio
Oscar
Moreira
Pinto
Como
animador
da “Festa
no Varandão”,
seu primeiro
programa
no Rádio
Clube
20
I
FRENÉTICO MUNDO NOVO
(Escrito ao som da Orquestra de José Menezes e o frevo Mexe
com Tudo, de Levino Ferreira)
“Enquanto o menino dormia, de repente, o
aparelho começou a transmitir um programa de rádio
de Londres. E, no dia seguinte, para espanto de seu
hum...e de sua hum...(os meninos mais ousados
aventuraram trocar um risinho), o pequeno Reuben
acordou repetindo, palavra por palavra , uma palestra
daquele escritor antigo (um dos raros cujas obras foram
autorizadas a chegar até nós), George Bernard Shaw,
falando do seu próprio gênio”.
Depois dessa futurologia do brilhante escritor
inglês Aldous Huxley, anunciada em 1932, tudo parece
possível. De tal forma que suposta comunicação com seres
de outros mundos deixa Nova Iorque em pânico em 30 de
outubro de 1938, domingo à noite. Milhares de norteamericanos correndo de suas casas para as ruas. Outros
milhares correndo das ruas para suas casas. Seis milhões
de ouvintes estão sintonizados na Rádio CBS atentos à trupe
de Orson Welles, do programa Mercure Theatre. Dedicam
todos atenção máxima à transmissão de uma adaptação
radiofônica da peça Guerra dos Mundos, criada em 1898
pelo romancista inglês futurista George Wells.
21
De repente, entre rangidos e nervosos efeitos
especiais próprios de narrativa cinematográfica, anunciase uma assustadora invasão de marcianos à Terra. Quase
hiper-realismo. Forte impacto, grande apreensão e muito
medo, algo aterrorizante. Produz-se, imediatamente, um
tumulto generalizado, conforme consta em outro livro deste
autor sobre a história do rádio:
“Chocados e horrorizados com o fato, em
verdade uma ficção com realismo explícito, imediatamente
dois milhões de norte-amercianos foram tomados por
frenética inquietude, seguida de incontrolável pânico,
espalhando o terror para outros milhões. Welles entrou para
a história sob o protesto de Wells que viu sua obra scientificromance envolvida num evento de transe coletivo sem
precedentes”.
Sempre relembrado como lendário, extraordinário e antológico, esse episódio, que faz parte da
história como “A noite que aterrorizou a América”, mostra
e prova ao mundo, pela primeira vez, a magia e o poder do
rádio. Mas a história do rádio vem de muito antes,
exatamente um século. Caracterizada por seqüência de
descobridores persistentes e descobertas consistentes. Desde
1838, quando o físico norte-americano de Massachussets,
Samuel Morse, apresenta, soberbamente, um aparelho
chamado telégrafo, o primeiro a garantir a comunicação
entre duas pessoas à distância.
Depois disso, tudo acontece e, rapidamente, com
um avanço aprimorando outro, até o mundo ser envolvido
22
pela deslumbrante Era do Rádio: em 1844, Morse inaugura
a primeira linha telegráfica pública, entre Washington e
Baltimore; em 1850, surge o primeiro cabo submarino entre
França e Inglaterra; em 1865, o médico norte-americano
Mahion Loomis faz transmissão de mensagens através de
efeitos eletromagnéticos; em 1873, o físico inglês James
Maxwell descobre as ondas eletromagnéticas;
Em 1876, Graham Bell, físico norte-americano
de origem inglesa, inventa e anuncia o telefone; em 1887,
na Alemanha, o físico Henrich Hertz descobre as ondas de
rádio; em 1890, Edouard Branly, físico francês, apresenta à
Academia de Ciências de Paris, sua experiência com
radiocondutores; em 1892, o físico iugoslavo Nikola Tesla
inventa o transformador de alta freqüência e monta uma
produtora de ondas elétricas; em 1894, o brasileiro Landell
de Moura realiza, em São Paulo, a primeira transmissão de
mensagens através de ondas hertzianas; em 1895,
Guglielmo Marconi, em Bolonha, Itália, faz sua primeira
experiência em radiocomunicação; em 1896, Marconi
consegue, na Inglaterra, patentear sua aplicação das ondas
hertzianas tornando-se o “pai do rádio”;
Em 1904, Landell de Moura obtém, nos
Estados Unidos, a patente do seu transmissor por ondas
hertzianas; em 1906, Lee De Forest descobre a válvula
de vácuo, essencial ao desenvolvimento da radiodifusão;
em 1914, instalam-se na América e na Europa, os
primeiros clubes de rádio com objetivo de aprimorar e
expandir atividades radiofônicas; em 1919, surgem as
primeiras emissoras de radio do mundo: Radio Clube de
23
Pernambuco, primeira do Brasil e da América Latina; e
Radio PCGG de Rotterdan, pioneira na Holanda e na
Europa; e em 1920, entra no ar a Rádio KDKA de
Pittsburgh, a primeira dos Estados Unidos.
É tão acelerado o desenvolvimento inicial do
rádio que em 1926 já existem 995 emissoras em todo o
mundo, conforme o escritor e pesquisador francês Arno
Huth, em sua obra La Radiodiffusion, publicada em 1937,
em Paris. Somente na América do Sul somam-se 40
estações. Apenas quatro anos mais tarde, em 1930, 1.105
transmissoras operam nos diversos continentes. Em 1938,
quando da façanha de Orson Welles, assombrando os
Estados Unidos, o mundo todo já tem mais de duas mil
emissoras de rádio, sendo 917 norte-americanas. Com o
surgimento dos primeiros receptores transístores em 1948,
o radio ganha expansão em alta velocidade. Que
surpreende até os futuristas.
Entretanto, mesmo com todo o seu amplo
exercício de futurologia para a nova civilização científica
e tecnológica, Aldous Huxley, em seu Admirável Mundo
Novo, publicado em 1932, não consegue antecipar
progresso tão veloz para o rádio. Ele até especula sobre
o rádio como instrumento para a hipnopédia, sugerindo
que uma criança pode aprender enquanto dorme ouvindo
o rádio. Mas não chega a imaginar sua capacidade de
alcance e impacto enquanto meio de comunicação ao vivo
com as massas, nem sua fenomenal importância na
geração de novas tecnologias e no desenvolvimento dos
povos e das Nações.
24
Afinal, além do impulso à descoberta da
fotoeletricidade e da televisão, o rádio proporciona o
aparecimento e a evolução dos telefones celulares, hoje o
meio de comunicação que mais cresce no mundo, e o
fantástico progresso dos computadores, apresentando
surpreendentes e avançadíssimas tecnologias, como a
conexão wireless, revolucionárias e globalizantes.
Deve a humanidade ao rádio, portanto, muito de
suas conquistas técnico-científicas, desde as primeiras
estações transmissoras, em 1919, ao início deste Terceiro
Milênio, pelas sucessivas aplicações das ondas hertzianas
permitindo o advento de um fascinante e frenético mundo
novo. Sem limites geográficos. Sem fronteiras. Sem fio.
Admiravelmente!
25
Aldemar com
historiador
Leonardo
Dantas,
compositor
Capiba e
carnavalescos
do Clube
Galo da
Madrugada
Com maestro
Nolson
Ferreira
em programa
nos estúdios
da TV
Brasília
Como animador
e convidado
especial
em festa de
aniversário da
TV Itacolomy,
em Belo
Horizonte
26
2
FALANDO PARA O MUNDO
(Escrito ao som da Orquestra de Nelson Ferreira com o frevo dele e
de Ziul Matos, Veneza Americana, Canção Oficial do Recife)
Durante 40 anos, desde o surgimento da pioneira
PRA-8-Rádio Clube de Pernambuco, em 06 de abril de
1919, no Recife, o rádio exerce domínio absoluto na
comunicação com as massas no Brasil. Esse domínio tornase mais forte a partir da inauguração da PRE-8-Radio
Nacional do Rio, em 12 de setembro de 1936. Com suas
poderosas ondas, a Rádio Nacional alcança, efetivamente,
todo o território brasileiro. E o rádio sai da improvisação
total, passa a ter organização em sua administração e
qualificação em sua programação. Pernambuco permanece
dando orgulho ao Brasil pelo seu pioneirismo com o Rádio
Clube de Pernambuco que, em 1952, é incorporada aos
Diários Associados.
Depois de 30 anos reinando absoluto sobre as massas
de ouvintes brasileiros, o rádio sofre forte impacto, no Sul,
com a inauguração da TV Tupi de São Paulo, primeira
televisão do Brasil e da América Latina, em 18 de setembro
de 1950, pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand.
É dele, também, a TV Tupi do Rio de Janeiro, colocada no
ar em 20 de janeiro de 1951. No Nordeste, semelhante
27
impacto ocorre um pouco mais tarde, dez anos depois,
precisamente em 04 de junho de 1960, com a inauguração
da TV Rádio Clube de Pernambuco, seguida da TV Jornal
do Commércio, em 18 de junho de 1960. Pernambuco
ganha, assim, de uma só vez, duas televisões, as primeiras
em todo o Nordeste brasileiro.
Dessa forma, o domínio absoluto do rádio no
Nordeste estende-se por 40 anos, de 1919 a 1959. Nesse
período, o Recife concentra o maior número de emissoras
e as mais potentes da região: Rádio Clube (1919), Rádio
Jornal do Commércio (1948), Rádio Tamandaré (1951),
Rádio Olinda (1952), Rádio Mundial (1958) e Rádio
Continental (1958). Em apenas uma década, de 1949 a
1959, Pernambuco torna-se o mais desenvolvido centro
de radiodifusão do Nordeste, com seis emissoras
operando na capital e oito no interior do Estado: Rádio
Difusora de Caruaru (1951), Rádio Difusora de
Garanhuns (1951), Rádio Difusora de Limoeiro (1952),
Rádio Difusora de Pesqueira (1952), Rádio Cultura de
Caruaru (1958), Rádio Planalto do Carpina (1958),
Rádio Bitury de Belo Jardim (1958) e Rádio Pajeú de
Afogados da Ingazeiras (1959).
Enquanto a exploração do rádio ainda está começando na maioria dos Estados da região, seu progresso em
Pernambuco reflete, estimula, acelera e promove o
desenvolvimento geral de Pernambuco. Como sustenta
Nelly de Camargo, pesquisadora da Universidade de São
Paulo, “os meios de comunicação representam importante
agência de desenvolvimento de vez que introduzem padrões
28
de comportamento, desenvolvem motivações e criam
expectativas ideais de atuação e de modos de vida”. No
caso de Pernambuco, o progresso do rádio, em suas
primeiras décadas de evolução e massificação, tem ligação
direta com o desenvolvimento social, econômico e cultural,
promovendo os valores do Estado no cenário do Nordeste
e do País.
Marco histórico dessa estratégia desenvolvimentista
adotada por Pernambuco, com muito sucesso, fixa-se em
03 de julho de 1948, com a presença do presidente da
República, Eurico Gaspar Dutra. É o dia da inauguração
do possante Rádio Jornal do Commércio-PRL-6, fundado
pelo empresário F. Pessoa de Queiroz, dono do Jornal do
Commércio, um dos mais importantes do Brasil, em
circulação no Recife desde 03 de abril de 1919.
Embora nascido na Paraíba, Pessoa de Queiroz,
empresário ousado, austero e exigente, considera-se
pernambucano, pensa e age como pernambucano, tem
sentimento e vibração de pernambucano, parece mais
pernambucano do que muitos pernambucanos e, como
senador, torna-se líder político pernambucano no cenário
nacional. Suas vibrantes realizações são, na própria
definição dele, “uma obra pernambucana, uma esforço
pernambucano, uma glória pernambucana”.
Desse seu sentimento, nasce o portentoso e
consagrado slogan criado especialmente para o Rádio Jornal
do Commércio, justificando o alcance internacional de suas
poderosas ondas curtas: “Pernambuco falando para o
29
Mundo”. Exibe alta qualidade técnica e direcionamento
transnacional. Apresenta-se identificando-se com seus
prefixos em várias línguas, transmitindo programas
destinados aos povos de várias Nações e levando as
tradições de Pernambuco para diversas partes do mundo.
Mais do que apenas marketing, é uma verdade explícita na
publicação oficial de inauguração da segunda emissora de
Pernambuco:
“O Rádio Jornal do Commércio, de Pernambuco,
é, no seu conjunto, a mais potente, a mais
aperfeiçoada, a mais luxuosa e mais completa
estação de broadcasting das Américas do Sul e
Central. É a única estação que dispôe de oito
transmissores com os dispositivos mencionados: 1
de Ondas Curtas, de 10 kilowatts; 1 transmissor
auxiliar de 5 kilowatts; e 2 de Ondas Curtas, de 25
kilowatts, quando operam em radiotelegrafia, e de
16 kilowatts, quando operam em radiofonia. Esses
dois transmissores possuem antenas dirigidas para
o Norte e para o Sul, atuando no éter com uma
potência real de 100 kilowatts em radiotelegrafia e
de 64 kilowatts em radiofonia. Cobre, portanto,
integralmente o Brasil, de preferência em ondas
curtas e médias, propagando-se pelos outros
continentes”.
É a única emissora das Américas do Sul e Central
com oito torres todas iluminadas automaticamente por meio
de células fotoelétricas e a única com oito freqüências,
usadas de acordo com as estações climáticas a fim de evitar
30
prejuízos em suas transmissões. Sem dúvida, é mesmo
“Pernambuco falando para o Mundo”.
Além de refletir a forte personalidade do seu criador
F. Pessoa de Queiroz, empreendedor infatigável e idealista
imperturbável, sem nunca temer obstáculos, sempre
pensando grande, confiante no êxito dos seus projetos, o
forte slogan do Rádio Jornal do Commércio passa a
expressar a altivez de Pernambuco. Causa curiosidade,
espanto e até certas ironias entre críticos do Sul, mas, na
verdade, traduz o elevado grau de auto-estima do povo
pernambucano, orgulhoso de sua força histórica, do seu
potencial político, de sua capacidade criadora, de sua
influência cultural no País e de sua credibilidade no cenário
internacional: “Pernambuco falando para o Mundo”.
Coincidentemente, os principais empresários
responsáveis por esse desenvolvimento do rádio em
Pernambuco e pelo histórico pioneirismo da televisão no
Nordeste, a partir do Recife, são dois paraibanos e da mesma
cidade, Umbuzeiro: Assis Chateaubriand e F. Pessoa de
Queiroz. Criativos, competitivos, destemidos, perseverantes, determinados, obstinados, sonhadores, realizadores
e vibrantes pernambucanizados, seus empreendimentos
passam a prestar inestimáveis serviços ao progresso social,
artístico, cultural, político e econômico de Pernambuco.
Ao lado da briosa gente de Pernambuco, natural de
Pernambuco, dotada de incomparável capacidade criativa
e produtiva, especialmente revolucionária e transformadora,
Assis Chateaubriand e F. Pessoa de Queiroz firmam-se como
31
expressões de grandeza nacional da valorosa gente de outros
Estados do Nordeste acolhida, preparada, estimulada e
lançada em Pernambuco com o mesmo insuperável
sentimento pernambucano de servir ao progresso abrangente
da Pátria. Como lembra Gilberto Freyre, desde o início de
sua rica e palpitante história, o Recife tem-se extremado
em dar grandes valores, sobretudo intelectuais, ao Brasil:
“Aliado a Sergipe, o Recife dá ao Brasil Tobias
Barreto, Sílvio Romero, Gilberto Amado, Aníbal
Freire; aliado ao Ceará, dá ao Brasil José de Alencar,
Franklim Távora, Clóvis Beviláqua, Delmiro
Gouveia; aliado a Alagoas, dá ao Brasil, além de
Jorge Lima, de Essa Nega Fulô, Pontes de Miranda,
o maior jurista-sociólogo brasileiro desde Teixeira
de Freitas, o genial baiano; aliado ao Pará, dá ao
Brasil, Inglês de Souza; aliado ao Maranhão, dá ao
Brasil Graça Aranha; aliado à Paraíba, dá ao Brasil,
primeiro Augusto dos Anjos, depois Odilon Nestor,
José Américo de Almeida, Assis Chateaubriand e
José Lins do Rego; aliado à Bahia, dá ao Brasil
Castro Alves, como já dera Nabuco de Araújo; aliado
ao Rio Grande do Norte, produz, além da internacional Nísia Floresta, o mestre de estudos
folclóricos e antropológicos Luis da Câmara
Cascudo e também, em dias mais recentes, Nilo
Pereira e Sileno Ribeiro; aliado à Paraiba dá ao
Brasil, além do admirável Ariano Suassuna, tão
renovador da arte de teatro quanto de ficção, o
também admirável Celso Furtado, renovador dos
estudos de economia do Brasil”.
32
Diante de tão formidável estoque intelectual, Gilberto
Freyre ressalta que, “o Recife é a cidade de homens e de
instituições dos quais ninguém consegue separar a história,
a vivência, a constância, o futuro da cultura brasileira”.
Como isso é verdade insofismável, por fidelidade histórica,
justiça cívica, reconhecimento público e merecimento
conquistado, deve-se acrescentar ao elenco nobre de
Gilberto Freyre, de renomados valores brasileiros formados
e lapidados em Pernambuco e projetados a partir de
Pernambuco, portanto pernambucanizados, um nome de
grandeza, valor, prestígio e aplauso, porquanto talentoso,
inovador e arrojado, dado pelo Recife ao Brasil: Aldemar
Buarque de Paiva. Ou, mais sonoramente, como consagrado
popularmente, em Pernambuco e até além-fronteiras do
Brasil, Aldemar Paiva.
33
Aldemar Paiva
com o
Governador
de Pernambuco
e seu amigo
Jarbas
Vasconcelos
Ao ser
homenageado
com o Mérito
da Fundação
Joaquim
Nabuco
Com veteranos
do rádio
pernambucano:
Expedito
Baracho,
Henrique Annes,
Claudionor
Gernamo e
Lelino Manzela
34
3
DOIS MUNDOS PARALELOS
(Escrito ao som da Banda do 20º Batalhão de Caçadores do Exército,
em Alagoas, com Pajuçara, de Aldemar Paiva, hino sentimental de Maceió)
Um é consagrado entre os maiores conhecedores da
Língua Portuguesa. O outro está entre os melhores ensaístas
do Brasil. São dois festejados expoentes de um clã
importantíssimo da cultura brasileira: Aurélio Buarque de
Holanda, crítico, ensaísta, filólogo, professor e lexicógrafo,
autor de Dois Mundos (1942), Mar de Histórias (1945)
Território Lírico(1958) e do Novo Dicionário da Língua
Portuguesa (1975), tradutor de Baudelaire e Oscar Wilde,
membro da Academia Brasileira de Letras; e Sérgio Buarque
de Holanda, sociólogo, historiador, jornalista, professor da
antiga Universidade do Distrito Federal (Rio), da
Universidade de São Paulo, da Universidade de Roma,
adido cultural na Itália, crítico literário, autor de Raízes do
Brasil (1936), Cobra de Vidro (1944), Caminhos e
Fronteiras (1957) e Visão do Paraíso (1959). São dois
referenciais de afirmação e projeção da inteligência,
criatividade e luminosidade da cultura brasileira.
Descendente desse clã, aplaudido no Brasil inteiro e
no exterior, é Chico Buarque de Holanda, cantor,
compositor, teatrólogo, dramaturgo, escritor, astro da maior
grandeza na constelação artística musical brasileira, o
35
criador de A Banda. Filho de Sérgio Buarque de Holanda.
Do mesmo clã, igualmente, e famoso sobretudo no Nordeste
brasileiro, mas também conhecido no Sul do Brasil, é
Aldemar Buarque de Paiva, compositor, radialista,
jornalista, apresentador de rádio e televisão, folclorista e
cordelista. Filho de Mário Fortunato de Paiva e Maria Luiza
Buarque de Holanda Paiva, prima legítima de Sérgio e
Aurélio Buarque de Holanda.
Como Aurélio Buarque de Holanda, Aldemar
Paiva é natural das Alagoas. Nascido em 20 de julho de
1925. Nas Alagoas dos grandes marechais Deodoro da
Fonseca e Floriano Peixoto. Da heroína contra os
holandeses, Clara Camarão. Do jurista que honra o
Direito brasileiro, Pontes de Miranda. Do poeta lírico
Jorge de Lima, autor de Invenção de Orfeu (1952). Do
neo-realista do modernismo, Graciliano Ramos, mestre
Graça, de Vidas Secas (1938), da cachorra Baleia.
Alagoas das lagoas Manguaba e Mundaú. Da bela
Maceió de lindas praias e águas mornas em piscinas
naturais: Pajuçara, Jatiúca, Ponta Verde, Sete Coqueiros,
Garça Torta, Gogó da Ema.
Em Maceió, Aldemar Paiva vive infância e adolescência discretas. Cursa o primário e o ginasial no Colégio
Diocesano, dirigido pelos Irmãos Maristas. Férias e
feriados, passa nos engenhos e fazendas da família em
Porto Calvo, Matriz do Camaragibe, São Miguel dos
Milagres, Porto de Pedras e Porto da Rua. E aproveita,
também, quando pode, o paraíso das águas que é o litoral
alagoano.
36
Jovem estudante, tem despertada sua vocação para
a poesia e para o teatro. Começa a escrever peças que
são representadas pelos alunos do colégio. Fica logo
conhecido por suas emboladas, que ele define como
gênero poético-cantado e gaiato do Nordeste, mexendo
com os próprios colegas. Dessa fase, Aldemar Paiva
nunca esquece o primeiro momento emocionante
revelador do seu espírito patriótico ao desfilar com a
farda de gala do Colégio Diocesano na parada festiva do
Dia da Independência do Brasil.
Com vibração juvenil, ao lado do jornalista L.
Lavenère, da educadora Linda Mascarenhas e do inseparável colega e amigo Nelson Porto, Aldemar Paiva funda o
Teatro de Amadores de Maceió. Estréia com a comédia de
Paulo Magalhães – A Cigana me enganou – por sugestão
de Waldemar de Oliveira, diretor do Teatro de Amadores
de Pernambuco. “No elenco de nossa estréia figuram
Nelson Porto, Norma Cabral, Eunice Pontes, Eva Bezerra,
Décio Barbosa e eu, ganhando popularidade como galã e
comediante. Cenário de Lourenço Peixoto e montagem de
Amadeu Barso”. Sob a direção de Lima Filho, o TAM
apresenta peças originais do Brasil e do exterior bastante
aplaudidas no Teatro Deodoro. Seus espetáculos animam,
agitam e elevam a vida cultural de Maceió.
É uma época de grande envolvimento de Aldemar
Paiva com grupos teatrais e musicais, sob a influência dos
conjuntos vocais de sucesso Brasil afora, como Anjos do
Inferno, Bando da Lua, Garotos da Lua, Namorados da
Lua, Trio Nagô, Demônios da Garôa, Vocalistas Tropicais,
37
Os Cariocas, Trio de Ouro, etc. Enquanto estuda e trabalha
como desenhista no DVOP-Departamento de Viação e
Obras Públicas do Estado, escreve uma peça teatral
intitulada “Obrigado, Dr.!”. Amplia-se sua popularidade
ao ser representada no Teatro Deodoro por conceituado
grupo de atores da Cia. de Comédias Mesquitinha e Evilásio
Marçal. Uma verdadeira consagração, para ele, inesquecível.
E o rádio, como aparece na vida de Aldemar Paiva?
Ele sintoniza, mais freqüentemente, a PRI-4 Rádio Tabajara
de João Pessoa, por causa das audições espetaculares da
orquestra do pernambucano Severino Araújo. Somente
durante o carnaval prefere a Rádio Clube de Pernambuco e
se entusiasma com os frevos dos magistrais Nelson Ferreira
e Lourenço Capiba aos quais, mais adiante, se agrega como
parceiro compositor.
Dedica atenção, também, aos programas de maior
sucesso, transmitidos para todo o Brasil pela Rádio Nacional
do Rio de Janeiro. Dessa época, os cantores prediletos do
público – Orlando Silva, Sílvio Caldas, Vicente Celestino,
Emilinha Borba e Carlos Galhardo – são todos exclusivos
da Rádio Nacional. Outros famosos do rádio são aplaudidos
no País inteiro: Francisco Alves, Lamartine Babo, Noel
Rosa, Alzirinha Camargo, Augusto Calheiros, Noel Rosa,
Pixinguinha, Odete Amaral, Ciro Monteiro, Celso
Guimarães, Araci de Almeida, Linda e Dircinha Batista,
Aurora e Carmem Miranda, entre tantos outros. Grandes
valores do rádio viram celebridades, como Renato Murce,
Ademar Casé e César Ladeira.
38
Quase isolado em Maceió, pela falta de uma
estação de rádio nas Alagoas, Aldemar Paiva acompanha
impaciente e ansioso a evolução do rádio no Recife, no
Rio e São Paulo. Sua maior atenção está voltada para os
programas musicais e humorísticos. Delicia-se com
programas de duplas caipiras, como o de Jararaca &
Ratinho, “sempre às quartas-feiras às 21 horas, sob o
patrocínio dos produtos Eucalol”. Depois, de fã incondicional, torna-se amigo da dupla mais festejada do
Brasil.
Com vocação e talento naturais despertados para artes
cênicas, sua grande frustração, porém, é a inexistência de
uma emissora de rádio na capital alagoana. “Aos anos 30/
40, alguns sonhadores em botar Alagoas nas ondas
hertzianas, fazem experiências inválidas e até investem em
projetos de serviços de alto-falantes...Tudo tristemente
concluído em fracasso. Único Estado sem emissora de
rádio, Alagoas ganha um slogan pejorativo: A Zona Muda
do Brasil”, lembra.
Conforme seus registros, uma visita do Presidente
da República estimula dois amantes da radiofonia em
Alagoas: Luiz Gonzaga e Jaques Mesquita. Eles obtém
permissão para transferir o Serviço de Rádio da Polícia
Militar para o Palácio do Governo. E, assim, irradiam,
pela primeira vez, uma solenidade em Maceió. Mas,
conta Aldemar Paiva, na ausência de um locutor
tarimbado, o narrador de então comete duas grandes
gafes que passam a fazer parte do anedotário radiofônico.
39
“Primeiro, quando o presidente da República,
acompanhado dos ministros da Justiça e da
Educação, adentraram pelos jardins do Palácio dos
Martírios, ele anuncia: - Senhoras e Senhores...Sua
Excelência, o Senhor Presidente da República está se
dirigindo para as escadarias do Palácio...com dois
membros de fora! Em seguida, ao término do almoço,
oferecido pelas autoridades da Capital e do Estado,
outra barbaridade: - Senhoras e Senhoras...Acabaram
de comer agora mesmo a mulher do Prefeito e a
mulher do Delegado...”
Finalmente, em 16 de setembro de 1948, data
comemorativa da emancipação política de Alagoas, realizase o seu primeiro grande sonho: inaugura-se, festivamente,
a ZYO-4, Rádio Difusora de Alagoas, uma obra importante
do Governo Silvestre Péricles de Góis Monteiro. Pioneira
emissora alagoana começa a funcionar sob a direção geral
do musicista e emérito educador Mário Marroquim e direção
técnica de Luiz Gonzaga. Seu diretor administrativo é
Francisco Marroquim, irmão do correspondente de guerra
Murilo Marroquim e do Secretário de Redação do Jornal
do Commércio, no Recife, Esmaragdo Marroquim.
Diretor artístico e de programação da novíssima
estação das Alagoas, Aldemar Paiva, orgulhosamente, cria,
para marcar a inauguração da nova emissora, a música
Pajuçara, cantada por Leurenir, com a Banda do 20º
Batallhão de Caçadores do Exército, em Alagoas, sob a
regência do maestro Manoel Passinha, e transformada em
hino sentimental de Maceió. “Guardo até hoje a felicidade
40
me dada por Deus de ter sido a primeira pessoa a falar ao
microfone da Rádio Difusora, acabando, a partir daí, com
a frustração de Alagoas como Zona Muda do Brasil”.
Com criatividade, dedicação e arrebatamento, Aldemar
Paiva coordena uma equipe interessada e vibrante fazendo a
ZYO-4 brilhar e crescer no conceito dos alagoanos:
“Conquistamos o sucesso com uma programação
eclética: novelas, humorísticos, shows, programas de
auditório, radiojornalismo, entrevistas, trasmissões
externas, tudo dentro do nosso condicionamento de
emissora do Governo. Entre nossas principais
atrações: “Dona Pinóia e seus Brotinhos”, uma
escolinha da pá virada, Crônica do Poeta Armando
Wucherer e outra minha intitulada “Palavras para
Você”. Contamos com o apoio dos músicos da Banda
da Polícia Militar de Alagoas, sob a regência do
maestro Nicácio e criamos o famoso “Regional dos
Professores”, com a participação de dois mestres do
violão, Reynaldo Costa e Juracy Alves”.
Desse tempo, estão nas recordações de Aldemar Paiva
alguns nomes do cast pioneiro da radiofonia alagoana: “Zezé
de Almeida, Cláudius Jucá, Otávio Braga, Setton Neto,
Marlene Silva, Odete Pacheco, Haroldo Miranda, Ezequias
Alves, Alberico Bruno, Renan e Rainou Carvalho, Luzinete
Rios, Nilda Neves, Sinay Mesquita, Jair Amaral, Lima Filho,
Jesualdo Ribeiro, Meira Bastos, Sandoval Caju, Hercílio
Marques, Ivo Braga, Ascendino Santos, Altair Costa, Eunice
Pontes, Florêncio Teixeira, Rosalvo Costa, Alcides Teixeira,
41
Homero Malta, Antonio Paurílio, José Renato, Luiz Torjal,
Jota Prezado, Clemente Aleluia, Cláudio Alencar, Edécio
Lopes, um senhor cast”.
Com esses valores artísticos, em pouco tempo, a
Radio Difusora de Alagoas, funcionando em sua fase inicial,
em uma escola pública infantil na Avenida Pedro Góis
Monteiro, “transforma-se num monumento de alegria e
cultura”, apesar das precárias instalações e das enormes
dificuldades que exigiam de todos, algo mais além do
diletantismo, segundo Aldemar Paiva: “Pelo amor à arte e
ao rádio convertem aquela pequena oficina de criação num
legado de crença na fibra do povo alagoano”.
Assim permanece Aldemar Paiva, criando e produzindo na Rádio Difusora de Alagoas, aprimorando-se
profissionalmente, ganhando popularidade e acumulando
prestígio, até 1951, quando deixa Maceió e parte para novos
e fascinantes desafios no desenvolvido rádio do Recife,
Capital do Nordeste. Confiante na conquista do sucesso em
Pernambuco, deixa sua querida Alagoas, historicamente até
1817 terra pernambucana.
Provavelmente por isso, desde a origem, ele se revela
tão pernambucano. Vivente e sobrevivente entre dois mundos
que atraem, consomem e encerram sua afeição. Sem perder
nem abandonar suas raízes alagoanas da infância e juventude,
cultivadas carinhosamente ao longo do tempo, sempre parece
sentir-se mais forte e seguro em suas profundas e robustas
raízes pernambucanas de mais de meio século. Faz parte de
suas vidas paralelas, como na obra de Plutarco.
42
4
BRAVA TERRA DO FREVO
(Escrito ao som da Orquestra de Nelson Ferreira com seu frevo
Gostosinho)
Quando desembarca em Pernambuco, em 29 de junho
de 1951, Aldemar Paiva fica encantado com a beleza do
Recife, cortado pelo rio Capibaribe e interligado por
majestosas pontes, algumas ainda do tempo holandês de
Mauricío de Nassau. Metrópole do Nordeste, já com 500
mil habitantes, o Recife é, como até hoje, o pulsante centro
cultural e econômico da região.
Então, em 1951, o mundo está de olho na guerra da
Coréia. Papa é Pio XII (Eugênio Pacelli). Presidente dos
Estados Unidos é Harry Truman. Presidente da União
Soviética é Joseph Stalin. Entre as duas maiores potências
do mundo, começa a “guerra fria”. Presidente do Brasil é
Getúlio Vargas. Governador de Pernambuco é Agamenon
Magalhães. Tempo de forte nacionalismo. Do “petróleo é
nosso”. Da criação da Petrobrás. Ano de lançamento do
antológico frevo Ultimo Dia, de Levino Ferreira, um dos
maiores compositores de todos os tempos do carnaval do
Recife.
De todos os tempos, desde a segunda metade do
século XIX, quando grupos de capoeiristas começam a
43
demonstrar sua complicada coreografia e seu gingado
estonteante nos desfiles das bandas de música militares
rivais O Quarto, do 4º Batalhão de Infantaria, e Espanha,
da Guarda Nacional, e surgem as primeiras fanfarras, como
consta da Pequena História da Música Popular, de José
Ramos Tinhorão:
“Assim, quando a partir da década de 1880 a música
de rua do Recife passou a ser fornecida não mais exclusivamente por bandas militares, mas por fanfarras a serviço de
grupos de humildes trabalhadores urbanos(caiadores,
carvoeiros, ferreiros, vasculhadores, espanadores, talhadores,
ciscadores, abanadores), o espírito de criação espontânea de
figuras sempre renovadas, na dança, estendeu-se também aos
músicos, que não mais precisavam prender-se as dobrados e
hinos marciais”.
Deslumbrado com o espírito cosmopolita e festeiro
do Recife, Aldemar Paiva entrega-se de corpo, alma e
mente ao ritmo da Capital do Frevo, onde se faz o maior
carnaval de rua do mundo. Fora de Pernambuco, ninguém
faz idéia do que é “o povo solto nas ruas do Recife, após
a declaração irreversível do carnaval” como afirma,
saudosa-mente, recordando seus tempos de adolescência
e juventude, o formidável e irônico cronista pernambucano Antonio Maria, autor da paródia “Ninguém me
ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire”. Já famoso no Rio, Antonio Maria não esquece o
carnaval do seu tempo no Recife, agora um deslumbramento para Aldemar Paiva:
44
“Faziam parte da corte imperial mulheres
morenas que suavam, em bolinhas, na boca e no nariz.
Mulheres de olhos ansiosos, presas de todos os
atavismos de religião e de dor, a dançar a mais
verdadeira de todas as danças - o frevo. Ah, de nada
serviam suas heranças de submissão porque o
despontar do carnaval era um grito de alforria. E seus
corpos, seus braços, seus pés, teriam sido repentinamente descobertos assim que os clarins do “Batutas
de São José” romperam o silêncio a que os humildes
eram obrigados. Tão louca e tão bela aquela dança!
Uma verdade maior que as verdades ditas ou escritas
saia dos seus quadris, até então bem comportados”.
Igualmente ao extraordinário Antonio Maria, com sua
aguda sensibilidade artística, voltada especialmente para o
rádio, para a poesia e para a música, Aldemar Paiva apaixonase pelo frevo. Verdadeiramente. Intensamente. Torna-se um
dos seus maiores defensores e propagandistas. E como
apologista do frevo, tem sua história pessoal enriquecida:
“O frevo passa a existir em minha vida como o sangue que
corre em minhas veias. Dá novas palpitações ao meu coração
e se transforma em inspiração de minha alma poética. Minha
vida ganha outro ritmo, o ritmo do frevo”.
Sem dúvida, Aldemar Paiva tem o frevo incorporado ao seu sutil magnetismo pessoal. Com biotipo
francamente inadequado para a impetuosidade fervente
do frevo, seu físico avantajado parece mais apropriado
ao ritmo musical lento e romântico de Ray Conniff, Glenn
Miller, Billy Vaugn ou Paul Mauriat. De espírito sereno,
45
fleumático, quase contemplativo, embora sempre
descontraído e animado, e, finalmente, assumido folião
preferencial de camarote, Aldemar Paiva, de temperamento expansivo e afável, supera todas as idiossincrasias e se inicia como animador cultural de Pernambuco, como Cidadão do Frevo.
De acordo com seu conterrâneo e parente Aurélio
Buarque de Holanda, o maior dicionarista brasileiro, frevo é
“dança carnavalesca de rua e de salão, essencialmente rítmica,
em compasso binário e andamento mais rápido que o da
marchinha carioca e no qual os dançarinos(passistas) executam
coreografia individual, improvisada e frenética”. É música do
carnaval do Recife, de ritmo agitado e impetuoso, envolvendo
milhares de participantes vestidos com fantasias típicas e agitando
no ar pequenos guarda-chuvas coloridos, em bela e originalíssima
coreografia com ágil movimento de braços e de pernas que se
agitam, dobram e se estiram freneticamente.
“Frevo é Carnaval. Carnaval é participação”.
Palavras do maestro Nelson Ferreira, respeitado catedrático
do frevo. “Frevo é euforia popular”, expressão do magistral
compositor Lourenço Capiba. Definições desses dois ícones
históricos do carnaval de Pernambuco caracterizam o frevo
como dança e música populares entre os pernambucanos.
Mas sua popularização somente acontece depois que a
sociedade urbana brasileira começa a assimilar, aceitar e
assumir costumes e hábitos de raízes negras. Sim, porque,
como o samba, marca musical do Rio de Janeiro, e o axé,
marca da Bahia, o frevo, marca de Pernambuco, também é
originário da cultura negra.
46
É nessa terra brava de história e de frevo que
Aldemar Paiva começa sua nova e trepidante vida artística.
Chega ao Recife convidado pelo diretor do Rádio Clube
de Pernambuco, Arnaldo Moreira Pinto, por meio do
radialista e publicitário alagoano José Renato, fundador
da Agência Norte, primeira agência publicitária do Recife.
Sua chegada faz parte do esforço do Rádio Clube na
competição com o novo e forte Rádio Jornal do
Commércio. Sua primeira missão é substituir o humorista
Chico Anysio, então deixando o Recife para tentar o
sucesso no Rio, como consta de Memória do Rádio, de
Luiz Maranhão Filho.
“Das Alagoas, a emissora recebeu um dos valores
que haveria de se destacar no seu prefixo e aí permanecer
por longo tempo a batalhar como o entusiasmo de um
apaixonado. O locutor Aldemar Paiva vinha de uma direção
artística na Rádio Difusora de Alagoas, emissora oficial.
Trazia consigo uma boa atriz, Vilma Campos, algumas
idéias razoáveis e muita vontade de vencer. Ele e Chico
Anysio se entenderam muito bem”.
Já considerado talentoso humorista, Chico Anysio
está indo para o Rio em busca de espaço na Rádio
Nacional e ou na Rádio Mayrink Veiga, onde atuam os
principais ídolos do rádio no País. Uma das maiores
audiências é o Programa César de Alencar, cuja abertura
musical é um convite aos ouvintes: “Esta canção nasceu
pra quem quiser cantar. Canta você, cantamos nós, até
cansar...”. Outra grande atração é o Programa PRK-30,
humorístico.
47
Fazem sucesso no Rio e no País os programas
Curiosidades Musicais, Um Milhão de Melodias, Cavalgada da Alegria, Fantasias Sonoras, Romance Musical...É
tempo das duplas caipiras Jararaca & Ratinho, Alvarenga
& Ranchinho. É tempo do Rei da Voz, Chico Alves, o mais
popular cantor brasileiro até os anos 50. É tempo de
Marlene, de Emilinha Borba, de Isaurinha Garcia, das
cantoras do rádio:
“Nós somos as cantoras do rádio,
Levamos a vida a cantar.
De noite embalamos teus sonhos,
De manhã nós vamos te acordar.
Nós somos as cantoras do rádio.
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço
Corações de Norte a Sul”.
Para profissionais de rádio do Nordeste é a glória
máxima trabalhar no Palácio do Rádio Oscar Moreira
Pinto, na avenida Cruz Cabugá, centro do Recife, então o
templo de “monstros sagrados” da radiofonia de
Pernambuco, com prestígio nacional. Eis alguns deles
dessa época memorável: Nelson Ferreira, compositor,
maestro, orquestrador e produtor de programas de sucesso,
como Hora Azul das Senhorinhas, e grandes musicais;
Waldemar de Oliveira, autor da Crônica Meio-Dia; Abílio
Leôncio de Castro, professor de português e primeiro
locutor de rádio da América Latina; Mário Libânio, autor
e diretor da célebre Oração da Ave Maria, apresentada
48
diariamente às 18 horas; José Uchoa, primeiro locutor
eclesiástico do Brasil; e Luiz de Albuquerque Maranhão,
diretor de rádio-teatro.
É grande a constelação de astros e estrelas do radio
pernambucano, entre numerosos músicos, cantores,
compositores, produtores, redatores, locutores, apresentadores, noticiaristas, novelistas e humoristas: maestro
Felipe Caparrós e sua mulher, soprano, Júlia Caparrós,
Ziul Matos, Levino Ferreira, James de Morais, Auci
Medeiros, Zé do Carmo, Benedito Santos, Mário Reis,
Torres Filho, Rossini Ferreira, Irmãs Parísio (Alaíde,
Salomé e Maria), Vicente Cunha, Moura Júnior, Clóvis
Neves, Jota Austregésilo, Fernando Silveira, Nilo Pereira,
Chico Anysio, Telga de Araújo, Luiza Bandeira, Antonio
Maria, Almir Távora, Severino Revorêdo, Laudenor e
Itamar Pereira, Maria Celeste, Sônia Maria, Uchoa
Cavalcanti, Luiz de França, Tavares Maciel (Programa
Quem Manda é o Freguês), Walter Lins (Programa
Caixinha de Pedidos), Mercedes Del Prado, Sebastião
Estanislau, Glauce Bandeira, Dantas de Mesquita,
Claudionor Germano, Djalma Torres, Luiz Queiroga,
Aguinaldo Batista, Meves Gama, Inaldo Vilarim, Gilson
Ribeiro, Edvaldo Pessoa, Jorge José, Jomir Rodrigues,
Rosa Maria, Ada Neusa, Genival Lacerda, Ted Jones, João
Moreno, Cláudio Almeida, Míria Nunes, José Diniz
Madruga, Tânia Maria, Lourival Oliveira, José Santa Cruz,
José Menezes, Otávio Augusto Vampré, René de Almeida,
Nerize Paiva, Milton Rodrigues, Emanuel Silva, Mário
Teixeira, Bety Kate e muitos outros de consagração
popular.
49
Com a experiência de sucesso na Rádio Difusora de
Alagoas, o programa “Dona Pinóia e seus Brotinhos” é
lançado por Aldemar Paiva na emissora pioneira de
Pernambuco. Apresentado no palco-auditório do Palácio
do Rádio, sempre aos domingos, conta, inicialmente, com
a participação de Chico Anysio, antes da transferência dele
para o Rio. Muitos acreditam ter sido essa a inspiração do
célebre humorista para o lançamento, décadas depois, de
sua “Escolinha do Professor Raimundo”, na Rede Globo
de Televisão. Aldemar Paiva esclarece:
“Ao me transferir para o Recife, em 1951, resolvi
apresentar Dona Pinóia, como atração da Era de Ouro do
rádio pernambucano, valorizada com Chico Anysio, José
Santa Cruz, René de Almeida, Jota Austregésilo, Altair Costa
e o próprio criador. Depois, por sugestão do senador João
Calmon, adaptei Dona Pinóia para a Ceará Rádio Clube,
onde também brilhou. Mais tarde, surgiram comentários de
que a famosa Escolinha do Professor Raimundo, na Rede
Globo, havia se inspirado nos alunos gaiatos de Dona Pinóia.
Na verdade, aos anos 70, a Globo mostrou interesse em
adquirir os scripts desse humorístico, guardados por mim
na bagunçoteca de nossa casa do bairro de Rio Doce. Foi
uma tristeza. Os cupins desceram dos cajueiros e deram uma
de MST: acamparam e destruíram tudo”.
Outra grande atração produzida por Aldemar Paiva
no início de sua jornada na emissora pioneira do Recife é
Festa no Varandão, uma antecipação dos programas de
auditório do pernambucano Abelardo Barbosa Chacrinha,
de sucesso na televisão brasileira:
50
“Além da presença de muitos ouvintes do Recife,
vinham caminhões cheios de gente do interior de
Pernambuco, da Paraíba, das Alagoas e de outros Estados.
Festa no Varandão era show com apresentação de cantores
populares e prêmios para a platéia. Só que os prêmios eram
uma surpresa. Muitos voltavam para casa levando banana,
jerimum, mamão, abacaxi, galinha, ovos, carne de sol. Eu
anunciava como prêmio uma lambreta, uma motoneta da
moda, e quando o sujeito ia receber era um cabrito”.
Em seu primeiro ano no Recife, Aldemar Paiva
dedica-se 24 horas por dia, com satisfação e vibração às
atividades artísticas na PRA-8, movido pelo combustível
de muitos sonhos. Mostra sua versa-tilidade e desenvolve
sua capacidade como criador, produtor, ator, apresentador
e humorista. Antecipa sua condição futura de multimídia.
Já no segundo ano na PRA-8, completamente identificado
com a agitação social, musical e cultural do Recife, lança o
programa que vai ser a marca de sua vida pessoal e
profissional – “Pernambuco Você é Meu” – maravilhoso
show de rádio de grande sucesso nacional.
Em 1952, quando entra no ar “Pernambuco Você é
Meu”, o Brasil tem 52 milhões de habitantes, 36% morando
nas cidades e 64% nos campos. Nordeste tem 18 milhões,
Pernambuco 3,5 milhões e Recife 500 mil habitantes.
Existem no País apenas três estações de televisão, TV Tupi
e TV Paulista, em São Paulo, e TV Tupi do Rio, que chegam
à população por meio de sete mil televisores nas duas
capitais. Quanto ao rádio, são cerca de 400 emissoras no
Brasil e aproximadamente 3,5 milhões de aparelhos
51
receptores. Faltam surgir as emissoras FM. Em plano
nacional, o rádio detém 40% do bolo publicitário e a
televisão, iniciante, apenas 10%.
No Nordeste ainda sem televisão e, espe-cialmente,
em Pernambuco, o rádio é o grande meio de comunicação
com as massas. Vive sua época de ouro com grandes
produções, magníficos elencos de rádio-teatro, excelentes
orquestras e muitos programas de auditório. É nesse
ambiente que “Pernambuco Você é Meu” surge para fazer
história e conquistar glória no rádio do Brasil.
52
5
PERNAMBUCO VOCÊ É MEU
(Escrito ao som da Orquestra de Nelson Ferreira com Vassourinhas,
de Matias da Rocha, hino do carnaval de Pernambuco)
“...Estas são as ondas mais quentes e mais vibrantes
do Brasil. Estamos nas ondas do frevo. Do frevo de
Pernambuco, terra de gente agitada, de gente
honrada, de gente iluminada. É manhã bonita no
Recife. Céu azul claro, limpo, lindo. Sol aberto,
chamando para as praias. Mar azul-esverdeado
como nunca. Boa Viagem para os que chegam. Nossa
Copacabana do Nordeste está irresistível. Comece
bem o dia com uma preciosa e gostosa água de côco.
Desses maravilhosos coqueiros que embelezam a
tropicalíssima paisagem pernambucana. Aos que
estão indo mergulhar, bom dia! Olha a morena cor
de canela, desfilando sua beleza mais do que
escultural. Que natureza! E lá vai passando a
lourinha bronzeada. Pura sensualidade. Aos que já
estão trabalhando, bom dia!”.
Semelhantemente assim, cada audição do “Pernambuco Você é Meu” proporciona aos seus milhares de
ouvintes, por todo o Brasil, um passeio romântico, poético,
sentimental e entusiástico pela paisagem urbana, humana,
histórica, cultural e artística de Pernambuco. Em estilo
53
coloquializado, fabulesco e sensorial, fazendo renovação
sem esconder nostalgia, revolucionando o rádio brasileiro.
Em ritmo de frevo, puxado pelo inconfundível Vassourinhas
e permeado por Veneza Americana.
“É Veneza Americana,
do mais lindo céu de anil,
minha terra hospitaleira,
Namorada do Brasil...
Teus coqueiros junto ao mar
No seu doce farfalhar
A trazer tranqüilidade,
Crescem, crescendo a beleza
Desta cidade Veneza,
Ninho de Felicidade.
E o Capibaribe a rir
É no seu curso a seguir
Da cidade a própria vida,
A poesia imorredoura,
A mensagem sedutora
Da Veneza tão querida do Brasil”.
Pois, é! Como o samba está para o Brasil, o frevo é
um elemento forte, fortíssimo, na etogenia pernambucana.
Como está para o País a emocionante Aquarela do Brasil,
de Ary Barroso, verdadeiro hino nacional, assim está
Vassourinhas, de Matias da Rocha, para Pernambuco. Como
é Cidade Maravilhosa, de André Filho, para o Rio de
Janeiro, assim é Veneza Americana, de Nelson Ferreira e
54
Ziul Matos, para o Recife. É Pernambuco frevando e
fervendo.
“...Vamos saudando Pernambuco com muito frevo.
De Capiba, de Nelson Ferreira, de todos os
carnavais. Em ritmo de gostosão, gostosinho,
gostosamente. Vamos abraçando o Recife antigo e o
Recife novo. Alô, Boa Viagem, Boa Vista, Espinheiro,
Rosarinho, Encruzilhada, Casa Forte, Apipucos,
Cordeiro, Caxangá, Casa Amarela. Abraçando o
Recife das feiras, cheias de mangas rosa, cheirosas
e apetitosas. O dia já não é mais criança na floresta
de Dois Irmãos. Lá, os crocodilos fingem que
dormem, de olho em cada macaco frevando no seu
galho. Mas o dia vai raiando no Solar de Apipucos.
Bom dia, mestre Gilberto Freyre! Bom dia, Olinda.
Ah se Duarte Coelho soubesse como estás cada vez
mais linda. É bom ver Jaboatão. Quem sabe, não
perde a festa da pitomba. Jaboatão dos Guararapes,
das batalhas memoráveis e das vitórias mais ainda.
Passando lá, faça um ato de devoção no altar da
Pátria: visita a igrejinha de Nossa Senhora dos
Prazeres. Contemple a imagem da santa. É um
primor de arte”.
Em 25 anos, “Pernambuco Você é Meu” consagrase como a maior vitrine do frevo para o Brasil, sob o
comando mágico de Aldemar Paiva, além de tudo, um
melômano, principalmente compositor de frevo. Sua voz
de timbre agradável torna-se mais prazeirosa e familiar à
medida que se vai ouvindo. Mesmo em ritmo naturalmente
55
lento, conversando pausadamente, Aldemar Paiva pode falar
assim até muito mais de cinco minutos no ar, o que no rádio
é uma eternidade, sem causar monotonia. Causa prazer.
“...Bom Dia, Gravatá e Garanhuns, as duas suíças
pernambucanas. Somos assim mesmo, meio exagerados: enquanto os europeus têm apenas uma, nós
temos logo duas. Alô, Catende! Qualquer dia desses,
vou danado pra Catende, como o genial Ascenço
Ferreira. Viva Limoeiro, terra do valente Chico
Heráclio e dos valorosos Vilaças. Bom dia, Nazaré
da Mata, do poeta Mauro Mota e do frevo rasgado.
Que é o frevo que agita Surubim, terra do nosso velho
e ilustre guerreiro Abelardo Barbosa. Alô, seu
Chacrinha! Alô, Carpina! A torre de fumaça da usina
Petribú está subindo, subindo. Espalhando na Zona
da Mata o cheiro forte de melaço”.
Seu programa, dinâmico e variado em expressões e
impressões, com o impetuoso frevo ao fundo e freqüentes
subidas de som, jamais é enfadonho. Pelo contrário, é
contagiante. Um programa intimista, com a harmonia
modulada da voz do seu apresentador e o diapasão musical
marcado por repetição incessante de frevos, os mais
tradicionais e bem ao gosto popular, incluindo muitas
evocações:
“Felinto...Pedro Salgado...Guillherme...
Fenelon...Cadê teus blocos famosos?
Bloco das Flores,.. Andaluzas,
Pirilampos...Apôis Fum...
56
dos carnavais saudosos?!
Na alta madrugada, o coro entoava
do bloco a Marcha-Regresso,
que era o sucesso
dos tempos ideais
do velho Raul Morais:
Adeus, adeus, minha gente,
que já cantamos bastante...
E o Recife adormecia,
ficava a sonhar
ao som da triste melodia...”
Frevo é o leitmotiv de “Pernambuco Você é Meu”.
Por sua irradiação atraente, Aldemar Paiva, exuberante fisica
e mentalmente, quase transforma seus ouvintes em
espectadores ativos da coreografia estonteante dos passistas
em fantasias supercoloridas e dos vibrantes trompetes das
melhores orquestras, lançando no ar os mais quentes e os
melhores frevos de rua e de canção que sempre sacodem o
Recife, cidade lendária. Sobretudo frevos de Nelson
Ferreira, de Lourenço Capiba e de Levino Ferreira.
Carnaval da Vitória, Mexe com tudo, Lágrima de
Folião, Comendo Fogo, Diabo Solto, Alegria de Pompéia,
Retalhos de Saudade, Amália no Frevo, Não adianta
Chorar, Vem Fervendo, Come e Dorme, Isquenta Muié,
Gostosão, Porta-Bandeira, Casa-Casá, Borboleta Não é
Ave, Óia a Virada, Boca de Forno, Bem-Te-Vi, O Passo
do Caroá, Eu Quero é Ver, Casinha Pequenina, Que Bom
Vai Ser, Quando a Noite é de Lua, Linda Flor da
Madrugada, Deixa o Homem se Virar, Que é que vou
57
dizer, Juventude Dourada, Quando se vai o Amor, Cheguei
na Hora, Perna de Pau, Pilão Deitado, Corisco, Levanta
Poeira, Alô Recife.
É uma onda só tomando conta do Recife. Ninguém
desliga o rádio, ninguém fica parado, ninguém fica triste.
Pernambuco Você é Meu” faz eco no centro do Recife.
Principalmente nos bares, restaurantes e lojas de eletrodomésticos das avenidas Guararapes, Dantas Barreto e
Conde da Boa Vista, e nas ruas Duque de Caxias, Imperatriz,
Nova, Concórdia e outras de movimentado e variado
comércio. É só vibraçao! É só emoção! É só alegria! Na
Capítal e no interior.
“...Bom dia para a querida Princesa do Agreste, Alô
pessoal da Feira de Caruaru, a mais famosa do
Brasil. No meio de tudo, tem rapadura, batida,
quebra-queixo, alfinim e doce que não acaba mais.
Tem de tudo que há no mundo, né Luiz Gonzaga?
Viva o nosso venerável Rei do Baião! E olhem os
bonecos do mestre Vitalino! Quase falam. Magistral
Vitalino! No Sertão Central, tem Arcoverde. De dom
Joaquim Arcoverde, o primeiro cardeal brasileiro,
sabiam? Que goiabada gostosa tem Pesqueira!
Depois é Salgueiro. Não é escola de samba. É cidade
que ao frevo ama. Bom dia, Petrolina! Terra dos
Coelho. Em progresso, rápida como coelho.
Petrolina não é a foz mas é a voz do São Francisco,
o velho e resistente Chico, o rio da integração
nacional. É o que fazemos agora nas ondas do frevo,
envolvendo o Brasil com a alma fervente e o coração
58
frevante de Pernambuco. Bom dia, Pernambuco!
Pernambuco, você é meu!”
Sensacionais causos, contados maravilhosamente,
sem leituras dramatizadas, mas, improvisadamente,
constituem-se uma atração especial enriquecendo
“Pernambuco Você é Meu”. Um programa sempre alegre,
leve e divertido, variado e copioso em conteúdo, com poesias, histórias de cordel, quadrinhas, crônicas, informações,
utilidade pública, atualidades, curiosidades, banalidades do
cotidiano, saberes e sabores da riquíssima culinária
pernambucana. É um mix de tradição e contemporaneidade.
Tudo animado com bordões criativos que se tornam muito
populares:
“De onde quer que esteja, escreva
para este programa que é seu
cicerone ou criado às ordens
na terceira cidade do Brasil”
“Não sei se é fato ou se é fita,
não sei se é fita ou se é fato...
O fato é que ela me fita,
me fita mesmo de fato!”
Em contra-ponto ao ritmo agitado e fervilhante do
frevo, tudo é apresentado no padrão Aldemar Paiva, fluindo
naturalmente, desfilando calmamente, sem esforço e sem
ansiedade, com fraseado inteligente, adequada sonoridade,
muita espontaneidade, interatividade e surpreendente timing
cômico:
59
“E você, que está aí em seu carro, vá devagar, dirija
com atenção. É preferível chegar tarde em casa do
que cedo no cemitério...”
“Olhe a hora certa para não se atrasar. São 7h45m
na capital pernambucana. Não perca sua condução
de jeito nenhum”.
Além de uma janela para a alma, “Pernambuco Você
é Meu” abre, também, “uma janela para o mundo”, na
expressão do próprio âncora. É o momento diário do Repórter
Esso das 8h da manhã. Durante muitos anos apresentado no
Rádio Clube de Pernambuco, por Mário Teixeira. Depois, o
informativo da Esso e seu apresentador transferem-se para
o Rádio Jornal do Commércio. Mais tarde, com Mário
Teixeira indo para o Rio, fica como seu substituto o locutor
Edson de Almeida. Mantém o Reporter Esso, no entanto,
seu mesmo padrão editorial de qualidade e sua grande
audiência dentro do “Pernambuco Você é Meu”. Ao anunciar
cada edição, uma vinheta prende os ouvintes:
“Emissoras brasileiras do Rádio Jornal do Commércio, a voz mais potente do Brasil, Pernambuco
falando para o Mundo. Na capital pernambucana,
são 8 horas...”
Rompe o ar a inconfundível fanfarra criada pelo maestro Carioca, seguida do locutor com o noticioso:
“Muito bom dia, senhoras e senhores. Aqui fala o
seu Repórter Esso, porta-voz dos seus Revendedores
60
Esso, com as últimas notícias do Brasil e do Mundo,
fornecidas pela UPI e por estas emissoras. Neste
momento, na Avenida Guararapes, no centro do
Recife, a temperatura marca...Eis as últimas notícias
da noite que passou...E agora, as primeiras notícias
do dia...O seu Reporter Esso e as Esportivas... Ponha
um tigre da Esso no seu carro...E atenção para a
última notícia...
Durante todo o programa, Aldemar Paiva mantém
seus ouvintes atualizados com o noticiário do dia,
destacando as manchetes e comentando as informações dos
jornais. Transforma em eletrônica a coluna impressa diária
do seu querido amigo Aldo Paes e Amor Barreto, uma das
mais movimentadas e prestigiadas do Jornal do Commércio.
Abre espaço também para a crônica diária de Medeiros
Cavalcanti, sempre abordando, com objetividade, um tema
palpitante de interesse da comunidade. Segue o modelo
anterior, no Rádio Clube de Pernambuco, com a crônica
diária Café da Manhã, de Mário Libânio.
Líder de audiência das manhãs brasileiras no
Nordeste, o programa de Aldemar Paiva, sempre com
performance animada por pernambucanismo visceral e
inspirada na valorização de Pernambuco aos ouvidos do
Brasil e até do Mundo, é atraente, inteligente, descontraído,
interessante, saudável e cativante. Do princípio ao fim.
Nas ondas do frevo, vai divertindo as elites com
satirizações do cotidiano. Promovendo a cultura do povo
marginalizado. Aproximando a veracidade da linguagem
61
de situações reais. Estimulando a fantasia e o humor em
busca do prazer do bem-viver diante de caprichos do destino
ou de adversidades. Pondo frevo na vida de todo mundo.
Em ritmo de frevo, “Pernambuco Você é Meu” enche
o rádio como uma onda gigante do bem, uma onda tsunami
de frevo, arrastando, diariamente, milhares de ouvintes para
o mar da alegria de viver. Proporcionando, efetivamente,
elevação da auto-estima de Pernambuco. Projetando e
difundindo, por dinâmica própria, um Pernambuco
enérgico, vibrante, festeiro, altaneiro, combativo e vencedor.
Propositalmente, muito frevo. Só frevo, que é a cara
musical de Pernambuco, fortalecendo a identidade
pernambucana junto ao Brasil. Com seu sucesso carimbado
pela aprovação popular, “Pernambuco Você é Meu” vira,
também, coqueluche de repercussão e prestígio em
comentários e conversas nos circuitos sociais, nas rodas de
intelectuais e nos salões aristocráticos do Recife. Conquista
os corações de Pernambuco. E conquista o sêlo de grande
sucesso!
62
6
ARTEXPRESSÃO CULTURAL
(Escrito ao som da Orquestra do Maestro Nelson Ferreira com seu
frevo Gostosão)
“...Daqui do centro do Recife, das ondas altas e fortes do
Pernambuco Você é Meu, vejo o Nordeste inteiro. Do
Maranhão à Bahia, muito bom dia. Bom dia para o
Nordeste de longe e para o Nordeste de perto. Em síntese,
como está no verso de João Cabral de Melo Neto:
Nordeste de Pernambuco,
Onde todas as manhãs são limpas,
Pernambuco do Recife,
De Piedade e Olinda”.
Esteticamente, “Pernambuco Você é Meu” cumpre seu
objetivo de promover a cultura nordestina e de potencializar o
frevo como elemento central da cultura popular pernambucana.
Como sua obra de arte diária, Aldemar Paiva prova, no rádio,
que produção literária não se limita à escrita. Pode ser também
falada, como demonstra, em seu programa radiofônico,
apresentando modalidades de linguagem, elementos de obra
literária, gênero literário, estilo de expressão, arte da
versificação e elementos de ficção. São adornos literários que
valorizam ainda mais o seu conteúdo cheio de momentos sérios,
descontraídos, emocionantes e cômicos, intercalados por muito
frevo, o ritmo quente e fervente de Pernambuco.
63
Em quase 25 anos no ar, “Pernambuco Você é Meu”
constrói uma história que se confunde com a própria história
da arte musical e do carnaval de Pernambuco. Em suas
ondas surfam, com regularidade e brilhantismo, os mais
ilustres maestros, musicistas, compositores e intérpretes
pernambucanos do frevo, muitos aplaudidos e festejados
em todo o Brasil:
...Nelson Ferreira, Lourenço Capiba, Levino Ferreira,
Guerra Peixe, Antonio Maria, José Zumba, Clóvis Pereira,
José Duda, Guedes Peixoto, Fernando Lobo, Edgar Ferreira,
Luiz Ferreira, José Menezes, Samuel Valente, Nestor de
Holanda, Raul Morais, Reinaldo Oliveira, Edgar Morais,
Ziul Matos, Miro de Oliveira, Luiz Caetano, Valdemar de
Oliveira, Severino Araújo, Lourival Oliveira, João Santiago,
Sebastião Rosendo, Fernando de Oliveira, Sebastião Lopes,
Getúlio Cavalcanti, Manoel Gilberto, Ademir Formiga,
Luciano Pimentel, Félix Felinho, Gildo Moreno, Gildo
Branco, Dimas Sedícias, Raul Valença, João Valença, David
Vasconcelos, Édson Rodrigues, Agnaldo Batista, Diná de
Oliveira, Alex Caldas, Baltazar de Carvalho, João
Pernambuco...Todos pernambucanos, criadores e produtores de frevança, definitivamente, incorporados à história da Música Popular Brasileira como símbolos da
artexpressão cultural de Pernambuco.
Com habilidade, conhecimento e competência,
Aldemar Paiva usa e abusa, sem equívocos e sem excessos,
mas com sabedoria e persuasão, de todas as possibilidades
da língua, como ferramenta básica e privilegiada de
comunicação. Faz isso com muita naturalidade, origi64
nalidade, espontaneidade e espirituosidade, características
que marcam seu perfil de membro efetivo do excêntrico do
44º Espada D’Água, regimento de boêmios intelectuais de
Maceió, desde o século XIX, com filial de agregados no
Recife Antigo. E, com sua sensibilidade e emocionalidade,
confere ao Pernambuco Você é Meu encanto emotivo e
elevado prazer de audição.
“Mantenha-se firme conosco nas ondas do Pernambuco Você é meu, que também é seu. Aos que
estão nas praças, em cada praça do Recife, muito
bom dia.
A Praça, a praça é do povo,
como o céu é do condor.
É o que garante o genial Castro Alves, que criou
essa beleza poética ao ver dissolvido um encontro
republicano em plena Praça da República, aqui na
capital pernambucana. Dele também é o formidável
improviso que fez indignado como estudante da
Faculdade de Direito do Recife num protesto contra
a polícia na rua do Imperador:
A lei sustenta o popular direito,
nós sustentamos o direito em pé”.
Em verdade, Aldemar Paiva representa, então, uma
nova onda banhando o rádio de Pernambuco com as águas
da renovação estética, assumindo em estúdio o culto da
forma como uma concepção de vida. Segue o conceito do
65
escritor russo Aleksei Tolstoi, o grande Tolstoi, de vários
romances históricos, sobre o estilo. Mas absorve também a
definição eloqüente do nosso luso-brasileiro eloqüentíssimo
padre Antonio Vieira, de Os Sermões (1679), em tom quase
poético:
“Como hão de ser as palavras? Como as estrelas.
As estrelas são muito distintas e muito claras...o estilo pode
ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os
que não sabem, e tão alto que tenham muito o que entender
nele os que sabem”.
Com certeza, entre outras razões fundamentais, o
sucesso de “Pernambuco Você é Meu”, durante 25 anos,
tem relação direta com o estilo próprio do seu apresentador, Aldemar Paiva. Em meio a uma profusão de
programas diferenciados do rádio de Pernambuco e do
Brasil nesse período, “Pernambuco Você é Meu” impôese exatamente como show de variedades, inovador na
forma e na riqueza de conteúdo e pela personalidade do
seu âncora. Isso mesmo. Além de inovar no formato e na
essência, Aldemar Paiva estabelece no rádio pernambucano um estilo pessoal que marca época.
Sua capacidade de criar e fantasiar, envolvendo
personagens fabulosos e pretendendo a atenção dos ouvintes
parece inspirada na capacidade de criar e fantasiar de certos
renomados romancistas. Vai nas pegadas do magistral
Gabriel Garcia Márquez, no seu clássico hispano-americano
Cem Anos de Solidão(1967). Quase faz os ouvintes
imaginarem que o estúdio de “Pernambuco Você é Meu”
66
está sempre povoado de criaturas singulares e caricaturais,
como o cigano Mequíades, da fictícia Macondo.
Ou ainda como os personagens dos folhetins do
visconde Ponson du Terrail em aventuras e tramas
rocambolescas. Aldemar Paiva transforma seu programa
em território livre à criação e à imaginação onde brilham
figuras de cordel e do romanceiro popular em peripécias e
façanhas inverossímeis. É onde ele também nada de braçada,
talentosamente, tanto no cordel de poesia improvisada,
cantada nas cantorias, quanto no cordel da poesia
tradicional, de composição literária. Assim, Pernambuco
Você é Meu exibe uma agradável fusão de realidade e ficção
sob a trilha sonora do frevo. E haja causos:
“Um casal fazia bodas de prata celebrando, simultaneamente, 60 anos de idade. Em dado momento
da festa, apareceu uma Fada dizendo: Como prêmio
pelos 25 anos de muito amor, concedo um desejo a
cada um de vocês.Primeiro foi ela, toda animada e
esperançosa: Quero fazer uma viagem ao redor do
mundo com meu querido esposo. Então, a fada moveu
a varinha e, zás, apareceram as passagens nas mãos
da senhora. Em seguida, foi a vez do marido, falando
maroto: Desculpe, querida, mas meu desejo é ter uma
mulher 30 anos mais jovem do que eu. Então, a fada
girou a varinha e, zás. A mulher permaneceu com
60 anos enquanto o marido passou a ter 90!”
Embora adotando no seu programa a modalidade da
língua geral, da língua-padrão do Português usado no Brasil,
67
Aldemar Paiva não dispensa o linguajar regional, quando
mais insinuante, nem o linguajar popular, quando
necessário, nem a linguagem culta, quando exigida. Em
qualquer dessas modalidades, o apresentador de Pernambuco Você é Meu revela incrível capacidade de se
expressar com inflexão de voz compatível para cada
situação, sem artificialismo e sem exibicionismo.
“...Vamos com Pernambuco Você é Meu cantando
as belezas de nossa terra. Ouçam e sintam a
maravilha que é a poesia popular. Tem um cantador
pernambucano, negro, famoso pelo seu jeito
agressivo de repentista. É Sebastião Cândido dos
Santos. Mas seu nome de guerra é Azulão. Ora, vejam
só, mesmo cantando sozinho, sem desafiante, ele
aproveita para mostrar sua bravura:
Eu sou cabôco de guerra,
C’uma viola na mão!
Não quero guerra é de briga,
Mas de língua eu sou o cão...
Eu fico mesmo esturrando,
Fico mostrando o brasão...
Pra brigá de ferro frio
Não sirvo, não presto não.
Inda que tu fosse
Um Guilherme da Alemanha,
Um imperador da França,
Cantando com Azulão
Pode vir certo que apanha”.
68
Quanto aos seus conceitos, idéias, sentimentos, apelos
e imagens, que expressam o conteúdo de qualidade do
“Pernambuco Você é Meu”, Aldemar Paiva procura
exprimí-los nas formas mais atraentes para os ouvintes: em
prosa e em verso. Em prosa, proporcionando narrativa com
linguagem direta e objetiva; e em verso, com narrativa em
linguagem poética, que toca mais a sensibilidade dos
ouvintes. Como poeta, o apresentador ainda agrega ao
programa a arte da versificação, recheando-o, freqüentemente, com alguns versos próprios ou de consagrados
autores brasileiros. Em resumo: visão lúcida, apelo cultural,
linguagem coloquial, prosa saborosa, muita sagacidade,
bastante poesia, dose certa de humor e muito frevo.
Além dessas inovações, “Pernambuco Você é Meu”
trabalha, eficientemente, com o ficcionismo, gênero que
agrada imensamente por estimular a fantasia dos ouvintes.
Mais uma vez, Aldemar Paiva se apresenta com maestria
dominando no ar esse gênero narrativo que envolve o
romance, o conto, a novela, a fábula, a lenda, a história e as
estórias. Estórias, então, são com ele mesmo. Estórias
superdivertidas, com enredos despertadores de curiosidade
e atenção, revelando o seu invejável talento criativo e
inventivo. E haja causos:
“Admirável artista que produz e interpreta coisas
maravilhosas inspiradas no dia-a-dia do Nordeste,
Jessier conta-nos um caso delicioso. Um sujeito
estava no bar e o garçon chegava de dez em dez
minutos, dava um sopapo no bêbado que dormia num
mesa. Um rapaz ali perto interferiu: Meu irmão, por
69
que você acorda esse coitado de instante e instante
se depois ele vai dormir novamente? O garçon
respondeu: Nada pessoal, meu chapa...É que toda
vez eu que lhe acordo, ele paga a conta. E lasca, na
base do repente:
Tem gente metida a besta,
que bebe socialmente,
só de segunda a segunda,
pelos chá beneficente.
Enche o rabo de uísque,
no meio dos magnatas,
vomita meia e gravata,
dana bofete em parente,
leva um chifre caceteiro,
mas só quem é cachaceiro
é quem bafeja aguardente!”
Com todos esses elementos de linguagem e de arte, Aldemar
Paiva consolida seu “Pernambuco Você é Meu” como um show
de estilo próprio, inimitável. Forma e conteúdo do programa trazem,
marcantemente, a bagagem cultural, a experiência acumulada, os
impulsos emotivos, a sensibilidade aguçada, a linha poética e o
perfil psicológico do apresentador, refletindo sua alma e sua
personalidade. É total o sincronismo entre “Pernambuco Você é
Meu” e Aldemar Paiva. Mais afeito ao gênero narrativo da prosa e
ao gênero lírico e satírico do verso, o âncora desenvolve um estilo
romântico, de forma primorosa e brilhante, causando uma revolução
e se consagrando ícone do rádio nordestino e brasileiro.
“... Além do ritmo gostoso do frevo, aqui você tem a nossa
rica literatura popular. Como nos orienta o grande Sílvio
Romero, nosso notável filósofo e sociólogo de vasta
produção de contos populares do Brasil, se vocês querem
70
poesia, poesia de verdade, cheguem, ao povo, metam-se
nos rincões, passem a noite num rancho, à beira do fogo,
entre violeitos e repentistas, ouvindo trovas e desafios. É o
que vocês têm aqui no nosso Pernambuco Você é Meu. É o
cantador sertanejo com a poesia do povo.É o cego
pernambucano Elias Ferreira num encontro com o cego
cearense Sinfrônio Martins:
Sinfrone, vai me contando
Que é tu anda fazendo
Se anda dando ou apanhando
Se anda comprando ou vendendo
Se anda bebendo ou jogando
Se anda ganhando ou perdendo.
Elias, eu lhe declaro
E a todos que estão olhando:
Nem bebendo nem jogando,
Nem ganhando nem perdendo
Ando mas é vadiando”
71
Aldemar Paiva
com a
Miss Brasil,
Vera Fisher,
em 1970
Com o
cantor
popular
Waldick
Soriano,
em programa
de auditório
Com o
humorista
Chico
Anysio no
lançamento
do seu livro
“Monólogos”
72
7
AMOR, SABOR E HUMOR
(Escrito ao som da Orquestra de Nelson Ferreira com o frevo Morena
Cor de Canela, de Lourenço Capiba)
Pode-ser dizer que um resumo da feliz vida conjugal
de Aldemar Paiva com sua amada Angelita está em título
de livro dela lançado em 2004, dentro das comemorações
de suas Bodas de Ouro, 50 anos de casamento: “Amor, Sabor
e Humor”. Uma seleção gastronômica ilustrada de deliciosas
receitas doces e salgadas com poderes para satisfazer o mais
exigente paladar. Caprichadas receitas de boa lembrança,
socialmente aprovadas como culinária da melhor qualidade
e psicologicamente adotadas como poderosos ingredientes
de saudável envolvimento familiar, para uma vida alegre,
harmoniosa, lúdica e compartilhada sob o tempero agradável
e irresistível de indispensáveis aromas, sabores e humores.
Seu encontro com Angelita, artista plástica de forte
sensibilidade aplicada ao gênero impressionista, é assim
lembrado:
“Ela era estudante, produzindo peças de teatro e
realizando espetáculos para a Federação Alagoana
pelo Progresso Feminino. Fazia parte do elenco.
Cantava, representava. Muito bonita (tipo manequim
de cintura fina), chamava-a, amorosamente, de
“Morena da Rua do Sol”. Depois, dei-lhe o apelido
73
de Borlotinha, numa referência ao mimoso adereço
usado nas cortinas das salas de antigamente. Esse
apelido permanece até hoje, entre familiares e amigos
íntimos”.
Com atenção, dedicação, carinho e “muita conversa
ingênua para ela domir”, Aldemar Paiva sustenta com
Angelita um namoro de dez longos anos, provocando uma
desconfiança generalizada. Entre parentes e grupos interfamílias, muitos chegam a duvidar e a fazer apostas sobre o
futuro do romance dos dois. Há quem não aposte um tostão.
Sempre brincalhão, quando a desconfiança causa alguns
fortuitos arrufos, ele sugere a Borlotinha:
“Pode procurar seus direitos na Justiça. Você já tem
estabilidade”.
Finalmente, com Aldemar Paiva já fazendo sucesso
em Pernambuco e alcançando razoável estabilidade
financeira, acontece o sonhado casamento. Cerimônia
religiosa, no dia 17 de junho de 1954, é celebrada pelo cônego
Antonio Alves, capelão da Polícia Militar de Pernambuco e
pároco da matriz de Nossa Senhora da Paz, no bairro de
Afogados, centro do Recife. Em plena cerimônia, um dos
padrinhos do casamento, publicitário e radialista Fernando
Castelão aproxima-se e dá-lhe o seguinte ultimato:
“Dema, ainda está em tempo de desistir!”
Consumado o casório, comemoração dupla. Primeiro,
na própria casa paroquial, anexa à igreja. Por sua
74
popularidade crescente no rádio, há uma invasão de amigos
e admiradores. Depois, na rua Nicarágua, bairro do
Espinheiro, residência de Caio de Souza Leão e sua esposa
Lenir, amigos e benfeitores do novo casal. Verdadeiro
banquete, seguido de uma partida de futebol envolvendo o
noivo, padrinhos, convidados e até o padre Humberto
Cavalcanti, vindo de Maceió, com o radialista Jair Amaral,
carinhosamente recebidos como “dois penetras”.
Surpreendentemente, após bela e agradável manhã
de sol, uma chuva fina de fim de tarde acaba a festa ao ar
livre na residência dos Souza Leão. E é sob chuva forte que
o motorista conduz os nubentes para a residência em Olinda,
na rua Luiz de Carvalho. Lá surge mais uma surpresa,
segundo o próprio Aldemar Paiva:
“Já instalados em nossa modesta primeira casa, por
volta das 19 horas, estávamos ansiosos no jantar à
luz de velas antes da chegada emocionante ao leito
nupcial. Tudo nos trinques, conforme o figurino. Só
que um pouco antes das 21 horas, alguém bate à
porta. Imaginem quem veio para a nossa lua de mel!
Meu irmão Alberto (um ano mais novo do que eu).
Como não conseguira acomodação em parte alguma,
decidiu nos fazer companhia naquela noite. Logo
naquela noite, a primeira nossa como recémcasados. Assim, nossa primeira noite de núpcias
aconteceu com 24 horas de atraso”.
Desse casamento, “sem programação médica, nem
recursos folclóricos”, como faz questão de registrar
75
Aldemar Paiva, nascem três filhos, curiosamente de quatro
em quatro anos: Mônica (1955), médica; Carla (1959),
arquiteta; e Dema (1963), engenheiro. Aleatoriamente, são
pais bissextos com uma ciranda de netos: Flávia, Conrado,
Maria Eduarda(Duda), Drancinho, Aldemar Buarque de
Paiva Neto(Deminha), Artur e Adriano.
Fazem parte da antologia familiar muitas estórias e
histórias tendo Aldemar Paiva como protagonista e que
todos contam e recontam com indisfarçável prazer. Mesmo
Borlotinha, quando, aparentemente, é vítima:
“Um dia, ele saiu à tarde para comprar alguma coisa
no mercado e voltar logo. Encontrou um amigo, foi
para o bar e acabou varando a madrugada. Já perto
do amanhecer, entrou no quarto ainda escuro e eu
toda coberta tive que ouvir isso: “Minha querida
Borlotinha, desculpe-me o atraso. Desde ontem à
noite estou vindo para casa com uma corda de
guaiamuns que comprei para você. Mas, no caminho,
eles se desgarraram e fui obrigado a vir tangendo
os bichos até em casa. Infelizmente, não consegui
chegar com nenhum. Escaparam todos. Me perdõe!”.
E eu, debaixo do cobertor, morrendo de raiva, mas
me acabando de rir”.
Filhos criados em ambiente de permanente alegria e
confraternização, marcas registradas de Aldemar Paiva e
Angelita, sempre de casa aberta para os numerosos amigos.
Freqüentemente, com presença certa de artistas famosos.
Como em janeiro de 1963:
76
“No cachimbo do meu filho Dema, José Luiza
Calazans, o famoso Jararaca, da Radio Nacional,
do Rio de Janeiro, alagoano de Pilar, passou o dia
em nossa casa em Casa Caiada, Olinda, consumindo
uma caixa de vinho presenteada por Dr. Tomé Dias
Sobrinho, outro grande e querido amigo. Guardo
uma carta de Jararaca, de próprio punho, falando
da amizade e das preferências que nos aproximam.
Nela, tem um apelo comovente para que eu
conseguisse trazê-lo de volta para perto de sua terra
(Maceió ou Recife). Queria morrer junto aos seus
conterrâneos, fazendo músicas, humor e participando das rinhas de briga de galo, seu esporte
favorito. Dois meses depois dessa carta, tão íntima
e tão sentimental, faleceu no Rio, vítima de
atropelamento. Deixou comigo muita coisa do seu
acervo, de suas produções humorísticas e dos seus
sonhos. Passei tudo para seu filho, funcionário da
IBM no Rio”.
Felizes e realizados com o sucesso profissional dos
filhos, Aldemar Paiva e Angelita mantêm a família no
mesmo clima de harmonia e de alegria que inspira os dois
desde o namoro ainda quando estudantes em Maceió. Em
resumo, com muito amor, sabor e humor. Agora, vivendo,
naturalmente, o conforto e o desconforto da Terceira Idade,
seguem a jornada do tempo com sabedoria e dignidade
cultivando o ensinamento, que apreciam muito, do general
norte-americano Douglas MacArthur, derrotado nas
Filipinas (1942), vencedor contra os japoneses (1945) e
comandante das forças da ONU na Coréia (1950):
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“Ninguém é velho simplesmente porque viveu mais
alguns anos. A pessoa só envelhece quando abandona seus
ideais. Somos tão jovens quanto nossa autoconfiança, tão
idosos quanto nosso medo e tão velhos quando nosso
desespero. Enquanto nosso coração receber mensagens de
beleza, coragem, alegria e esperança, nós permaneceremos
jovens!”.
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8
ADEUS ÀS ILUSÕES PERDIDAS
(Escrito ao som da Orquestra de José Menezes com o frevo Ultimo
Dia, de Levino Ferreira)
“...Nas ondas do Pernambuco Você é Meu vamos
cantando as belezas de nossa terra. Vivendo e
revivendo os cantares dos peotas pernambucanos.
Como em todas as manhãs e todas as tardes,
multidões atravessam o centro do Recife. Fervilham
na Avenida Guararapes. Alegrias, sonhos e frustrações, na visão do poetíssimo Carlos Pena Filho:
Na Avenida Guararapes,
O Recife vai marchando.
O Bairro de Santo Antonio,
Tanto se foi transformando
Que agora ás cinco da tarde
Mais se assemelha a um festim.
Nas mesas do Bar Savoy,
O refrão tem sido assim:
São trinta copos de chope,
São trinta homens sentados.
Trezentos desejos presos,
Trinta mil sonhos frustrados”
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Diretor artístico do Rádio Clube de Pernambuco,
desde 1951, e produtor e apresentador de “Pernambuco
Você é Meu”, desde 1952, Aldemar Paiva tem uma visão
larga e aguda para os horizontes da comunicação. Como
está em PRA-8 O Rádio Brasil, deste autor, seu programa
abre uma fantástica janela para o mundo, comentando
atualidades de interesse público, desperta atenção para
eventos culturais, pontua o dia na história, relata causos,
interpreta relíquias da literatura de cordel, ressalta a riqueza
e a beleza da paisagem humana no cenário cosmopolitano
do Recife, promove a culinária regional e vende, com
eficiência, os irresistíveis sabores tropicais de Pernambuco.
Diretor artístico, Aldemar Paiva incrementa o rádio
de Pernambuco em todos os setores, inclusive nos esportes.
Pelas mãos dele, o vibrante e jovem locutor baiano Ivan
Lima ingressa no cast da emissora pioneira do Brasil. Surge,
então, o eletrizante “escrete de ouro do rádio”. Com ele,
Ivan Lima se torna “o mais premiado narrador esportivo
do Norte e Nordeste” e ganha fama nacional com uma
equipe de profissionais craques, entre os quais, José Santana,
Barbosa Filho, Rubens Souza, Audir Dúdiman, Edvaldo
Moraes, Ivo Sútter, Haroldo Rômulo, Robson Sampaio e
outros nomes que entram para a galeria de astros da crônica
esportiva radiofônica do Nordeste.
Mas é Pernambuco Você é Meu o carro-chefe das
grandes atrações do Rádio Clube de Pernambuco. Com
música de Nelson Ferreira e letra do próprio Aldemar Paiva,
o título do programa é um frevo em homenagem à terra
pernambucana:
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“Terra boa, meu Pernambuco,
Que faz
Frevo bom e maracatu!
Tem mais:
Banho em Beberibe...
Cachaça gostosa...
Mangaba cheirosa...
Ai! Ai! Ai!
Tudo isso minha terra tem!
Tem rede macia
Pra gente sonhar,
Buchada...peixada...
Bate-bate pra enganchar!
Tem morena formosa
Que seu coração não me deu...
Mas por isso não choro, porque
Pernambuco, Você é Meu!”.
Campeão de audiência no Brasil, “Pernambuco Você
é Meu” conquista muitos corações no exterior, até nos
lugares mais longíquos da Europa e da África, alcançados
pélas ondas curtas do Rádio Clube de Pernambuco. Dessa
época, muitos casos interessantes são lembrados por
Aldemar Paiva:
“Um ouvinte da Guiné Bissau, África Ocidental,
escreveu ao programa pedindo uma mensagem
especial para o dia do seu aniversário fazendo
referência a um a namorada brasileira que ele tinha,
por correspondência, no bairro de Água Fria, zona
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norte do Recife. No dia marcado, levei a moça ao
programa. Foi uma grande surpresa para ele ao
ouvir a voz dela lá na África. Daí nasceu um
encantamento. Ele veio para o Recife, casou-se com
a moça e fui padrinho dele no casamento. Casado
graças às ondas do Pernambuco Você é Me, foi
trabalhar na Viana Leal, grande loja de departamentos, espécie de primeiro shopping do Recife”.
Com charme, graça, prosa, simpatia e empatia,
Aldemar Paiva enche as ondas da PRA-8 de pernambucanidade explícita tal qual contida em Gilberto Freyre,
João Cabral de Melo Neto, Manoel Bandeira, Mauro Mota
e Marcos Vilaça. Após 16 anos de sucesso no Rádio Clube,
em 1968, Aldemar Paiva, com sua alma poética e seu
entusiasmo envolvente, transfere-se para o Rádio Jornal
do Commércio, atendendo convite do então superintendente
Paulo Pessoa de Queiroz, filho de F. Pessoa de Queiroz,
fundador da Empresa Jornal do Commércio.
São mais quase dez anos de sucesso. De todo o Brasil
e até do exterior, Aldemar Paiva recebe cartas e comunicados
de ouvintes assíduos do seu “Pernambuco Você é Meu”.
Um desses ouvintes torna-se, anos depois, seu grande
amigo:
“Era um marinheiro da Marinha Mercante do Brasil.
Por onde andava nesse mundo afora, pela Europa,
pela África, cruzando oceanos, Pedro Chaves ouvia,
diaria-mente, o Pernambuco Você é Meu. Quando
deixou a Marinha, resolveu morar no litoral de
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Pernambuco ou Alagoas. Acabou parando em
Maragoji, onde virou artesão e montou um restaurante. Um dia, quando soube que eu ia passar
em Maragoji, fez uma festa pela alegria de poder
me conhecer pessoalmente. Com emoção, relembrou
muitos momentos de Pernambuco Você é Meu, que
aumentava suas saudades do Brasil em muitas partes
do mundo. Foi comovente”.
Mesmo com tanto sucesso no Brasil e no exterior,
em 1977, por ironia do destino, o novo superintendente do
Rádio Jornal do Commércio, Ivan Lima, após 23 anos do
seu ingresso na radiofonia do Recife, abençoado pelo então
diretor artístico do Rádio Clube de Pernambuco, Aldemar
Paiva, impõe modificações contratuais em vigor desde o
tempo do superintendente Paulo Pessoa de Queiroz. Deixa
o produtor e apresentador de “Pernambuco Você é Meu”
em “situação funcionalmente desconfortável e financeiramente inviável”.
Em conseqüência, o programa de marcante alegria
das manhãs brasileiras, cativante em tudo por sua
originalidade, é apresentado pela última vez em 28 de
outubro de 1977, sem comemorar seus 25 anos em festa já
programada, caprichosamente, para 20 de dezembro do
mesmo ano, com a participação de famosos artistas
nacionais, amigos e admiradores de Aldemar Paiva. Para
milhares de ouvintes do “Pernambuco Você é Meu” em
todo o Brasil, uma frustração desde então nunca superada.
Para seu criador, produtor e âncora, um melancólico adeus
às ilusões perdidas no tempo.
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Em 1977, quando “Pernambuco Você é Meu” sai do
ar, o Brasil tem 110 milhões de habitantes, 64% nas cidades
e 36% nos campos. Nordeste tem 30 milhões, Pernambuco
6 milhões e o Recife 1.2 milhão de habitantes. Já existem
no País 65 emissoras de televisão que chegam à população
por meio de 14 milhões de televisores, em cores e preto-ebranco. Quanto ao rádio, já são 1.050 emissoras e
aproximadamente 45 milhões de aparelhos receptores.
Somam-se 40 emissoras FM. Em plano nacional, o rádio
detém agora apenas 18% do bolo publicitário, enquanto a
televisão aumenta sua fatia para 40%.
No Nordeste e, especialmente, em Pernambuco, já
com quatro estações de TV(Rádio Clube, Jornal do
Commércio, Universitária e Globo), a televisão é a nova
força de comunicação. Perdendo espaço para a televisão, o
rádio da época de ouro, de grandes produções, de
magníficos elencos de rádio-teatro, de excelentes orquestras
e dos programas de auditório, está sendo substituído pelo
rádio apenas de “música, esporte e notícia”. É nesse
ambiente que Pernambuco Você é Meu entra para a
antologia dos grandes momentos da história do rádio no
Brasil.
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9
ETERNO OBELISCO AO FREVO
(Escrito ao som da Orquestra de Frevo de Nelson Ferreira com o
frevo Saudade, de Aldemar Paiva)
Durante três décadas do século XX, exatamente 50,
60 e 70, anos de grande desenvolvimento da radiodifusão
em Pernambuco e, por conseqüência, de intensa promoção
das atividades culturais e artísticas, o frevo vive sua época
de ouro. Liderada especialmente pelas ricas e intensas
criações e produções de Nelson Ferreira e Lourenço Capiba.
É uma época de proliferação de grandes orquestras. E, para
atender crescente do mercado consumidor, o Recife ganha,
em 1953, a Fábrica de Discos Rozemblit, a primeira do
Nordeste.
Empolgada com a efervescência musical de
Pernambuco, a Rozemblit chega a lançar uma série de discos
denominada “O Melhor do Frevo no Rádio”, em parceria
com mais de 120 emissoras do Norte e Nordeste do Brasil.
Com este sêlo industrial e maior difusão radiofônica, o frevo,
mais valorizado e eficientemente promovido, conquista mais
espaço no cenário nacional. Dessa forma, nessas três
décadas, o rádio cumpre um papel fundamental na
popularização do frevo como gênero musical genuinamente
pernambucano.
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Além de criador, produtor e apresentador de
programas radiofônicos de sucesso, destacando-se Dona
Pinóia e seus Brotinhos, Festa no Varandão e Pernambuco
Você é Meu, Aldemar Paiva, membro da Academia de Artes
e Letras de Pernambuco e da Academia Maceioense de
Letras, tem uma significativa produção literária: O Causo
Eu Conto, livro de contos humorísticos; Monólogos e outros
poemas, livro de poesias; e três trabalhos no gênero do
cordelismo: A chegada de Nelson Ferreira no céu; O
encontro de Capiba com Nelson Ferreira; e Gilberto Freyre,
Redescobridor do Brasil. Mas, sem dúvida, sua contribuição
intelectual e artística de maior expressão e visibilidade está
no trabalho desenvolvido na promoção, valorização e
popularização do frevo. Dele são mais de 70 músicas
gravadas, todas sucessos do carnaval.
Carro-chefe dessa popularização, o programa
“Pernambuco Você é Meu” atravessa anos e mais anos
fazendo sucesso, campeão nacional de audiência, como
autêntica estação frevólica, transmitindo valores, símbolos,
idéias, ideais, formas, costumes, tradições, lutas e conquistas
da gente pernambucana para o Brasil e, espantosamente,
alcançando o mundo. É um verdadeiro supershow de bomhumor e de variedades expressando a riqueza do folclore e
da cultura popular de Pernambuco e do Nordeste.
Grande sucesso do programa gera uma simbiose.
Aldemar Paiva alimenta o público e o público alimenta
Aldemar Paiva com fragmentos de textos, poemas, canções
e divagações, formando e estimulando um imaginário
espetacular. Exercendo um fascínio irrefutável em todo o
86
Nordeste e em parte do imenso Brasil. Definitiva e
obrigatoriamente, “Pernambuco Você é Meu” inscreve-se
como uma das produções de maior sucesso da história do
rádio brasileiro. Qual a receita para tanto sucesso? É simples,
direta, objetiva e convincente a resposta do seu criador:
“Em todos os tempos e em todas as classes, as
pessoas sempre têm necessidade de sentir alegria,
energia, fantasia e magia. Além das atrações e
variedades em informação, entretenimento e cultura
popular, sem abdicar do erudito quando necessário,
recomendável ou conveniente, o formato musical de
Pernambuco Você é Meu garante o espetáculo da
vida cheio de vida pela transmissão de sucessivos
frevos de sucesso, dos carnavais saudosos e dos mais
atuais, tornando o programa empolgante e, ao
mesmo tempo, tipicamente regional, festivamente
brasileiro e sentimentalmente universal”.
Com esse perfil de sucesso e essas características
exclusivas, “Pernambuco Você é Meu” e o multimídia
Aldemar Paiva agora fazem parte, definitivamente, da
história social do frevo e da história do rádio no Brasil. O
fabuloso e inesquecível programa, por seu potencial
inovador e renovador em originalidade como show de
varidades, enriquecendo e fortalecendo o regionalismo da
cultura brasileira do Nordeste, proporcionando vitalidade
às tradições que permanecem na história e, sobretudo,
promovendo o frevo, esse ritmo musical que é a cara de
Pernambuco.
87
E Aldemar Paiva, na condição de extraordinário oneman show, com estética e estilo próprios na exteriorização
emotiva e intelectiva de seus sentimentos e idéias,
expressando múltiplos elementos de literatura, história,
filosofia, sociologia, psicologia, humorismo e humanismo,
sob o império do charme, da elegância, da simpatia, da graça
e do superior espírito da tradicional pernambucanidade. Que
é um sentimento mais psicossocial distintivo de fidalguia e
nobreza, que agrega imenso valor ao admirável e inigualável
sentimento pernambucano, de caráter mais geopolítico e
mais ardentemente telúrico.
Como a fama, as palavras no rádio voam e são
facilmente esquecidas, especialmente num País de memória
curta como o Brasil. Mesmo sendo de um carismático
comunicador, grande prosador, admirável poeta, excelente
humorista e extraordinário ser humano, como Aldemar
Paiva. Mas seu espetacular desempenho como animador
cultural e versátil âncora do “Pernambuco Você é Meu” é
tão expressivo que, mesmo quase 30 anos depois do
programa ter saído do ar, em 1977, seu sucesso permanece
tão presente. Até hoje, em 2005, Aldemar Paiva é saudado
e festejado nas ruas e nos salões do Recife pelo seu vitorioso
programa radiofônico. Daí este ensaio, emblematicamente,
não relata a trajetória dele no passado mas no presente,
presentíssimo. Ele é uma das glórias do rádio de
Pernambuco e do Brasil.
Cidadão de Pernambuco e Cidadão do Recife, por
condecoração, Cidadão do Frevo e Cidadão de Boa Viagem,
por aclamação, Memória Viva da Cidade do Recife, por
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certificação, carinhosamente venerado pelos recifenses
como Barão de Setúbal, agora em tempo de saudades dos
tempos maravilhosos que, infelizmente, não voltam mais,
Aldemar Paiva pode ter a certeza, como o poeta latino
Quintus Horatius Flaccus, ou apenas Horácio, nas belas
Odes, de que seu memorável “Pernambuco Você é Meu” é
um monumento mais duradouro que o bronze. Com a
excelsitude de um grandioso Obelisco ao Frevo no coração
da Veneza Americana. Com aura popular de eternidade. Que
rima com saudade. Saudade de Frevo! Saudade de
Pernambuco!
E enquanto o menino de 80 anos dormia, de repente,
o aparelho começou a transmitir um programa de rádio
do Recife. E, no dia seguinte, para espanto de seu hum...e
de sua hum...(os amigos mais ousados aventuraram trocar
um risinho), o grande Aldemar acordou repetindo, palavra
por palavra, versos de dois saudosos mestres do frevo (dois
raros e insuperáveis que fazem sucesso até os dias de hoje),
Nelson Ferreira e Capiba Lourenço, simplesmente geniais,
fenomenais e imortais.
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FREVO DE SAUDADE
Letra de Aldemar Paiva
Música de Nelson Ferreira
Quem tem saudade
Não está sozinho,
Tem o carinho
Da recordação...
Por isso quando estou
Mais isolado
Estou bem acompanhado
Com você no coração...
Um sorriso,
Uma frase, uma flor,
Tudo é você na imaginação...
Serpentina ou confete...
Carnaval de amor...
Tudo é você no coração...
Você existe
Como anjo de bondade
E me acompanha
Neste FREVO DE SAUDADE
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Posfácio
Ás primeiras horas do Dia de São Pedro, em 1951, nós
chegamos ao Recife como sobreviventes de um temporal. Fomos
salvos – meu Austin A-4), eu e meu amigo Walter souza – da chuva
torrencial e dos atoleiros ali pelas imediações de Ipojuca. Deus
deve ter mandado aquele caminhoneiro que transportava gado e
rodava de volta pra casa, em nosso socorro. Generoso, o motorista
concordou em acomodar o Walter e eu na boléia, enquanto o que
sobrou do nosso carro, desmantelado pela tempestade, viajou na
carroceria do caminhão.
No dia seguinte, que amanheceu com “céu de Brigadeiro”,
após as providências de socorro mecânico e alojamento, eu me
dirigi á PRA-8, de acordo com a agenda que devia cumprir no
Recife. Fui recebido pelo diretor do Rádio Clube de Pernambuco,
Arnaldo Moreira Pinto, que confirmou a proposta que me fora
feita através do publicitário José Renato, para substituir Chico
Anysio no Departamento de Produção. Apresentou-me ao maestro
Nelson Ferreira – Diretor Artístico – que me conduziu à Musicoteca
e, de forma simpática e inesperada, me passou a primeira tarefa:
“Caríssimo Paiva, tome conta desta sala e desta máquina. Faremos
juntos um bonito progama para sua estréia. Escolha o repertório e
os intérpretes. O texto é seu e da parte musical eu terei o prazer de
cuidar pessoalmente”. Arrisquei uma pergunta: Para quando?
Respondeu em meio a uma baforada do seu havana: “Para amanhã
à noite em horário nobre”.
Modéstia à parte, o programa batizado por mim de “Jardim
das Flores Raras” agradou em cheio. Do princípio ao fim procurei
me mostrar com relativo brilho em diversas formas de minha
91
capacidade artística. Eu confesso que me senti nas nuvens diante
da partitura especial e da Grande Orquestra da PRA-8 regida pelo
genial maestro, projetando um “script” intencionalmente produzido,
dirigido e apresentado por mim. Fui me integrando rapidamente
ao espírito do rádio mais evoluído em que me encontrava.
Prestigiado por Nelson Ferreira, recebia um tratamento especial
de confiança e amizade por parte dos colegas de trabalho e dos
próprios diretores da emissora.
O Rádio Clube possuiu uma equipe de redatores de alto
nível das mais conceituadas emsisoras do Brasil, a começar por
um dos seus diretores, o jornalista e escritor Mário Libânio,
Waldemar de Oliveira, Telga de Araújop, Nilo Pereira, Abílio de
Castro, Luiz Maranhão, Moura Júnior, Jota Austregésilo, Clóvis
Neves, Fernando Silveira e tantos outros, amadores e profissionais
que compunham o naipe dos rbilhantes e dedicados intelectuais a
serviço da PRA-8.
O interessante é que, para meu espanto, de repente, eu me
dei de conta de que estava lá e também era um deles. Não havia
nenhum sinal de competição, mas, de qualquer maneira, todos
elaboravam seus “scripts” com muito amor para uma programação
eclética de alto nível em torno de eventos históricos, políticos,
sociais e folclóricos, envolvendo personalidades vivas ou
desaparecidas, música popular, erudita e poesia.
E se eu conseguisse chegar ao coração dos ouvintes do Rádio
Clube já identificados em todo o Brasil, através de uma nova e
revolucionária forma de comunicação? Tecnicamente, a PRA-8 já
possuiu o slogan “A Emissora das Duas Ondas”. E essas ondas media
e curta passaram a transmitir, diariamente, um programa especial de
frevo, gênero musical contagiante e genuinamente pernambucano.
Minha realização implicaria na apresentação de um
programa de estúdio sob o comando de um animador cultural (que
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seria eu mesmo), intercalando notícias do dia bem humoradas,
serviço de utilidade pública e eventos sociais, com os frevos de
rua, frevos-canção e frevos de bloco. Imbuído da importância
cultural desse programa, preservando, documentando e promovendo a tradicional expressão da lma popular de Pernambuco,
através do rádio, reuni todos esses ingredientes num esboço de
projeto e fui falar diretamente com o senador João de Medeiros
Calmon.
Dr. Calmon –Superintendente das Emissoras Associadas do
Nordeste – sempre me chamava carinhosamente de Professor. E
foi assim que fui tratado por ele depois de inteirar de todos os
detalhes do meu projeto: “Professor Paiva, gostei da idéia, aprovo
o projeto e com você aceito o desafio. Falta apenas um detalhe que
eu considero da maior importância para o sucesso que você espera.
Qual o título do programa?”Em cima da pergunta do senador eu
deflagrei meu tiro de misericórdia: “Pernambuco Você é Meu”.
Aldemar Paiva
Recife, junho de 2005
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Cronologia
20/07/1925 - Nasce em Maceió-Alagoas (Rua do Macena)
16/09/1948 - Inaugura a Rádio Difusora de Alagoas-ZYO-4
19/06/1951 - Ingressa no Rádio Clube de Pernambuco-PRA-8
20/12/1952 - Começa seu programa “Pernambuco Você é Meu”
17/06/1954 - Casa-se com Angelita, na capital pernambucana
05/04/1968 - Transfere-se para o Rádio Jornal do Commércio
1970 - Homenageado com título de Cidadão do Recife
03/02/1971 - Recebe Medalha do Mérito Cidade do Recife
28/10/1977 - Sai do ar o programa “Pernambuco Você é Meu”
13/05/1978 - Recebe Medalha do Mérito Fundação Joaquim
Nabuco
10-12-1978- Homenageado com título de Cidadão de Pernambuco
20/07/2005 - Comemora 80 anos, 54 como Cidadão de Pernambuco
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Bibliografia
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05. CAMARGO, Nely de. In Comunicação de Massa. Rio,
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06. CARVALHO,Alfredo de. Estudos Pernambucanos. Recife.
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07. FILHO, Luiz Maranhão. Memória do Radio. Recife, Jangada,
1991.
08. FREYRE, Gilberto. Alhos & Bugalhos. Rio, Nova Fronteira,
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10. KAPFERER, Jean-Noël. Boatos. Lisboa, Europa-América,
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11. LAVOINNE, Yves. A Radio. Lisboa, Vega, 1980.
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Unidos. Cultrix, São Paulo, 1974
18. TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música
Popular. Rio, Vozes, 1978
95
Download

pernambuco, você é meu