FERNANDA HENRIQUES
2008/2009
QUESTÃO ORIENTADORA
Porquê assumiu a ideia de dominação
masculina o aspecto de parecer ter sido
tão completamente aceite?
Ser esposa e mãe de família, tal deve ser
o papel da mulher.
Este papel é suficientemente nobre e belo
e deve preencher toda a sua existência;
a mulher não deve, pois, invejar o homem porque ele é
eleitor e procurar descer à arena política
onde ela se arrisca a perder a sua graça
e o seu encanto;
a vaidade de possuir um diploma adquire-se,
muitas vezes, à custa da felicidade que lhe teria
sido dada pela família, e transforma a mulher
num ser sem sexo e, por isso, inútil.
Dicionário médico para uso das famílias, 1890
Ser Mulher = é pertencer a um colectivo
Ser Mulher = assumir o seu destino
biológico e confinar o seu projecto
pessoal a esse destino
Como foi possível dizer isto com legitimidade
social, quase no final do século XIX?
Ser Mulher = é ser menor
Representação antropológica
assimétrica
Ao nível do pensamento dominante,
ser homem e ser mulher não tem o mesmo valor
RELIGIÃO
MEDICINA
FILOSOFIA
A mulher é de natureza húmida, esponjosa e fria, enquanto o
homem é seco e quente. O embrião fêmea solidifica-se e
articula-se mais tarde: a razão disto consiste em que a semente
da fêmea é mais fraca e mais húmida que a do macho.
Hipócrates (V-IV aC)
O que é mais quente é mais activo. O animal mais frio deve ser
mais imperfeito do que o animal mais quente […]. Os melhores
são aqueles que têm, simultaneamente, o sangue quente, fino
e puro, o que produz, ao mesmo tempo, a coragem e a
inteligência […]. O frio e o húmido originam a fraqueza e o
disparate. Por isso, na espécie humana, o homem é mais
perfeito do que a mulher.
Galeno (II dC) -
MISOGINIA de Aristóteles
DUPLICIDADE de PLATÃO
Posição dupla que tem em relação às MM A própria ambiguidade da figura
DUPLICIDADE
por exemplo,
no Timeu e na República de PLATÃO
Feminina na sua obra
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
Platão fez duas propostas de organização social e política:
a da República e a das Leis
• Na primeira defende que, embora em termos de grupo, os HH sejam superiores às
MM, há muitas MM melhores que muitos HH e, portanto, deveria dar-se às MM a
possibilidade de usufruírem de uma educação capaz de as tornar possíveis
governantes da cidade. Conhecendo a ideia platónica, de que só quem fosse
praticante da filosofia poderia ser bom governante, a sua proposta para as MM, na
Republica, tinha como suposto que elas, pelo menos algumas, poderiam chegar ao
cume do saber que a filosofia representava e, assim, poderiam ser rainhas da
cidade justa.
• Em As Leis, embora mais moderado, Platão continua a propor alguma intervenção
cívica das MM.
• Mesmo em termos de utopia, não parece irrelevante que esta ideia tenha surgido
uma vez na Grécia e que seja alvo de argumentação numa das mais conhecidas
obras da literatura filosófica ocidental.
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
• Acontece, porém, que a cultura ocidental
aceitou como importante a obra, mas excluiu
como ridícula ou descabida ou contra “a
natureza das coisas” a parte da obra onde se
defendia a possibilidade dupla do acesso das
MM ao máximo do saber e ao máximo do
poder.
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
análise da recepção académica da proposta de Platão, 1870 – 1970:
tipos de hostilidade
• Equality as a non-issue: neglect of the proposals
• Women are different: the proposals as unnatural
• Women have better things to do: the proposals as
undesirable
• Plato didn’t reality mean it: the proposals as unintentional,
unwelcome, or comic
Natalie Harris Bluestone, Women in ideal society,
Oxford/Hamburg/New York, Berg Publishers Limited, 1987, pp. 21-73.
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
Uma outra hostilidade significativa
das pessoas que se apresentavam como estando
do lado dos direitos das MM, mas que
Consideravam que a proposta platónica ia
demasiado longe (goes too far)
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
Depois de 1970
• Há diferenças na recepção de Platão
• Mantêm-se ressonâncias de velhos modos de ler, sendo de
realçar, de entre eles, a leitura de Allan Bloom que continua
a manter uma interpretação eminentemente sexista da
proposta platónica.
Ibidem, pp. 154 e ss
PLATÃO e as Mulheres
A questão da República
• Sem querer fazer de Platão defensor das MM, é necessário
tomar consciência do que está em causa na proposta
platónica:
uma argumentação racional a favor do direito humano e da
legitimidade filosófica de as MM poderem ascender ao saber
maior e, em consequência, ao poder maior.
• Se tivermos em conta que mesmo nos dias de hoje esses
direitos ainda não são pacificamente aceites, poderemos ter
consciência de quão longe foi a ousadia platónica.
PLATÃO e as Mulheres
Diotima de Mantineia
http://produccionesinmateriales.wordpress.com/2008/04/14/diotima-de-mantinea/
• Esto, Fedro, y demás amigos, dijo Diotima y yo quedé convencido; y
convencido intento también persuadir a los demás de que para adquirir esta
posesión difícilmente podría uno tomar un colaborador de la naturaleza
humana mejor que Eros. Precisamente, por eso, yo afirmo que todo hombre
debe honrar a Eros, y no sólo yo mismo honro las cosas del Amor y las
practico sobremanera, sino que también las recomiendo a los demás y
ahora y siempre elogio el poder y valentía de Eros, en la medida en que soy
capaz. Considera, pues, Fedro, este discurso, si quieres, como un encomio
dicho en honor de Eros o, si prefieres, dale el nombre que te guste y como
te guste.
[212b Término del Discurso de Sócrates, Banquete.
PLATÃO e as Mulheres
Aspásia
• “[…] las notícias platónicas sobre Aspasia respondem a realidade
histórica. Considero que esta es la mejor hipótesis para explicar
lo que los críticos llaman reiterativamente el “mistério” o el
“enigma” del Menéxeno. Por qué motivo la imensa maioria de
autores modernos y algunos antiguos no solo no aceptan tal
hipótesis, sino que ni tan sequiera la consideran digna de estudio,
es já outra cuestión que nos llevaría a temas fundamentales en la
historia ideológica de Occidente”.
José Solana DUESO, Aspasia de Mileto (trad e Edição). Testemonios y discursos, Barcelona, Anthropos, 1994. op. cit., pp. XL-XLI.
PLATÃO e as Mulheres
Aspásia
(de novo a recepção de Platão)
Platão: Menexeno
Aspásia aparece referida como mestre de retórica e autora de
discursos
• Segundo Mary Ellen Waithe, os comentadores desta obra de Platão dividem-se
em dois grandes grupos:
• o que considera que o Menexeno, embora pertença ao corpo das obras
platónicas, é a sua única obra não filosófica, desprestigiando-a, portanto, para
lhe retirar valor como fonte;
• e o grupo que, atribuindo também a obra a Platão, considera que o que nela se
apresenta em relação a Aspásia é muito da própria Aspásia, e que Platão o
escreve porque reconhece a reputação dela como filósofa/retórica, deixando,
contudo, clara a sua desaprovação em relação à influência que os filósofos como
ela tinham na Grécia.
Mary Ellen WAITHE, op. cit., p. 76.
Aspásia: um lugar à mesa
de The Dinner party
Aspásia de Mileto
• Na obra Aspásia de Mileto, Testemonios y discursos, o autor reúne 34
testemunhos, 17 dos quais referem a perícia retórica de Aspásia e
outros ainda a sua ligação à filosofia.
• Para ele, é absolutamente legítimo pensar que Aspásia esteve ligada à
filosofia e à arte de argumentar e, do seu ponto de vista, o processo
de impiedade que foi movido contra ela só testemunha da sua
importância e da sua relevância intelectual.
• José Solana põe mesmo a hipótese de que em redor de Péricles e do
seu círculo se tenha desenvolvido um movimento de emancipação
feminina que, ainda segundo a sua leitura, ajudaria a explicar não só o
processo de Aspásia, mas também comédias como Lisístrata e
Assembleia de MM.
MISOGINIA de Aristóteles
ARISTÓTELES
INTERPRETAÇÕES
TEXTOS
•
•
•
•
Metafísica
Política
Geração dos animais
Poética
1.
Não há coerência entre a
posição de A na Met e na
Geração… ou na Política
(Marguerite Deslauriers)
2. Há uma relação intrínseca
entre as posições de
Aristóteles
(Prudence Allen)
ARISTÓTELES
Sentido do quadro dos opostos apresentado na Met.
MASCULINO
FEMININO
Unidade
Pluralidade
Limite
Indeterminado
Luz
trevas
bem
mal
ARISTÓTELES
• Valorização desigual dos
opostos ligados ao
feminino e ao masculino
• No plano metafísico, macho
e fêmea são princípios
contrários, mas não
recíprocos
Feminino
=
Privação do Masculino
Cfr:
Mª José Vaz Pinto, “o que os filósofos pensam sobre as MM: Platão e Aristóteles”
Cynthia Freeland (ed), Feminist Interpretation of Aristote
ARISTÓTELES
A ideia de Cidadão e a Universalidade do Masculino tomado como neutro
Celia Amorós, na apresentação de uma colectânea de estudos sobre a conceptualização do
feminino na filosofia grega, depois de afirmar que desde muito cedo há uma
conceptualização ideológica do feminino que a contrapõe a um suposto universal neutro,
diz duas coisas fundamentais:
a) […] aquilo que é pensado como o genérico humano apresenta-se num plano de
abstracção que neutraliza os opostos sexuais […]. Contudo, não de tal maneira que
aquilo que é proposto ao nível da abstracção do neutro possa ser comunicável no
masculino ou no feminino: constituir-se-á como o masculino, que assumirá, deste modo,
o neutro e assim, não se porá a si mesmo como o masculino, e sim como o próprio
genérico humano
b) Ao ficar do lado do diferente, do outro-diferente-do-neutro, e sendo o neutro o pensado
enquanto neutro – e vice-versa , na medida em que se tornará neutro enquanto pensado
-, o feminino tornar-se-á o não-pensado.
ARISTÓTELES
Numa obra dedicada a este tema, Amparo Moreno separa “sexismo” de
“androcentrismo” para mostrar que a concepção herdada da Política
de Aristóteles acerca do suposto universal homem, não só exclui todas
as mulheres, como também muitos homens.
Afirma ela que a conceptualização de Homem que Aristóteles forjou,
nomeadamente no livro I da Política, referia-se a aner-andros, ou seja,
“ao homem feito, ao que assumiu os valores próprios da virilidade,
crendo-se, por isso, com direito a impor-se sobre outras e outros”.
Amparo Moreno, La otra “politica” de Aristóteles, Barcelona, Icaria, 1988, 18
A filosofia grega é, pois, a nossa herança e o nosso destino.
Acolhê-la, na órbita da relevância da consciência histórica
como estruturante do pensar, obriga, necessariamente, a
ressignificá-la ou, pelo menos, a tentar fazê-lo, procurando
nela os ruídos ao pensamento dominante que recebemos e
nem sempre questionamos o suficiente.
A HERANÇA GREGA
•
Q - O que é que herdámos da Grécia,
sem reflectirmos no seu processo de
constituição, tomando-o como natural?
•
Q - O que é que ignorámos ou não
aceitámos como herança ?
•
R - A ideia do universal neutro, com tudo
o que lhe vem associado.
•
•
Q – O que é que recusámos
liminarmente?
R – Alguns insólitos da Cultura
Grega, se tivermos em conta a
depreciação do feminino, como por
exemplo:
•
R - A proposta platónica
•
Q - O que é que denegrimos ou
minimizámos?
•
R- a existência atestada da importância
de algumas figuras femininas, como é o
caso de Safo e de Aspásia
–
–
–
A importância do feminino na
transmissão do saber – Hesíodo
(Teogonia) e Parménides (Poema)
A importância da figura feminina na
configuração das questões-limite
que se põem ao ser humano,
testemunhada pelas tragédias
O inesperado da proposta platónica
de pensar a possibilidade de haver
filósofas-raínhas ou dos exemplos
de Lisístrata, de Assembleia de
Mulheres e de Melanipa, a filósofa
AS MULHERES NOTÁVEIS
DO MUNDO ANTIGO:
•MINIMIZAR
•DENEGRIR
•RIDICULARIZAR
SAFO:
DIVINA
ou
MALVADA
ASPÁSIA:
PROSTITUTA
INSIGNIFICANTE
ou
RIDÍCULA
O SIMBÓLICO
de
TRÊS PEÇAS DE TEATRO INSÓLITAS
Lisístrata (411aC.) – recomeço
da guerra entre Atenas
e Esparta – a Ateniense
Lisístrata convoca as mulheres
Assembleia de Mulheres: as
mulheres atenienses
disfarçadas de homens, com
Praxágora como chefe,
tomam conta do poder e
instauram um regime comunista.
da Grécia para se mobilizarem
e porem fim à guerra, fazendo
uma greve de sexo.
INTERPRETANDO
• É notável que Aristófanes tenha escolhido desenvolver uma intriga com protagonistas
femininas a propor soluções políticas em situações de crise
• É notável que em ambos os casos, tais figuras femininas tenham conseguido mobilizar-se,
organizar-se e ocupar o espaço público que, teoricamente, lhes estava vedado.
• É, por isso, forçoso pôr uma de duas hipóteses:
ou o próprio Aristófanes pensou por si mesmo a possibilidade que encenou – o que significa
reconhecer que as mulheres poderiam desempenhar tais papeis
ou, então, fez-se eco de outros ou outras que assim pensavam.
• Em qualquer dos casos parece assinalável que a força, o poder e a capacidade de mobilização
e de acção pública das mulheres tenha sido posta em cena na Grécia do século V e tenha sido
aplaudida pelos gregos.
Seduzida por Poseidon, Melanipa teve dois gémeos.
Com medo de seu pai Éolo e por ordem do deus, pôs os filhos num estábulo.
Descobertos os gémeos e levados a Éolo, este, considerando-os monstros,
condenou-os a serem queimados vivos. Melanipa intervém, demonstrando,
através de argumentos racionais, que as crianças não poderiam ser monstros e
teriam de ter uma mãe humana e, finalmente, acaba reconhecendo
ser ela a mãe. O pai cega-a e enclausura-a, mas decorridos 16 anos será libertada
pelos filhos e pelo próprio pai, recuperando a vista.
INTERPRETANDO
• Mesmo sem entrar na discussão, extemporânea, da possível veia
pré-feminista de Eurípedes, não se pode ignorar que ele escreveu
esta peça e que essa situação tem de ter um significado no âmbito
da representação das mulheres e das suas capacidades, no mundo
grego.
• Assim, os elementos mencionados representam demasiada
agitação no pensar dominante para se poder considerar
liminarmente a situação das mulheres na Grécia apenas segundo o
ângulo da dominação e da irrelevância cultural.
• Um levantamento mais sistemático e aprofundado mostraria,
certamente, um maior colorido de perspectivas e uma nova lista
de nomes para lá dos velhos conhecidos da literatura canónica.
BIBLIOGRAFIA de REFERÊNCIA
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