Além do interesse: a estética da dignidade nos escritos políticos dos primeiros
românticos
Lara Cruz Correa*
RESUMO: Explora-se a idéia de uma "estética da dignidade", derivada do
individualismo ético kantiano e de sua absorção e ressignificação no interior da tradição
romântica. A partir dos escritos políticos de F. Schlegel, Novalis e Schleiermacher –
autores cuja reflexão político-filosófica é usualmente relegada a segundo plano investiga-se a existência de um específico conjunto de princípios e valores que informa
uma noção peculiar de "vida digna", cujo núcleo reside na realização a um só tempo
moral e estética do indivíduo, e que vem rivalizar com concepções que definem a
política essencialmente como arena de enfrentamento de interesses individuais
competitivos. Em uma linguagem que pretende sintetizar razão e sentimento, que
significado viver de acordo com certas normas éticas e estéticas adquire para um
determinado ideal de organização da vida pública?
Modernidade polifônica e subjetivação romântica
Limites teóricos e práticos da linguagem do interesse
Não seria propriamente original uma reflexão acerca do pensamento político
contemporâneo que viesse a encerrar um diagnóstico melancólico, apontando uma
significativa contração no horizonte imaginativo de seus teóricos. Na adesão a uma
cosmologia específica, traduzida pela generalização da racionalidade econômica e pelo
individualismo liberal de matriz utilitária, assiste-se à consolidação de uma série de
pressupostos de ordem ontológica, epistemológica, ética, estética (a lista se entende...)
de consequências nada desprezíveis para o ordenamento da sociedade. Entretanto, ainda
mais fundamental, para além de todas as idiossincrasias desse paradigma peculiar,
parece ser o fato mesmo de sua relativa dominância no cenário contemporâneo, em
contraste com o agudo dissenso entre modelos distintos e mutuamente excludentes de
concepção da realidade que marcaram o contexto moderno, disputando, em discursos e
práticas, possibilidades alternativas de organização das subjetividades e da vida
pública1. O objetivo do presente trabalho é refletir acerca dessa “homogeneização do
*
Doutoranda em Ciência Política no IESP-UERJ. Bolsista do CNPq.
Sobre a referida simphonía do pensamento político contemporâneo e seu contraste com o panorama
intelectual moderno, ver Lessa (2003).
1
1
pensar” característica de nossos tempos, voltando a atenção à modernidade enquanto
contexto histórico-intelectual em que “ainda rolavam os dados”, ou, poderíamos dizer,
antes que o homo economicus houvesse cometido fratricídio e sepultado o poeta
romântico.
Uma interessante esquematização quanto às origens modernas do paradigma
contemporaneamente dominante é oferecida por Lukes (1973): o indivíduo abstrato que
hoje figura como protagonista do pensamento político teria como características,
segundo aponta o autor, certos traços psicológicos idiossincráticos tomados como
dados, essenciais, ou seja, atributos inatos que determinariam suas propensões e
comportamentos. Dessa constituição natural do indivíduo teriam sido derivadas, como
desdobramentos necessários e previsíveis, as noções correspondentes de sociedade e de
Estado, estes pensados no limite dos atributos requisitados para que aquelas
necessidades naturais pudessem ser supridas (Lukes, 1973: 73-75). Arranjos políticoinstitucionais específicos emergiriam, portanto, dessa singular concepção quanto à
natureza humana, sendo traduzidos, por fim, na consagração do consentimento
individual como base de legitimidade do governo, na canalização do interesse
individual como cerne do sistema representativo e na afirmação da garantia das
condições de realização daqueles desejos individuais como função primordial do
Estado, sem que lhe coubesse de qualquer formar pretender “influenciá-los, alterá-los
ou interpretá-los”(Lukes, 1973: 79-80).
Barboza Filho (2008), por sua vez, refere-se a essa linguagem do interesse como
um modo específico de normatividade que, em articulação com modelos dela distintos e
que lhe serviriam como sublinguagens, viria a compor o eclético repertório moderno de
possibilidades de subjetivação. Juntamente com as linguagens da razão e do afeto, a
linguagem do interesse teria surgido como expressão da corrosão dos princípios
teológicos tradicionais de compreensão do mundo e sua substituição por linguagens
secularizadas, que se pretendiam ancoragens ético-normativas para o agir humano,
efetivamente fornecendo modelos teórico-filosóficos de organização da vida. Palco da
disputa teórica entre tais linguagens, e das peculiares formas de hierarquização entre
elas, a modernidade teria sido um contexto de intensa disputa de valores (Barboza Filho,
2008:17)2. Pode-se supor que tal polifonia teria implicado, por sua vez, uma intrincada
2
A tríplice tipologia oferecida pelo autor é uma apropriação e modificação da classificação originalmente
elaborada por Anthony Padgen, baseada em quatro linguagens, quais sejam, o aristotelismo político, o
republicanismo clássico, a economia política e a ciência da política. Para a reflexão específica que aqui
buscamos conduzir, entretanto, a teoria das três linguagens se mostra satisfatoriamente exaustiva e afim
às categorias conceituais que pretendemos mobilizar.
2
polissemia, uma vez que as categorias conceituais sobre as quais o pensamento político
se estruturava teriam sido submetidas a constantes re-significações em cada qual
daqueles campos morais.
A posição que pretendemos destacar é que, no contexto em que o interesse é
estabelecido como linguagem dominante, uma relevante ausência é observada.
Voltemos a Lukes: em seu mapeamento daquelas noções definidoras do que chama
individualismo moderno, o autor identifica um conjunto de concepções que,
reaparecendo sob formulações específicas no polifônico panorama intelectual da
modernidade, seriam indicativas de seus valores nucleares: as noções de dignidade do
homem, autonomia, privacidade e autoaperfeiçoamento estariam presentes em distintas
correntes de pensamentos, mobilizadas em diferentes graus, i.e., sendo atribuída maior
relevância a algumas dessas categorias em detrimento de outras, a depender do contexto
intelectual em questão. O ponto que cabe aqui estabelecer é que uma efetiva supressão
se opera quando do estabelecimento da linguagem do interesse em sua versão liberalutilitária, qual seja, o cancelamento de qualquer preceito que meça forças com uma
noção radical de dignidade humana. Na medida em que individualiza, desagrega e
matematiza, a linguagem do interesse não pode pensar a noção de algo que seja “um fim
em si” e, por isso, só pode conceber os sujeitos individuais como portadores de distintas
“utilidades”, as quais são tão somente ocasional e quantitativamente distinguíveis entre
si, mas essencial e qualitativamente equivalentes. Isso significa, por um lado, o
reconhecimento da legitimidade dos heterogêneos interesses individuais, assim como,
por outro, a aceitação de uma lógica coercitiva no veto à ação arbitrária de um indivíduo
sobre outro, intervindo artificialmente sobre os fins particulares para o estabelecimento
de um nível mínimo de equilíbrio3.
Supomos que seja precisamente essa inviabilidade crônica de gestação de uma
idéia de dignidade no quadro conceitual da linguagem do interesse que explique a
dificuldade semântica em discerni-la das demais ideias básicas do individualismo
moderno, tais quais indicadas por Lukes. Pode-se supor que seja essa a razão de fundo
de sua identificação a noções de autonomia e igualdade – desde que compreendidas
3
A tipologia de Barboza Filho destaca Hobbes, Locke e Tocqueville (este último, representante de uma
versão mais benevolente e palatável do “interesse bem compreendido”) como exemplares desta
linguagem. Consideramos, porém, que o chamado Utilitarismo clássico, que tem em Bentham, James Mill
e John Stuart Mill seus principais expoentes, em virtude da importância fundamental que confere às
categorias do interesse individual e do artifício, pode ser incluído na reflexão, inclusive fornecendo a
terminologia que aplicamos ao caracterizar a linguagem do interesse em termos de equilíbrio de
utilidades.
3
ambas também em referência a suas significações típicas no âmbito do pensamento
liberal de corte utilitário. A posição que pretendemos demarcar é a de que tal
“contaminação” da idéia de dignidade é própria aos limites conceituais inerentes ao
pensamento dominante: quando nos voltamos ao pensamento romântico, vemos a
dignidade alçada a premissa ética e estética que suporta tais noções, das quais não é
sinônimo, mas antes fundamento4, e então podemos perceber que a relação própria entre
elas não é de automática substitutibilidade, mas de vinculações específicas.
A linguagem da dignidade
Interessa-nos demarcar a circunscrição do tema da dignidade ao pensamento
moderno porque é ali que adquire sua dimensão enquanto categoria ética –
precisamente aquela que lhe confere relevância enquanto valor informativo de um
determinado modelo de vida social e organização política. Autores como Lovejoy
(2001:187) apontam a origem da noção da dignidade no pensamento judaico-cristão
enquanto categoria primeiramente ontológica, referida quer ao lugar próprio a cada ente
da Criação na Grande Cadeia do Ser (de modo que homens teriam dignidade superior a
plantas, por exemplo, e inferior a anjos) quer à afirmação de que, criados à semelhança
de Deus, todos os homens nascem portadores de igual dignidade. Nessa perspectiva,
atributos que o pensamento moderno conferirá ao termo já se fazem presentes – dado
que a dignidade é afirmada como qualidade universal e intrínseca – mas sua passagem
do âmbito ontológico ao ético acompanhará as posteriores formulações de Santo
Agostinho a São Tomás de Aquino e a afirmação do efeito corruptor do ato pecaminoso
sobre a dignidade do indivíduo pecador. No humanismo renascentista tal perspectiva
alcança formulação mais nítida e inspirada, em especial com o Discurso sobre a
dignidade do homem, de 1496, de Pico della Mirandola. Neste, que é o mais notório
tratado filosófico acerca do tema, pela primeira vez uma vinculação é explicitamente
traçada entre a liberdade e a dignidade do homem, sendo esta então identificada ao
cultivo e desenvolvimento de certas “habilidades interiores que, apropriadamente
exercitadas, permitiriam aos sujeitos aspirarem à sua realização enquanto seres morais”
4
Ver Malpas & Lickiss (2007) acerca da dignidade como fundamento e não sinônimo. Os autores
chamam a atenção para certos âmbitos discursivos do pensamento contemporâneo, como o “médicobioético” (que usualmente refere-se a uma idéia de dignidade enquanto “respeito à autonomia”, sendo
esta compreendida em termos de decision making- é autônomo o indivíduo capaz de retirar os princípios
de seu agir de sua própria atividade reflexiva) e o “legalista” (que vincula o debate quanto à dignidade à
temática dos direitos humanos e define a igualdade em termos de tratamento não-hierárquico e nãodiscriminatório), nos quais a nebulosidade semântica se faz perceptível.
4
(Brennan & Lo, 2007: 45), em uma perspectiva que agora deriva a dignidade do livre
arbítrio e da agência individual5.
Em sua variante moderna, a dignidade reaparece no âmbito da filosofia kantiana,
constituindo o núcleo mesmo de sua doutrina prática. O imperativo categórico, único e
definitivo teste de validade da agência moral, indica ser a racionalidade o atributo que
distingue o homem dos demais seres e que lhe garante ascendência sobre eles: somente
o indivíduo dotado de vontade racional tem valor absoluto, todo o resto possuindo
apenas o valor relativo que ele próprio lhe atribui. A posição é especialmente clara na
segunda formulação do imperativo prático, que postula: “Procede de maneira que
trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros, sempre e
ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio” (FMC:92). A noção de todo
sujeito racional como fim em si, de valor intrínseco e único, é o que se encerra na noção
de dignidade humana: “Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer
outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo preço e, por
conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade” (FMC:98). E
aqui temos, portanto, a dignidade renascentista, vinculada ao livre arbítrio, naquilo que
consideramos seu primeiro momento moderno, tipicamente iluminista, em que a
liberdade se conecta à universalidade da razão.
Sabe-se, porém, que a crise do racionalismo iluminista esteve relacionada à
percepção dos limites da razão tanto em âmbito epistemológico, enquanto via segura
para a obtenção de conhecimento, quanto na esfera moral, no que tange à sua
legitimidade na determinação das condutas. Sabe-se também que, na Alemanha
moderna, a sensibilidade às limitações desse modelo de compreensão do mundo
encontrou solo fértil. No movimento romântico, a reação ao racionalismo encontrou
expressão consciente, em suas distintas manifestações e, primordialmente, no campo
das artes. Com o advento do moderno capitalismo e com a emergência das massas na
vida política, o individualismo de caráter universalista dos intelectuais iluministas
5
“Estabeleceu, portanto, o óptimo artífice que, àquele a quem nada de especificamente próprio podia
conceder, fosse comum tudo o que tinha sido dado parcelarmente aos outros. Assim, tomou o homem
como obra de natureza indefinida e, colocando-o no meio do mundo, falou-lhe deste modo: ‘Ó Adão, não
te demos nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica,
afim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares,
tudo segundo o teu parecer e tua decisão. A natureza bem definida dos outros seres é refreada por leis por
nós prescritas. Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti
segundo teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no meio do mundo para que daí possas olhar
tudo o que há no mundo. Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu,
árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente
escolhido. Poderás degenerar até os seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades
superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo’” (Pico della Mirandola, 2008:57).
5
encontrou na individualidade singular proclamada pelos poetas românticos um ponto de
tensão que exigia a revisão de seus pressupostos.
Supomos que intelectuais da primeira geração do Romantismo alemão (o chamado
período Frühromantik), como F. Schlegel, Novalis e Schleiermacher6, instigados pela
obra crítica kantiana e influenciados pelas posteriores reflexões acerca do tema da
educação estética tais quais desenvolvidos por Schiller, inserem no pensamento
moderno a noção de uma organização estética da existência que corresponde a um
segundo desdobramento moderno do ideal de dignidade7. Tradicionalmente referidos
pela literatura especializada antes pelo que os distingue do que pelo que os aproxima,
acreditamos, entretanto, que entre o sistemático transcendentalismo kantiano e a
anárquica inspiração sentimentalista romântica, algo de comum anuncia-se, esgarçando
os limites do atomismo liberal em sua linguagem do interesse, tensionando suas
contradições e inserindo no panorama intelectual do pensamento moderno um
específico ideal de individualidade e um alternativo modelo de organização política.
Romantizar o mundo: o imperativo político
A relação entre os primeiros românticos e o legado da filosofia crítica de Kant é
sempre complexa e de difícil definição, expressando-se ora como assimilação e
reverência, ora como oposição consciente e incisiva, ora como dedicação obsessiva à
sua superação. O fato é que a noção kantiana de uma “subjetividade moral radicalmente
livre”8 imprimiu-se de tal forma no imaginário daqueles autores que, mesmo nos
momentos em que subvertiam suas categorias, permaneciam ainda profundamente
instigados a responder àquelas questões fundamentais que Kant havia formulado. Se a
noção de uma comunidade universal de seres racionais livres era a imagem projetada
por Kant de um reino dos fins, os românticos, não obstante sua desconfiança quanto à
legitimidade exclusiva da razão, conservavam seu ímpeto utópico, i.e., a crença na
6
Friedrich Schlegel (1772–1829). Georg Friedrich Philipp von Hardenberg, pseudônimo Novalis
(1772–1801). Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834).
7
A vasta maioria desses escritos políticos da geração proto-romântica foi publicada no período que se
estendeu de 1797 a 1801, aproximadamente, na forma de fragmentos, curtos comentários em prosa, cuja
extensão poderia ser de algumas poucas palavras (remetendo a máximas ou chistes), algumas linhas ou,
em caso excepcional, algumas páginas. Sobre a complexa relação entre a forma fragmento e a filosofia
romântica, ver Scheel (2010). Quando aqui referidos, os fragmentos são citados indicando o nome da
publicação original, o número relativo ao fragmento e a página correspondente na edição de referência.
No caso de ausência de traduções para o português, optamos pela versão em língua inglesa do volume
compilado por Beiser (1996).
8
A expressão é de Charles Taylor (2005).
6
potencialidade e responsabilidade dos homens enquanto agentes de transformação, em
atividade contínua de aproximação a um ideal. Essa vocação utópica romântica
revelava-se fruto da própria inscrição histórica daqueles autores, imersos no ambiente
pós-revolucionário e impelidos a refletir sobre o significado dos abalos que haviam
então atingido a Europa, desestruturando ideias tradicionais e seus correlatos
institucionais (Seligman-Silva, 2002:09-10).
Naquele momento convulsivo, no entanto, o ideal kantiano de uma paz perpétua
fundamentada em uma noção abstrata de direitos naturais e em um formalismo legalista
parecia-lhes uma aspiração insípida. Em 1796, Schlegel publica Versuch über den
Begriff des Republikanismus, um comentário ao tratado de Kant, texto que dificilmente
se encaixaria na caracterização “conservadora” que estudiosos comumente atribuem aos
intelectuais românticos. Incisivo e polemista, o ensaio mira no caráter “mínimo, abstrato
e contraditório” (Izenberg,1992:97) do republicanismo kantiano. Ali, Schlegel realiza,
contra Kant, uma defesa radical da democracia e do direito de resistência, questionando
as definições kantianas de igualdade e liberdade. Dirá Schlegel:
The minimum of civil freedom is contained in the Kantian definition. The
medium of civil freedom is the right to obey no external laws other than those
which the (represented) majority of the nation has really willed and the
(supposed) universality of the nation could will. The (unattainable) maximum
of civil freedom is that of the criticized definition, which would be a tautology
only if it spoke of moral and not political freedom. The highest political
freedom would be equivalent to moral freedom, which is limited only by the
moral law, completely independent of coercive laws (VBR: 97, grifos no
original).
E complementa:
Similarly, what Kant defines as external legal equality in general is only the
minimum in the infinite progression to the unattainable idea of political
equality. The medium consists in not allowing any differences among the rights
and obligations of the citizens other than those which the majority of the nation
has actually willed and the totality of the people could will. The maximum
would be an absolute equality of rights and duties for all citizens, thus ending
all domination and dependency (VBR: 97, grifos no original).
Para Schlegel, o republicanismo kantiano era constrito pelo próprio formalismo
e circularidade de suas proposições e só poderia então se concretizar enquanto fictio
juris:
But how is republicanism possible? The general will is its necessary condition;
but the absolute general (and therefore absolute enduring) will does not occur
in the realm of experience and exists only in the world of pure thought. The
individual and universal are therefore separated from one another by an infinite
gulf, over which one can jump only by a salto mortale. There’s no solution
here other than, by means of a fiction, to regard an empirical will as the
surrogate if the a priori absolute general will. Since a pure resolution of the
7
political problem is impossible, we have to content ourselves with the
approximation to his practical X (VBR:101, grifos no original).
O fundamental é que as limitações teóricas kantianas, tal qual percebidas por
Schlegel, estariam no caráter mesmo de sua antropologia, a qual guardaria, em seus
fundamentos, afinidades elementares com uma noção antissocial de natureza humana e
que só poderia pensar a organização política, portanto, a partir de uma lógica coercitiva.
Trata-se da “insociável sociabilidade” de que fala Kant, a irrevogável tensão que
caracteriza o indivíduo kantiano, e que coloca sua consciência em perpétuo conflito
entre o impulso particularista, que lhe impele a agir de acordo com seus apetites
egoístas, e os ditames da racionalidade pura, que lhe ordenam obedecer às leis da
moralidade. Essa oposição acaba, no entanto, servindo ao homem, na medida em que,
segundo o argumento teleológico mobilizado por Kant, “O meio de que a natureza se
serve para realizar o desenvolvimento de todas as disposições é o antagonismo das
mesmas na sociedade, na medida em que se torna ao fim a causa de uma ordem
regulada por leis desta sociedade”(IHUPVC:13). Tal posição inspira a solução legalista
kantiana:
It only remains for men to create a good organization for the state [...], and to
arrange it in such a way that their self-seeking energies are opposed to one
another, each thereby neutralizing or eliminating the destructive effects of the
rest. And as far as reason is concerned, the result is the same as if man’s selfish
tendencies were non-existent, so that man, even if he is not morally good in
himself, is nevertheless compelled to be a good citizen. As hard as it may
sound, the problem of setting up a state can be solved by a nation of devils (so
long as they possess understanding) (PP:112).
Se, na linguagem do interesse a que nos referíamos, a razão entrava como
componente remodelador, introduzida artificialmente por sobre a constituição natural
passional e egoísta do homem, não para eliminar suas inclinações e seus desejos, mas
para transformá-los e reabilitá-los para a vida pública, organizando as finalidades
individuais em um ponto de equilíbrio, poderíamos então pensar tal linguagem
gramaticalmente como “o homem é desejo e razão”9, pois a racionalidade é um
incremento, acrescentado posteriormente por sobre a cupiditas (Barboza Filho,
2008:18). A diferença para o modelo antropológico kantiano é que ali a razão deixa de
ser tão somente uma sublinguagem do interesse, para se erguer absoluta e magnânima.
O indivíduo kantiano é, desde o princípio, um híbrido: em parte ser sensitivo, habitante
9
Ou como dirá Hirschman, em obra que é referência sobre o tema das relações entre as esferas da razão,
das paixões e do interesse: “O interesse era visto na verdade participando da melhor natureza de cada um,
como a paixão do amor-próprio melhorada e contida pela razão, e como razão que recebe orientação e
força daquela paixão. A resultante forma híbrida de ação humana era considerada isenta tanto da
destrutividade da paixão quanto da ineficácia da razão” (2002: 64-5).
8
do mundo fenomênico, refém de suas tendências e inclinações antissociais – um
demônio; e em parte ser racional, dotado da faculdade de submeter seu agir às leis da
vontade pura e subordinar sua particularidade aos ditames de uma lei universal. O que
ocorre nessa linguagem da razão é que, ao expressar-se como “o homem é razão versus
desejo”, ela mantém como traço essencial da constituição humana a existência de uma
cisão no interior do indivíduo, e é em relação a este fundamento que as condições da
vida social e política serão pensadas.
Com exceção da crítica à Paz Perpétua, são escassas as menções de Schlegel a
desenhos institucionais ideais. Também em Novalis as reflexões permanecem distantes
da tradicional discussão na filosofia política em torno das formas de governo. Não raro,
este traço comum aos autores românticos, somado à imersão destes no mundo das artes,
levou ao questionamento quanto à existência de um pensamento político propriamente
romântico (Frank, 2004; Millán-Zeibert, 2004; Kompridis, 2006). É preciso, portanto,
um olhar atento para que se perceba que, falando seu idioma próprio, os românticos
oferecem observações contundentes, não raro radicais, quanto à organização política.
Vejamos então as reflexões trazidas por Novalis nos fragmentos compilados em
Glauben und Liebe, de 1798, e no opúsculo Christenheit oder Europa, escrito em 1799,
mas publicado integralmente somente em 1826. Nestes, o rompimento com a
racionalidade iluminista é ainda mais abrupto - tão radical, de fato, que há razão para se
especular que tenha sido proposital e conscientemente exagerado e rebuscado, em seu
argumento assim como em seu estilo retórico, para efeitos de arrebatamento e
mobilização. Em CoE, dá-se o que Seligman-Silva (2002) chama a instauração de “uma
nova temporalidade”: o instável contexto europeu contemporâneo é comparado a um
passado idealizado, reconstruído por Novalis através de um recuo ao imaginário
medieval de um Europa politicamente unificada, uma “era de ouro” na qual as nações
encontravam-se, interna e externamente, pacificadas na fé cristã.
Those were beautiful magnificent times, when Europe was a Christian land,
when one Christianity dwelled on this civilized continent, and when one
common interest joined the most distant provinces of this vast spiritual empire.
[…] Every member of this society was honoured everywhere. If the common
people sought from their clergyman comfort or help, protection or advice,
gladly caring for his various needs in return, he also gained protection, respect
and audience from his superiors. […] How happily everyone could complete
their earthly labours, since those holy men had safeguarded them a future life,
forgave every sin, explained and erased every blackspot in this life (CoE: 61).
O ideal monárquico-cristão medieval simboliza a um só tempo a harmonia
interior do homem consigo mesmo e a harmonia entre os homens, isto é, unidade
9
espiritual em seu sentido pleno, moral e política. O deslocamento de cognitio em
direção a fides como modalidade legítima de acesso à verdade e de determinação das
condutas é um aspecto relevante desse postulado místico-religioso. Ali está contida a
crítica romântica à modernidade, vista por Novalis como regida por relações
instrumentais entre o homem e as coisas e entre os próprios homens.
Needs, and the arts of satisfying them, grow more complicates; greedy man
then requires so much time to know and acquire skill in these arts, that he no
longer has time for the quiet collection of mind for the attentive consideration
of the inner world. Should a conflict arise, his present interests seem to mean
more to him; and so withers the beautiful blossoms of his youth, faith and love,
giving way to the bitter fruits of knowledge and possession (CoE:64)
O conhecimento e a posse no lugar da fé e do amor – são estes os termos com
que Novalis caracteriza a deterioração das relações sociais no momento pósrevolucionário, articulando a ascensão da moderna sociedade de mercado à
fragmentação social, relacionando o crescente materialismo com a perda de um senso
de transcendentalidade e com a consequente dissolução da ideia de comunidade em
virtude de as necessidades humanas agora encontrarem sua possibilidade de resolução
tão somente pela via das satisfações individuais hedonistas, independentemente
consideradas (Kleingeld, 2008:273).
Mas Novalis não pretende tão somente a vituperação das tendências de seu
tempo; a crítica à modernidade é também um chamado. A exaltação da Europa católica
e monárquica é, na verdade, um símbolo daqueles valores que caracterizavam a
sensibilidade romântica; o sentido é menos nostálgico do que alegórico (Kleingeld,
2008; Stoljar, 1997), isto é, tratava-se menos de um clamor pelo retorno daquelas
instituições do passado do que a afirmação de um conjunto de valores a ser recuperado.
Por mais que as evocações de Novalis tivessem pretensões retoricamente envolventes e
sedutoras – era, afinal, um poeta que escrevia, e o fato de o argumento ser apresentado
em prosa é pouco significativo diante das imagens e emoções que o texto produz no
leitor – há razão para se supor que seus escritos políticos fossem, em seus próprios
termos, uma ideia regulatória em sentido kantiano, transcendental (Seligman-Silva,
2002). Não pensemos, porém, que isso enfraquece a radicalidade ou agudez de seu
projeto, pois é justamente nesse imperativo que vemos descortinados alguns conceitos
filosóficos centrais ao romantismo.
De fato, tão nuclear é a ideia suposta nesse ideal regulador de Novalis que ele
guarda a origem semântica do próprio movimento romântico. Novalis cunhou o termo
romantisieren em sua obra estética para referir-se à atividade do poeta. Somente em um
10
segundo momento teria dele derivado as formas nominal das Romantische e adjetiva
romantisch (Hiebel, 1947:515), o que evidencia que lhe interessava primeira e
fundamentalmente o ato de produção da poesia enquanto processo. O detalhamento
desse processo é revelador. Parte da atividade de romantização do mundo se dá pelo que
chama potencialização da experiência, o que envolve uma forma peculiar pela qual o
poeta deve abordar os objetos. Potencializá-los significa tomá-los para além de sua
existência limitada, tirá-los de seu contexto de determinação – na poesia romântica,
significa o ato de conferir qualidades sobrenaturais ao natural, retomar a imaginação de
um mundo mágico ou um passado longínquo, i.e., transformar o ordinário em
extraordinário. Mas, por outro lado, a romantização do mundo supõe, para além da
atividade de potencialização dos objetos, a realização do caminho inverso: tratar o
infinito – o misterioso, o fantástico, o grotesco – como natural e próximo – transformar
o extraordinário em ordinário (Hiebel, 1947:516-517)10.
Aqui, pretende-se superar a cisão kantiana entre o mundo fenomênico e o mundo
da racionalidade pura que circunscrevia seu idealismo transcendental através da
afirmação de um idealismo mágico (Kleingeld, 2008:277). Para Novalis, assim como
para Kant, o absoluto não pode ser alcançado pela razão, mas a experiência do
extraordinário ganha significado precisamente enquanto tentativa de se atingir o
suprassensível pela via imaginativa e, assim, ao caráter negativo da Crítica se opõe o
aspecto positivo da criatividade artística romântica. Em GuL, o ideal da romantização
do mundo encontrará sua materialização no Estado poético (Stoljar, 1997:17). Os
fragmentos ali reunidos denotam uma preocupação com a recepção dos ideiais
revolucionários na Prússia e seu potencial atomista e desintegrador, e pintam um retrato
da família real prussiana – efetivamente distante da realidade - como encarnação
daqueles valores que, a seu ver, guardavam a possibilidade de recuperação da harmonia
política no contexto moderno.
“The conduct of the state depends upon the public ethos. The ennoblemente of
this ethos is the only basis for genuine reform of the state. The king and queen as such
can and must be the principle of public ethos” (GuL, #28, p. 43) O amor que une os
10
Diz Novalis: “O mundo precisa ser romantizado. Assim reencontra-se o sentido originário. Romantizar
nada é senão uma potenciação qualitativa. O si-mesmo inferior é identificado com um si-mesmo melhor
nessa operação. […] Na medida em que dou ao comum um sentido elevado, ao costumeiro um aspecto
misterioso, ao conhecido a dignidade do desconhecido, ao finito um brilho infinito, eu o romantizo –
Inversa é a operação para o superior, desconhecido, místico, infinito – através dessa conexão este é
logaritmizado – Adquire uma expressão corriqueira. Filosofia romântica. […] Elevação e rebaixamento
recíprocos” (Fragmentos I e II, #105, p.142).
11
monarcas a seu povo, e a fé que os liga a Deus, são os alicerces do Estado – um símbolo
vivo, que se imprime no imaginário dos membros da comunidade política com força
incomparavelmente maior do que a letra de qualquer contrato de subordinação das
vontades em nome da integridade física e da canalização dos diversos interesses11.
Distintamente de uma pluralidade de interesses que se enfrentam em uma esfera pública
neutra, pensa-se aqui em um compartilhamento de valores e afetos, os quais se
sintetizam no Estado. No questionamento do registro racional do contrato, à
racionalidade geométrica das teorias contratualistas, “uma máquina artificial e muito
frágil” (PS,#122, p.84), Novalis contrapõe a ideia do Estado poético enquanto uma terra
de “livre florescer”:
If this machine could only be transformed into a living, autonomous creature,
then the greatest problem would be resolved. The unruliness of nature and the
forced order of artifice would interpenetrate one another and be resolved into
spirit. It is spirit that makes them both fuid. Spirit is always poetic. The poetic
state is the true perfect state (PS,#122, p.84).
O ponto que pretendemos a partir daqui demonstrar é que os modelos de
sociedade e Estado proclamados pelos românticos não somente partem de uma noção
abstrata acerca do indivíduo que lhes é peculiar como têm como objetivo essencial a
produção dessa mesma subjetividade. O ideal estético romântico, veremos, é
coextensivo a seu imperativo político (Beiser, 2003). Este é tanto dependente quanto
produtor de um determinado tipo de personalidade. Um recuo é, entretanto, necessário:
será em Schiller que encontraremos o vínculo entre a dignidade humana kantiana e os
significados políticos de uma educação estética.
Graça e dignidade: o significado da educação estética
A bela alma de Schiller
11
Chamamos atenção para dois trechos particularmente inspirados: “How would our cosmopolitans be
amazed if the time of eternal peace dawned upon them and they saw the highest and most developed
humanity in its monarchic form? Then the stale pare that now sticks humanity together will dissolve into
dust, and the spirit will scare off all the ghosts that now appear in dead letters and go forth dismembered
from pens and press. All humanity will melt together like a pair of lovers” (GuL, #16, p.38). “Those who
nowadays declaim against princes as such, who affirm salvation only in the French manner, who
recognize even a republic only under a representative form, and who dogmatically maintain that there is a
republic only where there are primary and elective assemblies, directories and committees, municipalities
and liberty trees – they are miserable philistines, empty in spirit and poor in heart, and mere pedants who
conceal their shallowness and inner weakness behind the colourful banner of the latest pompous fashion
and under the imposing mask of cosmopolitanism[…]” (GuL, #23, p.41). Neste último, a retórica
virulenta de Novalis expressa sua convicção de que valores e pressupostos filosóficos distintos teriam de
ser formulados em linguagens distintas. Isso parece reduzir, no pensamento romântico, discussões quanto
a formas de governo e formatos institucionais a uma posição secundária.
12
O período que se estende da Revolução até por volta de 1796 marca o estudo
sistemático da obra crítica kantiana por parte de Schiller. Precisamente desse período
são o ensaio Sobre Graça e Dignidade, o conjunto de cartas sobre a educação estética
do homem e a correspondência trocada com seu amigo, o escritor e jurista Christian
Gottfried Körner. Trata-se de reflexões que terão profundo impacto sobre o pensamento
dos primeiros românticos e que em diversos sentidos serão incorporadas a seu modelo
de subjetividade. Sobre Graça e Dignidade, de 1793, traz a marca do desconforto
schilleriano com o aspecto coercitivo do imperativo categórico, isto é, com a
determinação do agir moral em termos de resistência às inclinações apetitivas, em nome
do imperativo do dever. A subjetividade cindida postulada por Kant, na interpretação de
Schiller, teria afinidade com a filosofia analítica própria ao Iluminismo, a qual via a
razão como exclusiva responsável pela elevação moral do homem e que, por isso,
determinava uma ética do dever rigorosamente ascética, monástica.12 Será, pois, pela via
estética que Schiller pretenderá solucionar o dualismo inerente à filosofia prática
kantiana.
Graça e dignidade correspondem, segundo Schiller, a dois modos distintos
através dos quais a “subjetividade moral livre” pode se realizar. Quando fala em
dignidade, Schiller tem em mente precisamente o caráter impositivo que o dever possui
no âmbito da filosofia moral de Kant: uma modalidade específica de ação moral, que é
aquela que se dá quando os desejos e inclinações são humilhados pela razão, vergados
por força da obediência ao imperativo categórico. Um ato moral distinto, entretanto,
define-se na idéia de graça, introduzindo então o elemento original da reflexão
schilleriana. A graça, para Schiller, é a modalidade de liberdade moral realizada,
praticada, por uma alma bela. Dirá: “Un alma se llama bella cuando el sentido moral ha
llegado a asegurarse a tal punto de todos los sentimientos del hombre, que puede
abandonar sin temor la dirección de la voluntad al afecto y no corre nunca peligro de
estar en contradicción con sus decisiones.” (SGD: 64). Diferentemente do que ocorre no
ato moral que se deriva do agir com dignidade, a graça supõe uma disposição
espontânea, um impulso, que não se dá através de um empenho de refreamento em
nome do dever, mas por uma tendência natural, na qual o ditame da razão, de tal forma
absorvido pelo sujeito, se encontra em harmonia imediata com o que atrai sua
12
“En la filosofía moral de Kant la idea del deber está presentada con una dureza tal, que ahuyenta a las
Gracias y podría tentar fácilmente a un entendimiento débil a buscar la perfección moral por el camino de
un tenebroso y monacal ascetismo” (SGD:59).
13
sensibilidade. Diz-se do sujeito que assim age dotado de uma alma bela precisamente
porque o seu agir é expressivo de uma unidade harmônica: quando razão e sentimento
não entram em conflito, o ato moral não é apenas bom, mas belo, isto é, não se
manifesta enquanto constrição ou determinação exterior, mas como expressão da plena
liberdade do sujeito, de sua completa autonomia. Do mesmo modo, podemos dizer que
quando há total afinidade entre os anseios da alma e sua manifestação concreta na
conduta – sua aparência - o agir moral adquire uma dimensão estética.
Não, a rigor, como se conformidade a fins e conformidade a regras fossem em
si incompatíveis com a beleza; todo produto belo tem que antes submeter-se a
regras: e sim porque a influência notada de um fim e de uma regra se anuncia
como coerção e traz consigo heteronomia para o objeto. É lícito e é preciso que
o produto belo seja até conforme a regras, mas ele tem de aparecer como livre
de regras (Schiller, 2002:69, grifos no original).
Tal vinculação entre as esferas prática e estética ganha maior elaboração nas
Cartas, nas quais Schiller expõe seu projeto pedagógico de formação dos indivíduos
através do refinamento da apreciação estética, isto é, do desenvolvimento do gosto.
Trata-se de fazer da contemplação do belo artístico uma estratégia para se estabelecer
no sujeito aquela disposição apropriada, de forma que seu agir seja determinado não
somente pelo dever, em sentido kantiano, mas por um impulso lúdico, fruto do
equilíbrio entre razão e sensibilidade. Nas palavras de Schiller: “[...]o homem joga
somente quando é homem no sentido pleno da palavra, e somente é homem pleno
quando joga” (Carta XV, p.80). Daí que a educação estética é a via para o
estabelecimento desse livre jogo; é o projeto de desenvolvimento das “potencialidades
intelectuais e sensíveis” do sujeito, através da elucidação de conceitos e da purificação
das paixões – é a tarefa de formação da alma bela. Por isso, para nosso objetivo de
investigação de uma estética da dignidade no pensamento moderno, própria à tradição
alemã, gestada pela confluência de princípios entre o individualismo ético de Kant e a
noção romântica de subjetividade, Schiller deve ser trazido à discussão. Mas não é a
concepção schilleriana de dignidade per se que nos interessa – porque elaborada em
termos ainda eminentemente kantianos– mas suas noções peculiares de graça e alma
bela, pois são aquelas que evidenciam o esforço de reelaboração estética da filosofia
prática kantiana por parte de Schiller, apontando para a direção geral na qual
prosseguirão os primeiros românticos pós-kantianos.
A alma bela de Schiller, conceito nuclear de SGD e ideal a ser buscado pela
educação estética proclamada nas Cartas, supõe, por sua vez, uma noção de belo que é
diversa daquela definida por Kant na Terceira Crítica. A preocupação central de
14
Schiller referente à crítica de nossa faculdade de julgar consiste em estabelecer uma
dedução objetiva do gosto sem a qual os juízos acerca do belo permaneceriam limitados
a asserções de validade meramente subjetiva13. Isso significaria uma teorização acerca
do belo profundamente distinta da kantiana, uma compreensão específica por parte de
Schiller acerca do que entendia como complementação necessária ao que teria
considerado uma tarefa inacabada deixada por Kant (Suzuki, 2002:09).
Segundo a Crítica do Juízo, o que chamamos de belo é aquilo que, uma vez
intuído por nossa sensibilidade, nos proporciona uma forma específica de prazer,
distinta de outras experiências agradáveis associadas aos sentidos14. O prazer do belo se
dá quando as faculdades do intelecto são mobilizadas sem que, entretanto,
conhecimento seja produzido. Diferentemente do que ocorre no processo descrito na
Crítica da Razão Pura, no qual a experiência fornece aqueles dados sensíveis que são
esquematizados pela imaginação e submetidos às categorias a priori do entendimento,
resultando em atividade conceitual, no juízo estético o que ocorre é uma forma de
prazer decorrente da simples mobilização dessas duas faculdades. O belo é, pois, o
objeto que evoca tal tipo de prazer contemplativo, desvinculado da produção de
conceitos, conseqüente tão somente do livre jogo das faculdades da imaginação e do
entendimento.Tal mobilização, “desonerada” de qualquer tarefa, liberada para a pura
contemplação (Barbosa, 2002:21), suscita um determinado estado de deleite
contemplativo específico, não associado à dimensão apetitiva. Sendo tais faculdades
inerentes a todos os indivíduos, o juízo de gosto é passível de universalidade, ou seja, de
validade intersubjetiva – é portanto, comunicável. Mas é ainda referido não ao objeto
em si, mas às possibilidades subjetivas da própria atividade de julgar (Barbosa,
2002:27).
Daí que o empreendimento schilleriano de superação das limitações kantianas
pode ser compreendido em dois aspectos interligados: no de sua busca por uma
determinação objetiva do belo e na vinculação entre o gosto e a dimensão moral 15. O
13
À diferença do que diz Kant na Analítica do Belo: “O juízo de gosto não é, pois, um juízo de
conhecimento, portanto não é lógico, mas estético, pelo que se entende aquele cujo fundamento de
determinação não pode ser outro do que subjetivo.Toda referência das representações, mesmo a das
sensações, porém, pode ser objetiva (e significa então o que é real em uma representação empírica); só
não pode ser a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pela qual absolutamente nada é designado
no objeto , mas em que o sujeito, assim como é afetado pela representação, sente a si mesmo” (AB:209,
grifos no original).
14
“Gosto é a faculdade de julgamento de um objeto ou de um modo de representação, por uma satisfação,
ou insatisfação, sem nenhum interesse. O objeto de uma tal satisfação chama-se belo”. (ICJ: 215, grifos
no original).
15
“A beleza [...] é objeto para nós, porque a reflexão é a condição sob a qual temos uma sensação dela,
mas é, ao mesmo tempo, estado de nosso sujeito, pois o sentimento é a condição sob a qual temos uma
15
livre jogo que rege o juízo de gosto para Kant se distingue daquele impulso lúdico de
que nos fala Schiller no sentido de que cada qual supõe um locus específico da
liberdade. Na crítica kantiana, este é associado à livre representação das faculdades da
imaginação e do entendimento. Para Schiller, por sua vez, a liberdade se manifesta pela
conciliação entre razão e sentimento, e a beleza é característica daquele ato que aparenta
(faz aparecer) tal disposição espontânea do sujeito. O belo enquanto objeto é o ato
moral belo – associado às noções de graça e bela alma - ; logo, seu âmbito é o da
prática (Schiller, 2002:55). A beleza, para Schiller, é liberdade do fenômeno, em ação,
ou seja, se liga à liberdade moral de agência no mundo.
No impulso lúdico, o homem não desfruta de uma liberdade moral stricto
sensu, mas de uma liberdade em meio ao mundo sensível. Isso acarreta uma
conseqüência importante: para Schiller, sempre que contempla um objeto belo,
o homem está ao mesmo tempo projetando simbolicamente sua própria
liberdade nesse objeto [...] Visto dessa perspectiva, o homem em sentido pleno
– o homem lúdico – não busca apenas retirar-se à “clausura” da moralidade,
mas empenha-se exatamente em dar vida às coisas que o cercam, em “libertar”
os objetos que habitam sua sensibilidade, tornando possível um cultivo cada
vez maior desta. O homem assim destinado a aperfeiçoar a realidade – seja ele
o gênio que cria obras de arte ou o indivíduo de gosto que contempla o belo – é
chamado por Schiller de nobre [...] (Sukuzi, 2002 :13).
É esta premência da dimensão ética, associada à reflexão estética, que supomos
estar presente nos primeiros românticos. A formação de um caráter nobre revelará os
pressupostos da romântica filosofia da vida, isto é, a interconexão entre seu ideal de
personalidade e uma ética da individualidade.
A modernidade e a romântica filosofia da vida
O giro teórico a que Schiller submete a filosofia kantiana significará um novo
entendimento quanto ao sentido da educação estética. Como esclarece Beiser (2003:96),
os românticos são atentos ao fato de que a pedagogia schilleriana do refinamento do
gosto não se referia a pretensos efeitos moralizantes que certas obras de arte poderiam
vir a exercer sobre o caráter. A postulação de Schiller é mais incisiva: ao estabelecer a
beleza como qualidade objetiva do fenômeno e ao definir a alma bela como aquela que
aparece como dotada de graça, o que Schiller está afirmando como imperativo estético
é que cada um de nós faça de si próprio uma obra de arte, isto é, um todo harmônico,
livre de constrições. A educação estética encerra em si, portanto, um ideal de
representação dela. Ela é, portanto, forma, pois que a contemplamos, mas é, ao mesmo tempo, vida, pois
que a sentimos. Numa palavra: é simultaneamente nosso estado e nossa ação” (Carta XXV, p.127, grifos
no original).
16
personalidade que é, fundamentalmente, um ideal de perfectibilidade, de empenho
consciente em um projeto de autoformação (Bildung). Por ser a bela alma, em si, fonte
daquele tipo específico de prazer suscitado pela contemplação da plena liberdade do
fenômeno, podemos dizer que
[…] there is an aesthetic pleasure inherent in human excellence, which serves
as an incentive to attain and maintain it.The stimulant to moral perfection does
not derive from any work of art but simply from the pleasure involved in the
exercise of characteristic human activities. Like most moralists, Schiller
maintains that virtue brings its own reward, a unique kind of pleasure […]
(Beiser,2003:97, grifo meu).
É como se Schiller operasse um curioso encaixe-desencaixe-reencaixe: a
princípio, une as dimensões da ética e da estética, desafiando o postulado kantiano da
autonomia das faculdades da razão (i.e., contra a noção de que o belo não poderia ser
motivação para ação moral, uma vez que, sendo a moralidade derivada unicamente do
imperativo do dever, subordiná-la a qualquer outra determinação seria contradizer seus
próprios termos); em seguida, desagrega o julgamento de gosto e a esfera prática,
negando que o estímulo para o agir moral pudesse advir de qualquer elemento
provocativo exterior ao sujeito; e, finalmente, as reintegra em um nível mais profundo,
fazendo da formação da bela alma enquanto plena harmonia e autodeterminação um
correlato à virtude. Reunindo o belo ao bom, a educação estética schilleriana aponta
ainda mais uma característica comumente associada aos românticos: sua reverência ao
mundo clássico, tido como ideal de integração harmônica (Beiser, 2003:27). Vimos
anteriormente, em Novalis, uma idealização do passado medieval e o elogio da
organicidade da monarquia católica, em contraste com a fragmentação espiritual,
filosófica e política característica da incipiente sociedade mercantil moderna.
Similarmente, também o mundo greco-romano será criticamente evocado pelos
românticos e incluído em sua reflexão acerca da modernidade.
A grecofilia é elemento usualmente apontado como característico dos trabalhos
filológicos de Schlegel (Izenberg, 1992; Seligman-Silva, 2002; Beiser,2003). Ao
dedicar-se ao estudo comparado das poesias clássica e moderna, Schlegel interessa-se,
primeiramente, pelas transmutações cronológicas em termos daqueles princípios que
governavam a atividade do poeta16: um senso de unidade com a natureza e uma
preocupação em manter-se coerente a regras fixas marcavam a arte greco-romana,
conquanto uma cisão com mundo natural e a inclinação a subverter regras de
composição em nome da liberdade criativa do artista davam a tonalidade
16
Schlegel emprega poesia e seus correlatos em sentido amplo, referindo-se às artes em geral.
17
especificamente moderna. De um lado, portanto, preocupação formal e o interesse em
retratar o universalmente válido, de um ponto de vista objetivo; de outro, desprezo pela
pureza da forma em nome da expressividade do conteúdo (admitindo, no caso do
romance moderno, a mescla de gêneros narrativos), fascínio pelo singular, pelo
excepcional, e a infusão da subjetividade do autor (Lovejoy,1917:66). Curiosamente,
entretanto, essa investigação histórica foi aos poucos cedendo a uma análise filosóficonormativa: tratava-se, agora, de perceber naqueles princípios que regiam uma relação
estética com o mundo a existência de distintos campos morais.
“A poesia romântica é uma poesia universal progressiva” (Athenäum, #116,
p.64), escreverá Schlegel em 1796. Essa dupla adjetivação guarda o sentido final de sua
interpretação da modernidade. O primeiro termo, universal, pode causar estranheza, se
pensamos em sua aplicabilidade à estética clássica. Mas então o segundo lhe é
acrescentado e lhe infunde sentido: a poesia romântica é a poesia tipicamente moderna
porque mira progressivamente, elipticamente, por aproximação, o reestabelecimento da
universalidade, a partir da singularidade (Rush, 2006:180). Como Novalis, Schlegel
reabilita a modernidade em sua tarefa utópica: para o primeiro, a romantização da
sociedade cavalheiresca significava, para além de um arroubo nostálgico, um intuito
provocativo, um apelo para que os homens de seu tempo tomassem pra si o controle de
seu destino e que fizessem materializar-se aquele conjunto de valores que permitiria o
resgate de uma unicidade perdida; para o segundo, o classicismo reverencial dava lugar
à aposta na possibilidade de se concretizar, tanto no plano da estética como na vida,
formas inéditas de pertencimento e de individuação.
Se a arte – forma superior de relação do homem consigo mesmo e com o mundo
– será distinta na modernidade, será também distinta, portanto, a modalidade de
realização da moderna virtude. Tal preocupação aparece, exemplarmente, na obra ética
de Schleiermacher, cujas ambições enquanto teórico da moral combinavam-se tanto a
seus estudos em teologia quanto a seu interesse pela filosofia grega clássica, de modo a
inspirar o que Louden (2002:ix) chamou o “projeto de conciliação entre, de um lado,
uma doutrina deontológica do dever e, de outro, uma doutrina teleológica da virtude”.
Assim dirá Schleiermacher em um de seus ensaios sobre ética: “With the ancients, the
highest good and virtue; with the moderns, virtue and duty.These [latter] two are in
opposition:if virtue is given, duty stops; as long as one must inculcate duty, virtue is not
yet there” (apud Louden, 2002:ix).
18
Uma vez mais, em vocabulário e sentido similar ao empregado por Schiller,
Novalis e Schlegel, vemos a ética do dever kantiana posta à prova: no caso de
Schleiermacher, o afastamento do individualismo ético kantiano centrado na noção
coercitiva do dever em direção a uma ética da individualidade que sintetizasse dever e
virtude é narrado, em seus Monologen (1800), nos termos de um testemunho de
conversão religiosa:
For a long time I was content to have found only reason; and honouring the
universality of one and the same being as its only and highest aspect, I believed
that there is only one right thing to do in every circumstance, that action must
be the same for everyone, and that it is only because of situation and place that
people differ from one another. I though that humanity reveals itself differently
only in the multiplicity of external deeds, and that a person is not an
individually formed being but made of one element that is the same
everywhere (Monologen II, p.174).
O que Schleirmacher trará para o centro da reflexão é o modo como cada sujeito
individual realiza a humanidade que carrega em si através da síntese entre virtude e
dever. Isto significa perguntar-se como cada um mobiliza aquelas tendências, desejos e
inclinações que lhe são idiossincráticas e como as submete a um valor universal; e como
realiza o movimento inverso, inspecionando o que há de intrinsecamente humano em si
e realizando-o como genuinamente individual (Izenberg,1992:23).
To contemplate humanity in oneself, and when found never to divert one’s
gaze from it, is the only certain means never to stray from its sacred real. This
is the inner and necessary connection between action and contemplation, which
is inexplicable and mysterious only to the foolish and slow of heart. A truly
human action creates the clear consciousness of humanity in me, and such
consciousness permits no other action than one worthy of humanity
(Monologen II,p.172).
Vemos ação e contemplação novamente unidas, remetendo à articulação entre o
estético e o moral típica aos românticos; mas é preciso destacar que a Schleiermacher que não é um poeta e que afirma não ter intenção de sê-lo - não interessa a obra de arte
em si enquanto forma privilegiada de se expressar a individualidade, mas a
possibilidade de que qualquer indivíduo atinja aquela forma de expressão que o artista
alcança através de sua arte. E esta é, para Schleiermacher, a sociabilidade como síntese
interior/exterior. Sockness (2004:490) chama a atenção para a idéia de reflexo/reflexão
mobilizada por Schleiermacher para operar a conexão entre interioridade e
exterioridade. De um lado, envolveria a noção de capacidade de auto-inspeção, relativa
ao que se dá quando o sujeito mira a própria imagem refletida em um espelho e
questiona a harmonia de sua forma - o que implica não só a existência de uma
consciência (reflexão) como tal, mas de uma consciência de si (de seu reflexo). De
19
outro lado, a mesma idéia estaria vinculada ao reflexo aos olhos alheios e evidenciaria a
importância atribuída por Schleiermacher ao outro – aos amigos, em especial, i.e.,
aqueles a quem nos associamos por afeto – no processo de auto-cultivo de uma
personalidade singular.
Hence I cannot develop myself in isolation, as the artist does. In isolation all
the juices of my mind dry up, and the course of my thought is arrested. I must
get out and join a community with other spirits, to see the many forms of
humanity and what is alien to me, to know what I can become of myself, and to
determine more securely through give and take my own nature (Monologen II,
p.178).
A filosofia da vida romântica traduz-se, portanto, em uma ética da
individualidade, que tem seu núcleo na mútua troca entre o indivíduo e a comunidade.
A virtude romântica é uma síntese em sentido duplo: refere-se à harmonização das
esferas da razão e da sensibilidade, no interior do indivíduo, e entre as partes e o todo,
no seio da vida comunitária.
The real meaning of the objective ideal of beauty emerges as the ideal of a
radically free, yet psychologically and socially integrated, personality and the
republican polity that is both its political expression and its precondition. If
Greek individualism was more wholesome than modern individuality, it is
because it did not deform the personality one-sidedly in the direction of
sensuousness or intellect or allow one personality to develop at the expense of
others, and this in turn was possible because Greek individualism was the
product of social arrangements that provided for the development of the whole
man, and of all men […] (Izenberg, 1992:92).
A filosofia da vida romântica é, portanto, aquela de uma forma peculiar,
moderna, de virtude cívica. Sua linguagem matricial é a do afeto, secundada pela
linguagem da razão – esta, por sua vez, aqui despida de pretensões totalizantes ou
instrumentais. A perfectibilidade - que no plano do interesse só poderia ser pensada
como controle artificial exercido pela razão sobre os desejos perniciosos ao equilíbrio
societal e que no plano da racionalidade kantiana só encontrava possibilidade de
realização na espécie humana e jamais no indivíduo empírico – aqui é a chave de um
ideal de personalidade, em perpétuo movimento aproximatório. Na linguagem dos
sentimentos, da qual o primeiro romantismo é exemplar, podemos então afirmar que
Cada homem é cupiditas em exercício, é pura potência e o nó anelante de uma
complexa e mutante trama de relações com os outros homens e a natureza. O
desejo é posto como a nossa potência, que recusa e dobra a eficácia dos
modelos de pura disciplina e repressão, e que só pode ser exercido nas nossas
relações sociais (Barboza Filho, 2008:26).
Considerações finais
20
Na investigação de um ideal estético de dignidade, inserido no panorama do
pensamento moderno enquanto normatividade alternativa, capaz de dar forma a outros
modelos de vida social e política que não aqueles pautados por uma racionalidade
maximizadora e instrumental, encontramos a romântica filosofia da vida, tal qual
elaborada pela primeira geração do Romantismo alemão. De forma geral, três eixos de
aproximação entre Kant e os escritos políticos dos primeiros românticos puderam ser
observados, e analisados em sua complexa e intrincada relação: (i) em primeiro lugar, o
individualismo qualitativo romântico vem a realizar, a seu modo, uma negação da
lógica da equivalência presente na linguagem do interesse, similar à realizada por Kant
ao postular, no âmbito de sua filosofia ética, a noção de que é digno aquilo que não
possui preço (cada sujeito é particular e único; logo, não há intercâmbio possível); (ii)
em segundo lugar, no âmbito do pensamento romântico, a individualidade é afirmada
aos modos de uma metáfora estética, na qual a construção de si, tomada enquanto
produção de uma obra de arte, encerra a noção de um todo coerente assim como de algo
que é um fim em si
(um objeto de contemplação e fruição, alheio à lógica da
instrumentalidade), o que é consistente com os postulados da filosofia prática kantiana;
e, finalmente,
(iii) a noção de que a realização moral do indivíduo só pode ser
concebida por sua relação com o outro, por sua imersão em uma vida comunitária
pensada não como mera agregação de uma multiplicidade de unidades isoladas e
competitivas, mas como relação interativa entre o indivíduo e o mundo - noção que
perpassa as reflexões de Kant sobre a realização do reino dos fins enquanto tarefa ética
e que se faz presente, em termos próprios, no ideal tipicamente romântico do autocultivo (Bildung), segundo o qual é precisamente da interação com o meio que o sujeito
adquire o substrato necessário à formação de si.
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