O que você deve saber sobre
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Muitas são as tendências que marcam a literatura contemporânea
brasileira. Futuramente, caberá aos críticos e especialistas que
estudarem a multiplicidade estética de nossas letras identificar traços
de semelhança e de diferença entre as muitas produções dos
escritores atuais. Neste tópico, analisaremos um texto de Beatriz
Bracher como exemplo dessas várias tendências literárias.
Algumas considerações
 Revisão ou descarte de conceitos do século XX, como classe social,
ideologia, esquerda e direita
 Abandono da linearidade narrativa e uma escrita fragmentada para
retratar a realidade do século XXI.
 Destaque aos gêneros conto e crônica
 Incorporação do tema da violência (principalmente a urbana)
 Realismo fantástico
 Intimismo pessimista ligado ao tema dos desencontros
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Tendências literárias
Concretismo: no Brasil, surge, em 1956, com a publicação da
revista Noigrandes. Radicalizou a proposta de valorização da forma
na poesia, incorporando a ela os signos da sociedade moderna. Foi
representado e idealizado por Haroldo de Campos, Augusto de
Campos e Décio Pignatari.
Neoconcretismo: em consonância com as propostas dos artistas
plásticos Hélio Oiticica e Lygia Clark, surge o Neoconcretismo,
movimento fundado por Ferreira Gullar que propunha a necessária
participação do leitor na construção do sentido do texto.
Poema-processo: colocando em segundo plano o signo verbal, em
detrimento dos signos gráficos, surge em 1967, idealizado por
Wlademir Dias-Pino.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Tendências literárias
Poesia política: no contexto do golpe militar de 1964, surge uma
poesia engajada e política, representada por Ferreira Gullar, Tiago
de Melo e Geir Campos.
Prosa introspectiva: Caio Fernando Abreu, Lygia Fagundes Telles,
Marina Colasanti, Nélida Piñon e Raduan Nassar, guardadas suas
diferenças estéticas, mergulham no universo das personagens,
revelando suas angústias, medos, frustrações, em narrativas
marcadas pelo fluxo de consciência e intimismo.
Crônica: ganha força na literatura contemporânea com Lourenço
Diaféria, Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos,
Carlos Heitor Cony e Martha Medeiros.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Tendências literárias
Regionalismo: retomada da vertente regionalista com a
incorporação de novos recursos narrativos. Destacam-se João
Ubaldo Ribeiro, Bernardo Élis, José Cândido de Carvalho e
Milton Hatoum.
Romance urbano: destacam-se Luiz Alfredo Garcia-Roza,
Patrícia Melo, Chico Buarque, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca
e Cristóvão Tezza.
Poesia marginal: na década de 1970, surge a poesia marginal,
tendência marcada pela “publicação alternativa” das obras e pela
temática do humor e da irreverência em relação às grandes
questões da época. Destacam-se Chacal, Charles, Ledusha, Ronaldo
Bastos, Cacaso, Francisco Alvim, Glauco Matoso e Roberto Piva.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Tendências literárias
Prosaísmo: literatura marcada pela expressão lírica particular, seja
pela reinvenção das palavras, pela valorização do prosaico ou pela
exigência do exercício diferenciado do olhar do leitor. Destacam-se
Manuel de Barros e Adélia Prado.
Outros poetas: destacam-se, na “poesia independente” e na
produção contemporânea, Paulo Leminski e seus haicais, Ana
Cristina César, Alice Ruiz, Antônio Cícero, José Paulo Paes, Eucanaã
Ferraz, Frederico Barbosa e Arnaldo Antunes.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Beatriz Bracher
Nascida em 1961, em São Paulo, publicou os romances Azul e dura
(2002), Não falei (2004) e Antonio (2007), além do livro de contos Meu
amor, do qual foi extraída a narrativa “Ficção”, transcrita a seguir.
Narrado em primeira
pessoa, o conto se
inicia com uma
justificativa para o
fato de a narradora-personagem “resistir”
à ideia de ter um
carro blindado.
Ficção
Resisti ao carro blindado. Fumo,
tenho claustrofobia, é
ideologicamente nefasto, uma
provocação perigosa. ■ Enfim, a
coisa piorou e passou a ser arrogante
e irresponsável deixar-me morrer
abrindo mão das defesas de que
disponho. Tenho filhos, exerço uma
liderança produtiva na sociedade,
pesquiso as origens de nossa
desarmonia social. Tenho pânico. E o
pânico de ser atacada, machucada,
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Beatriz
Bracher
Consciente da
“desarmonia social” de
nossa sociedade, a
narradora-personagem
parece sentir-se
culpada e alienada com
o fato de ter um
veículo (com ou sem
blindagem).
O que torna a narradora
uma “idiota” é viver à
mercê de um medo que
“dirige e transforma em
hostilidade” as pessoas.
humilhada e morta minava meu
raciocínio. Cedi ao carro blindado.■
A energia que gasto andando em
um é equivalente à que gastava
andando em um não. Exige a
mesma dose de alienação. ■ Se
desprotegida, qualquer pedestre é
um assassino, quebraram-se os
códigos morais capazes de deter
sua ação predadora, o nosso
fracasso. ■ O medo dirige e
transforma em hostilidade todo o
humano, torno-me uma idiota. ■
Se protegida, blindada, perco o
contato. Sem medo não há vida,
afastado o mal, o bem se vai, não
faço parte, torno-me uma idiota. ■
A rua é um espaço vazio que
percorro no vácuo. O vazio não
existe, é desejo vão. Tudo deixa
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Nesse mesmo parágrafo,
a narradora-personagem,
que inicialmente se
recusava a ter um carro
blindado, faz uma nova
“lista” (maior do que a
primeira) para justificar o
fato de, “enfim”, ter
“cedido” ao desejo de
adquiri-lo.
A narradora denomina
“fracasso” a incapacidade
de deter uma “ação
predadora” de um
pedestre (um “assassino”
em potencial).
Mesmo protegida pela
blindagem do veículo,
a narradora permanece
na condição de idiota.
Beatriz
Bracher
Por meio dessa
digressão, a narradora
prenuncia, de maneira
sutil, a entrada da
personagem que
transformará a cena:
a “matéria viva” que
ocupa os “corredores
estreitos da cidade”.
A autora utiliza um
procedimento narrativo
bastante moderno
quando insere no texto
um discurso direto (ou
indireto livre), atribuído
ao assaltante, sem
prévia ou posterior
marca verbal que o
anuncie.
sua marca. As artérias permanecem
cheias e pulsantes, e o oco não
existe. Se o sangue para de correr,
seca e entope, os vermes
alimentam-se, sempre haverá
matéria viva a ocupar os corredores
estreitos da cidade. ■
Estava parada em um
engarrafamento, no final de um dia
poluído. O homem surgiu e bateu
na janela com uma arma preta. O
movimento de sua boca berrava e a
voz chegava baixa. ■ Passa o
dinheiro, passa o dinheiro ou vai
morrer. Agora, abre a janela, agora,
agora, ou vai morrer, ou vai morrer.
■ Olhava louco para mim, olhava
louco para mim. Ou vai morrer, ou
vai morrer. Olhava sua boca, seus
olhos, a arma preta, a aflição e a
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Ao afirmar que o
movimento da boca berra
em volume baixo, a
autora cria uma
metonímia que sugere à
cena descrita a ideia de
violência muda que
caracteriza as grandes
cidades.
Beatriz
Bracher
raiva e me convencia que era cinema.
Não tentei explicar-lhe, ele
entenderia. O vidro blindado
transformava sua ação, eu podia
olhar, observar os detalhes de sua
roupa, a língua escura e o tamanho
pequeno das mãos agarrando a arma
preta. A arma preta apontada contra
meus olhos, o canal oco da arma
preta tremendo, argumento claro,
abre, sua vaca, eu vou atirar. Minha
curiosidade apática minava sua
decisão, o argumento oscilava. ■
O rapaz entendeu sua
impossibilidade, titubeou, apoiou as
mãos no vidro, uma fechada na arma,
aproximou o rosto e cuspiu minha
morte mais uma vez. Eram de um
animal os olhos, a palma da
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
O vidro blindado do
carro da narradora
transforma toda a cena
em cinema e ela se
torna uma espectadora
com o poder de
observar tudo em
detalhes, de forma
segura e contemplativa.
Beatriz
Bracher
A narradora se lembra de
que está circulando
em outro carro porque o
número da placa de seu
veículo blindado a
impede de transitar no
dia do rodízio, lei comum
nas grandes cidades.
mão suada e a saliva. Furioso,
enjaulado, um fila brasileiro latindo
e pulando atrás das grades
enquanto caminhamos na calçada.
Ele segurou a arma com as duas
mãos e mirou em meu rosto. Eu
mirava calma e hipnotizada,
intrigada com o fim. ■
Um frio monstruoso me sobe do
estômago e para meu coração. ■
Hoje é dia de rodízio, eu não estou
no blindado. ■ Meus olhos pulam
de horror, as mãos crispadas na
boca aberta e hirta, sem
qualquer possibilidade de voz, pedi
piedade. ■
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
No ápice da cena
descrita, o assaltante
transforma-se
metaforicamente num
cão fila que late e pula
atrás de grades e a
narradora, numa
transeunte que
caminha com
tranquilidade e
segurança pela
calçada.
O uso dos verbos “subir”
e “parar” no presente do
indicativo e a
transformação física
instauram uma mudança
radical nos rumos da
narrativa.
A imagem de
“animal” se desloca
para a narradora.
Beatriz
Bracher
Ele entendeu e riu. Num só golpe,
quebrou o vidro com a mão da arma,
esmurrou meu rosto e sumiu deixando
o revólver de brinquedo no meu colo
manchado com nosso sangue. ■
BRACHER, Beatriz. Meu amor.
São Paulo: Editora 34, 2009. p. 51-52.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Nova mudança se
instaura: o vidro do carro
é quebrado pelo
assaltante que deixa a
cena. Tanto a arma
quanto o vidro blindado
do carro apresentam-se
como elementos falsos. A
narradora-personagem e
o assaltante, tão
distantes inicialmente,
parecem fazer parte de
uma mesma encenação e
o sangue passa a ser o
elemento real que os
assemelha.
EXERCÍCIOS ESSENCIAIS
(PUC-Campinas-SP, adaptado)
A questão 2 refere-se ao texto a seguir.
Perto do alpendre, o cheiro das açucenas-brancas se misturava com o do filho caçula. Então ela sentava no chão, rezava
sozinha e chorava, desejando a volta de Omar. Antes de abandonar a casa, Zana via o vulto do pai e do esposo nos pesadelos
das últimas noites, depois sentia a presença de ambos no quarto em que haviam dormido. Durante o dia eu a ouvia repetir as
palavras do pesadelo, “Eles andam por aqui, meu pai e Halim vieram me visitar... eles estão nesta casa”, e ai de quem
duvidasse disso com uma palavra, um gesto, um olhar.
HATOUM, Milton. Dois irmãos.
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EXERCÍCIOS ESSENCIAIS
2
No fragmento do eslaide anterior:
a) o autor descreve pormenorizadamente o que acontecia a Zana
antes da noite em que ela deixou a casa em que morava, descrição
exemplificada na primeira frase.
b) o narrador em terceira pessoa, ao contar a história de Zana,
revela-se onisciente, conhecedor da intimidade mais profunda da
personagem, como se nota, por exemplo, em rezava sozinha e
chorava.
c) o narrador-personagem relata o que testemunhou sobre Zana,
deixa o leitor ouvir a voz dessa personagem e comenta, inclusive, o
comportamento da mulher de Halim, como se nota na última frase.
d) o narrador em primeira pessoa ocupa-se prioritariamente com a
caracterização do espaço – como se nota pela ocorrência de palavras
como alpendre, chão, casa, quarto –, entendendo-o como
determinante do estado psicológico da personagem.
e) o narrador vale-se do discurso indireto para contar o que Zana
repetia durante o dia, lembrando-se do pesadelo em que, sozinha,
chorava pela partida de Omar.
RESPOSTA: C
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EXERCÍCIOS ESSENCIAIS
5
(ITA-SP)
Leia o poema abaixo, “Na contramão”, de Chacal.
ela ali tão sem
eu aqui sem chão
nós assim ninguém
cada um na mão
Acerca desse poema, considere as seguintes afirmações:
I. Ele possui uma das marcas mais típicas da poesia contemporânea, que é a brevidade.
II. É notória a informalidade da linguagem, que afasta o poema da tradição culta e erudita.
III. Há um sentimentalismo contemporâneo que filtra os excessos da expressão sentimental.
IV. Existe a persistência do tema do desencontro amoroso (tradicional na literatura).
Está(ão) correta(s):
a) apenas a I.
b) apenas I e II.
c) apenas I, II e III.
d) apenas III e IV.
e) todas.
RESPOSTA: E
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7
(Fuvest-SP)
A borboleta
Cada vez que o poeta cria uma borboleta, o leitor exclama: “Olha uma borboleta!” O crítico ajusta os nasóculos e, ante aquele
pedaço esvoaçante de vida, murmura: – Ah!, sim, um lepidóptero…
QUINTANA, Mário. Caderno H.
Nasóculos: óculos sem hastes, ajustáveis ao nariz.
Depreende-se desse fragmento que, para Mário Quintana:
a) a crítica de poesia é meticulosa e exata quando acolhe e valoriza
uma imagem poética.
b) uma imagem poética logo se converte, na visão de um crítico, em
um referente prosaico.
c) o leitor e o poeta relacionam-se de maneira antagônica com o
fenômeno poético.
d) o poeta e o crítico sabem reconhecer a poesia de uma expressão
como “pedaço esvoaçante de vida”.
e) palavras como “borboleta” ou “lepidóptero” mostram que há
convergência entre as linguagens da ciência e da poesia.
RESPOSTA: B
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EXERCÍCIOS ESSENCIAIS
10
(Ufal)
Meu poema
é um tumulto:
a fala
que nele fala
outras vozes
arrasta em alarido.
(estamos todos nós
cheios de vozes
que o mais das vezes
mal cabem em nossa voz (...)
GULLAR, Ferreira. Melhores poemas de Ferreira Gullar.
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EXERCÍCIOS ESSENCIAIS
10
Considerando o trecho do poema e as funções da linguagem, é INCORRETO afirmar que:
a) a função poética estabelece um jogo de palavras e sonoridades, o
qual aponta para o desdobramento daquilo que está sendo dito e
amplia a discussão sobre a multiplicidade.
b) a função referencial imprime a esse trecho referências intimistas,
com influências lírico-românticas, explícitas no jogo de palavras que
multiplica as vozes do poema.
c) a função metalinguística indica uma reflexão lírica sobre uma causa
social e o eu lírico apresenta-se como o local da inscrição da
multiplicidade e pluralidade.
d) a função emotiva está desdobrada no jogo que o poeta estabelece
entre as primeiras pessoas do singular e do plural, confirmando a
proposta que a poesia, agora, é a voz de todos.
RESPOSTA: B
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