941
ADVOCACIA­GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA­GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL NA ANVISA NÚCLEO JURÍDICO DO RIO DE JANEIRO
Avenida Graça Aranha, n° 206, 1ª sobreloja – Centro
Rio de Janeiro/RJ – Tel. (21) 2524­7845
EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA 38ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO/RJ
Processo n° 2010.51.01.807950­0
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA, autarquia federal sob regime especial criada pela Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, por meio da Procuradora Federal que a presente subscreve, nos autos da ação ordinária em epígrafe que é movida por NOVARTIS AG (NOVARTIS AS) (NOVARTIS INC), e em atendimento ao mandado de citação n° MAN.00038.001127­0/2010, vem apresentar sua contestação, de acordo com as razões de fato e de direito que a seguir aduz:
I – Da Tempestividade da presente contestação
private:stream página 1 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
942
Tendo sido o mandado de citação juntado aos autos eletrônicos no dia 13 de janeiro de 2011 , quinta­feira, e sendo de sessenta dias o prazo para oferecer a presente resposta, tem­se que o mesmo somente se exaure em 14 de março de 2011, sendo absolutamente tempestiva a presente peça.
II – Das prerrogativas da ANVISA Sendo pessoa jurídica de direito público, a ora Contestante goza das prerrogativas insertas nos artigos 188 e 475, caput e inciso II do Código de Processo Civil, de acordo com o que dispõe o artigo 10 da Lei nº 9.469 de 10 de julho de 1997.
Está também dispensada da apresentação do instrumento de mandato da signatária, nos termos do artigo 9º do citado diploma legal.
Frise­se, por oportuno, o aspecto dos procuradores federais que atuam no presente feito terem a prerrogativa de serem notificados e intimados pessoalmente, conforme dispõe o artigo 17 da Lei 10.910, de 15 de julho de 2004, publicada no D.O.U de 16 de julho de 2004.
III – Apertada síntese do pedido autoral
Move a autora a presente ação com o fito de anular a decisão administrativa proferida pelo INPI que indeferiu o pedido de patente PI 9709956­2 de titularidade da autora, alegando, para tanto, que a invenção ali descrita não teria atividade inventiva.
A Anvisa foi incluída no pólo passivo da presente demanda, haja vista o insculpido no artigo 229­C da Lei 9.279/96, que determina a participação e anuência desta Agência em todos os processos de pedidos de patentes acerca de produtos de processos farmacêuticos.
private:stream página 2 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
943
Vale esclarecer que em relação à Anvisa, o pedido formulado foi o seguinte: “determinar que a Anvisa examine tão somente se o pedido de patente da Autora é em si atentatório à saúde pública e, posteriormente, anua o pedido, já que presentes os requisitos legais para tanto, na forma estabelecida no artigo 229­C da Lei de Propriedade Industrial;”
Entretanto, tendo sido o pedido desde logo negado pelo INPI, tal autarquia não remeteu os autos do processo administrativo à Anvisa, porquanto o pedido em referência já tinha sido negado.
PRELIMINARMENTE
IV – Da ilegitimidade passiva ad causam
da Anvisa no presente processo e da falta de
interesse de agir para a propositura da demanda em face da Anvisa
a) Da ilegitimidade passiva ad causam
Preliminarmente, há que se suscitar a ilegitimidade passiva da Anvisa para figurar no pólo passivo da presente demanda.
Com feito, não tendo sequer o processo passado por esta Autarquia quando da análise do pedido de patente, não há porque a Anvisa figurar no pólo passivo desta lide.
Ora, o pedido de patente foi negado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, não tendo havido qualquer manifestação da Anvisa acerca do pedido de patente em tela.
Neste sentido é a jurisprudência pátria:
private:stream página 3 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
944
PROCESSUAL. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA. ­ DEFICIT DA RELAÇÃO PROCESSUAL. ANTECIPANDO­SE A IMPETRAÇÃO A ETAPA FINAL DO
APERFEIÇOAMENTO
DO
ATO
COMPLEXO E SUA EXEQUIBILIDADE, CABE IRROGAR­SE­LHE A PECHA DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA, IMPEDITIVA DO CONHECIMENTO DO PEDIDO.
STJ. 5ª TURMA. ROMS 199300056484. Relator: Ministro José Dantas. Julgado em 07/03/1994. Publicado no Diário de Justiça em 21/03/1994, pág. 05493.
Vê­se, portanto, que a concessão de patentes farmacêuticas é um ato administrativo complexo, pois exige a participação de duas autarquias: o INPI e a Anvisa, nos termos do artigo 229­C da LPI. Entretanto, não tendo a Anvisa sequer participado do processo administrativo, não há razão para que seja Ré nesta demanda.
Desta forma, um vez que o ato de não concessão da patente não foi expedido pela Anvisa, mas somente pelo INPI, deve ser extinto o processo, sem análise do mérito, nos termos do artigo 267 do Código de Processo Civil.
b) Da falta de interesse de agir
Como já dito, o pedido de patente no caso vertente não foi enviado para a Anvisa para que esta procedesse à analise do mesmo, pois o tal pedido foi indeferido pelo INPI.
private:stream página 4 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
945
É de corrente sabença que existe interesse de agir quando o autor tem a necessidade de se utilizar do processo para alcançar o bem pretendido, interesse esse que deve estar sendo resistido pela parte contrária, de forma a caracterizar a utilidade e a necessidade do processo.
Ora, o autor pleiteia pedido contra a ANVISA, mas nem mesmo o INPI concedeu a patente pretendida. Percebe­se, pois, é totalmente sem razão a discussão acerca da atividade da ANVISA no caso, pois não houve pretensão resistida pela Anvisa e, de fato, não se sabe nem se haverá tal resistência, uma vez que a Anvisa, repita­se, sequer analisou tal pedido.
Em relação ao tema, o Egrégio Tribunal Regional da 2ª Região decidiu da seguinte forma:
PROCESSUAL CIVIL – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MARCA ­ FALTA DE INTERESSE DE AGIR – PRETENSÃO DE NATUREZA CONSTITUTIVA EM AÇÃO DECLARATÓRIA – INSTRUMENTO INIDÔNEO – APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDAS PARA EXTINGUIR O PROCESSO COM BASE NO ARTIGO 267, IV e VI DO CPC.
I – Tudo nos autos aponta para inexistência de lide, cujo conceito cinge­se a um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida, que se não for configurada, subtrai do autor o direito de agir em juízo, por falta de interesse. II – Estivesse o INPI em desacordo com a pretensão (mediante ação ou omissão) antes da propositura da demanda ou rebatido, fortemente, o mérito da causa em contestação, dúvida não haveria sobre a configuração da lide, com emersão, via de conseqüência, do interesse de agir da apelada.
private:stream página 5 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
946
(...)
VI ­ Apelação e Remessa Necessária providas para extinguir o processo com base no artigo 267, IV e VI do CPC.
TRF 2ª Região. Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal Messod Azulay Neto. AC 200351015058401. Apelação Cível 390389. Julgado em 23/04/2007. Publicado no DJU em 23/04/2007, pág. 85.
Claro é, portanto, que, na presente demanda, para que existisse interesse de agir da autora em relação à Anvisa, seria necessário pelo menos um único ato por parte desta Autarquia na negativa de concessão da patente.
Entretanto, como já dito, a ANVISA NÃO PARTICIPOU DA ANÁLISE DO PROCESSO DA PATENTE REQUERIDA, NÃO TENDO EXPEDIDO UM ATO SEQUER NO REFERIDO PROCESSO.
Desta forma, resta óbvia a falta de interesse de agir da Autora em face desta autarquia, devendo incidir o artigo 267 do Código de Processo Civil, com a extinção do processo sem análise do mérito.
NO MÉRITO
Ainda que superadas as preliminares acima suscitadas, o que só se admite por puro amor ao debate, melhor sorte não assistirá à Autora, eis que seu pleito está fadado ao insucesso, como será visto logo adiante.
private:stream página 6 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
947
V – O cenário internacional referente às patentes farmacêuticas. Da necessária participação da ANVISA no processo de análise dos pedidos de patentes de processo e produtos farmacêuticos. Observância do artigo 229­C da Lei 9.279/96.
A concessão de patentes no setor farmacêutico sempre foi, ao longo das décadas, um tema polêmico no cenário internacional e na grande maioria dos países. Antes da implementação do acordo TRIPS, inúmeros países (dentre os quais vários países europeus e países em desenvolvimento) negavam patenteabilidade a medicamentos e alimentos. Durante mais de duzentos anos, a grande maioria dos países considerava que as invenções do setor farmacêutico, assim como de alimentos, não deveriam receber monopólios dos Estados, em razão da importância de tais bens para a vida das pessoas, para a saúde pública em geral, entre outros fatores. Enquanto abusos de titulares de patentes nos demais setores industriais podem acarretar prejuízos de ordem econômico­financeira, os abusos praticados pelos titulares de patentes de medicamentos e alimentos e, até mesmo, as patentes irregularmente concedidas nesses setores normalmente geravam (e ainda geram) grandes impactos sobre a vida humana, comprometendo a saúde pública e a sobrevivência digna de grandes massas populares, carentes de tais bens de consumo. Países como Espanha e Itália somente vieram a conceder patentes para o setor farmacêutico na segunda metade do século XX. A legislação brasileira, de 1971 a 1996, negava o patenteamento de processos e produtos químicos, farmacêuticos e alimentares.
Vale dizer que a indústria farmacêutica, composta de um pequeno número de grandes empresas (a maioria delas sediadas em países desenvolvidos), sempre pressionou os governos a atribuírem proteção patentária aos medicamentos. No cenário internacional, pode­se dizer que tal indústria foi a grande responsável pela postura de países desenvolvidos, como os EUA, de private:stream página 7 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
948
pressionarem os demais Estados no sentido de promover alterações significativas na disciplina internacional relativa ao tema. Seus representantes tiveram atuação relevante na negociação de TRIPS e nas mudanças de legislações nacionais que se seguiram à criação da OMC.
Com a implementação do acordo TRIPS, houve a determinação de que qualquer invenção, de produto ou processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável (art. 21. 1, primeira parte). Como conseqüência, a grande maioria das legislações nacionais passou a admitir a concessão de patentes para processos e produtos farmacêuticos, dentre as quais se encontra a nova Lei de Propriedade Industrial brasileira (Lei nº 9.279/96).
Uma vez estabelecido o novo acordo, o debate em torno dos reflexos das patentes sobre o acesso aos medicamentos ganhou um novo fôlego e um novo enfoque. Com efeito, a nova realidade jurídica acabou por acarretar, já nos primeiros cinco anos após a implementação do TRIPS, uma grande controvérsia sobre a dicotomia lucros das grandes farmacêuticas internacionais X imperativos de saúde pública e acesso a medicamentos. Houve, em várias partes do mundo, um encarecimento de muitos medicamentos, como decorrência direta dos monopólios de produção e conhecimento determinados pelas patentes.
Estas conseqüências acabaram por comprometer muitas políticas públicas empreendidas pelos países em desenvolvimento (e até por alguns países considerados de 1o mundo) que objetivavam o combate a doenças endêmicas graves, como a AIDS, a tuberculose, a malária, a hepatite, entre outras. Os preços de monopólio decorrentes das patentes geraram imediatamente uma situação insustentável em alguns países da África e uma futura insustentabilidade em outros inúmeros países pobres e em desenvolvimento, como o Brasil.
Os Estados soberanos, portanto, analisando tal estado de coisas e ponderando os valores envolvidos, empreenderam um grande debate sobre o tema na IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada em 2001, na cidade de Doha, no Qatar. private:stream página 8 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
949
Após intensos debates, com forte participação do Brasil e da Índia, os representantes dos países ali reunidos chegaram a um consenso, qual seja, a de que os direitos de propriedade industrial não devem se sobrepor às questões de saúde pública. Ou seja, a função social da produção de medicamentos deve estar acima dos interesses comerciais.
Trata­se da famosa Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, um importantíssimo documento de inclusão social, que visa reconhecer aos Estados mecanismos aptos a ampliar o acesso a medicamentos (favorecendo, assim, inúmeros países pobres, que nos dias atuais não conseguem enfrentar as doenças que acometem suas populações, devido, principalmente, aos altos preços cobrados pelos medicamentos patenteados). Tais mecanismos, segundo a Declaração, são válidos e compatíveis com o Acordo de TRIPS. Aliás, a Declaração de Doha tornou­se um importante viés interpretativo de inúmeras normas do próprio Acordo de TRIPS.
Eis, em síntese, os principais compromissos e mecanismos apresentados na aludida Declaração:
a) Reconhecimento da gravidade dos problemas de saúde pública que afligem muitos países pobres e em desenvolvimento, sobretudo os problemas decorrentes da AIDS, tuberculose, malária e outras epidemias. Reconhecimento de que o Acordo de TRIPS deve necessariamente integrar a mais ampla ação nacional e internacional voltada para o trato desses graves problemas de saúde pública;
b) Reconhecimento da importância da propriedade industrial para o desenvolvimento farmacêutico, sendo reconhecida também a forte preocupação dos efeitos das patentes sobre os preços de medicamentos;
c) Reconhecimento de que o Acordo TRIPS não impede e não deve impedir que os Membros adotem medidas de proteção à saúde pública. Que tal Acordo pode e deve ser interpretado e implementado de modo a implicar apoio ao direito dos Membros da OMC de proteger a saúde private:stream página 9 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
950
pública e, em particular, de promover o acesso de medicamentos para todos. Assim, há a expressa afirmação de que os Membros da OMC têm o direito de utilizar, em toda a sua extensão, as disposições que fornecem a flexibilidade necessária a esse propósito
d) Reconhecimento das seguintes flexibilidades compatíveis com o Acordo TRIPS: uma interpretação principiológica do Acordo; o direito de cada Membro de conceder licenciamento compulsório e a liberdade de determinar os termos sob os quais essas licenças serão concedidas; o direito de cada Membro de determinar o que constitui uma emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência, aí compreendidas as crises de saúde pública, incluindo as relacionadas à AIDS, tuberculose, malária e outras epidemias; reconhecimento que o Acordo TRIPS, no que concerne à extinção da patente, confere liberdade a cada Membro para estabelecer seu próprio regime de extinção, sem contestação, sujeito ao MNF e às disposições de tratamento nacional dos arts. 3o e 4o ;
e) Reconhecimento das dificuldades a serem enfrentadas pelos Membros da OMC com capacidade de produção insuficiente ou sem nenhuma capacidade de produção no setor farmacêutico quando da tentativa de tornar efetivo o uso do licenciamento compulsório. Por conseguinte, há instrução ao Conselho de TRIPS para encontrar solução expedita para esse problema;
f) Reafirmação do compromisso dos países Membros mais desenvolvidos de estimular seus empresariados e instituições na promoção da transferência de tecnologia aos países Membros menos desenvolvidos, entre outros aspectos relevantes.
Como visto, a Declaração de Doha corresponde a um significativo avanço na interpretação do Acordo TRIPS em prol da proteção à saúde pública, permitindo aos Estados a liberdade necessária para o estabelecimento de mecanismos destinados a tal propósito. private:stream página 10 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
951
Realmente, o mencionado Acordo, à luz interpretativa da Declaração de Doha, confere a seus Membros liberdade para que estes estabeleçam, livremente, a organização jurídica que reputam mais adequada para a aplicação do TRIPS, permitindo a adoção das medidas necessárias à proteção da saúde pública. Dentre os mecanismos admitidos pelo Acordo TRIPS e reafirmados pela Declaração de Doha encontra­se o chamado licenciamento compulsório (vulgarmente chamado de “quebra de patente”). Objetivando dar maior efetividade a tal instituto, os países membros da OMC assinaram em 30/08/2003 um Acordo para implementação do parágrafo 6 da Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública. Este acordo estabelece regras para a importação em caso de licenciamento compulsório em países com pouca ou insuficiente capacidade produtiva.
Todavia, o licenciamento compulsório corresponde, na prática, a uma dinâmica muito dificultosa. Trata­se, indubitavelmente, de um instrumento legal de que o Estado dispõe para, em caso de medicamentos patenteados e com altos custos, dar o acesso devido a sua população. Não obstante, este valioso instrumento legal não é muito utilizado, uma vez que corresponde a uma verdadeira “desapropriação” de um direito da indústria. Normalmente, gera­se uma tensão com a indústria detentora da patente e, não raro, com o próprio país de nacionalidade desta. Além disso, para que o licenciamento compulsório surta os efeitos pretendidos, deve haver a transferência da tecnologia necessária à produção do medicamento, o que envolve difíceis negociações com a indústria detentora da patente, entre outros aspectos. Facilmente se constata, pois, a dificuldade que os países pobres ou menos desenvolvidos encontram e encontrarão para se utilizarem eficazmente dos licenciamentos compulsórios. Tal dificuldade, inclusive, foi reconhecida pela própria Declaração de Doha (parágrafo 6). Cientes dessa dificuldade, muitos Estados, sem abdicar do direito de utilizarem eventualmente o licenciamento compulsório, vêm estudando e implementando medidas acessórias, perfeitamente private:stream página 11 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
952
compatíveis com o Acordo TRIPS e com a Declaração de Doha, com o objetivo de conferir maior atenção e controle sobre o mercado de medicamentos, garantindo­se maior acesso a estes imprescindíveis bens de consumo. Um desses países que vêm se destacando na implementação destas medidas é exatamente o Brasil, que adotou duas grandes medidas auxiliares, implementadas antes mesmo da Declaração de Doha.
Tais medidas são exatamente o controle/acompanhamento/regulação de preços de medicamentos (empreendido pela Câmara de Medicamentos – CAMED, órgão interministerial, com o auxílio da ANVISA) e a análise criteriosa do pedido de patente de produtos e processos farmacêuticos a ser exercida coordenadamente por dois órgãos distintos (INPI e ANVISA), conferindo uma redobrada atenção em tais análises. Trata­se, pois, de processo administrativo complexo, “cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações.”1 Quanto à implementação da análise realizada pela Anvisa, a mesma procura realizar uma agregação de conhecimentos técnicos especializados, um fenômeno comum na Administração Pública, aproveitando a grande e reconhecida experiência desta autarquia na análise das complexas formulações químico­farmacêuticas.
Tal análise criteriosa foi implementada através da introdução do artigo 229­C da Lei de patentes da Lei 9279/96, tendo sido este diploma legal primeiramente modificado através da Medida Provisória n° 2006, de 14 de dezembro de 1999 e reedições posteriores, até ser convertida em lei (Lei Federal n° 10.196/2001).
JOSE DOS SANOTS CARVALHO FILHO, in Manual de Direito Administrativo. 1999. Rio de Janeiro. Editora Lúmen Iuris. Pag. 93.
1
private:stream página 12 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
953
A redação do artigo 229­C é de clareza solar ao estabelecer que “A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).”
Pelos termos claros da lei, a concessão de patentes no setor farmacêutico dependerá sempre da prévia anuência da ANVISA. Sem esta anuência, não há como a patente ser concedida, sendo contra legem (contra a literalidade da lei) qualquer interpretação em sentido contrário. Por conseqüência, toda e qualquer patente referente a produto ou processo farmacêutico concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial a partir da introdução do artigo 229­C na Lei 9.279/96 deve, necessariamente, ser anuída previamente pela ANVISA, sob pena de nulidade da patente.
E não poderia ser diferente porquanto a própria Lei de Patentes assim afirma. Com efeito, o artigo 46 da Lei de patentes é categórico ao dispor que “É nula a patente concedida contrariando as disposições desta lei.” Ora, se a patente foi concedida sem a participação da ANVISA em seu processo de análise, a mesma é nula e, como tal, não pode surtir efeitos.
VI – Do caso específico do pedido de patente PI 9709956­2. A leitura do artigo 229­C não deixa margem de dúvidas de que o mesmo corresponde a uma norma procedimental, inserindo a ANVISA no processamento dos pedidos de patente de produtos e processos farmacêuticos e conferindo­lhe poder de examinar esses pedidos, private:stream página 13 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
954
decidindo pela anuência ou não­anuência à concessão da patente, conforme a peculiaridade de cada caso. Como visto anteriormente, tal dispositivo legal determinou uma espécie de ato administrativo complexo no tocante à decisão final de concessão da patente (vontades autônomas do INPI e da ANVISA). E exatamente por ser norma procedimental, o artigo 229­C, quando de seu advento, teve aplicação imediata e geral a todos os processos administrativos de pedidos de patente de produtos e processos farmacêuticos que estavam pendentes de decisão no INPI, inclusive os pedidos chamados de pipeline (art. 230 da Lei de Propriedade Industrial). Entretanto, como o pedido não foi submetido à análise da Anvisa, esta autarquia não poderia emitir qualquer juízo de valor em relação ao mesmo e sob qualquer aspecto.
Vê­se, pois, que esta autarquia não poderia cometer a irresponsabilidade de emitir parecer sobre o pedido de patente em si enquanto não analisado, de forma detida e criteriosa, o processo administrativo do referido pedido de patente.
Até porque, quando da análise de tais pedidos, por vezes a ANVISA faz exigências, pedidos de esclarecimentos, etc., para então conceder ou não a anuência prévia. Assim, em relação ao pedido de patente de que tratam estes autos, a ANVISA só poderá se manifestar após a análise dos referidos autos administrativos.
VII – Conclusão. Dos pedidos.
Por todo exposto, requer a V.Exa:
private:stream página 14 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
955
a) Sejam acolhidas as preliminares suscitadas e extinto o processo, sem análise do mérito, com fulcro no artigo 267 do Código de Processo Civil, seja pela ilegitimidade passiva da Anvisa para figurar no pólo passivo da presente demanda, seja pela falta de interesse de agir da Autora em relação a esta Autarquia.
b) Caso assim não entenda V.Exa., que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos autorais, por falta de amparo fático e jurídico que os sustente.
Requer também a produção de todas as provas admitidas em direito, notadamente a documental suplementar e pericial, bem como a condenação da Autora nas custas judiciais e honorários advocatícios.
Outrossim, informa que é representada judicialmente pela PGF/AGU, com Procuradores Federais lotados em seu Núcleo Jurídico no Rio de Janeiro, para onde devem ser encaminhadas futuras intimações/notificações: Avenida Graça Aranha, n° 206, 1ª sobreloja, Centro – Rio de Janeiro/RJ.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 03 de março de 2011.
ISABELA DE ARAUJO LIMA RAMOS
Procuradora Federal
private:stream página 15 de 15
Protocolada por Isabela de Araujo Lima Ramos em 03/03/2011 14:08
Download

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA 38ª VARA FEDERAL DA