ÚLTIMA 8 O PSD e o regresso de Relvas O indispensável O pontapé de “Zeca Mendonça” a um repórter fotográfico foi bem o símbolo de um estilo. Não havia dúvida possível: Relvas estava de volta. Com a agressão ao jornalista, o assessor do ex-ministro ilustrou todo um programa político. Era assim o Relvas que tutelou a RTP e era assim o que interveio na linha editorial de jornais que não tutelava (caso de Maria José Oliveira e do “Público”). Os jornalistas, quando saem da linha, devem ser tratados a pontapé. T ratava-se de um mero resquício do passado? Se assim fosse, Relvas teria entrado no Congresso do PSD pela porta dos fundos e teria ocupado discretamente um lugar no meio da plateia. Mas ele reentrou pela porta grande e Passos Coelho pô-lo logo à frente da lista para o Conselho Nacional. Dirão as más línguas que Passos Coelho lhe deve muitas atenções e que a inabalável solidariedade entre ambos resulta dos tempos difíceis da Tecnoforma. Falso: em política não há gratidões dessas, e menos ainda quando o pagador de dívidas passadas tem de pagá-las com língua de palmo. Ora, não há dúvida, até a julgar pela votação desastrosa da lista apoiada por Passos Coelho para o Conselho Nacional do PSD, que a ligação a Relvas continua a sair-lhe cara. O que acontece é que há entre Passos Coelho e Relvas uma afinidade electiva, actualíssima, completamente alicerçada nos imperativos da política presente. Pode Gaspar sair entretanto, pode Portas ameaçar que sai, pode revogar a ameaça, pode sair o Álvaro e entrar o Pires de Lima, pode Poiares Maduro falar doze vezes em consenso – tudo isso são rugas da paisagem, ao lado desse veio estruturante do Governo que é Miguel Relvas. Com o seu regresso à cúpula do aparelho partidário, fica claro que o Governo é fiel a si próprio e, para continuar a obedecer caninamente aos ditames da troika, tem o que é preciso. Na hora das decisões, o Governo de Passos Coelho não se tornou piegas, não foi assaltado por escrúpulos morais, intelectuais ou culturais, não mudou de estilo, não passou a estudar dossiers e não renegou a arruaça. E tudo isso vai ser preciso para continuar a destruir os fundamentos da vida de um povo. “Zeca Mendonça” é um símbolo e Relvas é um mentor: ambos são o retrato fiel da alma deste Governo. António Louçã O manipulador O regresso de Miguel Relvas à ribalta política surpreendeu muita gente. A sua escolha para cabeça de lista do Conselho Nacional do PSD, avalizada no recente congresso do partido, para além de acentuar publicamente a absoluta falta de vergonha de Passos Coelho e dos seus apoiantes, terá provocado algum mal-estar junto de vários congressistas. Mas a cobardia e os interesses (de classe burguesa) instalados prevaleceram sobre qualquer mal-estar. As críticas anónimas ou as tíbias demarcações de militantes do partido em relação a esta imposição de Passos Coelho falam por si. É assim a natureza e a moralidade desta gente. Relvas é um elemento essencial à quadrilha governante, dada a sua estreita e já longa Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 cumplicidade com Passos Coelho na eliminação de concorrentes internos do actual líder do PSD, assim como em relação a vários “negócios” bem conhecidos (vide Tecnoforma). E, sobretudo, porque Relvas traz consigo importantes ligações a empresas (e a dinheiros utilizáveis nas campanhas eleitorais), assim como à espionagem política e económica (de lembrar as suas ligações ao espião Jorge Silva Carvalho e não só). Relvas é um manipulador, cheio de truques, que certamente serão úteis no interior da coligação governamental e, particularmente, nas próximas campanhas eleitorais do PSD, onde a mentira, a demagogia e a chantagem irão campear. Pedro Goulart Prescrições O banqueiro Jardim Gonçalves já não tem de pagar uma multa de um milhão de euros nem fica com a actividade suspensa, penas com que o Banco de Portugal tinha condenado as suas trafulhices no BCP, porque o caso prescreveu por demoras nos tribunais e no próprio Banco de Portugal. João Rendeiro, este do BPP, na mesma situação, pode beneficiar da mesma “absolvição” e não ter de desembolsar 2,5 milhões de euros de multa. Outros acusados de alto coturno, como os do caso Face Oculta, contam os dias para que fiquem ilibados pelo mesmo expediente. Em contrapartida, decisão judicial recente, esta em tempo, obriga o governo a reintegrar o espião Silva Carvalho, amigo de Miguel Relvas, na Presidência do Conselho de Ministros, com direito a todos os salários desde 2012, perto de 100 mil euros. Por seu lado, os ministérios da Educação e da Segurança Social cortaram 17 milhões de euros nas verbas destinadas ao ensino especial, canalizando-as para os lares privados, deixando sem apoio milhares de crianças deficientes, sobretudo de famílias pobres. O ministério da Saúde continua a encerrar centros de Saúde e corta nos subsídios de transporte de doentes, obrigando novos e velhos a gastar o que não têm ou a andar quilómetros a pé se quiserem ser assistidos. O governo, quando prepara mais cortes, decidiu pagar 500 mil euros por ano aos três membros da comissão instaladora do novo banco de fomento. Podíamos multiplicar exemplos destes e verberá-los sem descanso. Mas o que importa não é apenas denunciar os privilégios e os abusos do poder. É preciso apontar o dedo ao sistema social que lhes está na origem e os reproduz dia a dia. Manuel Raposo DITO Se o crime se torna lei, deixa de ser crime. O Juiz, personagem da peça Estado de Sítio (1948) Albert Camus Editorial Há saída? Se tivermos em vista as grandes manifestações de 2011 a 2012 e as greves gerais, a situação actual mostra um abrandamento do movimento de massas, sem desprezar as greves e lutas locais que continuam a manter viva a chama da resistência. Não admira este recuo: a expectativa de que o governo cairia de podre no verão passado saiu gorada, em boa parte graças à actuação do PS, mas fundamentalmente porque o próprio movimento popular esperou que os empurrões dados na rua seriam completados por eleições antecipadas. Foi um engano, que mostrou, apesar de tudo o que foi feito, a necessidade de uma acção de massas muito mais determinada — e que comprovou de novo que as “instituições democráticas” não existem para facilitar a vida à luta de classes mas para a debelar. A propaganda das forças do poder trata agora de fixar a atenção geral nas promessas do PS, na “alternativa” do Manifesto dos 70, nas hipóteses de acordo partidário lançadas por Cavaco, nas garantias de crescimento económico do governo, nas próximas eleições Europeias. E tentar fazer crer que as saídas se confinam a essa distribuição de cartas. Desiludamo-nos: o capital europeu não vai desistir dos seus juros, as instituições europeias não vão virar-se do avesso e tornar-se “populares”, a política de austeridade sobre os países pobres da UE não vai abrandar, por mais discussões que haja sobre o “futuro da Europa”. Deixado ao livre curso do capital, o futuro da Europa está espelhado nas ambições imperialistas da UE, no apoio dado aos nazis ucranianos, no crescimento dos fascistas da Frente Nacional francesa. Não há saída? Há saída, sim. Depende da intervenção política da massa trabalhadora, cá e lá fora. Com os seus objectivos de classe colocados à frente. Não se queixando apenas das injustiças do sistema, mas apontando para a sua subversão. Porque é o capitalismo que está podre. MUDARDEVIDA www.jornalmudardevida.net jornal popular / apoio: 0,50 € Janeiro-Fevereiro 2014 / número 41 Quem paga a dívida, eis a questão A questão de fundo acerca da dívida é, em primeiro lugar, a de saber quem a paga — não em quanto tempo deve ela ser paga. Há os que acham que deve ser a massa trabalhadora a pagá-la, integral e rapidamente. Há os que alimentam a ilusão de repartir os custos. Os subscritores do Manifesto dos 70 procuram abrir uma espécie de via intermédia entre uns e outros. Há, porém, uma outra posição: a dos (poucos, embora) que defendem que, para os trabalhadores, a única posição que pode dar frutos é rejeitar pagar a dívida, pautando as suas lutas de resistência por este propósito. O caminho está na luta pág. 2 / A quem se dirige o Manifesto dos 70? pág. 3 / A degradação do SNS pág. 4 / Compromissos políticos e empobrecimento pág. 5 / O papel que a direita dá ao PS pág. 6 / A responsabilidade do voto pág. 6 / A lição da Ucrânia pág. 7 / O regresso de Relvas pág. 8 PAÍS 2 O que significa afirmar: aproximemos a revolução Lutar para aproximar a revolução significa, antes de mais, manter o sonho de centenas de milhões de explorados, excluídos, perseguidos, vivendo a angústia provocada por um sistema que é ele a própria negação de dignidade, de liberdade, de uma humanidade com futuro, com direito à esperança. Aproximar a revolução é o mesmo que dizer: aproximemos o fim da ditadura do capital e construamos um outro sistema assente na apropriação colectiva da riqueza produzida e repartida com justiça. ualquer plataforma política que se pretenda hoje de esquerda, não pode deixar de ter no centro das suas preocupações políticas a mudança de paradigma social como forma de resolução da crise. Q São importantes as denúncias políticas da devastação que este governo e a troika levam a cabo, e combatê-la por todos os meios possíveis; mas, verdadeiramente decisivo, é colocar no centro da luta a mudança de sociedade; não basta clamar por mais democracia e por inflectir os rumos da economia se as rédeas permanecerem nas mãos dos capitalistas. Precisamos de ter uma plataforma política comum ao proletariado, que inspire confiança na sua maioria e o ganhe para a inversão dos ciclos repetitivos: eleições/novo governo/debates no parlamento/ novas eleições/novo governo/ novos debates parlamentares. Precisamos de romper este sistema eterno de escravização e acorrentamento a uma lógica que só serve aos burgueses no poder e à sua sobrevivência. milhões antevêem a miséria e a exclusão. Segundo, que o regime actual se revela historicamente esgotado, bem como o seu modo de produção — o capitalismo. Cabe à esquerda colocar no centro da sua luta a denúncia e o combate ao sistema capitalista, e aproximar um novo sistema de sociedade sem exploração nem crises. São estes os pontos de interesse comum para o proletariado, numa perspectiva de esquerda: 1 - Desenvolver e participar na luta pelo derrube do governo e pelo fim da política de austeridade. 2 - Pleno emprego para toda a população trabalhadora, desempregada, e para aqueles que acedem ao mercado de trabalho, através da redução do horário de trabalho e da repartição do trabalho existente por todos. 3 - Criação de um fundo de solidariedade que garanta um rendimento mínimo a todos os desempregados. 4 - Suspender o pagamento da dívida, suspender o pagamento das PPP e de todas as rendas do Estado ao capital. 5 - Taxar o capital: os seus lucros, as suas fortunas os seus luxos, as suas heranças, cortar nas mordomias e nos altos salários dos administradores e afins. 6 - Proceder de imediato à expropriação das fortunas dos delinquentes do BPN, BPP e de outros criminosos que têm lesado o Estado. Importa unir todos os que estiverem por este caminho de luta, numa lógica de frente unida pela base que eleve a combatividade dos trabalhadores, mantendo cada grupo ou partido a sua independência eleitoral. Qualquer governo de esquerda a apoiar terá de sair de um processo de avanço da luta popular com vista à tomada do poder pelas massas trabalhadoras. José Borralho Manifestámo-nos de novo em vários pontos do país no velho estilo passeata, com final virado para dentro, para consumo interno. Mais uma vez nos foi dito que a crise será travada com crescimento económico, levado a cabo por um governo patriótico e de esquerda. Mas não nos esqueçamos: a esquerda vive encerrada num círculo de ferro. Resistindo, protestando, mas não ambicionando mais do que um capitalismo “melhor” que este. Círculo que tarda em ser rompido, e que nos amarra ao sistema económico real. Importa lembrar que a crise em que o capitalismo está mergulhado tem a particularidade de existir não por falta de crescimento, mas sim por excesso de produção. E que é esta anarquia a responsável pela destruição de postos de trabalho e indústrias inteiras. E que é graças a esta anarquia que os estados se alimentam dos impostos sobre o trabalho e aliviam os impostos aos patrões. Suprimem-se empregos, salários, direitos, suprimem-se as vidas de quem trabalha. É o capitalismo no seu melhor: suprimindo recursos do lado do trabalho, concentrando riqueza numa escassa minoria — banqueiros, agiotas, comerciantes, industriais, simples parasitas. As palavras de ordem de toda a burguesia internacional são hoje duas: suprimir (empregos e direitos ao trabalho), concentrar (riqueza no capital). O capital quer salvar-se da crise à custa do trabalho. E nós trabalhadores devemos responder: que se afunde o capital; queremos nada menos que o poder; só assim sairemos do círculo de ferro. Essa plataforma política tem que ter dois considerandos elementares: Primeiro, que a crise capitalista se agrava e que centenas de FICHA TÉCNICA ASSINATURAS Redacção Cristina Meneses, Manuel Raposo, Pedro Goulart Colaboradores António Louçã, Carlos Completo, Carlos Simões, François Pechereau, Manuel Vaz, Rita Moura, Urbano de Campos Site David Raposo Contactos Apartado 50093 S. João de Brito 1702-001 Lisboa [email protected] www.jornalmudardevida.net 10 números / Donativo mínimo: 15€ Apoio: o mais possível Como fazer uma assinatura: No site www.jornalmudardevida.net (>Assinaturas): indique nome, morada, código postal, indique o número a partir do qual inicia a assinatura e transfira o seu contributo numa caixa Multibanco (seleccionando “Outras Operações” e “Transferências”), para o NIB 0007 0000 00682481622 23. Envie-nos um e-mail a comunicar a transferência. Por correio: envie nome, morada, código postal, indique o número a partir do qual inicia a assinatura e junte um cheque traçado, ao portador. Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 O caminho está na luta Por isso, contra a exploração e o empobrecimento importa dizer: o capital que pague a crise e a dívida; pôr fim à austeridade significa taxar fortemente o capital. Desenvolver a consciência de que é precisa uma revolução social — é para isso que servem as manifestações. José Borralho MUNDO Egipto, uma sentença repugnante A ditadura militar que governa o Egipto, na sequência da demissão do presidente Morsi, deposto pelo Exército, revelou uma vez mais aquilo de que é capaz: 519 pessoas, na maioria partidários da Irmandade Muçulmana, foram condenados à morte, pela violência verificada em meados de 2013. Desde que o exército derrubou Morsi, mais de um milhar dos seus partidários morreram vítimas de uma sangrenta repressão e outros milhares foram detidos, numa repressão que também se estendeu à oposição laica. Quase todos os líderes da ilegalizada Irmandade Muçulmana — acusados da morte de dois polícias e de ataques contra bens públicos e privados — estão a ser julgados e correm o risco de ser condenados à morte, incluindo Morsi. 7 A lição da Ucrânia Quando, no número anterior do MV, em início de Janeiro, falámos sobre a situação na Ucrânia, as manifestações em Kiev esmoreciam e parecia que a calma estava regressar ao país. Enganámo-nos. A disposição da União Europeia e dos EUA em arrastar a Ucrânia para a sua órbita levou-os a apoiar por todos os meios os protestos de rua e a incentivar, inclusive, a pior escumalha de entre os grupos fascistas ucranianos, no sentido de debilitar o poder do presidente Yanukovich. Conseguiram-no e não recuaram mesmo diante do risco de levar o país à beira da guerra civil; ou até de um confronto com a Rússia, que defende os seus interesses na zona. É neste sentido que têm de ser entendidas as declarações dos dirigentes ocidentais, entre eles o sinistro Rasmussen, secretário-geral da NATO. Iraque resiste, 11 anos depois da ocupação Após 11 anos de ocupação (20 de Março), o Iraque é um dos países do mundo com mais violência e mais degradação das condições de vida da população. Este é um dos factores que mede o carácter criminoso da invasão liderada pelos EUA. Dados recentes revelam que há hoje no Iraque 1300 condenados à morte, homens e mulheres; que as execuções são por vezes feitas secretamente e às dezenas de cada vez. A ponto de a alta comissária das nações Unidas para os direitos humanos, Navi Pillay, ter acusado o regime iraquiano de agir “como quem processa animais num matadouro”. Contra toda esta situação se tem levantado a população iraquiana desde os primeiros meses de ocupação. A revolta subiu de tom em 2011 acompanhando os levantamentos árabes e culminou, no final de 2013, na ocupação de três cidades da província de Al-Anbar por resistentes armados. Os ataques indiscriminados das forças governamentais, têm matado civis e fazem milhares de refugiados. abe-se hoje que os EUA pagaram aos activistas nazis de Kiev, à razão de 50 dólares por dia, para manterem a agitação na praça Maidan; e que os atiradores furtivos que mataram uma centenas de pessoas em 20 de Fevereiro eram membros dessas organizações nazis. Esta acção teleguiada, cuidadosamente escondida pela comunicação social dominante, sabotou o acordo que havia sido firmado entre a oposição e o governo ucraniano e precipitou a queda de Yanukovich. Entretanto, como se sabe, a população da Crimeia, maioritariamente russa, votou em 16 de Março a integração na Federação Russa e consumou a sua separação da Ucrânia. S Outras movimentações no leste e sul do país recusam o novo poder instalado em Kiev, dominado por forças de extrema direita, e pedem protecção à Rússia. Não é a primeira vez que os dirigentes e as instituições da UE mostram saber conviver com líderes de extrema-direita. Acontece com a Hungria, país que hoje vive em verdadeiro regime de excepção, ou com a Polónia, ambos membros da UE. Acontece também com os próprios partidos fascistas, xenófobos e reaccionários que participam em governos ou detêm forte influência política em países poderosos da UE. Com a Ucrânia, porém, assistese a um salto de qualidade: os EUA e a UE apoiaram, financiaram e sustentam hoje no poder forças abertamente nazifascistas que não escondem nem disfarçam essa sua condição. Não se trata de tolerar fascistas que ganharam eleições, como na Hungria. Nem de aceitar, à margem do poder, partidos de extrema-direita como o de Le Pen em França. Na Ucrânia foi levado a cabo um golpe de estado contra um governo eleito, tendo como homens-de-mão membros de milícias nazis pagas pelo imperialismo ocidental. E neste momento, a UE e os EUA fazem tudo para manter no poder e legitimar essas forças, apresentando-as como os seus aliados e como os representantes do povo ucraniano! A UE mostrou por diversas vezes as suas ambições imperialistas: na guerra de divisão da Jugoslávia, no ataque à Líbia, nas intervenções militares em África, na guerra contra a Síria. Tal como os EUA, serviu-se do pretexto da “defesa dos direitos humanos” e cobriu-se com o véu da “intervenção humanitária”. Tudo isso se desvaneceu no caso da Ucrânia. A UE está neste momento refém dos nazis ucranianos que escolheu como aliados. E esta realidade não se limita à Ucrânia. Até à data a, embora ténue, diferença entre nazifascistas e extrema-direita consistia no respeito jurado pelas regras democráticas e passava pelo critério do voto. Mas a partir de agora a UE não pode, mesmo internamente, traçar nenhuma diferença essencial entre extrema-direita respeitadora das regras democráticas e a acção directa dos bandos nazifascistas. Não são as regras democráticas formais, nem as instituições da UE que vão defender os povos europeus da ascensão fascista: é o exemplo de acção de massas que está a ser dado pelas populações ucraniana e russa, que sofreram como nenhuma outra a barbárie nazi — e a venceram. Manuel Raposo Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 PAÍS 6 O papel que a direita dá ao PS A insistência de Cavaco Silva num acordo PS-PSD-CDS tem como fito assegurar a continuidade da política ditada pela troika — com este ou com outro executivo. lém de o fazer em conversas avulsas, Cavaco falou nisso em Julho passado, quando o governo ameaçava cair, e conseguiu, graças à ajuda prestimosa do PS, que o governo se mantivesse. Voltou à carga já este ano no seu livro Roteiros martelando na necessidade de um “compromisso de estabilidade” que abarque mais do que uma legislatura. E apelou agora, ao marcar as eleições Europeias para 25 de Maio, a que os partidos mantenham bons modos para evitar zangas difíceis de sanar. Os méritos que Cavaco atribui à ideia fazem dela uma espécie de remédio milagreiro para os males do país. Ao mesmo tempo que considera intocável “o respeito pelas regras europeias de equilíbrio orçamental”, o PR acha ser possível reverter tudo o que A foi produzido por essas regras: reduzir o desemprego, aumentar salários e pensões, melhorar os serviços públicos, combater a pobreza e a exclusão social. De uma penada, Cavaco acha que se pode “proceder à correcção de justiças acumuladas no período de execução do programa de ajustamento”. O que falta para esta verdadeira quadratura do círculo? Apenas o entendimento entra as forças partidárias do “arco governativo”, diz Cavaco... Mas como poderá um simples acordo partidário ter o condão de alterar os dados da realidade económica? Não tem, mas pode ao menos criar condições políticas mais favoráveis para que o poder enfrente as consequências sociais da austeridade no longo prazo. A questão chave para Cavaco, como para toda a direita, é assegurar que as medidas de austeridade se transformem numa linha permanente de austeridade. Mas isso é fonte sabida de protestos sociais. O concurso do PS é então indispensável para ajudar a debelar a agitação. A direita precisa do PS para neutralizar boa parte das camadas sociais intermédias descontentes, empobrecidas pela crise. O papel que lhe é pedido é o de impedir que esses sectores engrossem a aversão ao poder e os protestos de rua. Manuel Raposo A responsabilidade do voto omo tens exercido o teu direito a voto nesta democracia burguesa em que vivemos? Antes de o fazeres tens pensado seriamente na tua responsabilidade pelos resultados? Para não ir mais longe, relembremos as malfeitorias que os diversos governos dos últimos anos (do PS, PSD e CDS) praticaram contra os trabalhadores e o povo e que não são facilmente esquecíveis. Assim, votar hoje (após os vários actos eleitorais realizados em democracia burguesa) nestes partidos do chamado arco governativo só se compreende por mercenarismo de quem vota ou quando os interesses de classe burguesa do votante coincidam com os destes governos. Mas esta é apenas uma parte do problema, a que se afigura mais racional, verificando-se aqui claramente uma cumplicidade criminosa. Outra parte, não despicienda, pela quantidade de votos que dá aos partidos burgueses, é quando o votante é um trabalhador ou um pobre e entrega o seu voto a estes partidos, contribuindo para a eleição dos seus exploradores (e dos seus homens de mão), por mera imbecilidade. E não se pode dizer que quem assim procede seja inimputável. O recente Congresso do PSD, pela mentira, pela desvergonha e pela manipulação, mostrou bem o C Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 que a corja governante é capaz de fazer para levar as pessoas ao engano. Com eleições várias no horizonte, vale tudo. E não faltaram mesmo aquelas figuras tristes que até homens inteligentes, mas oportunistas, como Marcelo Rebelo de Sousa, se sujeitam a fazer, para que não se esqueçam deles no momento dos tachos. No caso de Marcelo, aquando da apresentação da candidatura presidencial. A palhaçada que o comentador televisivo, geralmente crítico na TV em relação às acções do governo de Passos Coelho, foi agora apresentar ao Congresso do seu partido mostra como, até Marcelo, não passa de um vulgar trocatintas. No que respeita às “eleições”, à tua participação e ao teu voto, levanta-se, quanto a nós, um problema fundamental. Embora o campo privilegiado da luta de classes a usar pelos trabalhadores e pelos revolucionários deva situar-se nas empresas e nas ruas, os reduzidos tempos das campanhas eleitorais burguesas em geral não devem ser desprezados no referente à necessária desmontagem dos interesses e das políticas dos partidos do regime. E, também, no recurso a diversas formas de desacreditar estes partidos – votando noutros, utilizando a abstenção ou o voto nulo, procurando derrotá-los no seu próprio terreno. Carlos Completo Estivadores unidos Dia 4 de Fevereiro, solidários com a greve dos Estivadores de Lisboa, os estivadores europeus pararam diversos portos durante duas horas. Nesse dia, a luta também esteve presente em Setúbal e na Figueira da Foz. “O alargamento das fronteiras da nossa luta é uma resposta cabal à tentativa de isolarem a luta dos Estivadores de Lisboa que enfrentam um conjunto de medidas que estão a ser programadas para aplicar em Portugal e exportar para toda a Europa. Se o que nos oferecem é a globalização da austeridade, dos despedimentos fraudulentos e da precarização do trabalho portuário, nós ripostamos com as lutas e a solidariedade internacionalistas”, conforme afirmou o blogue O Estivador. De salientar que a luta determinada e persistente dos Estivadores de Lisboa acabou com uma vitória em que foram consideradas as suas principais reivindicações. Qual Justiça? Enquanto era inaugurado o novo edifício da Polícia Judiciária, com a presença de Passos Coelho, António Costa, Alberto Costa e Paula Teixeira da Cruz, e era afirmado tratar-se de edifício do mais moderno a nível mundial (segundo Pedro do Carmo, da direcção nacional desta polícia), ficámos a saber que isto, para principiar, nos vai custar quase cem milhões de euros. Simultaneamente, esta mesma Justiça, de que a Polícia Judiciária faz parte, deixa prescrever milhões de euros de multas aos banqueiros Jardim Gonçalves, do BCP, e João Rendeiro, do BPP. E, entretanto, diz-se que falta dinheiro para escolas, hospitais, assim como para apoiar os desempregados. Pobres: 2 milhões Dados do INE para 2012 mostram uma subida do risco de pobreza, relativamente a 2011. Os mais atingidos são os desempregados, as famílias numerosas, as crianças, os reformados e mesmo 10,5% dos empregados. Um feito da política de austeridade que deve figurar com destaque no currículo do trio Passos-Portas-Cavaco. PAÍS 3 A quem se dirige o Manifesto dos 70? O sentido imediato que mais claramente se destaca do Manifesto dos 70 é este: a política do governo PSD-CDS-troika vai ser repudiada nas eleições legislativas de 2015 e os primeiros sinais podem ser dados já nas Europeias de 25 de Maio. Uma significativa deslocação de votos para a esquerda (PCP e BE); uma forte abstenção dos eleitores de centro que se sentem enganados, descalçando PSD e CDS; uma fraca vitória do PS — tudo isto pode criar uma grande fragilidade ao último ano de governo de Passos Coelho bem como ao governo que se seguirá. Prosseguindo as medidas de austeridade como até aqui, as condições sociais serão favoráveis a novas manifestações de descontentamento popular, as grandes movimentações de rua poderão voltar a agitar o país. Nem PS nem PSD teriam margem de apoio suficiente para prosseguir a política actual sem que a luta de classes se agudizasse; e as miragens de recuperação económica esfumar-se-iam. contra esta eventualidade que o Manifesto procura tomar cautelas. Os 70 tentam com a sua proposta criar o consenso partidário em que Cavaco Silva tem insistido — mas centram esforços no PS, o possível vencedor das eleições, e não no PSD, o provável perdedor. Para os 70, Cavaco aposta no cavalo errado. É Medidas cautelares No plano político, portanto, o Manifesto expressa duas coisas, que são a marca da iniciativa: 1) a alternativa prática para um próximo governo é neste momento o PS; mas, 2) é preciso que o PS não fique prisioneiro da pressão à sua esquerda, expressa sobretudo nos protestos sociais e na expectativa popular de recuperar alguma coisa do que foi perdido nos últimos anos. Ora, é para evitar isso que importa a presença activa de Ferreira Leite, Bagão Félix, Adriano Moreira, ... mais António Saraiva e Vieira Lopes das confederações patronais da indústria e do comércio. Independentemente, pois, da vontade dos signatários de esquerda, o consenso que coloca na mesma plataforma bloquistas, ex-PCPs, PSDs e CDSs descontentes, PSs “de esquerda”, ex-salazaristas, etc, é um consenso feito no terreno da direita — facto que não é incompatível com a crítica à governação de Passos Coelho. A quem se dirigem os 70? Em termos sociais, o Manifesto dirige-se às classes intermédias: pequenos e médios patrões (é esse o significado das assinaturas dos dirigentes da CIP e da CCP) dependentes de um mercado interno cada vez mais estreito, afogados em dívidas, sem crédito da banca, condenados a falir; mas também aos assalariados da Função Pública, aos professores, aos estudantes sem futuro, aos militares e polícias, aos pequenos profissionais liberais que vêem os rendimentos a descer e o desemprego no horizonte próximo. O Manifesto procura convocar todos os sectores que constituem o centro social do país e diz-lhes: “Vocês ainda têm uma palavra a dar quanto ao nosso destino comum, na condição de rejeitarem tentações de radicalismo”. E aí está o conteúdo do Manifesto a mostrar o que isso significa: respeitar escrupulosamente os mandamentos da União Europeia, jurar pagar a dívida até ao último tostão, não ousar denunciar, quanto mais pôr em causa, os interesses e a hegemonia do capital financeiro. O Manifesto não é uma radical ofensiva das classes médias, revoltadas com o domínio esmagador do grande capital, dispostas a liderar um novo rumo político para o país. Elas não têm nem condições nem coragem para o fazer, porque temem que qualquer brecha aberta no sistema possa dar passagem às exigências da massa trabalhadora. Em termos práticos, objectivos, o manifesto representa uma tentativa de travar a descolagem das camadas pequeno-burguesas em relação às forças burguesas dominantes, divididas pelas agruras da crise, e evitar a degradação do sistema político. Questão primeira: quem paga? O ponto de partida do Manifesto é uma realidade óbvia, dita e redita: a austeridade empobrece a grande massa trabalhadora e assalariada, liquida a pequena e média propriedade, estrangula a possibilidade de desenvolvimento económico, não consegue travar o crescimento da dívida — e cria com isso condições para confrontos sociais mais agudos (“riscos de instabilidade política e de conflitualidade social”, avisa o texto). A resposta do Manifesto a este problema resume-se em pedir mais tempo para pagar a dívida, a juros mais baixos — rejeitando repetidamente faltar a qualquer pagamento — na esperança de obter com isso um tempo de respiração que facilite “um robusto e sustentado crescimento” económico. Conta, com esta atitude “responsável”, ganhar as boas graças e a ”solidariedade” do capital e das instituições europeias para uma espécie de austeridade branda, alongada no tempo. Mas a questão de fundo acerca da dívida é, em primeiro lugar, a de saber quem a paga — não em quanto tempo deve ela ser paga. Há os que acham que deve ser a massa trabalhadora a pagá-la, integral e rapidamente. Há os que alimentam a ilusão de repartir os custos. Os subscritores do Manifesto procuram abrir uma espécie de via intermédia entre uns e outros. Há, porém, uma outra posição: a dos (poucos, embora) que defendem que, para os trabalhadores, a única posição profícua é rejeitar pagar a dívida, pautando as suas lutas de resistência por este propósito. Os ganhos imediatos, neste caso, serão certamente escassos — mas esta é a única posição que aponta ao nó do problema: a crise do sistema social capitalista, de que a dívida é apenas um dos frutos. Manuel Raposo Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 PAÍS 4 Os privados agradecem, os utentes sofrem A degradação do Serviço Nacional de Saúde As chamadas reformas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ocorridas nos últimos anos, muitas vezes a pretexto do combate a ineficiências e desperdícios (que, a par da corrupção, também existem) aumentaram as dificuldades das classes trabalhadoras e do povo no acesso aos cuidados de saúde. Os sucessivos cortes (a torto e a direito) no sector já ultrapassaram em muito as alegadas ineficiências e desperdícios, tendo conduzido ao afastamento de numerosos profissionais altamente qualificados (médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico), produzido vários estrangulamentos e causado sérios problemas ao atempado e adequado tratamento dos doentes. ongas esperas nas urgências, para consultas de especialidade e para determinadas intervenções cirúrgicas têm sido as consequências mais penosas de tais políticas. E o caso recente dos trabalhadores da Linha de Saúde 24 (substituindo enfermeiros experientes por outros mais baratos e sem conhecimentos adequados) surge como mais um acto que vai na linha da crescente degradação dos cuidados de saúde prestados aos portugueses. L As várias medidas adoptadas no campo da Saúde pelos últimos governos, incluídos os aumentos das taxas moderadoras e o racionamento das consultas médicas, dos medicamentos e dos meios complementares de diagnóstico, têm empurrado muitos doentes para o Privado (os que têm algum dinheiro) e atirado, não raramente, para sofrimentos desnecessários e até para a morte numerosos utentes do SNS. Dois casos graves Um caso que veio alertar ainda mais a opinião pública para o grau de degradação já hoje atingido pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi o de uma utente, com cerca de 60 anos, que já habituada a fazer o rastreio ao cancro colorectal, teve uma análise positiva, o que levou o médico de família a enviá-la a uma consulta de gastrenterologia no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) para fazer uma colonoscopia. Mas que teve de esperar um ano pela consulta, a que se seguiu outro ano para fazer a referida colonoscopia. “Ao fim de dois anos, tinha cancro no intestino, grande e inoperável. A utente está agora a fazer quimioterapia para o reduzir, a fim de ver se pode ser operada”, diz o médico. A unidade não nega o tempo de espera e afirma que tem de triar os doentes mesmo quando a análise é positiva, por ter falta de recursos. Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 Sendo este um caso limite, certamente não é único, pois situa-se num contexto condenável: só entre 2011 e 2012 o número de doentes cancerosos operados com uma demora superior à desejável subiu 17,5%. Cinicamente, em declarações à Lusa, fonte do Ministério da Saúde disse ser esta uma situação “intolerável”, que “lamenta profundamente”. Outro caso também recente: o ministro Paulo Macedo, durante uma audição na comissão parlamentar de Saúde, quando confrontado pelo Bloco de Esquerda com uma ocorrência no Hospital Amadora-Sintra, em que uma mulher de 67 anos morreu de enfarte após ter esperado mais de seis horas para ser atendida, afirmou que este foi um caso isolado. Mas, apesar desta afirmação, o ministro reconheceu que é preciso investigar o caso. As causas do mal Num debate realizado em Coimbra e subordinado ao tema “Ética da sustentabilidade do sistema de saúde - Ética na prestação de cuidados de saúde, ética no circuito do medicamento”, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, recusou o racionamento no SNS, que promove “uma saúde para ricos e outra para pobres”, afirmando que “o racionamento só afecta os mais desfavorecidos” da sociedade. Para o bastonário, o racionamento de medicamentos, materiais diversos usados na saúde e meios complementares de diagnóstico traduz “uma atitude que discrimina” os utentes deste Serviço. Reportando-nos, ainda, ao Hospital AmadoraSintra, lembramos que numa carta de demissão de 31 de Dezembro de 2013, e referindo-se a uma situação que se arrasta desde 2012, a direcção do Serviço de Urgências dizia fazê-lo (o pedido de demissão) “por entender que as actuais condições de trabalho põem em risco a qualidade mínima no atendimento e a vida dos doentes”. Os médicos denunciavam que o serviço de urgência do hospital nunca teve dimensão adequada, situação agravada pela falta de resposta de cuidados primários na região. E que a dificuldade de acesso aos médicos de família faz com que chegue ao hospital “um elevado número de pessoas com patologias inadequadamente abordadas e tardiamente diagnosticadas”. Acrescentavam, também, que à falta de espaço se juntava a redução das equipas, esclarecendo que em certos dias só há quatro médicos no balcão das Urgências a partir das 20h e que muitos deles não têm formação diferenciada em urgência. Os casos mortais acima referidos, respeitantes a utentes do SNS, as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos e a carta de demissão da Direcção do Serviço de Urgências do Hospital Amadora-Sintra, correspondem apenas à ponta de um iceberg de degradação em que o SNS está a ser transformado pela política do governo. Este é, com efeito, o resultado de uma política de cortes brutais no SNS e favorecedora da entrega de parte significativa dos cuidados de saúde e dos respectivos lucros ao sector privado (companhias de seguros, hospitais e clínicas). E não adianta o ministro Paulo Macedo tentar enganar-nos, esgrimindo alguns números, lamentando estas situações ou criando mais umas quantas comissões de inquérito, pois tal não resolve os reais problemas de fundo que hoje se colocam quanto aos necessários cuidados de saúde dos portugueses. É preciso parar esta política criminosa do capital! Pedro Goulart 5 Masoquismo, compromissos políticos, empobrecimento Passos Coelho, que falava numa conferência sobre o pós-troika, irritado por o Manifesto dos 70 vir pôr em causa a única saída (a sua!) para a presente crise do capitalismo português e, ainda, por ter surgido num momento com eleições à vista, foi contundente na forma como se referiu às personalidades de diversos quadrantes políticos que subscreveram o Manifesto pela Reestruturação da Dívida. Passos Coelho acusou os subscritores de serem "os mesmos que falavam na espiral recessiva" e afirmou espantar-se que "pessoas tão bem informadas" levantassem tais questões. E o primeiro-ministro citou, a propósito, o Presidente da República, apoiando a ideia por este então expressa de que falar em reestruturação da dívida era um acto de "masoquismo". D e facto, em Outubro de 2013, durante uma visita à Suécia (e apesar de já antes ter afirmado que no estrangeiro não se pronunciava sobre política interna portuguesa), Cavaco Silva interrogavase agora publicamente sobre a razão por que analistas e políticos diziam que a dívida portuguesa não era sustentável (enquanto os credores, a Comissão, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional diziam o contrário) considerando, assim, que a atitude de tais críticos era "masoquismo”. Masoquismo e empobrecimento Apesar das propostas, moderadas, que se situam no quadro do regime democráticoburguês vigente, os autores do Manifesto foram insultados por diversa gente, acusados de diversas coisas, inclusive de anti-patriotismo e de terem agendas políticas próprias. Nos ataques dirigidos contra os autores do Manifesto, para além de algumas figuras sinistras, como Eduardo Catroga, destacaramse especialmente vários papagaios amestrados, particularmente da área do jornalismo económico. E dois dos subscritores do Manifesto foram prontamente afastados de assessores do PR, mostrando bem o carácter do actual presidente da República. Assim, fica bem em evidência como, mesmo entre gente da mesma classe (burguesa), quem se afastar da política de espoliação e de empobrecimento traçada pelo governo de Passos Coelho (e, no essencial, apoiada por Cavaco Silva) é considerado persona non grata. Depois dos brutais ataques que têm sido desferidos ao longo dos últimos anos pelo governo de Passos Coelho (com a cobertura política de Cavaco Silva) contra os trabalhadores e maioria do povo português, esmagando salários, pensões, prestações de saúde, educação e segurança social, depois de tudo isso, dizíamos, que Cavaco e Passos Coelho venham falar de masoquismo, só faz sentido se se estiverem a referir às vítimas dos seus ataques que ainda os continuam a apoiar. Batem-lhes e eles gostam! Compromissos políticos Na linha da defesa dos interesses das classes dominantes e da política do governo (aliado da troika), têm sido desenvolvidas campanhas procurando encurralar o PS, de forma a garantir um apoio mais alargado à política do governo PSD/CDS. E o actual presidente da República tem-se empenhado aqui particularmente, revelando-se como um dos mais encarniçados defensores de um compromisso envolvendo os três partidos do chamado arco da governação — PSD, CDS e PS. Pesem algumas das fantasias numéricas de Cavaco Silva expressas em Roteiros VIII (por exemplo: “Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB”), o actual presidente da República considera que teremos de viver numa rigorosa austeridade durante mais uns vinte (ou trinta) anos e é para esta austeridade (mais coisa menos coisa, a de Passos Coelho) que pretende um compromisso de médio prazo entre as forças políticas comprometidas com o actual programa de assistência financeira, arrastando para aqui, insistentemente, o PS. Aliás, em sintonia com o patronato e com o recente apelo de Passos Coelho onde exorta o PS para que se sente à mesa das negociações e aceite estabelecer um acordo alargado para o pós-troika. Claro que, pela sua natureza, mais tarde ou mais cedo o PS, arrastado pelo patronato, lá irá. Contudo, os cálculos eleitorais irão pesar bastante na determinação do momento exacto para o acerto de passo entre o PS e os restantes partidos defensores dos interesses do patronato. Mas nenhuma destas “alternativas” é a dos trabalhadores. A “reestruturação honrada e responsável da dívida”, defendida pelo Manifesto dos 70 não é, certamente, a nossa opção. Os trabalhadores não têm que pagar dívidas que não são as suas, eles não têm que pagar a crise do capitalismo. Pedro Goulart Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 PAÍS 4 Os privados agradecem, os utentes sofrem A degradação do Serviço Nacional de Saúde As chamadas reformas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ocorridas nos últimos anos, muitas vezes a pretexto do combate a ineficiências e desperdícios (que, a par da corrupção, também existem) aumentaram as dificuldades das classes trabalhadoras e do povo no acesso aos cuidados de saúde. Os sucessivos cortes (a torto e a direito) no sector já ultrapassaram em muito as alegadas ineficiências e desperdícios, tendo conduzido ao afastamento de numerosos profissionais altamente qualificados (médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico), produzido vários estrangulamentos e causado sérios problemas ao atempado e adequado tratamento dos doentes. ongas esperas nas urgências, para consultas de especialidade e para determinadas intervenções cirúrgicas têm sido as consequências mais penosas de tais políticas. E o caso recente dos trabalhadores da Linha de Saúde 24 (substituindo enfermeiros experientes por outros mais baratos e sem conhecimentos adequados) surge como mais um acto que vai na linha da crescente degradação dos cuidados de saúde prestados aos portugueses. L As várias medidas adoptadas no campo da Saúde pelos últimos governos, incluídos os aumentos das taxas moderadoras e o racionamento das consultas médicas, dos medicamentos e dos meios complementares de diagnóstico, têm empurrado muitos doentes para o Privado (os que têm algum dinheiro) e atirado, não raramente, para sofrimentos desnecessários e até para a morte numerosos utentes do SNS. Dois casos graves Um caso que veio alertar ainda mais a opinião pública para o grau de degradação já hoje atingido pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi o de uma utente, com cerca de 60 anos, que já habituada a fazer o rastreio ao cancro colorectal, teve uma análise positiva, o que levou o médico de família a enviá-la a uma consulta de gastrenterologia no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) para fazer uma colonoscopia. Mas que teve de esperar um ano pela consulta, a que se seguiu outro ano para fazer a referida colonoscopia. “Ao fim de dois anos, tinha cancro no intestino, grande e inoperável. A utente está agora a fazer quimioterapia para o reduzir, a fim de ver se pode ser operada”, diz o médico. A unidade não nega o tempo de espera e afirma que tem de triar os doentes mesmo quando a análise é positiva, por ter falta de recursos. Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 Sendo este um caso limite, certamente não é único, pois situa-se num contexto condenável: só entre 2011 e 2012 o número de doentes cancerosos operados com uma demora superior à desejável subiu 17,5%. Cinicamente, em declarações à Lusa, fonte do Ministério da Saúde disse ser esta uma situação “intolerável”, que “lamenta profundamente”. Outro caso também recente: o ministro Paulo Macedo, durante uma audição na comissão parlamentar de Saúde, quando confrontado pelo Bloco de Esquerda com uma ocorrência no Hospital Amadora-Sintra, em que uma mulher de 67 anos morreu de enfarte após ter esperado mais de seis horas para ser atendida, afirmou que este foi um caso isolado. Mas, apesar desta afirmação, o ministro reconheceu que é preciso investigar o caso. As causas do mal Num debate realizado em Coimbra e subordinado ao tema “Ética da sustentabilidade do sistema de saúde - Ética na prestação de cuidados de saúde, ética no circuito do medicamento”, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, recusou o racionamento no SNS, que promove “uma saúde para ricos e outra para pobres”, afirmando que “o racionamento só afecta os mais desfavorecidos” da sociedade. Para o bastonário, o racionamento de medicamentos, materiais diversos usados na saúde e meios complementares de diagnóstico traduz “uma atitude que discrimina” os utentes deste Serviço. Reportando-nos, ainda, ao Hospital AmadoraSintra, lembramos que numa carta de demissão de 31 de Dezembro de 2013, e referindo-se a uma situação que se arrasta desde 2012, a direcção do Serviço de Urgências dizia fazê-lo (o pedido de demissão) “por entender que as actuais condições de trabalho põem em risco a qualidade mínima no atendimento e a vida dos doentes”. Os médicos denunciavam que o serviço de urgência do hospital nunca teve dimensão adequada, situação agravada pela falta de resposta de cuidados primários na região. E que a dificuldade de acesso aos médicos de família faz com que chegue ao hospital “um elevado número de pessoas com patologias inadequadamente abordadas e tardiamente diagnosticadas”. Acrescentavam, também, que à falta de espaço se juntava a redução das equipas, esclarecendo que em certos dias só há quatro médicos no balcão das Urgências a partir das 20h e que muitos deles não têm formação diferenciada em urgência. Os casos mortais acima referidos, respeitantes a utentes do SNS, as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos e a carta de demissão da Direcção do Serviço de Urgências do Hospital Amadora-Sintra, correspondem apenas à ponta de um iceberg de degradação em que o SNS está a ser transformado pela política do governo. Este é, com efeito, o resultado de uma política de cortes brutais no SNS e favorecedora da entrega de parte significativa dos cuidados de saúde e dos respectivos lucros ao sector privado (companhias de seguros, hospitais e clínicas). E não adianta o ministro Paulo Macedo tentar enganar-nos, esgrimindo alguns números, lamentando estas situações ou criando mais umas quantas comissões de inquérito, pois tal não resolve os reais problemas de fundo que hoje se colocam quanto aos necessários cuidados de saúde dos portugueses. É preciso parar esta política criminosa do capital! Pedro Goulart 5 Masoquismo, compromissos políticos, empobrecimento Passos Coelho, que falava numa conferência sobre o pós-troika, irritado por o Manifesto dos 70 vir pôr em causa a única saída (a sua!) para a presente crise do capitalismo português e, ainda, por ter surgido num momento com eleições à vista, foi contundente na forma como se referiu às personalidades de diversos quadrantes políticos que subscreveram o Manifesto pela Reestruturação da Dívida. Passos Coelho acusou os subscritores de serem "os mesmos que falavam na espiral recessiva" e afirmou espantar-se que "pessoas tão bem informadas" levantassem tais questões. E o primeiro-ministro citou, a propósito, o Presidente da República, apoiando a ideia por este então expressa de que falar em reestruturação da dívida era um acto de "masoquismo". D e facto, em Outubro de 2013, durante uma visita à Suécia (e apesar de já antes ter afirmado que no estrangeiro não se pronunciava sobre política interna portuguesa), Cavaco Silva interrogavase agora publicamente sobre a razão por que analistas e políticos diziam que a dívida portuguesa não era sustentável (enquanto os credores, a Comissão, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional diziam o contrário) considerando, assim, que a atitude de tais críticos era "masoquismo”. Masoquismo e empobrecimento Apesar das propostas, moderadas, que se situam no quadro do regime democráticoburguês vigente, os autores do Manifesto foram insultados por diversa gente, acusados de diversas coisas, inclusive de anti-patriotismo e de terem agendas políticas próprias. Nos ataques dirigidos contra os autores do Manifesto, para além de algumas figuras sinistras, como Eduardo Catroga, destacaramse especialmente vários papagaios amestrados, particularmente da área do jornalismo económico. E dois dos subscritores do Manifesto foram prontamente afastados de assessores do PR, mostrando bem o carácter do actual presidente da República. Assim, fica bem em evidência como, mesmo entre gente da mesma classe (burguesa), quem se afastar da política de espoliação e de empobrecimento traçada pelo governo de Passos Coelho (e, no essencial, apoiada por Cavaco Silva) é considerado persona non grata. Depois dos brutais ataques que têm sido desferidos ao longo dos últimos anos pelo governo de Passos Coelho (com a cobertura política de Cavaco Silva) contra os trabalhadores e maioria do povo português, esmagando salários, pensões, prestações de saúde, educação e segurança social, depois de tudo isso, dizíamos, que Cavaco e Passos Coelho venham falar de masoquismo, só faz sentido se se estiverem a referir às vítimas dos seus ataques que ainda os continuam a apoiar. Batem-lhes e eles gostam! Compromissos políticos Na linha da defesa dos interesses das classes dominantes e da política do governo (aliado da troika), têm sido desenvolvidas campanhas procurando encurralar o PS, de forma a garantir um apoio mais alargado à política do governo PSD/CDS. E o actual presidente da República tem-se empenhado aqui particularmente, revelando-se como um dos mais encarniçados defensores de um compromisso envolvendo os três partidos do chamado arco da governação — PSD, CDS e PS. Pesem algumas das fantasias numéricas de Cavaco Silva expressas em Roteiros VIII (por exemplo: “Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB”), o actual presidente da República considera que teremos de viver numa rigorosa austeridade durante mais uns vinte (ou trinta) anos e é para esta austeridade (mais coisa menos coisa, a de Passos Coelho) que pretende um compromisso de médio prazo entre as forças políticas comprometidas com o actual programa de assistência financeira, arrastando para aqui, insistentemente, o PS. Aliás, em sintonia com o patronato e com o recente apelo de Passos Coelho onde exorta o PS para que se sente à mesa das negociações e aceite estabelecer um acordo alargado para o pós-troika. Claro que, pela sua natureza, mais tarde ou mais cedo o PS, arrastado pelo patronato, lá irá. Contudo, os cálculos eleitorais irão pesar bastante na determinação do momento exacto para o acerto de passo entre o PS e os restantes partidos defensores dos interesses do patronato. Mas nenhuma destas “alternativas” é a dos trabalhadores. A “reestruturação honrada e responsável da dívida”, defendida pelo Manifesto dos 70 não é, certamente, a nossa opção. Os trabalhadores não têm que pagar dívidas que não são as suas, eles não têm que pagar a crise do capitalismo. Pedro Goulart Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 PAÍS 6 O papel que a direita dá ao PS A insistência de Cavaco Silva num acordo PS-PSD-CDS tem como fito assegurar a continuidade da política ditada pela troika — com este ou com outro executivo. lém de o fazer em conversas avulsas, Cavaco falou nisso em Julho passado, quando o governo ameaçava cair, e conseguiu, graças à ajuda prestimosa do PS, que o governo se mantivesse. Voltou à carga já este ano no seu livro Roteiros martelando na necessidade de um “compromisso de estabilidade” que abarque mais do que uma legislatura. E apelou agora, ao marcar as eleições Europeias para 25 de Maio, a que os partidos mantenham bons modos para evitar zangas difíceis de sanar. Os méritos que Cavaco atribui à ideia fazem dela uma espécie de remédio milagreiro para os males do país. Ao mesmo tempo que considera intocável “o respeito pelas regras europeias de equilíbrio orçamental”, o PR acha ser possível reverter tudo o que A foi produzido por essas regras: reduzir o desemprego, aumentar salários e pensões, melhorar os serviços públicos, combater a pobreza e a exclusão social. De uma penada, Cavaco acha que se pode “proceder à correcção de justiças acumuladas no período de execução do programa de ajustamento”. O que falta para esta verdadeira quadratura do círculo? Apenas o entendimento entra as forças partidárias do “arco governativo”, diz Cavaco... Mas como poderá um simples acordo partidário ter o condão de alterar os dados da realidade económica? Não tem, mas pode ao menos criar condições políticas mais favoráveis para que o poder enfrente as consequências sociais da austeridade no longo prazo. A questão chave para Cavaco, como para toda a direita, é assegurar que as medidas de austeridade se transformem numa linha permanente de austeridade. Mas isso é fonte sabida de protestos sociais. O concurso do PS é então indispensável para ajudar a debelar a agitação. A direita precisa do PS para neutralizar boa parte das camadas sociais intermédias descontentes, empobrecidas pela crise. O papel que lhe é pedido é o de impedir que esses sectores engrossem a aversão ao poder e os protestos de rua. Manuel Raposo A responsabilidade do voto omo tens exercido o teu direito a voto nesta democracia burguesa em que vivemos? Antes de o fazeres tens pensado seriamente na tua responsabilidade pelos resultados? Para não ir mais longe, relembremos as malfeitorias que os diversos governos dos últimos anos (do PS, PSD e CDS) praticaram contra os trabalhadores e o povo e que não são facilmente esquecíveis. Assim, votar hoje (após os vários actos eleitorais realizados em democracia burguesa) nestes partidos do chamado arco governativo só se compreende por mercenarismo de quem vota ou quando os interesses de classe burguesa do votante coincidam com os destes governos. Mas esta é apenas uma parte do problema, a que se afigura mais racional, verificando-se aqui claramente uma cumplicidade criminosa. Outra parte, não despicienda, pela quantidade de votos que dá aos partidos burgueses, é quando o votante é um trabalhador ou um pobre e entrega o seu voto a estes partidos, contribuindo para a eleição dos seus exploradores (e dos seus homens de mão), por mera imbecilidade. E não se pode dizer que quem assim procede seja inimputável. O recente Congresso do PSD, pela mentira, pela desvergonha e pela manipulação, mostrou bem o C Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 que a corja governante é capaz de fazer para levar as pessoas ao engano. Com eleições várias no horizonte, vale tudo. E não faltaram mesmo aquelas figuras tristes que até homens inteligentes, mas oportunistas, como Marcelo Rebelo de Sousa, se sujeitam a fazer, para que não se esqueçam deles no momento dos tachos. No caso de Marcelo, aquando da apresentação da candidatura presidencial. A palhaçada que o comentador televisivo, geralmente crítico na TV em relação às acções do governo de Passos Coelho, foi agora apresentar ao Congresso do seu partido mostra como, até Marcelo, não passa de um vulgar trocatintas. No que respeita às “eleições”, à tua participação e ao teu voto, levanta-se, quanto a nós, um problema fundamental. Embora o campo privilegiado da luta de classes a usar pelos trabalhadores e pelos revolucionários deva situar-se nas empresas e nas ruas, os reduzidos tempos das campanhas eleitorais burguesas em geral não devem ser desprezados no referente à necessária desmontagem dos interesses e das políticas dos partidos do regime. E, também, no recurso a diversas formas de desacreditar estes partidos – votando noutros, utilizando a abstenção ou o voto nulo, procurando derrotá-los no seu próprio terreno. Carlos Completo Estivadores unidos Dia 4 de Fevereiro, solidários com a greve dos Estivadores de Lisboa, os estivadores europeus pararam diversos portos durante duas horas. Nesse dia, a luta também esteve presente em Setúbal e na Figueira da Foz. “O alargamento das fronteiras da nossa luta é uma resposta cabal à tentativa de isolarem a luta dos Estivadores de Lisboa que enfrentam um conjunto de medidas que estão a ser programadas para aplicar em Portugal e exportar para toda a Europa. Se o que nos oferecem é a globalização da austeridade, dos despedimentos fraudulentos e da precarização do trabalho portuário, nós ripostamos com as lutas e a solidariedade internacionalistas”, conforme afirmou o blogue O Estivador. De salientar que a luta determinada e persistente dos Estivadores de Lisboa acabou com uma vitória em que foram consideradas as suas principais reivindicações. Qual Justiça? Enquanto era inaugurado o novo edifício da Polícia Judiciária, com a presença de Passos Coelho, António Costa, Alberto Costa e Paula Teixeira da Cruz, e era afirmado tratar-se de edifício do mais moderno a nível mundial (segundo Pedro do Carmo, da direcção nacional desta polícia), ficámos a saber que isto, para principiar, nos vai custar quase cem milhões de euros. Simultaneamente, esta mesma Justiça, de que a Polícia Judiciária faz parte, deixa prescrever milhões de euros de multas aos banqueiros Jardim Gonçalves, do BCP, e João Rendeiro, do BPP. E, entretanto, diz-se que falta dinheiro para escolas, hospitais, assim como para apoiar os desempregados. Pobres: 2 milhões Dados do INE para 2012 mostram uma subida do risco de pobreza, relativamente a 2011. Os mais atingidos são os desempregados, as famílias numerosas, as crianças, os reformados e mesmo 10,5% dos empregados. Um feito da política de austeridade que deve figurar com destaque no currículo do trio Passos-Portas-Cavaco. PAÍS 3 A quem se dirige o Manifesto dos 70? O sentido imediato que mais claramente se destaca do Manifesto dos 70 é este: a política do governo PSD-CDS-troika vai ser repudiada nas eleições legislativas de 2015 e os primeiros sinais podem ser dados já nas Europeias de 25 de Maio. Uma significativa deslocação de votos para a esquerda (PCP e BE); uma forte abstenção dos eleitores de centro que se sentem enganados, descalçando PSD e CDS; uma fraca vitória do PS — tudo isto pode criar uma grande fragilidade ao último ano de governo de Passos Coelho bem como ao governo que se seguirá. Prosseguindo as medidas de austeridade como até aqui, as condições sociais serão favoráveis a novas manifestações de descontentamento popular, as grandes movimentações de rua poderão voltar a agitar o país. Nem PS nem PSD teriam margem de apoio suficiente para prosseguir a política actual sem que a luta de classes se agudizasse; e as miragens de recuperação económica esfumar-se-iam. contra esta eventualidade que o Manifesto procura tomar cautelas. Os 70 tentam com a sua proposta criar o consenso partidário em que Cavaco Silva tem insistido — mas centram esforços no PS, o possível vencedor das eleições, e não no PSD, o provável perdedor. Para os 70, Cavaco aposta no cavalo errado. É Medidas cautelares No plano político, portanto, o Manifesto expressa duas coisas, que são a marca da iniciativa: 1) a alternativa prática para um próximo governo é neste momento o PS; mas, 2) é preciso que o PS não fique prisioneiro da pressão à sua esquerda, expressa sobretudo nos protestos sociais e na expectativa popular de recuperar alguma coisa do que foi perdido nos últimos anos. Ora, é para evitar isso que importa a presença activa de Ferreira Leite, Bagão Félix, Adriano Moreira, ... mais António Saraiva e Vieira Lopes das confederações patronais da indústria e do comércio. Independentemente, pois, da vontade dos signatários de esquerda, o consenso que coloca na mesma plataforma bloquistas, ex-PCPs, PSDs e CDSs descontentes, PSs “de esquerda”, ex-salazaristas, etc, é um consenso feito no terreno da direita — facto que não é incompatível com a crítica à governação de Passos Coelho. A quem se dirigem os 70? Em termos sociais, o Manifesto dirige-se às classes intermédias: pequenos e médios patrões (é esse o significado das assinaturas dos dirigentes da CIP e da CCP) dependentes de um mercado interno cada vez mais estreito, afogados em dívidas, sem crédito da banca, condenados a falir; mas também aos assalariados da Função Pública, aos professores, aos estudantes sem futuro, aos militares e polícias, aos pequenos profissionais liberais que vêem os rendimentos a descer e o desemprego no horizonte próximo. O Manifesto procura convocar todos os sectores que constituem o centro social do país e diz-lhes: “Vocês ainda têm uma palavra a dar quanto ao nosso destino comum, na condição de rejeitarem tentações de radicalismo”. E aí está o conteúdo do Manifesto a mostrar o que isso significa: respeitar escrupulosamente os mandamentos da União Europeia, jurar pagar a dívida até ao último tostão, não ousar denunciar, quanto mais pôr em causa, os interesses e a hegemonia do capital financeiro. O Manifesto não é uma radical ofensiva das classes médias, revoltadas com o domínio esmagador do grande capital, dispostas a liderar um novo rumo político para o país. Elas não têm nem condições nem coragem para o fazer, porque temem que qualquer brecha aberta no sistema possa dar passagem às exigências da massa trabalhadora. Em termos práticos, objectivos, o manifesto representa uma tentativa de travar a descolagem das camadas pequeno-burguesas em relação às forças burguesas dominantes, divididas pelas agruras da crise, e evitar a degradação do sistema político. Questão primeira: quem paga? O ponto de partida do Manifesto é uma realidade óbvia, dita e redita: a austeridade empobrece a grande massa trabalhadora e assalariada, liquida a pequena e média propriedade, estrangula a possibilidade de desenvolvimento económico, não consegue travar o crescimento da dívida — e cria com isso condições para confrontos sociais mais agudos (“riscos de instabilidade política e de conflitualidade social”, avisa o texto). A resposta do Manifesto a este problema resume-se em pedir mais tempo para pagar a dívida, a juros mais baixos — rejeitando repetidamente faltar a qualquer pagamento — na esperança de obter com isso um tempo de respiração que facilite “um robusto e sustentado crescimento” económico. Conta, com esta atitude “responsável”, ganhar as boas graças e a ”solidariedade” do capital e das instituições europeias para uma espécie de austeridade branda, alongada no tempo. Mas a questão de fundo acerca da dívida é, em primeiro lugar, a de saber quem a paga — não em quanto tempo deve ela ser paga. Há os que acham que deve ser a massa trabalhadora a pagá-la, integral e rapidamente. Há os que alimentam a ilusão de repartir os custos. Os subscritores do Manifesto procuram abrir uma espécie de via intermédia entre uns e outros. Há, porém, uma outra posição: a dos (poucos, embora) que defendem que, para os trabalhadores, a única posição profícua é rejeitar pagar a dívida, pautando as suas lutas de resistência por este propósito. Os ganhos imediatos, neste caso, serão certamente escassos — mas esta é a única posição que aponta ao nó do problema: a crise do sistema social capitalista, de que a dívida é apenas um dos frutos. Manuel Raposo Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 PAÍS 2 O que significa afirmar: aproximemos a revolução Lutar para aproximar a revolução significa, antes de mais, manter o sonho de centenas de milhões de explorados, excluídos, perseguidos, vivendo a angústia provocada por um sistema que é ele a própria negação de dignidade, de liberdade, de uma humanidade com futuro, com direito à esperança. Aproximar a revolução é o mesmo que dizer: aproximemos o fim da ditadura do capital e construamos um outro sistema assente na apropriação colectiva da riqueza produzida e repartida com justiça. ualquer plataforma política que se pretenda hoje de esquerda, não pode deixar de ter no centro das suas preocupações políticas a mudança de paradigma social como forma de resolução da crise. Q São importantes as denúncias políticas da devastação que este governo e a troika levam a cabo, e combatê-la por todos os meios possíveis; mas, verdadeiramente decisivo, é colocar no centro da luta a mudança de sociedade; não basta clamar por mais democracia e por inflectir os rumos da economia se as rédeas permanecerem nas mãos dos capitalistas. Precisamos de ter uma plataforma política comum ao proletariado, que inspire confiança na sua maioria e o ganhe para a inversão dos ciclos repetitivos: eleições/novo governo/debates no parlamento/ novas eleições/novo governo/ novos debates parlamentares. Precisamos de romper este sistema eterno de escravização e acorrentamento a uma lógica que só serve aos burgueses no poder e à sua sobrevivência. milhões antevêem a miséria e a exclusão. Segundo, que o regime actual se revela historicamente esgotado, bem como o seu modo de produção — o capitalismo. Cabe à esquerda colocar no centro da sua luta a denúncia e o combate ao sistema capitalista, e aproximar um novo sistema de sociedade sem exploração nem crises. São estes os pontos de interesse comum para o proletariado, numa perspectiva de esquerda: 1 - Desenvolver e participar na luta pelo derrube do governo e pelo fim da política de austeridade. 2 - Pleno emprego para toda a população trabalhadora, desempregada, e para aqueles que acedem ao mercado de trabalho, através da redução do horário de trabalho e da repartição do trabalho existente por todos. 3 - Criação de um fundo de solidariedade que garanta um rendimento mínimo a todos os desempregados. 4 - Suspender o pagamento da dívida, suspender o pagamento das PPP e de todas as rendas do Estado ao capital. 5 - Taxar o capital: os seus lucros, as suas fortunas os seus luxos, as suas heranças, cortar nas mordomias e nos altos salários dos administradores e afins. 6 - Proceder de imediato à expropriação das fortunas dos delinquentes do BPN, BPP e de outros criminosos que têm lesado o Estado. Importa unir todos os que estiverem por este caminho de luta, numa lógica de frente unida pela base que eleve a combatividade dos trabalhadores, mantendo cada grupo ou partido a sua independência eleitoral. Qualquer governo de esquerda a apoiar terá de sair de um processo de avanço da luta popular com vista à tomada do poder pelas massas trabalhadoras. José Borralho Manifestámo-nos de novo em vários pontos do país no velho estilo passeata, com final virado para dentro, para consumo interno. Mais uma vez nos foi dito que a crise será travada com crescimento económico, levado a cabo por um governo patriótico e de esquerda. Mas não nos esqueçamos: a esquerda vive encerrada num círculo de ferro. Resistindo, protestando, mas não ambicionando mais do que um capitalismo “melhor” que este. Círculo que tarda em ser rompido, e que nos amarra ao sistema económico real. Importa lembrar que a crise em que o capitalismo está mergulhado tem a particularidade de existir não por falta de crescimento, mas sim por excesso de produção. E que é esta anarquia a responsável pela destruição de postos de trabalho e indústrias inteiras. E que é graças a esta anarquia que os estados se alimentam dos impostos sobre o trabalho e aliviam os impostos aos patrões. Suprimem-se empregos, salários, direitos, suprimem-se as vidas de quem trabalha. É o capitalismo no seu melhor: suprimindo recursos do lado do trabalho, concentrando riqueza numa escassa minoria — banqueiros, agiotas, comerciantes, industriais, simples parasitas. As palavras de ordem de toda a burguesia internacional são hoje duas: suprimir (empregos e direitos ao trabalho), concentrar (riqueza no capital). O capital quer salvar-se da crise à custa do trabalho. E nós trabalhadores devemos responder: que se afunde o capital; queremos nada menos que o poder; só assim sairemos do círculo de ferro. Essa plataforma política tem que ter dois considerandos elementares: Primeiro, que a crise capitalista se agrava e que centenas de FICHA TÉCNICA ASSINATURAS Redacção Cristina Meneses, Manuel Raposo, Pedro Goulart Colaboradores António Louçã, Carlos Completo, Carlos Simões, François Pechereau, Manuel Vaz, Rita Moura, Urbano de Campos Site David Raposo Contactos Apartado 50093 S. João de Brito 1702-001 Lisboa [email protected] www.jornalmudardevida.net 10 números / Donativo mínimo: 15€ Apoio: o mais possível Como fazer uma assinatura: No site www.jornalmudardevida.net (>Assinaturas): indique nome, morada, código postal, indique o número a partir do qual inicia a assinatura e transfira o seu contributo numa caixa Multibanco (seleccionando “Outras Operações” e “Transferências”), para o NIB 0007 0000 00682481622 23. Envie-nos um e-mail a comunicar a transferência. Por correio: envie nome, morada, código postal, indique o número a partir do qual inicia a assinatura e junte um cheque traçado, ao portador. Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 O caminho está na luta Por isso, contra a exploração e o empobrecimento importa dizer: o capital que pague a crise e a dívida; pôr fim à austeridade significa taxar fortemente o capital. Desenvolver a consciência de que é precisa uma revolução social — é para isso que servem as manifestações. José Borralho MUNDO Egipto, uma sentença repugnante A ditadura militar que governa o Egipto, na sequência da demissão do presidente Morsi, deposto pelo Exército, revelou uma vez mais aquilo de que é capaz: 519 pessoas, na maioria partidários da Irmandade Muçulmana, foram condenados à morte, pela violência verificada em meados de 2013. Desde que o exército derrubou Morsi, mais de um milhar dos seus partidários morreram vítimas de uma sangrenta repressão e outros milhares foram detidos, numa repressão que também se estendeu à oposição laica. Quase todos os líderes da ilegalizada Irmandade Muçulmana — acusados da morte de dois polícias e de ataques contra bens públicos e privados — estão a ser julgados e correm o risco de ser condenados à morte, incluindo Morsi. 7 A lição da Ucrânia Quando, no número anterior do MV, em início de Janeiro, falámos sobre a situação na Ucrânia, as manifestações em Kiev esmoreciam e parecia que a calma estava regressar ao país. Enganámo-nos. A disposição da União Europeia e dos EUA em arrastar a Ucrânia para a sua órbita levou-os a apoiar por todos os meios os protestos de rua e a incentivar, inclusive, a pior escumalha de entre os grupos fascistas ucranianos, no sentido de debilitar o poder do presidente Yanukovich. Conseguiram-no e não recuaram mesmo diante do risco de levar o país à beira da guerra civil; ou até de um confronto com a Rússia, que defende os seus interesses na zona. É neste sentido que têm de ser entendidas as declarações dos dirigentes ocidentais, entre eles o sinistro Rasmussen, secretário-geral da NATO. Iraque resiste, 11 anos depois da ocupação Após 11 anos de ocupação (20 de Março), o Iraque é um dos países do mundo com mais violência e mais degradação das condições de vida da população. Este é um dos factores que mede o carácter criminoso da invasão liderada pelos EUA. Dados recentes revelam que há hoje no Iraque 1300 condenados à morte, homens e mulheres; que as execuções são por vezes feitas secretamente e às dezenas de cada vez. A ponto de a alta comissária das nações Unidas para os direitos humanos, Navi Pillay, ter acusado o regime iraquiano de agir “como quem processa animais num matadouro”. Contra toda esta situação se tem levantado a população iraquiana desde os primeiros meses de ocupação. A revolta subiu de tom em 2011 acompanhando os levantamentos árabes e culminou, no final de 2013, na ocupação de três cidades da província de Al-Anbar por resistentes armados. Os ataques indiscriminados das forças governamentais, têm matado civis e fazem milhares de refugiados. abe-se hoje que os EUA pagaram aos activistas nazis de Kiev, à razão de 50 dólares por dia, para manterem a agitação na praça Maidan; e que os atiradores furtivos que mataram uma centenas de pessoas em 20 de Fevereiro eram membros dessas organizações nazis. Esta acção teleguiada, cuidadosamente escondida pela comunicação social dominante, sabotou o acordo que havia sido firmado entre a oposição e o governo ucraniano e precipitou a queda de Yanukovich. Entretanto, como se sabe, a população da Crimeia, maioritariamente russa, votou em 16 de Março a integração na Federação Russa e consumou a sua separação da Ucrânia. S Outras movimentações no leste e sul do país recusam o novo poder instalado em Kiev, dominado por forças de extrema direita, e pedem protecção à Rússia. Não é a primeira vez que os dirigentes e as instituições da UE mostram saber conviver com líderes de extrema-direita. Acontece com a Hungria, país que hoje vive em verdadeiro regime de excepção, ou com a Polónia, ambos membros da UE. Acontece também com os próprios partidos fascistas, xenófobos e reaccionários que participam em governos ou detêm forte influência política em países poderosos da UE. Com a Ucrânia, porém, assistese a um salto de qualidade: os EUA e a UE apoiaram, financiaram e sustentam hoje no poder forças abertamente nazifascistas que não escondem nem disfarçam essa sua condição. Não se trata de tolerar fascistas que ganharam eleições, como na Hungria. Nem de aceitar, à margem do poder, partidos de extrema-direita como o de Le Pen em França. Na Ucrânia foi levado a cabo um golpe de estado contra um governo eleito, tendo como homens-de-mão membros de milícias nazis pagas pelo imperialismo ocidental. E neste momento, a UE e os EUA fazem tudo para manter no poder e legitimar essas forças, apresentando-as como os seus aliados e como os representantes do povo ucraniano! A UE mostrou por diversas vezes as suas ambições imperialistas: na guerra de divisão da Jugoslávia, no ataque à Líbia, nas intervenções militares em África, na guerra contra a Síria. Tal como os EUA, serviu-se do pretexto da “defesa dos direitos humanos” e cobriu-se com o véu da “intervenção humanitária”. Tudo isso se desvaneceu no caso da Ucrânia. A UE está neste momento refém dos nazis ucranianos que escolheu como aliados. E esta realidade não se limita à Ucrânia. Até à data a, embora ténue, diferença entre nazifascistas e extrema-direita consistia no respeito jurado pelas regras democráticas e passava pelo critério do voto. Mas a partir de agora a UE não pode, mesmo internamente, traçar nenhuma diferença essencial entre extrema-direita respeitadora das regras democráticas e a acção directa dos bandos nazifascistas. Não são as regras democráticas formais, nem as instituições da UE que vão defender os povos europeus da ascensão fascista: é o exemplo de acção de massas que está a ser dado pelas populações ucraniana e russa, que sofreram como nenhuma outra a barbárie nazi — e a venceram. Manuel Raposo Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 ÚLTIMA 8 O PSD e o regresso de Relvas O indispensável O pontapé de “Zeca Mendonça” a um repórter fotográfico foi bem o símbolo de um estilo. Não havia dúvida possível: Relvas estava de volta. Com a agressão ao jornalista, o assessor do ex-ministro ilustrou todo um programa político. Era assim o Relvas que tutelou a RTP e era assim o que interveio na linha editorial de jornais que não tutelava (caso de Maria José Oliveira e do “Público”). Os jornalistas, quando saem da linha, devem ser tratados a pontapé. T ratava-se de um mero resquício do passado? Se assim fosse, Relvas teria entrado no Congresso do PSD pela porta dos fundos e teria ocupado discretamente um lugar no meio da plateia. Mas ele reentrou pela porta grande e Passos Coelho pô-lo logo à frente da lista para o Conselho Nacional. Dirão as más línguas que Passos Coelho lhe deve muitas atenções e que a inabalável solidariedade entre ambos resulta dos tempos difíceis da Tecnoforma. Falso: em política não há gratidões dessas, e menos ainda quando o pagador de dívidas passadas tem de pagá-las com língua de palmo. Ora, não há dúvida, até a julgar pela votação desastrosa da lista apoiada por Passos Coelho para o Conselho Nacional do PSD, que a ligação a Relvas continua a sair-lhe cara. O que acontece é que há entre Passos Coelho e Relvas uma afinidade electiva, actualíssima, completamente alicerçada nos imperativos da política presente. Pode Gaspar sair entretanto, pode Portas ameaçar que sai, pode revogar a ameaça, pode sair o Álvaro e entrar o Pires de Lima, pode Poiares Maduro falar doze vezes em consenso – tudo isso são rugas da paisagem, ao lado desse veio estruturante do Governo que é Miguel Relvas. Com o seu regresso à cúpula do aparelho partidário, fica claro que o Governo é fiel a si próprio e, para continuar a obedecer caninamente aos ditames da troika, tem o que é preciso. Na hora das decisões, o Governo de Passos Coelho não se tornou piegas, não foi assaltado por escrúpulos morais, intelectuais ou culturais, não mudou de estilo, não passou a estudar dossiers e não renegou a arruaça. E tudo isso vai ser preciso para continuar a destruir os fundamentos da vida de um povo. “Zeca Mendonça” é um símbolo e Relvas é um mentor: ambos são o retrato fiel da alma deste Governo. António Louçã O manipulador O regresso de Miguel Relvas à ribalta política surpreendeu muita gente. A sua escolha para cabeça de lista do Conselho Nacional do PSD, avalizada no recente congresso do partido, para além de acentuar publicamente a absoluta falta de vergonha de Passos Coelho e dos seus apoiantes, terá provocado algum mal-estar junto de vários congressistas. Mas a cobardia e os interesses (de classe burguesa) instalados prevaleceram sobre qualquer mal-estar. As críticas anónimas ou as tíbias demarcações de militantes do partido em relação a esta imposição de Passos Coelho falam por si. É assim a natureza e a moralidade desta gente. Relvas é um elemento essencial à quadrilha governante, dada a sua estreita e já longa Mudar de Vida . Janeiro-Fevereiro 2014 cumplicidade com Passos Coelho na eliminação de concorrentes internos do actual líder do PSD, assim como em relação a vários “negócios” bem conhecidos (vide Tecnoforma). E, sobretudo, porque Relvas traz consigo importantes ligações a empresas (e a dinheiros utilizáveis nas campanhas eleitorais), assim como à espionagem política e económica (de lembrar as suas ligações ao espião Jorge Silva Carvalho e não só). Relvas é um manipulador, cheio de truques, que certamente serão úteis no interior da coligação governamental e, particularmente, nas próximas campanhas eleitorais do PSD, onde a mentira, a demagogia e a chantagem irão campear. Pedro Goulart Prescrições O banqueiro Jardim Gonçalves já não tem de pagar uma multa de um milhão de euros nem fica com a actividade suspensa, penas com que o Banco de Portugal tinha condenado as suas trafulhices no BCP, porque o caso prescreveu por demoras nos tribunais e no próprio Banco de Portugal. João Rendeiro, este do BPP, na mesma situação, pode beneficiar da mesma “absolvição” e não ter de desembolsar 2,5 milhões de euros de multa. Outros acusados de alto coturno, como os do caso Face Oculta, contam os dias para que fiquem ilibados pelo mesmo expediente. Em contrapartida, decisão judicial recente, esta em tempo, obriga o governo a reintegrar o espião Silva Carvalho, amigo de Miguel Relvas, na Presidência do Conselho de Ministros, com direito a todos os salários desde 2012, perto de 100 mil euros. Por seu lado, os ministérios da Educação e da Segurança Social cortaram 17 milhões de euros nas verbas destinadas ao ensino especial, canalizando-as para os lares privados, deixando sem apoio milhares de crianças deficientes, sobretudo de famílias pobres. O ministério da Saúde continua a encerrar centros de Saúde e corta nos subsídios de transporte de doentes, obrigando novos e velhos a gastar o que não têm ou a andar quilómetros a pé se quiserem ser assistidos. O governo, quando prepara mais cortes, decidiu pagar 500 mil euros por ano aos três membros da comissão instaladora do novo banco de fomento. Podíamos multiplicar exemplos destes e verberá-los sem descanso. Mas o que importa não é apenas denunciar os privilégios e os abusos do poder. É preciso apontar o dedo ao sistema social que lhes está na origem e os reproduz dia a dia. Manuel Raposo DITO Se o crime se torna lei, deixa de ser crime. O Juiz, personagem da peça Estado de Sítio (1948) Albert Camus Editorial Há saída? Se tivermos em vista as grandes manifestações de 2011 a 2012 e as greves gerais, a situação actual mostra um abrandamento do movimento de massas, sem desprezar as greves e lutas locais que continuam a manter viva a chama da resistência. Não admira este recuo: a expectativa de que o governo cairia de podre no verão passado saiu gorada, em boa parte graças à actuação do PS, mas fundamentalmente porque o próprio movimento popular esperou que os empurrões dados na rua seriam completados por eleições antecipadas. Foi um engano, que mostrou, apesar de tudo o que foi feito, a necessidade de uma acção de massas muito mais determinada — e que comprovou de novo que as “instituições democráticas” não existem para facilitar a vida à luta de classes mas para a debelar. A propaganda das forças do poder trata agora de fixar a atenção geral nas promessas do PS, na “alternativa” do Manifesto dos 70, nas hipóteses de acordo partidário lançadas por Cavaco, nas garantias de crescimento económico do governo, nas próximas eleições Europeias. E tentar fazer crer que as saídas se confinam a essa distribuição de cartas. Desiludamo-nos: o capital europeu não vai desistir dos seus juros, as instituições europeias não vão virar-se do avesso e tornar-se “populares”, a política de austeridade sobre os países pobres da UE não vai abrandar, por mais discussões que haja sobre o “futuro da Europa”. Deixado ao livre curso do capital, o futuro da Europa está espelhado nas ambições imperialistas da UE, no apoio dado aos nazis ucranianos, no crescimento dos fascistas da Frente Nacional francesa. Não há saída? Há saída, sim. Depende da intervenção política da massa trabalhadora, cá e lá fora. Com os seus objectivos de classe colocados à frente. Não se queixando apenas das injustiças do sistema, mas apontando para a sua subversão. Porque é o capitalismo que está podre. MUDARDEVIDA www.jornalmudardevida.net jornal popular / apoio: 0,50 € Janeiro-Fevereiro 2014 / número 41 Quem paga a dívida, eis a questão A questão de fundo acerca da dívida é, em primeiro lugar, a de saber quem a paga — não em quanto tempo deve ela ser paga. Há os que acham que deve ser a massa trabalhadora a pagá-la, integral e rapidamente. Há os que alimentam a ilusão de repartir os custos. Os subscritores do Manifesto dos 70 procuram abrir uma espécie de via intermédia entre uns e outros. Há, porém, uma outra posição: a dos (poucos, embora) que defendem que, para os trabalhadores, a única posição que pode dar frutos é rejeitar pagar a dívida, pautando as suas lutas de resistência por este propósito. O caminho está na luta pág. 2 / A quem se dirige o Manifesto dos 70? pág. 3 / A degradação do SNS pág. 4 / Compromissos políticos e empobrecimento pág. 5 / O papel que a direita dá ao PS pág. 6 / A responsabilidade do voto pág. 6 / A lição da Ucrânia pág. 7 / O regresso de Relvas pág. 8