UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS JESSICA CAROLINE AIRTON INACIO EVOLUÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL: DA CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO LIVRE AOS ANOS 2000. Varginha/MG 2014 JESSICA CAROLINE AIRTON INACIO EVOLUÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL: DA CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO LIVRE AOS ANOS 2000. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria. Orientadora: Profa. Débora Juliene Pereira Lima Varginha/MG 2014 JESSICA CAROLINE AIRTON INACIO EVOLUÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL: DA CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO LIVRE AOS ANOS 2000. A Banca examinadora abaixo-assinada aprova a monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria da Universidade Federal de Alfenas. Aprovada em: Varginha, 11 de fevereiro de 2014. ________________________________ Profa. Débora Juliene Pereira Lima ________________________________ Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi ________________________________ Prof. Marçal Serafim Cândido Dedico a conclusão deste trabalho a Deus, a minha mãe Sandra, a quem devo tudo, ao meu irmão Bruno por todo o companheirismo, aos meus tios Silvia e Rogério, e avós, Lurdes e Airton que nunca deixaram de acreditar que esta realização seria possível, aos meus poucos, mas queridos amigos, especialmente as minhas parceiras de República Daiane e Janaína que levarei para a vida toda. AGRADECIMENTOS Ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha pela oportunidade oferecida. À professora Débora Lima, orientadora, pelos ensinamentos e a atenção dados mesmo em meio a um período conturbado. A todos os meus professores da graduação, sem eles não seria possível esta realização. Aos demais colaboradores e assistentes desta Universidade Federal de Alfenas. A todos os meus familiares, primos, tios, colegas, e aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para que essa etapa pudesse ser concluída, sou extremamente grata. RESUMO O problema do desemprego nas economias capitalistas modernas tem sua gênese nas questões estruturais intrínsecas aos elementos de constituição do mercado de trabalho. No Brasil, os processos econômicos e sociais constitutivos das relações de trabalho remetem à precarização das condições dos trabalhadores e ao estímulo à informalidade, muito em função da extrema concentração de renda e riqueza que acompanha a história do país. Este estudo tem o objetivo de analisar a constituição do mercado de trabalho brasileiro a partir da transição do trabalho escravo para o livre, observando sua evolução, as controvérsias e suas melhorias, até alguns dos debates recentes que fomentam a discussão sobre o assunto. Palavras-chave: Emprego, Desemprego, Mercado de trabalho no Brasil. ABSTRACT The unemployment problem in modern capitalist economies has its genesis in the intrinsic structural issues until the elements of the constitution of the labor market. In Brazil, the constitutive relations of economic and social processes work refer to the precarious conditions of the workers and encouraging informality, largely due to the extreme concentration of income and wealth that accompanies the country's history. This study aims to analyze the constitution of the Brazilian labor market from the transition from slave labor to free labor, observing his evolution, controversies and the improvements on it, also some of the recent debates that increase the discussion on the subject too. Keywords: Employment, Unemployment, Labor Market in Brazil. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 2. CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. ....................................................................................... 10 2.1. Do Brasil Colônia ao início da década de 1930. ................................................. 10 2.2. Da industrialização aos anos 70: Avanços e retrocessos. .....................................11 2.3. O militarismo e a década de 80. ........................................................................... 15 2.4. A década de 90: Abertura comercial, desemprego e desigualdade social. ........... 17 2.5. Os efeitos da globalização durante a década de 90 e os anos 2000. ................... 23 3. AS CARACTERÍSTICAS DO EMPREGO NO BRASIL. ........................................ 35 3.1. Informalidade ....................................................................................................... 35 3.2. Precarização e Terceirização ................................................................................ 41 3.3. Escolaridade e Emprego ...................................................................................... 44 4.CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 46 5. REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48 1. INTRODUÇÃO Ao longo do século XX foram percebidos momentos de grande crescimento econômico e de várias melhorias nas relações de trabalho, assim como, de graves crises e de relações perversas quanto à situação dos trabalhadores. A observação de alguns dos traços singulares e particulares do capitalismo recente no Brasil auxilia na compreensão do comprometimento da nossa formação social, que é geradora de níveis intensos de desemprego e precarização, cujas consequências mais visíveis são dadas por grande parte da população que vive em situação de pobreza, e até mesmo miserabilidade, contrastando com uma enorme concentração de renda, que está nas mãos de um pequeno círculo de brasileiros. No Brasil, a precarização das condições de trabalho deve ser vista a partir do exame analítico do processo geral de acumulação de capital, que é imersa em uma forma específica de desenvolvimento, precisamente conhecida como subdesenvolvimento. Dessa forma, o objetivo do trabalho é elaborar uma perspectiva histórica do trabalho no Brasil em diferentes contextos econômicos, apontando os problemas do mercado de trabalho tais como a informalidade e precarização, assim como as melhorias - formalização e elevação dos rendimentos do trabalho. O caráter de pesquisa do projeto é essencialmente de revisão de bibliográfica. A ideia é levantar as principais considerações trazidas por pesquisadores da área, com o intuito de compreender a importância do desenvolvimento do mercado de trabalho, que se traduz como componente básico de determinação do produto e renda da economia. O presente trabalho se dividirá em outras duas seções além desta Introdução e das Considerações Finais. Na seção 2 será apresentada uma perspectiva histórica da constituição do mercado de trabalho brasileiro, a partir das medidas condicionantes da transição do trabalho escravo para o livre, até a observação dos aspectos econômicos dos anos 2000. Na seção 3 serão explanadas algumas características do emprego no Brasil, a partir de temas que geram importantes debates na literatura. 9 2. CONSTITUIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. 2.1. Do Brasil Colônia ao início da década de 1930. A constituição do mercado de trabalho brasileiro tem características específicas e sua análise é componente essencial para o entendimento da real situação econômica e social do país. A crescente indagação acerca das causas dos elevados níveis de desemprego das economias capitalistas seguiu cursos diferenciados ao longo do tempo. O resultado do debate sobre o tema tem justificado interpretações sobre a atuação das políticas sociais e dos sistemas nacionais de relações do trabalho, e de suas possíveis mudanças (DEDECCA, 2005, p.94). O processo de formação do mercado e das relações de trabalho traz aspectos necessários para a compreensão do atual problema do emprego e renda no Brasil. As variáveis que condicionaram a constituição do mercado de trabalho livre tratam principalmente, das leis impostas no período da transição tardia do trabalho escravo para o livre. A partir de 1850, a Lei de Terras dispunha sobre a titulação das terras ocupadas definindo a propriedade privada das mesmas. Era o regime que reconhecia as sesmarias e garantia a posse das terras do ciclo do ouro e açucareiro, que incorporavam grande parte da reserva de mão-de-obra do país. A ocupação das terras ocorreu por meio de um movimento de ampliação da fronteira agrícola, que não contava com respaldo do Estado, e de forma precária, expulsava a população para as zonas de fronteira. Tal modo de regulação das propriedades impediu que os trabalhadores libertos tivessem acesso a terra, podendo ser constituída nesse momento, a raiz do problema agrário no país (DEDECCA, 2005, p.95). A outra lei mencionada por Dedecca (2005) é a de 1879 que regula a relação de trabalho no regime de colonato e parceria. Tal lei garantia a forma unilateral do contrato permitindo que o proprietário decidisse sobre o seu rompimento, estabelecendo a este, total autonomia sobre as relações. Segundo Dedecca (2005), depois da Proclamação da República em 1889, a política de imigração associada às leis do período acima citadas, redesenharam a dinâmica econômica do país. Enquanto colônia, o Brasil concentrava sua maior 10 população na então denominada Região Norte (Pernambuco, Ceará e Bahia), e nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Com isso, a fase de expansão cafeeira esbarrou no problema do suprimento de mão-de-obra, e uma possível solução à restrição era a mobilização da população da Região Nordeste para São Paulo, já que, segundo o Censo de 1872, 50% da população brasileira concentrava-se no Nordeste. Há um debate na historiografia brasileira acerca da dificuldade da mobilização da população nordestina. Estudos apontam que o movimento aceleraria a decadência da propriedade latifundiária da Região. Outros, que os cafeicultores paulistas acreditavam na desvalorização do capital empregado com mão-de-obra, pois para eles, seria investimento de capital em mão-de-obra escrava. Independentemente do debate, o fato é que com a oposição à mobilização inter-regiões, por parte dos cafeicultores, o Estado propôs o financiamento da imigração, que solucionaria o problema do complexo cafeeiro. Dessa forma, segundo Dedecca (2005), a montagem do mercado de trabalho brasileiro não utilizou do total de mão-de-obra disponível, pelo fato de organizá-lo associado à monocultura do café. O acordo proposto pelo Estado deixava à margem a grande população adulta da Região Nordeste. Segundo o autor, o Brasil estruturou o seu mercado de trabalho livre apoiado na preservação das atividades oriundas do período colonial. Este movimento é contrário àqueles dos países europeus, cujos Estados Nacionais valorizaram a mão-de-obra, e aos Estados Unidos, que promoveram a mobilização da mão-de-obra negra com a Guerra de Secessão. 2.2. Da industrialização aos anos 70: Avanços e retrocessos. Após a crise de 1929, o desempenho da economia baseada no capital cafeeiro foi colocado em questão, e o desenvolvimento do mercado interno foi estimulado devido às restrições à importação. A partir de então, a mobilização dos trabalhadores nordestinos para o processo de industrialização foi permitida, e passou a ser concentrada no Sudeste, principalmente em São Paulo (DEDECCA, 2005, p.98). A partir de 1930, com o governo de Getúlio Vagas, o capitalismo brasileiro viveu um processo intenso de “acumulação industrial”, realizando um salto industrializante inédito para a economia. As formas de acumulação de capital observadas no Brasil até 11 então estavam sob o marco da agro-exportação do café, e a indústria era meramente acessória (ANTUNES, et.al.2008, p.2). Quanto às relações do trabalho observadas no período: Entre 1940 e 1942, foi estabelecida uma ampla regulação do mercado e das relações de trabalho. Foram instituídos o salário mínimo e toda uma legislação de regulação das leis de trabalho (consolidação das Leis do Trabalho, CLT) para o mercado de trabalho não agrícola tendo essa última promovido uma organização sindical consentida pelo Estado. (DEDECCA, 2005, p. 100) Contudo, o governo Vargas, impediu que a ação sindical estabelecesse autonomia de decisão coletiva que pudesse favorecer a efetividade dos direitos. No fundo, reconhecia apenas o direito privado das empresas, e ao mesmo tempo em que promoveu regulações para o mercado de trabalho, criou mecanismos que impediam tais medidas de serem revertidas em reais benefícios aos trabalhadores. Há a consideração ainda de que a dinâmica interna do padrão de acumulação industrial estruturava-se pela vigência de um processo de “superexploração da força de trabalho”, pois esta ocorria pela articulação de baixos salários, jornada de trabalho longa e de forte intensidade. Isto colocou o país em uma situação industrial significativa – mesmo com a sua inserção “subordinada”, financiada por capital estrageiro – alinhandose entre as grandes potências do mundo. (ANTUNES, et.al, 2008, p.3) Como resultado desse modelo político, observou-se uma elevada capacidade de geração de empregos nas atividades industriais e nos novos setores de serviços públicos e privados. Entretanto, o que se desenhava era um mercado de trabalho no qual a maioria da população não tinha acesso ao sistema de proteção social constituído em 1940. Segundo Dedecca (2005), esse movimento foi observado durante pelo menos cinco décadas do período de industrialização, sustentado em grande parte, pelos governos autoritários que combatiam a ação sindical de forma violenta. Adicionalmente, a abundância de mão-de-obra resultante dos processos de mobilização reforçou a perversidade da situação do mercado de trabalho urbano brasileiro, na segunda metade do século XX. A questão que surge para o debate entre as décadas de 1960 e 1970 não era o desemprego em si, mas sim, a percepção de um mercado de trabalho marcado pelas 12 relações informais, pouco institucionalizadas e quase sem garantias sociais. Associa-se ao movimento de desenvolvimento industrial, mecanismos de redistribuição restritivos, que auxiliavam no desenvolvimento econômico, mas não no social, o que desenhou a péssima distribuição de renda do país. A relação conflituosa entre crescimento e desenvolvimento é peculiaridade do caso brasileiro, se comparada a países latinoamericanos, que tiveram como resultado da industrialização maiores avanços. (DEDECCA, 2005, p. 101). Baltar (1996), procura mostrar a situação da ocupação formal no país a partir da década de 1970, (como resultado de transformações ocorridas desde os anos 1930), para finalmente, compreender a estagnação e deterioração da geração de empregos nos anos 1980 e consequentes nos anos 1990. O rápido desenvolvimento da economia brasileira do pós-guerra até a década de 70 ampliou extraordinariamente as atividades ocupacionais, assegurando um crescimento do emprego no ritmo da intensa expansão da população ativa urbana. No entanto, o rápido crescimento populacional e o elevado dinamismo econômico nas regiões metropolitanas fez-se acompanhar de acentuada concentração de renda e reforçaram a tendência de ampliação da pobreza. (MATTOSO; BALTAR,1996, p.8) No final da década de 1970, o número de trabalhadores assalariados em ocupações não agrícolas e em estabelecimentos públicos e privados de grande porte, era modesto se comparado aos empregos fornecidos pelas estruturas de pequeno e médio porte. “Em 1979, havia 30,3 milhões de pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas no conjunto do país, pouco mais de dois terços da ocupação total. Desse total de ocupados não-agrícolas, 76% tinham um emprego assalariado.” (BALTAR, 1996, p. 76) Tais números decorrem da disseminação do produto e das oportunidades dos trabalhos em estabelecimentos de grande porte, que ocorreram de maneira exclusiva à parcela da sociedade com alta renda, acarretando a proliferação dos serviços baratos e da má remuneração à grande maioria da população urbana. Quanto à escolaridade da classe trabalhadora, no final da década de 70, a maior parte da população ativa, não tinha sequer os níveis básicos de instrução, o que não prejudicou diretamente a evolução da ocupação nos estabelecimentos com maior estrutura, pois o trabalho era de baixa complexidade. Contudo, a dinâmica girou em torno de uma grande rotatividade da mão-de-obra, e quase nenhuma perspectiva de 13 crescimento dos trabalhadores dentro das empresas. Quando trata de estabelecimentos sem o mínimo de estrutura organizacional, a situação da remuneração é perversa. “São, principalmente, atividades de comércio e prestação de serviços do tipo alimentação, alojamento, reparação, manutenção, limpeza, vigilância e outros atendimentos às pessoas e às famílias.” (BALTAR, 1996, p. 80) A partir da observação do teto do salário mínimo vigente na década de 70, notase a discrepância dos salários mesmo nas bases da pirâmide. Tal base é constituída por pessoas com baixo nível de instrução, estes, quando empregados em estabelecimentos com o mínimo de estrutura, conseguem aumentar o salário com o tempo de experiência. Quando se trata de profissionais com maior nível de escolaridade, o salário é maior que o base da pirâmide no início, e as chances de estabelecer vínculos com a empresa são bem maiores. Baltar (1996) aponta que o surgimento de vários postos de trabalho com exigência mínima de especialização provocou um êxodo rural intenso, muito em função das condições de vida extremamente precárias nas zonas rurais. Isto resultou no pagamento de salários urbanos baixíssimos, em função de uma grande quantidade de mão-de-obra nos centros urbanos. Esta tendência também foi observada em outros países em desenvolvimento, após a metade do século XIX. É importante ressaltar a relação entre a estrutura do emprego urbano e a distribuição de renda. Dessa forma: Entende-se que uma melhor distribuição, com menor parcela de população carente e desigualdade socioeconômica menos pronunciada, estaria associada a uma estrutura do emprego urbano com menor peso dos pequenos negócios, do emprego para famílias e pequenos estabelecimentos com pouca organização e maior peso do emprego nos estabelecimentos médios e grandes. (BALTAR, 1996, p. 83) Isto significa que um nível de investimento maior nas empresas de grande porte, tiraria o peso das ocupações nos pequenos estabelecimentos, o que resultaria em melhor distribuição de renda, e maior consumo de bens e serviços. No entanto, segundo Baltar (1996), a realidade brasileira mostrou-se diferente. Apesar de o país ter passado por certo crescimento industrial, não houve a preocupação com o aumento da remuneração, com o estímulo a profissionalização da classe trabalhadora e vínculo empregatício. As raízes do mercado de trabalho brasileiro 14 encontram-se no sucateamento do emprego industrial. Em países desenvolvidos, os trabalhadores não são submetidos a tal situação. Além de melhores salários, há a possibilidade de manter vínculos, progressão de salários e ascensão de cargos. Essa característica é intrínseca a sociedade brasileira, que traz os traços de segregação social desde a época de transição do trabalho escravo para o livre. “Observase que o Brasil montou o seu mercado de trabalho livre garantindo a preservação das atividades e dos espaços ocupacionais oriundos das fases anteriores de desenvolvimento capitalista do período colonial.” (DEDECCA, 2005, p.97). 2.3. O militarismo e a década de 80. O Estado promoveu algumas medidas com o intuito de regularizar as condições contratuais do trabalho, mas nunca se propôs a oferecer as condições para que o país se orientasse na satisfação das necessidades da população. Vêem-se principalmente esses traços, a partir da repressão política e sindical dos governos que se implantaram após o Golpe Militar de 1964. A iniciativa privada detinha grande autonomia com relação à contratação, remuneração e dispensa de trabalhadores. Na segunda metade da década de 1970, o país passou por uma fase de significativas mudanças políticas, fundamentadas pela retomada do movimento sindical e pela perda de legitimidade do militarismo. O momento era caracterizado pela repulsa ao padrão militar e por reivindicações a favor do desenvolvimento, atrelado ao atendimento das necessidades sociais. Ainda assim, a influência da tradição autoritária fez surgir uma ação sindical politizada que não foi capaz de promover as regulações necessárias ao mercado de trabalho. Em contraposição a isto surge o Partido dos Trabalhadores. “A construção do PT foi marcada pela divisão do movimento sindical, que na primeira metade dos anos 80 construiu duas Centrais Sindicais.” (DEDECCA, 2005, p.102) A partir de 1979, com a alteração das políticas econômicas estadunidenses que forneciam fluxos de crédito à industrialização brasileira, iniciou-se no país uma época de profunda crise econômica. O setor havia passado por alguns momentos de retração, como exemplo, o ocorrido nos primeiros anos da década de 1930, como efeito da crise de 1929, ou ainda, como visto na primeira metade da década de 1950, causado pelo fim 15 do Plano de Metas. No entanto, não se comparava à retração dos anos 80. Houve desemprego em massa proveniente da Indústria de Transformação. A tendência do desemprego, que se tornou a realidade brasileira nos anos de 1980 era essencialmente urbana, com o destaque para a Região Metropolitana de São Paulo. Os desempregados oriundos da indústria viam-se em situação de desemprego aberto1, e para suprir as necessidades básicas de sobrevivência, partiram para situações de trabalho irregulares. Surgiram nesse momento, atividades de sobrevivência que dificilmente diferenciam-se das relações de trabalho do setor informal, criando aí, outro assunto de crescente debate na literatura, o Processo de Informalidade. (DEDECCA, 2005, p. 102) A década de 1980 foi marcada pela instabilidade provocada pelo aumento da taxa de juros internacional, que aumentou o preço do petróleo. No fundo, um período de estagnação econômica. O impacto desse movimento nos salários resultou que “a renda dos 50% mais pobres diminuiu quase 20%, comparando 1989 com 1981, enquanto a dos 5% mais ricos aumentou 29% e a dos 15% seguintes elevou-se em 13%.” (BALTAR, 1996, p.86). O observado, portanto, foi que a participação da parcela de mais ricos no mercado de trabalho diminuiu, tanto na esfera pública quanto na privada. No estrato de mais pobres houve a proliferação de funcionários públicos e de empregados sem carteira de trabalho, mostrando claramente, uma desvalorização do trabalho assalariado nas ocupações não-agrícolas, em fins dos anos 1980. A década de 1980 apresentou comportamentos ínfimos de indicadores macroeconômicos. O PIB entre 1980 e 1989 apresentou um crescimento anual médio de 2,2%, enquanto o crescimento da população esteve em 1,9%, significa que o produto por habitante superou o do início da década de 1980 em apenas 2,3%. Na indústria de transformação, a participação no produto global da economia passou de 33,9% para 29,6%, mostrando claramente um período de estagnação, ou a também chamada “década perdida”. (BALTAR, 1996, p. 87) 1 Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), desemprego aberto pode ser definido por meio dos procedimentos da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) como as pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos trinta dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum tipo de atividade nos últimos sete dias. A população considerada pelo universo da pesquisa compreende os indivíduos com dez anos ou mais, que procuraram uma ocupação e que compõem a chamada População em Idade Ativa (PIA). 16 A partir de 1984 houve uma tentativa de reestruturação econômica, com o aumento da exportação de bens intermediários, fruto da execução de alguns projetos do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel, que ainda assim, não superou o problema. O momento de tentativa de recuperação econômica teve algumas de suas características apontadas por Antunes e Pochmann (2008): O fordismo brasileiro começava a se abrir para os primeiros influxos do toyotismo e da acumulação flexível. Durante a segunda metade da década de 1980, com a recuperação parcial da economia brasileira, ampliaram-se as inovações tecnológicas, através da introdução da automação industrial de base microeletrônica nos setores metal-mecânico, automobilístico, petroquímico, siderúrgico e bancário, entre tantos outros, configurando um grau relativamente elevado de diferenciação e heterogeneidade tecnológica e produtiva no interior das empresas, heterogeneidade que foi uma marca particular da reestruturação produtiva no Brasil recente. (ANTUNES, POCHMANN, 2008, p. 5) As áreas de ocupação com maior destaque do período foram as da indústria e serviços públicos. Já os empregos na construção civil, foram fortemente afetados pela estagnação da economia, que paralisou as obras públicas. Como conseqüência, o nível de assalariados foi menor em 1989 se comparado ao ano de 1979. Ademais, a alta rotatividade e falta de vínculos empregatícios nas empresas com o mínimo de organização, continuou intensa. De acordo com Dedecca (2005), a Constituição de 1988 trouxe grandes inovações no âmbito social de direitos dos brasileiros. Estabeleceu as bases para um desenvolvimento voltado para o crescimento do mercado interno, caracterizado pela justiça social, e o esperado, portanto, era que os anos 90 apresentassem uma recuperação econômica, embasada em melhores relações sociais para um país menos desigual. 2.4. A década de 90: Abertura comercial, desemprego e desigualdade social. O advento da Constituição de 1988 não representou as melhorias econômicas e sociais esperadas no início dos anos 90. A quase estagnação, o desemprego e o aumento da desigualdade social, foram os resultados observados no período. Para o governo do início da década, a Constituição representava uma forma de atraso ao país frente aos novos rumos da globalização (DEDECCA, 2005, p. 103). 17 A política conservadora da década de 90 desprezou os elementos estruturais do problema do emprego no Brasil e assumiu um discurso voltado para implementação de políticas públicas nos moldes dos países desenvolvidos. Dessa forma, a base produtiva local foi fortemente exposta à concorrência externa, e reduziu a flexibilidade do sistema de proteção social instituído pela Constituição. A produção e o emprego industriais caíram aproximadamente 25%, e o desemprego duplicou no período de um ano (DEDECCA, 2005, p. 105). Segundo Mattoso et.al. (1996), a crise do desenvolvimento nacional prosseguiu e fomentou a ideia da abertura do país ao comércio internacional, que reduziria a ineficiência do mercado brasileiro e possibilitaria o aumento das importações que eram irrisórias com relação ao produto nacional. Em países como Argentina e Chile, a menção à abertura comercial também foi bastante difundida a partir de meados da década de 1970. No Brasil, entretanto, ainda houve forte resistência ao movimento mesmo em tempos de estagnação. Tal situação só foi superada e bem aceita a partir da década de 1990, muito em função das tendências impostas pelas organizações internacionais, pelas recomendações do Banco Mundial e por opção do Governo Fernando Collor. A abertura da economia brasileira ao comércio internacional prejudicou o desenvolvimento nacional. A retomada das políticas de inserção passiva e de subordinação ao receituário de ajustes propostos por países avançados e organismos internacionais, prejudicou a busca de um projeto de desenvolvimento nacional mais integrado e voltado para a consolidação de um mercado interno mais amplo que incorporasse maior parcela da população. (MATTOSO; BALTAR, 1996, p.11) O início dos anos de 1990 foi marcado por uma recessão semelhante à percebida entre 1980 e 1983 com diminuição de 15% na produção industrial. Contudo, essa recessão teve características diferentes, pois entre 1980 e 1983 a redução na produção de bens duráveis foi bem maior do que entre 1989 e 1992, considerando ainda, que o segundo período é subsequente a um período de estagnação. (MATTOSO; BALTAR, 1996, p. 16) 18 Configura-se, assim, um quadro geral no qual o setor industrial diminui a capacidade de gerar valor agregado e emprego, fazendo com que o crescimento da produção interna em relação ao período anterior à década de 90, tenha maior influência sobre o volume importado do que sobre o emprego. (SCHNEIDER, 1999, p. 116) De acordo com Baltar (1996) a partir de 1992 foram percebidos momentos de recuperação econômica, em função de vários fatores como aumento da produção de bens duráveis e intermediários, por exemplo. Mas as grandes mudanças da época foram motivadas pela alteração da política comercial e pela valorização da moeda nacional, vista a partir da implantação do Plano Real. “A indústria passou a produzir muito mais bens de consumo duráveis, sem produzir mais bens de consumo intermediários.” (BALTAR, 1996, p.94) Por outro lado, a ausência dos incentivos de crédito externo freou as políticas adotadas, e a falta de capitais estrangeiros que financiavam o déficit nas contas externas, desenhou uma época de colapso econômico. Tal situação se sustentou até a metade de 1993. Em 1994, a implantação do Plano Real foi baseada na injeção de recursos externos, assim como nos planos anteriores. Os impactos da implementação do Plano Real foram positivos inicialmente para a economia, porém, a incidência sobre o mercado de trabalho foi desastrosa. “Observouse uma contínua deterioração do nível de emprego, acompanhada de uma tendência sustentada de crescimento do desemprego” (DEDECCA, 2005, p. 105). De acordo com Dedecca (2005), a não valorização do emprego assalariado foi um dos agravantes da distribuição de renda no Brasil nesse período, que se fazia cada vez mais desigual. Exemplo disto, o emprego na construção civil em 1995 era menor que o nível de 1989, pois o investimento em obras públicas não ocorreu e não foi reconstituído o Sistema Financeiro para Habitação. O comércio e a indústria também não passaram por processos diferentes. O nível de emprego nesses segmentos também ficou abaixo do nível visto no período anterior. 19 A abertura indiscriminada da economia à competição internacional, a valorização do Real e a redução dos investimentos econômicos e sociais por parte do Estado tiveram impactos negativos sobre o mercado de trabalho, e estes foram bem além do âmbito restrito da produção industrial e atingiram a totalidade da economia. A nova orientação política tem se mostrado muito mais eficaz na destruição da estrutura de produção e emprego preexistente do que na construção de uma nova realidade.” (BALTAR, 1996, p. 96) A partir de 1993, o superávit do comércio exterior passou de 3% a um déficit crescente, resultado do nível de importações de bens intermediários elevado. Este cenário desestruturou a geração de empregos, pois diminui o valor agregado da produção, já que conta com um número menor de trabalhadores e reduz a densidade da atividade industrial. Este movimento foi percebido tanto no setor automobilístico quanto no produtivo de outros bens duráveis finais, como eletrodomésticos, por exemplo. Esse cenário culminou para uma inflação baixa em 1995. Ademais, não houve aumento do nível do emprego, mesmo com o aumento da produção de bens de uso final. Nesse contexto, não foi alcançado um efetivo desenvolvimento, mas sim um agravamento das condições do mercado de trabalho que já eram precárias. Apesar disto, o Plano Real, que contou com grande apoio da população, alcançou a esperada estabilização de preços, após um período de grande inflação. O Plano trouxe o fim da desvalorização salarial e viabilizou os mecanismos de crédito ao consumo. Ademais, segundo Dedecca (2005), o governo utilizou-se de mecanismos para desqualificar o desemprego, mascarando as informações acerca da real situação. O discurso adotado apontou que a queda do emprego industrial foi compensada pelo crescimento do emprego dos serviços - que na maioria das vezes é caracterizado pela falta de proteção social - e que tais movimentos eram resultantes do processo de globalização. Para Dedecca (2005), o debate sobre o desemprego no Brasil na década de 1990 é um assunto que gera controvérsias. Segundo o autor, a perspectiva política dos governos dessa década inverteu os temas do debate, e desconsiderou as raízes históricas do mercado de trabalho nacional, alegando que o modelo de regulação (proposto pela Constituição de 1988) era a causa dos problemas, e a efetivação das relações sociais eram o fundamento do atraso do país. Por outro lado, o autor argumenta sobre a importância de analisar as especificidades do mercado de trabalho brasileiro 20 Ademais a abertura da economia à concorrência externa, a privatização foi uma das características marcantes da política conservadora do governo durante os anos 90. “A privatização transferiu para o setor privado empresas deficitárias ou empresas superavitárias com níveis inadequados de investimento. Com a desestatização, esses gastos deixariam de pressionar as contas públicas.” (GIAMBIAGI et.al. 2005, p. 182) As empresas buscaram mecanismos que assegurassem sua integridade diante da concorrência internacional, em função da abertura comercial indiscriminada, da ausência de mecanismos protetores, da sobrevalorização cambial e dos elevados juros. Assim, foi adotada a discussão sobre o custo do trabalho, e o debate passou a ser sobre a redução dos gastos com o mercado de trabalho – tais como, encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento das empresas (MATTOSO; BALTAR, 1996, p. 17). A região Metropolitana de São Paulo foi a que mais sentiu o impacto desse movimento. No conjunto do período recessivo, o ritmo da geração de empregos diminuiu para cerca de 0,6% ao ano, ao passo que a população em idade para trabalhar continuou crescendo a mais de 2,5% e a taxa de participação permaneceu praticamente constante (BALTAR, 1996, p. 99). A proporção de empregos na Grande São Paulo teve certo aumento em outros setores, que não a indústria. O comércio, a prestação de serviços, reparação e manutenção, transporte, alimentação e saúde, tiveram relação com o aumento do nível, bem também em função da terceirização de serviços, que no fundo, prejudicou não só a indústria, como a própria prestação de serviços. (BALTAR, 1996, p. 101) Como um contexto geral da situação econômica do país entre 1989 e 1995 notase que a situação do emprego na Região Metropolitana de São Paulo produz substancial peso no produto total. A diferenciação nos ramos de ocupação, principalmente aquelas sem o vínculo empregatício, geram capacidades de renda muito maior. Dessa forma, mesmo com a diminuição dos empregos formais, as atividades não-formais, principalmente dos ramos de comércio e serviços concentraram maior mão-de-obra. No fundo, este movimento não teve grande impacto sobre o produto agregado, pois a indústria passa a expulsar os trabalhadores para outros setores, tanto por motivações microeconômicas de adequação aos novos rumos de competitividade comercial, quanto por desregulações estruturais que passam despercebidas pelo Estado, resultando assim, na diminuição da capacidade de geração de valor agregado e emprego pelo setor industrial (SCHNEIDER, 1999, p. 117). 21 A relação conflituosa entre aumento de ganhos da produtividade industrial e geração de emprego no setor é fundamentada principalmente pela abertura indiscriminada do comércio, pela valorização do Real e pelas altas taxas de juros vistas no período. Estes últimos pontos são apontados por alguns economistas como inevitáveis, no sentido de que tais políticas macroeconômicas seriam indispensáveis para que o país pudesse se inserir completamente no processo de globalização. O que se exime de tal afirmação é a instabilidade do mercado internacional. Permitir a abertura comercial indiscriminada não garante que todas as nações estejam dispostas a cooperar com a entrada de produtos que aumentariam a concorrência, e mais, tiraria do Estado grande responsabilidade de proteger a produção nacional, bem como o mercado de trabalho (MATTOSO; BALTAR, 1996, p.4). Mattoso e Siqueira Neto (1997), também falam a respeito dos problemas políticos e econômicos associados à forma de inserção do país na globalização: No Brasil, a retomada das políticas de inserção passiva e de subordinação ao receituário de ajustes propostos por países avançados e organismos internacionais tem prejudicado a busca de um projeto de desenvolvimento nacional mais integrado e voltado para a consolidação de um mercado interno mais amplo que incorporasse parcelas crescentes da população. A forma adotada de inserção da economia brasileira na nova (des)ordem econômica internacional não admite alternativas. Por isso, é acompanhada de um discurso absolutamente incansável, que repete sempre a ideia de que as condições são dadas, não existindo outra saída que não esta ou aquela, determinada exclusivamente pelo mercado e por sua lógica. Os interesses e as características nacionais, a política e a organização democrática da sociedade brasileira são sempre vistas como nocivas ao pleno funcionamento desta enteléquia suprema, o mercado auto-regulável. (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p. 7) Dessa forma, uma possível ruptura com os processos que distorcem o problema do emprego e das relações econômicas e sociais a ele atrelados, se daria por meio de ações individuais e da disputa entre concorrentes e não pela influência de agentes que não estariam interessados no bem-estar geral. As políticas setoriais deveriam ser substituídas por políticas horizontais e da intensificação e desregulação da concorrência (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p.8). 22 Por fim, o desemprego destacou-se no cenário econômico-social brasileiro e tornou-se um grave problema estrutural durante os 90. A população em idade ativa aumentou relativamente, e o nível global de emprego formal diminuiu. A vertente mais importante desse problema é a questão da exclusão social do país. Segundo Mattoso (1997), o problema da adoção das políticas adotadas pelos governos da década de 1990 é que estas não admitem a instabilidade do mercado internacional, e implicitamente, aceita que todos os países participam aberta e passivamente do processo de globalização. E mais, transfere aos trabalhadores e empregadores a responsabilidade de procurar formas de atenuar os efeitos das mudanças macroeconômicas sobre o nível do emprego. 2.5. Os efeitos da globalização e os anos 2000. Baltar, et.al, (2006) tratam da recuperação do emprego após a desvalorização cambial de 1999. Este movimento (contrário ao observado durante a década de 1990) pode ser caracterizado, segundo os autores, por dois movimentos correlacionados. O primeiro é a ampliação mais intensa dos postos de trabalhos aliada a atividade econômica, medida pelo PIB. O segundo é a maior concentração desses postos de trabalho em estabelecimentos mais organizados onde é maior a tendência de formalização dos vínculos de emprego. O primeiro ponto é mostrado a partir da análise da forma com a qual o país se inseriu no processo de globalização. Segundo os autores, a liberalização das importações foi indiscriminada e a entrada de capital não foi controlada, com isto, a moeda nacional se valorizou. A valorização ajudou a baixar a inflação e favoreceu os ganhos de capital para quem teve acesso ao dinheiro estrangeiro. Por outro lado, a produção local foi afetada pela concorrência dos produtos importados. O preço baixo da moeda estrangeira foi mantido por meio de elevados níveis de taxas de juros. Esta tendência foi observada durante a metade da década de 1990. Tal movimento mostra que a forma de inserção brasileira na globalização foi prejudicial ao emprego pelo fato de ter-se observado uma importação desenfreada, não contando com uma contrapartida dos mercados internacionais. A partir de então surgem as críticas quanto à forma de inserção, que recaem sobre o mercado de trabalho, principalmente nas condições de atividade da população e no tipo de ocupação das pessoas. Quanto às condições de atividade, Baltar, et.al, (2006) apontam que: 23 O crescimento da população economicamente ativa continuou intenso devido ao aumento da participação na atividade econômica das mulheres adultas de 25 a 59 anos de idade que cresceu de 53,4% para 59% entre 1992 e 1999, apesar da forte diminuição da taxa de participação dos jovens de 15 a 20 anos de idade do sexo masculino. Entre eles, a taxa de participação diminuiu de 71,7% em 1992 para 60,9% em 1999. (BALTAR, KREIN, MORETTO 2006, p. 4) Dessa forma, a análise do período mostra que o ritmo de crescimento da ocupação foi insuficiente para acompanhar o crescimento da população ativa, e que mesmo com participação mais modesta dos jovens, o desemprego entre eles cresceu de 11,9% para 20,1% entre 1992 e 1999. Entre as mulheres os números passam de 6,5% para 9,9%, no mesmo período. (BALTAR, KREIN, MORETTO, 2006, p.4) Quanto aos setores de ocupação, o da agropecuária caracterizou-se como o de melhor desempenho na década de 1990. Contudo, o número de empregos também declinou. “Isso decorreu das alterações na composição da produção por tipo de produto e aumentos da produtividade que impediram que a ocupação agropecuária ampliasse as oportunidades de emprego nesse setor.” (BALTAR, KREIN, MORETTO, 2006, p.4) Movimento este, que provocou o aumento da procura por ocupações não-agrícolas que não atendiam à demanda. A diminuição do emprego nas grandes cidades provocou o aumento do emprego nas pequenas e médias empresas, bem como, a ocupação informal. O crescimento do emprego também foi expressivo no comércio, nos serviços auxiliares da atividade econômica, na administração pública e nas atividades sociais, na educação, na saúde, na assistência e previdência social. (BALTAR, KREIN, MORETTO, 2006, p.4) Contudo, tal crescimento não foi suficiente, pois houve no período uma reorganização estrutural das grandes organizações, frente aos movimentos da globalização, que estimularam o aumento da ocupação informal, e principalmente a ocupação não-agrícola nas pequenas e médias empresas. A austeridade da política econômica prevaleceu com o intuito de manter a inflação a baixos níveis e conter o nível do produto, provocando assim, um melhor desempenho da balança comercial que diminuiria as importações e elevaria o número de exportações. Este movimento provocou o aquecimento da ocupação total e do emprego 24 formal, indicando que o nível do produto não está necessariamente associado ao aumento do emprego, como observado na década de 1990. Após 1999, não houve alteração geral do quadro do mercado de trabalho, dado a diminuição da queda da ocupação agrícola e aumento da ocupação não agrícola. A taxa de desemprego diminuiu muito pouco, passando de 10,3% em 1999 para 9,8% em 2002 e 9,5% em 2004. Essa redução não foi mais acentuada devido ao aumento da taxa de participação que foi de 57,4% para 58,5% entre 1999 e 2002 atingindo 59,2% em 2004. Por esse motivo, a taxa de ocupação (relação entre o número de pessoas ocupadas e a população em idade ativa) mostra a melhor recuperação do mercado de trabalho: essa passou de 51,5%, em 1999, para 52,8% em 2002 atingindo 53,6% em 2004. (BALTAR, KREIN, MORETTO, 2006, p.6) Quanto à forma dessas ocupações, Baltar, et.al, (2006) apontam, a partir de dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) que o movimento de ocupação com vínculo foi mais intenso do que o comparado ao informal, no final da década de 1990. Os dados são averiguados por meio do tamanho da empresa, ou seja, a quantidade de empregos está associada ao tamanho da empresa, quanto maior ela for, maior seu quadro de trabalhadores. Segundo os autores, os estabelecimentos com menos de 50 trabalhadores respondem por 55% do emprego, e os de grande porte, com mais de 500 trabalhadores, apenas 25%. Depreende-se, portanto, que a formalização da ocupação em fins da década de 1990 e início dos anos 2000, apesar de modesta, foi percebida em vários setores da economia. Para Baltar, et.al. (2006) os movimentos de formalidade do mercado de trabalho do final da década de 1990 foram embasados pela presença marcante do Estado, que atuou por meio de três instituições públicas: o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho. Nos anos 2000, a fiscalização do MTE sobre as questões fiscais dos trabalhadores passou a ser prioridade para o Governo Federal. O número de trabalhadores registrados sob ação fiscal passa de 249 mil, para 746 mil em 2005 (BALTAR, KREIN, MORETTO, 2006. p. 7). A ideia principal do governo, segundo Baltar et.al., era assegurar o maior número de registros em carteira, garantida pelo reconhecimento dos auditores fiscais do trabalho (AFT), que à época, passou a receber maior atenção do governo, no que tange a mais contratações e reconhecimentos 25 financeiros. Entretanto, esses esforços ainda assim estão à margem do mercado de trabalho brasileiro, que cresce, e não conta com número suficiente de auditores. Os anos subsequentes ao governo de Fernando Henrique Cardoso foram caracterizados inicialmente por dois aspectos significantes. Segundo Giambiagi (2005), o primeiro deles representou a ascensão da esquerda ao poder, com a eleição do presidente Luiz Inácio da Silva. O outro aspecto se refere às incertezas geradas a respeito das decisões políticas que seriam adotadas. Havia o temor acerca da opção pela estabilidade e a austeridade fiscal, no sentido de que estas poderiam se tornar permanentes. Em outras palavras, o mercado pereceu durante muito tempo entender que o compromisso com a estabilidade e a austeridade era do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), junto com seu ministro da Fazenda (Pedro Malan) e o Banco Central (BC). Havia dúvidas, porém, sobre até que ponto esses compromissos seriam mantidos pelo governo seguinte. (GIAMBIAGI, et.al. 2005, p 197) No entanto, segundo Giambiagi (2005), quando os partidos de esquerda entram no poder, na sua grande maioria, perdem as características essenciais da posição e adotam posturas que se aproximam do centro político. Com o PT não foi diferente. Para o autor, o partido abandonou algumas de suas bandeiras, como por exemplo, a defesa da moratória da dívida externa. Dessa forma, as mudanças foram percebidas ao longo do período de campanha. No começo dos anos 2000, e principalmente com a proximidade das eleições de 2002, o projeto de governo apresentado pelos líderes do partido “propunha aumentar o gasto público, assistencial e previdenciário em quase 6% do PIB em relação à situação da época.” (GIAMBIAGI, et.al. 2005, p. 200). Assim, com a nomeação de Antônio Palocci como coordenador do programa de governo, a ideia que passou a ser difundida foi a de que o partido havia mudado, ou ainda, que o PT tinha “rompido com a ideia de ruptura”. As medidas tomadas a partir daí provaram “que tanto a austeridade como a estabilidade deveriam ser políticas do Estado, independentemente do partido que estivesse no governo.” (GIAMBIAGI, et.al. 2005, p.206) Dedecca e Rosandiski (2006), tratam o período de transição entre os governos de FHC e Lula, como de grande importância para as mudanças do mercado de trabalho, bem como, para as variações da economia que apresentou crescimentos médios do PIB 26 em torno de 2,6%. Para tanto, utilizam os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) na pesquisa. Explica-se tal fato, muito em parte, pela diminuição das importações frente ao aumento das exportações e uma recuperação do consumo interno, provocados por algumas mudanças na política monetária. “As características que diferenciam a recuperação atual daquela observada durante o Plano Real encontram-se na raiz da determinação do crescimento do produto com recomposição ponderável do emprego formal” (DEDECCA, ROSANDISKI, 2006, p. 11). Segundo os autores, entre os anos de 1995 a 1998, a forma de inserção do país na globalização desfavoreceu fortemente as condições do emprego formal e que no período subseqüente, 2003 a 2005, o emprego formal apresentou recuperação. No entanto, a crítica dos autores em relação a estes movimentos é que não houve a implementação de uma política monetária capaz de manter a organização da ocupação formal em harmonia com o crescimento e desenvolvimento econômico, para no fundo, gerar o aumento real da renda. Quanto aos setores da atividade econômica que mais se destacaram em termos de variação da ocupação foram o agrícola e o da indústria de transformação, que passaram respectivamente, de -10% e -3,6% no período entre 1995 a 1998, para 1,6% e 10,1% no período entre 2002 a 2004. Estes dados são exemplos de que é possível aliar crescimento do produto à reestruturação do mercado de trabalho, contrapondo-se a ideia de “inempregabilidade” defendida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (DEDECCA, ROSANDISKI, 2006, p.13). Isto já tinha sido comprovado por movimentos gerados em países como a Malásia e Coreia, que estimulavam o emprego formal nas indústrias, como fonte para o crescimento do setor. Quanto aos setores com baixo desempenho em termos de geração de novos postos de trabalho, percebe-se que são aqueles dependentes do mercado interno, como alguns segmentos de serviços, da política habitacional ou de infraestrutura, como a construção civil, ou das políticas públicas, como administração pública e serviços sociais. (DEDECCA, ROSANDISKI, 2006, p. 13) 27 Para delinear as características atuais do mercado de trabalho deve-se considerar a relação entre a recuperação econômica e a evolução da ocupação formal, ao contrário do disseminado durante os anos de 1990. Outro ponto importante à análise do período relaciona-se a qualidade dos postos de trabalho. Para Pochmann (2006), os anos entre 1999 e 2004 caracterizaram-se como de extrema precarização do mercado de trabalho em função do nível de remuneração pago, que segundo ele: “Em 2004, por exemplo, 38,2% dos ocupados recebiam até um salário mínimo mensal, enquanto em 1999, eram 34,2% trabalhadores que tentavam sobreviver com o valor do mínimo nacional.” (POCHMANN, 2006, p.19). Dessa forma, quando há um aumento do número de ocupações sem um investimento suficiente ocorre simultaneamente a alta rotatividade no trabalho, ou seja, os altos salários são substituídos por vários outros salários menores. Outro fator que influencia nesse cenário é a dinâmica do comércio exterior, a qual impõe uma mão-deobra barata com fins de maior competitividade do produto. Remy et.al. (2011) tem por objetivo apontar as principais alterações no mercado de trabalho brasileiro, em uma análise feita a partir dos anos 2000. Resgata o debate sobre a limitação da criação dos postos de trabalho formais no país após 2003, contextualizando a década anterior, a partir do movimento internacional da globalização. Parte da ideia de que as mudanças estruturais ocorridas na década de 90 resultaram na eliminação de postos de trabalho que não foram recuperados no mesmo patamar, mesmo frente ao aumento da população em idade ativa. Remy et.al. (2011) considera duas vertentes para interpretação dos fatos. A primeira está relacionada ao estágio do desenvolvimento capitalista brasileiro, e atribui ao aumento da produtividade do trabalho o número baixo de geração de empregos. E a segunda vertente, é associada à “falta de dinamismo da economia, a inexistência de política industrial e de distribuição de renda” (REMY, QUEIROZ, SILVA FILHO, 2011, p. 58). Esse grupo era a favor da implementação de uma política industrial que preservasse a competitividade dos setores de commodities e dos setores de maior valor agregado e conteúdo tecnológico. A partir desse panorama, Remy et. al. (2011) aponta que o início dos anos 2000 apresentou uma possibilidade de recuperação econômica. Ainda que as taxas de crescimento tivessem permanecido baixas, em 2002, a balança comercial passou a registrar um saldo positivo, o que já revertia a situação da década anterior. Ainda assim, 28 eram anos de instabilidade da economia nacional e internacional. No Brasil, houve desestabilização em função da crise de energia elétrica que resultou em racionamento, e aliado a isto, as instabilidades externas devido à crise na Argentina e os atentados nos Estados Unidos em 2001. No período, o Real chegou ao valor de R$3,63 em relação ao dólar (EUA), provocando forte aumento da dívida pública estrangeira. Ainda assim, o saldo comercial em 2002 foi significativamente maior, se comparado ao ano anterior, com o aumento de 3,7% das exportações e diminuição de em 15% das importações. Aliado a isto, um conjunto de políticas fiscais e monetárias restritivas, implementadas em 2003, trouxe calma ao ambiente macroeconômico. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a desempenhar novos papéis, e o ritmo das privatizações desacelerou (REMY, et.al. 2011, p.60). Soma-se ao cenário, a coesão entre a economia brasileira e as condições externas, o market-share total das exportações brasileiras aumentou de 0,9% em 1995 para 1,2% do total mundial em 2005. Esse aumento refletiu o ganho de participação em praticamente todos os grupos de produtos. No caso das commodities primárias, o market-share brasileiro saltou de 3% para 4,5% do total mundial em 2005, explicando grande parte a melhora da posição global do país. Apesar disso, o ganho de participação também foi expressivo nos produtos de média e alta intensidade tecnológica e nos produtos energéticos.” (REMY et.al. 2011, p.61 apud HIRATUKA et.al. 2007 p.5) Quanto ao mercado de trabalho, os valores também foram positivos e o número de empregos aumentou. A partir de julho de 2004, o Banco Central passou a reduzir a taxa de juros básica (Selic), a formação bruta de capital fixo atingiu 16,3% em 2005 e o aumento de 21% do crédito ao ano, fez o consumo final crescer 4,1%. Já em 2005, houve uma diminuição do Produto em função do aumento da taxa de juros básica (Selic), o índice chegou a 2,9% (REMY, et.al. 2011, p. 61). O gráfico 1 apresenta o número de pessoas ocupadas, no período entre 1992 e 2012. 29 Gráfico 1. População Ocupada. Brasil. 1992-2012 Fonte: Instituto de Pesquisas Sociais Aplicadas. IPEA. Elaboração própria. A análise dos dados do IPEA apresentados no gráfico 1 mostra a evolução da quantidade de empregos no país durante o período de 1992 a 2012 e a tendência significativa de crescimento pode ser observada. No entanto, exime-se aqui a qualidade dos postos criados na década de 1990. A população empregada passou de 61.229.427 de pessoas, em 1992, para 69.181.057, em 1999. O período seguinte resultou em avanços maiores. A criação dos postos de trabalho a partir de 2001 saltou de aproximadamente 72 milhões em 2001, para quase 87 milhões de ocupados no fim do período de análise. Outro fator importante para a análise do período refere-se à Taxa de Participação da população no mercado de trabalho. A relação é feita a partir da razão entre a População Economicamente Ativa (PEA) e a População em Idade Ativa (PIA). Representa o percentual das pessoas que trabalham ou procuraram ocupação no intervalo da pesquisa, com mais de 10 anos de idade. O gráfico 2 apresenta a Taxa de Participação da População no mercado de trabalho, no período entre 1992 e 2012. 30 Gráfico 2. Taxa de Participação (PEA/PIA). Brasil 1992-2012 Fonte: Instituto de Pesquisas Sociais Aplicadas. IPEA. Elaboração própria. A observação dos dados do gráfico 2 mostra que ao longo dos anos 90, a porcentagem das pessoas em idade ativa e que procuravam ocupação teve tendência decrescente. Em 1996, 56,4% deste grupo de trabalhadores tiveram uma oportunidade no mercado de trabalho, ou seja, a menor taxa entre os anos de 1992 e 2009. A partir do final da década de 1990, as taxas apresentaram elevação e alcançaram os melhores resultados em 2005. Em relação à dinâmica do mercado de trabalho para o período entre 2000 e 2008, Remy, et.al. (2011) considera os dados da PNAD, e aponta que a variação percentual do número de ocupados formais é maior em relação aos informais em todo o período, exceto em 2002. O destaque é para o ano de 2007 no qual, a categoria dos ocupados é 2,32% maior, e os postos formais 7,31%. Além da abordagem sobre a quantidade de ocupados formais com relação aos informais, Remy, et.al. (2011) faz uma relação – a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) – entre as admissões e demissões informadas pelos estabelecimentos. Tais dados desconsideram os militares e servidores estatutários, por isso, há a necessidade de ajustes no caso de comparações com outras fontes. Dessa forma, os dados do CAGED, indicam que ao longo do período em questão, o número de 31 postos de trabalho formais aumentou em todas as regiões, e no total, foram 9.732.062 novas vagas. No entanto, as disparidades entre as regiões mostraram que a grande concentração da geração destes postos se deu na região Sudeste, com 56,88% das novas vagas. A região Sul foi responsável por 18,93% das vagas, seguida do Nordeste com 13,74%, e as regiões Centro-Oeste e Norte com 6,51% e 3,94%, respectivamente, do total de empregos gerados, evidenciando a dinâmica econômica do país, que concentra a maior riqueza nos principais pólos do Sudeste e Sul (REMY, et.al. 2011, p. 63). Ainda sob a pesquisa da autora, destaca-se que entre 2000 e 2008, a geração de emprego foi extremamente significativa. Exceto nos anos de 2001 e 2003 em que a criação de postos foi mais modesta (591.079 e 645.433 novos postos respectivamente), os números a partir de 2004 aumentam mais que cem por cento, e a tendência permaneceu até 2007, quando os empregos atingem o número máximo de 1.617.392. O destaque é para o ano de 2008, no qual, mesmo em meio à crise mundial, o país gera 1.452.204 de novos postos. Os indicadores relacionados ao desemprego também se destacam na análise do período. O gráfico 3 apresenta a Taxa de Desemprego no Brasil entre os anos de 1992 e 2012. Gráfico 3. Taxa de Desemprego no Brasil. 1992-2012 Fonte: Instituto de Pesquisas Sociais Aplicadas. IPEA. Elaboração própria. 32 De acordo com o gráfico 3 pode-se observar que a taxa de desemprego no Brasil se elevou ao longo da década de 90 e apresentou queda a partir dos anos 2000. Esse comportamento pode ser explicado pelas políticas de abertura comercial e financeira dos anos 90 combinadas com a sobrevalorização do Real que provocou a desestruturação da indústria nacional e consequente queda do emprego formal. Para os anos 2000, o destaque foi para o ano de 2008, que mesmo em período de crise internacional mostrou a queda taxa, apontando 7,8% de desempregados. Quanto aos setores que apresentam maiores oportunidades, os de serviços e comércio se destacam. O conjunto representa quase 70% das vagas líquidas geradas na economia. A indústria de transformação, responsável por mais de 2.000.000 de empregos, também se destaca entre 2000 e 2008. Já o setor da construção, no início da década foi o único a apresentar saldo negativo (-7,46% em 2003). No entanto, a partir de 2004 o cenário muda e são gerados mais de 50.000 postos líquidos, mantendo a tendência de crescimento até 2008. Remy, et.al. (2011), propõe uma comparação entre o tamanho das empresas e sua capacidade de geração de empregos. Por meio de dados do CAGED, - e conforme classificação do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) – as empresas com até 19 funcionários apresentaram uma capacidade de criação de novos postos de 85% no intervalo 2000-2008. Ou seja, as micro e pequenas empresas figuram o setor mais gerador de emprego. Isto se deve muito em função do regime tributário Super Simples, que consiste na cobrança dos tributos municipais, estaduais e federais de forma unificada, e em alguns casos, as empresas são isentas de todos eles. Em segundo lugar, se destacam as empresas com mais de 500 funcionários, as consideradas de grande porte, responsáveis por 7,2% dos postos criados no período. As empresas de médio porte (as que empregam de 100 a 499 funcionários) geraram mais de 560.000 vagas, e finalmente, as empresas de pequeno porte (20 a 99 funcionários, criaram 1,7% do total de oportunidades entre 2000 e 2008. Boyadjian (2010) disserta a respeito das principais características do governo Lula partindo da questão da má distribuição de renda do país, aponta que: 33 O Brasil sempre se caracterizou por apresentar uma das piores concentrações de renda do mundo. Segundo os dados do Humam Development Report da Organização das Nações Unidas de 2004, entre os 127 países analisados no relatório, o Brasil registrou o oitavo pior índice de desigualdade do mundo, ficando atrás de todos os países da América do Sul e à frente somente de sete países africanos (BOYADJIAN, 2010, p.287) Este traço marcante da sociedade brasileira persiste ao longo da história e coloca o país nas piores posições dos rankings internacionais de medidas desses fatores. No entanto, a economia brasileira figura como um dos países mais ricos do mundo. Dessa forma, “a escassez agregada de recursos não é a explicação para os grandes contingentes de pobres encontrados no país, mas sim, a má distribuição desses recursos.” (RAMOS, MENDONÇA, 2005, p.355) Aliado a isto, há no país um enorme contingente da população em condição de extrema pobreza. O Programa Fome Zero, foi uma proposta de segurança alimentar para o Brasil, que encabeçou os demais programas de transferência de renda. Dentre eles, o mais conhecido e certamente, o “carro-chefe” da política social ou compensatória do governo, o Programa Bolsa Família (PBF). Ainda que o surgimento de tais programas resultasse da ação de outros governos, no Brasil, o único que efetivamente se destacou, foi o PBF, justamente por sua abrangência e impacto. Segundo Boyadjian (2010), as recomendações feitas pelo Banco mundial estimavam um gasto com o Programa de aproximadamente R$13 bilhões para 2015. Já em 2006, o dispêndio era de R$16,06 bilhões. O PBF é de responsabilidade direta do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Sua abrangência, em 2006, foi de 11,1 milhões de famílias pobres em quase todos os municípios. A escolha das famílias que participam do programa é feita pela classificação entre aquelas consideradas em situação de extrema pobreza (grupo em que os membros familiares têm renda per capita de até R$60,00), e as em situação de pobreza (famílias que recebem de R$60,00 a R$120,00 por membro). O limite para os pagamentos é de R$54,00 para as famílias em situação de pobreza e de R$112,00 para os considerados em situação de extrema pobreza. (BOYADJIAN, 2010, p. 300) Dessa forma, além de o programa oferecer os benefícios, ele propõe que as famílias cumpram algumas condições, como a freqüência escolar, por exemplo. No entanto, o problema da má distribuição de recursos persiste. As Regiões Nordeste e 34 Sudeste têm mais famílias beneficiadas, com o destaque para a primeira que recebe quase 50% dos recursos. O PFB contribuiu de forma relevante para a diminuição da pobreza no país, se destacou durante o governo Lula e é mantido no atual governo Dilma. O problema é que apenas os programas de transferência de renda não resolvem a questão da pobreza. Aliado a isto, seria necessária uma combinação de melhorias sociais, de reforma agrária, de educação, saúde, crescimento, como forma de tentativa do efetivo desenvolvimento. A partir da exposição dos elementos acerca da formação do mercado de trabalho brasileiro, com suas evoluções e retrocessos, o presente trabalho tratará, na próxima seção, das relações que se destacam no cenário econômico atual, resultantes dos desdobramentos do mercado de trabalho. 3. AS CARACTERÍSTICAS DO EMPREGO NO BRASIL. 3.1. Informalidade Os processos a serem abordados nessa seção, se propõem a responder parte da atual dinâmica do mercado de trabalho. A discussão sobre o problema do desemprego tem as bases nas especificidades que o país traz nas suas raízes históricas, e que não foram superadas nos dias atuais. Cacciamali (2000) aborda um tema de crescente debate na economia, principalmente na literatura latino-americana, que se sustenta a partir do processo de globalização do final do século XX. Este resulta da precarização do trabalho formal intensificada durante a década de 1990 e da pouca efetividade de políticas públicas voltadas para regularização do mercado de trabalho. A informalidade é um termo utilizado para representar a relação existente entre proprietários e trabalhadores, de pequenas e médias unidades, onde as relações capital-trabalho não são bem definidas, dando margem a distorções sociais e descumprimento das leis. Ou ainda, o setor informal são as atividades econômicas de mercado em que o proprietário exerce as funções de gestor e empregado e não há uma clara separação de funções. (CACCIAMALI, 2000, p. 155) As abordagens que apontam o setor informal, 35 A partir da categoria de empregado sem carteira assinada, ou de atividades econômicas selecionadas a priori, ou de empresas que operam com um número de pequenos empregados, ou de trabalhadores que auferem baixos rendimentos vêm recebendo críticas. (CACCIAMALI, 2000, p.155) Estas aproximações são criticadas porque, segundo a autora, não há dados estatísticos suficientes para produzir as definições para o setor. Aponta a necessidade da geração de dados primários e informações sobre os setores de atividade que contemplam as relações de trabalho e dos contratos (formais, informais ou alternativos). Além disso, as aproximações podem conduzir a interpretações errôneas sobre a real situação econômica de determinada região, por darem margem à conclusão de que os baixos salários estão presentes apenas no Setor Informal, enquanto que o problema também ocorre no Setor Formal. Ao considerar as diferentes interpretações propostas tanto pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) quanto por outros autores, Cacciamali (2000) destaca duas interpretações distintas. A primeira trata da segmentação entre empresas formais e informais, classificando-as de acordo com a variável capital. Este é resultante de um conjunto de firmas que disponibilizam de excedente de mão-de-obra urbana, e de proprietários que possuem pouco capital. Em virtude disso adotam técnicas de produção precárias que geram uma produtividade e remuneração baixas. A dualidade ocorre, portanto, pelo fato de o mercado de capitais ser imperfeito, e assim, as pequenas empresas não tem acesso e não podem investir em novas tecnologias. Já a segmentação ocorre porque essas barreiras impedem que a maioria das empresas ultrapasse a informalidade. A dualidade produz efeitos sobre o mercado de trabalho, tornando-o também dual em primário e secundário. Para combater esse tipo de segmentação, a política pública procura diminuir os obstáculos ao desenvolvimento das pequenas e micro empresas, na forma de disponibilização de linhas de crédito, de qualificação dos microempresários e criando regimes fiscais especiais (CACCIAMALI, 2000, p. 158). Esta, portanto, é uma visão estritamente microeconômica das relações sobre o setor, em que a característica fundamental é o uso de uma tecnologia obsoleta e o objetivo final das empresas é o lucro. 36 A segunda abordagem remete a ideia estrutural do Setor Informal, sob uma visão do processo histórico contemporâneo. Este enfoque parte da análise do conjunto de fatores internacionais e macroeconômicos que delimitam características como a forma de organização da produção, do trabalho assalariado e de outras formas de inserção dos trabalhadores, e mais, procura mostrar que não necessariamente os atores do setor informal buscam o lucro. Em alguns casos, o objetivo é apenas a sobrevivência. A partir da análise de relatórios técnicos do Banco Mundial, OIT (Organização Internacional do trabalho), FMI (Fundo Monetário Internacional) e CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), Cacciamali (2000), propõe uma reflexão sobre o Processo de Informalidade para o caso dos países em desenvolvimento, e mostra a insuficiência de informações sistematizadas sobre a estrutura do emprego. Nesse sentido aponta mudanças propostas por algumas políticas que vêm sendo efetivadas nestes países, e observa um elevado grau de instabilidade nas taxas de crescimento econômico e criação de emprego. Os governos latino-americanos, neste quadro de mudanças, estão implementando reformas estruturais micro e macroeconômicas, orientadas para a constituição de uma economia mais aberta e competitiva com o objetivo de readquirir o dinamismo econômico. (CACCIAMALI, 2000, p.159) Estas reformas, para o caso da América Latina, se traduzem em relações de trabalho que podem se transformar em melhores condições aos trabalhadores, em treinamentos contínuos, ou em benefícios associados. Aliado a isto se observa o trabalho em domicílio, o temporário organizado (como exemplo o da construção civil, limpeza, segurança, etc.) ou o trabalho de empresas subcontratadas diretamente na montagem de bens, na prestação de serviços, na distribuição de bens por meio do comércio de rua ou ambulante. Este quadro remete a ideia da dinâmica empresarial imposta pelas grandes empresas. Como exemplo, Cacciamali (2000), cita a Nike (indústria multinacional de materiais esportivos), que organiza sua produção em escala mundial, e com o objetivo de extrair o maior valor adicionado em cada etapa da produção impõe diferentes qualidades de relações de trabalho assalariado nos diversos países em que atua. Outro debate levantado por Cacciamali (2000) é a consideração do trabalho por conta própria. Segundo a perspectiva, este é motivado principalmente pela baixa oferta 37 de empregos assalariados e ausência de políticas públicas compensatórias; pela possibilidade de maiores ganhos em atividades que exijam menor qualificação; pela expansão das atividades de serviços; e como estratégia de sobrevivência daqueles com dificuldades de encontrar um emprego. (CACCIAMALI, 2000 p. 160) Desta forma, o Processo de Informalidade aqui apresentado refere-se à análise de mudanças estruturais da sociedade e economia que refletem nas relações de produção e na interação dos trabalhadores e instituições nesse processo. O Processo de Informalidade, portanto, pode ser apreendido por meio de seus contrastes com o setor formal, e é observado a partir das seguintes categorias: o conjunto de assalariados que foram contratados sob a legislação laboral ou da seguridade social; o conjunto de trabalhadores por conta própria e de empregadores que não exercem profissões liberais e que não dependem de mão-de-obra assalariada para o desempenho do seu trabalho; o trabalho sem remuneração; e o serviço doméstico. Os sistemas de informação oficiais do Brasil (a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios; o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -; e a PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego – da Fundação SEADE) não contabilizam os ocupados nas categorias de empregador e assalariado, com ou sem registro, aqueles que prestam serviços em unidades com até cinco indivíduos. Contudo, as duas categorias de trabalhadores predominantes no Processo de Informalidade, são: os assalariados sem registro e os trabalhadores por conta própria. (CACCIAMALI, 2000, p. 166). Quanto à determinação da renda para os assalariados das duas principais categorias acima citadas, a autora, aponta que a maior parte dos trabalhadores sem registro em carteira, tem em comum o fato de ter sido contratada à margem das regras de contrato e da organização sindical. Estes não dispõem de nenhuma garantia de renda no caso de acidente ou problemas de saúde decorrentes do trabalho, e salvo acordos não formais com os empregadores, não recebem aviso prévio, férias, horas extras e PIS/PASEP e FGTS). Não estão inclusos também, nas resoluções dos acordos coletivos e não podem ingressar no sistema do seguro-desemprego. A determinação da renda para os assalariados sem registro ocorre na conjuntura do mercado de trabalho e a demanda por este tipo de trabalho se dá em todo o cenário da empresa, mas predomina nas menores. Já a categoria dos trabalhadores por conta própria é definida principalmente pelos microempresários que objetivam se auto-empregar e geralmente são do ramo da 38 prestação de serviços. Eles dispõem de pouco capital, geralmente a produtividade é baixa – se comparada a das grandes empresas capitalistas - e os proprietários são patrões e empregados ao mesmo tempo. São atividades que requerem trabalhadores assalariados e comumente são engajados os próprios familiares. A lógica de permanência nesse mercado é a sobrevivência, ou seja, uma renda capaz de assegurar a reprodução do microempresário e a de sua família, e sem uma meta explícita de acumulação. Por fim, essas atividades se sustentam pela falta da oferta de empregos assalariados derivados do Setor Formal (CACCIAMALI, 2000, p.167) Contudo, as adversidades incorridas pelos trabalhadores por conta própria não excluem a possibilidade de que estes tenham um rendimento maior do que parcela de assalariados, que possuam características similares (idade, sexo, escolaridade, etc.) A determinação dos salários e das rendas médias depende fundamentalmente do desempenho do nível de atividade e de produtividade média da economia. A determinação dos salários envolve componentes institucionais (práticas de recursos humanos, intervenção do governo, barganha salarial, organização sindical, etc.), enquanto que a renda dos trabalhadores por conta própria depende essencialmente de sua ocupação e de renda da sua clientela, constituída fortemente por assalariados. (CACCIAMALI, 2000, p. 168) Desta forma, a demanda pelo trabalho por conta própria está associada à demanda por serviços, que se dá por meio da expansão do nível de renda. Assim, em períodos de expansão do nível de atividade, a demanda pelo trabalho por conta própria aumenta e a renda média dos trabalhadores tende a ser maior. Por outro lado, em momentos de recessão, há a diminuição da demanda e da renda média. Segundo Cacciamali (2000) a discussão acerca do Processo de Informalidade do mercado de trabalho brasileiro faz parte de um debate crescente na economia e sociedade. O fato de parte significativa dos trabalhadores pobres partirem para a informalidade – emprego sem registro em carteira, por conta própria, sem remuneração e doméstico – não resulta em uma solução para a escassez do emprego. As políticas econômicas e sociais, devem se voltar para as dimensões da questão. A regulamentação no uso do trabalho traz não só uma influência na renda de longo prazo, mas também um maior acesso da classe a diretos básicos. Dessa forma, o Estado deve desempenhar o papel de recriador de regras para a relação de assalariamento, bem como, de fiscalizador e punidor dos que as burlam. 39 Quanto à análise dos dados disponíveis e a definição de informalidade – já apresentada aqui – depreende-se que tal processo, significa a única alternativa de sobrevivência para grande parte da população, frente ao problema do desemprego latente, que se firmou nos anos de 1990. A tabela 4 apontará uma definição do grau de informalidade, oferecida no IPEADATA, a partir da razão entre os empregados sem carteira mais os trabalhadores por conta própria, pelos trabalhadores protegidos, mais os empregados sem carteira e os trabalhadores por conta própria. Dessa forma, o gráfico 4 representa o grau de formalidade das relações de trabalho, nas regiões Metropolitanas, no período de 1992 a 2012. Gráfico 4. Grau de Informalidade das Regiões Metropolitanas. Brasil 1992-2012 Fonte: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. IPEA. Elaboração própria. Como resultado do período, as taxas de informalidade das relações de trabalho se mostram aos níveis de 40%, com quedas observadas a partir de 2004. Os números podem ser explicados em grande parte, pelo incentivo dado pelo governo à criação das empresas de microporte, por meio dos benefícios proporcionados pelo Super Simples. À medida que são criados novos postos de trabalho e surgem oportunidades àqueles que estão à margem das relações sociais. 40 3.2. Precarização e Terceirização O problema do desemprego se destacou no cenário econômico-social brasileiro e tornou-se um grave problema estrutural durante os anos 90. Há argumentos que apontam que uma possível recuperação nesse sentido engloba o investimento em pequenos negócios. Para tanto, seriam necessários processos de abertura menos burocráticos desses empreendimentos, sem que fossem afrouxados os regulamentos básicos principalmente com relação às normas trabalhistas. Uma reestruturação do setor seria embasada por assistência técnica, crédito especial e tratamento diferenciado nas licitações realizadas pelos setores públicos, aliada ainda, ao treinamento e capacitação tanto de empregados quanto dos desempregados, para que os últimos possam se aproximar mais das oportunidades de trabalho. Sob o enfoque da forma das ocupações, Mattoso e Siqueira Neto (1997), avaliam as relações de mercado e de trabalho que rodeiam o atual regime de Subcontratação no país. A forma de inserção do país na globalização prejudicou além da dinâmica econômica a forma da concorrência empresarial, porque a abertura comercial não se utilizou de instrumentos de negociação ou de mecanismos de prevenção ao dumping e à concorrência desleal praticada por outros países. O aumento das inovações tecnológicas e organizacionais, que reduz a necessidade de mão-de-obra, e os altos custos externos para expandir a produção, proporcionou como saída às empresas a ação de demissão em massa. Além disso, como forma de redução de custos, a alternativa utilizada tem sido a externalização de parcelas de suas atividades produtivas. Outra medida também adotada pelas empresas nesse sentido é a de privilegiar o curto prazo e fatores de competitividade custo ou preço, em detrimento de medidas de sustentação da competitividade no médio ou longo prazos – tais como alianças, contratos de parceria, etc. (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p.15) Com isto, as grandes empresas transferiram parcelas menos rentáveis de suas atividades para empresas menores e autonomizadas, que por sua vez, contratam em condições precárias e quase sempre driblam a leis trabalhistas e tributárias. Além disso, procuram substituir cada vez mais peças e matéria-prima de produção nacional por importados. E por fim, as empresas buscam incessantes cortes de pessoal, elevação da jornada de trabalho e definem os salários por meio de méritos individuais. 41 Desta forma, o processo de terceirização e subcontratação no país se dá de forma “selvagem” ou “predatória” de concorrência entre as empresas. Estas buscavam mecanismos capazes de assegurar a competitividade frente ao mercado internacional, provocada pela abertura indiscriminada, pela ausência de mecanismos protetores, pela sobrevalorização cambial e pelos elevados juros. Mattoso e Siqueira Neto (1997) apontam que há vários motivos para empresa optar pela terceirização dos serviços. Destacam-se, principalmente, como justificativa a redução de custos 79,8%; para obter vantagem competitiva 43,3%; para reduzir riscos 20,2%. No primeiro momento, a terceirização concentrou-se na subcontratação de atividades de serviço e de apoio à produção (manutenção, restaurantes, vigilância, limpeza, etc.) passando posteriormente à subcontratação de parcelas do próprio processo produtivo (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p.16). Como exemplo, os autores trazem o caso das novas plantas de empresas fabricantes de veículos (Volkswagen Caminhões de Resende – RJ e Ford de Taboão – SP), às quais foram cedidas partes das fábricas aos fornecedores para instalação de algumas partes do processo produtivo. A Volkswagen passou a difundir um sistema conhecido como “consórcios modulares”, no qual, a empresa, em vez de investir capital próprio, aloja empresas fornecedoras em um local da fábrica e transfere a elas a responsabilidade de operação do módulo. A adoção do novo sistema garante que a Volkswagen corte metade do seu próprio investimento e que dirija o risco aos seus fornecedores, com o intuito de atingir altos níveis de produtividade. Na fábrica da empresa em Resende, no Rio de Janeiro, cerca de apenas 20% dos trabalhadores eram assalariados da empresa, e o restante estava sob a responsabilidade de oito empresas fornecedoras diferentes (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p.16). Por falta de dados concretos acerca dos aspectos da terceirização, muito em função das diferentes maneiras de subcontratação, Mattoso e Siqueira Neto (1997) apontam como principais formas: a subcontratação de indivíduos que trabalham em casa ou em atividades próprias; de pessoas que trabalham em cooperativas; de empresas que fornecem trabalhadores para exercício de atividades de apoio na empresa; de empresas que fornecem serviços fora da empresa principal; e de empresas fornecedoras que executam parcelas da atividade produtiva no interior da empresa principal, mas assumem o risco da contratação de trabalhadores. 42 Para exemplificar a forma de terceirização, mesmo com todas as dificuldades de mensuração do setor, Mattoso e Siqueira Neto (1997) citam casos mais concretos. A terceirização no setor bancário ocorre pela externalização do centro de processamento de dados, de compensação e microfilmagem de cheques, do departamento jurídico e de pessoal, bem como, de serviços de cobrança e de apoio (faxina, serviços de copa, marcenaria, transporte de valores e vigilância). Já nas empresas do setor metalmecânico no período de 1989/92 cerca de 64% subcontratavam serviços e 21% subcontratavam para a produção. Na indústria de autopeças, para o mesmo período, 42% subcontratavam serviços e 19% para a produção. A indústria metalúrgica do ABC Paulista terceirizava parte significativa das áreas de apoio, e estimava-se que cerca de 15% dos trabalhadores eram subcontratados, na segunda metade da década de 1990. Quanto aos instrumentos de subcontratação, os autores apontam que estes ganharam força no Brasil a partir da década de 1970, onde o cenário das relações de trabalho era o de total autonomia dos empregadores quanto à contratação e dispensa dos trabalhadores. Após algumas reformulações das leis que dispunham sobre o regime de trabalho, Mattoso e Siqueira Neto (1997) apontam como instrumentos de subcontratação instituídos na década de 1990: o trabalho temporário, entendido como aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender a necessidade temporária da mesma, com isto, o contratado obtém vínculo com o tomador de serviços, exceto no caso do serviço público; as cooperativas de trabalho que consistem da união de profissionais autônomos em um empreendimento e que prestam serviços à coletividade e à terceiros sem nenhuma intermediação; e por fim, o contrato de trabalho por prazo determinado, projeto de lei de 1996, o qual admite o contrato de trabalho por prazo determinado, quando previsto em convenção, que assegure o número de empregados da empresa ou estabelecimento. As questões sindicais e suas prerrogativas também são abordadas por Mattoso e Siqueira Neto (1997). A partir do reconhecimento, por meio da aquisição de uma personalidade jurídica e de autorização do Poder Público para existir, os Sindicatos tem como características principais: a capacidade de representação dos interesses da respectiva categoria; capacidade para celebrar acordos normativos; para eleger ou designar representantes de determinada categoria; para colaborar com o Estado como órgão técnico e consultivo; e capacidade de impor contribuições a todos aqueles que participassem das respectivas categorias. Além disso, os sindicatos possuem deveres, 43 como a colaboração com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social. Ou ainda, como condição de funcionamento, os sindicatos são proibidos de promover qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação. Ademais, até a constituição de 1988 - e inclusive depois dela – os Sindicatos têm como característica fundamental a dependência da disposição legal. Ou seja, “os sindicatos e as organizações empresariais possuíam estruturas absolutamente iguais” (MATTOSO, SIQUEIRA NETO, 1997, p.25). Dessa forma, mesmo com todas as modificações trazidas pela instituição dos sindicatos, resultantes das considerações feitas pela constituição de 1988, Mattoso e Siqueira Neto (1997) apontam que os sindicatos continuam com pouca representação no local de trabalho e que as ações centrais sindicais continuam sem reconhecimento jurídico. Além disso, o mercado de trabalho brasileiro preserva suas características antidemocráticas, enraizado nas questões de flexibilização e precarização das condições de trabalho. Os instrumentos de subcontratação se mostram característicos dessa forma deficiente das relações do processo. O mercado e as relações de trabalho não tendem a gerar situações dignas entre as empresas e os trabalhadores. Pelo contrário, os contratos de terceirização são feitos de forma unilateral pelas empresas e embasados pela legislação, favorecendo a ruptura do processo produtivo das empresas e ampliam a desigualdade entre os trabalhadores. Aliado a isto, os trabalhadores terceirizados tendem a ser subcontratados por seguimentos que não contam com a ação dos sindicatos. Dessa maneira, tais trabalhadores são obrigados a recorrer à Justiça do Trabalho para corrigir fraudes e arbitrariedades cometidas pelas empresas, o que pode demorar até cinco anos para ser resolvido. 3.3. Escolaridade e Emprego A ideia da associação do nível de escolaridade às oportunidades de emprego traz importantes contribuições para o debate sobre o mercado de trabalho brasileiro. Para Pochmann (2004), o Brasil apresentou uma melhora significativa nos seus índices educacionais ao longo dos anos 90. Aliado a isto, a expectativa de vida da população também elevou-se, dado as mudanças tecnológicas, bem como, inovações na área da saúde, que contribuíram para a alteração das condições de vida dos jovens. 44 Paralelamente, os níveis de desemprego aumentaram, assim como a precariedade, o sobretrabalho, e a deterioração dos níveis de renda. Dessa forma, desenhou-se no período uma crise do desenvolvimento econômico brasileiro e desigualdade de renda se acentuou de forma considerável. Assim, o Brasil terminou afastando-se das oportunidades de assimilação das tendências potencialmente positivas da sociedade do conhecimento, posto que se caracteriza cada vez mais como uma sociedade de baixos salários voltada à exportação de bens primários (agronegócios) e de consumo ostentatório de serviços pessoais de poucas famílias ricas. (POCHMANN, 2004, p.385) Quanto à escolaridade, as taxas de desemprego se elevaram justamente à parcela da população com mais anos de escolaridade entre 1992 e 2002. Para os trabalhadores com mais de 14 anos de estudo, o desemprego cresceu 76,9%. Isto corresponde a um aumento 3 vezes maior do que o número referente àqueles com até 3 anos de estudo. (POCHMANN, 2004, p. 387) Outro aspecto importante apontado por Pochmann (2004) se refere à análise da qualidade dos empregos e a posição social do trabalhador. Para os dados de 2002, os grupos com renda maior apresentaram taxas de desemprego menores quando a escolaridade estava na faixa entre 9 e 15 anos de estudos. Por outro lado, na classe baixa, quando se eleva a escolaridade, cresce o desemprego. Este cenário mostra que as melhores oportunidades são reservadas às parcelas mais ricas da sociedade, agravando ainda mais o preconceito de classe, e o racial. Quanto ao nível da renda média, até mesmo os segmentos com curso superior sofreram com a sua queda. “A renda média desse grupo caiu 35% no período 19922002, pouco abaixo do verificado para os analfabetos (-39%).” (POCHMANN, 2004, p. 389) Dessa forma, segundo o autor, nota-se que a elevação do nível de escolaridade assegurou uma renda maior que nos estratos educacionais inferiores, mas não garantiu o acesso ao emprego e nem uma proteção contra a precarização e deterioração dos níveis de renda em cada estrato. “Transformar este círculo vicioso numa relação virtuosa é o grande desafio da sociedade brasileira.” (POCHMANN, 2004, p. 389) Segundo Remy et.al. (2011), durante os anos 2000, praticamente não houve criação de postos de trabalho para pessoas que completaram até a oitava série, as 45 oportunidades foram direcionadas, em sua maioria, àqueles com o nível médio. Este número foi também maior que os empregos destinados aos trabalhadores com ensino superior. Os profissionais com mestrado e doutorado, provavelmente redirecionaram-se para o regime estatutário, por oferecer mais postos a esse tipo de profissional. Isto pode ser explicado, pelos salários oferecidos nas oportunidades criadas. Como visto, a grande maioria da população recebe um salário mínimo, e a concentração da renda acima desse patamar está essencialmente nas regiões Sul e Sudeste. No conjunto, Remy (2011) aponta que a tendência foi de crescimento do nível de emprego para os trabalhadores com o nível médio de instrução que apresentou 56,8% do total de vagas para o período. Quanto à distribuição do rendimento, quase 68% dos trabalhadores recebem entre um e um e meio salários mínimos. Apenas a região Sudeste criou oportunidades que remunerassem mais de dois salários mínimos. Nas demais regiões a precarização é maior, no Norte e Nordeste, por exemplo, a faixa salarial registrada é de meio salário mínimo. Depreende-se que o mercado de trabalho brasileiro evoluiu entre os anos de 2000 e 2008, no sentido da formalização das relações. Estas resultam, em boa parte, das terceirizações e da vigência do Super Simples que incentivaram a criação de empresas de microporte, que como visto, são as maiores geradoras de postos de trabalho no período em questão. Em lugar de destaque, também se apresentam as empresas de grande porte, como segundo lugar na criação destes. (REMY, et.al. 2011, p. 75) Dessa forma, ainda que no período tenham sido criados um número considerável de novos empregos, a forma das relações entre estes e os trabalhadores é precária. Não há um mercado capaz de oferecer oportunidades aos altamente escolarizados, e à grande maioria resta a aceitação de salários baixíssimos e condições de trabalho inconsistentes. Nesse sentido, ação do Estado se faz indispensável para a criação de uma política industrial que moldasse melhores formas para o trabalho. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve por objetivo trazer as características básicas do mercado de trabalho brasileiro, a partir do levantamento bibliográfico das questões que embasaram a formação do mercado de trabalho brasileiro, ainda no período colonial, até 46 os anos 2000, bem como, da pesquisa de alguns dos dados mais recentes, disponibilizados pelos órgãos oficiais de dados sobre a economia e o emprego. A partir da análise das questões levantadas, depreende-se que a constituição do mercado de trabalho livre no Brasil, se deu de forma tardia, (se comparada às relações de trabalho em economias desenvolvidas) e que as suas bases inspiradas nos traços de desvalorização e precarização das relações trabalho são resultantes de uma sociedade que preza pela segregação social e racial, e que se apresenta como um dos países com maior nível de concentração de renda do mundo. Dessa forma, mesmo com os avanços relacionados a melhorias das relações entre empregado e empregador (como aquelas obtidas por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT; ou ainda, com a evolução percebida durante os anos 90), notase que as medidas políticas e econômicas não se voltaram para a formulação de um mercado de trabalho eficiente, provocando a expulsão dos trabalhadores do mercado de trabalho formal (principalmente da indústria). Isto deu margem à criação de relações informais de trabalho, e à precarização e terceirização. Aliado a isto, o mercado de trabalho brasileiro não responde a demanda por empregos de uma sociedade que cresce demograficamente (por conta do aumento da expectativa de vida da população), e mais, não é capaz de gerar postos à grande parte daqueles se concluem mais anos de escolaridade. Portanto, ao contrário do que se espera, quando o indivíduo dos estratos mais baixos da sociedade completa mais anos de estudo e busca uma oportunidade compatível com sua formação, se depara com um mercado de trabalho elitista e que separa as melhores vagas (aquelas com os salários mais altos, e que asseguram os direitos e benefícios dos seus empregados) aos detentores de maior renda e riqueza. A observação deste cenário mostra a carência medidas eficazes em prol do desenvolvimento do país. A falta de mecanismos que legitimam a relações de trabalho atrasa o crescimento econômico e distancia o Brasil ainda mais da superação do cenário. As economias que resguardam os preceitos das disparidades sociais apresentam poucas chances de emergir da condição de subdesenvolvimento. As alternativas estão nas decisões de medidas a serem tomadas pelo Estado. 47 5. REFERÊNCIAS ANTUNES, R.; POCHMANN, M. Dimensões do Desemprego e da Pobreza no Brasil. ©INTERFACEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.3, n.2, Traduções, abr./ agosto. 2008 www.interfacehs.sp.senac.br BALTAR, P. E. A.; KREIN, J. D.; MORETTO, A. Tendências Recentes do Emprego. O emprego formal nos anos recentes. Publicação quadrimestral do CESIT n.3 – Janeiro a abril de 2006. BALTAR, P. E. A. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, (6): 75-111, jun. 1996. BOYADJIAN, A. Os programas de transferência de renda no Brasil no período 1992 a 2007 in Marques & Ferreira. O Brasil sob a nova ordem: uma análise dos governos Collor a Lula. São Paulo: Saraiva. 2010. CACCIAMALI, M. C. Globalização e processo de informalidade. Economia e Sociedade, Campinas, (14): 153-174, jun. 2000. DEDECCA, C. S. Notas sobre a Evolução do Mercado de Trabalho no Brasil. Revista de Economia Política, vol. 25, nº 1 (97), pp. 94-111, janeiro-março/2005. DEDECCA, C. S.; ROSANDISKI, E. N. Tendências Recentes do Emprego. Enfim, esperança de réquiem para a tese da “inempregalidade”. Publicação quadrimestral do CESIT n.3 – Janeiro a abril de 2006. DIEESE. Principais conceitos da pesquisa de emprego e desemprego (PED). Metodologia. Disponível em: <www.dieese.org.br/metodologia/metodologiaPed.htm> . Acesso em 27 jan. 2014. 48 GIAMBIAGI. F. et. al. Rompendo com a Ruptura: O governo Lula (2003-2004). In Giambiagi e.t al. Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. – 10° Impressão MATTOSO, J. E. L.; SIQUEIRA NETO, J. F. O Trabalho em Regime de Subcontratação no Brasil. Cadernos do CESIT, Campinas, n.24, set. 1997. MATTOSO, J. E. L.; BALTAR, P. E. A. Transformações estruturais e emprego nos anos 90. Cadernos do CESIT nº 21, outubro de 1996. MOREIRA, M. J. Mercado de trabalho e subdesenvolvimento no Brasil no final do século XX: Considerações sobre a desestruturação do mercado de trabalho brasileiro. REU, Anápolis (GO), vol. 1, nº 1, JUL/DEZ-2005. POCHMANN, M. Educação e Trabalho: Como desenvolver uma relação virtuosa?. Educ. Soc,. Campinas, vol.25, n.87, p. 383-399, maio/ago. 2004. Disponível em <HTTP://www.cedes.unicamp.br> ______. Tendências recentes do emprego. Qualidade das ocupações no Brasil. Publicação quadrimestral do CESIT. Campinas: n. 3 – janeiro a abril de 2006. ______. Velhos e novos problemas do mercado de trabalho no Brasil. Fundação de Economia e Estatítica. FEE, 1998 - revistas.fee.tche.br. RAMOS, L; MENDONÇA, R. Pobreza e desigualdade de renda no Brasil. In Giambiagi et al. Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. – 10° Impressão. REMY, M. A.; QUEIROZ, S. N.; SILVA FILHO. L. A. Evolução recente do emprego formal no Brasil: 2000-2008. Revista da Associação Brasileira de Estudos de Trabalho (ABET). FEA/SP. São Paulo: Volume X – n.1 – Jan./Jun. 2011. SCHNEIDER, A. L. O perfil setorial do emprego brasileiro nos anos 90. Versão revisada da monografia intitulada Uma Análise do Emprego no Brasil dos Anos Noventa. 1999. 49