Intervenção na Conferência Racismo, Integração e Mobilidade: Uma
questão de Direitos Humanos
Painel As próximas eleições Europeias: Que Europa queremos?
Fechada ou aberta à mobilidade humana
21 de Março de 2014
Centro de Congresso de Angra do Heroismo
Presidente do Grupo Parlamentar do PS Açores, Berto Messias
AGRADECER CONVITE DA ORGANIZAÇÃO
CUMPRIMENTAR COLEGAS DE PAINEL
CUMPRIMENTAR PRESENTES
O tema da mobilidade humana na União Europeia tem, pelo menos,
três vetores que devem merecer a nossa atenção:
1 - Um que resulta da relação dos Estados Membros com nacionais
de Estados terceiros, vulgarmente denominado de política de
imigração e, que pese embora as inúmeras tentativas para a
edificação de uma política de imigração comum, ainda não teve a
adesão esperada por parte dos Estados Membros;
2 - Em segundo, a mobilidade interna que visa a livre circulação de
pessoas e que se consubstancia na possibilidade dos cidadãos
europeus terem livre acesso ao mercado de trabalho de qualquer
Estado membro – Referência ao Espaço Schengen;
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3 - Por último, a cidadania europeia, a ideia de cidadão europeu que
preside, ou deveria presidir, a todos estes movimentos e que é uma
das principais razões de ser do projecto europeu. Como sabem a
Cidadania Europeia foi formalmente consagrada num Tratado
Europeu em 1992, no Tratado de Maastricht, onde foram
consagrados direitos e deveres dos cidadãos no quadro europeu;
No fundo, a temática que nos pedem para abordar neste painel Que Europa queremos? Fechada ou aberta à mobilidade humana?,
prende-se com os valores que presidiram à fundação do projecto de
construção europeia, tal como se verificava na Declaração de
Schuman em 1950, que representa o momento formal de
lançamento da comunidade, ou do pensamento de Jean Monnet, ou
das afirmações de Winston Churchill quando defendia os Estados
Unidos da Europa.
Os primeiros passos de criação de uma comunidade europeia
surgem num quadro muito difícil, com um continente semi-destruido
pela 2ª Guerra Mundial, a precisar de ser reconstruido e pacificado
e onde a Paz e a estabilidade democrática eram grandes
preocupações. Mas já na altura, os princípios que presidiram ao
início da construção europeia eram assentes em questões que
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perspectivavam, no medio prazo, uma mobilidade de pessoas e
bens dentro de um espaço comunitário o mais alargado possível.
Como sabem, as primeiras comunidades europeias do pós-2ª
Guerra Mundial tinham uma forte dimensão económica como a
CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – 1951 e como
a CEE - Comunidade Económica Europeia – 1957, mas alem dessa
dimensão económica tinham uma clara agenda política de
unificação e pacificação do espaço europeu, onde a democracia, a
mobilidade, a abertura de fronteiras e um espaço comunitário
comum eram já uma preocupação.
É, portanto, dentro destes princípios ideológicos que a União
Europeia se deve posicionar no mundo. Como um repositório de
boas práticas políticas e sociais, na defesa de um modelo social
europeu, mais solidário, mais preocupado com a coesão social e
com o emprego.
Dentro destas a forma como lidamos com cidadãos de Estados
terceiros merece destaque. A União é o projeto Europeu mas é
também um espaço de liberdade e de democracia que alicerçado
no Estado de Direito pretende ter significado global.
A União Europeia tem pouco menos de 10 por cento do número
total de migrantes internacionais, o que contrasta com o Canadá,
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onde 21.3 por cento de sua população nacional são NPTs (naturais
de países terceiros), e com os Estados Unidos, onde o número
chega a 13.5 por cento.
Pouco menos de 45 por cento dos migrantes internacionais no
mundo residem na UE ou na América do Norte. Os três países de
onde mais se originaram migrantes para a Europa em 2011 foram
Turquia (cerca de 2.4 milhões de pessoas), Marrocos (cerca de 1.8
milhões) e Albânia (perto de 1 milhão),respetivamente. Usando o
Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, 47 por
cento dos migrantes da União Europeia vem de países com alto
IDH, 46 por cento de países com IDH médio e cerca de 7 por cento
de países com baixo índice (CEC, 2012:3).
Ou seja, apesar da percepção que por vezes temos devido a
mediatização dos casos de Lampedusa, por exemplo, a Europa não
atrai imigrantes apenas de países com baixo IDH, mas sim muita
gente de grandes qualificações que entende vir trabalhar, estudar,
etc…para a Europa.
Apesar de alguns avanços, a política comum de imigração ainda é
um projeto em construção e não se tem desenvolvido à velocidade
que desejamos. Isto é influenciado, maioritariamente, por dois
fatores:
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1 - Pelo movimento securitário pós 11 de Setembro;
2 - Pelas vagas de imigrantes oriundos da África sub sahariana que
tentam chegar à Europa por via marítima, em condições infra
humanas, atravessando o estreito da Sicília no Mediterrâneo
colocando sob grande pressão as autoridades Italianas e
Espanholas que têm enormes dificuldades em lidar com a chegada
massiva de refugiados, por outro;
Na verdade, a política de fronteiras é responsabilidade de cada
Estado Membro. Itália e Espanha têm lidado quase sozinhos com a
situação, tendo em conta a sua proximidade geográfica com África
– referência a Lampedusa.
O certo é que a dificuldade destes Estados Membros em lidar com a
situação coloca em tensão valores que são direitos fundamentais.
Foi, ainda recentemente, o caso de um incidente em Ceuta em que
autoridades espanholas atiraram balas de borracha sobre uma
embarcação de imigrantes ilegais, sendo acusadas por ONG´s de
ter provocado o pânico a bordo o que teve como consequência 14
mortes. A este propósito a Comissária Europeia do Interior a Liberal
(do PPE) Cecilia Malmström emitiu uma nota ameaçadora para
Espanha afirmando que "Como guarda dos tratados, a Comissão
Europeia reserva-se o direito de dar os passos adequados, se
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houver provas de que um Estado membro viola legislação
europeia". No entanto acabou por admitir que devem ser os
Estados europeus a controlar as suas fronteiras, acrescentou ainda
que esse controlo deve exercer-se de forma “proporcional com os
objetivos pretendidos" e "de acordo com o respeito pelos direitos
fundamentais e a dignidade humana".
Na verdade, há uma pressão de Itália e Espanha para que seja
revista a Convenção de Dublin II no sentido de restringir o acesso
ao estatuto de refugiado e, não tem havido, uma resposta
suficientemente empenhada da maioria liberal europeia que se
focaliza nas questões económicas e financeiras deixando para trás
as questões humanitárias e imigratórias.
Há, por conseguinte, a este nível um desafio de monta colocado
aos cidadãos europeus aquando das próximas eleições para o
parlamento europeu.
Acreditamos que uma composição com maior representação da
esquerda, da social-democracia europeia, em detrimento da forte
tendência liberal dominante, contribuirá, certamente, para políticas
mais orientadas para as questões humanistas e para a amenização
destes graves dramas humanos.
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Se é certo que há um caminho a percorrer quanto à política de
imigração europeia também quanto à mobilidade interna - livre
circulação de trabalhadores –ainda há alguns problemas a
considerar.
Cerca de 2,3% dos cidadãos da UE (11,3 milhões de pessoas)
residem num Estado-Membro que não aquele de onde são
nacionais.
Segundo um inquérito Eurobarómetro, 10% dos inquiridos na UE-27
responderam que, no passado, haviam vivido e trabalhado noutro
país, ao passo que 17% declaram a pretensão de, futuramente,
fazer uso da liberdade de circulação.
São dados que denotam que o fluxo de migração de trabalhadores
não registou valores elevados, visto que a deslocação de empregos
para um novo país acarreta outras condições que os trabalhadores
têm de observar.
Uma questão que quando analisada com mais pormenor, resulta de
outras condicionantes como são problemas relacionados com a
mudança de culturas, ajustamento a novas línguas e afastamento
das
famílias,
aos
quais
acrescem
ainda
outros
entraves
relacionados com o gozo do pleno exercício da livre circulação.
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Neste sentido, a Comissão Europeia apresentou a comunicação
intitulada "Reafirmar a liberdade de circulação de trabalhadores:
direitos e principais desenvolvimentos", onde expôs uma visão
muito clara da situação que se vive atualmente.
Na verdade, a questão da migração de trabalhadores na União
Europeia é desde há muito entendida como um problema
potencialmente causador de desequilíbrios a nível nacional em
termos de escassez de oferta de mão-de-obra, bem como de
repercussões nas negociações coletivas e salários nos países de
acolhimento.
Embora a noção de "livre circulação de trabalhadores" tenha sido
apresentada nos Tratados como garantia de realização do mercado
único, e de reforço de uma verdadeira identidade europeia, os
Estados-Membros têm o direito de manter entraves provisórios
durante períodos de transição em termos de abertura do mercado
de trabalho a novos Estados-Membros.
Do ponto de vista histórico, o receio centra-se em dois aspetos
principais:
1) Grandes afluxos de imigrantes de países mais pobres para os
países mais prósperos, com a perda de postos de trabalho dos
cidadãos nacionais dos países de acolhimento, ou,
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2) Num cenário mais positivo, uma descida dos níveis salariais.
No entanto, estudos recentes demonstraram que estes receios
nunca se concretizaram e que, pelo contrário, a migração de
trabalhadores teve efeitos benéficos para a UE no seu conjunto.
As razões deste resultado devem-se a uma convergência natural da
procura
e
da
oferta
de
trabalho,
em
que
determinadas
oportunidades de emprego que não eram preenchidas pelos
cidadãos
nacionais
foram
aproveitadas
pelos
trabalhadores
migrantes. Neste caso, o valor acrescentado para o bem-estar
líquido da UE foi evidente, já que deixaram de existir postos de
trabalho vagos e quedas nas taxas de produtividade dos EstadosMembros, para além de um aumento do rendimento para os
trabalhadores que optaram por prestar os seus serviços noutro
Estado-Membro.
Acresce ainda que a migração de trabalhadores ilegais diminuiu,
uma vez que deixaram de existir incentivos à infração da lei e se
notaram sinais claros de tendências de integração nas sociedades
de acolhimento.
No entanto, alguns acontecimentos dos últimos tempos apresentam
importantes desafios e exigem esforços redobrados das instâncias
europeias sobre esta questão. Note-se os bons indicadores que os
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partidos de extrema direita ou euro-cépticos conseguem em várias
sondagens internas, como é o caso da Frente Nacional da família
Le Pen, em França;
Note-se o que se passou recentemente no referendo na Suiça que
cria mais restrições à entrada de mão de obra estrangeira e quando
digo estrangeira refiro-me a outros países europeus;
Note-se as movimentações crescentes da extrema direita europeia,
que já demonstraram intenção de criar uma Federação de Frentes
Nacionais de extrema direita e criar um grupo no parlamento
europeu;
Ainda ontem, quando preparava esta comunicação, via a noticia do
discurso de Geert Wilders, líder do PVV da Holanda, partido de
extrema direita populista que lidera as sondagens para as europeias
naquele País, que incitava ao ódio racial quando perguntava à
assistência “se querem menos marroquinos na Cidade, nós
trataremos disso”. Ora tratando-se da Holanda, um pais conhecido
pela tolerância e pelo multiculturalismo, e tendo em conta a
liderança das sondagens, há claros sinais de preocupação que
devem ser acautelados;
Portanto, neste âmbito da mobilidade e das questões laborais
dentro da Europa, os desafios são imensos para contrariar esta
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tendência crescente da extrema direita que, com a degradação da
situação económica e social, usa uma estratégia de alarmismo
quanto à segurança dos postos de trabalho dos cidadãos nacionais.
Outra questão também importante:
No cimo desta construção da política de mobilidade europeia está a
cidadania europeia. “Ser Europeu” que como sabemos é uma outra
dimensão de cidadania. Não afasta a cidadania originária
manifestando-se, por isso, numa outra dimensão nem sempre fácil
de descortinar.
O
significado
de
“ser
europeu”
encontra-se
associado
à
identificação de uma herança cultural de raiz humanista-cristã que
incide no desenvolvimento de valores universais tais como a
inviolabilidade dos direitos humanos, a liberdade, a democracia, a
igualdade, o primado da lei e a abertura à cultura, ao conhecimento
e ao progresso.
Por outro lado, as reflexões de vários autores e intelectuais
integram igualmente uma ideia de cariz mais filosófico sobre a
“europeidade” tender a pôr em relevo os valores referidos.
A par das definições teóricas, é possível ainda identificar um amplo
conjunto de iniciativas institucionais cujo objetivo passa tanto pelo
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apoio como pela difusão dos aspetos mais significativos do projeto
europeu. É neste sentido que a União desenvolve vários programas
culturais e científicos, estabelece comemorações públicas, fixa
datas de relevância para a Europa e organiza outras atividades de
diversa natureza.
Entre os símbolos que atualmente representam a União podem
incluir-se a moeda única, a bandeira, o hino europeu, programas
universitários como Erasmus, Sócrates e Madame Curie, festivais
de cinema e teatro, prémios (Carlomagno), matrículas de carros, um
formato único de passaporte e a designação do dia 12 de Maio
como o Dia da Europa.
Todos sabemos que para “criar europeus” importa valorizar a
educação formal transmitida pelas escolas, comum a todos os
países, que inclua nos currículos a história e a cultura da Europa.
Se este foi e continua a ser um método eficaz na educação de
cidadãos nacionais, certamente terá uma influência social mais
alargada do que a própria dinâmica socializadora derivada da
mobilidade geográfica.
Por outro lado, o número de casamentos bi-nacionais entre
europeus tem vindo, paulatinamente a aumentar, o que, a médio e
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longo prazo, poderá contribuir para a interiorização de uma
consciência “mais” europeia numa geração futura de cidadãos
A identidade europeia ainda é, atualmente, um sentimento difuso e
abstrato quase exclusivamente vivido como complemento da
identidade nacional. Tal como acontece com a integração social
europeia, as afinidades dos cidadãos com a Europa ainda não são
capazes de gerar comportamentos e mobilizações coletivas
comparáveis àquelas exibidas no plano nacional.
No entanto, é no plano europeu que muitas das questões que
influenciam as nossas vidas serão decididas. Não é, por
conseguinte, de todo indiferente para a nossa vida o resultado das
próximas eleições para o parlamento europeu. Ainda mais porque
de acordo com o Tratado de Lisboa, passou a competir ao
Parlamento Europeu a eleição do novo presidente da Comissão, por
proposta do Conselho Europeu, tendo em conta os resultados das
eleições. A composição do parlamento será decisiva para que a
Europa possa seguir um novo rumo e vencer os desafios. A
Esquerda europeia apresenta como candidato a Presidente da
Comissão Martin Shultz uma personalidade de reconhecida
credibilidade e um adversário da austeridade como panaceia para
todos os males.
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Assim, votar no próximo dia 25 é importante e poderá fazer a
diferença. Apoiar a alternativa é escolher um novo rumo para
Portugal e para a Europa. Já todos percebemos que, nos últimos
anos, a Europa deixou-se cristalizar. Os liberais do PPE não foram
capazes de construir uma Europa para todos.
Nos últimos anos a Europa deixou de ser um referencial de boas
práticas políticas e sociais. As próximas eleições poderão voltar a
colocar o projeto europeu no rumo certo. Na construção de uma
Europa para todos.
Uma Europa menos monetarista e mais social. Mais preocupada
com o emprego e com a coesão social e menos refém da divida e
dos Mercados. Não defendemos que as dividas contraídas pelos
Estados não tenham de ser pagas. Mas isso não pode ser o centro
das atenções e a prioridade das prioridades. A austeridade imposta
aos cidadãos em nome dessa divida está a matar os princípios de
construção europeia e a provocar fortíssimas instabilidades como
as que referi há pouco.
Precisamos de uma nova abordagem, com coragem e que faça
diferente. Que reestruture as dividas, dê mais tempo aos Estados e
com regras mais justas. Por exemplo, regras que impeçam o que
acontece actualmente em que os valores emprestados aos Bancos
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têm taxas brutalmente mais baixas que as taxas impostas aos
Estados. Se isto não mudar, a Europa, a moeda única e a União
serão projectos falhados. É por isso que estas eleições europeias
são a grande oportunidade de inverter esta situação.
Nos Açores, não podemos achar ou acreditar que estamos longe
dessa realidade europeia. O que se passa nos corredores de
Bruxelas e de Estrasburgo tem grande influência na nossa vida
quotidiana, enquanto Região. Isso verifica-se em variadíssimas
matérias, mas também quanto à questão que aqui discutimos, a
mobilidade e a integração. Aqui, os Açores têm de ser grandes
defensores dessa mobilidade, da entrada de estrangeiros e de
promoção e inclusão desses povos na nossa sociedade. Qualquer
outra postura seria até renegar a nossa história, tendo em conta a
elevadíssima emigração de açorianos espalhados pelo mundo.
É isso que continuaremos a defender, convictamente.
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intervenção na integra de berto messias