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O Caderno de Teatro é uma seleção de artigos
e entrevistas com artistas que nos últimos anos
participaram do Festival Palco Giratório no Arte Sesc
– Cultura por toda parte. Sua edição desempenha
um papel fundamental na difusão de conhecimento.
Nas páginas que seguem, apresentamos um
artigo repleto de depoimentos sobre os inúmeros
encontros do Odin Teatret com artistas de
Porto Alegre ao longo de 25 anos, além de um
quadro completo sobre a passagem do grupo pelo
7º Festival Palco Giratório, realizado em maio.
Por Patricia Furtado de Mendonça
atriz, professora, tradutora e consultora de projetos teatrais
Odin Teatret
e
Porto
Alegre
histórias, influências e reflexões
sobre o fazer teatral
1987-2012
Fotos: Claudio Etges
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1 As entrevistas filmadas foram feitas por mim com Irion Nolasco e Alexandre Vargas em maio de 2012, durante o 7º Palco
Giratório. Os outros depoimentos me foram enviados por email por todos os outros artistas e estudiosos acima citados, entre
maio e junho de 2012.
2 Richard Fowler, Ulrik Skeel, Lena Bjerregård e César Brie (Iben Nagel Rasmussen não pôde participar das atividades do Rio de
Janeiro, pois estava com hepatite).
trabalho do ator, a qual era orientada
que conduziria, no Rio, um seminário para direto-
pelos professores Irion Nolasco e Maria
res, em outubro de 1987 ele faz as malas e volta
Lúcia Raymundo. Barba estava desem-
à cidade, buscando uma maior aproximação com
barcando no Brasil e, segundo Irion, era
o criador da Antropologia Teatral. De Porto Alegre
preciso que fôssemos ao seu encontro,
também parte Maria Helena Lopes, fundadora do
pois sua pedagogia seria fundamental.
grupo TEAR e que também foi professora do DAD
Naquela época, eu havia estabelecido
da UFGRS. Os dois participam deste seminário
com Irion e Maria Lúcia uma relação
histórico, frequentado não só por diretores, mas
de mestre e discípulo e, como um bom
também por atores e críticos teatrais de vários
aprendiz, aceitei a indicação sem ques-
estados do Brasil. O seminário desperta opiniões
tionar, pois acreditava que um mestre
muito contraditórias, como nos conta Irion:
vem a você com um barco e lhe diz,
Premissa
sentido do teatro (e do “teatro de grupo”) hoje, em
Primeiros contatos
É possível narrar uma história sem ser parcial?
Porto Alegre e no mundo.
Logo em seguida, outros estudiosos e artis-
“Vem! Se deseja ir para a Costa Doura-
Sim, foi um momento muito crítico. [...]
O Odin Teatret, grupo dinamarquês fundado por
tas de Porto Alegre partem para o Rio de Janeiro
da, eu o levarei. Além disto, uma vez no
Eu me comovo com o Barba. Ele proce-
Acho que não. Por isso, na tentativa de ser o mais
Insisto: meu objetivo aqui não é fazer análises
Eugenio Barba em 1964, após ter percorrido
com vontade de saber mais sobre o Odin. A inicia-
meu barco, você poderá cantar, dançar
deu de uma maneira que só poderia ser
imparcial possível, tento aqui dar voz a diferentes
ou críticas, mas simplesmente costurar memórias.
diversos países europeus e latino-americanos,
tiva foi de Irion Nolasco e Maria Lúcia Raymundo,
e até dormir, mas eu o levarei à meta
de um mestre, só poderia ser dele. Lá
estudiosos e artistas do Rio Grande do Sul, mais
São apenas os tijolos de base.
chega ao Brasil pela primeira vez em 1978, quando
sua esposa, ambos professores do Departamento
em segurança”. Bárbaro!!!! Vamos nos
estavam vários astros de TV, artistas do
os atores Roberta Carreri e Francis Pardeilhan
de Arte Dramática (DAD) da Universidade Federal
inscrever nas oficinas. É claro que não
Rio que já trabalhavam há anos dentro
especificamente de Porto Alegre, que ao longo
Agradeço profundamente a disponibilidade e
desses 25 anos encontram o Odin Teatret em
a generosidade de todos os que estão aqui comigo
passam dois meses em Salvador estudando
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eles estimulam
fomos selecionados, pois éramos, tal-
daquele mesmo “esquemão” e com uma
diferentes geografias, no Brasil e no exterior.
para “contar essa história”, escondidos ou revelados
capoeira e dança dos orixás: preparam-se para o
seus alunos a partirem com eles para o Rio. Lá,
vez muito jovens, inexperientes e ainda
modéstia mínima. Eles chegavam, abriam
espetáculo O Milhão.
assistem ao espetáculo Esperando o Amanhecer
imaturos. Mas, mesmo assim, fomos, de
a porta e iam entrando. Então, um dia,
Em 1987, Barba vem duas vezes ao Brasil em
e seguem a Parada de Rua com alguns dos atores
ônibus, rumo ao Rio de Janeiro, em busca
o Barba disse: “Não, não é assim. Vocês
Os territórios, por si só, não determinam a
nestas entrelaçadas linhas: Irion Nolasco, Maria
História, nem as histórias. Digo isso porque a relação
Lúcia Raymundo (in memorian), Nair D’Agostini,
entre o Odin Teatret e Porto Alegre é toda feita de
Jezebel de Carli, Tatiana Cardoso, Gilberto Icle,
turnê. Da primeira vez, entre maio e junho, passa
do Nordisk Teaterlaboratorium[2]. Jezebel de Carli
de algo. Sim, encontramos algo, muito
não podem ir chegando. Sabem que exis-
atravessamentos, de viagens. É puro movimento.
Alexandre Vargas, Jane Schöninger, Lucas Sampaio
por Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Profes-
– atriz, professora e diretora da Santa Estação Cia.
maior do que a nossa expectativa pudes-
te um horário de chegada. Então vocês
Uma história que vai se construindo sobretudo
e Álvaro Rosa Costa. Ao fim deste artigo, também
sores e artistas do Rio Grande do Sul partem para
de Teatro –, que faz parte da caravana, em um
se supor. O encontro com a tradição do
têm que obedecer a este horário”. Foi uma
fora dos próprios confins: uma professora que vai
encontraremos uma carta-depoimento de Priscila
o Sudeste para seguir as atividades do Nordisk
texto intitulado Contaminação Sorrateira: Encon-
Odin foi como um presente que como-
revolta geral. [...] Criticavam a firmeza, a
encontrar o grupo em São Paulo, outros professores
Duarte, que não é de Porto Alegre, mas participou
Teaterlaboratorium. Nair D’Agostini, que na época
tros com o Odin, nos conta:
veu a alma e provocou um pensamento.
exigência e a disciplina. Muitas daquelas
e alunos que os seguem no Rio, artistas que partem
da residência artística com o Odin no último Palco
era professora da Universidade Federal de San-
Assim, pensei: é dessa forma que quero
pessoas não se davam bem com isso, não
para Londrina ou Holstebro. Muita gente foi ao
Giratório da cidade. Um destaque especial vai para
ta Maria (UFSM), participa das atividades de São
Era o ano de 1987. Eu era uma jovem es-
fazer teatro!!!! Com ética, treinamento,
sabiam como fazer. Porque no teatro bra-
encontro do Odin fora de casa, mas para depois
a contribuição da atriz do Odin Julia Varley, que nos
Paulo e Campinas: segue um workshop com o ator
tudante de teatro. Tinha vinte e poucos
coragem, entrega, disciplina, pelo corpo,
sileiro, você sabe, parece que você nasceu
voltar e compartilhar conhecimentos, saber. Para
presenteia com uma lúcida reflexão sobre os desafios
Richard Fowler e um curso sobre a Antropologia
anos e uma vontade imensa de mudar,
com continuidade, curiosidade, perseve-
ungido por alguma entidade, e aí isso te
transmitir. E é assim que tem início a história entre
encontrados pelo jovem de hoje para adquirir as
Teatral conduzido por Barba, além de assistir aos
mover. Acreditava no teatro como uma
rança e apaixonamento.
dá o dom do teatro. E não é isso. É um
o Odin e Porto Alegre – “fora de casa” – até que
ferramentas necessárias ao ofício do ator, para fazer
espetáculos Matrimônio com Deus, com César Brie
possibilidade de transformação. Estava
fossem criadas as condições para receber o grupo
teatro e para manter-se em um grupo.
e Iben Nagel Rasmussen, e Esperando o Amanhe-
nesse ano envolvida com uma pesquisa
Para Irion, essa ida ao Rio não basta. Saben-
cer, com R. Fowler.
sobre as energias corporais e vocais do
do que Barba voltaria ao Brasil meses depois e
na cidade e assim multiplicar a possibilidade dos
Participei, a convite do Odin Teatret e do
encontros. Afinal, “encontros” e “reencontros” não
Sesc/RS, deste 7º Palco Giratório de Porto Alegre.
estão entre as maiores alegrias que o mundo do
Foi ali que tive a oportunidade de conhecer pes-
teatro pode nos proporcionar?
soalmente quase todas as pessoas citadas acima.
Tentarei aqui alinhavar vivências, opiniões,
As informações contidas neste texto foram-me
influências e sentimentos plurais com relação ao
fornecidas, em sua maioria, através de entrevistas
Odin, buscando restituir, a quem lerá o texto até
filmadas e inúmeras trocas de e-mails[1].
o fim, um pouco do que me foi contado até agora.
Fica aberto o espaço para futuras contribui-
E, o que é mais importante, considerando que a
ções e discussões. Para novos encontros, e reen-
junção destes vários fatos e lembranças tem o
contros. Para novas histórias, influências e refle-
poder de despertar como reflexão sobre o valor e o
xões sobre o fazer teatral.
trabalho como outro qualquer, um trabalho de anos e anos. Você pode constatar
isso vendo os atores do Odin.
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3 Barba, Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes, Ed. Hucitec, São Paulo, 1991. Tradução: Luis Otávio Burnier.
Mas para mim foi uma coisa espetacu-
ambiente propício para a pesquisa da
Holstebro e ali permanecem em imersão durante
balho do Odin em Córdoba, na Argentina. Alguns
físico pela manhã. Foi uma experiência
ção da ISTA de Londrina. Com isso, montam um
lar, foi maravilhoso. [...] Esse workshop
linguagem e a formação do ator. Assim,
cerca de 10 dias, assistindo a todos os espetácu-
meses antes, em janeiro, Tatiana Cardoso e Maria
riquíssima, profunda, radical. Sempre que
seminário “pós-ISTA” que tem desdobramentos
no Rio de Janeiro foi a experiência mais
alguns grupos e artistas da cena gaúcha
los do grupo e participando de várias outras ati-
Helena Lopes participam de um seminário de três
tenho que escrever ou refletir sobre esse
na UFRGS e na UFSM. Chama-se Seminário In-
marcante da minha vida.
se interessaram pelo trabalho do Odin
vidades. Irion recorda:
semanas conduzido por Iben Nagel Rasmussen
tipo de processo, me vem em mente que
ternacional Teatro em Fim de Milênio e conta
em Londrina, que culmina com a apresentação do
é através do teatro que a vida me coloca
com a presença de alguns artistas e intelectuais,
espetáculo Pontes sobre o Vento. Tatiana nos conta:
melhor diante de mim mesma. É nestas
inclusive aqueles do staff científico da ISTA: Pa-
a partir da sua primeira visita ao Bra-
Podemos afirmar que é a partir desses en-
sil, em 1987. Mas foi a década de 1990
Fiquei maravilhado, com tão pouco fa-
contros de 1987 que os princípios da Antropo-
que tornou a influência uma parceria.
zer tanto. Era mais que uma ousadia.
ocasiões, quando treino, mergulho e pra-
trice Pavis, Jean Marie Pradier, Nicola Savarese,
logia Teatral de Barba começam a entranhar re-
Nesses anos, alguns de nós trabalhamos
(...) Quando vi Casamento com Deus, me
Coreografia para atores e bailarinos in-
tico a arte que amo, que minha integri-
Franco Ruffini, Ian Watson e Rafael Mandressi,
almente nos departamentos de teatro da UFRGS
intensamente com o grupo dinamarquês
emocionei demais. (...) E claro, o trabalho
teressados em trabalho de voz. Este era
dade física, psicológica, mental, crítica
além da dançarina indiana Sanjukta Panigrahi
e da UFSM, assim como em núcleos de pesqui-
e assistimos a muitos de seus trabalhos.
deles, extraordinário, inesquecível. Ainda
o título do seminário que Iben realizou
diante do mundo e dos outros é exerci-
(1944-1997) e sua orquestra. Eles conduzem
sa locais sobre o trabalho do ator. Um dos mais
Escreveu-se e trabalhou-se a partir das
mais ao vivo e a cores. Porque se você vir
através do FILO, em 1993. Um seminário
tada, lapidada, transformada. Naquele
palestras e espetáculos em Porto Alegre, lo-
representativos é o núcleo dirigido pelo próprio
ideias da Antropologia Teatral. Eu diria
no vídeo, não causa este impacto. Há um
em regime de imersão na chácara São
seminário, me sentia viva como nunca,
tando o teatro com cerca de 300 pessoas. Para
Irion e por Maria Lúcia: As Energias Corporais no
que a principal influência tenha sido uma
distanciamento. E ali não, eles vinham
José com muito verde, silêncio e uma pis-
desperta, consciente que minha tarefa
Santa Maria, seguem Jean Marie Pradier, Franco
Treinamento do Ator – citado por Jezebel ante-
certa ética do trabalho grupal que tem na
perto de você. Também vi a Roberta com
cina bem oportuna. Eu havia conhecido o
era um tesouro, algo sagrado.
Ruffini e Sanjukta Panigrahi, que ali apresenta
riormente – que além de trazer os ensinamentos
palavra "pesquisa" um catalisador. O tea-
Judith, outro arraso. Era tudo um arraso,
trabalho do Odin em 1991 e tinha ficado
dois espetáculos. Vários alunos da UFSM acom-
de Arthur Lessac, também trata dos princípios da
tro em Porto Alegre notadamente mudou
eu dizia: meu deus do céu, o que é isso?
particularmente tocada pelo trabalho de
No ano seguinte, em 1994, sempre em Lon-
panham as apresentações nas duas cidades.
Antropologia Teatral. Deste núcleo, também vem
de cara nos últimos 20 anos e aquilo que
Iben. Era um período em que estava bus-
drina, Nitis Jacon organiza a 8ª sessão da ISTA
Com relação ao impacto daquelas palestras e da
a fazer parte a atriz Tatiana Cardoso, hoje tam-
era exótico e estranho – o treinamento, a
No mesmo ano, Tatiana Cardoso segue para
cando cursos de aperfeiçoamento, e esta
(International School of Theatre Anthropology),
apresentação de Sanjukta em Santa Maria, Nair
bém professora da UERGS.
D’Agostini comenta:
investigação – passou a ser moeda cor-
Londrina – cidade para onde o Odin retorna inú-
proposta, naquela época, já apresentava
“aldeia teatral” fundada em 1979, onde atores e
Quem nos oferece uma leitura específica so-
rente e sinônimo de qualidade artística.
meras vezes – e participa da Mostra Odin Teatret,
um atravessamento de técnicas que acre-
dançarinos de diversas culturas – Oriente e Oci-
bre o interesse pelo Odin e pela Antropologia Tea-
Essa forma de organização do trabalho,
organizada por Nitis Jacon por meio do FILO (Fes-
ditava serem fundamentais para o artista:
dente– encontram estudiosos para investigar,
No Curso de Artes Cênicas da UFSM,
tral em Porto Alegre, no meio acadêmico e artístico
com ênfase no processo e na formação
tival Internacional de Teatro de Londrina). Ainda
um ator que dança, um bailarino que can-
confrontar e aprimorar os fundamentos técnicos
alguns professores já trabalhavam em
daqueles anos, é Gilberto Icle, criador da UTA (Usi-
do ator, tem, sem dúvida, um atravessa-
em 1991, é publicado o primeiro livro de Barba
ta, ou seja, artistas empenhados em olhar
de sua presença cênica. Dela participam diversos
aula os princípios e algumas técnicas
na do Trabalho do Ator) e hoje professor da UFRGS:
mento do trabalho pedagógico do Odin,
no Brasil, Além das Ilhas Flutuantes [3], com tra-
para si mesmos, em treinar seu ofício além
artistas e estudiosos de Porto Alegre: Tatiana Car-
da Antropologia Teatral, tanto na in-
seja pelo trabalho direto com o grupo,
dução de Luis Otávio Burnier (1956-1995), ator e
do que previamente já está estabelecido.
doso, Irion Nolasco, Maria Lúcia Raymundo, Nair
vestigação prática quanto na teoria.
O teatro de Porto Alegre foi bastante
seja via o trabalho de Luiz Otávio Burnier
fundador do LUME, grupo teatral que há alguns
Tive certeza de que seria uma ótima ex-
D’Agostini, Paulo Maurício Guzinski e Alice Padi-
Havia projetos de investigação científica
sensível ao trabalho de Eugenio Barba,
e do LUME de Campinas.
anos mantinha uma relação muito estreita com
periência para mim e foi muito mais que
lha Guimarães, que hoje faz parte do grupo Teatro
e artística a partir da cultura gaúcha –
o Odin e que, por sua vez, sempre teve uma for-
isso. Me inscrevi no seminário a convite
de los Andes, sediado em Sucre, na Bolívia, e fun-
financiados pelo CNPQ, pela FAPERGS
pois a cidade tem uma tradição de teatro de grupo que remonta à década de
Início dos Anos 90
te proximidade com inúmeros grupos teatrais de
de Carlos Simioni, que já trabalhava com a
dado em 1991 por César Brie, ator que integrou
e outros órgãos financiadores da uni-
1950. Além disso, as universidades que
Nos anos 1990, de fato, diferentes artistas e es-
Porto Alegre, sobretudo através de seminários e
Iben na época. Fui selecionada através de
o Nordisk Teaterlaboratorium entre 1980 e 1990.
versidade – em que eram utilizados os
ofereciam formação teatral no Estado
tudiosos do Rio Grande do Sul têm a oportunida-
oficinas – como já nos disse Gilberto Icle.
carta de intenção e currículo. [...]
Irion Nolasco e Nair D’Agostini conseguem,
conceitos e princípios da Antropologia
do RS sempre potencializaram a ideia
de de se aproximar ainda mais do Odin Teatret.
Em maio de 1993, Gilberto assiste ao espe-
Eram mais ou menos 10 horas diárias de
por meio de suas universidades e da Secretaria
Teatral. Os conteúdos sobre o Odin, Bar-
de teatro laboratório, ou seja, há um
Em 1991, incansáveis, Irion e Maria Lúcia vão até
táculo Kaosmos e a outras demonstrações de tra-
trabalho, com um intenso treinamento
do Estado, um apoio econômico para a realiza-
ba e a Antropologia Teatral eram desen-
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4 Barba, Eugenio. A Canoa de Papel: Tratado de Antropologia Teatral. Publicado pela primeira vez em 1994 pela Ed. Hucitec, de São
Paulo, com tradução de Patricia Braga Alves. O livro foi reeditado em 2009, com a mesma tradução, pelo Teatro CaleidoscópioEditora Dulcina, de Brasília.
5 Barba, Eugenio e Savarese, Nicola, A Arte Secreta do Ator: um Dicionário de Antropologia Teatral, publicado em 1995, pela
Editora Hucitec, São Paulo, com Tradução dos integrantes do LUME Teatro. Uma nova edição sairá em dezembro de 2012, pela
Editora É Realizações, São Paulo, com tradução de Patricia Furtado de Mendonça.
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volvidos na disciplina “Ética e Estética”,
projeto, sobretudo porque o espectador
era só teórico. Depois dos encontros de
na do Trabalho do Ator (UTA). Também
impressionou bastante. E também me
que haja um distanciamento ou uma falta de
em que, além de material bibliográfico,
gaúcho não conhecia os espetáculos do
1994 e 1995, a tradição do Odin ficou
cito o trabalho de Tatiana Cardoso, de
estimulava na minha preparação. Então,
comunicação entre o grupo dinamarquês e os
os alunos tinham acesso a vídeos de de-
Odin, e considerávamos que, além da
bem mais conhecida aqui. As pessoas já
Jezebel de Carli e a pesquisa sobre o ator
eu passava a ter uma referência que eu
artistas e estudiosos da capital do Rio Grande
monstrações técnicas de atores do Odin
oportunidade de poder fruir de sua ino-
usavam termos do Odin, falavam em sats,
de Irion Nolasco. Cito também a tese de
não tinha. (...)
do Sul. Isso pode ser constatado pelas inúmeras
e espetáculos. O curso também tinha um
vadora estética, também o espetáculo, as
coisas assim.
Inês Marocco sobre a espetacularidade
Na época, já existia muito fortemente a
viagens de gente de teatro local para outros
intercâmbio intenso com o LUME e pro-
demonstrações técnicas, a oficina e as
da cultura gaúcha. (...)
antropologia aqui em Porto Alegre atra-
estados ou países. Além disso, a busca de contato
movia oficinas e espetáculos. Portanto, já
conferências trariam um aporte impor-
Em relação ao impacto causado pela presen-
No curso de Artes Cênicas da UFSM, fo-
vés dos discursos e das práticas. Duas
com a tradição do Odin também é facilitada pela
havia uma certa familiaridade com esse
tante aos profissionais de teatro, como
ça e pelas atividades de Barba e Julia Varley, as-
ram geradas inúmeras pesquisas práti-
pessoas fundamentais, Irion Nolasco e
publicação dos livros de Barba em português,
conhecimento e tradição.
também para a pedagogia teatral. Essa
sim como em relação à influência dos estudos da
cas e teóricas a partir dos princípios da
Maria Lúcia Raymundo, faziam um traba-
pois eles se tornam referência fundamental para
Quanto ao impacto produzido pelos es-
parceria nos levou a organizar e concre-
Antropologia Teatral sobre grupos gaúchos, Nair
Antropologia Teatral. Hoje, acredito ser
lho sensacional e nos passavam bastante
inúmeras teses nacionais de graduação e pós-
petáculos de Sanjukta, foi algo inimagi-
tizar outros importantes projetos, que, de
D’Agostini afirma:
difícil ignorar, quer nas investigações
coisa do trabalho da Antropologia Tea-
graduação em Dança e em Artes Cênicas.
nável, sobretudo no Caixa Preta, Teatro
certa forma, estavam interligados e fo-
teóricas quer nas práticas, os princípios
tral. Mas, por outro lado, chegava uma
Em 1995, é publicado o livro A Arte Secreta
do Centro de Artes e Letras da UFSM. Ali,
ram frutos do contato com a Antropolo-
É bastante difícil ter uma ideia precisa
da Antropologia Teatral revelados por
disciplina, quase que uma onda de dis-
do Ator: um Dicionário de Antropologia Teatral
alunos e professores puderam vivenciar,
gia Teatral, como o curso "Poética e Gra-
sobre uma experiência estética, já que
Barba. Seu aporte teórico e artístico já se
ciplina extremamente grande que você
, de Barba e Savarese. Este livro, junto de A Ca-
além da magia da dança Odissi, a eficá-
mática do Mimo Corpóreo", ministrado
é muito subjetiva. Mas pelo que pude
constitui uma tradição das mais signifi-
tinha que ter com o trabalho, que era
noa de Papel e Além das Ilhas Flutuantes, vai
cia expressiva de seus princípios para a
por Thomas Leabhart, do Pomona College
perceber, foi despertado interesse pela
cativas de nossos tempos e tornou-se um
muito dura. E isso gerava trabalhos mui-
nutrindo o estudo de vários artistas e estudan-
arte do ator. Um espectador não ligado às
University of Califórnia – USA, realizado
Antropologia Teatral nos profissionais de
referencial de suma importância para as
to frios, mecânicos. Então tinha aquele
tes de Porto Alegre, muitos dos quais alunos de
artes cênicas fez o seguinte comentário:
na UFSM e na UFRGS, ainda em 1995.
teatro mais inquietos e sempre ávidos de
investigações teóricas, práticas, artísticas
viés de um trabalho que era demandado
Irion, Maria Lúcia e Nair D’Agostini, e também
novos conhecimentos e aquisições técni-
e pedagógicas atuais.
dessa forma, e quando você via o resul-
de outros professores que, apesar de não terem
tado artístico era de uma frieza que, e eu
tido um contato mais estreito com o Odin, são
“Saíam raios luminosos de seus pés, tão
intensa era a energia que ela emanava”.
Foram apenas três dias de evento em Porto
cas e artísticas. Muitos grupos iniciaram
Alegre: 6, 7 e 8 de dezembro. Mas a programação
uma investigação prática, no sentido de
É em 1995, durante estes encontros, que
intuía que... mas não pode ser isso, não
igualmente influenciados pelo pensamento e
1995: Eugenio Barba e Julia Varley
chegam a Porto Alegre
foi intensa e, mais uma vez, lotou todos os espaços
se aproximarem dessa tendência estética.
Alexandre Vargas – ator, diretor, fundador do
deve ser isso. O grande impacto que fica
pela cultura de Barba e seu grupo.
que acolheram as atividades do Odin Teatret: Casa
Quanto aos meus alunos, foi uma experi-
Falos & Stercus e organizador do Festival de
é o desmoronamento de quem já traba-
Entre 7 e 18 de agosto de 1995, a convite
As sementes lançadas no seminário Teatro em
de Cultura Mario Quintana, Teatro Carlos Carvalho
ência forte em que os mais afoitos e im-
Teatro de Rua de Porto Alegre – também entra
lhava com isso, tem o contato com o Eu-
da EITALC (Escuela Internacional de Teatro de
Fim de Milênio começam a criar raízes. É preciso
e Salão de Atos, onde Julia Varley apresentou seu
buídos de força de vontade foram leva-
em contato direto com o Odin, grupo do qual
genio e percebe que não era aquilo que
América Latina y el Caribe), Gilberto Icle per-
adubar a terra. Irion, Maria Lúcia e Nair reúnem
espetáculo solo O Castelo de Holstebro e suas de-
dos a organizar e realizar treinos intensos
ouve falar pela primeira vez em 1992, quando
ele vinha fazendo. E quando você ouve o
manece na sede do Odin, em Holstebro, e par-
forças mais uma vez e conseguem organizar
monstrações de trabalho O Irmão Morto e O Eco do
e sistemáticos sobre o corpo e, também,
Luis Otávio Burnier e Carlos Simioni fazem uma
Eugenio dizer: “Não é nada disso”... Isso
ticipa do encontro Trabalhando e Convivendo
outro encontro: em 1995, Eugenio Barba e Julia
Silêncio. Eugenio Barba conduziu uma palestra e,
pesquisas de ações e aprimoramento de
turnê em Porto Alegre. Curioso e interessado
foi importante demais.
com o Odin Teatret. Ali, ele tem a possibilidade
Varley chegam pela primeira vez a Porto Alegre.
junto de Julia Varley, um seminário para estudan-
partituras de ações que os tornassem efi-
pelo que lhe contam, Alexandre vai buscar mais
Sobre este projeto, nos conta Nair D’Agostini:
tes e artistas. Lembra Irion Nolasco:
cazes na pré-expressividade exigida por
informações sobre a cultura do Odin nos livros de
de assistir a uma série de espetáculos, demonsTatiana Cardoso também nos fala sobre este
encontro de 1995:
trações e vídeos do grupo. Com relação aos
essa forma de linguagem expressiva. Na
Barba, no Além das Ilhas Flutuantes e no Canoa
Irion e Maria Lúcia tinham sido professo-
A palestra de Barba aqui, em 1995, des-
minha avaliação, houve, nessa nova ten-
de Papel[4]. Mas o impacto de estar frente a frente
res do Curso de Artes Cênicas da UFSM,
pertou uma tremenda curiosidade da-
dência estética (se assim podemos nos
com Barba é ainda maior. Ele lembra:
e o projeto Teatro em Fim de Milênio
queles que falavam sem conhecer. Eles
referir), produções artísticas inovadoras
foi uma continuidade da parceria entre
encheram o plenário da universidade,
e com qualidade técnica, mas também
Eu gostava demais da postura do Barba,
to poder estar ouvindo os ensinamentos
UFSM e UFRGS para a vinda do Potlach,
o “Plenarinho”. Veio gente que nunca
muitas produções que não alcançaram
de alguém que tem um espaço no teatro.
de Barba. E lembro especialmente a de-
São tantos reflexos que eu não saberia
da Itália, para Porto Alegre e Santa Maria,
imaginei que viria. Estavam todos lá,
o nível artístico e técnico desejável, pró-
Ele chegava aqui falando, e tinha uma
dicação do Irion para que a organização
enumerá-los. A UTA trabalhava, nos pri-
com espetáculos, parada de rua, oficinas,
impactados. O seminário foi histórico.
prio da imaturidade artística e da falta de
postura de defender este espaço. Não es-
ocorresse de forma impecável, sempre a
meiros anos, a partir de boa parte dos
apresentações técnicas e conferência.
Era aberto para todos os que quisessem
aprimoramento técnico.
tava pedindo licença. E isso contrastava
contento de Eugenio e Julia.
exercícios do Odin, seja aprendidos dos
Dessa forma, Teatro em Fim de Milênio
participar. Havia não só alunos e gen-
(...)
com o comportamento de pedir licença
foi uma produção, coordenação e orga-
te de teatro, mas, inclusive, professores
Sei de grupos que tiveram uma for-
no meio teatral que eu estava acostuma-
de Letras. E a abertura foi tal que até
te influência e se orientaram em suas
do. É uma convicção na postura, no dizer,
Entre 1995 e 2010: amadurecendo
o aprendizado
A organização e a forma de trabalho,
nização conjunta, sendo que o sucesso
e o resultado desse evento, assim como
as pessoas que falavam mal estavam lá
experimentações teatrais a partir dos
e ao mesmo tempo um cara muito bem
Um hiato de 15 anos vem a separar fisicamente
montagens, eram bastante inspiradas
dos precedentes, nos levou a dar con-
também. Isso foi muito legal. Devia haver
princípios da Antropologia Teatral. Pos-
preparado para falar de seu argumento,
o Odin de Porto Alegre, já que, depois de 1995, só
nos procedimentos tomados do grupo.
tinuidade e unir forças para esse novo
umas 200 pessoas no seminário, já que
so citar, em Porto Alegre, o grupo Usi-
na construção de seu discurso. Isso me
voltarão à cidade em 2010. Mas isso não significa
Só muitos anos depois que conseguimos
reflexos da cultura do Odin e da Antropologia
Teatral[5] sobre seu grupo, a Usina do Trabalho
Recordo que, para mim e meus colegas
do Ator (UTA), e sobre sua visão relativa ao fa-
da área, na época, era um acontecimen-
zer teatral, Icle afirma:
próprios atores, seja legados via LUME.
tanto no treinamento diário quanto nas
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6 Exercício no qual se praticava a “resistência”, mas assim chamado porque era feito com o auxílio de faixas que, casualmente,
tinham a cor verde.
transformar esses exercícios e criarmos,
participei de todos os encontros do grupo,
No meio tempo, Alexandre Vargas também
a partir deles, coisas novas e completa-
que aconteceram até agora na Dinamarca,
busca uma maior aproximação com a tradição do
mente nossas. Como professor universi-
na Itália, no Brasil e na Colômbia.
Odin. Em outubro de 1996, durante uma turnê do
tário, tomei o tema da "presença" como
A Iben e o grupo Ponte dos Ventos são
Falos & Stercus no Rio de Janeiro, aproveita para
um grande tema de pesquisa, e todo meu
meu porto seguro, são como a casa da
ver o espetáculo Kaosmos, que naquele período
trabalho tem girado em torno dele. Esse
família para onde sei que sempre poderei
estava em cartaz na cidade:
tema, primeiro, encontrei desenvolvido
voltar. É um lugar de irmãos, de pessoas
no trabalho do Barba e, a partir dele, se
que sabem que nossos encontros vão mais
Vi Kaosmos no Rio, no Teatro Carlos Go-
criou pra mim toda uma forma de enten-
além de nós mesmos, que estar com Iben e
mes. Isso era importante para mim, por-
der, falar e fazer teatro. (...)
continuar junto é como um pacto de hon-
que aí pude ver os atores, ver a presença
A Antropologia Teatral permite um olhar
ra com uma espécie de desejo original de
cênica. Isso dava todo um outro valor ao
sobre o espetáculo, uma interferência
manter nossa arte, aproximando o mundo
que tinha lido, e aquilo me interessava.
na formação e um pensar sobre as po-
dos deuses e dos homens pra sempre.
Eu mirava coisas, queria objetivamente
éticas teatrais. Ela oferece ferramentas
coisas no meu trabalho de ator. Queria
concretas para fazer isso. Ela organiza,
Os encontros anuais do Ponte dos Ventos
a questão da presença cênica e aqueles
sistematiza um raciocínio sobre o fazer
(Vindenes Bro, em dinamarquês) costumam durar
atores tinham uma presença cênica tre-
teatral só equiparado ao que fizeram
três semanas e são em regime de imersão. Deles
menda, que não se dava pelo viés psico-
Stanislavski, Zeami, Grotowski, Decroux
participam artistas de diferentes países. Nessas
lógico, e isso me interessava muito.
e muito poucos outros. Ela faz uma pas-
ocasiões, Tatiana pratica várias técnicas usadas
sagem, embora não tenha pretensões
pelos atores do Odin, além de entrar em profundo
Quem também não perde o contato com o
científicas, entre a teoria e a prática, de
contato com exercícios desenvolvidos particular-
Odin no final dos anos 1990 é Nair D’Agostini
forma harmoniosa e bela.
mente por Iben, como: samurai, fora de equilíbrio,
que, em junho de 1998, parte para Belo Horizon-
verde[6], dança do vento, entre outros. Por sua vez,
te e segue as atividades do Odin na 1ª edição do
através de suas próprias aulas, segue transmitin-
ECUM (Encontro Mundial das Artes Cênicas). Ali,
do os ensinamentos recebidos pela mestra:
pode assistir ao espetáculo Ode ao Progresso e a
Em dezembro de 1995, em Salvador, Tatiana Cardoso reencontra Iben e o grupo A Ponte
35
7 “O paradoxo pedagógico: aprender a aprender”, em “Laboratório: teatro-escola”, segundo capítulo do livro de Eugenio Barba
Teatro. Solidão, Ofício, Revolta, publicado em 2009 pelo Teatro Caleidoscópio/Editora Dulcina, Brasília, com tradução de Patricia
Furtado de Mendonça.
dos Ventos. É a oportunidade para se confrontar
algumas outras apresentações do grupo.
novamente com os ensinamentos de sua mestra.
Sou professora da Universidade Estadual
Ainda em 1998, em Porto Alegre, Alexan-
no discurso dele. Eu gostava daquele
algum festival fora de Porto Alegre. Em 2008,
As sementes haviam sido plantadas. As raí-
Ela nos conta:
do Rio Grande do Sul e eventualmente
dre Vargas participa de uma oficina com o ator
pensamento bélico, estrategista, para
por exemplo, ele assiste ao espetáculo O Sonho
zes cresciam subterraneamente. A terra tinha sido
dou oficinas para atores dentro ou fora
e diretor paraibano Luiz Carlos Vasconcelos e,
compor a minha estratégia também:
de Andersen em São José do Rio Preto, por estar
adubada e as árvores já davam seus frutos, uma
Depois do seminário de 1993, segui trei-
do Brasil. Os princípios da Antropologia
também, passa a trabalhar com Tatiana Cardo-
“como é que eu me acho nesse campo,
em turnê no mesmo festival. Ele acrescenta:
estação após a outra. A influência do Odin sobre a
nando sozinha, convencida de que tinha
Teatral são a base da minha técnica de
so. Ele nos conta:
como é que me coloco nesse campo?”.
encontrado uma base sólida para mim.
atriz e fazem parte do vocabulário do
Fora isso, entre 1996 e 2010, o contato
Não me encontrei com eles muitas ve-
Rio Grande do Sul vai se firmando cada vez mais
Em 1995, participei de outro seminário
conteúdo que ensino. Como dediquei
(...) E aí tive contato com o Luiz Carlos,
foi mais através dos livros. Sempre que
zes, mas o trabalho continuou sendo
no arco destes 15 anos, motivada, principalmente,
de Iben, desta vez, em Salvador, Bahia.
minha formação ao treinamento físico,
que veio pra cá para ministrar uma ofi-
meu grupo passava por alguma crise,
uma referência para mim tanto no que
pela necessidade que eles têm de se confrontar e
Mesma coisa, carta de intenção e cur-
toda essa experiência embasa minhas
cina. Ele trabalhava muito sobre os prin-
por exemplo, eu buscava na biblioteca
diz respeito à poética teatral quanto à
de dialogar com uma tradição teatral sólida – e de
rículo. Fui selecionada. Quando comecei
aulas, independente do foco da aula.
cípios da Antropologia Teatral. (...) Nessa
um livro do Eugenio para tentar per-
ética grupal. Certamente, os escritos de
valor – que lhes ajude a construir a própria identida-
a trabalhar com o grupo, parecia que eu
Esses princípios são extremamente úteis
oficina, fiz um trabalho grande de parti-
ceber se isso estava ali também, se ele
Barba me influenciaram, em certa me-
de profissional. Isso vai acontecendo, como foi vis-
nunca tinha me separado de Iben, pois
justamente porque perpassam qualquer
turas, e isso me despertava mais ainda
mencionava algo no Canoa, no Arte
dida, muito mais que seus espetáculos.
to, através de viagens para fora de Porto Alegre, da
havia continuado o trabalho. Ao final
tema, qualquer nível, qualquer gênero ou
para o trabalho da antropologia. Depois
Secreta, no Teatro Pobre do Grotowski,
Li toda a produção trazida no Brasil e
leitura dos livros de Barba e também por meio das
daquela experiência, na festa de encer-
estilo teatral. Eles são universais e dizem
fui trabalhar com a Tatiana Cardoso. Ela
em artigos.
estudei nos originais em italiano textos
diversas trocas acadêmicas e artísticas. Para muitos,
ramento, Iben me chamou para um can-
respeito ao corpo, à dinâmica da ação, à
vinha do trabalho da Iben, etc. Mas eu
que passaram a ser objeto de meus se-
o Odin vira de fato uma referência fundamental, até
to e me convidou para integrar o grupo
presença, à vida geral da cena. Conhecê-
não queria só trabalhar tecnicamente os
Com Gilberto Icle não é diferente. Entre
minários na pós-graduação. Utilizei-os
mesmo um modelo a seguir. Mas o afastamento, por
oficial, o Ponte dos Ventos, cujo próxi-
-los e saber como manipulá-los é como
fundamentos, eu queria me aproximar
1995 e 2010, sua relação com o Odin Teatret se
desde meus próprios estudos de mes-
um período, também é necessário.
mo encontro seria naquele mesmo ano,
um segredo que traz uma base muito só-
também da ousadia, da arrogância ne-
dá principalmente através dos livros, ainda que
trado e doutorado até minhas pesquisas
em Scilla, no sul da Itália. Desde então,
lida pra qualquer tipo de ator.
cessária que eu percebia ali no Eugenio,
ele tenha sempre tentado alcançar o grupo em
mais recentes.
cultura de estudiosos, artistas e grupos de teatro do
No livro Teatro. Solidão, Ofício, Revolta[7],
de Eugenio Barba, há um capítulo composto de
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CADERNO DE TEATRO
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uma série de entrevistas em que ele responde à
sua cidade novamente, para estreitar relações e
seguinte pergunta, feita por Maria Grazia Grego-
se aproximar de suas técnicas de trabalho. Mas o
ri: “Então não deve haver modelos? No entanto,
festival ainda é muito pequeno e não dispõe das
o Odin é um modelo para muita gente”. E assim
condições necessárias para isso. Ele não desiste.
Barba responde:
Então procura Jane Schöninger e Silvio Bento, do
Sesc/RS e já parceiros de seu festival, para propor
Hoje há um estranho mito de autismo,
alguma atividade com o Odin para 2010. É aí que
que cada um pode se autogerar. É es-
se confirma esta possibilidade: Eugenio Barba e
sencial ter um ponto de referência com o
Julia Varley são convidados pelo Sesc/RS para
qual se confrontar e sobre o qual voltar a
participar do 5º Festival Palco Giratório de POA.
refletir. Tem realmente muita sorte a pes-
Falando sobre sua motivação para articular esta
soa que é obrigada a se definir diante de
turnê com o Sesc, Alexandre diz:
outra que tem uma personalidade fora do
comum. Por um período, a sombra dessa
Nessa época, me interessava demais con-
pessoa mais madura e mais experien-
versar com o Eugenio, pois era o momen-
te cobrirá suas ações. Foi assim quando
to em que eu estava sofrendo bastante
Meyerhold começou sua relação com
com a questão do grupo. Já não encon-
Stanislavski, ou quando Grotowski come-
trava as respostas nos livros para buscar
çou a se relacionar com a sombra de Sta-
uma solução, aí eu pensava: tenho que
nislavski, e também quando comecei mi-
conversar com alguém e não pode ser
nha relação com Grotowski. Essa relação
qualquer pessoa.
pode durar muito ou pouco tempo. A duração depende do tempo necessário para
E Jane Schöninger, por sua vez, nos fala do
despertar as próprias energias. Depois, é
interesse do Sesc/RS em estabelecer esta parceria:
preciso se afastar. Então é a ausência que
te acompanha. É o momento em que a
O projeto Palco Giratório existe pratica-
pessoa que ficou sozinha, personalizando
mente há 10 anos, com o desenvolvimen-
a herança recebida, deve inventar o pró-
to de circuitos pelo interior do Estado. E,
prio caminho. Tanto na tradição oriental
há sete anos, o Festival acontece em Porto
como naquela ocidental, é assim que se
Alegre, com uma característica bastante
descreve essa descoberta das próprias
forte que é apresentar grupos, coletivos,
forças: superar o mestre subindo por
profissionais que possuam um trabalho
suas costas. E fazendo isso, manifestar
contínuo. O Festival é um “território de
ou negar o ethos que aprendeu.
pouso”, um espaço onde esses coletivos
possam fortalecer o intercâmbio, o fluxo
2010: Eugenio Barba e Julia Varley
voltam a Porto Alegre 15 anos depois
das trocas e dos usos, da produção e do
Mas era chegada a hora de organizar um novo
mos que o Odin vem para celebrar e le-
encontro, para que os percursos artísticos de
gitimar esse objetivo do projeto, sendo
cada um, amadurecidos e transformados, pudes-
a referência mundial que é. É o exemplo
sem ser confrontados sob novas perspectivas.
maior de generosidade, de possibilidades
consumo dos bens culturais. E entende-
de intercâmbio, de trocas, de arte.
Em 2009, Alexandre Vargas começa a organizar
o Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre. Bus-
Sendo assim, em maio de 2010, Eugenio
ca uma maneira de trazer Barba e o Odin para
Barba e Julia Varley voltam a Porto Alegre com
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8 Estiveram em Porto Alegre: Eugenio Barba, Roberta Carreri, Julia Varley, Iben Nagel Rasmussen, Elena Flores, Jan Ferslev, Kai
Bredholt, Tage Larsen, Augusto Omolú, Donald Kitt, Fausto Pro e Anne Savage, a tour manager do grupo.
algumas atividades: Julia Varley apresenta uma
muito valoradas e outras decepcionan-
mo teatral, se perdeu aqui. E a sensação,
e aí o Eugenio está aqui e eles não pergun-
nova demonstração de trabalho, O Tapete Voador,
tes. No meu caso, Barba me comoveu
às vezes, é de o que fazer, como fazer. Aí,
tam, não falam, não trocam?
e Barba conduz a palestra “Princípios da Antropo-
profundamente. Para mim, ele se revelou
quando esse homem chega aqui, relatan-
Talvez fosse timidez deles mesmos por
logia Teatral”, ao mesmo tempo que apresenta a
naquilo que há de mais valioso, na sua
do essa experiência de uma forma mais
estarem diante de alguém que eles tam-
nova edição de seu livro A Canoa de Papel: Trata-
humanidade. Ele alcançou a simplicidade,
clara, eu acho que isso desperta outros
bém consideravam um mito, mais do que
do de Antropologia Teatral.
a sabedoria.
horizontes. Esse é o meu ponto de vista
a falta de interesse ou curiosidade. Isso é
Nair D’Agostini está presente nesses encon-
sobre o impacto que o Odin teve dentro
extremamente incoerente, já que usam a
tros. No relato abaixo, ela nos conta sua impres-
Alexandre Vargas também traz algumas
da cidade. Outro, sem dúvida, é a presen-
antropologia teatral, o discurso do Euge-
são sobre as diferenças que encontrou em Barba
reflexões próximas às de Nair com relação às
ça física dele e um monte de jovens que
nio, da Julia, da Roberta. E num momento
e Julia Varley e, também, sobre a diferença do
mudanças nas atitudes de Barba, causadas, em
está na plateia vendo-o falar. Há um con-
em que você pode estar ali presencialmen-
impacto causado pela presença dos dois artistas
sua opinião, pelo amadurecimento e pelo saber
traste entre o que o Eugenio fala e o que
te com eles, você não troca? Então, o uso
em Porto Alegre, sempre comparando os anos de
acumulado na experiência do grupo. Ele também
o jovem está idealizando através de um
da antropologia, o uso da teoria, é muitas
1995 e 2010.
nos fala do impacto causado pelo Odin nos jovens
livro ou do que chegou a ele através de
vezes uma bengala. Isso gera uma segu-
e nos professores presentes, ao se defrontarem
um professor que não teve uma aproxi-
rança nesses professores, uma segurança
É bem difícil falar dessas diferenças, so-
com um grupo de tamanha importância no cená-
mação tão direta com o Eugenio ou com
teórica, mas que distorce uma prática.
bretudo em Julia. No que diz respeito à
rio internacional do teatro. Ele analisa:
o trabalho do Odin.
nível e me pareceu que, metodológica
Foi um impacto monstruoso, porque o
Odin a imagem de um mito, e isso con-
e pedagogicamente, está mais madura,
Eugenio vem com toda essa mudança
trasta com o modo tão simples em que
2012: Chegada de todos os
integrantes do Odin Teatret
a Porto Alegre
generosa e segura em sua apresenta-
de vida, mas uma pessoa ainda bastante
eles se colocam. Mas a construção desse
Desta vez, o intervalo de tempo é breve: em vez
ção. Em Barba, senti mais abertura, uma
convicta no que faz. Só que chega entre-
mito também pode ser um argumento
de 15, só dois anos. A pequena turnê de 2010 dei-
disponibilidade integradora e generosa.
gando sua fala de outra maneira. Então
forte de um professor, pode ser a seguran-
xa aquele gostinho de quero mais, e o Sesc/RS
Impressionou-me em Barba, nesta oca-
a recepção também foi muito diferente.
ça de um professor que distorce uma prá-
consegue novamente criar as condições – sempre
sião, a transparência, o despojamento e,
Me impressionou demais e acho que im-
tica. Então, foi comum, eu recebi alguns
através de Jane Schöninger e do Festival Palco Gi-
porque não dizer, a humildade com que
pressionou muita gente também a sua
relatos de alunos que se diziam surpresos
ratório – para trazer, agora, todos os artistas do
generosamente falou de sua arte, de seu
transparência em revelar coisas que ge-
com aquilo que viam e ouviam, compa-
Odin Teatret[8] para Porto Alegre.
grupo e de sua vida. Parecia que já não
ralmente não são reveladas. Por exemplo,
rando com o que tinham aprendido com
Foi um grande esforço, mas os resultados
possuía mais pretensões, mas só queria
dizer que somos um grupo de indivíduos,
algum professor. E esse atrito era muito
provam que valeu a pena, basta lembrar os tea-
estar ali para uma missão: compartilhar
de individualistas. Isso é muito forte, por-
importante. Em 2010, havia muitos estu-
tros lotados durante as várias apresentações do
um saber ao qual dedicou uma vida.
que tem uma luta muito grande para se
dantes seguindo, sempre há. A classe ar-
Odin em Porto Alegre. Uma plateia marcada pela
Com certeza, a recepção do público de
construir grupos de teatro no Brasil. (...)
tística também participou bastante: indo,
mistura de gerações: desde os velhos seguidores
1995 e de 2010 foi muito diferente, pois
Existe um arco de convivência muito
assistindo. Sempre me impressiona a falta
do Odin até centenas de jovens estudantes e te-
hoje o Odin e o Barba já não são mais
grande entre o Odin e o Eugenio, 48 anos
de perguntas. (...) Eu fico pensando, puxa,
atrantes que encontram o grupo pessoalmente
“desconhecidos” da classe teatral, e isso
trabalhando juntos. E quando ele volta
esses professores falam tanto, usam tanto,
pela primeira vez.
faz uma grande diferença na recepção.
pra cá, com esse hiato de tempo de 15
Os novos que o viam pela primeira vez
anos, a gente vê nele uma pessoa mais
tiveram, penso eu, o contato com um
velha, mais conhecedora do que está fa-
ícone, quase um Deus, pois estudam suas
zendo e sem tantas barreiras para falar,
teorias, trabalham na prática a partir de
sem tantos muros. A simplicidade chega
seus princípios (acredito que a maioria
de uma forma mais direta, a clareza de
das escolas teatrais conhece as teorias e
que o que ele faz é um ofício, que tem
práticas do Odin), e isso gera muitas ex-
que trabalhar. A história chega menos ro-
pectativas. Para os que já o conheciam,
mântica em um momento que é oportu-
acredito que também deve produzir sen-
no que chegue menos romântica. Porque
timentos e impressões diversas, umas
o romantismo da existência, o romantis-
Às vezes, os jovens têm no Eugenio e no
qualidade técnica, ela apresentou maior
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9 Grupos selecionados que participaram da residência: Teatro Sarcáustico (RS); Cooperativa Alegretense de Teatro (RS); Usina do
Trabalho do Ator (RS), Santa Estação Companhia de Teatro (RS); Grupo Ritornelo (RS); Circo Girassol (RS); Companhia Bananeira
(RJ); Teatro Diadokai (MG); Tao Filmes (DF); Teatro del Arca (Uruguai). Não estiveram presentes todos os integrantes de cada
grupo, mas apenas alguns artistas para representá-los, já que o número de participantes era limitado.
41
A programação é farta e bastante articulada.
os vários níveis de dramaturgia que compõem um
Depois dos depoimentos de alguns dos ami-
Naquela plateia tem essa mistura: você vê
da minha relação com o grupo fora do Brasil,
Mas o que acontece exatamente naqueles dias?
espetáculo; a cumplicidade entre ator e diretor; os
gos gaúchos mais antigos do Odin, seguem tam-
um Irion, que inicia um movimento forte,
através do Ponte dos Ventos.
Uma residência artística para atores e diretores ,
desafios do ofício do ator nos dias atuais; a so-
bém os de dois amigos gaúchos mais novos: Lu-
que traz o Eugenio, vê alunos que o Irion
Me senti honrada, feliz, orgulhosa de fazer
espetáculos, demonstrações de trabalho, pales-
brevivência dos grupos de teatro no Brasil e no
cas Sampaio e Álvaro Rosa Costa. Lucas é ator do
formou, tendo como base muito desse tra-
parte de um trabalho tão profundo, tão re-
tras, sessões de vídeo, lançamento e venda de
mundo; a perseverança do Odin através do teatro
Grupo Geográfico e professor do Teatro Escola de
balho, e aí tem a Tatiana Cardoso, o Gilberto
volucionário para a história do teatro como
livros, oficinas, etc[10]. Há longas listas de espera
e a transmissão da experiência.
Porto Alegre (TEPA); além disso, também deu um
Icle, o UTA. O UTA, Usina do Trabalho do Ator,
é o do Odin. Há 15 anos, a vinda de Eugenio
[9]
para assistir aos espetáculos, filas para ver as de-
Neste festival, estão presentes Irion Nolasco,
grande suporte ao Odin Teatret neste Palco Girató-
é gerado tendo como base esse movimento
tinha um ar de novidade, de curiosidade por
monstrações de trabalho, alguns livros do Odin
Jane Schöninger, Gilberto Icle, Alexandre Vargas,
rio de 2012. Álvaro, que hoje integra a Cia. Incomo-
do Odin e do Burnier. Aí você pega também
parte dos jovens estudantes de teatro da épo-
esgotam-se já no primeiro dia, e uma multidão de
Tatiana Cardoso, Jezebel de Carli, entre tantos ou-
de-te, participou da residência artística com o Odin
grupos mais jovens que tem um preconceito
ca. E é surpreendente constatar que agora,
jovens luta por um ingresso para ouvir Eugenio
tros. Nada mais justo do que dar-lhes novamente
como ator convidado do Circo Girassol.
em relação a esse trabalho. Pode ser até um
em 2012, ainda tem! Eu não conhecia muitos
Barba e seus atores durante as palestras e os en-
voz para que nos falem de mais este contato com
Compõem este artigo mais dois importan-
preconceito juvenil, como dizer “não que-
daqueles jovens atores ou estudantes de tea-
contros. Chegam pessoas não só de várias cida-
o grupo dinamarquês em Porto Alegre. Nesses
tes depoimentos: o de Priscila Duarte e o de Julia
ro fazer isso, não me interessa”. São coisas
tro da plateia aqui de Porto Alegre, mas podia
des do Rio Grande do Sul, mas também de outros
novos depoimentos, eles nos contam sobre o im-
Varley. Priscila é uma atriz do Teatro Diadokai que
que eu já ouvi, tem gente que acha que os
ver o impacto que causava naquela plateia,
estados do Brasil, inclusive do Uruguai.
pacto que a presença integral do Odin causa nos
conheceu o Odin em 1986, tendo dialogado com o
espetáculos são sisudos demais. Mas aí se
aquele grupo longevo, experiente e maduro.
Após cada palestra ou demonstração de tra-
espectadores que seguem suas atividades neste 7º
grupo em diferentes países e em diversos contex-
surpreendem quando percebem o humor
Antes, eles nos chocavam com sua precisão,
balho, incansavelmente, Barba e seus atores per-
Palco Giratório, sobretudo em relação ao ano de
tos desde então. Aqui, através de seu depoimento
dos espetáculos. Uma coisa que eu também
com suas habilidades corpóreas, com suas
manecem nos teatros para responder a todas as
2010. Ainda que os vários textos tenham – inevi-
sobre a residência de Porto Alegre, ela nos traz
achava legal desses dois espetáculos é o for-
imagens herméticas e cheias de profundida-
perguntas dos espectadores, abrindo espaço para
tavelmente – algumas informações ou impressões
um olhar “cruelmente sincero” sobre o sentido de
malismo de um [As Grandes Cidades sob a
de, com seu trabalho vocal primoroso. Hoje,
o diálogo e a troca de experiências, em coerência
repetidas, decidi deixá-los aqui na íntegra, pelas
continuar fazendo teatro nos dias de hoje. Fecha o
Lua] e o não formalismo do outro [Ode ao
eles nos chocam pelos mesmos motivos, mas
com a tradição do Odin. Reflete-se sobre: o arte-
reflexões que podem despertar, inclusive a partir
artigo o texto de Julia Varley já citado na Premissa.
Progresso]. Achava que isso podia dar um
com um sabor a mais: jovens velhos homens
sanato do ator, suas técnicas e seu treinamento;
dessas repetições.
ODIN TEATRET NORDISK TEATERLABORATORIUM
O Odin Teatret foi fundado em 1964 em Oslo, na
Noruega. Em 1966, transferiu-se para Holstebro,
na Dinamarca, e se transformou em Nordisk Teaterlaboratorium. Atualmente, os 25 membros que
compõem o staff artístico e administrativo do Odin
são provenientes de 10 países e três continentes.
Desde a sua origem, o Odin Teatret se concentrou no treinamento dos atores, em sua capacidade
de estabelecer novas relações com os espectadores
e nas diferentes dramaturgias que compõem um
espetáculo. O autodidatismo dos atores do Odin,
com a consequente elaboração de um treinamento individual e o ensino aos membros mais jovens
do grupo, determinou o constante interesse pela
aprendizagem e pela transmissão dos conhecimentos técnicos.
Os 48 anos do Odin Teatret como laboratório
favoreceram o crescimento de um ambiente profissional e de estudo, caracterizado por diversas atividades interdisciplinares e colaborações internacionais. Hoje, as principais atividades do Laboratório
incluem: espetáculos, demonstrações de trabalho e
workshops para atores e diretores; “trocas” feitas
em diversos contextos, na Dinamarca e no exterior;
10A programação completa compreendeu:
Teatro de Câmara Júlio Piva: a residência artística A Cumplicidade Artística entre o Ator e o Diretor (3 dias), conduzida por
Barba e alguns de seus atores, incluindo uma oficina de Dança dos Orixás com Augusto Omolú; as demonstrações de trabalho
O Irmão Morto e O Eco do Silêncio, com Julia Varley, e Branca como o Jasmin, com Iben Nagel Rasmussen; Teatro SESC Centro:
os espetáculos coletivos As Grandes Cidades sob a Lua e Ode ao Progresso; a palestra de Eugenio Barba 50 anos de trabalho: a
luta contra a natureza do teatro; a demonstração de trabalho Antropologia Teatral; o encontro público dedicado à finalização
da residência artística, do qual participaram todos os membros do Odin Teatret; lançamento e venda de vários livros de Barba e
das atrizes do Odin; Casa do Teatro: sessões dos vídeos A Conquista da Diferença, Nas Duas Margens do Rio, O Teatro encontra
o Ritual, Em Princípio era a Ideia; Teatro do Museu: o encontro A Ponte dos Ventos com Iben Nagel Rasmussen, Elena Floris
e Tatiana Cardoso; a palestra A Organização e a Cultura do Odin Teatret com Base em Experiências desde 2004, com a tour
manager do grupo Anne Savage. Espaço Circo Teatro Girassol: oficina de perna de pau com o ator Donald Kitt.
organização de encontros internacionais de grupos
de teatro; hospitalidade para companhias e grupos
de teatro e dança; Odin Week Festival anual; publicação de revistas e livros (Odin Teatret Forlag e
Icarus Publishing Enterprise); produção de filmes e
vídeos didáticos; pesquisas no campo da Antropologia Teatral durante as sessões da ISTA (International
School of Theatre Anthropology), que desde 1979
se tornou uma aldeia teatral onde atores e dançarinos de diversas culturas encontram estudiosos para
investigar, confrontar e aprimorar os fundamentos
técnicos de sua presença cênica; Universidade do
Teatro Eurasiano; espetáculos do Theatrum Mundi;
colaboração com o CTLS (Centre for Theatre Laboratory Studies) da Universidade de Arhus, que regularmente organiza a The Midsummer Dream School;
Festuge (Semana de Festa) de Holstebro; Festival
trienal Transit, dedicado às mulheres que trabalham
no teatro; OTA (Odin Teatret Archives), arquivos
vivos da memória do Odin; WIN, Prática para Navegantes Interculturais; espetáculos para crianças;
exposições; concertos; mesas-redondas; ações culturais e projetos especiais para a comunidade de
Holstebro e de seu entorno, etc.
O Odin Teatret criou 74 espetáculos que viajaram por 63 países em contextos sociais diferentes.
Durante essas experiências, desenvolveu-se uma
cultura específica do Odin, baseada na diversidade e na prática da “troca”: os atores do grupo se
apresentam à comunidade que os recebe com o seu
trabalho artístico e, em troca, ela responde com
cantos, músicas e danças que pertencem a sua própria tradição. A “troca” é uma espécie de permuta,
ou escambo, de manifestações culturais, e não só
oferece uma compreensão das formas expressivas
alheias como também dá início a uma interação
social que desafia preconceitos, dificuldades linguísticas e divergências de pensamento, juízo e
comportamento.
Nenhum outro grupo de teatro no mundo, até
os dias de hoje, desenvolveu um leque de atividades
tão diversificado quanto o Odin Teatret, criando e
transmitindo incansavelmente sua própria tradição
entre Ocidente e Oriente, alcançando um raio de
milhares de artistas, estudantes e estudiosos – de
diferentes campos do saber – que encontram nele
matéria de inspiração e referência para suas próprias buscas.
insight no público que podia ser bacana.
e mulheres gigantes, profundos, monstruosa-
Alexandre Vargas
Eu também me percebi em algumas per-
mente humanos, inspirando profissionalismo,
Tem uma diferença entre 2010 e 2012 até
guntas que foram feitas, como: “E a questão
ética, coragem, disciplina e inquietude. Eles
pelo formato de trabalho. O que mais me
do amor, como é que fica, com os atores, e
nos inspiram, diria até dolorosamente por ser
chama atenção, como espectador disso tudo,
tal?”. E na pergunta, estava a sombra de seu
tão difícil, que vale a pena manter-se unido.
é perceber uma aproximação que foi se dando
grupo, ou seja, a sombra de seus problemas.
Quando se considera as diferenças e se colo-
gradualmente. Com isso, não estou mirando o
O André Carreira fala que o Odin seria uma
ca o teatro como um ideal, “manter-se unido”
meio cênico, pois os artistas, os atores, foram
experiência, uma nova célula de sociabilida-
– mesmo parecendo impossível – porta um
chegando aos poucos. Eles não vieram todos
de possível para a América Latina. Então, a
significado que vai além do próprio ofício, da
de uma vez só, foram se aproximando. Acho
América Latina se encanta com essa ideia e
própria arte. (...) Mas o que fica depois que
que o Eugenio também fala dessa questão da
vai buscar isso. Eu acho que ainda tem esse
eles partiram é, sobretudo, essa vontade de
“comunidade”. É difícil chegar numa comuni-
referencial nos grupos. Quando perguntam,
fazer igual, de apostar em parcerias fecundas,
dade: tem lutas, tem territórios, tem espaços
perguntam coisas que não são só “como o
de olhar o teatro como algo que vai além de
aí. Muitas vezes, é difícil para os grupos locais
diretor faz”. E acho que o Eugenio é muito
uma produção eventual ou comercial.
se defrontarem com certas coisas, sobretudo
coerente quando diz “essa é a minha ma-
com certas coisas que o Eugenio fala, por
neira de fazer, funciona para mim, pode não
Gilberto Icle
exemplo: coerência, trabalho diário, a ques-
ser eficaz para você”. Ele não está dando re-
Este encontro foi fundamental, pois as no-
tão do ofício. Basta lembrar o que ele falou
ceitas. Mas o que as pessoas querem saber,
vas gerações não conhecem o trabalho do
ontem, como ir contra as leis do teatro, lutar
às vezes não pode ser respondido, pois não
Odin, senão pela narrativa dos mais velhos
contra um teatro rentável, não só na ques-
há respostas, tipo “como eu dirijo? como eu
e pelos livros. Ainda que os espetáculos que
tão financeira, mas na questão da ideologia.
mantenho um ator?".
estiveram em POA não sejam os espetáculos
Sendo que às vezes você é obrigado a ter um
exemplares do grupo, a presença do Odin aju-
trabalho dentro do sistema em que vivemos,
Tatiana Cardoso
da a dar conhecimento sobre sua produção
onde você cede a isso. Hoje, acho que tem
Olha, foi muito interessante ver o Odin na
e mobiliza a discussão sobre a cena contem-
uma mistura de gerações também.
minha cidade, depois de já passados 18 anos
porânea, tão desestabilizada nas discussões
CADERNO DE TEATRO
PRIMEIRO
SEMESTRE
CADERNO DE TEATRO
PRIMEIRO
SEMESTRE
2012
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entre pós-dramático, performance, presença,
po da Iben, ouvir que uma atriz entregou sua
magia. Para mim, ele é um mestre. E mestre,
mento” com essa passagem por aqui. O movi-
progresso artístico. É como se a existência
não interessa. Aquela massa submersa do
etc. Certamente há desdobramentos no que
vida ao teatro, ver Roberta pela primeira vez
para mim, não é só a pessoa que sabe as coi-
mento de pessoas, o movimento das cabeças,
deles se refletisse, em sua constância, na
iceberg, chamado Odin, é que me desafia. O
tange à curiosidade de saber mais sobre o
e seu corpo impregnado de trabalho, ouvir da
sas, é uma pessoa que ama o que faz, que tem
o movimento dos sentimentos. Penso que,
frase: “Acredite, acredite, acredite”.
que mais me pergunto: “E agora!?”. Só sei que
grupo, mas, sobretudo, em relação à forma-
Julia dizer “mas você tem um grupo...” e após
paixão pelo que faz, que se incendeia pelo que
com esse movimento, há uma possibilidade
ção de novos atores, pois boa parte da peda-
receber um sorriso, chorar muitas vezes pela
faz. E assim é ele, o dia inteiro. Você vê ele
de novas articulações entre grupos, entre
Álvaro Rosa Costa
disse Roberta Carreri: "Há uma vontade que
gogia desenvolvida no RS tem relação com o
beleza, generosidade, devoção e respeito pelo
assim, aqui, o tempo todo, rondando, vagan-
profissionais. Podemos arriscar a colocar em
Esta experiência, residência, reverência ou
me habita". Simples, sem fórmulas... trabalho,
trabalho do grupo.
teatro que esses homens e mulheres nos de-
do, preocupado com os detalhes. (...) Eu acho
poucas palavras o retorno que tivemos sobre
seja lá o que for, com o Odin Teatret, explodiu
cumplicidade... possibilidades.
monstram me fez, mais uma vez, ter vontade
que o que atrai e toca todas as pessoas é que
esses dias: um “novo” oxigênio para o teatro.
na minha cabeça, conectou muitos, muitos
Jezebel de Carli
de seguir adiante, força para criar terremotos,
eles são verdadeiros. São de verdade, não são
pontos. Me colocou em estado de alerta, Mar-
PRISCILA DUARTE
Correram os anos e em todos os momen-
querer que os que se foram retornem, tratar
fake. Você pode ver o passar dos anos. Fiquei
Lucas Sampaio
co Zero, Espiral, em movimento. Trabalho há
Teatro Diadokai
tos em que me foi possível procurei estar
o outro com ternura e gratidão e, crer nova-
muito comovido com o primeiro trabalho que
Tive o primeiro contato com o Odin Teatret
muito tempo com música, apesar de ser Ba-
Belo Horizonte, 4 de junho de 2012.
novamente entre o Odin, mesmo sem eles
mente que o teatro pode mudar o humano.
eles mostraram aqui, As Grandes Cidades sob
em Holstebro, durante o Odin Week Festi-
charel em Gravura. Muitas das questões que
Dinossauros em Porto Alegre
vou "encontrar" várias possibilidades. E como
a Lua. Você pode ver, eles envelheceram, mas
val 2011. Lá, entendi o significado do ator
me instigavam no Instituto de Artes da UFGRS
A residência artística com o Odin Teatret
2010 e, finalmente, em 2012 na residência
Irion Nolasco
com dignidade e verdade. É uma maravilha
profissional, possuidor de ferramentas, vir-
estão presentes nas palavras e nas ações dos
Conheci o Odin Teatret como espectadora,
entre grupos. Já não sou jovem nem conse-
Agora também está sendo um feedback de
poder ver isso. Nem dá para falar muito. Eu
tudes, treinamento. Trata-se de uma união
integrantes do Odin. Após 24 anos, consigo
durante um festival de teatro em Montevi-
gui manter-me ao lado dos meus primeiros
coisas, é emocionante. Eu me emociono sem-
fico tão emocionado que... Eu amo o Odin,
de artistas que prova a todos os colegas
entender a magia que estes jovens senhores,
déu (Uruguai) em 1986, quando eu ainda era
pares, àqueles que “se levantaram na ponta
pre com o Barba. Ele não precisa fazer nada,
sou suspeito para entrevistas.
de profissão espalhados pelo mundo que
alquimistas, exercem sobre os artistas. Não
uma estudante da graduação em teatro da
dos pés para que um dia pudessem voar”
ele simplesmente existe e espero que ele dure
o trabalho em conjunto alça voos inimagi-
só atores, mas vários artistas de vários seg-
UniRio. Lembro-me bem da minha impres-
(referência ao texto de Eugenio Barba). Hoje,
120 anos. (...) O grande lance do Barba é a efi-
Jane Schöninger
náveis. Neste momento, em Porto Alegre, o
mentos. Eles dialogam com os princípios da
são: foi como se eu visse a materialização de
em 2012, estou ao lado de outros, tentando
cácia. Aqui no sul dizemos: mata a cobra e
Foi uma overdose de ações, em tão pouco
Odin faz-se necessário justamente na tro-
criação, encontram ecos em Fayga Ostrower,
minhas aspirações juvenis, tão indefiníveis e,
desesperadamente guiar um grupo. Ouvir as
mostra o pau. Ele fala e ele mostra, aí você
tempo. Queríamos mais tempo e mais e mais.
ca, mostrando que o teatro de grupo ain-
Jung, no marceneiro da esquina. Eles "fazem".
subitamente, tão reconhecíveis naquele gru-
palavras de Barba, perceber as marcas no cor-
fica olhando pra ele como se fosse mágica,
A cidade, o Estado, o país esteve “em movi-
da é um caminho de forte identidade e de
Se o resultado é brilhante, bom, ruim, a mim
po de artistas. Foi avassalador.
saberem. Estar sorrateiramente em 94, 95,
CADERNO DE TEATRO
PRIMEIRO
SEMESTRE
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SEMESTRE
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Minha crescente inquietação em torno do fazer
sidência, me perguntei: por que estou indo
sistiram a demonstrações de trabalho, filmes,
que os resultados brotassem do trabalho, sem
Conclusão
o que é diferente. Isso não significa impor
teatral, alimentada pelo contato com o Odin
para esse encontro? Que sentido tem, a es-
espetáculos e conferências. Apesar das opiniões
ter em mãos, desde o início, um texto ou uma
Para concluir, volto ao início da Premissa, como
o próprio horizonte e o próprio modo de
Teatret, me levou ao encontro de outro grupo
tas alturas do campeonato (tenho 46 anos),
elogiosas sobre o que viram naqueles dias, não
história a seguir e sem saber em qual porto se
um uróboro que morde o próprio rabo: “É possível
ver, mas permitir um deslocamento e vis-
identificado com o Terceiro Teatro: o Teatro Tas-
participar de uma oficina de apenas quatro
percebi neles um impacto tão devastador quan-
desejava chegar. E foi assim que aprendemos
narrar uma história sem ser parcial?”. Este texto se
lumbrar um novo território que fique além
cabile di Bergamo. Em 1987, um mesmo evento
dias de trabalho? Por um lado, a expectativa
to aquele que me atingiu durante o festival no
como proceder. Concentrar-se nos impulsos fí-
encerra cheio de frestas, por mais que eu e meus
do universo conhecido.
trouxe ao Rio de Janeiro o Nordisk Teaterlabora-
obviamente confirmou-se: não se aprende
Uruguai. Será que há algo que possa puxar o
sicos e vocais, em sua simultaneidade, inclusi-
“companheiros de viagem” tenhamos tentado resti-
(...)
torium e o grupo italiano Tascabile, que me pro-
nada em quatro dias de oficina. Mas, o que
tapete das novas gerações? O que mudou? Os
ve em oposição à narração, é uma técnica que
tuir alguns pontos de vista desta história que ainda
A meta a ser alcançada não é se identi-
porcionaram outras experiências impactantes,
estava em jogo ali era uma outra coisa. Não
jovens? O tapete?
se baseia na capacidade de reconhecer os si-
se move dentro de cada um, que ainda se faz a cada
ficar numa tradição, mas construir para
com suas oficinas, conferências e espetáculos.
se tratava de aprender nada. No final das
Não creio mais em grupos de teatro. Não sei
nais que o próprio trabalho indica, e cuja qua-
instante, sobretudo quando a memória traz à tona
si mesmo um núcleo de valores, uma
Em 1989, eu e Ricardo Gomes (companheiro
contas, tratou-se de questionar tudo: para
nem se creio mais no teatro. Estranhamente,
lidade pode ser identificada depois de muitas
um fato inesperadamente relembrado ou quando
identidade pessoal, seja ela rebelde ou leal
de trabalho desde então) partimos para a Itália.
onde mesmo estamos indo? Que teatro é este
estes dias em Porto Alegre reascenderam uma
representações. Todos os atores do Odin Tea-
um mesmo fato é reinterpretado sob nova luz.
com as próprias raízes. O único caminho
Foi o início de uma longa relação profissional
que queremos fazer? Por quê? Como? Para
chama tênue. Será o fim do período de latên-
tret passaram por um longo período de apren-
Se dentro deste grande caleidoscópio de pa-
para alcançar essa meta é uma prática
com o Tascabile. Com eles, trabalhamos como
quem? Com quem?
cia do Teatro Diadokai? Só há uma forma de
dizagem durante o qual colocaram à prova
lavras e histórias faltam ainda tantas outras pala-
minuciosa que constitui a nossa identida-
atores estáveis de 1989 à 1994 e, depois, como
A residência em Porto Alegre poderia ser re-
saber: encontrando forças para alimentar a
sua própria capacidade de resistência, e assim
vras e histórias, significa que há espaço para muito
de profissional. É a competência no ofí-
colaboradores em projetos específicos, de 2003
dimensionada a um retorno fantasioso ao
chama. E perseverar.
descobriram energias que ultrapassam o limiar
mais: mais lembranças, mais relatos e, o que é mais
cio que transforma uma condição numa
à 2007. Foi durante este período que a relação
período cretáceo (ou seria jurássico, como
do cansaço. Como é que um jovem encontra
importante, mais encontros.
vocação pessoal e, aos olhos dos outros,
com o Odin se deu de forma mais estreita. Ren-
naquele filme?). Seja como for, serve como
JULIA VARLEY – ODIN TEATRET
hoje um mestre, uma mestra ou uma situação
Aqui, todavia, a parcialidade não está apenas
num destino que é, ao mesmo tempo,
zo Vescovi, diretor do Tascabile, considerava
metáfora: Barba e seus atores como dinos-
Holstebro, 13 de junho de 2012
qualquer que o obrigue a ultrapassar os limites
na história contada. Está também em um arco de
herança e tradição. Somos nós que deci-
Barba como um de seus mestres. Diversas fo-
sauros, que, contrariando todas as certezas
Existem dois temas que me interessam quan-
conhecidos para que ele dê o máximo de si?
tempo que ainda não se encerrou. Com certeza,
dimos, profissionalmente, a qual história
ram as ocasiões de encontro de trabalho entre
da ciência, não estão extintos. Muito pelo
do penso na relação entre o Odin Teatret e as
A técnica teatral é incorporada, é um pensa-
não foi a última vez que gente de teatro de Porto
pertencemos, quem são nossos antepas-
os dois grupos, durante aqueles anos na Europa.
contrário, esbanjam uma vitalidade destila-
gerações mais jovens que, como nós, fazem
mento que é ação, é a inteligência dos pés, é
Alegre foi ao encontro do Odin, assim como tam-
sados, aqueles valores nos quais nos re-
A experiência europeia foi decisiva na criação
da pelos anos, pela maturidade. Estes estra-
teatro hoje: o significado do grupo em relação
algo que não pode ser aprendido nos livros.
bém não foi a última vez que o Odin pôs os pés em
conhecemos. Eles podem ser de épocas e
de nosso grupo no Brasil – o Teatro Diadokai
nhos seres mantêm sua força contrariando a
à produção artística e cultural, e a capacida-
É uma técnica que deve ser assimilada e defen-
Porto Alegre. Certamente Barba e seus atores ainda
culturas distantes, mas o sentido de seu
– fundado em 1996, em parceria com o diretor
ameaça de extinção. Ora, mas todos sabemos
de de suportar uma carga de trabalho que vai
dida dia após dia, praticando o ofício durante
voltarão, até mesmo porque – como disse antes
trabalho é a herança que deve ser tutelada
Ricardo Gomes. Desde então, o Teatro Diadokai
que não existem mais grupos de teatro: este
além do normal. Voltamos a Porto Alegre pela
anos. Em uma era tecnológica, talvez o teatro
Gilberto Icle – “os espetáculos que estiveram em
e transmitida. Cada um de nós é filho do
desenvolveu diversos projetos, envolvendo tam-
movimento já passou. E no entanto, do ou-
terceira vez: isso nos permite continuar encon-
seja anacrônico, mas eu quero defendê-lo exa-
POA não foram os espetáculos exemplares do gru-
trabalho de alguém. Cada um de nós se
bém outros artistas e grupos. Há quatro anos,
tro lado do oceano, na fria Dinamarca, ain-
trando espectadores e gente de teatro do lugar.
tamente porque ele mantém a necessidade de
po...”. É verdade, Porto Alegre ainda não recebeu os
orienta afastando-se de um passado que
nos transferimos do Rio de Janeiro para Minas
da existe um grupo de artistas que acredita
A continuidade e a residência que o Eugenio e
um conhecimento incorporado. Em Porto Ale-
“grandes” espetáculos do Odin. Quem sabe eles não
escolheu para si.
Gerais onde somos professores (eu, substituta e
na ética e na dignidade do trabalho. Como
eu conduzimos para grupos de teatro durante
gre, tive a confirmação que muitos grupos de
voltam nos próximos anos com seu novo e último
Ricardo, efetivo) no Curso de Artes Cênicas da
eles, existem alguns poucos no mundo. Eu
a última visita também me deram a chance de
teatro ainda compartilham essa necessidade e
espetáculo A Vida Crônica?
Universidade Federal de Ouro Preto. A partir daí,
também me vejo como uma espécie de di-
refletir novamente sobre temas que me interes-
a vivenciam através de sua prática.
o Teatro Diadokai entrou em um período de la-
nossauro, que insiste em trabalhar em uma
sam. Um dos aspectos fundamentais do Odin
E para finalmente fechar este artigo falando
tência, enquanto buscamos um equilíbrio entre
profissão em extinção, que não interessa
Teatret, como grupo e como teatro laboratório,
de “influências e reflexões sobre o fazer teatral”,
vida acadêmica e artística.
mais a quase ninguém. Além de sua experi-
é a cotidianidade ao compartilhar atividades
deixo ecoando em vocês mais algumas palavras de
Foi então que surgiu a oportunidade da residên-
ência artística, os dinossauros da Dinamarca
que não estão diretamente ligadas ao resultado
Eugenio Barba:
cia artística com o Odin Teatret, em Porto Alegre.
dividiram conosco, em Porto Alegre, suas in-
(espetáculo), como, por exemplo, fazer o trei-
O reencontro com aqueles que considero como
quietações quanto à efemeridade e à finitu-
namento todo dia. Acho que hoje ficou muito
É através da troca, e não no isolamento,
uma das mais fortes referências em minha for-
de das coisas, preocupações naturais em sua
mais difícil manter essa cotidianidade. A impa-
que uma cultura pode crescer e se trans-
mação artística, mestres dos meus mestres (os
surpreendente longevidade.
ciência para alcançar resultados, a instabilidade
formar organicamente. O que vale para os
artistas do Tascabile), foi, de novo, provocador.
Da residência, participamos eu e Ricardo – o
econômica e o profundo desenraizamento geo-
indivíduos também vale para quem trabalha
A maturidade (minha e deles) temperou este en-
Teatro Diadokai –, além de representantes de
gráfico fazem com que muita gente se contente
no teatro. Mas para que a troca aconte-
contro com novos sabores. Não foi uma reedição
grupos do sul e de outros estados brasileiros.
em colaborar com projetos e, dessa maneira, o
ça, é preciso oferecer algo de volta. Nesse
do Uruguai nem de outras ocasiões que tivemos
Na viagem, nos acompanharam um grupo de
“senso de pertencimento” acaba sendo encon-
sentido, a identidade histórico-biográfica é
na Europa. As questões hoje (para mim e para
jovens alunos do curso de Artes Cênicas da
trado mais dentro das “redes”, e não dos grupos.
fundamental para se confrontar com o polo
eles) são outras. Nos dias que antecederam a re-
Universidade Federal de Ouro Preto que as-
O Odin soube conquistar o tempo para deixar
oposto, o encontro com a “alteridade”, com
Teremos mais histórias para contar.
...
A história do Odin Teatret em Porto Alegre
atravessa fronteiras e gerações, e continuará atravessando.
...
Patricia Furtado de Mendonça
É atriz, professora, tradutora e consultora de projetos teatrais. É também
mestre em Teatro pela UNIRIO e graduada em “Disciplinas das Artes, da
Música e do Espetáculo” pela Universidade de Bolonha (Itália). Em 1998, a
convite de Eugenio Barba, passa a traduzir seus livros do italiano ao português. Atualmente, conduz uma pesquisa sistemática sobre a relação do Odin
Teatret com o Brasil, colaborando com as investigações do Centre of Theatre
Laboratory Studies (CTLS) e do Odin Teatret Archives (OTA), Dinamarca.
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Odin TeaTreT e POrTO alegre