“Mãe, quem é que vai ser mãe desse nenê?”: XI Salão de Iniciação Científica PUCRS Rivalidade fraterna durante a gestação do primeiro irmão Doralúcia Gil da Silva, Caroline Rubin Rossato Pereira, Rita de Cássia Sobreira Lopes (orientador) Instituto de Psicologia, UFRGS Resumo O processo de tornar-se irmão, e os sentimentos de rivalidade dele decorrentes, já teriam seu início desde o momento da gestação do irmão. Participaram do presente estudo 11 mulheres da região metropolitana de Porto Alegre (RS) grávidas do segundo filho. Através de análise de conteúdo qualitativa, com base em uma entrevista semiestruturada, chamou atenção a vasta presença de relatos referentes à rivalidade entre os irmãos, já durante a gestação. Os relatos analisados sugerem que a rivalidade fraterna manifestou-se através de ataques dirigidos ao irmão/à barriga da mãe, do medo de perder o amor/atenção da mãe e do pai, e do medo de ter o seu espaço pessoal (brinquedos, posses) invadido pelo irmão. Em comum, percebeu-se uma busca da criança em preservar um lugar especial para si junto aos genitores. Estes dados estão de acordo com o conceito de rivalidade, segundo o qual a relação progenitores-criança ameaçada pelo irmão - constitui-se na mais importante e formativa relação da vida inicial de uma criança. Introdução No contexto de gestação do segundo filho, o primogênito vivencia o processo de tornar-se irmão e a rivalidade fraterna subjacente. Esta é entendida como um sentimento de inveja, ciúmes e competição que existe entre irmãos dentro da família, podendo tomar a forma de disputa por posses, status, realizações e pelo amor e atenção dos genitores (Volling et al. , prelo). Metodologia 1653 Participantes: 11 mães de um filho em idade pré-escolar e grávidas do segundo filho, integrantes do “Estudo longitudinal sobre o impacto do Nascimento do segundo filho na dinâmica familiar e no desenvolvimento emocional do primogênito” (Piccinini, Lopes, Rossato & Oliveira, 2005). Instrumento: Entrevista com a mãe sobre o impacto da gestação do segundo filho na dinâmica familiar (terceiro trimestre de gestação) (GIDEP/NUDIF, 2005) Análise dos Dados: Análise Qualitativa de Conteúdo (Bardin, 1977) Resultados 1. Manifestações de Rivalidade 1.1. Ataques dirigidos ao irmão/à barriga da mãe Uma vez ele falou que (...) ah, quando o Everton [irmão] chegar eu vou pegar o carrinho e vou jogar lá na escada lá, dá uns ataque assim nele, que ele fala umas coisas assim mesmo, bem agressiva, sabe? (Caso 02) 1.2. Medo de perder o amor/atenção dos genitores Eu acho que ele tá me solicitando um pouco mais por que ele não quer deixar de ser o que ele é, que é filho único. Pra ele até acho que vai ser mais complicado. (Caso 03) 1.3. Medo de ter seu espaço pessoal invadido pelo irmão (brinquedos/posses) Quando a barriga começou a aparecer (...) um dia ele chegou pra mim e disse: “Mãe, quem é que vai ser a mãe desse nenê?”. Aí eu: “Eu”, “Ahn, e eu?”. Eu disse: “Eu sou tua mamãe e vou ser mamãe do nenê”, “Ahh” e saiu. Ai, pobrezinho ele já tá pensando que vai perder a mãe (Caso 11). 2. Estratégias para lidar com a rivalidade 2.1. Por parte da criança 2.1.1. Identificação com o irmão/bebê Uma vez, ela me falou: “Ah, quando a Nina [irmã] nascer, tu vai ter dois nenês”. (...) Eu não quero perder o meu posto de ser o nenê da casa. Mas são essas as pequenas coisas que ela fala que a gente nota que de alguma forma ela sente que vai dividir o espaço e que ela tem algum ciúme (Caso 01). 2.1.2. Diferenciação/Menosprezar capacidades do irmão 1654 Ele passou por uma fase que ele pulava, botava uma perna lá em cima, se atirava no chão: “Oh, mãe, isso bebê não sabe fazer”. “Ah, é verdade, o bebê não sabe fazer”. Então, ele protesta onde e bebê coitado é uma besta, não sabe fazer nada (Caso 11). 2.2. Por parte dos genitores 2.2.1. Educar para dividir Eu não sei se ele vai saber dividir, saber que eu tenho que cuidar da nenê, que nós vamos ter que dar atenção pra ele. Não sei se ele vai conseguir trabalhar esses dois lados. (...) (Caso 10). 2.2.2. Preservar a criança A gente sabe que ele vai enfrentar uma certa rejeição, digamos. Que ele vai perder o troninho dele, a exclusividade. Então, a gente quer tentar amenizar ao máximo isso (Caso 09). Conclusão Alguns autores apontam a importância das relações durante a gestação para a posterior adaptação do primogênito frente à nova realidade da família e à relação fraterna (Dunn & Kendrick, 1986), porém há escassez de pesquisas sobre o período gestacional. Neste estudo percebeu-se a importância da expressão dos sentimentos decorrentes da rivalidade fraterna por parte dos primogênitos e do manejo adequado dos genitores em relação a isso. Assim, aponta-se ainda a relevância de futuros estudos que investiguem melhor as estratégias utilizadas tanto pelos primogênitos como pelos progenitores para lidar com a rivalidade. Referências Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. (L. Reto & A. Pinheiro, Trans.) São Paulo: Edições 70/Livraria Martins Fontes. Dunn, J., & Kendrick, C. (1986). Hermanos y hermanas: Amor, envidia y comprensión. (C. Barrio, B. Barrio & B. Slobodziaanek, Trans.) Madrid: Alianza Editorial. Piccinini, C., Lopes, R., Rossato, C., & Oliveira, D. (2005). Estudo longitudinal sobre o impacto do nascimento do segundo filho na dinâmica familiar e no desenvolvimento emocional do primogênito. Projeto não-publicado. Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Volling, B., McElwain, N., & Miller, A. (2002). Emotion regulation in context: The jealousy complex between young siblings and its relations with child and family characteristics. Child Development, 73, 581-600. 1655