CRISES, CULTURA E INOVAÇÃO COMO AGENTES NO PROCESSO DE REGENERAÇÃO DE CENTROS URBANOS Paulo Reis (1) Agência UFRJ de Inovação, UFRJ (1) [email protected] Ana Beatriz da Rocha (2) Critica independente de Arquitetura (2) [email protected] RESUMO Depois de uma onda de processos de revitalização urbana que focavam na criação de centros financeiros e áreas residenciais de luxo, desde meados dos anos 1990 diversas cidades pós-industriais vêm investindo em “cultura” (i.e. equipamentos/produtos culturais) como força regeneradora de áreas degradas e como fator preponderante na mudança da identidade dessas cidades – onde empreendimentos como o Museu Guggenheim, em Bilbao, poderia ser citado como exemplo máximo desta política de intervenção. Entretanto, mesmo antes da crise financeira de 2008 (que teoricamente tem modificado o foco dessas políticas de intervenção que privilegiam arquiteturas espetaculares per se) existiam indícios de que uma nova vertente – preocupada em identificar, consolidar e promover as práticas culturais existentes em tais lugares e a ‘dar voz’ aos agentes que as promovem – se tornaria mais evidente. Nosso intuito é discutir esse processo de transformação das políticas de intervenção urbana, sugerir ferramentas de tomada de decisão e diretrizes projetuais e, sobretudo, identificar como essa nova vertente vem (ou deveria estar) produzindo novas formas de se pensar, estudar, discutir, propor, desenhar e intervir em espaços degradados nas cidades. Palavras-chave: Processos de revitalização urbana. Cultura e Indústria criativa. Diretrizes projetuais. Design Thinking. ABSTRACT After a period of regeneration processes that focused on the provision of financial and elitist residential districts, since the mid-1990s several post-industrial cities have been investing in the regenerative power of “culture” (i.e. cultural buildings/commodities) in order to revitalise derelict areas and shift cities’ identities – where the Guggenheim Museum, in Bilbao, could be considered “the” flagship urban regeneration development. However, even before the 2008 economic meltdown (which, theoretically, has changed the focus of interventionist politics that privileges spectacular architectural elements per se) there were some hints that a new agenda – more concerned with identifying, consolidating and promoting existing cultural practices and ‘giving voice’ to the agents who promote them – was emerging. Our intention is to discuss the processes of changes in these interventionist urban strategies, to suggest few decision-making and design strategies and, foremost, to identify how this new agenda is (or at least should be) promoting new ways of thinking, studying, discussing, proposing, designing and modifying cities’ derelict spaces. Keywords: Urban revitalisation processes. Culture and the Creative Industries. Project guidelines. Design Thinking. 1 INTRODUÇÃO Com o declínio da produção industrial de base em meados dos anos 1960, diversas áreas industriais centrais em cidades no então considerado “primeiro mundo” entrariam num processo de degradação física e simbólica – processo o qual se tornaria mais evidente nos anos 1970 com a crise do petróleo, crise econômica e alto índice de desemprego no setor. Assim, vastas áreas industriais foram sendo desativadas ou simplesmente sucateadas – o que geraria um processo cíclico de falta de investimentos, por parte do poder público e da iniciativa privada, e de evasão populacional nas áreas residenciais adjacentes. Entretanto, em fins dos anos 1970 uma nova política de intervenção e de ocupação urbana começaria a transformar o caráter dessas áreas degradadas: no lugar de estruturas abandonadas e do aspecto decadente essas áreas seriam ocupadas por novos empreendimentos, como centros financeiros e condomínios residenciais exclusivos. Exemplos como World Financial Centre, em Nova York, ou Canary Wharf, em Londres, seriam planejados para suprir uma demanda especifica por certos equipamentos arquitetônicos e urbanos como flats, lofts, edifícios de escritórios coorporativos, shopping malls, etc. Paralelamente, uma peculiar configuração espacial e morfológica urbana surgiria em decorrência da especulação de mercado e com o objetivo de atrair os “gentrifiers” – classe social que, junto com os preceitos do neoliberalismo econômico, estava em ascensão na década de 1980. Ainda que durante os anos 1980 tais processos de “regeneração” tenham acontecido em termos econômicos, arquitetônicos e urbanísticos, não se pode dizer que tenha acontecido o mesmo (pelo menos não na mesma amplitude) em termos sociais – visto que na maior parte dos casos a população local ou já não fazia parte desse microcosmo, ou já não participava mais das decisões sobre os rumos da comunidade, ou simplesmente foi compelida a sair devido ao processo de gentrificação implementado. Desta forma, empreendimentos como os acima citados contribuíram não somente para a consolidação de processos de exclusão social e de imposição de valores estéticos, funcionais e de uso por grupos externos às comunidades em questão; eles evidenciam como políticas de regeneração urbana de áreas centrais degradadas tendem a negligenciar a cultura e a história local, favorecendo a criação de núcleos de usos bastante específicos (processos de “ghettoisation”) e contribuindo ainda mais para a segregação morfológico-espacial das cidades. E essa forma de se “regenerar” áreas centrais das cidades prevaleceria até que uma nova crise, nos inicio dos anos 1990, mudasse o foco e o perfil desses empreendimentos. Com o interesse cada vez menor em investir e/ou subsidiar atividades relacionadas à indústria de base, e com a economia global cada vez mais centrada em provir serviços e bens de consumo materiais e/ou imateriais, governos de cidades ditas pós-industriais adotariam a “cultura” como força regeneradora – melhor dizendo, investiram em empreendimentos com “perfil cultural” com o intuito de revitalizar suas áreas centrais degradadas. Não que o uso da “cultura” como política de intervenção urbana fosse novidade; o que mudou foi a forma como a cultura (i.e. indústria cultural) foi manipulada para melhor se adequar a tais propósitos. Assim, a questão da preservação do patrimônio artístico-cultural (material e nãomaterial), o processo de “turistificação” de áreas centrais das cidades, e a realização de eventos esportivos (Jogos Olímpicos, Copa do Mundo e Mundiais), culturais (Carnaval, Réveillon, e eventos sazonais) e políticos (Rio 1992; Rio+20) de grande porte se tornariam grandes oportunidades não só para atrair investimentos, público e a atenção da mídia, mas sobretudo para modificar o caráter físico e simbólico das cidades. Esses eventos passariam a ser altamente disputados justamente pelo poder “regenerador” imediato que eles promovem. Mas até que ponto esse modelo de regeneração urbana poderá ser repetido indiscriminadamente? Será que esse processo de transformação de áreas degradadas centrais em polos turísticos e de reintegração destas ao tecido urbano considera de fato as culturas e as comunidades locais? Nossa intenção é 1) discutir como esses processos de regeneração urbana via cultura foram sofrendo graduais mudanças e se tornando cada vez mais complexos e 2) indicar, por meios de estratégias de tomadas de decisão e de design, formas de como incluir os diversos agentes que estão direta ou indiretamente envolvidos nesses processos. 2 ALGUNS CONCEITOS; ALGUNS EXEMPLOS Como dito anteriormente, nos anos 1990 uma série de cidades pós-industriais teriam seus perfis substancialmente modificados devido as intervenções urbanas de grande porte. Cidades como Manchester, Glasgow, Paris, Berlin, Barcelona e Bilbao, dentre muitas outras, investiram em “cultura” com o intuito de não só de transformar antigas áreas centrais degradadas em “novos” polos de cultura mas também de criar “novas” áreas turísticas e incentivar o crescimento de uma economia de serviços i (BIANCHINI & PARKINSON, 1993; URRY, 1995; LANDRY in GAFFIKIN & MORRISSEY, 1999; LORENTE in CRANE, KAWASAKI, KAWASHIMA, 2002; BOURDIER in MILES, HALL, BORDEN, 2004). Mesmo sendo completamente distintas, essas cidades tinham alguns aspectos em comum: um momento político bastante particular que desejava deixar impresso no tecido urbano a sua visão de “modernidade”; a intenção de se investir em projetos de cunho “inovador” (seja programática, formalística ou arquitetonicamente falando) que pudessem ser o símbolo dessas “novas” políticas urbanas; e a criação de alianças entre os setores público-privado para subsidiar e implementar tais projetos. A aprovação de planos diretores e de regeneração urbana que evidenciassem essa “modernidade”, essa mudança drástica no perfil das cidades, seria uma prática adotada quase que indiscriminadamente. E com isso se criaria uma “fórmula” para recuperação de áreas centrais degradadas (MILES, 2004; da ROCHA E SILVA, 2008), onde empreendedores, planejadores urbanos e políticos adotariam medidas como (tradução e negrito nosso): (…) expandir setores econômicos como lazer, turismo, mídia e outras indústrias culturais, incluindo moda e design, numa tentativa de compensar os postos de trabalho fechados em segmentos industriais tradicionais. A promoção de uma vida cultural cosmopolita e vibrante vinha sendo percebida como um elemento crucial de marketing das cidades e de internacionalização de estratégias elaboradas para atrair capital móvel internacional e mão de obra qualificada, particularmente em setores como indústrias de ponta e de serviços. (BIANCHINI & PARKINSON, 1993, p 2) Essa repetição de modelos de regeneração urbana é compreensível porque estes projetos criaram uma forma alternativa de promover crescimento econômico e revitalização sociocultural, sobretudo em antigas áreas históricas (HARVEY, 1997; ZUKIN, 1990). Ainda que obras infraestruturais e a provisão de equipamentos urbanos e arquitetônicos sejam indiscutivelmente o resultado mais visível dessas políticas de transformação urbana (POWELL, 2000; RICHARDS, AITCHISON, TALLON, 2007), argumenta-se também que estes empreendimentos ajudaram promover a “cultura local” e o patrimônio artístico-cultural dessas áreas, incluindo-as numa rede global de exemplos de regeneração urbana que privilegiam o uso de atividades culturais e de turismo como fatores geradores de crescimento econômico – embora a questão da inclusão social seja discutível (ZUKIN, 1990; SADLER, 1998; LOFTMAN & NEVIN in MILES & HALL, 2001). Essa conexão entre cultura, arquitetura e urbanismo é estabelecida pela capacidade de se criar espaços públicos (teoricamente) abertos a todos e, portanto, gerador de produção/consumo coletivo de cultura (BALIBREA, 2001; MILES, 2004). Por outro lado, novos equipamentos culturais dependem não somente de políticas culturais de incentivo/subsídios mas também de uma produção cultural constante que supra as exigências do mercado (turístico) – que por sua vez depende de uma economia equilibrada, a qual permita um número cada vez maior de pessoas visitarem esses locais e consumirem esses produtos culturais. Imaginar cidades através de arquiteturas espetaculares e da (re)organização de espaços urbanos se tornou um meio de se atrair capital e gente, criando uma crescente rivalidade entre-cidades (HARVEY, 1997). Entretanto, simplesmente provir elementos de caráter cultural em tais áreas não necessariamente as transforma em áreas gentrificadas ii e/ou de interesse turístico, nem tampouco inclui automaticamente uma cidade na tal rede global de cidades que tiveram processos de regeneração urbana considerados “positivos”. E é indiscutível que esses processos vêm se tornado cada vez mais complexos e, de certa forma, imediatistas – o que significa que a adoção de “modelos” per se não garante o sucesso de tais intervenções no que diz respeito a reinserção de áreas degradadas no tecido urbano e social das cidades (tradução e negrito nosso). Por uso e valor, as áreas gentrificadas são incorporadas em uma maior estrutura sócio-espacial. Inicialmente um enclave – ou mesmo um pequeno agrupamento – de consumo de classe media-alta, esta nova área é conectada à uma nova concentração de serviços ‘criativos’ (propaganda, arquitetura, editoração) (…) e, se legislações e preços permitirem, como em Lower Manhattan, à sedes de grandes empresas financeiras. Uma ‘cidade pedestrianisada’ é criada. Neste ponto, entretanto, a área gentrificada se transforma em veículo (residencial e comercial) para a especulação de capital de investimento. A circulação de capital que é iniciada pela “revitalização” dos centro das cidades concentra-se em novas construções (…). Gentrificação é reproduzida quando possível para impulsionar essa dinâmica: não porque é bom, mas porque funciona para aumentar o valor do capital de investimento. (ZUKIN, 1990, pp 49/50) Os museus Guggenheim, em Bilbao, ou o Centro de Arte Contemporânea, em Barcelona, ou mesmo a TATE Modern, em Londres, podem ser mencionados como exemplos dessas práticas onde a implementação de equipamentos culturais de grande porte em áreas degradadas promoveram não só uma completa modificação do caráter físico e simbólico do tecido urbano imediato mas também na identidade das cidades que os abrigam (LOFTMAN & NEVIN in MILES & HALL, 2001; MILES, 2004; da ROCHA e SILVA, 2011). Indiscutivelmente, esses projetos foram responsáveis por uma ampla renovação desses microcosmos – ajudados pelo grande prestígio na mídia, atraindo um público cada vez maior e mais diversificado, e promovendo uma nova onda de investimentos e de circulação de capital. E apesar da maior parte desses empreendimentos sustentar que o processo de regeneração urbana nessas áreas centrais degradadas não seria completo sem promover a inclusão social de comunidades locais e/ou desfavorecidas, o que se verifica, usualmente, é que esses discursos iniciais tendem a se alterar, passando a privilegiar apenas a reintegração (física e simbólica) dessas áreas degradas ao tecido urbano existente. Ou seja: tais comunidades locais que, a princípio, seriam as maiores beneficiadas com a vinda desses novos empreendimentos são gradualmente postas de lado no processo de regeneração urbana/social. O problema, talvez, seja justamente o “modelo participativo” adotado. Ao invés de promover um maior envolvimento nos processos de tomada de decisão e de design em diferentes etapas, seja por meio de consultas públicas, ouvidorias ou mesmo dinâmica de grupos, por exemplo, as comunidades locais tentem a ser gradualmente excluídas nas fases mais avançadas dos projetos. Um outro fator preponderante é o natural desgaste da “fórmula” adotada desde os anos 1990, que se concentra, na maioria das vezes, em apenas explorar a “cultura” como principal fonte geradora de regeneração urbana. Ou seja: os modelos de regeneração urbana “criados” nos anos 1990 dependem fortemente de uma constante produção de equipamentos culturais de grande impacto (seja na cidades, no tecido urbano, nas comunidades, na mídia), cujo poder regenerativo se dá por via de grandes obras infraestruturais e, consequentemente, por grandes modificações físicas e simbólicas iii. 3 ALGUMAS PROPOSTAS PARA UMA MELHOR PERCEPÇÃO DO PROBLEMA Ao alterar física e simbolicamente os espaços compromete-se, também, a forma como estes são percebidos, apreendidos e apropriados. Assim, entender 1) a dinâmica da transformação dos centros urbanos, principalmente depois do estabelecimento da web como como um novo paradigma social, profissional e comportamental iv ; 2) as questões que mobilizam e direcionam os interesses e as intenções dos indivíduos e de grupos de indivíduos (LITTLE, 2001 e 2004; GÜNTHER & ROZESTRATEN, 2005); e 3) o poder de atuação das indústrias criativas (incluindo arquitetura e o design) em diversas esferas cotidianas são questões prementes e que deveriam fazer parte de agendas políticas de cunho sustentável. Essas políticas deveriam buscar compreender não só a complexidade das formas (espontâneas ou planejadas) de identificação, apreensão, ocupação e intervenção nos espaços urbanos mas também como propostas de regeneração de áreas centrais degradadas poderiam ser muito mais bem sucedidas se levassem em conta características socioculturais e comportamentais especificas. v POL (1996) aponta dois aspectos que abrangem o tema da apropriação espacial de forma objetiva: 1) o aspecto da ação transformadora, onde se caracteriza um espaço (que é de alguém ou de ninguém) que acaba sendo transformado por um indivíduo ou grupo social ao ser adotado e dotado de significados; e 2) o aspecto da identificação simbólica, onde o espaço apropriado ou em processo de adoção já é reconhecimento (individualmente ou pelo grupo social) e, nesse caso, este “novo” espaço gerado ou transformado oferece a ideia de estabilidade, continuidade e manutenção dos elementos formadores da identidade. A malha de causa e efeito que sustenta o fenômeno da apropriação é construída no campo ideal de conformação da identidade. Desta forma, experiências, histórias e símbolos se interpenetram e interagem com as características espaciais. POL (1996, p.47), citando CHOMBART DE LAUWE (1976), enfatiza a multidimensionalidade que permeia a questão do envolvimento dos indivíduos com o ambiente físico ao defender que: (...) os processos psicossociais da apropriação compreendem ao mesmo tempo processos cognitivos, afetivos, simbólicos e estéticos que dependem da relação com outros indivíduos ou grupos e de situações objetivas de dominância ligadas aos modos de propriedade. É a partir de tudo isso que as cores, as formas, a luz, os cheiros, as perspectivas, etc. podem dar uma impressão de prazer, posse e realização, enquanto o desagradável pode dar uma sensação de estranheza, de alheio. (POL, 1996, p 47) Mas antes de discutir algumas possíveis formas de interação entre esses processos de apropriação e desapropriação e os processos projetuais há de se mencionar uma transição de valores, que levaram a um entendimento mais complexo dos fatores que interferem no espaço urbano – sobretudo no que tange a implementação de políticas culturais e urbanas desde os anos 1990. É evidente que fenômenos como a “culturalização das sociedades” (CRAIK in ROJEK & URRY, 1997), o crescente individualismo, e a espetacularização dos produtos culturais, que se tornaram cada vez mais recorrentes nas sociedades contemporâneas, são oriundos de políticas culturais adotadas desde os anos 1960. Naquela época, a ordem era privilegiar os discursos de desconstrução de ideias, de perspectivas. Essa “desconstrução” se expressava em formas como colagem, justaposição, coexistência, fragmentação, sendo visível em manifestações artísticas como moda, música, literatura, cinema, artes plásticas e arquitetura (BERMAN, 1983; DEBORD, 1983; BOURDIEU, 1986; JAMESON, 1991; BAUDRILLARD, 1998; LIPOVETSKT, 2005) vi . Além disso, um grande estimulo à produção cultural de massa, impulsionado pela poderosa indústria do marketing, resultaria numa grande oferta de produtos e serviços criados para suprir uma demanda de consumo de bens culturais cada vez maior. Por outro lado, uma constante necessidade de se investir em inovações tecnológicas e em meios de comunicação, somados a uma constante busca pela expressão e realização pessoal resultariam no que LIPOVETSKY (2005) chama de “processos de personalização”: ou seja, processos que por um lado validam as experiências pessoais como necessárias, legítimas e relevantes, mas que por outro estimulam o individualismo, o narcisismo e o egoísmo. Esses “processos de personalização” se tornariam cada vez mais evidentes devido justamente aos avanços tecnológicos e de meios de informação: a web, a internet, blogs, compartilhamento de fotos/vídeo/imagem, dentre outras formas de interação, permitem que indivíduos sejam indivíduos (i.e. unidades) dentro de um sistema sociocultural/ políticoeconômico comum. Um outro fator importante nessa dinâmica é o papel da cultura pop e da mídia. Segundo McLUHAM (1964), o surgimento de meios de comunicação de massa, independente do conteúdo (pois “o meio é a mensagem”), possibilitou conectar pessoas com diferentes backgrounds, dando oportunidade de se confrontar e questionar aspectos locais e globais – o que, por sua vez, possibilitaria também o desenvolvimento de uma visão crítica (ainda que fragmentária, e por vezes superficial ou subjetiva) por diversos segmentos da sociedade (tradução nossa). (...) A aproximação entre cultura popular e produção cultural na era contemporânea, ainda que altamente dependente de novas tecnologias de comunicação, parece sofrer com a falta de um impulso revolucionário, o que leva muitos a acusarem a pósmodernidade de uma simples e evidente submissão à comercialização, à produção e ao mercado. Independente disto, muito da pósmodernidade é conscientemente anti-aurática e anti-vanguardista, e busca explorar a mídia e arenas culturais abertas a todos. (FOSTER. Recordings: art, spectacle, cultural politics [1985] in HARVEY, 1997, p 59) E a tendência ao individualismo também se verificaria em termos arquitetônicos e urbanísticos, onde a implementação de estruturas cada vez mais independentes em tecidos urbanos consolidados se faz evidente vii . Este entendimento fragmentado do espaço urbano, onde estruturas arquitetônicas de grande apelo visual geralmente não tem qualquer relação nem com seu entorno imediato nem com a cultura local leva, evidentemente, a uma forma bastante particular de se apreender, apropriar e intervir no espaço urbano. Assim, de forma a modificar esse entendimento fragmentário e, de certa forma, superficial, especialistas (geógrafos, arquitetos, designers, planejadores urbanos, sociólogos, etc.) devem evidenciar a relevância de se redescobrir atributos físicos e simbólicos via experiência direta – algo que os Situacionistas da década de 1950 já diziam primordial para regenerar áreas degradadas e/ou comunidades fragilizadas, sobretudo as que sofreram com políticas intervencionistas ineficientes que transformaram esses locais em enclaves (SADLER, 1998). Seguindo os discursos de inclusão social oriundos da década de 1960, métodos participativos de design poderiam, talvez, criar maiores possibilidades de engajar essas comunidades nesses processos de (re)invenção de simbolismos e de regeneração urbana. Questionários, desenhos, mapas mentais, workshops, dinâmicoas de grupo, dentre outras técnicas, poderiam ser usados durante as primeiras fases de avaliação do lugar, num esforço conjunto de se entender as aspirações, expectativas, receios, dúvidas e desejos dessas comunidades no que diz respeito aos processos de modificação do tecido urbano e do ambiente construído – algo que eventualmente poderá avaliar quão relevante foram as reinvindicações dessas comunidades para se regenerar partes especificas das cidades (LYNCH, 1960; CULLEN, 1961; BACON, 1975; ALEXANDER, 1977). Com o uso dessas ferramentas participativas percebe-se, então, um processo de entendimento de um universo de estruturação cognitiva em três dimensões: a individual, a coletiva grupal e a coletiva social. A primeira dimensão é onde estão os maiores desafios e complexidades, uma vez que trata-se de uma construção unitária e individualizada: ou seja, cada indivíduo tem características únicas e que são relevantes apenas para si próprio, ainda que estas possam ser parte se um sistema de signos/valores coletivo. A busca pelo entendimento dessas unidades (dimensão individual) e desses conjuntos de unidades (dimensão coletiva) é uma busca por símbolos, imagens e interpretações que estão “escondidos” na forma de expectativas, comportamentos, atitudes e demais práticas rotineiras. É importante, portanto, dar voz e visibilidade a estes indivíduos (atores e agentes) pois eles formam um rico panorama composto de subjetividades – histórias, experiências, visão de mundo, preocupações, intenções, limitações, interesses, etc. – que são bastante relevantes para a conformação de ideias e de propostas que visam não somente a integração social destes indivíduos mas sobretudo o seu bem-estar. Desta forma, processos projetuais e de tomada de decisão que preveem a identificação e o entendimento dos movimentos, o aumento da complexidade e a necessidade de se interagir com um número maior de atores e agentes teriam mais chances de serem bem sucedidos. 3.1 Ferramentas de mapeamento dos atores, fatores e agentes – exemplos de processos participativos de projeto e de tomada de decisão Conforme discutido previamente, a práxis adotada nesses processos de regeneração urbana era de imposição de valores e/ou soluções onde as comunidades tinham pouca ou nenhuma voz nas tomadas de decisão. Essa exclusão era vista não como um problema mas, talvez, como um fator a ser considerado apenas parcialmente, devido às dificuldades em se promover uma maior interação entre diversos agentes e atores – incluindo arquitetos, designers, políticos, moradores, trabalhadores, turistas etc. Por outro lado, as decisões geralmente ficam nas mãos de técnicos e/ou burocratas, que tendem a entender o problema de forma diferenciada e mais pragmática. Um outro argumento é que seria impossível dar voz e visibilidade a todos os atores e agentes de forma igualitária, ampla e irrestrita – o que tornariam esses processos de tomada de decisão e de projeto intermináveis, visto que cada uma dessas pessoas envolvidas tem opiniões, visões, expectativas e entendimentos diferenciados. Entretanto, seria possível identificar e mapear padrões de comportamento similares e, com base nesse modelos, propor soluções e intervenções. De forma a melhor visualizar e assimilar esses dados e a ação desses agentes e fatores é recomendado o uso de material visual como mapas, tabelas, gráficos, diagramas, etc. particularmente ao discutir conceitos abstratos durante dinâmicas de grupos heterogêneos e multidisciplinares. Esses elementos visuais ilustram melhor e de forma mais clara a relação entre os diversos atores, agentes e fatores envolvidos no processo, indicando perfis de comportamento, ou possíveis diretrizes projetuais, ou mesmo potenciais problemas ainda em fases primárias de discussão. Figura 1 – exemplos de diagramas ilustrativos: uma ferramenta eficiente na decodificação, entendimento e visualização de conceitos, problemas, soluções, agentes e atores. imagem: REIS FILHO, 2007 A principal razão para se construir tais elementos visuais é evidenciar a importância de processos cognitivos (em ambos os níveis individual e coletivo) e como preocupações, expectativas, aspirações e fatos reais se inter-relacionam criando, portanto, um rico banco de dados. Na verdade, discutir esses atributos e fatores num ambiente multidisciplinar pode resultar numa abordagem ainda mais rica e numa análise mais detalhada do problema proposto. Assim, cruzando dados de cunho individual com dados de cunho coletivo ampliam-se as possibilidades de entendimento do problema, além de apontar para possíveis caminhos estratégicos de tomada de decisão e diretrizes de projeto. Figura 2 – entendendo a relevância de cada componente e transformando dados em potenciais diretrizes projetuais e de tomada de decisão imagem: REIS FILHO, 2007 Um outra linha de abordagem, mais atual, é o design thinking, que pode ser definido em duas dimensões paralelas e de igual magnitude: uma considera a documentação codificada – i.e. sequenciada e interativa de como um arquiteto/designer estrutura as fases de seu planejamento frente à uma oportunidade ou problema; a outra é a representação gráfica dos encadeamentos, associações e combinações dos processos mentais – i.e. como se dá a conformação do pensamento. Com o objetivo duplo de mapear a forma e conteúdo desses processos mentais e de projeto, a metodologia do design thinking volta às origens Bauhausianas e acrescenta o pensamento estratégico (i.e. a soma do entendimento e conformação de uma oportunidade ou solução de um problema à intenção de projeto) à orientação e aos interesses e intenções competitivas que os projetos demandam. Na Bauhaus se desenvolveu, dentre várias dimensões de sofisticação teórica e prática, a busca por uma convivência complementar entre o pensamento criativo e o pensamento crítico – e a estrutura do pensamento estratégico é derivada deste último. Um outro tipo de pensamento, o sistêmico – adotado na Bauhaus principalmente por WERTHEIMER (1945) e LEWIN (1935 e 1951) –, também faz parte do escopo do design thinking. Depois da construção teórica de BERTALANFFY (1975), o entendimento das questões (i.e. produtos, problemas, organismos, oportunidades, etc.) como um sistema passa a implicar na compreensão do mundo de forma holística, na forma de rede, onde cada ator e cada parte tem influência e impacto direto sobre o comportamento do todo – i.e. a Gestalt. Assim, o pensamento sistêmico traz, fundamentalmente, a necessidade de se perceber o comportamento interativo de cada ator e suas relações de interdependência. O mapeamento do desenvolvimento do pensamento desses atores é o que os brand designers chamam de moodboard. As intenções que orientam as dimensões comportamentais de cada ator em suas práticas de conduta e rotina é o que os designers chamam de user journey. O mapeamento dessas jornadas deve ser feito de forma genérica e ampla, permitindo a manifestação de uma maior gama de elementos e atores, mas também de forma focada, entendendo que os especialistas são os atores que detém as informações mais complexas, baseadas em experiência própria em área específica do conhecimento – como se faz, por exemplo, nas condutas dos Sistemas Fuzzy (ZADEH, 1975). Estes atores especialistas vão se caracterizar por ter um alto grau de influência, impacto e importância em determinado contexto. É inegável que a complexidade de um determinado contexto se caracteriza pela quantidade e dinâmica das variáveis do sistema. Portanto, a forma mais eficiente de se compreender o contexto é o amplo mapeamento das questões críticas que compõem o ambiente – incluindo os diversos atores e fatores presentes. O sistema macro deve ser compreendido como a soma dos subsistemas micro, numa reunião de registros documentais, simbólicos, imagéticos e ferramentais. A prática do design – da articulação do projeto no intuito de solucionar um problema e, portanto, o alcançar uma inovação – se estrutura em algumas premissas fundamentais no âmbito do conhecimento puro, da pesquisa e da prática (i.e. o conhecimento aplicado). Nesse sentido os arquitetos/designers desenvolvem a percepção e a capacidade de articulação crítica em uma larga gama de temas como: • mapeamento espacial; mapeamento sociocultural • dimensionamento econômico; • uso de materiais e matérias-primas; • processos de fabricação/construção; político-estratégico; mapeamento • sistemas de produção; processos de desenvolvimento projetual • cadeia de valor; planejamento mercadológico; • comportamento do consumidor/cliente; • experiência do usuário; • cadeia de descarte, etc. Como práxis profissional, espera-se que o arquiteto/designer saiba interagir com diferentes sistemas de códigos, diferentes atores a agentes, e com as variáveis existentes. A cada processo de interação na cadeia produtiva o designer trabalha com códigos específicos daquele determinado canal de interação/comunicação. A interpretação desses códigos não deve ser considerada “um problema”, visto que as ciências associadas à percepção vêm fazendo parte da formação conceitual e holística do arquiteto/designer desde a Bauhaus. Assim, o campo da percepção individual e das ciências sociais (percepção coletiva) alimenta, de forma permanente e contínua, os planejamentos e desenvolvimentos do projeto (REIS, 2012). Presume-se, também, que uma maior delimitação do escopo do problema – e consequentemente da atuação dos agentes e atores envolvidos no processo – seja alcançada em fases posteriores à esta interpretação de códigos. Há um gradual processo de refinamento de ideias e de busca de soluções onde, naturalmente, os especialistas são mais requisitados. Não que os diversos atores e fatores que fazem parte do escopo do problema inicial não sejam importantes nessa fase de aprimoramento, mas é que há uma certa necessidade de se limitar o campo de ação em busca de soluções e/ou diretrizes. Desta forma, uma perspectiva importante para se observar os subsistemas – e.g. núcleos culturais emergentes – dos grandes sistemas urbanos é justamente pelo “olhar holístico” (BITNER,1992, p.60), entendendo os ambientes (de oferta de serviços, de trocas sociais, de sistemas culturais, de relações hierárquicas, etc.) como uma cadeia complexa e integrada. Assim, é importante entender cada subsistema como um servicescape; i.e. um ambiente físico onde ocorrem trocas reais e simbólicas, de forma interativa, e onde cada sub-subsistema ou ambiente tem sua própria influência e impacto no universo macro. BITNER (1992, p 60) divide em três as formas de filtro temático para o entendimento deste universo: 1) dimensão físico-ambiental; 2) dimensão espaçofuncional; e 3) dimensão sígnico-simbólica. A partir dessas três formas é possível desenhar um cenário de impactos e influências que podem compor esse espaço/campo de serviços culturais, por exemplo, abordando suas necessidades, particularidades, desafios, riscos, etc.: • Ambiente Sistêmico: mapa dos conjuntos de atores envolvidos e seus interrelacionamentos e interdependências; • Ambiente Financeiro: realidade econômica e financeira da demanda e do contexto; • Ambiente Tecnológico: realidade da infraestrutura tecnológica existente, tratando necessidade X viabilidade e buscando identificar o impacto e influência dos gaps (lacunas) na entrega, na qualidade, no desenvolvimento e nos prazos; • Ambiente Político-legal: requisitos, limitações e fronteiras de decisão, buscando impactos, influências, riscos e potenciais consequências dos stakeholders; • Ambiente de Competências: qualidade, quantidade e possibilidades técnicas das competências existentes, focando comportamentos, habilidades e atitudes; • Ambiente Estético: mapeamento das características formais, simbólicas e funcionais requeridas X congruências e consistências entre viabilidade técnica projetual e intenções – observando as questões relativas à tendências de comportamento, marca, estilo, qualidade, organicidade, sustentabilidade, dentre outras; • Ambiente Humano: realidade das relações interpessoais, associativas, construtivas e estruturais do ambiente social e cultural Figura 3 – ilustração mostrando a interação e interrelação entre os ambientes de um sistema cultural, por exemplo imagem: REIS FILHO, 2007 Portanto, numa etapa posterior à identificação de códigos, atores e fatores que compõem o problema é recomendado não somente um maior engajamento dos especialistas como também o uso de ferramentas mais especificas. Para o melhor entendimento e definição do escopo destes ambientes (e, consequentemente, para o melhor desenvolvimento dessas tarefas), algumas ferramentas metodológicas são sugeridas: • metodologia de MUNARI (1981) para condução projetual (definição do problema, componentes do problema, coleta de dados, análise de dados, desenvolvimento criativo, materiais e tecnologias, experimentação, modelo, verificação, definição construtiva, solução/implementação); • mindmap situacional (contextualização utilizando o método de BUZAN (2003) – criador do software Mind Map); viii • anotações de campo – caderno de registro utilizando os conceitos de estranhamento de GEERTZ (1973); • funções do design – MUKAROVSKY (1936, 1979); LOBÄCH (1976, 2001): estruturação da matriz paramétrica de funções; • jornadas do usuário (user journey) – mapeamento dos procedimentos de uso e rotinas de comportamentos, intenções e interesses de determinado ator (baseados em service design); • storyboards das rotinas diárias – mapeamento comportamental e das atitudes dos agrupamentos em foco; • moodboards dos usuários – mapeamentos semânticos do usuário; • moodborads coletivos – mapeamentos semânticos dos conjuntos de usuários; • timeline dos papéis emocionais dos atores – mapeamento dos comportamentos na linha do tempo; • revisão de perspectiva de tempo e espaço (paradas técnicas para convergência e abdução); • tipologias e perfis de comportamento – perfis cognitivos e estruturação de tipologias arquetípicas (BLOOM, 1956); MARK and PEARSON (2001); MARTINS (1999); • ‘espinha de peixe’ –– diagrama de causa e efeito de ISHIKAWA (1943): medidas, materiais, setor de pessoal, ambiente, métodos e maquinário; • ‘gut’ – metodologia de KEPNER & TREGOE (1991): matriz de relacionamento entre atividades ou fatores de projeto/problema e seu status quanto à gravidade, urgência e tendência; • ‘swot’ – (baseada em TZU, 2000) – forças, fraquezas e ameaças; • ‘pdca’ – plan, do, check and act; • ‘5w+1h’ – what, where, when, why, who + how; • funil de decisão – metodologia de foco na decisão de BAXTER (2000, p.18): 1) estratégia de negócios + todas as oportunidades de inovações possíveis; 2) melhor oportunidade de negócio + todos os produtos possíveis; 3) melhor oportunidade do produto + todos os conceitos possíveis; 4) melhor conceito + todas as configurações possíveis; 5) melhor configuração + todos detalhes possíveis; 6) protótipo + novo produto; • ‘stage gate’ – metodologia de COOPER (2001) de seções interativas e cíclicas (identificação do problema; elaboração do estudo de caso; desenvolvimento do projeto; teste e avaliação; lançamento e revisão pós-lançamento); • modelo 7S – share values, structure, systems, style, staff, skills, strategy (metodologia desenvolvida pela empresa de consultoria McKinsey) Ainda que esses cenários, metodologias e ferramentas sejam mais comumente associados aos processos de tomada de decisão e de diretrizes projetuais, eles não excluem ou invalidam a utilização de processos participativos em etapas anteriores. Na verdade, esses processos de tomada de decisão são muito mais bem assimilados se forem uma decorrência dos resultados apontados durante os processos participativos. Ou seja: ainda que estas ferramentas sejam melhor utilizadas por um grupo especifico de pessoas (os especialistas) por questões de melhor treinamento ou melhor entendimento do processo de coleta e análise de dados, por exemplo, elas não deveriam ser utilizadas num contexto onde não há participação direta ou indireta de outros grupos de atores, agentes e fatores menos específicos nesse contexto. Na verdade, o intuito de indicar essas ferramentas e conceitos foi justamente ilustrar como etapas consideradas como do “âmbito de especialistas” (como configuração de perfis de consumidores ou mapeamento de comportamentos, por exemplo), podem ser beneficiadas se uma leitura mais abrangente do problema é feita em etapas anteriores (como durante as consultas públicas e/ou entrevistas, por exemplo). Portanto, incluir essas diversas “vozes” representando os diversos segmentos da sociedade é fundamental, pois dá ao especialista a oportunidade de identificar, entender e discutir as demandas de um particular grupo para um particular contexto sociocultural e urbano. O resultado dessa dinâmica tende a produzir propostas de intervenção no tecido urbano que de fato consideram os grupos sociais locais e as características físicas, sociais, culturais e simbólicas do lugar. 4 CONCLUSÕES Ainda que a importância da indústria cultural nesses processos de regeneração de áreas urbanas centrais degradadas seja indiscutível, o que se verifica é um natural desgaste da “fórmula” adotada nos anos 1990 – visto que ela se baseia, quase que exclusivamente, na “cultura” como fator preponderante na mudança de identidade das cidades e na exploração de produtos culturais como “bens de consumo”. O problema, como visto desde a crise de 2008, é que os mercados e as economias que sustentam esses processos regenerativos não são completamente estáveis e duradouros – o que por sua vez gera uma fragilidade no sistema de produção-consumo de bens/produtos culturais. A alternativa seria, talvez, ampliar o escopo de atividades promovidas nesses locais e, mais especificamente, promover um crescimento sustentável dessas economias/comunidades. As possibilidades mais imediatas seriam, ao nosso ver, via inclusão social e adoção de um “novo” modelo de regeneração urbana que inclua diversos setores da indústria criativa e de inovação. Esse “novo” modelo, criado a partir de uma necessidade de se incluir novos perfis participativos, novos conceitos e novos contextos para se repensar a cidade, levariam a uma forma mais abrangente de se abordar o problema. Na verdade, é fundamental perceber e entender a necessidade se ter uma visão macro e holística desses processos regenerativos uma vez que eles envolvem uma série de fatores materiais e imateriais, além de agentes e atores com visões, expectativas e demandas distintas. Nesse sentido, “dar voz” a esses participantes, quer de maneira direta ou indireta, é possibilitar que novas perspectivas, ideias, sugestões surjam e sejam discutidas de forma ampla e extensiva. Perceber a relevância de cada agente e cada fator nessa dinâmica é tão vital quanto entender as relações de interdependência e interatividade entres esses grupos. Portanto, acreditamos que o desenvolvimento de uma visão holística, associado à construção de um pensamento sistêmico e utilização de ferramentas participativas e/ou de visualização dos problemas leva a um melhor entendimento dos contextos, assim como permite o desenvolvimento de novas formas de se pensar, discutir, propor, desenhar e intervir em centros urbanos. REFERÊNCIAS ALEXANDER, Christopher (et al). A pattern language: towns, buildings, construction. New York: Oxford University Press, 1977 AUGÉ, Marc. Contemporary tourist experience as mise-en-scène in OCKMAN, Joan & FRAUSTO, Salomon. Architourism: Authentic. Escapist. Exotic. Spectacular. London: Prestel, 2005, pp 89-91 BACON , Edmund N. Design of cities. London: Thames and Hudson, 1975 BAKER, Geoffrey H. Design strategies in architecture: an approach to the analysis of form. New York: Van Nostrand Reinhold, 1989 BALIBREA, Mari Paz. Urbanism, culture and the post-industrial city: challenging the Barcelona model in Journal of Spanish Cultural Studies, vol 2, no 2, 2001, pp 187210 BAUDRILLARD, Jean. Seduction. New York: New World Perspectives, 1990 BAXTER, M [1988]. Design Industrial. São Paulo: Blucher, 2000 BERMAN, Marshall. All that is solid melts into the air. London and New York: Verso, 1983 BERTALANFFY, Ludwig Von.Teoria Geral dos Sistemas. Porto Alegre: Vozes, 1975 BIANCHINI, Franco; PARKINSON, Michael. (eds). Cultural policy and urban regeneration. Manchester: Manchester University Press, 1993 BLOOM, B.S. (Ed.), ENGELHART, M.D., FURST, E.J., HILL, W.H.; KRATHWOHL, D.R. Taxonomy of educational objectives: Handbook I: Cognitive domain. New York: David McKay, 1956 BOURDIEU, Pierre. Distinction: a social critique of the judgment of taste. London: Routledge & Taylor & Francis Books, 1986 _____ . The Production of Belief: contribution to an economy of symbolic goods in MILES, Malcolm; HALL, Tim; BORDEN, Ian (eds). The City Cultures Reader. London: Routledge, 2004, pp 103-108 BUZAN, T.; BUZAN, B. The Mind Map Book. Rev Ed. London. BBC, 2003 CASIMIR, Micheal J. The dimensions of territoriality: An introduction in CASIMIR, M.J.; RAO, A (eds). Mobility and territoriality. New York: Berg, 1992, pp 1-26 CHOMBART DE LAUWE, M, Enfant en-jeu. Les pratiques des enfants durant leur temps libre en fonction des types d`environnement et des idéologies. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1976 COOPER, Robert. Winning at New Products: Accelerating the Process from Idea to Launch. Nwe York: Basic Books, 2001 CRAIK, Jennifer. The Culture of Tourism in ROJEK, Chris & URRY, John. Touring Cultures – transformations of travel and theory. London: Routledge, 1997 pp 113136 CULLEN, Gordon [1961]. The Concise Townscape. Oxford: Butterworth Heinemann, 1971 DEBORD, Guy. Society of Spectacle. Detroit: Black and Red, 1983 da ROCHA e SILVA, Ana Beatriz Ferreira. spectacular architecture, identity crisis, cultural politics and the reinvention of the significance of museums of modern art. PhD Thesis. London. Chelsea College of Art & Design, University of the Arts London, 2010 _____... and the TATE became Modern - discourses of urban regeneration and cultural tourism as agents in shaping a new identity. MPhil Dissertation. London, Royal College of Art, 2008 FISHER, J.; BELL, P.; BAUM, A. Environmental psychology. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1984 FOSTER, Janet. Docklands: cultures in conflict, world in collision. London: UCL Press, 1999 FRIED, M. The Notion of Tribe. Cummings Publishing Company, 1975 GAFFIKIN, Frank; MORRISSEY, Mark (ed). City Visions: Imagining Places, Enfranchising People. London: Pluto, 1999 GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973 GIBSON, Timothy A. Selling city living – Urban branding campaigns, class power and the civic good in International Journal of Cultural Studies. London: Sage Publications, vol 8(3), 2005, pp 259-280 at http://ics.sagepub.com/content/vol8/issue3/ GODIER, Patrice; TAPIE, Guy; CHIMITS, Catherine [1996]. Projets Urbains, Acteurs Et Processus: Tendances Européennes (Urban Projects Actors in Europe) in Plan Construction et Architecture - L'élaboration des projets architecturaux et urbains en Europe. Volume I: les acteurs du projet architectural et urbain, s/d at http://www2.cdu.urbanisme.developpementdurable.gouv.fr/cdu/accueil/elabproj/RESU MFR1.HTM; www2.urbanisme.equipement.gouv.fr/cdu/accueil/elabproj/resumgb1.htm GÜNTHER,H.; ROZESTRATEN, R. Psicologia Ambiental: Algumas Considerações sobre sua Área de Pesquisa e Ensino. Série: Textos de Psicologia Ambiental, nº 10, 2005. HARVEY, David. The Condition of Postmodernity: an enquire into the origins of cultural change. Oxford: Blackwell, 1997 HEMER, Oscar; GANSING Kristoffer (eds). URBAN ASSETS – Cultural Heritage as a Tool for Development. School of Arts and Communication, Malmö University, 2004 at webzone.k3.mah.se/projects/comdev/_comdev_pdf_doc/urban_assets.pdf JAMESON, Frederic. Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism. London: Verso, 1991 JENCKS, Charles. The language of post-modern architecture. London: Academy Editions 1991. KEARNS, Gerry; PHILO, Chris (eds). Selling Places: City as Cultural Capital, Past and Present (Policy Planning & Critical Theory). London: Architectural Press,1993 KEPNER, C., TREGOE, B. O Novo Administrador Racional. São Paulo: Makron Books, 1991 LANDRY, Charles. The Role of Culture on Remaking Cities in GAFFIKIN, Frank; MORRISSEY, Mark (ed). City Visions: Imagining Places, Enfranchising People. London: Pluto, 1999, pp 111-162 LANDRY Charles; BIANCHINI, Franco. The Creative City. London: Demos Publishers, 2004 LASH, Scott; LURY, Celia. Global Culture Industry: The Mediation of Things. London: Polity Press, 2007 LEMOS, A. Ciber-socialidade. URL:http://www.andrelemos.info/artigos/cibersoc.html LENSKI, G.; Nolan, P. Human Societies: An Introduction to Macrosociology (10 ed.). Paradigm Publishers, 2005 LEWIN, K. A dynamic theory of personality. New York: McGraw-Hill, 1935 _____ . Field theory in social science; selected theoretical papers. D. Cartwright (ed.). New York: Harper & Row, 1951 LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio. São Paulo: Manole, 2005 LISKA, Allan; RITZER, George. “McDisneyization” and Post-tourism: Complementary Perspectives on Contemporary Tourism in ROJEK, Chris; URRY, John, Touring Cultures – transformations of travel and theory. London: Routledge,1997, pp 96112 LITTLE, P. E. Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: Por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia - Departamento de Antropologia - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. nº 322, 2002. _____ . Amazonia: territorial struggles on perennial frontiers. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2001 LOBÄCH, Bernd [1976]. Design Industrial. SP: Blucher, 2001 LOFTMAN, Patrick; NEVIN, Brendan. Prestige Projects, City Centre Restructuring and Social Exclusion: taking the long-term view in MILES, Malcolm; HALL, Tim. Urban Futures: Critical Commentaries on Shaping Cities. London: Routledge, 2001, pp 76-91 LORENTE, J Pedro. Urban cultural policy and urban regeneration. The special case of declining port cities – Liverpool, Marseille, Bilbao in CRANE, Diana; KAWASAKI, Ken’ichi; KAWASHIMA, Nobuko (eds). Global Culture: Media, Arts, Policy, and Globalization . London: Routledge, 2002, pp 93-105 LYNCH, Kevin. The Image of the City. Cambridge, MA: MIT Press, 1960 MAFFESOLI, M. O Tempo das Tribos - O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa. Rio de janeiro, Forense, 1987. MARK, M.; PEARSON, C. O Herói e o Fora. São Paulo: Cultrix, 2001 MARSHALL, Richard (ed). Waterfronts in Post-industrial Cities. London: Spon Press, 2001 MARTINS, José. A natureza emocional da marca. São Paulo: Intermeios, 2002 MATOS, H. Capital social e comunicação: interfaces e articulações. São Paulo: Summus, 2009 McLUHAN. Marshall. Understanding Media: the Extensions of Man. New York: Ed McGraw Hill, 1964. MILES, Malcolm; HALL, Tim. Urban Futures: Critical Commentaries on Shaping Cities. London: Routledge, 2001 MILES, Malcolm. New Cultural Identities: redevelopment or regeneration? in http://www.bergen.kommune.no/planavdelingen/Malcom_Miles.pdf, 2004 MUKAROVSKY, Jan [1936]. Aesthetic Function, Norm, and Value as Social Facts. Ann Arbor: The University of Michigan, Slavic Languages Department, 1979 MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. Lisboa: Edições 70, 1981 POL, E. La apropiación del espacio in Cognición, Representación y Apropiación del Espacio in IÑIGUEZ, L; POL, E., Comp. Collección Monografies Psico/socio/ambientales. 9,45-62. Publicacions Universitat de Barcelona, 1996 POL, E., VALERA, S. e VIDAL, T. Psicología Ambiental in Morales, F. (Ed.) Psicología Social. Madrid: McGraw Hill, 1998 POWELL, Kenneth. City Transformed: urban architecture at the beginning of the 21st century. London: Laurence King, 2000 REIS FILHO. Paulo de Oliveira. Modelo Virtual de Ambiente Cognitivo para Suporte à Tomada de Decisão. Tese de Doutorado em Engenharia Civil. LAMCE/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 2007 REIS, Paulo. Do pensamento do design ao design do pensamento. Rio de Janeiro: POD editora, 2012 RICHARDS, Greg; AITCHISON, Cara; TALLON, Andrew. Urban transformations: regeneration and renewal through leisure and tourism. Eastbourne: Leisure Studies Association, 2007 SADLER, Simon. The Situationist City. Cambridge, MA: MIT Press, 1998 SMITH, Neil. The new urban frontier – gentrification and the revanchist city. London: Routledge, 1996 TOMLINSON, John. Globalised Culture: the triumph of the West? in MILES, Malcolm; HALL,Tim; BORDEN, Ian (eds). The City Cultures Reader. London: Routledge, 2004, pp 88-95 st Trading on Culture: Planning the 21 Century City in UN-HABITAT Globalization and Urban Culture. State of the world’s cities 2004/2005 at ww2.unhabitat.org/mediacentre/documents/sowc/Featuretrade.doc TZU, Sun. A Arte da Guerra. Porto Alegre: L&PM, 2000 URRY, John. Consuming Places. London: Routledge, 1995 WEAVER, Matt. Urban Regeneration: the issue explained in The Guardian. London, 19 March 2001at www.guardian.co.uk/society/2001/mar/19/regeneration.urbanregeneration1 WERTHEIMER, M. Productive Thinking. New York: Harper & Brothers, 1945 ZADEH, L.A. The concept of a linguistic variable and its application to approximate reasoning, Parts 1 and 2 in Information Sciences 8, 199-249; 301-357, 1975 ZENGO, Z. O mito do tribalismo africano. URL:http://www.zzengo.hpg.ig.com.br/mitotribal.htm ZUKIN, Sharon. Socio-Spatial Prototypes of a New Organization of Consumption: the Role of Real Cultural Capital in Sociology, vol 24, nº 1, February 1990, pp 37-56 ____ . Dialogue on urban cultures: globalization and culture in an urbanizing world. UN-HABITAT – World Urban Forum, Barcelona, 14 September 2004 at www.unhabitat.org/downloads/docs/3070_67594_K0471966%20WUF2-2.pdf Notas i Essa economia de serviços seria fortalecida pela ação dos “gentrifiers” – um grupo social muito mais focado no consumo do que na produção de serviços e produtos. ii "Gentrificação" é um termo que inicialmente foi associado ao modo de vida e hábitos de consumo das classes médias durante o boom econômico causado pela adoção de políticas neoliberais durante os anos 1980. Aqui o termo é usado em associação a ação dos "gentrifiers", como classe social, no processo de transformação social e urbana de áreas degradadas. iii Aqui alguns exemplos, todos na cidade do Rio de Janeiro, que são diametricamente opostos e que evidenciam diferentes práticas e diferentes resultados: a “Cidade da Música – Cidade das Artes” (obra construída mas não finalizada), na Barra da Tijuca; o projeto para o Museu Guggenheim-Rio (nunca construído) e a aparentemente controversa decisão de demolir o viaduto da Perimetral e a implementação do projeto Porto Maravilha, ambos na zona portuária no Centro da cidade, são exemplos que reforçam esta imposição de valores, estéticas, usos e formas no tecido urbano. Por outro lado, iniciativas como os bailes charme, em Madureira, ou a volta dos blocos de rua durante o Carnaval, ou as rodas de choro e samba na Lapa e arredores foram iniciativas de grupos independentes locais (i.e. não-oficiais e nãogovernamentais) que vêm promovendo uma completa renovação no tecido social e urbano em áreas antes degradadas. iv Um interessante aspecto dessas formas de interação entre o espaço virtual (web) e o espaço físico propriamente dito são os chamados “flash mobs”, ou os movimentos “occupy”, ou mesmo as instalações artísticas com uso de imagens e sons projetados que são idealizados em ambientes virtuais e “invadem” as ruas. Num processo inverso, manifestações em locais públicos, como passeatas, shows, conflitos armados, etc… também “invadem” a rede, tendo um alcance muito maior do que o evento em si e, ocasionalmente, se tornando “viral” (i.e. espalhando-se rapidamente pela web). v Com o objetivo de melhor caracterizar a relação espacial e específica que um grupo social desenvolve com o ambiente LITTLE (2001) utiliza o conceito de cosmografia – ou seja: saberes contidos e desenvolvidos de forma coletiva e historicamente situados nas dimensões ambientais, ideológicas e . indenitárias que um grupo utiliza para estabelecer e manter seu território Efetivamente, a cosmografia inclui um “(...) regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele.” (LITTLE, 2004, p 4) vi De estudos sobre os modos de vida da sociedade parisiense (BOURDIEU, 1986), a critica da produção artística e cultural (DEBORD, 1983; BAUDRILLARD, 1998), a política cultural e econômica (BERMAN, 1983), a padrões de consumo e comportamento (LIPOVETSKY, 2005; JAMESON, 1991), os anos 1960 foram bastante férteis em termos de mudança de paradigmas sócio-culturais. Esses estudos comporiam um panorama bastante diversificado (e algumas vezes contraditório) sobre o que eventualmente veio a se consolidar como “pós-modernidade”. vii Objetos arquitetônicos estes que, na maioria das vezes, não levam em consideração as características físicas, as culturas e os modos de vida locais – ainda que estes mesmos elementos representem, oficialmente, esses locais e essas cidades. Segundo AUGÉ (in OCKMAN & FRAUSTO, 2005, p 91), obras como o museu Guggemheim, em Bilbao, a Pirâmide do museu Louvre, em Paris, ou o Petronas Towers, em Kwala Lampur são elementos singulares situados em um local, uma cidade, um país específico, ainda que eles nunca sejam completamente representativos das culturas e dos contextos locais onde estão inseridos. viii www.thinkbuzan.com