V Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 17 a 19 de
setembro de 2009, UFPA, Belém (PA)
Grupo de Trabalho Proteção e Defesa dos Direitos Humanos: Crianças e Adolescentes
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Uma análise dos
papéis do Estado e da família
1
ADRIANA APARECIDA DE SOUZA - UFRN
2
ORIENTADOR: José Willington Germano - UFRN
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
2
Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
RESUMO
Este estudo trata da efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes,
buscando apreender como o Estado os vê e sua efetivação na sociedade. Visando
compreender como se dá essa relação buscou-se elencar de que maneira são
fomentados os direitos das crianças no contexto familiar, abordando como as relações
de violência se configuram infligindo esses direitos. Assim, procurou-se analisar e
discutir o papel da família e do Conselho Tutelar como órgão de proteção às crianças
da cidade de Natal/Rio Grande do Norte. Essas análises foram construídas a partir de
entrevistas com Conselheiros Tutelares nas quais constatamos que este órgão atua de
forma assistencialista, e ao fazer essa atuação apenas responsabiliza a família,
delegando a culpa pelos problemas e principalmente, pela violência intrafamiliar
enfrentados pelas crianças como exclusivos da família, desviando assim, a
responsabilidade do Estado e da sociedade.
Palavras-chave: Violência intrafamiliar, Crianças, Direitos Humanos
INTRODUÇÃO
Esse trabalho visa discutir quais as conseqüências da violência
intrafamiliar para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, assim como o
Estado e a família vêem esses direitos. Tendo como objetivo entender as
conseqüências da violência intrafamiliar aos direitos das crianças e adolescentes. Este
texto é fruto de estudos preliminares da pesquisa intitulada: Violência intrafamiliar e
suas conseqüências para o desenvolvimento da aprendizagem das crianças3.
Contextualizando o problema, entende-se que a violência intrafamiliar
contra crianças no Brasil é uma questão social complexa que envolve questões sociais
e culturais e especialmente estatais. Entende-se que a infância tem seus direitos
garantidos pelo Estado através do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto,
dados do Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada4 em uma pesquisa realizada em
2005, revelam que a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes ocorre em
todas as partes do país. Essa pesquisa apontou que 84,8% de 19.373 dos chamados
3
Pesquisa em andamento desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN,
financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq.
4
FALLUH, Santiago. O levantamento de informações sobre direitos violados de crianças e adolescentes
no Sistema de Informações para Infância e Adolescência (SIPIA – módulo I): conteúdo e metodologia.
Texto para discussão nº. 1012 – IPEA, Brasília, março de 2004.
abrigamentos, decorrentes de decisões jurídicas que acarretam a suspensão do pátrio
poder nas quais os pais ou responsáveis perdem o direito sobre a tutela da criança ou
do adolescente ficando estes abrigadas sobre a guarda do Estado. Observou-se que
esse total se refere a crianças e adolescentes abrigados em instituições que sofreram
violência intrafamiliar, então, esses dados corroboram as preocupações sobre a
problemática como um problema social de conseqüências ainda não mensuradas, ou
até mesmo estudadas com finalidades voltadas para políticas públicas.
Para que se compreenda essa realidade exige-se uma investigação
permanente sobre as situações de violência vivenciadas pelos diferentes segmentos
da sociedade. Percebe-se, no entanto, que as práticas violentas contra crianças e
adolescentes, na esfera familiar, vêm perdendo a delimitação de espaço privado, já
que essas práticas estão sendo cada vez mostradas pela mídia e os casos de
violência intrafamiliar têm extrapolado o considerado aceitável. Embora tais práticas
sejam mais estudadas e debatidas hoje, através de um novo olhar sobre a infância,
pela mídia e a própria sociedade, isto apenas tem dado maior visibilidade a esse
problema social, à medida que as crianças são representadas, pela sociedade e pelo
Estado como sujeitos portadores de direitos.
A trajetória da história da criança se fez à margem dos adultos, sofrendo
violência, humilhações, etc, sendo prisioneira da escola, da igreja, da legislação, do
sistema econômico, passando por abandonos, vivendo situações de violências
cotidianas, como abusos sexuais, doenças, queimaduras e fraturas que sofriam tanto
no lar como no trabalho.
Atualmente, a visão da infância também sofreu alterações, a qual se
constatou que a criança possui uma diferença radical do adulto e que todas as
crianças têm oportunidades iguais. O modelo de educação que desvalorizava e
combatia o desejo das crianças, valorizando a disciplina a obediência esta sendo
duramente criticado (Arès, 1978, Del Priore, 1991). E um novo modelo que visa
privilegiar a criatividade, a iniciativa e a cooperação entre os indivíduos vem sendo
constantemente estimulado.
Essa representação de criança que não a reconhece como sujeito de
direito, como um ser que tem função social, faz parte de um momento histórico. Sendo
assim, entende-se que as crianças são seres sociais, e dessa forma têm uma história,
e estabelecem relações segundo seu contexto de origem. Dessa maneira, ocupam um
espaço geográfico e são valorizadas de acordo com os padrões do seu contexto
familiar e com a sua própria inserção nesse contexto. Elas são, portanto, enraizadas
num todo social que as envolve e que nelas imprime padrões de autoridade,
linguagem, e costumes.
A valorização e o sentimento atribuídos à infância nem sempre existiram
da forma como na atualidade do século XXI são concebidas e difundidas, tendo sido
modificados a partir de mudanças econômicas e políticas da estrutura social. Nesse
sentido, como diz Cambi (1999, p. 387) “no curso do século XIX foram ora as ciências
humanas ora as instituições educativas burguesas que puseram cada vez mais no
centro da pedagogia a criança, assumida na sua especificidade psicológica e na sua
função social.”
Sendo assim, atualmente a educação se propõe a promover as condições
de desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos, a saber, cognitivo, social,
afetivo, emocional e ético. Este pensamento é fruto de um novo olhar dado a
educação em que se acredita que o educar significa atender às necessidades da
criança como um ser complexo e multifacetado.
A partir desse novo olhar o Estado passou a interferir na vida familiar. Bem
como, impôs uma regulação sob a família que agora se tornou a responsável pelo
funcionamento econômico; transmissão do patrimônio; procriação de crianças e pela
sua socialização, saúde e transmissão de valores do meio social.
Pelas conectividades apresentadas acima, neste estudo aborda-se a
efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, procurando apreender como
o Estado os vê e como tal visão é incorporada em sua efetivação na sociedade.
Assim, visa-se compreender como se dá essa relação buscando-se elencar a maneira
como são fomentados os direitos das crianças no contexto familiar. Para isto, abordase as relações de violência e como estas se configuram infligindo esses direitos. Tratase, portanto, de uma procura ou tentativa de análises e discussão do papel da família
e do Conselho Tutelar como órgão de proteção às crianças da cidade de Natal/Rio
Grande do Norte. Essas análises foram construídas a partir de entrevistas com
Conselheiros Tutelares nas quais foi constatado que este órgão atua de forma
assistencialista, e nessa atuação, apenas responsabiliza a família, delegando a culpa
pelos problemas e principalmente, pela violência intrafamiliar enfrentados pelas
crianças como exclusivos da família, desviando assim, a responsabilidade do Estado e
da sociedade.
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Uma análise dos
papéis do Estado e da família
A nova visão representativa das crianças e dos adolescentes, possibilitou
mudanças também em algumas formas enraizadas no social da família sobre o que
seria educar, entre elas a visão da pedagogia e da psicologia que determinam que a
punição corporal não seria adequada para a educação de crianças e de adolescentes,
considerando que essas práticas poderiam desencadear exacerbações que levariam a
violência física, além de outros traumas de ordem psicológica. Essa prática que não
era nem questionada como violência começa a mudar, surgindo discussões sobre o
que seria, ou não violência intrafamiliar.
Em nível global, a percepção de direito de violência sobre um objeto menor
se modificou com a preocupação da infância e da adolescência no ano de 1923, na
Quinta Sessão da Liga das Nações, por meio da Declaração dos Direitos da Criança e
do Adolescente, os quais são: liberdade, igualdade, satisfação de suas necessidades
básicas, como alimentação, saúde, educação e lazer. Além destes direitos, ainda
recomenda amor e compreensão por parte de seus pais e da sociedade e de proteção
contra abandono, crueldade e exploração, entre outros.
Visando proteger as crianças e os adolescentes, surgiu todo um
movimento em prol da garantia de direitos a esses seres em formação. Essa
preocupação se consolidou apenas no ano de 1980, modificando a percepção de
direito de violência sobre as crianças e adolescentes. Dessa forma, por meio da
declaração dos direitos da criança e com o surgimento de uma vasta campanha de
questionamentos da “política nacional de bem-estar do menor” e do “código de
menores”, surgiram também nesse período denúncias graves sobre a situação
enfrentada pela infância brasileira, como também a constante violação de seus
direitos.
Portanto, foi em meados da década de 1980 que se assegurou a batalha
pela garantia dos direitos da infância e da adolescência, a qual foi sedimentada no
artigo 227 de nossa (CONSTITUIÇÃO, 1988).
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
5
exploração, violência, crueldade e opressão .
5
Disponível em HTTP:// WWW.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm.
As emanações da Constituição Brasileira de 1988 para as crianças e os
adolescentes vão começar a se concretizar com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), este reúne um conjunto de normas do ordenamento jurídico
brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente,
aplicando medidas, e expedindo encaminhamentos. Foi elaborado na tentativa de
colocar o Brasil numa campanha nacional de reconhecimento dos direitos da criança e
do adolescente. A sua concretização foi possível com a implantação, em 1990, sendo
utilizado como medida de proteção à vítima e prevenção do fenômeno. O Código
Penal Brasileiro também reprime os abusos correcionais ao prescrever na (LEI Nº.
2.848/1940), no delito de maus tratos:
Art. 136 – Expor a perigo de vida ou a saúde de pessoas sob
sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação,
ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentos
ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de
correção ou disciplina6.
De acordo com Sampaio (2007) foi com o processo de redemocratização
do Brasil, a partir dos anos 1980, o que possibilitou o surgimento de uma maior
preocupação voltada aos direitos sociais através de políticas públicas eficientes. A
partir das manifestações e mobilizações da sociedade civil dessa época, e para
regulamentar a Constituição de 1988, é que surge o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que buscou definir os direitos da criança e do adolescente como sujeitos
de direito, procurando garantir seu pleno desenvolvimento e proteção integral. Desse
modo é utilizada como medida de proteção à vítima e a prevenção do fenômeno.
Observa-se, dessa forma, que no Brasil existe toda uma estrutura legal,
isto é, leis que garantem os direitos da criança e do adolescente, porém o que
percebe-se é que a lei não está garantindo o reconhecimento desses direitos, pois
existe no Brasil toda uma cultura de submissão que a criança deve obediência a seus
pais, já que são eles os responsáveis legais e “naturais”, e a desobediência tem
sinônimo de punição. O que acontece é que a nossa sociedade ainda cultiva a
punição corporal ou castigo físico como um dos meios para disciplinar os seres
humanos.
6
DECRETO-LEI
N.º
2.848,
DE
7
DE
DEZEMBRO
DE
http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/cp_DL2848.pdf
1940.
Disponível
em:
O controle então se dá pelo corpo, como uma forma de construção e de
controle das instituições disciplinares. Sendo assim, a família tem o poder de definir
padrões de comportamento, atos e práticas possíveis e as proibidas, exercendo assim,
um controle do corpo. Nesse sentido, o controle do corpo vem pela punição física, o
“corpo é percebido como um campo para várias intervenções”. De acordo com
Caldeira, os brasileiros naturalizam a inflição da dor, como corretivos, e que essas
intervenções não são necessariamente dolorosas ou violentas. “Na verdade, algumas
são vistas como aspectos desejáveis e atraentes da cultura brasileira.” (CALDEIRA,
2000, p. 369-370).
Todavia, mesmo tendo seus direitos garantidos pela lei, as crianças e
adolescentes não são reconhecidos pelos pais e nem pela sociedade como portadores
de direitos, havendo necessidade da criação de meios para que a violência sofrida por
crianças e adolescentes, dentro de sua própria família, seja denunciada e apurada.
Entretanto, isto mostra que o Brasil, na procura de melhores condições de
vida para sua população infanto-juvenil, adotou a doutrina da proteção integral com a
edição do ECA. Busca, também, a garantia do direito à vida, à educação, à saúde, à
convivência familiar etc., através de uma concepção extremamente coerente que
pensa a formação do homem desde sua infância para uma vida digna a todos e um
maior crescimento como nação.
Neste sentido, a implementação do ECA e a elaboração de políticas
públicas para esta parcela da população, através da criação dos conselhos de direitos
e tutelares, e por meio de programas de atendimento (protetivos e socioeducativos),
que vêm sendo implantados.
Embora atualmente se defenda os direitos da criança, a verdade é que a
criança ainda é um ser social, econômico e politicamente marginalizado no Brasil.
Anteriormente a criança era misturada aos adultos, hoje ela vive num plano secundário
nas relações sociais. Economicamente é um ser improdutivo que deve ser alimentado,
vestido etc., e de outro lado é obrigado a trabalhar para garantir o seu sustento e de
sua família, passando a ser explorado em muitos casos. Devido a precariedade das
condições de muitas famílias brasileiras.
Ainda que o reconhecimento da criança como sujeito de direitos tenha
surgido, essa conquista se deu principalmente através do movimento de direitos
humanos, e do discurso da psicologia, pedagogia que visava o bem-estar da criança,
ou seja, instituições que discursavam sobre a percepção de criança, práticas
educacionais e também os problemas enfrentados por crianças e adolescentes que
são vítimas de violência. Possibilitando o surgimento de meios legais de intervenção
da violência sofrida por crianças e adolescentes. Entretanto, esta apenas passou a ser
reconhecida assim no momento em que houve mudança na forma de pensar social,
ainda que não seja de forma homogênea, já que a grande maioria da população
brasileira não compreende as leis de proteção de crianças e adolescente.
Hoje, essas redes sociais configuram diversidade de programas,
instituições e serviços, que ampliam bastante a rede de relações sociais das crianças
e adolescentes, e a cobertura das necessidades básicas deixou, assim, de ser apenas
responsabilidade da família e/ou do Estado, tornando-se, efetivamente, uma
responsabilidade da sociedade. Assim, os órgãos de assistência, como os Conselhos
Tutelares e as organizações responsáveis pela execução de medidas referentes à
proteção da criança/adolescente, são, instituições constituídas historicamente,
formando o lócus de ações concernentes às políticas públicas e às atuações junto à
infância e à juventude, no Brasil, na composição das redes sociais.
Nos municípios, como Natal, o que se convencionou chamar Sistema de
Garantia de Direitos no município é, portanto, o conjunto de órgãos e serviços que
proporcionam as condições de desenvolvimento adequado à infância e à
adolescência, pela garantia do atendimento das necessidades essenciais e dos
mecanismos de exigibilidade dos direitos que sustentam a cidadania. Tal Sistema é
formado pelo Conselho Tutelar, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente,
Fundo para a Infância e Adolescência, Juizado da Infância e Juventude, Promotoria
Pública e órgãos públicos e entidades de atendimento que executam programas e/ou
serviços à população em geral.
O ECA, como uma legislação recente, trouxe alguns avanços no que diz
respeito à garantia da cidadania de crianças e adolescentes, entendidos como sujeitos
de direitos. De acordo com Macêdo e Mattioli (2008), o conceito de criança, presente
no ECA, mostra-se naturalizado, ou seja, pressupõe-se uma concepção ahistórica,
sem particularidades sociais e culturais, como se a idéia de infância sempre tivesse
existido e fosse a mesma para todas as culturas e para as distintas classes sociais
brasileiras. Esses autores também criticam a ação dos conselhos tutelares que fazem
uma atuação assistencialista, remetendo a culpa da violência sofridas pelas crianças
apenas sobre as famílias.
Somado a isso, pode-se perceber a cultura da desvalorização da criança e
do adolescente, que os concebe como seres insignificantes, sem direito a participar e
opinar no seu processo educativo, uma vez que são reconhecidos como improdutivos
economicamente dentro do sistema capitalista vigente. Assim, em que pese a
existência, embora em grande escala, a maioria da população ainda necessita do
trabalho infantil para sobrevivência familiar. Essa desvalorização, em particular,
juntamente com outros elementos aqui discutidos, tais como desconhecimento da
violência e de suas conseqüências, por parte dos pais, culpabilização das famílias,
desconhecimento da realidade dos familiares, por parte de muitos profissionais, etc.
nos apontem multicausalidades da violência, que a tornam amplamente referendada
junto às famílias, apesar dos avanços do ECA. Sendo assim, o ECA avança em temos
legais – de garantia de direitos –, embora traga em si uma idéia de infância “natural”,
necessitando, portanto, de uma revisão conceitual que contextualize o significado e o
sentido de infância.
Atualmente existem no Brasil e no Rio Grande do Norte (RN) várias
instituições que cuidam do bem-estar de crianças e adolescentes vítimas da violência.
Nesse sentido, o SOS Criança foi criado com este propósito, sendo um Programa do
Governo do RN, que é responsável pela proteção e atenção às crianças e
adolescentes vítimas de violência, e tem como papel principal dar encaminhamento
aos casos notificados. O Programa atua na abordagem do caso; no encaminhamento
da criança para uma instituição; na busca de (re)socialização, que significa, na
concepção do coordenador do Programa, “trazer de volta a criança ao convívio
saudável com os pais” (Coordenador do SOS Criança, 2004), quando isso é possível.
Cabe a instituições, como o SOS Criança e CT, a execução de medidas de
proteção especial, sinalizando, assim, medidas compensatórias, que devem ser
acionadas quando as políticas públicas forem insuficientes para promover o
desenvolvimento adequado das crianças. Nesse sentido, entende-se que a família é
apenas uma das instituições responsáveis pela qualidade de vida na infância, e a
escola passou a ser a instituição especializada na transmissão de conhecimento entre
as gerações, mas não comporta todo o processo educativo, no qual desempenha um
papel essencial à convivência mais ampla com a comunidade.
Assim, se ampliou consideravelmente a quantidade e a qualidade das
instituições que configuram a rede de apoio social da infância em nossa sociedade,
variando em objetivos, formas e natureza. O papel da escola é definido na Lei de
diretrizes e bases da educação nacional definida na Lei 9.394/96, visa à transmissão
de um conjunto de informações, que englobam as idéias, os valores e as atitudes que
a sociedade considera característicos do ser humano.
Apesar do SOS Criança ter como papel principal a proteção da criança e
do adolescente, sua função é baseada na educação, não tendo função punitiva em
relação aos pais que cometem essas violências. Cabe a este apenas notificar de
forma educativa, ou seja, a instituição tem como pressuposto o de orientação de
práticas educativas. Outro ponto levantado pelo coordenador do SOS Criança foi que
ao intervir na família, se busca uma (re) orientação para que ela não repita os atos
considerados condenáveis pela instituição, porém, quando ocorrem os casos em que o
SOS Criança não obtém resultados, em que a família volta a ser denunciada, esta é
encaminhada para o CT. Embora a instituição SOS Criança procure dar orientações
educativas, estas orientações não têm poder de punição; quando há reincidência, o
caso é encaminhado para o CT.
Já o Conselho Tutelar é um órgão público municipal permanente e
autônomo, criado por lei, orientado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Art.
131 que tem como função zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do
adolescente, previstos em lei, e, para isto, utiliza-se de meios punitivos, como perda
de guarda da criança ou adolescente, prisão etc.
Reunindo as características que definem o CT, pode-se dizer que este
órgão executa suas ações de forma contínua e permanente, com independência
funcional para deliberar e realizar autonomamente, embora não tenha função jurídica,
esta, própria do Poder Judiciário, o CT funciona como um auxiliar na execução e
implantação social do ECA.
Sendo assim, o papel ideológico exercido pelos órgãos públicos de
assistência social no atendimento das famílias denunciadas por abusos físicos,
psicológicos, sexuais e/ou por atos negligentes; assim, a instituição lança um olhar
culpabilizador, na maioria dos casos. Logo, não buscam realmente compreender as
causas dos problemas, apenas intervêm de uma forma assistencialista, e como não
procuram as causas, a maioria das famílias atendidas acaba por reincidir.
Em nossas análises construídas a partir de entrevistas com Conselheiros e
as delegações por estes aos casos, constata-se que este órgão atua de forma
assistencialista, e ao fazer essa atuação apenas culpabiliza e/ou responsabiliza a
família delegando a culpa pelos problemas e principalmente pela violência intrafamiliar
enfrentados pelas crianças como exclusivo da família, desviando assim, a
responsabilidade do Estado e da sociedade.
Esse assistencialismo, que visa somente suprir os problemas emergenciais
sem incluir, de fato, a família na sociedade, isso porque as políticas públicas voltadas
à criança e ao adolescente, ou seja, educação, saúde, promoção de famílias, oferta de
trabalho,
saneamento
básico,
responsabilização/culpabilização
são
atribuída
negligenciados
à
família
pelas
pelo
Estado.
dificuldades,
A
pelos
problemas e pelas “anormalidades” de crianças e adolescentes estão presentes na
maioria dos trabalhos e nos processos das instituições e órgãos públicos. Esses
serviços públicos de atenção a essas populações não consideram a historicidade do
Estado como um dos responsáveis pela organização das relações humanas e pelo
gerenciamento da vida pública e particular, principalmente das camadas mais
desfavorecidas da população.
Compreende-se que o objetivo maior dessas instituições não deveria ser o
de buscar os culpados ou de condená-los, mas sim, de promover proteção integral às
crianças e adolescentes. Entretanto, quando não se procura as causas dos problemas,
apenas são oferecidas medidas paliativas que não solucionam o problema, como
também ainda se rotula as famílias de “desestruturadas”, incapazes de promoverem o
bem-estar de crianças e adolescentes.
Dessa forma, o que discuti-se aqui não procura relocar a culpa
historicamente atribuída às famílias isoladamente, mas compreender como são
configuradas as estratégias de legitimidade dos direitos da criança de do adolescente.
Os problemas que afetam a integridade física, emocional, psicológica das crianças e
adolescentes não devem ser vistos sob a responsabilidade da família, do Estado ou da
sociedade individualmente, mas sim pelo conjunto, isto é todos são responsáveis pelo
bem-estar desses seres em formação.
A violência intrafamiliar é complexa, porém compreende-se que existem
elementos que contribuem para a perpetuação dessas práticas tais como: valores
culturais, conflitos entre os membros da família, que desestruturam a família, bem
como questões socioeconômicas já que a maior parte da população é obrigada a
sobreviver das formas mais impróprias possíveis. Coexistem, dessa maneira, diversos
fatores implicados no problema de violência intrafamiliar devido à desestruturação
econômica que afeta diretamente as populações mais desprovidas, assim fatores
como desemprego, subemprego, trabalho informal, favorecem a exclusão da
população mais pobre e paralelamente a isso conseqüências que afetam a
sobrevivência em condições aceitáveis, dentro das famílias que vivem nessas
condições.
Assim, considera-se que essas crianças precisam tanto de redistribuição
de renda como de reconhecimento de seus direitos para que possam realmente ter
uma verdadeira mudança nas suas vidas. O estatuto da Criança e do Adolescente já é
uma realidade, e nele está garantido todos os direitos das crianças e adolescentes
como liberdade, educação, lazer, cultura, e etc., e é dever do Estado fornecer
condições para que esses direitos sejam realmente cumpridos. Mas o que percebe-se
é que a realidade é outra muito mais amarga. Sabe-se que o Programa Bolsa Família
do governo federal tem atuado nesse sentido, mas é ainda insuficiente, pois como a
maioria das políticas públicas apenas se faz medidas paliativas não atuando, por
exemplo, como a recolocação dos pais no mercado de trabalho.
Entende-se que são vários os estudos que buscam compreender as
possíveis explicações para a violência intrafamiliar, todavia, acredita-se que é
necessário também que os estudos voltem-se para a geração de ações concretas. Isto
é, busquem soluções, para que se possa realmente haver uma transformação. As
causas fundamentais em nossas observações que influenciam a violência intrafamiliar
seria a punição física que teria o papel central na educação dos filhos podendo levar a
exageros como espancamentos e a até a morte. Já com relação à negligência e
situação de risco, observou-se que as causas principais para esse acontecimento são
as situações precárias das famílias em que as famílias vivem, como o desemprego,
subemprego, falta de saneamento básico, e etc.
A ação do SOS Criança, mostra que é possível ter uma atuação mais
atenta à família. Como também a contribuição desse programa é o papel
desempenhado de mobilizar e conscientizar tanto os pais, como os profissionais da
saúde dos serviços públicos, em relação à importância da prevenção da violência
contra criança e adolescente.
Nossa proposta para solução do problema da violência intrafamiliar segue
a teoria de Fraser (2001), que considera que grupos que sofrem com a falta de
redistribuição de renda e com a falta de legitimação, que não são iguais perante a
sociedade necessitam tanto de reconhecimento como dessa redistribuição. Isto poderá
acabar com a desigualdade social e também com o não reconhecimento dos que
estão desprovidos, fazendo com que esses indivíduos tenham meios imediatos,
condições sociais adequadas e ao mesmo tempo trabalhem idéias que visem o
respeito a todos os indivíduos sem exceção.
Fraser (2001) propõe que a solução para a injustiça econômica é a
reestruturação político-econômica, e a solução para injustiça cultural é uma mudança
cultural ou simbólica. Seguindo essa proposta coloca-se que a questão da violência
intrafamiliar por ter as mesmas características ambivalentes, pois as crianças e
adolescentes sofrem com a violência por questões culturais como também
econômicas, como pode-se perceber no desenvolver desse trabalho. Assim
necessitam tanto de políticas de redistribuição como de políticas de reconhecimento.
Sabemos constitucionalmente que as crianças e adolescentes são bem
amparados, constatou-se também que a situação do menor ao longo do tempo da
Constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se observou uma grande
mudança na realidade dessas crianças, pois a cultura ainda é um fator que conta
muito na forma como as crianças são tratadas nos seus lares, como também o
aumento da pobreza só tem aumentado as péssimas condições que se encontram as
nossas crianças.
Portanto, há uma necessidade de transformar essa cultura para que
realmente os direitos das crianças sejam cumpridos e respeitados. Porém para que se
possa solucionar efetivamente a questão da criança na nossa sociedade é necessário
que se faça valer os direitos previstos constitucionalmente e ao mesmo tempo, e
utilizem os meios que possam mudar na nossa cultura a crença de que a criança
precisa ser educada através do castigo físico que, os pais tenham sobre elas o poder
dito “natural” de fazer o que quiserem, passando a tratar essas crianças como seres
humanos e sociais que precisam de reconhecimento como tal, por isso considera-se
que alcançaremos esta propositiva através da educação de pais e professores,
legisladores e juristas, reconstruindo as relações na escola, dentro da família e na
sociedade.
Entretanto, não podemos esquecer também o lado socioeconômico que
sabe-se que a maioria das crianças brasileiras vive em ambientes desprovidos de
saneamento básico, escolas de boa qualidade, alimentação adequada, saúde etc.
Considera-se, ainda, que essas crianças podem ter uma condição melhor e com
reconhecimento elas conseguirão a valorização e o sentimento social de seres
humanos iguais, assim, podem elas próprias futuramente conquistarem seu espaço na
sociedade e tornarem-se cidadãs atuantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem-se a certeza que este pequeno artigo não dá conta de uma
problemática complexa como a que envolve a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente principalmente, quando o maior risco ocorre dentro contexto intrafamiliar,
isto é, em âmbito privado. Bem como o papel do Estado na garantia dos direitos das
crianças de dos adolescentes. No entanto, pontua-se aspectos que podem ser levados
em consideração em estudos com tal temática qual seja acreditar ser uma variável
fundamental, a falta de articulação entre a família, o Estado e a sociedade, onde cada
um responsabiliza o outro. Nesse universo o Estado responsabiliza a família pelos
maus tratos, violência, negligência etc, a família culpabiliza o Estado que não fornece
as condições básicas de sobrevivência.
Quando na realidade todos são responsáveis o Estado com a
responsabilidade de promover condições básicas de sobrevivência, a família
proporcionando os cuidados necessários à sobrevivência de seus membros e a
sociedade, fiscalizando e reivindicando melhores condições de vida e de cidadania.
Embora, reconheça-se que seja principalmente dentro dos lares onde
ocorra a maior incidência de infrações aos direitos da criança e dos adolescentes é
também a família o lugar reconhecido como o mais adequado para o desenvolvimento
saudável de crianças e adolescentes.
Entretanto, é de fundamental importância que se busque cada vez mais
discutir e conscientizar as diferenças entre educar, disciplinar e de violência que
coexistem por linhas bastante tênues. E que a maior parte das pessoas não se
preocupam com a força até que esta se transforma em violência, ou seja, quando a
força é usada além de limites prescritos e mal definidos. A teoria do aprendizado social
pode prever que se um método particular de resolver conflitos é visto como bem
sucedido, este método provavelmente passará a fazer parte do repertório de
comportamentos do indivíduo. Portanto, se a força física é vista como eficiente na
resolução de conflitos, mesmo que esta eficiência seja temporária, é provável que a
força física seja usada para resolver o problema seguinte.
A cultura do disciplinamento propicia o poder que o adulto exerce sobre a
criança e o adolescente, transformando-os em “objetos” destituídos de direitos,
vontades, necessidades; tornando-os depositários dos desejos e expectativas dos
adultos.
Ressalte-se que na sociedade brasileira pode-se dizer que convivem
paralelamente dois pensamentos sobre a violência contra crianças: o que acredita que
só serão considerados violência os casos de castigos imoderados e/ou cruéis, isto é,
os que deixam marcas no corpo das crianças; e, o que acredita que todas as medidas
punitivas que atinjam o corpo da criança e/ou adolescente podem e devem ser
consideradas violência, uma vez que provoca dor física. Este último engloba como
violência, os castigos tidos como leves, como é o caso da palmada. Vale salientar que
o segundo é fruto de discursos de instituições, como Organizações Não
Governamentais (Ongs) de direitos humanos, psicólogos e de pedagogos, que foram
difundidos na sociedade.
Compreende-se, por fim, que os comportamentos e os valores são
aceitos socialmente e variam de acordo com cada cultura, no entanto, se entende-se
que educar é transmitir valores, comportamentos, isto é, fornecer modelos, deve-se
também deixar claro e expor cada vez mais a diferença entre educar e agredir
fisicamente, educar e punir como forma de disciplinamento.
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Adriana Aparecida de Souza