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JORNAL ANJ
Dezembro / 2012
LIVRO
Apporelly foi um gênio da
“revolução em miniatura”
Autor de tiradas
que seguem no
anedotário
brasileiro até
hoje, o Barão de
Itararé ganha
nova biografia
ENTRE SEM
BATER
A vida de
Apparício Torelly,
O BARÃO D’ ITARARÉ
Cláudio Figueiredo
Carlos Müller
de Brasília
479 páginas
G
eorge Orwell, mais conhecido
por seu tenebroso “1984”, foi
profundo conhecedor da
literatura britânica e ensaísta perspicaz.
Exibiu esse talento num artigo
publicado em 1945, no qual examinava
o humor literário, intitulado “Funny,
but not vulgar”, geralmente traduzido
como “Engraçado, mas não vulgar”.
Vale a pena voltar a ele ao ler “Entre
sem bater - A vida de Apparício Torelly,
o Barão de Itararé”, de forma a que não
se fique apenass no anedótico, aliás
maravilhoso.
“Uma coisa engraçada é - de um
modo que não seja realmente ofensivo
ou intimidante - aquela que transtorna
a ordem estabelecida.Cada brincadeira
é uma revolução em miniatura”, definiu
Orwell, acrescentando:“Não se pode ser
memoravelmente engraçado sem trazer
à luz, em algum momento, os temas
que o rico, o poderoso ou o
complacente prefeririam que se
deixasse de lado”.
As observações podem ser tomadas
como chaves não só para os trocadilhos,
quadrinhas e máximas do humorista,
mas também para entender sua
personalidade,sua obra e o papel por ele
desempenhado na vida política
brasileira,em particular entre as décadas
de 1930 a 1960.
Fernando Apparício de Brinkerhoff
Torelly adotou como nome jornalístico
“Apporelly”, mas criou para si mesmo a
fantástica figura do Barão de Itararé,
título nobiliárquico autoconferido “por
bravura”naquele que seria o combate
decisivo da Revolução de 1930, embora
não tenha chegado a ocorrer.Seu
A publicidade de A Manha tinha o toque do Barão até na frase de rodapé
humor, entretanto, manifestou-se antes
disso, ao sofrer precocemente um
aneurisma que levou os três médicos
consultados a prognosticarem dois
anos de sobrevida, o que ele interpretou
como seis e na realidade seriam quase
76, intensos tanto no humor quanto nas
tragédias pessoais, para não falar de
suas fases de dedicação a questões
científicas e a uma peculiar mescla de
alquimia, misticismo e astrologia que
praticamente o levou da celebridade ao
ostracismo no final da vida.
Seguindo com Orwell,Apporelly
levou às últimas consequências o
entendimento de que “o humor
consiste em desprestigiar a
humanidade”e que há métodos mais
sutis de fazer isso do que na base do
pastelão. Que é tanto mais eficaz
quanto baseado na “pura fantasia que
assalta a noção de homem sobre si
mesmo em sua dignidade e também
com sua racionalidade”.
Esse humor de Apporelly começou
desconcertando seus professores na
faculdade de medicina de Porto Alegre,
onde desafiou o autoritarismo da
polícia do governador/ditador Borges
de Medeiros antes de se transferir para
o Rio de Janeiro onde editaria o
semanário “A Manha”, paródia do
diário de informação geral “A Manhã”.
Na então capital federal, a ditadura
Vargas foi menos complacente diante
da combinação de sátira com
simpatias pelo comunismo do
humorista (vereador pelo PC em
1946/7) que, após uma surra colocou
na porta do jornal o aviso “entre sem
bater”.A rebeldia lhe custou quase um 1940.Duas décadas mais tarde,depois
ano de prisão sem processo.
de uma longa viagem pela China e às
Recuperar a liberdade,para ele e
vésperas do Golpe Militar de 64,faria
outros que sequer haviam participado
nova profissão de fé libertária ao afirmar
do levante militar de 1935 (a
na posse da diretoria da Sociedade
“Intentona”),exigiu sua assinatura
Cultural Sino-Brasileira que “não estava
numa declaração na qual condenava
ali para pregar a revolução,porque
“toda e qualquer atividade extremista
revolução não se prega...vai-se
ou que atente contra o regime liberal
fazendo...não se deve pedir licença aos
democrático estabelecido no Brasil...[e] outros para fazer revolução porque,se
juro pela minha honra de brasileiro e
pedir,ninguém dá”.
patriota que estarei sempre ao lado do
Apporelly não fez a revolução
governo constituído
política, mas nem
na defesa das nossas
o humor nem o
instituições”.Nessas Revolução não se
jornalismo foram
condições,sua verve,
os mesmos depois
prega... vai-se fazendo, que “nosso
que tanto podia
eclodir da forma
querido diretor”,
profetizava o Barão
mais inesperada
como ele se referia
como consumir
a si mesmo como
horas lapidando uma frase de efeito,
diretor de A Manha, provou que era
derivou para o cotidiano do brasileiro
possível fazer um semanário
comum.Com isso tratava de ganhar a
humorístico, crítico e inteligente, no
vida e sustentar suas pesquisas sobre a
qual não poupava a própria imprensa
febre aftosa (sic).
da época em críticas ao oportunismo
A atividade num laboratório
político em editoriais como o que
improvisado durou menos que a
afirmava que o jornal “franqueou as
ditadura e o Barão voltou a trabalhar
suas colunas...a todos quantos
pela redemocratização, como ocorreu
quiserem utilizá-las convenientemente,
quando a elite política e intelectual se
após um breve e agradável contato com
reuniu na ABI a pretexto de comemorar a nossa gerência.Nenhum partido
seu aniversário, em 1944.
pode queixar-se de haver encontrado
“Amo a liberdade até a revolta”,
fechado às suas aspirações o guichê
afirmou o Barão numa conferência em
daquela parte da nossa empresa”.
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