DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÃO E EQUIDADE SOCIAL
Bárbara Rafaela Borges de Matos1
Edna Vaz de Andrade2
Modalidade: Comunicação oral
Sessão temática: Educação e relações étnico-raciais, gênero e sexualidade.
Resumo: O artigo traz a evolução dos direitos humanos e da história da educação brasileira
desde a colonização até a atualidade.Aborda as políticas públicas, representadas pelas as ações
afirmativas, o reconhecimento da contribuição do negro na formação da nação brasileira, a sua
cultura na cultura nacional e o “longo caminho” percorrido pelo negro para a conquista de sua
cidadania.Considera o processo de colonização e colonialidade e o triângulo da formação
cultural brasileira. A abordagem aconteceu de formas a incluir as Constituições e as leis mais
importantes para o desenvolvimento da humanização dos direitos no país. Menciona as
conquistas do movimento negro, bem como as políticas públicas para inclusão da cultura afro
brasileira no currículo escolar, Lei 10.639/2003, além do Estatuto da Igualdade Racial, Lei
12.288/2010. Trata, por fim, das ações afirmativas e das políticas de valorização da cultura
afro descente como uma das formas possíveis de se obter igualdade social.
PALAVRAS-CHAVE: Educação – relações étnico-racial – colonialidade – direitos humanos
1. INTRODUÇÃO
É latente na sociedade moderna as exigências por igualdade. A educação, instrumento
de promoção ou exclusão social, por quatro séculos desconsiderou a promoção do negro e dos
mais desfavorecidos.
Desde a Constituição Imperial até a de 1967 o negro teve seus direitos negados. Por
época da primeira Constituição o negro ainda era escravizado, servia aos senhores, assim não
era reconhecido como pessoa, sujeito de direitos e deveres. Com a promulgação da
1
Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pós-graduada em Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-Minas, graduada em Direito pela FUMEC.
[email protected]
2
Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialização Latu-sensu em
Gestão Escolar pela Universidade Federal de Ouro Preto, Especialização Latu-sensu em Metodologia do Ensino
Superior pela PUC-Minas. [email protected]
Constituição “cidadã” em 1988 é que os direitos sociais, políticos e civis são reestabelecidos e
o negro é incluído e reconhecido.
A partir daí foram desencadeadas ações afirmativas objetivando promover a ascensão
da população negra aos direitos que lhes foram negados. Tais ações vão desde a disposição
legal de incluir no currículo da rede pública o ensino da história e cultura africana e afro
descendente ao sistema de cotas nas universidades e em concursos públicos.
É nos meados do século XX que os direitos ganham um novo formato e força. Com a
Criação da Organização das Nações Unidas e a promulgação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, os Estados-Membros, inclusive o Brasil, responsabilizam-se por políticas
de cunho social, com vistas a desnivelar as desigualdades entre os povos do mundo e entre o
povo de uma mesma nação.
2. UMA PASSAGEM HISTÓRICA NAEDUCAÇÃO BRASILEIRA VISTA SOBRE O
PRISMA DOS DIREITOS HUMANOS PARA OS NEGROS
Da colonização do Brasil no século XVI até os dias de hoje o país sofreu grandes e
intensas transformações. De Monarquia o país torna-se uma República Federativa. De uma
colônia subordinada à Portugal passa a ser uma região pertencente ao mundo globalizado. De
uma
sociedade,
essencialmente ruralizada,
patriarcal,
elitista,
escravista e
marcada
pela imobilidade social, à nação mais justa, democrática e com mobilidade social.
No Brasil, por mais que a influência africana não fosse desejada, ela não tinha
como ser evitada. Das senzalas saiam as mucamas que cuidavam dos filhos das casas grandes.
Através delas, as crianças brancas ouviam as histórias dos bichos-papões e cantigas de ninar.
A cultura africana sempre esteve, dessa forma, presente no cotidiano do homem branco.
Soares (2002, p. 224) em estudo realizado sobre a obra de Gilberto Freyre descreve
sobreinfluências culturais recebidas dos negros africanos. Percebe-se que a miscigenação
racial e cultural é um trunfo, uma riqueza. Não deixa de ser, também uma forma de
reconhecimento de que do negroa sociedade recebeu “um misticismo quente, voluptuoso, de
que se tem enriquecido a sensibilidade, a imaginação, a religiosidade dos brasileiros”.
Tratando-se da Educação, Enguita diz que (1989, p. 105-131) “sempre existiu algum
processo preparatório para a integração nas relações sociais de produção”. Esse “processo
preparatório” se dava, conforme a cultura, ora na família, ora nos pequenos grupos sociais ou
em outra família diferente a de origem. “Assim o serviço doméstico confunde-se com a
aprendizagem, forma muito geral da educação”. Dessa forma, as crianças aprendiam as
relações sociais de produção.
Com a evolução das sociedades passou-se pensar em qual educação para qual povo.
A preocupação da burguesia para com educação de massas, sempre esteve voltada
para o ordenamento social, pois a educação burguesa oferecida às massas “poderia alimentar
neles ambições indesejáveis”. Para o momento, bastava o conhecimento do ofício na
produção. Locke, (apud Enguita, 1989, p. 111) diz que:
Ninguém está obrigado a saber tudo. O estudo das ciências em geral é assunto
daqueles que vivem confortavelmente e dispõem de tempo livre. Os que têm
empregos particulares devem entender as funções; e não é insensato exigir que
pensem e raciocinem apenas sobre o que forma sua ocupação cotidiana. (LOCKE,
apud ENGUITA, 1989, p. 111)
Na França, durante grande parte do século XIX “os projetos de lei que pretendiam
assegurar o mínimo de instrução literária foram sistematicamente rejeitados pela maioria dos
políticos e intelectuais da época. O mesmo aconteceu na Espanha em face da expansão da
educação formal. Bravo Murillo sustentava que “não precisamos de homens que pensem, mas
de bois que trabalhem”.
Contudo, não faltaram “reformadores que viam a educação do povo a melhor forma de
amansá-lo e trazê-lo ao redil da nova ordem ou da velha”. Condorceté um dos defensores da
educação para o povo. Defende a universalização da instrução primária, (Condorcet apud
Alves, 2010, p. 25), a qual todos deveriam passar, por ser onde se ensina:
Aquilo que é necessário a qualquer indivíduo para se conduzir por si mesmo e gozar
da plenitude dos seus direitos. Esta instrução será suficiente mesmo aos que
aproveitarão as lições dadas aos homens para torná-los capazes de exercer as
funções públicas mais simples, às quais é bom que todo cidadão possa ser
convocado, como aquela de jurado, de guarda municipal (ALVES, 2010, p. 25).
Condorcet reconhece a escola como espaço de construir sujeitos autônomos, pois
ensinaria os conhecimentos necessários a seguir somente a sua própria razão. Há o ideal de
formar o cidadão, que participa na construção da sociedade em que vive, assumindo funções
públicas, como a de júri e guarda municipal.
Condorcet também defendia que os conhecimentos que compõem a instrução primária
fossem suficientes para o cidadão conhecer os seus direitos, os seus deveres e pudesse
participar da sociedade sem depender de nenhum outro cidadão, agindo e participando de
forma livre. Ser livre para Condorcet é poder usar a sua razão independente de qualquer outro
ser humano.
No Brasil, as primeiras escolas foram as jesuíticas. A partir de 1548, Inácio de Loyola,
ao fundar a Companhia de Jesus, intentava peregrinar pelo mundo, para realizar a tarefa da
evangelização, segundo as missões ordenadas pelo Papa. Com o apoio da Coroa embarcam
para o Brasil. Aqui, intencionaram catequizar os indígenas, não obtendo o êxito esperado.
Silva, (2010, p. 128) analisa a “dimensão epistemologia e cultural do processo de dominação
colonial”.
O processo de dominação, na medida em que ia além da fase de exterminação e
subjugação física, precisava afirmar-se culturalmente. Aqui, o que se tornava
importante era a transmissão, ao Outro subjugado, de uma determinada forma de
conhecimento. A cosmovisão “primitiva” dos povos nativos precisava ser convertida
à visão europeia e a “civilizada” de mundo, expressa através da religião, da ciência,
das artes e da linguagem e convenientemente adaptada ao estágio de
“desenvolvimento” das populações submetidas ao poder colonial. (SILVA, 2010, p.
128)
A constituição de 1824 continha um tópico específico em relação à educação. Ela
inspirava a ideia de um sistema nacional de educação. O império deveria possuir escolas
primárias, ginásios e universidades. Ghiraldelli (2006, p. 29) relata o descompasso entre as
necessidades e os objetivos propostos:
um sintoma disso foi a adoção do “método lancasteriano de ensino”, pela Lei de
outubro de 1827. Por tal método, o ensino acontecia com “ajuda mútua” entre alunos
mais adiantados e alunos menos adiantados. Os alunos menos adiantados ficavam
sob o comando de alunos-monitores, e estes, por sua vez, eram chefiados por um
inspetor de alunos que mantinha em contato com o professor. Tal situação revelava,
então, o número insuficiente de professores e de escolas e, é claro, a falta de uma
organização mínima para a educação nacional. (GHIRALDELLI, 2006, p. 29)
O decreto imperial de 1827 que tratou dos mais diversos assuntos como
descentralização do ensino, remuneração dos professores e mestras, ensino mútuo, currículo
mínimo, admissão de professores e escolas das meninas, não resolveu a situação nem mesmo
universalizou a educação, nem mesmo no nível primário. Devido suas condições de vida, os
negros não foram agraciados com o decreto.
Muitas revoltas e revoluções marcaram o Brasil (1822 a 1889) pelo descontentamento
do povo com o Império. A Abolição da Escravatura (1888) desagradou aos fazendeiros, que
exigiam indenizações pela perda de "seus bens". Como não as conseguiram, aderiram ao
movimento republicano. Ao abandonar o regime escravista, o Império perdeu uma coluna de
sustentação política, o que resultou em 1889 a Proclamação da República.
Fernandes (apud Nunes, 2008, p. 248) relata que “negro vivera na difícil
adaptabilidade aos moldes da sociedade de trabalho livre (nos anos que sucederam à
Abolição), fruto de um passado rústico e degradante social, cultural e moralmente”. A
escravatura deixou uma “marca profunda” nos africanos e seus descendentes. A saída deles do
meio rural para o urbano, com expectativa de prosperidade, não foi bem-sucedida, uma vez
que encontraram nas cidades, “uma sociedade burguesa, portanto, com mentalidade
mercantilista”.
Uma vez nas cidades, os negros estavam abandonados à própria sorte. O Estado não
propôs nenhuma ação efetiva de assistência que viabilizasse a sua integração na nova
realidade social e classista.
A primeira constituição republicana deixou a cargo dos Estados declarar ou não a
gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário”, embora dispôs sobre sua a
laicidade.Novamente não é reconhecido o direito do negro à educação, dado aos seus altos
custos.
Com a república problemas de ordem social e educacional tornam ainda mais latentes.
Os novos setores sociais urbanos que surgem passam a exigir o direito de participarem do
pleito eleitoral, mas para que isso fosse possível, era necessário instruir o povo, pois a grande
maioria era analfabeta. A primeira constituição republicana negava o direito de voto e de ser
votado aos analfabetos. Dessa forma, a maioria negra também não atendia os quesitos para
votar ou ser votado.
Cresce a demanda pela instrução escolar. Clark, doutor em Filosofia e História da
Educação pela UNICAMP, em seu estudo relata que para retirar o Brasil do atraso
educacional e promover o seu desenvolvimento, os republicanos “encontraram resposta na
ideologia positivista criada por August Comte (1798-1857) ”. Durante o período de 1889
a 1925 várias reformas educacionais foram promovidas com o objetivo de melhor estruturar o
ensino primário e secundário.
As reformas educacionais eram necessárias pois o Brasil saia do modelo de produção
colonial agrário para o agrário industrial, além disso, com o fim da Primeira Guerra (1917) a
influência dos Estados Unidos erradicava-se no mundo. A literatura pedagógica norteamericana indicava que não era tão somente construir escolas, mas era preciso, conforme
Ghiraldelli, “alterar a pedagogia, a arquitetura escolar, a relação de ensino-aprendizagem, a
forma de administrar as escolas, as formas de avaliação e a psicopedagogia”.
Embalados pelo “otimismo pedagógico” os intelectuais interessados em educação
conheceram, entre outros, John Dewey e a sua proposta da “pedagogia da escola nova”. O
fruto concreto desse otimismo foi o “ciclo de reformas estaduais da educação” dos anos 1920.
Nesse período o Brasil não contava com um Ministério da Educação, portanto, essas reformas
se deram a níveis estaduais. Destacam-se Anísio Teixeira (Bahia,1925), Fernando de Azeredo
(Distrito Federal, 1928), Lourenço Filho (São Paulo, 1930); Ceará 1923); Francisco Campos
(Minas Gerais, 1927), Sampaio Dória (São Paulo, 1920) e Carneiro Leão, 1930).
Em 1932 esses e outros intelectuais instituíram o “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova”, que apresenta uma reflexão importante sobre o pensamento arcaico que
segrega a educação das demais articulações sociais de relevância para o desenvolvimento do
país.
Ainda com o decréscimo da taxa de analfabetismo, o sistema não assegurava o acesso
da população escolar do nível elementar de ensino aos níveis médio e superior.
A Constituição de 1948 fixa a necessidade de elaborar novas leis de diretrizes e bases
para o ensino, que é promulgada em 1961. Essa lei substituiu a Reforma Capanema de 1942.
Devido à demora da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, setores privados retomaram
grande parte dos seus privilégios.
Em 1961, após o debate de mais de dez anos, parlamentares localizados entre o
Anteprojeto da Comissão Mariani (1948) e o substitutivo do deputado Carlos Lacerda (1958),
aprovam a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A Lei 4.024/1961 trata do direito à educação, que passa a ser um dever do Estado e de
livre iniciativa privada; dos fins da educação que se inspira nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana; da administração da educação, fixando a competência ao
poder público federal de assegurar a educação. Fixa também os recursos destinados à
educação nas esferas municipal, estadual e federal, caracteriza o ensino em três graus
(primário, médio e superior), fixa normas para a formação docente das séries iniciais, para a
formação do orientador educacional, além dos demais cursos de formação superior.
Apesar de a LDB garantir o direito e o dever da educação fundamental para todos, a
escola continuava privilégio de poucos. A origem socioeconômica do estudante continuava
determinante para o rendimento escolar. Em 1964 apenas dois terços das crianças entre 7 a 14
anos estavam matriculados e apresentava alto índice de evasão. Freitag (1979, p. 74)
menciona que:
A escola brasileira não só reproduz e reforça a estrutura de classe, como também
perpetua as relações de trabalho que produziram essa estrutura, ou seja, a divisão
social do trabalho que separou o trabalho manual do intelectual” (FREITAG, 1979,
p. 64).
No contexto social, a Lei 4.024/1961 encontra um país ainda com a metade de sua
população sem o domínio dos conhecimentos básicos da leitura e da escrita. Eleitos, Juscelino
Kubitscheck e João Goulart (1956-1961) tinham em plano de governo uma arrancada
desenvolvimentista que pretendia “cinquenta anos em cinco”. Consistia no investimento em
áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico, principalmente, infraestrutura (rodovias,
hidrelétricas, aeroportos) e indústria.
Juscelino teve um desafio em relação ao posicionamento do Estado frente à Educação,
conforme indica Bomeny (s.d) em artigo publicado pela Fundação Getúlio Vargas:
Em relação à educação básica, o que ficou como registro mais forte foi a publicação,
em 1959, de um manifesto de educadores intitulado “Mais uma vez convocados”.
[...] O país, na época, não tinha recursos para estender a rede oficial de ensino, que
marginalizava quase 50% da população em idade escolar. Deliberou-se pela
expansão da rede privada, mas a extensão dos benefícios da educação não alcançou
o conjunto da população mais carente. (BOMENY, s.d)
Observa-se que mais uma vez a educação não alcançou a maioria da população.
Estudos apontam que as taxas de evasão e repetência no sistema paulista impediam “a um
número maior de alunos que quisessem prosseguir os estudos, pois já apresentava uma
quantidade de vagas escolares que excedia as necessidades de atendimento à faixa etária para
a qual estava previsto o ensino obrigatório”.
A ênfase educacional estava nos cursos técnicos profissionalizantes com vistas a
atender aos setores de produção econômica. JK aumentou substancialmente os recursos
federais destinados a cursos industriais de nível médio, o que mais tarde, fora criticado, pois
tais cursos ainda preparavam para o vestibular.
O rápido aumento da participação política levou em 1964, como em 1937, a uma
reação defensiva e à imposição de mais um regime ditatorial em que os direitos civis e
políticos foram restringidos pela violência. Repressão política dos governos militares foi mais
extensa e mais violenta do que a do Estado Novo. Sobretudo, nos anos 1964-5 e 1968-74, por
meio dos Atos Institucionais, foram cassados mandatos e suspenso direitos políticos de
grande número de líderes políticos, sindicais, intelectuais e de militares.
No início de 1970, foi introduzido a censura prévia em jornais, livros e outros meios
de comunicação. Paradoxalmente, “o período combinou a repressão política mais violenta já
vista no país com índices também jamais vistos de crescimento econômico”.
Carvalho (2013, p. 168) relata que:
A rápida expansão da economia veio acompanhada de grandes transformações na
demografia e na composição da oferta de empregos. Houve grande deslocamento de
população do campo para as cidades (p.169). Houve, sem dúvida, um crescimento
rápido, mas ele beneficiou de maneira muito desigual os vários setores da
população. A consequência foi que, ao final, as desigualdades tinham crescido ao
invés de diminuir. (CARVALHO, 2013, p.168).
Em resposta, grupos de esquerda começaram a agir na clandestinidade e adotar táticas
militares de guerrilha urbana e rural.
Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares
investiam na expansão dos direitos sociais. Em 1966 foi criado o Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), universalizando e unificando o sistema de previdência. Em 1971,
em pleno governo Médici foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que
efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência.
Estas não foram as únicas mudanças no campo social. Empregadas domésticas e
trabalhadores autônomos, as duas categorias ainda excluídas foram incorporadas no sistema
jurídico em 1972 e 1973, respectivamente. Como coroamento das políticas sociais, foi criado
em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social, que não previa somente a
previdência e assistência social, mas que formava um sistema complexo em conjunto com a
saúde pública.
Nesse cenário, surge uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, a 5692/71,
modificando o ensino primário, ginasial e colegial que passam a denominar-se ensino de 1º
grau (de 1ª a 8ª séries) e de 2º grau, mudando as estruturas horizontal e vertical, nos seus
aspectos administrativos e didáticos.
Embora de longa data a influência estadunidense, foi no governo Castelo Branco que
se desnacionalizou de formas nunca vistas.Cunha e Goes (1985, p.32) apontam que:
Os Acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da educação nacional,
isto é, o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos
níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livros
didáticos. A proposta MEC-USAID não deixava brecha.(CUNHA e GOES,
1985, p.32)
Houve inferiorização das funções do professor, que se tomou simples executor das
ordens vindas do setor de planejamento, a cargo de técnicos em educação.A Educação
Tecnicista3 advogou a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e
operacional.Pressupunha a neutralidade científica e é inspirada nos princípios de
racionalidade, eficiência e produtividade,
Na prática, a falta de recursos para a viabilização da 5692/71, apontava a necessidade
de colocar em temos legais, o que já acontecia diante do fracasso da Escola profissionalizante
de 2º Grau. Em 1982 é promulgada a lei 7044 que elimina o caráter obrigatório de habilitação
para o trabalho.
Observa-se, na educação brasileira, ausência de políticas públicas que correspondam
aos interesses populares. Embora,
desde 1967 o Brasil é signatário da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas. Nesta
importante Convenção o Estado brasileiro comprometeu-se a aplicar as ações
afirmativas como forma de promoção da igualdade para inclusão de grupos étnicos
historicamente excluídos no processo de desenvolvimento social. (BRASIL, 2004)
O panorama nos anos da ditadura militar não foi diferente. O fracasso da política
educacional refletia-se nas escolas, principalmente na população negra. Foi adotada a
progressão automática. Com isso, a expansão da rede de ensino e das oportunidades de
escolarização, não correspondiam na prática, a um aumento de oportunidades pedagógicas.
O então presidente, General Ernesto Geisel assinalou para um lento retorno à
democracia. Desta forma, o pontapé inicial da abertura partiu dos militares, não da pressão
oposicionista. O AI-5 fora revogado. Desapareceram Arena e MDB, dando lugar a seis novos
partidos, sendo a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 a grande novidade no
3
Verbete idealizado por Dermeval Saviani
campo partidário. Outra medida liberalizante permitiu eleições diretas para governadores de
estados.
João Baptista Figueiredo assume a presidência em 1979 e teve a difícil tarefa de
garantir a transição de regime ditatorial para a democracia. Movimentos populares e de
trabalhadores são retomados. No Congresso tramita a proposta de emenda constitucional
Dante de Oliveira que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para presidente da
república.
Apesar da pressão popular a emenda foi rejeitada em abril de 1985. Com isso, a
eleição para presidente de 1985 foi novamente indireta. Entretanto, articulação da oposição ao
regime miliar, em especial do PMDB, endossadas pela mídia e com forte apoio popular,
racharam a base governista, ocasionando a escolha do oposicionista Tancredo Neves (PMDB)
a presidente da república, encerrando-se assim, um ciclo de cinco presidentes militares.
Tancredo, porém, falece em 21 de abril. Seu vice, José Sarney tomou posse em 15 de março,
sendo também um dos responsáveis pelo processo de redemocratização, mesmo tendo
apoiado os militares por vinte anos.
Com a promulgação da Constituição de 1988, os direitos individuais, sociais, civis e
políticos são garantidos. A nova LDB 9.394/96, garante a gestão democrática do ensino
público e progressiva autonomia pedagógica e administrativa das unidades escolares,
gratuidade e obrigatoriedade do Ensino Fundamental, estabelece carga horária mínima de
oitocentas horas distribuídas em duzentos dias na educação básica, prevê um núcleo comum
para o currículo do ensino fundamental e médio e uma parte diversificada em função das
peculiaridades locais, exige formação de docentes para atuar na educação básica em curso de
nível superior, sendo aceito para a educação infantil e as quatro primeiras séries do
fundamental formação em curso Normal do ensino médio, além da formação dos especialistas
da educação em curso superior de pedagogia ou pós-graduação. Estabelece ainda que a União
o repasse de, no mínimo, 18% e os estados e municípios no mínimo 25% de seus respectivos
orçamentos na manutenção e desenvolvimento do ensino público. Dinheiro público pode
financiar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas. Prevê a criação do Plano
Nacional de Educação.
O Direito à Educação é reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do
Homem como o mais importante, com exceção do direito à vida. Para se garantir um direito
há de se ter disponibilidade, acessibilidade e qualidade. O Estado deve assegurar sua
realização.
É direito de todo ser humano. A educação favorece o crescimento econômico e o
desenvolvimento pessoal e social e reduz as desigualdades. Embora, a LDB aponta várias
conquistas e garantias, verifica-se a necessidade de ampliação e adequação ao momento
histórico.
Freire (1991) relata que “não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso
compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. A semente rumo ao desenvolvimento foi
lançada. A democracia é um poderoso meio de participação popular. Portanto, sem a “arma
cívica” a população ainda fica à margem dos seus direitos. A lei por si só não muda a
realidade.
3. PROMOVENDO A IGUALDADE:AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO
PRÁTICA SOCIAL DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos dos seres humanos já existiam na antiguidade, através das religiões, no
pensamento dos filósofos e evoluíram junto com a humanidade, e hoje encontram guarida nas
constituições. Somente depois da primeira assembleia Universal Dos Direitos do Homem em
1848, pode-se dizer que a sociedade mundial comunga de alguns valores. Os direitos do
homem passaram por três etapas: O primeiro foi os direitos de liberdade, o segundo direito
político e o terceiro direitos sociais.
Quanto a conquista dos direitos, no Brasil, se deu paulatinamente. Durante a
colonização do país, os negros foram trazidos para o Brasil, arrancados de sua terra e foram
escravizados, tratados como “coisa”, mercadoria e animal, portanto não eram sujeitos de
direitos.
Desde os primórdios da chegada dos negros, não consta na legislatura – do império à
Constituição de 1967 – dispositivos legais que os favoreçam de alguma forma. Com a
promulgação da Constituição de 1988, os direitos individuais, sociais, civis e políticos são
garantidos. Tida como uma constituição “cidadã” – além de várias outras garantias reconhece a propriedade definitiva dos remanescentes quilombolas; demarca terras dos povos
indígenas; protege mulheres e crianças contra violência doméstica (Lei Maria da Penha –
2006), além do acesso da população a todos os direitos sociais. Define também o racismo
como crime inafiançável e imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não-anistiável.
A Constituição de 1988 dispõe que “todos são iguais perante a lei”. A igualdade aqui é
entendida como a igualdade de direitos e deveres e principalmente de oportunidades.
A Constituição e a lei devem garantir que todo brasileiro, seja ele nato ou naturalizado
e até mesmo os estrangeiros residentes no Brasil tenham uma vida justa e digna através da
igualdade de oportunidades.
As ações afirmativas entram neste contexto para validar o papel do Estado como
contribuinte de justiça social e para nivelar as grandes lacunas existentes na sociedade.
Entretanto, as ações afirmativas não são práticas novas e muito menos exclusivas do Brasil,
elas já foram adotadas em países.
As ações afirmativas são consideradas as que tem por objetivo principal diminuir as
diferenças acumuladas garantindo por meio de oportunidades e tratamentos similares a
compensação do que foi injustamente computado pelas circunstâncias. Ela se estende tanto a
uma esfera étnica, racial, religiosa e de gêneros dependendo da sociedade em que se encontra.
Ressalta-se que as políticas afirmativas geram um grande questionamento sobre a sua
temporalidade. Alguns teóricos, principalmente dos Estados Unidos, defendem que as ações
afirmativas devem vigorar durante o tempo necessário para promoção da igualdade, na
medida em que as ações afirmativas alcancem seu objetivo elas não seriam mais necessárias,
sendo assim dispensáveis.
As ações afirmativas são basicamente políticas de efetivação de direitos que tentam
corrigir as desigualdades. É a intervenção do Estado para asseguraro Estado realmente
Democrático e garantidor de direitos.
As ações afirmativas são muito mais que políticas anti-discriminatórias, elas não só
previnem a discriminação, mas as reparam ao longo do tempo.
Políticas afirmativas foram realizadas no Brasil para incluir tanto os negros como os
mais desfavorecidos economicamente. Entre elas, muitas se incluem no campo da educação
como: programa de bolsas de Estudo, inclusão destes nas escolas e universidade
(principalmente através do sistema de cotas e financiamentos) e cotas nos concursos públicos.
Além disso, várias leis vieram para valorização da cultura negra no país, como a Lei
10.639/2003 que dispõe da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira
em instituições de nível fundamental e médio e a Lei 12.288/10 que instituiu o Estatuto da
Igualdade Racial. A Lei 10.639/2003 passa a ser alterada pela Lei 11.645/2008 para incluir
também a História e Cultura Indígena no currículo oficial da rede de ensino.
A Lei 12.711/2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio privilegia aqueles que sejam
autodeclarados negros, pardos ou indígenas tendo eles à prioridade de ocupação aos 50% das
vagas destinadas as universidades e instituições federais que foram cursadas por estudantes de
escolas públicas no ensino médio. A portaria normativa nº 18 de 11 de outubro de 2012
dispõe sobre a implementação das reservas de vagas em instituições federais de que trata a Lei
12.711/2012. E o Decreto nº 7.824 também de 2012 regulamenta a Lei 12.711/2012.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a Constituição de 1988 o Brasil passa a ter um novo formato social mais justo e
menos discriminatório. Essa Constituição ficou conhecida como “Constituição Cidadã” ou
“Constituição Democrática” e, de fato se mostra uma Carta Magna inclusiva e de efetivação
dos direitos humanos no país.
É neste contexto que os direitos humanos aparecem como políticas públicas
indispensáveis para a democratização do país. O preconceito contra os negros passa, então, a
ser crime de discriminação racial.
O movimento negro cresce e se desenvolve no mundo, ganhando vertentes inclusive
no Brasil e conquistando importantes feitos. Vitorioso, o movimento negro consegues
políticas públicas para inclusão da cultura afro brasileira no currículo escolar conforme
disposto na Lei 10.639/2003, além do Estatuto da Igualdade Racial Lei 12.288/2010 e da Lei
12.711/2012 que traz as cotas de negros em universidades do país.
Estes foram importantes acontecimentos da valorização cultural de negros no país,
mas não foram os únicos. Ações afirmativas foram implementadas para, além de se ressaltar a
cultura negra, os negros pudessem ter também igualdade de oportunidades educacionais.
As ações afirmativas têm como fundamento principal, não a diminuiçãoda lacuna de
oportunidades inter-raciais, fazer com que esta lacuna desapareça da sociedade e da
mentalidade das pessoas ao longo do tempo.
5. REFERÊNCIAS
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