UMA PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES
EM EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL
EDIÇÃO 08 | NOVEMBRO 2013
Pág. 16
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
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Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
3
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Jornalista responsável e editora: Laura Samudio Chudecki (DRT-MS 242)
Revisão: Vanda Escalante (DRT-MS 159) e Henrique Pimenta
Colaboraram nesta edição
Vanda Escalante
Eder Rubens da Silva
Fotos
Wilson Jr.
Roberto Okamura | ALMS
Eder Rubens da Silva
Entrevista ............................................................................................................................................09
O jornalista Vito Giannotti, um dos coordenadores do Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro, fala sobre o papel da comunicação sindical no Brasil
Ações afirmativas .............................................................................................................................12
Política de cotas é eficiente, mas precisa ser aprimorada para garantir a
permanência de negros, índios, pardos e pobres nas universidades
Capa ......................................................................................................................................................16
Pioneiro na regulamentação da Ensino Penitenciário, Mato Grosso do Sul oferece
educação e capacitação para quem um dia voltará a viver em sociedade
Maioridade Penal ..............................................................................................................................32
Polêmicas, PECs que tratam da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos são
criticadas por entidades, profissionais e estudiosos
Cultura ..................................................................................................................................................38
Projeto Educacional valoriza a história e a cultura de Mato Grosso do Sul. O estado
completou 36 anos em outubro
Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e
não representam, necessariamente, a opinião da revista.
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EDITORIAL
PONTA PORÃ
Plantando
e aprendendo
Educação e cidadania
Educar é ensinar e aprender, é colaborar na tarefa de
construir caracteres e formar cidadãos. E, apesar de a
tarefa não ser exclusiva da escola e do educador, cabe a
nós grande parte do processo, senão a parte fundamental,
que é a de permitir que o aluno – criança, adolescente,
ou mesmo adulto – possa desenvolver e exercitar o senso
crítico e a cidadania, plena de direitos e deveres.
A matéria de capa desta edição fala justamente sobre
o poder transformador da Educação num ambiente que
podemos chamar de inusitado: o das penitenciárias.
Vemos a dedicação desses educadores ser recompensada
a cada vitória, a cada conquista desses alunos que, a
priori, teriam tudo para trilhar o caminho do insucesso.
Mas não. Com motivação e condições em grande parte
criadas pelos próprios educadores, esses presos viram
alunos, transformam sua realidade imediata e ganham um
mundo de possibilidades futuras.
Cultivando hortas, alunos da rede
pública aprendem a cuidar do meio
ambiente e da alimentação
Roberto Magno
Botareli Cesar
Presidente da Federação dos
Trabalhadores em Educação de
Mato Grosso do Sul
Em outra reportagem, reacendemos a discussão
sobre a proposta de redução da maioridade penal, que
tem sido defendida como uma solução mágica para
barrar a violência crescente e deter uma pseudo-onda de
criminalidade juvenil. Na realidade, as pesquisas apontam
que os adolescentes não são responsáveis por tantos
crimes bárbaros quanto a grande mídia – invariavelmente
sensacionalista – quer fazer a sociedade acreditar. Uma
reflexão necessária, principalmente para os trabalhadores
em Educação.
Falamos também sobre os dez anos das cotas
universitárias, mostrando que, embora a inclusão
necessária ainda seja um objetivo a atingir, as políticas
afirmativas têm transformado a vida de muitos jovens
e podem, sim, ser consideradas um avanço. Pesquisa
realizada na Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul (UEMS) – primeira instituição pública no Estado a
adotar o sistema de cotas étnicas – mostra os números e
um pouco da realidade desses estudantes.
Esta edição traz ainda matéria sobre a 6ª Conferência
Estadual de Educação, realizada em Aparecida do
Taboado, uma entrevista com o jornalista Vito Gianotti,
que fala sobre a realidade da comunicação sindical, além
de um relato tocante sobre o universo da Língua Brasileira
de Sinais (Libras), mostrando que onde há Educação, não
há limites.
Boa leitura, bom final de ano, e um 2014 cheio de
realizações!
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ENTREVISTA
E
m Ponta Porã, município
que faz fronteira com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, alunos das escolas municipais Jardim Ivone e Dora Landolfi
participam do Projeto Horta, uma
iniciativa que alcança toda a comunidade escolar e tem o apoio da
Secretaria Municipal de Educação.
O Projeto Horta é uma alternativa sustentável, que envolve mais
de 500 alunos das duas escolas,
beneficiando, 1.200 estudantes,
com alimento saudável e compromisso com o meio ambiente.
Na Escola Jardim Ivone a horta
é cultivada em uma área de 800m.
O coordenador do projeto é o
professor Eronides Vital de Bar-
Professor Eronides Vital de Barros
coordena Projeto Horta
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ros, que além de ensinar as técnicas de plantio e cuidados com os
canteiros, cria, com a ajuda dos
alunos, as ferramentas que serão
utilizadas para manejo do solo.
O Projeto Horta é desenvolvido com alunos do 1º ao 6º ano do
Ensino Fundamental, do período
matutino, por meio do Programa
Mais Educação, do Ministério da
Educação (MEC).
Os canteiros chamam a atenção pela qualidade das verduras e
legumes produzidos, que são utilizados para incrementar a merenda escolar dos alunos.
São cultivados, na Horta da Escola Municipal Jardim Ivone, alho,
alface roxa, alface mimosa, cenoura, cebolinha, cebola, beterraba,
couve, salsinha e repolho, além de
plantas medicinais como a cidrei-
ra, o bálsamo e o anador.
Outro destaque do projeto são
os produtos naturais utilizados
para eliminar as pragas e os insetos que eventualmente podem
prejudicar a qualidade da produção. “Após um bom tempo de
pesquisa, participando de projetos voltados para a produção de
alimentos saudáveis, descobrimos
diversos fertilizantes e produtos
naturais que são eficazes contra
as pragas, e que não comprometem o solo e a qualidade dos alimentos”, explica Eronides.
O professor destaca, ainda, que
uma das preocupações do projeto
é alertar os alunos sobre a importância nutritiva e os benefícios de
cada planta cultivada. “A beterraba, por exemplo, é fonte das vitaminas A, B1, B2, B5 e C, tem minerais como fósforo, potássio, zinco,
magnésio e ferro. Enquanto que
o rabanete é fonte das vitaminas
C e B3 (Niacina), além de conter
os minerais cálcio, fósforo e ferro.
São informações que repassamos
aos alunos”, diz.
“O Projeto Horta é essencial
para aplicação da interdisciplinaridade, fortalece o bom convívio
com os alunos e permite que a
merenda escolar seja enriquecida com alimentos saudáveis”, comenta o diretor da Escola Jardim
Ivone, professor Ricardo Torraca,
acrescentando ainda que o excedente da produção é distribuído
gratuitamente para outras instituições, como hospital, asilo e para a
própria comunidade.
A Escola Municipal Dora Landolfi, situada no Distrito de Sanga
Puitã, também vem impulsionando o Projeto Horta. Alunos do 1º
ao 5º ano participam de aulas práticas, manejo e cultivo de hortaliças, também sob a coordenação
do professor Eronides. “Estamos
na fase de cultivo e, em breve,
devemos ter um bom resultado,
com alimentos de qualidade e
em quantidade considerável para
incrementar a merenda escolar”,
disse.
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O
jornalista Vito Giannotti, italiano, radicado
no Brasil e militante do
movimento sindical há mais de
20 anos, é autor de mais de 20
livros nas áreas de comunicação
e sindicalismo. Atualmente, é um
dos coordenadores do Núcleo
Piratininga de Comunicação, no
Rio de Janeiro. Entre seus livros
estão alguns títulos adotados
nas faculdades de jornalismo,
como: O Que é Jornalismo Sindical, Comunicação Sindical – a
arte de falar para milhões, História das Lutas dos Trabalhadores
no Brasil e Muralhas da Linguagem.
Em julho deste ano, Vito Gianotti participou do Seminário de
Comunicação da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), evento que
pôs em debate a força das redes
na luta sindical.
Pode nos contar um pouco
de sua história? Por que veio
para o Brasil?
O que me despertou o interesse pelo Brasil, no começo dos
anos 60, foi o livro Geografia da
Fome, de Josué de Castro, que
falava da miséria e injustiça no
Nordeste. Também foi o encontro, em Roma, com dois estudantes brasileiros, cheios de alegria.
“O jornalista
sindical, além
do diploma
formal, precisa
ser formado
politicamente,
na visão dos
trabalhadores.”
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Cheguei aqui em 1966 e me apaixonei logo pelo povo.
Como analisa as manifestações em massa que tomaram as
ruas do país no primeiro semestre de 2013? É possível fazer um
comparativo com o movimento
das Diretas Já?
Estas manifestações não têm
nada a ver com as Diretas Já. O
Brasil é outro, o mundo é outro,
a juventude – após duas décadas de individualismo e vazio
político neoliberal – é outra, e a
esquerda é totalmente outra. As
manifestações deste ano mostraram uma profunda insatisfação com a política/politicagem
exercida pela quase totalidade
dos partidos e pelo vazio dos
sindicatos. Não é à toa que a direita sempre nadou de braçadas
na onda da negação da política e
especificamente na rejeição aos
partidos. Claro que isso é o plano
de sempre da burguesia, desde a
ditadura militar à ideologia neoliberal dominante. Mas, para mim,
este é um dos pontos-chave a
ser pensado.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que nasceu do sindicalismo e foi idealizado por
libertários como Apolônio de
Carvalho, sofreu modificações
ideológicas ou apenas mudou
de posição ao longo do tempo,
passando de oposição para situação? Que leitura faz do PT da
“Era Apolônio” à “Era Dilma”?
O PT nasceu das greves de
1978/79 e das lutas contra a ditadura, com lutadores de várias
origens: 1 - trabalhadores sindicalistas, 2 - participantes das Comunidades Eclesiais de Base e
3 - revolucionários marxistas de
várias matrizes. O ideário inicial
era de transformação radical da
sociedade, uns falavam em revolução, outros em reforma. Mas
em 30 anos muita água rolou. O
mundo viveu vários terremotos,
muitos tsunamis. Uns continuam
mantendo os sonhos e programas iniciais, enquanto a maioria se
adaptou à via legal/institucional.
Para estes últimos, a “Era Apolônio” não passa de um sonho juvenil. Outros insistem em manter estes sonhos. Eu estou entre esses.
Como avalia a mídia brasileira
no século XXI?
A mídia brasileira do século
XXI é muito capaz e aparelhadíssima. Todos os governos, desde
os militares até hoje, só facilitaram a vida e o domínio ideológico da mídia dos patrões sobre a
sociedade. É esta mídia que dita
os valores, as ideias, para onde a
sociedade deve ir. Hoje, a mídia
hegemônica no Brasil é o verdadeiro Partido do Capital. Ela organiza, divulga e multiplica por
dez os planos da camada dominante da sociedade: do agronegócio, do capital financeiro, do
imperialismo globalizado, enfim,
da direita conservadora.
Qual o papel da comunicação
sindical após 30 anos da fundação da CUT? O que mudou nesse
período?
A comunicação sindical teve
um papel importantíssimo na
década de 1980. Incentivou, organizou e politizou as lutas daquela década, na qual nasceram
ou renasceram partidos políticos
e centrais sindicais. Quem popularizou, e fez a batalha das ideias
contra as privatizações e todo o
projeto neoliberal, na década de
90, foi a imprensa sindical. Em
1990, tínhamos seis jornais sindicais diários. Hoje, há um e meio.
É verdade que o que fizemos foi
insuficiente, mas a mídia dos sindicatos teve um papel importantíssimo. Faltaram muitas outras
coisas, muitos outros fatores,
muitos outros atores políticos e
sociais, mas esse é outro papo.
“Estas manifestações não têm nada
a ver com as Diretas Já. O Brasil é
outro, o mundo é outro, a juventude –
após duas décadas de individualismo
e vazio político neoliberal – é outra, e
a esquerda é totalmente outra.”
Ao longo da história do sindicalismo brasileiro, quais foram
as principais contribuições do
jornalismo sindical para a ampliação dos direitos dos trabalhadores?
A imprensa dos trabalhadores
foi determinante para divulgar
planos, ideias, experiências de
lutas, daqui do Brasil e do resto
do mundo. Mas, não vamos nos
iludir. Mesmo a partir do renascimento sindical pós-ditadura,
o conjunto dos sindicatos não
compreendeu que a batalha pela
hegemonia na sociedade exige
um enorme trabalho de convencimento dos trabalhadores. E a
maioria dos dirigentes sindicais,
mesmo os de luta, de qualquer
tendência, uns mais e outros menos, não esteve e não está convencida da centralidade desta
batalha. Ou seja, da centralidade
da comunicação, da mídia, com
todos os seus meios, do “antigo”
jornal ao Facebook, do rádio à
TV, às bandeiras, às revistas, aos
blogs e à conversa pessoal, boca
a boca, sempre essencial.
As lideranças sindicais de
hoje têm consciência do papel
que exercem na sociedade?
Acho que falta muito para
esta compreensão. Há várias categorias que, nos últimos dois
anos, começaram a acordar para
a necessidade da comunicação
para uma ação sindical forte e
consciente. Vários seminários,
plenárias e encontros têm sido
realizados sobre esse tema. Para
mim, ou a gente acorda para a
centralidade da comunicação
das nossas ideias para a construção de uma nova sociedade,
ou esqueçamos as fantasias e
sonhos de um dia chegar a um
novo projeto socialista, como
Apolônio de Carvalho imaginava.
As universidades formam jornalistas preparados para trabalhar em sindicatos?
As universidades desta sociedade são universidades do sistema. Elas estão ali para formar
profissionais para esta sociedade. Qual? Capitalista, neoliberal,
injustíssima, escravocrata (é só
pensar na reação dos “nossos”
médicos à vinda de médicos
cubanos). Profissionalmente,
formarão jornalistas para serem belos profissionais do sistema. O jornalista sindical, além
do diploma formal, precisa ser
formado politicamente, na visão
dos trabalhadores. Além do diploma oficial, deve ter mais uns
quantos “diplomas”: de história,
de filosofia, de geografia social,
de política e de luta de classes.
Da história das lutas dos traba-
lhadores no Brasil e no mundo.
Da nossa história da esquerda.
Enfim, precisa ter uma formação
vastíssima para melhor servir
aos trabalhadores para os quais
vai produzir, junto com eles próprios, sua mídia.
No Seminário de Comunicação da CNTE, no mês de julho,
o senhor teve acesso à edição
da Revista Atuação, da Federação dos Trabalhadores em
Educação de Mato Grosso do
Sul (FETEMS). O que achou da
nossa abordagem?
Rapidamente: primeiro, parabéns por ela existir. Nota 10.
Segundo, parabéns pela pauta
ampla, que trata da vida do trabalhador nos seus vários aspectos. Terceiro, a periodicidade:
é óbvio que é insuficiente para
combater tudo o que a Globo, a
Veja e toda a mídia do sistema
vomitam diariamente, no mínimo semanalmente, na cabeça de
professores, alunos, pais de alunos, avós e avôs, tias e tios! Ou
seja, estaremos bonitos quando...
a periodicidade da nossa comunicação (de todas as formas) for
muito maior. Quarta coisa: que
tal pensar numa revista bonita
como a Atuação, que unifique
cinco, seis, dez categorias em
cada Estado, e fale com cem mil
trabalhadores semanalmente?
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
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AÇÕES
AFIRMATIVAS
B
rasileiras, negras e acadêmicas da Universidade
Estadual de Mato Grosso
do Sul (UEMS). Swellen, Erivânia e
Ângela têm histórias de vida parecidas. Nascidas em famílias de baixa renda, filhas de pais que tiveram
pouco acesso à educação, e alunas
de escolas públicas, essas mulheres são as primeiras integrantes
de suas famílias, depois de várias
gerações, a chegar à universidade.
Ingressaram no Ensino Superior
pelo sistema de cotas e, dentro
de pouco mais de um ano, estarão
com seus diplomas nas mãos. Para
elas, uma conquista. Para o Brasil,
mais um passo rumo à mudança
nos aspectos econômico, social e
cultural.
A UEMS foi a primeira universidade de Mato Grosso do Sul e a
terceira do país a implantar o sistema de cotas. As leis estaduais
2.589/2002 e 2.605/2003 garantem a reserva de vagas para candidatos autodeclarados indígenas e
negros. A primeira garante 10% das
vagas para indígenas e a segunda,
20% para negros.
Em 2010, a universidade aderiu ao Sistema Unificado de Seleção (Sisu/MEC), conservou as cotas, mas modificou a seleção dos
inscritos autodeclarados negros,
passando a valer somente a autodeclaração e a assinatura do termo
de responsabilidade no ato da matrícula.
“Antes do Sisu, os candidatos
inscritos nas cotas para negros tinham as inscrições analisadas por
uma comissão que avaliava o fenótipo e aspectos sociais. A inscrição
era deferida ou indeferida confor-
Censo
O Censo da Educação Superior 2011 demonstra um aumento
de jovens negros nas universidades brasileiras entre os anos de
1997 e 2011. As universidades públicas federais foram as
que mais matricularam alunos negros nesse período. Em
14 anos, o número de jovens acadêmicos que se autodeclaram pretos e pardos cresceu quatro vezes. Antes
de 1997, apenas 1,8% dos jovens autodeclarados pretos
frequentavam ou haviam concluído o Ensino Superior. No
Censo de 2011, esse índice chegou a 8,8%. No universo de
pardos, também houve aumento: em 2011, 11% dos jovens
pardos frequentavam ou haviam concluído o Ensino Superior. Em 1997, esse índice era de apenas de 2,2%.
me a Resolução nº 430/2004 do
Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão (CEPE/UEMS). Caso não
tivessem a inscrição deferida, esses candidatos podiam ainda concorrer às vagas gerais. A partir de
2014, a UEMS vai implantar a comissão novamente. A diferença é
que essa análise será feita após o
processo seletivo, no ato da matrícula. Caso a inscrição seja indeferida, o candidato perde a vaga
e tem a inscrição anulada, tendo
que concorrer às vagas gerais no
próximo processo”. A explicação
é da professora doutora Bartolina
Ramalho Catanante, do Programa
de Mestrado Profissional em Educação da UEMS.
Na cota para indígenas, uma declaração de descendência emitida
por lideranças indígenas em conjunto com a Fundação Nacional
Índio (Funai) ou o RG indígena são
considerados provas para concor-
rer às vagas reservadas.
Mesmo com a política de cotas e outras modalidades de ações
afirmativas, o Brasil ainda tem um
grande caminho a percorrer no que
diz respeito à permanência desses
alunos nas universidades. Pesquisa
de doutorado (PUC/SP, 2008) da
professora doutora Maria José de
Jesus Alves Cordeiro, também do
Programa de Mestrado da UEMS,
mostra que as vagas destinadas
aos alunos cotistas não são 100%
preenchidas e que o índice de conclusão de curso ainda não é o ideal.
A pesquisa foi realizada na própria
UEMS e identificou que, do período da implantação do sistema de
cotas, em 2002, até o ano de 2012,
haviam sido matriculados 2.331 cotistas negros e um total de 483 haviam concluído o curso. Já entre os
indígenas, 731 cotistas foram matriculados e apenas 68 concluíram o
Ensino Superior.
Dados UEMS de 2002 a 2012
• 2.331 alunos negros matriculados = 62,9% das pouco mais de 3.700 vagas reservadas para
negros, o equivalente a 20% do total de vagas.
• 483 alunos negros concluíram o curso = 2,05% dos cotistas negros matriculados.
• 731 alunos indígenas matriculados = 40,1% das pouco mais de 1.820 das vagas reservadas para
indígenas, o equivalente a 10% do total de vagas.
• 68 alunos indígenas concluíram o curso = 9,3% dos cotistas indígenas matriculados.
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13
vulnerabilidade social.
Embora o número de alunos cotistas formados pela UEMS nesse
período possa não parecer significativo, os pesquisadores comemoram o avanço. “O sistema de
cotas foi altamente benéfico para a
população negra. Em 2002, o Grupo Tez [Trabalhos Estudos Zumbi] elaborou um estudo em que
foi constatado que apenas 2% dos
acadêmicos das universidades de
Mato Grosso do Sul eram negros.
Hoje, pouco mais de uma década
após a implantação da política de
cotas, temos cerca de 20% de alunos negros nas instituições”, explica a professora Bartolina.
Maria José de Jesus Alves Cordeiro,
professora doutora da UEMS
Para a professora Maria José, os
fatores que contribuem para a desistência de brancos, negros e indígenas são os mesmos. “A maioria
desses jovens, mais de 70%, é de
famílias que ganham até três salários mínimos, ou seja, são pobres. A
evasão dos cursos se dá pela necessidade de trabalho, e o sonho
do diploma acaba sendo adiado.
No caso específico dos indígenas, o
contraste cultural e o idioma também contribuem com o cenário de
desistência”, diz.
Ainda na pesquisa, a docente
ressalta que as instituições oferecem poucos programas para atender e apoiar alunos em situação de
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“Quando terminei o Ensino Médio em 1995, não
tive acesso à universidade. Não por falta de
capacidade, mas, sim, por falta de condições
de vida. Hoje, 18 anos depois, estou cursando
o Ensino Superior. Era um sonho meu voltar a
estudar. Sempre quis ser professora. Já estava
mais do que na hora de ter essas políticas. Eu
competi com os demais, a nota de corte é a
mesma para todos.”
Erivânia Oliveira, 37 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS, ingressou
no Ensino Superior pelo sistema de cotas
“Minha avó não pôde estudar, minha mãe
também não, só tenho uma tia que terminou o
Ensino Médio. Pra mim, é um progresso na minha
família eu estar na faculdade. As oportunidades
que elas não tiveram, agora eu tenho.”
Desempenho
Houve muita polêmica quando a
política de cotas começou a ser implantada nas universidades brasileiras. Não faltaram críticos e críticas.
Muitos diziam que os alunos cotistas não iriam acompanhar o desenvolvimento do curso e que isso rebaixaria o nível do Ensino Superior.
Contudo, as cotas vêm dando
certo e os alunos são qualificados
para as vagas. “A nota de corte é
a mesma para todos os candidatos, portanto, não há diferença em
relação a aprovação entre cotistas e não cotistas, uma vez que a
concorrência se efetiva entre iguais.
Os critérios específicos do mérito
sempre foram os mesmos para todos, no entanto, o que faz a diferença com o sistema de cotas é o fato
de a concorrência se dar em igualdades de condições, ou seja, negro
pobre de escola pública concorre
com os demais negros pobres de
escolas públicas e não com os alunos oriundos de classes econômicas mais favorecidas que tiveram
acesso a escolas com padrão de
ensino mais qualificado, cursinhos
preparatórios particulares durante
todo o ensino médio, por exemplo.”, esclarece Maria José.
Estudos realizados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) indicou que 49% dos cotis-
“O sistema de cotas
foi altamente benéfico
para a população
negra.”
Bartolina Ramalho Catanante, professora doutora da UEMS
Lei 2.589
É de autoria do então deputado estadual Murilo Zauith a Lei nº. 2.589, de dezembro de 2002, que instituiu na
UEMS as cotas para índigenas.
Lei 2.605
É de autoria do deputado
estadual Pedro Kemp a Lei
nº. 2.605, de janeiro de 2003,
que instituiu na UEMS as cotas para negros.
Swellen Pereira, 24 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS, ingressou
no Ensino Superior pelo sistema de cotas
“Sempre estudei em escola pública. Sou
a favor das cotas, mas acho que esse
sistema não tem que durar pra sempre.
Acho que deveria haver um maior
investimento na Educação Básica, no
Eensino Público, assim as oportunidades
serão as mesmas para todos.”
Ângela Batista, 20 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS,
ingressou no Ensino Superior pelo sistema de cotas
Lei das Cotas
“A maioria desses
jovens, mais de 70%,
é de famílias que
ganham até três
salários mínimos, ou
seja, são pobres. A
evasão dos cursos se
dá pela necessidade de
trabalho, e o sonho do
diploma acaba sendo
adiado.”
tas foram aprovados em todas as
disciplinas no primeiro semestre do
ano de 2003, contra 47% dos estudantes que ingressaram pelo sistema regular.
No início de 2010, a universidade divulgou novo estudo, que
constatou que, desde que foram
instituídas as cotas, o índice de
reprovações e a taxa de evasão
totais permaneceram menores
entre os beneficiados por políticas
afirmativas.
A Lei Federal 12.711, de 2012, chamada Lei das Cotas, define que as Instituições de Ensino Superior
vinculadas ao Ministério da Educação e as Instituições Federais de Ensino Técnico de Nível Médio devem reservar 50% de suas vagas para estudantes cotistas. A lei não atinge as instituições de ensino
estaduais ou privadas.
A partir da promulgação, as instituições começaram a contar o prazo de quatro anos para a implementação integral da lei. Nos vestibulares de 2013, as instituições tiveram que reservar o mínimo de
12,5% do total de vagas; em 2014, o mínimo será de 25%; em 2015, 37,5% e, em 2016, a metade das vagas,
como prevê a legislação. Assim, em 2016 todas as instituições terão reservadas 50% de suas vagas para
as cotas.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
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CAPA
Heróis
do Cárcere
Professores e coordenadores pedagógicos
concentram seus esforços no ensino para
presos, uma atividade que requer compreensão, paciência, respeito, coragem, compaixão e despreconceito
16 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
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C
aminhar pelas instalações
de uma penitenciária
brasileira desperta sentimentos que se confundem com
tristeza e piedade. Seres humanos
amontoados dividem espaços insalubres, onde caberiam apenas
25% deles. Além de espaço, faltam
muitas outras condições de vida
no sistema prisional. O ambiente
lúgubre do cárcere promove a violência, a miséria e a perda de valores humanitários.
Em 2012, o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) registrou 550 mil
reclusos. O déficit de vagas nas
penitenciárias é superior a 200 mil.
Os números demonstram a falência do sistema e o desrespeito aos
direitos de qualquer ser humano.
No entanto, em meio às mazelas do sistema penal, ações paralelas à custódia do preso tentam
melhorar a vida de quem está atrás
das grades, oferecendo oportunidades de trabalho e educação
para aqueles que, um dia, voltarão
à sociedade. Diante dos inúmeros
problemas do sistema penitenciário, essas ações podem até ser
consideradas discretas, mas os
resultados são positivos e oportunizam condições mais dignas e
equânimes no retorno à liberdade.
Em Mato Grosso do Sul, professores e coordenadores pedagógicos concentram seus esforços no
ensino para presos, uma atividade
que requer compreensão, paciência, respeito, coragem, compaixão
e despreconceito. De segunda a
sexta-feira, 92 professores entram
na rotina de 26 unidades prisionais
do estado para ensinar os desprovidos de liberdade. Esses profissionais são motivados pela certeza
de que a educação transforma realidades, mesmo dentro das penitenciárias de um dos estados que
mais encarcera pessoas no país.
Educação na prisão
Depois de cruzar os pavilhões
do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG), chega-se a um local
18 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
que, para muitos, é impensável
que exista dentro de uma prisão:
uma escola. Isso mesmo, uma escola! Com salas, carteiras, lousas,
professores, alunos, sala de informática e biblioteca.
É uma sexta-feira, e a aula é de
Ciências. Os estudantes, todos internos do IPCG, permanecem em
silêncio, sentados e concentrados.
A única voz que se ouve é a da
professora. Bom comportamento
e disciplina são fundamentais para
que possam continuar frequentando as aulas. Na escola, todos são
iguais, e os artigos do Código Penal que os levaram à condenação
não interessam a ninguém. “Aqui,
a gente aprende a ter mais paciência e aprende com os alunos também. Tentamos resgatar os valores
que, em algum momento, ficaram
perdidos ou nunca foram apresentados a eles. Os alunos nos veem
como a única fonte de ressocialização. Não os vejo pelos artigos,
nem sei porque chegaram aqui.
Olhamos para eles de uma maneira uniforme, como seres humanos,
e trabalhamos como se estivéssemos em uma escola como as outras”. O depoimento é da professora de ciências, Jucimary Barros,
que leciona há pouco mais de um
ano no IPCG.
Mesmo estando em uma penitenciária, a impressão que os alunos passam é de comprometimento com os estudos. “Aqui os alunos
são mais interessados, sabem que
estão aqui para estudar. Não precisamos chamar a atenção de ninguém. Geralmente, conseguimos
concluir o conteúdo programático antes do previsto”, comenta o
professor de Matemática, Arnaldo
Bispo.
A informação do professor é
confirmada pelo aluno Izaías Euzébio de Souza, que gostaria, ainda,
que fosse maior a carga horária
de duas disciplinas: “Eu acho que
nós teríamos que ter mais aulas de
inglês e de informática, são matérias importantes. Aqui a gente
fica muito desatualizado. Temos
pouco tempo de aulas dessas matérias”. Izaías tem 40 anos e parou
de estudar aos 10, na 4ª série. “Eu
morava em uma região que não
tinha mais estudo, morava na divisa do Xingu. Quando eu vim para
cá, optei por estudar. No começo
foi pela remição e também para
não ficar sem fazer nada dentro
da cela. Aí, quando comecei a estudar, comecei a ter vontade de
aprender”, afirma.
A Escola
No IPCG funciona uma das extensões da Escola Estadual Prof.ª
Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, criada por meio do Decreto
Nº 11.514, de 2003. É a primeira
escola pública brasileira regulamentada para atender a população carcerária. “Somos uma escola como as demais. A diferença
é que a nossa estrutura funciona
dentro das unidades”, explica a
diretora, Regina Lúcia Rosa Sales.
A Escola Estadual Prof.ª Regina Betine está presente em 17
municípios do estado e dispõe de
26 extensões. É vinculada à Secretaria de Estado de Educação
(SED), obedece à mesma grade
curricular e carga horária das
demais escolas públicas. Dispõe
das três etapas do Ensino Fundamental e, nos municípios de Campo Grande, Dourados, Corumbá
e Três Lagoas, oferece o Ensino
Médio. Em Corumbá e Três Lagoas, os anos iniciais do Ensino Fundamental são oferecidos também
no período noturno.
Para atender as 123 turmas, a
escola dispõe de 33 professores
em Campo Grande e 59 no interior, além de oito coordenadores
pedagógicos, dois coordenadores de área e cinco funcionários
administrativos. No primeiro semestre de 2013, foram matriculados 1.683 alunos.
Para ingressar na escola, o interno precisa fazer uma avaliação
que mede seu grau de escolaridade, e a nota mínima é sete. Muitos
estão em fase de alfabetização.
“Essa prova é feita porque não
podemos esperar a transferência
dos alunos, alguns são de outros
estados e, às vezes, essa transferência nunca chega. Mas, a média
geral da escola é seis”, esclarece
a diretora Regina.
A escola não realiza concursos, o corpo docente é formado por professores contratados.
Antes do professor ingressar nas
unidades, ele passa por entrevistas e capacitações.
Os presídios têm regras e horário, e a escola está adequada
à rotina do sistema. Existe um
compromisso entre a Agência
Estadual de Administração do
Sistema Penitenciário (Agepen/
MS) e a direção da escola para
que as aulas aconteçam diariamente. O efetivo da Agepen é
reduzido, são apenas 1.286 funcionários em todo o estado. “É
preciso aumentar o número de
servidores para garantir mais segurança a todos. Mesmo assim,
as aulas acontecem, não deixamos nada parar. O Instituto Penal
é referência no ensino de internos. Temos 191 internos em sala
de aula”, comenta o diretor do
IPCG, Erani Antônio Boeno.
“Quando saírem
de lá, com uma
formação, uma
profissão, certamente
que a sociedade
vai recebê-los de
uma outra forma.
Eu acredito que a
educação melhora a
vida do ser humano
atrás das grades.
Pode ter certeza que
melhora.”
Regina Lúcia Rosa Sales, diretora
da Escola Estadual Prof.ª Regina
Lúcia Anffe Nunes Betine
Sede da Escola fica na
Rua Pernambuco, 1.512,
em Campo Grande
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
19
Bra
sil
Mato
Grosso
do Sul
Segundo dados do Ministério
da Justiça, em 2010, Mato Grosso do Sul tinha cerca de 468
presos para cada 100 mil habitantes, enquanto que a média
nacional era de 258 presos por
100 mil habitantes. Atualmente,
o estado tem 11.972 reclusos. A
localização geográfica de Mato
Grosso do Sul permite que o
estado seja rota de várias modalidades de crime, ganhando
destaque o tráfico de drogas. O
estado faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia e divisa com
cinco estados: Mato Grosso,
Goiás, Minas Gerais, São Paulo
e Paraná.
De acordo com dados do Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias do Ministério da
Justiça, o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária
do mundo e está atrás apenas
dos Estados Unidos, da China e
da Rússia. Nos últimos 20 anos,
o número de presos cresceu
251% no país.
Fonte: Ministério da Justiça/2010
“Só é possível reinserir por meio da
capacitação e do ensino. Não há dúvida de
que essa é a principal finalidade da educação
dentro das unidades. Contudo, atingimos
outros objetivos com a educação. Para o
Estado, é interessante quando o preso sai da
cela e vai para a sala de aula, é uma maneira de
retirá-lo do ambiente insalubre. Mato Grosso do
Sul, assim como o restante do Brasil, enfrenta
sérios problemas de superlotação.”
Gil Messias Fleming, juiz da 1ª Vara de Execução Penal,
Comarca de Campo Grande
“Para os que ficam desocupados, a
reincidência é de 80%. Por isso, o sistema
penitenciário precisa investir nas duas frentes,
trabalho e educação.”
Deusdete Souza de Oliveira Filho, diretor-presidente da Agepen/MS
20 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
Cenário da educação nos presídios de Mato Grosso do Sul
2013
• 1.683 alunos foram matriculados na Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine no primeiro
semestre de 2013, em todo o estado
• 20 internos do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG), já com o Ensino Médio concluído, frequentam o
curso de Transações Imobiliárias, oferecido pelo Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS)
• 4 internos do IPCG estão cursando graduação superior a distância pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), um no curso de Administração, um no curso de Processos Gerenciais e dois no curso de Gestão
de Cooperativas
• 3 internos do Centro de Triagem Anízio Lima (estabelecimento penal masculino de segurança média)
estão cursando graduação superior a distância pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), um no curso
de Gestão de Meio Ambiente, um no curso de Negócios Imobiliários e um no curso de Comércio Exterior
• 985 internos de 32 unidades fizeram a inscrição do Exame Nacional para Certificação de Competências
de Jovens e Adultos (Encceja)
• 761 vagas de cursos profissionalizantes foram disponibilizadas aos detentos por meio de parcerias com
o SENAI, SENAC, SENAR e IFMS
2012
• 1.951 matriculados na Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine
• 1.022 internos, de 29 unidades, fizeram o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
21
Remição de pena
Remição é a redução da pena
por meio do trabalho e, agora, do
estudo. Em 2011, houve um novo
incentivo para que os presos retomassem os estudos. A Lei 12.433
prevê a redução de pena, que já
ocorria com o trabalho, também
para quem estuda.
A cada três dias de trabalho, o
preso tem direito a um dia de remição. Com a educação é a mesma coisa, só que o cálculo é por
horas: a cada 12 horas de estudo,
um dia a menos na pena. Se o recluso trabalha e estuda, o desconto é dobrado.
“No início, os alunos frequentavam as aulas por conta da remição, para facilitar a relação com
a assistência social, o judiciário, e
para sair da cela. Hoje, já mudaram o comportamento, já estão
interessados na escola e apresentam bons resultados”, garante a
diretora Regina.
O diretor-presidente da Agepen/MS, coronel Deusdete Souza
de Oliveira Filho, explica que, entre os internos que trabalham e
estudam, a reincidência no crime,
quando voltam à sociedade, fica
entre 3% e 5%. “Para os que ficam
desocupados, a reincidência é de
80%. Por isso, o sistema penitenciário precisa investir nas duas fren-
tes, trabalho e educação”, afirma.
Uma das principais contribuições do ensino é a reinserção do
preso no mercado de trabalho.
Além disso, ler e escrever garante
certo grau de autonomia ao preso, pois pode se comunicar com
a família por meio de cartas e
acompanhar o desenrolar de seus
processos.
Para o juiz da 1ª Vara de Execução Penal, Gil Messias Fleming,
a educação nos presídios vai além
da proposta pedagógica. “Só é
possível reinserir por meio da
capacitação e do ensino. Não há
dúvida de que essa é a principal
finalidade da educação dentro
das unidades. Contudo, atingimos
outros objetivos com a educação. Para o Estado, é interessante
quando o preso sai da cela e vai
para a sala de aula, é uma maneira
de retirá-lo do ambiente insalubre.
Mato Grosso do Sul, assim como o
restante do Brasil, enfrenta sérios
problemas de superlotação. Uma
cela de 10 metros quadrados chega a ter 20 presos. Uma das funções do Estado, quando condena
o indivíduo, é contribuir com sua
ressocialização, e o ambiente da
cela acaba contribuindo com a índole criminosa”, avalia.
Além da escola, as unidades
promovem regularmente cursos
profissionalizantes. Por meio de
parcerias com entidades como o
Serviço Nacional do Aprendizagem Rural (Senar/MS) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec),
já foram oferecidas capacitações
em áreas como confeitaria, padaria, pizzaria e outras.
Atualmente, a Agepen é parceira de 163 empresas em todo o
estado. Dessas, 151 são entidades
privadas. As empresas que contratam a mão de obra de presos
ficam livres dos encargos sociais.
O salário pago corresponde a
1/3 do salário mínimo. No regime
semi-aberto e aberto, os presos
recebem um salário mínimo integral.
A diretora Regina Lúcia conta
que vários ex-alunos saíram do
sistema e conseguiram refazer a
vida. “Os que estão em sala de
aula, estão de fato interessados
em aprender e mudar. Sempre visito as unidades e digo que eles
têm tudo para estudar. Não é demagogia não, eles têm kit escolar,
salas de tecnologias, merenda e
bons professores. Quando saírem de lá, com uma formação,
uma profissão, certamente que a
sociedade vai recebê-los de uma
outra forma. Eu acredito que a
educação melhora a vida do ser
humano atrás das grades. Pode
ter certeza que melhora”, garante.
Direitos
Todo preso tem direito à educação. Além da Constituição
Federal, garantem o acesso dos
detentos brasileiros aos estudos
a Lei de Execução Penal (LEP),
a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9394) e
o Plano Nacional de Educação
(PNE).
22 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
Revista
Revista
ATUAÇÃO
ATUAÇÃO
| Novembro
| Julho 2013 |
23
Mudando o
universo do
prisioneiro
Na proposta pedagógica da Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia
Anffe Nunes Betine, existem vários
projetos, desenvolvidos em sala de
aula, que estimulam o pensar, a reflexão, a autoestima, e contribuem
com a mudança de comportamento. Os projetos Leitura Falada
e Mundo Mágico da Leitura têm
esses objetivos, além de promoverem as habilidades da leitura e da
escrita.
No Leitura Falada, os alunos escolhem os livros, fazem o resumo e,
depois, transformam os textos em
áudio gravado nas salas de tecnologias. Essas gravações são encaminhadas a entidades que atendem
pessoas com deficiência visual.
Da leitura, para os cálculos. No
ano passado, seis alunos participaram da Olimpíada Brasileira de
Matemática das Escolas Públicas.
Um deles, do Presídio Federal de
Campo Grande, ficou em 3º lugar.
A medalha de bronze lhe garantiu
uma bolsa no Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC).
“Os agentes dizem que, quando
os internos estudam, voltam para
a cela mais tranquilos, começam a
ser mais exigentes com os relacionamentos, e muitos acabam buscando a cela só para estudantes.
Melhoram a maneira de se vestir,
ficam mais asseados e deixam de
falar gírias. Tudo isso permite que
mudem seus conceitos e valores.
Outro dia, eu estava no shopping
e um ex-aluno do sistema me chamou para contar que havia passado
no vestibular. Quando estão bem,
quando vencem, querem mostrar
suas conquistas. Isso é muito bom,
é muito gratificante!” A declaração
é da coordenadora pedagógica Helena Leite Baptista, que há 10 anos
trabalha como educadora no sistema penitenciário.
24 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
A história
de Nataniel
Nataniel Antunes, 32 anos, pai
de três filhos, cumpre pena
em regime aberto. Chegou
ao sistema aos 19 anos, por
causa de uma briga de bar
que acabou em homicídio.
Os 11 anos que passou preso
no Instituto Penal de Campo
Grande fizeram-no repensar
sua vida, seus atos, seus
valores, e recomeçar.
Na minha infância, fui um
bom aluno, sempre gostei de
estudar, de ler. Aos 13 anos, me
envolvi com más companhias
e foi quando tudo começou.
Quando fui preso, comecei a
trabalhar no presídio para ajudar minha esposa. Depois de
sete anos que estava no Instituto, a Escola Regina Betine se
instalou lá. Consegui me matricular na escola e gostei muito
do que vi, do projeto que me
apresentaram, e da forma como
os professores tratavam os
alunos. Só que houve um empecilho: não pude terminar os
estudos lá dentro, porque precisava trabalhar. Naquela época, tínhamos que escolher, ou
estudava ou trabalhava, nem tinha remição. Mesmo assim, não
desisti de estudar. Eu pensava
assim: se esse professor vem
de longe e acredita em nós, por
que é que nós não vamos fazer
por onde, e mostrar que podemos mudar?
Bom, aí eu saí do regime
fechado e fui estudar no EJA
[Educação de Jovens e Adultos]. No EJA, recebi um prêmio
de melhor aluno. Trouxe o prêmio aqui para a diretora Regina ver e encaminhei para o juiz
também. O pessoal do EJA me
incentivou a fazer o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio].
Eu fiz. Mas como minha pontuação não foi tão alta, resolvi terminar o EJA com calma. Isso vai
ser bom, porque eu queria passar por uma formatura e agora
vou me formar com o pessoal.
Sou presidente da comissão de
formatura, estou organizando
uma festinha bem legal.
Minha mãe me disse que eu
tenho que fazer aquilo que eu
gosto. Quero fazer faculdade
de Letras. Trabalho aqui na Escola Regina Betine. Faço serviços gerais, tudo que me pedem
eu faço. Também fiz um curso
de auxiliar administrativo e departamento pessoal. Agora estou fazendo um curso de computação.
Pra mim, tudo isso que passei foi uma lição de vida. Principalmente, porque tenho filhos
adolescentes. Vejo que meus
esforços, tanto lá dentro, como
aqui fora, estão ajudando no
crescimento deles. Isso aí, pra
mim, não tem preço. Sou outra
pessoa hoje, estou 100% melhor.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
25
Uma vida de
superação
Roberto da Silva, o ex-interno
da Febem e do Complexo do
Carandiru que virou professor,
mestre, doutor e livre-docente
da USP
O recomeço
da menina
Edilaine
Jovem e vaidosa, Edilaine
dos Anjos da Silva tem 22 anos
e é interna do Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi, em Campo
Grande. Condenada por latrocínio, Edilaine está no sistema há
três anos. Desde que foi presa,
decidiu mudar sua história de
vida.
“Desde que fui presa, em Rio
Brilhante, comecei a estudar. Na
rua, eu perdi muito tempo. Estudando, a gente fica mais relaxada para voltar pra cela. Quando
estou na sala de aula, eu esqueço da cela. Também trabalho no
setor de artesanato. Quando sair
daqui quero trabalhar, estudar
e terminar de cuidar da minha
26 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
filha. Ela mora com meus pais,
em Nova Andradina, e tem seis
anos. Também já fiz vários cursos aqui. Fiz curso de xadrez,
pátina, corte e costura básico,
bordado de chinelo, crochê, manicure e pedicure. Aprendi de
tudo um pouco na cadeia. Estar
aqui é uma experiência de vida”,
relata.
Assim como Edilaine, muitos
outros jovens têm chegado ao
sistema logo que completam 18
anos. Em 2011, o Departamento
Penitenciário Nacional (Depen)
fez um levantamento e constatou que os indivíduos com faixa etária entre 18 e 24 anos representavam 30% do total de
detentos. Logo depois, aqueles
com idade entre 25 e 29 anos,
que somam 26% do total. Considerando como juventude a faixa
etária entre 15 e 29 anos (padrão
brasileiro adotado pela Política
Nacional da Juventude), conclui-se que os jovens compõem
56% de toda a população carce-
rária nacional.
Para o psicólogo da Agepen,
Marcos Moisés, a criminalidade
entre os jovens é reflexo da falta
de estrutura familiar e de acesso
à educação. “Esses jovens chegam aqui sem concluir a 6ª série.
A maioria vem de famílias desestruturadas, sem nenhuma base
de comportamento. Com isso,
cabe ao sistema penitenciário
pegar esses jovens, que estão
no auge da sua capacidade produtiva e dar a eles formação intelectual e laboral. Quando não
conseguimos isso, sem dúvida,
esse indivíduo será nosso cliente
novamente. O sistema penitenciário fica com a responsabilidade
de consertar o comportamento
de indivíduos, que as famílias e
a sociedade não foram capazes
de fazer. A escola deveria ter
educado, a família amparado e
instruído, mas, isso não aconteceu. Essas instituições – família
e escola – não fizeram parte da
vida deles”, avalia.
Roberto da Silva chegou à
Febem (antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor e
atual Fundação Casa) quando
tinha apenas dois anos de idade. Naquela época, a entidade
era responsável pela tutela de
órfãos. A mãe de Roberto foi internada num hospital psiquiátrico e os quatro filhos entregues
a abrigos diferentes. Roberto
“Não é só a
custódia que tem
que melhorar. É
a reconceituação
do crime e da
pena de reclusão
no Código Penal
Brasileiro para
que a prisão seja
efetivamente para
quem precisa ser
temporariamente
confinado, e não
o encarceramento
indiscriminado, em
massa, como se
faz.”
permaneceu na Febem até os 17
anos.
Em liberdade, foi para as ruas
e começou a praticar pequenos
delitos, sendo aprisionado mais
tarde, no Complexo do Carandiru, em São Paulo, acusado de
vários crimes.
Depois de mais de dez anos
no Carandiru, o ex-presidiário
voltou aos estudos. Concluiu
ensino Fundamental e Médio em
curso supletivo, formou-se em
Pedagogia em 1993, fez Mestrado em Educação, na USP, em
1998, tornou-se doutor em 2001
e livre-docente em 2009, também pela Universidade de São
Paulo. Já publicou várias obras,
e algumas tratam da educação
no sistema prisional. Recebeu
diversos prêmios em reconhecimento à sua vencedora história
de vida.
Nesta entrevista, Roberto da
Silva fala sobre sua participação na elaboração do Plano Estadual para a Melhoria da Educação no Sistema Penitenciário
de Mato Grosso do Sul, (estado
pioneiro na regulamentação de
uma escola pública para atender
a população carcerária) e sobre
a educação como direito de todos os cidadãos.
O senhor participou do processo de elaboração do Plano
Estadual para a Melhoria da
Educação no Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul.
Como foi essa experiência,
tendo em vista sua história de
vida?
Mato Grosso do Sul foi o primeiro estado brasileiro a iniciar
o processo de discussão sobre
a elaboração de um Plano Estadual para Educação em Prisões,
mesmo antes de o governo federal publicar as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação em Estabelecimentos
Penais. Coordenei esse processo, que envolveu técnicos, profissionais, professores, agentes
penitenciários e diretores de
unidades penais. Foram intensos discussões para chegarmos
ao consenso do que era possível
fazer. Minha experiência de vida
e o fato de conhecer a prisão, a
escola por dentro e por fora, foi
decisiva para inspirar confiança
na turma, mediar os debates e
sistematizar as propostas que
surgiram nos diversos grupos
de trabalho.
Qual a importância da educação dentro dos presídios?
Deve-se entender a educação
em prisões como a extensão de
um direito que já existe para todos os brasileiros. Se, em algum
momento, esse direito foi negaRevista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
27
do ou não foi possível exercitá-lo, isso não significa que ele não
possa ser reivindicado. No caso
particular da prisão, a educação
e o trabalho são as duas vias
possíveis para o preso retomar
um projeto de vida e diminuir as
“O papel da
educação em
prisões é o de
qualificar o preso
para que o mesmo
possa disputar
em condições
de igualdade as
oportunidades
que a sociedade
oferece a todos os
seus cidadãos”.
deficiências que tem em relação
às pessoas em liberdade.
A educação muda o criminoso?
Não é esse o objetivo da educação e está errado quem pensa assim. A educação e os seus
profissionais não podem assumir
isso como responsabilidade. O
papel da educação em prisões
é o de qualificar o preso para
que o mesmo possa disputar em
condições de igualdade as oportunidades que a sociedade oferece a todos os seus cidadãos.
O que cada pessoa vai fazer do
patrimônio constituído por meio
da educação é do livre arbítrio
dela.
A remição por meio do estudo é positiva?
Sim, mas a legislação que o
Congresso Nacional aprovou
não é o melhor exemplo. A remição da pena deve ser concedida
ao preso em função da conclusão de módulos de estudos, de
ciclos, de modalidades e níveis,
sempre com certificação comprobatória das atividades, que
podem ser presenciais, a distância ou de livre iniciativa como
os estudos autodidatas. A educação trabalha com projetos de
médio e longo prazo, tem terminalidade própria, e a premiação
só deveria ser concedida quando alcançados os seus objetivos.
As penitenciárias brasileiras
oferecerem meios de integração social (trabalho, educação
e acompanhamento piscossocial) como prevê a Lei de
Execução Penal (LEP - Lei Nº
7.210/1984)?
Instituto Penal de
Campo Grande/MS
28 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
Em todo o sistema penitenciário brasileiro, a infraestrutura,
os recursos humanos e financeiros, para prestar ao preso as
assistências previstas na LEP,
são deficitários. As condições
de trabalho são precárias, não
há investimento em qualificação
ou formação profissional, o dinheiro da remuneração pelo trabalho não é bem administrado
e não há perspectiva de que o
trabalho feito dentro da prisão,
e pelo qual o preso foi beneficiado com a remição, possa ser
útil para sua vida quando em
liberdade. A educação carece
de espaços físicos apropriados,
de material didático próprio e
de profissionais qualificados. O
acompanhamento psicossocial
deveria ser extensivo à família do recluso, que, na maioria
das vezes, não recebe qualquer
acompanhamento.
O que falta para melhorar a
qualidade da custódia do preso
no Brasil?
Não é só a custódia que tem
que melhorar. É a reconceituação do crime e da pena de reclusão no Código Penal Brasileiro para que a prisão seja
efetivamente para quem precisa
ser temporariamente confinado,
e não o encarceramento indiscriminado, em massa, como se
faz. O encarceramento indiscriminado faz do Brasil o quarto país em números de presos.
As prisões federais e os centros
de ressocialização existentes
em São Paulo podem ser bons
exemplos: são unidades pequenas, para poucos presos, com
atendimentos individualizados,
feitos por profissionais qualificados.
Existe alguma Instituição
Penal no Brasil que pode ser citada como modelo de ressocialização por meio do trabalho e
do estudo?
Citaria as prisões federais
recém-construídas para os casos em que o confinamento é
necessário. A perspectiva de
trabalho destas supermax não é
necessariamente a ressocialização, mas o controle absoluto sobre o preso, para dar eficácia à
lei que o condenou. A ressocialização e todos os “rês”, comumente usados como sinônimos,
constituem mitos para pregar a
“reforma” do sujeito inadaptado
socialmente. Trabalho e educação são valores necessários
para a construção da identidade, da personalidade e do caráter da pessoa e não “remédios”,
que possam ser usados para
curar os males sociais. A Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, construiu uma
boa experiência, com todos os
presos trabalhando e estudando
em horários alternados. O trabalho resultava em profissionalização do preso, e os estudos, em
certificação.
Atualmente, existe um alto
percentual de reclusos com idade
entre 18 e 29 anos. Esses jovens
já chegam ao sistema como profissionais do crime, condenados
por tráfico de drogas, homicídio,
roubo, latrocínio etc. O que leva
tantos jovens à criminalidade?
A maioria desses jovens não é,
necessariamente, “criminosos”, no
sentido clínico do termo. Foram
condenados, mas não são criminosos. A maioria acumula déficts
de socialização, de escolarização,
de profissionalização e de cultura – o que quer dizer que diversas
instituições anteriores, tais como a
família, a religião, a escola, o mercado de trabalho, a comunidade e
as políticas públicas, falharam em
dotar essas pessoas das competências e habilidades necessárias
para se tornarem úteis socialmente. O envolvimento com drogas e
os pequenos delitos respondem
a uma necessidade econômica,
de consumo, insistentemente colocada como fator de sucesso e
de qualidade de vida que suas famílias não mais conseguem lhes
oferecer. Uma coisa é prender,
condenar e manter em custódia
um “cidadão” com residência fixa,
escolaridade suficiente, profissão
definida, e que opta pelo crime
como resultado de suas escolhas.
Outra coisa, é o encarceramento
maciço de uma população de miseráveis, desqualificados de todos
os atributos socialmente valorizados, e para os quais se espera que
a prisão resolva todas essas deficiências acumuladas.
compromissos que mantém fora,
principalmente em relação aos filhos e à esposa, o que resulta em
sofrimento moral, redução da autoestima e sensação de impotência para assumir um papel ativo na
vida de sua família.
A privatização não seria uma
alternativa para solucionar os infinitos problemas que envolvem
o sistema penitenciário nacional?
Não, definitivamente não. Empresas privadas precisam de mercado, mercado precisa de escala
e, escala, neste caso, significa aumentar o encarceramento para
justificar o investimento e gerar
lucro. A liberdade humana não
pode ser submetida à lógica de
mercado. Um meio termo entre
a estatização e a privatização é
a “gestão comunitária da prisão”,
como foi feita com os Centros de
Ressocialização em São Paulo.
Estado e comunidade local (não
empresas) administram a unidade
prisional de forma compartilhada,
com atribuições e competências
bem definidas.
Como é estar preso?
Em diferentes estágios da vida
estar preso tem significados diferentes. Um bebê no útero da mãe
por nove meses, quando começa
a “chutar” a porta, é imediatamente libertado porque ele está pronto para sair: mantê-lo mais tempo ali seria sacrificá-lo. A criança
pequena, desde que esteja perto
da mãe, não se ressente de estar
crescendo e sendo criada dentro
de uma prisão. Para o adolescente, a prisão é cruel e em poucos
dias ele sente o peso da privação
da liberdade. O adulto sofre em
função dos laços afetivos e dos
Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi
Campo Grande/MS
“Em todo o sistema
penitenciário
brasileiro, a
infraestrutura, os
recursos humanos
e financeiros, para
prestar ao preso
as assistências
previstas na LEP,
são deficitários”.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
29
PERSONALIDADE
(Lei da Acessibilidade), e
10.436/2002 (Lei que regulamenta a Língua Brasileira de
Sinais), garante acesso à educação ao indivíduo com deficiência auditiva, determina a
formação de docentes para o
ensino de Libras e dá outras
providências. Além disso, a
Política de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva, instituída pelo Ministério da Educação em 2008, assegura às pessoas com deficiência o direito
S
ilencioso e interativo. É
assim o universo da Libras [Língua Brasileira
de Sinais] – uma linguagem corporal precisa, que proporciona
independência e autonomia para
aqueles que vivem com limitações.
A Libras é o meio de comunicação usado pelas pessoas com
deficiência na audição. Diferente
de todos os demais idiomas, que
são orais e auditivos, a Libras é
visual e gestual, requer os movimentos do corpo para ser compreendida, mais necessariamente das mãos e dos braços.
Enquanto a medicina não consegue driblar as anomalias causadas pelas leis da genética ou
as deficiências decorrentes das
circunstâncias da vida, a educação, com seus infinitos recursos,
forma profissionais capazes de
oferecer informação, formação e
inclusão social para pessoas com
surdez.
É assim, gesticulando, que Itamar Lopes dos Santos, intérprete
de Libras, passa seus dias, trans30 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
formando palavras em sinais.
Divide seu tempo entre a Rede
Pública de Ensino e os estúdios
de gravação de uma universidade privada, que oferece Ensino a
Distância (EAD). Graças a profissionais como Itamar, milhares de
pessoas com surdez, dos mais diversos rincões brasileiros, podem
cursar o Ensino Superior.
Itamar começou a se interessar pela linguagem de sinais ainda
na escola, no Ensino Fundamental. O interesse surgiu quando viu
um de seus colegas conversando
por meio de gestos com a namorada, uma jovem surda. “Eu perguntei pra ele como funcionava
aquela linguagem. Ele me explicou algumas coisas e me disse
que me daria uma cartilha com
informações. Quando fui na sala
do meu colega pegar a cartilha,
vi uma menina bonita e me interessei por ela. Ele me falou que
ela era surda também. Disse que
se eu quisesse me apresentaria
pra ela. Eu topei, claro. No nosso
primeiro encontro, eu ainda não
sabia nada de Libras, tive que es-
crever o que eu queria falar. Foi
um pouco complicado, porque
os surdos têm dificuldades na
língua portuguesa. Bom, eu perguntei pra ela como se falava em
sinais ‘Posso te dar um beijo?’.
Ela me mostrou. Depois disso,
não nos separamos mais”, conta.
E foi assim que tudo começou. Itamar conheceu a Stella,
surda de nascença e começaram
a namorar. O namoro e a boa
vontade de Itamar em aprender
a linguagem de sinais fizeram
dele intérprete de Libras. Aprendeu uma profissão, ganhou uma
namorada, e, mais tarde, uma esposa e uma família.
O primeiro emprego de Itamar
como intérprete foi no Instituto
Luther King, em Campo Grande.
Depois disso, não parou mais.
Fez vários cursos, faculdade de
Letras e aprendeu muito com a
comunidade surda.
Atualmente, intérpretes de
Libras são reconhecidos como
profissionais da Educação. O
Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta as leis 10.098/2000
de acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis da Educação. Esse direito
foi incorporado à Constituição
Federal, por meio do Decreto
nº 6949/2009.
A partir da promulgação da
Lei 10.436, os profissionais, intérpretes de Libras, passaram
a ser mais valorizados. “A remuneração salarial é a mesma
dos professores. É uma área
boa que precisa de profissionais sérios e comprometidos. A
Libras é uma língua que precisa
de muito estudo e dedicação”,
explica.
Para Itamar, a Libras vai muito além da linguagem. “Talvez,
pra mim, o significado da Libras
não seja tão expressivo quanto
é para minha esposa e para as
demais pessoas com surdez. É
o único meio que essas pessoas têm de entender o mundo e
expressarem o que sentem. Pra
mim é uma profissão. Para elas,
sem dúvida, é tudo!”
A Língua Brasileira de Sinais
(Libras) é específica do Brasil.
Cada país tem sua própria língua
de sinais, tal como temos nossa
própria língua falada. Libras é
uma língua com influência da língua de sinais francesa.
O primeiro instituto para surdos no Brasil foi fundado em
1857, por Edward Huet. Inicialmente chamado de Imperial Instituto de Surdos-Mudos, recebeu
o nome de Instituto Nacional de
Surdos-Mudos e, depois, de Ins-
tituto Nacional de Educação de
Surdos. Edward Huet era surdo,
francês e foi trazido por Dom Pedro II para o Brasil com o objetivo de iniciar um trabalho de educação para surdos.
Graças à luta sistemática e
persistente das pessoas com
deficiência auditiva, a Libras foi
reconhecida no Brasil como Língua Oficial da Pessoa Surda, com
a publicação da Lei nº 10.436,
de 24 de abril 2002, e da Lei nº
10.098, de 19 de dezembro 2000.
Segundo pesquisa do IBGE de
2010, Brasil tem cerca de 9,7 milhões de pessoas com algum tipo
de deficiência auditiva. Dessas,
2,1 milhões têm deficiência auditiva severa, 344,2 mil são surdas
e 1,7 mil tem grande dificuldade
de ouvir.
“ Talvez, pra mim, o significado da Libras não seja
tão expressivo quanto é para minha esposa e para as
demais pessoas com surdez. É o único meio que essas
pessoas têm de entender o mundo e expressarem o que
sentem. Pra mim é uma profissão. Para elas, sem dúvida,
é tudo!”
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
31
MAIORIDADE
PENAL
De vítimas
a vilões
Tramitam no Congresso Nacional três PECs que tratam da redução da
maioridade penal no país. Caso sejam aprovadas, adolescentes de
16 anos, atualmente inimputáveis, podem ter como destino as penitenciárias
brasileiras. Entidades, profissionais e estudiosos consideram a medida
incoerente, uma vez que a violência praticada por menores de 18 anos
é, em geral, decorrente da incapacidade do Estado em assegurar direitos
básicos e políticas públicas eficientes para crianças e adolescentes.
32 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
E
u vim para Mato Grosso
do Sul com um tio meu.
Vim conhecer o estado,
a cidade de Ponta Porã e o Paraguai. Moro em Alterosa. É no
interior de Minas Gerais. Meu tio
veio trabalhar e vim com ele. Minha mãe deixou eu vir porque ele
é uma pessoa da nossa confiança. Na verdade, ele é casado com
a irmã da minha mãe. Ele me disse que trabalha com transporte
escolar. Eu acho que ele tem uns
40 anos. Aí, na viagem, a Polícia
Federal prendeu a gente, porque
tinha droga no carro. Me trouxeram para cá.”
O relato é de uma jovem de
16 anos. Isabela*, menina moça
de trança longa e feições ainda
infantis, conta sua história com
naturalidade, desprovida de qualquer traço de malícia e aparentemente sem noção da gravidade
dos fatos que envolvem sua vida
recente.
No momento da entrevista,
Isabela está em uma Unidade
Educacional de Internação (Unei)
em Campo Grande, aguardando
parecer da Vara da Infância e da
Juventude. O juiz tem prazo de
45 dias para decidir se a adolescente vai ou não cumprir medida
socioeducativa.
Assim como Isabela, milhares
de outros adolescentes são encaminhados às Uneis por envolvimento com o tráfico de drogas e outros delitos. Meninos e
meninas, a maioria em situação
de vulnerabilidade social, são
aliciados por criminosos, muitas
vezes membros da própria família. Celulares, computadores,
roupas de marca, viagens... Essas
são algumas das promessas que
atraem os jovens para a ilusão do
dinheiro rápido e fácil, que faz a
cada dia novas vítimas do crime
organizado.
A realidade é reflexo de um
Estado incapaz de assegurar a
crianças e adolescentes direitos
básicos, como educação, saúde
e promoção social. De vítimas de
“
*Nome fictício
um sistema cruel, meninos e meninas passam a vilões e ganham
a imagem de “bandidos” ao protagonizar delitos, crimes e tragédias, cada vez em idade mais
precoce.
A reação mais fácil, imediata e simplista é propor punição
aos “culpados”. Assim, como expressão de um “clamor popular”,
tramitam no Congresso Nacional
três PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que tratam
da redução da maioridade penal.
Duas flexibilizam a maioridade de
acordo com a gravidade do delito, e uma terceira estabelece o
limite de 16 anos para qualquer
tipo de crime cometido.
A maioridade penal aos 18
anos foi estabelecida na legislação brasileira em 1940, cinco
décadas antes da promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069, de 13
de junho de 1990). Com o ECA,
crianças e adolescentes deixaram
de ser vistos e tratados como
“menores” – infratores ou não – e
passaram a ser sujeitos de direitos. Assim também as medidas
aplicadas ganharam o caráter socioeducativo, buscando a oferta
de atendimento psicossocial e
a implementação de ações que
objetivam a reintegração desses
adolescentes à sociedade.
O artigo 104 do Estatuto
da Criança e do Adolescente determina que são penalmente inimputáveis os
menores de 18 anos, sujeitos
às medidas socioeducativas
previstas na Lei.
Dados da Fundação Casa
demonstram que apenas
1,5% dos internos no estado
de São Paulo cometeram
homicídio. A maioria está
detida por tráfico de drogas
(41,8%) e roubo (44,1%).
Redução é a solução?
Caso as PECs para reduzir a
maioridade penal sejam aprovadas
e sancionadas, adolescentes como
Isabela, atualmente inimputáveis,
serão julgados de acordo com as
determinações do Código Penal.
Se condenados, cumprirão suas
penas nas penitenciárias brasileiras.
Se dependesse da população
paulistana, aterrorizada pela onda
de insegurança que atinge a maior
cidade do Brasil, a redução da
maioridade penal já estaria valendo. Pesquisa Datafolha, publicada no segundo bimestre de 2013,
mostra que 93% dos moradores da
capital paulista concordam com
a diminuição da idade a partir da
qual uma pessoa deve responder
criminalmente por seus atos.
Estudiosos e entidades representativas consideram a proposta
de redução da maioridade penal
uma medida incoerente e defendem que o poder público deve
investir na efetivação das Leis –
como o próprio ECA – e políticas
públicas que garantam o desenvolvimento saudável de crianças e
adolescentes, bem como no atendimento adequado aos que cometem atos infracionais, conforme
prevê o Sistema Nacional do Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Para a psicóloga e conselheira
do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Sandra Maria Francisco
Amorim, a opinião pública é conduzida pela mídia sensacionalista.
“O que a mídia veicula, as pessoas aceitam. A população precisa
estar mais atenta ao que dizem as
pesquisas, estatísticas e estudos.
É preciso ter uma visão mais coerente dos fatos. Dos homicídios
cometidos no Brasil, por exemplo,
apenas 1% é praticado por menores de 18 anos”, afirma.
De fato, dados da Fundação
Casa demonstram que 1,5% dos
internos no estado de São Paulo
cometeram homicídio. A maioria
está detida por tráfico de drogas
(41,8%) e roubo (44,1%).
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
33
Números
Segundo o Mapa da Violência, divulgado em 2012 pelo Instituto Sangari, entre os anos de
1980 e 2010, o número de crianças e adolescentes assassinados
no Brasil cresceu 346%. Foram
176.044 mortes por homicídio em
30 anos. O Brasil ocupa a quarta
posição entre os 99 países com
as maiores taxas de homicídio de
crianças e adolescentes. Ou seja,
o adolescente brasileiro morre
muito mais do que mata.
Sandra Amorim, que também
é pesquisadora da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS) e desenvolve estudos
com internos das Uneis, explica que um viés apenas punitivo
aplicado ao adolescente não vai
diminuir os índices de violência. “É muito simples dizer que o
problema é o adolescente. Isso é
restringir o indivíduo a uma situação que não se limita somente
a ele. A violência envolve muitas
questões que vão além do indivíduo. É preciso analisar a história
do sujeito, os valores que foram
passados para ele, que garantias
ele teve de um desenvolvimento
saudável”, avalia.
Ainda de acordo com a pesquisadora, o Brasil tem “leis maravilhosas”, que protegem e garantem o desenvolvimento da
população menor de 18 anos.
Mas, o Estado não consegue efetivá-las. E, a partir do momento
em que a legislação não é cumprida, surgem outros problemas,
pois “quando o adolescente não
tem seus direitos garantidos, ele
pode se tornar um violador de direitos”.
“Quando falo de direitos, não
me refiro apenas às questões
econômicas e materiais, mas,
também, aos aspectos afetivos
e humanos. Onde começa o ato
infracional? Sem dúvida, que começa na história de vida do sujeito. Penso que o adolescente
precisa sim ser responsabilizado
34 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
pelos seus atos, precisa ressignificar suas atitudes, mas colocá-lo
como grande responsável pelo
aumento da violência e da criminalidade é um erro. Não é mais
fácil e produtivo investir na garantia dos direitos básicos, nas
medidas socioeducativas, do que
mandar um adolescente de 16
anos para a prisão? Nosso sistema prisional é falido!”, diz Sandra
Amorim.
Dados da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos apontam
que, entre os anos de 2002 e
2011, os casos de homicídios praticados por adolescentes apresentaram redução, caindo de
14,9% para 8,4%; os de latrocínio,
caíram de 5,5% para 1,9%; os de
estupro, de 3,3% para 1%. E do
total da população adolescente
no Brasil, apenas uma parcela de
0,09% é identificada como infratora.
Demagogia
O juiz da Vara da Infância e
Juventude, Comarca de Campo
Grande, Roberto Ferreira Filho,
também discorda das propostas
de emenda à Constituição: “Tratando o adolescente como adulto, nós logo teríamos, por consequência, uma cooptação cada vez
mais precoce de adolescentes, de
12 e 13 anos, e até de crianças,
com menos de 12 anos, pelo crime
organizado e seus tentáculos. E,
então, logo estaríamos defendendo redução da maioridade penal
novamente, para alcançar pessoas em faixas etárias ainda mais reduzidas. Violência não se diminui
com mudança de legislação, isso
é ilusão e até demagogia. Violência se reduz com prevenção, com
trabalho efetivo de reinserção social, com agilidade e cientificidade na apuração e julgamento dos
delitos cometidos, seja por adolescentes ou por adultos.”
Ainda segundo Ferreira, colocar adolescentes nas penitenciárias é o mesmo que instituir o
“Violência se
reduz com
prevenção, com
trabalho efetivo de
reinserção social,
com agilidade
e cientificidade
na apuração
e julgamento
dos delitos
cometidos, seja por
adolescentes ou por
adultos.”
“É muito simples
dizer que o problema
é o adolescente.
Isso é restringir o
indivíduo a uma
situação que não se
limita somente a ele.
A violência envolve
muitas questões
que vão além do
indivíduo. É preciso
analisar a história do
sujeito, os valores
que foram passados
para ele, que
garantias ele teve de
um desenvolvimento
saudável.”
Sandra Maria Francisco Amorim,
Conselheira do Conselho Federal
de Psicologia
Roberto Ferreira Filho, juiz da
Vara da Infância e Juventude,
Comarca de Campo Grande
caos. “Nosso déficit de vagas já é
enorme, absurdo, e os presídios,
em regra, superlotados, sem divisão pelo critério de idade ou de
periculosidade, fazendo com que
os presos de menor periculosidade tenham convivência diuturna e
promíscua com ‘presos profissionais’, que integram organizações
criminosas. Imagine levar para
esse mesmo ‘barril de pólvora’
pessoas ainda mais frágeis, mais
vulneráveis, mais influenciáveis?
Iríamos retroagir!”, avalia o juiz.
Profissionais
Os profissionais ligados às medidas socioeducativas também
criticam a proposta. “Redução da
maioridade penal não é solução,
isso é mascarar o problema, ignorando sua origem. Não é possível falar em causa única para a
origem da prática infracional por
adolescentes. Normalmente, vamos encontrar no histórico desses adolescentes situações de
vulnerabilidade e violações de direitos, que resultam em infrações.
Podemos dizer, de uma maneira mais simples, que antes de o
adolescente ser o agressor ele foi
a vítima de toda uma situação”,
diz a psicóloga Simone Grisolia
Monteiro, que há mais de 10 anos
trabalha com medidas socioeducativas.
O Conselho Federal de Psicologia tem posicionamento contrário às PECs. De acordo com
documento publicado em agosto, crianças e adolescentes são
“sujeitos em curso de desenvolvimento humano e devem ter seus
direitos garantidos por meio de
políticas orientadas para a conquista de identidade, autonomia,
responsabilidade e socialização”.
Em síntese, o CFP defende, entre
outros, os seguintes argumentos
contra as emendas: 1º) as peculiaridades dos diferentes momentos
do desenvolvimento humano; 2º)
que o desenvolvimento de cada
sujeito ocorre em um contexto
relacional, social e histórico, e a
compreensão de suas condutas
não pode se dar com base em
uma perspectiva individualista,
3º) que a perspectiva educativa é
norteadora do desenvolvimento
humano saudável, em oposição
às perspectivas punitiva e repressiva; 4º) que a responsabilidade
do Estado brasileiro no fracasso
da garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes deve ser considerada como
entrave ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes;
5º) que a leitura equivocada do
ECA leva à confusão entre “inimputabilidade” e impunidade; 6º)
que reduzir a idade penal é tratar
os efeitos e não a causa, além do
que a violência não é solucionada
por culpabilização e punição do
sujeito do ato, mas, antes, pela
ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas econômicas que a
produzem.
O ECA estabelece o máximo
de três anos para cumprimento
de medida socioeducativa. No
período de internação, cabe às
Uneis trabalhar as dificuldades
e as potencialidades do adolescente, numa perspectiva em que
ele possa frequentar a escola,
participar de cursos, atividades
artísticas, esportivas e culturais e
receber o atendimento psicossocial adequado. O objetivo é que o
adolescente tenha condições de
ressignificar seus atos e visualizar
novas possibilidades para a vida.
Segundo Simone Grisolia, o
tempo de internação é relativo,
considerando que a adolescência
é o auge de um período de transformações. “O tempo não é o
mesmo para todos. Pode levar um
ano, dois ou até mesmo os três
anos. Tudo dependerá da evolução e de objetivos pessoais, construídos com o auxílio da equipe e
da família, por meio de uma ferramenta que chamamos de Plano
Individual de Atendimento, e que
é utilizada pelo Judiciário para
avaliar o adolescente”, explica.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
35
ARTIGO
Segundo o Mapa da Violência divulgado em 2012 pelo Instituto Sangari, entre os anos de
1980 e 2010, a taxa de crianças
e adolescentes assassinadas
no Brasil cresceu 346%. Foram
176.044 mortes por homicídio
em 30 anos.
Atendimento
“É preciso
investir também
na reeducação
da família e da
sociedade de um
modo geral. Não
basta apenas
investir em
educação, medidas
socioeducativas
e demais ações.
É preciso que a
sociedade tenha
visão e postura
diferentes.”
Carmem Lígia Loureiro Carmelo,
diretora da Unei Estrela da Manhã
36 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
Assim como outros estados do
país, Mato Grosso do Sul enfrenta
dificuldades e desafios para cumprir de forma efetiva as medidas
regulamentadas pela Lei do Sinase e pelo Eca. Faltam recursos
humanos e financeiros. Contudo,
o atendimento vem progredindo.
“Existem outros estados em situações mais catastróficas. O Espírito Santo, por exemplo, teve que
fechar várias unidades. Muitas unidades ainda têm cara de presídio.
Não basta uma mudança na Lei, é
preciso também uma mudança na
cultura das pessoas. Vejo alguns
gestores investindo nisso. A própria Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul oferece cursos de
capacitação para socioeducadores
que trabalham nas Uneis”, relata
Sandra Amorim.
A diretora da Unei Estrela da
Manhã, Carmem Lígia Loureiro
Carmelo, comenta também que o
atendimento aos egressos ainda é
insuficiente. “Infelizmente, não temos um trabalho adequado neste
sentido. Temos os CRAS e CREAS
que realizam trabalho com as famílias, mas ainda não é o suficiente.
Com isso, podemos estimar uma
média de 20% de reincidência”,
calcula. Para ela, os profissionais
que trabalham na área devem ser
pessoas que acreditam na mudança do ser humano. “Além disso, é
preciso investir também na reeducação da família e da sociedade de
um modo geral. Não basta apenas
investir em educação, medidas socioeducativas e demais ações. É
preciso que a sociedade tenha visão e postura diferentes”, conclui.
Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos
apontam que, entre os anos
de 2002 e 2011, os casos de
homicídio praticados por adolescentes apresentaram redução de 14,9% para 8,4%; os de
latrocínio, de 5,5% de 1,9%; e
os de estupro, de 3,3% para
1%. Do total da população
adolescente no Brasil, apenas
uma parcela de 0,09% é identificada como infratora.
“Podemos dizer, de
uma maneira mais
simples, que antes
de o adolescente ser
o agressor ele foi a
vítima de toda uma
situação.”
Simone Grisolia Monteiro, psicóloga das medidas socioeducativas
Quando as
drogas batem à
nossa porta
V
itimados e prisioneiros
em casa. É assim que
nos sentimos frente
à problemática das drogas, ao
tentar proteger nossos filhos,
principais alvos deste violento
comércio, protagonizado por
famílias em pânico, à mercê de
traficantes camuflados de bons
e simpáticos amigos, encontrados facilmente em escolas, ambientes de trabalho, bares, shows, boates e parques.
A mídia, infelizmente, colabora com a situação, apresentando
em filmes e novelas o uso de bebidas alcoólicas e arguile como
hábitos isentos de risco, e pretexto para descontração e relaxamento em grupo. Sem falar
da veiculação explícita ou subliminar da legalização do uso da
maconha, defendida até mesmo
por políticos e artistas famosos,
alheios ao seu real prejuízo físico e mental.
Como lidar contra a investida
deste mal? Em primeiro lugar,
com a formação de uma força-tarefa orquestrada pelo governo federal, desvinculada de
interesses partidários ou mercantilistas, aliando bom senso,
sensibilidade e investimento
adequado na prevenção, tratamento e proteção do cidadão.
Em segundo lugar, é preciso
enxergar o tratamento como um
problema social, de saúde e de
segurança pública, e que apenas internar compulsoriamente
os dependentes químicos não
resolve nem ameniza a questão.
A união de cuidados médicos
de urgência voltados ao adicto,
com o objetivo de tratar os sintomas agudos e a abstinência da
droga, associados a convênios
sérios com comunidades terapêuticas idôneas e sem fins lucrativos para a continuidade do
tratamento, podem fazer grande
diferença nos resultados. A dificuldade está na aceitação destas
últimas pelo governo, que se diz
laico, não admitindo instituições
que incluem a espiritualidade no
processo de recuperação, perfil
da grande maioria.
Não nos esqueçamos do papel indispensável de psicólogos,
psiquiatras e assistentes sociais
neste processo, os quais, por
meio de avaliação minuciosa,
podem descobrir sinais e sintomas de transtornos neurológicos e afetivos funcionando
como gatilhos e estímulos ao
uso frequente de drogas lícitas e
ilícitas, implicando em recaídas
no vício.
Outro aspecto a ser enfocado
nesta pandemia, liderada pelo
consumo do álcool e do crack, é
a necessidade de se estabelecer
mecanismos eficientes de reinserção social do ex-dependente,
voltados à profissionalização e
educação, com o intuito de preservar a autoestima, sustentabilidade e dignidade do mesmo,
reduzindo os retornos à dependência. Esta realidade também
se estende ao nível carcerário,
onde urge a necessidade de reestruturação do obsoleto e ineficaz sistema, que insiste em punir sem educar para o trabalho e
dignificação do ser humano, colaborando para a perpetuação
do problema.
Em quarto lugar, é preciso
atender as famílias, reconhecendo sua importância no processo,
reavaliando e reestruturando o
ambiente doméstico desfigurado pelo furacão das drogas, e
oferecendo apoio emocional, individual e de grupos acolhedores e preparados para o alívio de
suas dores, fundamentais para a
recuperação plena destes codependentes.
Por fim, e não menos impor-
Dr. Fábio Augusto
Médico, escritor, compositor e cantor.
www.fabioaugustooficial.com.br
tante, além do tratamento direto com os adictos, é preciso
investir em um sistema eficiente
de prevenção perene nas escolas e em empresas públicas e
privadas, voltado à orientação
quanto aos riscos das drogas.
Afinal, é fato que a informação é
proporcional ao poder de decisão e controle, bem como conscientização a respeito dos malefícios das drogas, contribuindo
radicalmente para a redução
dos índices de dependência.
Consciência e conhecimento,
perseverança e fé, amor e solidariedade são ingredientes necessários para evitar que as drogas continuem a bater às nossas
portas.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
37
CULTURA
Q
uem conhece Mato
Grosso Sul sabe que
sua gente é nascida
da miscigenação de vários povos, etnias que para cá migraram quando o estado ainda era
uno, território de Mato Grosso.
Aqui, chegaram gaúchos, paulistas, japoneses, árabes, libaneses, portugueses, paraguaios,
bolivianos, afrodescendentes...
Por aqui, já viviam os guarani,
kaiowá, guató, terena... Como
disse a professora Maria da Glória Sá Rosa, durante entrevista
à Revista Atuação, em dezembro de 2012, “(...) a identidade
cultural é a soma de elementos
que contribuem para a formação de um perfil. Mato Grosso
do Sul é um estado produto
de muitas migrações (…) Tudo
isso, formou um grande mosaico, essa substância rica que
é a nossa cultura. Mato Grosso
do Sul é um produto de diversas identidades, uma fisionomia
multifacetada.”
Com base nesse contexto
histórico-cultural, a coordenação da Escola Estadual José Maria Hugo Rodrigues, em Campo
Grande, elaborou um projeto
de pesquisa sobre algumas das
etnias que formam o perfil de
Mato Grosso Sul. Um estado jovem, que tem apenas 36 anos.
Alunos do Ensino Fundamental e Médio desenvolveram as atividades do projeto
durante as aulas de História,
Sociologia, Filosofia, Geografia
e Inglês. Foram pesquisados o
idioma, a cultura, a economia,
a culinária, a religião e todos os
elementos que compõem essas
nações e que se misturam no
universo sul-mato-grossense. É
preciso ressaltar que esses alunos são frutos dessa miscigenação de imigrantes, uma geração
de nativos, nascida depois de 11
de outubro de 1977, data da divisão territorial que deu origem
a Mato Grosso do Sul.
As pesquisas dos jovens re38 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
sultaram em uma série de apresentações artísticas e culturais
que envolveram toda a comunidade escolar no final do mês
de agosto. “Esses projetos são
importantes, especialmente porque motivam os alunos à prática da leitura, da pesquisa e, com
isso, eles passam a refletir sobre
suas origens e sua história. Nós
somos parte desses povos”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Greicy Kelly Gonçalves.
A professora de inglês, Larissa
Novaes, pesquisou com os alunos as culturas árabe e japonesa.
“Trabalhamos em sala de aula a
questão do idioma, a dificuldade
que esses povos tiveram para se
comunicar quando aqui chegaram. Essa é uma dificuldade que
qualquer pessoa encontra quando muda de um país para o outro”, explica.
Para Josué Almos, aluno do
2º ano do Ensino Médio, o mais
interessante, durante o projeto,
foi a relação com os colegas.
“Além de aprendermos sobre
cultura e história, aprendemos a
trabalhar em grupo, em equipe.
Pra mim, isso é muito importante”, afirma.
Além de apresentações artístico-culturais, os alunos prepararam pratos típicos de cada
país. Na barraca da Bolívia, puderam ser degustados o arroz
boliviano, a saltenha e o famoso alfajor, uma massa recheada
de doce de leite e coberta com
chocolate.
“Particularmente, não conhecia nada sobre a Bolívia. Foi
bem proveitoso tudo isso, é a
nossa história”, diz Juliana Valiente, aluna do 2º ano do Ensino
Médio.
A Escola Estadual José Maria
Hugo Rodrigues tem cerca de
1.500 alunos, divididos em três
turnos, um corpo docente de 80
profissionais, e está localizada
no bairro Mata do Jacinto, na
região norte de Campo Grande.
“Particularmente,
não conhecia nada
sobre a Bolívia. Foi
bem proveitoso
tudo isso, é a nossa
história.”
Juliana Valiente, aluna do 2º ano
do Ensino Médio.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
39
(IN) Disciplina e as
Relações de Poder
Autor: Marcos Paz
Editora: Alvorada
95 páginas
Alunos que estudaram a cultura boliviana
preparam comidas típicas como o arroz
boliviano, o alfajor e a saltenha
Pouca idade, mas muita história - Mato Grosso do Sul, 36 anos
O desenvolvimento desigual
entre o norte e o sul do antigo
estado de Mato Grosso inspirou
movimentos separatistas desde o século XIX. Enquanto o sul
ganhava rápido desenvolvimento, com base na agropecuária e
na extração vegetal, o norte minerador (atual estado de Mato
Grosso) vivia sua decadência.
Em 1932, foi criada a “Liga
Sul-mato-grossense” com fim de
coordenar a campanha separatista. Apostando na Revolução
Constitucionalista, os sulistas
aliaram-se aos paulistas em troca de apoio às reivindicações
separatistas. Entre julho e outubro de 1932, foi constituído o
“Estado de Maracaju”, derrotado
juntamente com os constitucionalistas.
Com a entrada do Brasil na
Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas decidiu
desmembrar seis territórios estratégicos para serem administrados diretamente pelo governo brasileiro. Foi criado, assim, o
Território Federal de Ponta Porã,
40 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
desmembrado do sudoeste do
antigo estado de Mato Grosso,
território reintegrado pela Constituição Brasileira de 1946.
Em 11 de outubro de 1977, o
então presidente do Brasil, o general Ernesto Geisel, assinou a lei
que desmembrava do território
do Mato Grosso um novo estado,
Mato Grosso do Sul. Entre os argumentos justificadores do ato,
incluíam-se imposições administrativas – o território era grande
demais para ser administrado
por uma só máquina administrativa – e preceitos da Doutrina de
Segurança Nacional, que considerava pouco recomendável a
existência de estados grandes e
potencialmente ricos na região
de fronteira. O estado de Mato
Grosso do Sul foi oficialmente
instalado em 1 de janeiro de 1979,
sendo o primeiro governador,
Harry Amorim Costa, nomeado
pelo presidente Ernesto Geisel.
As migrações originárias de
Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
Paraná e São Paulo, e também
as imigrações de países como
Alemanha, Espanha, Itália, Japão,
Paraguai, Portugal, Síria e Líbano,
foram fundamentais para o povoamento de Mato Grosso do Sul.
O estado é, ainda, o segundo do
Brasil em número de habitantes
ameríndios, de várias etnias, entre elas Guarani (Kaiowá e Nhandéwa), Guató, Kadiwéu, Kinikinawa, Ofaié e Terena.
A partir de 1890, o estado de
Mato Grosso – notadamente o
sul-mato-grossense – apresentou
uma população de estrangeiros
crescente, superior a 6% da população total, até 1920. Depois
o número decaiu, chegando, em
1970, a 3% da população. Até essa
época, o Mato Grosso, em especial a região sul do estado, teve,
continuadamente, uma população estrangeira acima da média
nacional. Na cidade de Corumbá,
por exemplo, houve um tempo
em que era difícil localizar quem
falasse o idioma português. Entre
1920 e 1970, mais de 50% dos estrangeiros que habitavam o Mato
Grosso eram paraguaios. Outros
13% eram naturais da Bolívia.
O livro, uma adaptação da dissertação de mestrado do autor, é uma
obra de referência para aqueles que desejam, pela via da reflexão, encontrar pistas para o entendimento e enfrentamento da indisciplina manifestada no cotiano escolar. É leitura essencial para professores, educadores,
orientadores, psicólogos, diretores , orientadores, psicólogos, diretores de
escola e demais profissionais envolvidos com a educação.
Marcos Paz é graduado em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS/2005) e doutor em Educação pela mesma universidade. Professor efetivo da rede pública estadual de Mato Grosso do Sul,
membro do Conselho Estadual de Educação (CEE/MS)
Dicas para uma boa leitura
Da dor nasce o amor
Autor: Fábio Augusto
Editora: Sextante
160 páginas
O livro “Da dor nasce o amor - Histórias Emocionantes de Fé, Coragem
e Esperança” reúne 13 contos baseados em casos reais. É de autoria do
escritor e médico Fábio Augusto. A obra é uma publicação da Editora
Sextante.
Em cada capítulo, o autor apresenta histórias comoventes e profundas
de pessoas surpreendidas por sérios problemas que abalaram as estruturas de suas famílias. Relatos de doenças graves, muitas vezes fatais, que o
autor conta de uma forma poética, descrevendo como essas pessoas enfrentaram o sofrimento intenso e descobriram dentro de si a força capaz
de transformar toda dor em amor, percebendo que os laços de amor verdadeiro e a fé os ajudaram a superar as mais terríveis tragédias, marcando
definitivamente suas trajetórias como seres humanos.
São narrativas emocionantes e intensas, testemunhadas pelo autor ao
longo de mais de 20 anos no exercício da medicina. O livro descortina
reflexões que vão além das percepções do cotidiano, abordando temas
como coragem e superação, esperança, solidariedade, espiritualidade e
vida.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
41
ARTIGO
Educação
Integral e Escola
de Tempo Integral
Reflexões necessárias
O tema da educação integral e
da escola de tempo integral não
é novo, e volta ao debate como
uma das possibilidades para
se garantir a educação pública
para todos e todas. Aristóteles
já falava em educação integral.
Marx, defendia uma educação
“omnilateral”, que percebesse o
sujeito com suas amplas potencialidades, como um ser pleno.
Jean Piaget, Celestin Freinet,
dentre outros educadores europeus, defendiam a necessidade
de uma educação integral ao
longo de toda a vida. No Brasil, o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, por uma educação pública, gratuita, mista,
laica e obrigatória, possibilitando a concretização do direito
biológico à educação, e Paulo
Freire, na defesa de uma educação popular e transformadora,
associada à escola cidadã e à cidade educadora, são exemplos
da longa trajetória que inspira a
busca pela educação integral.
Experiências de educação integral no Brasil:
• Anísio Teixeira, na década
de 1950, tinha um projeto educacional que previa a construção de centros populares de
educação no Estado da Bahia,
composto de Escolas-Classe e
Escolas-Parque. A proposta visava trabalhar alternadamente
com atividades intelectuais e
atividades práticas, como artes,
jogos, recreação, ginástica, teatro, música e dança.
• Na década de 1960, como
diretor do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas – INEP/
MEC, Anísio Teixeira, pretendia
42 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
criar 28 Escolas-Parque em Brasília, e algumas foram construídas. Mas, o projeto de educação
integral não foi adiante.
• Na mesma, linha, os Centros
Integrados de Educação Pública
– Cieps, criados na primeira gestão de Leonel Brizola, no Rio de
Janeiro, retomaram o projeto de
escola pública de tempo integral
de Anísio Teixeira, com o fim de
oferecer educação integral e em
tempo integral.
• O governo de Fernando
Collor retomou a ideia, dando
uma caráter mais assistencial e
mudando o nome para Centros
Integrados de Atendimento à
Criança – Ciacs. Prometeu construir cinco mil Ciacs até o final
de seu mandato, mas, foi deposto. Quando Itamar Franco assumiu, retomou o projeto e mudou, novamente, o nome para
Centros de Atenção Integral
a Criança – Caics. Os Centros
englobavam creche, educação
escolar, saúde, cultura, esporte, educação para o trabalho,
proteção especial a criança. O
Projeto dos Ciacs e Caics sofreu
muitas críticas, de educadores
que o consideravam um projeto
muito mais promocional do que
pedagógico.
O estado de São Paulo, no
governo de Franco Montoro, na
década de 1980, também iniciou um projeto de educação
integral, chamado Programa
de Formação Integral da Criança, Profic. Entretanto, o projeto que ficou mais conhecido
em São Paulo foi o dos Centros
Educacionais Unificados – Ceus,
implantados na gestão de Marta Suplicy, a partir de 2002. Os
Ceus foram concebidos desde a
sua origem como uma proposta
intersetorial que somavam meio
ambiente, educação, emprego,
renda, participação popular, desenvolvimento local, saúde, cultura, esporte e lazer, com uma
concepção de educação que ultrapassa a sala de aula e o espa-
ço escolar.
É neste cenário que se insere
o Programa Mais Educação, que
se constitui como estratégia do
Ministério da Educação para a
ampliação da jornada escolar e a
organização curricular na perspectiva da Educação Integral.
Pelo Programa, as escolas
das redes públicas de ensino, estaduais, municipais e do Distrito
Federal, fazem a adesão ao Programa e, de acordo com o projeto educativo em curso, optam
por desenvolver atividades em
tempo integral. Até o momento,
já são quase 50 mil escolas trabalhando em tempo integral.
O Programa tem como objetivo a ampliação da jornada escolar, com um mínimo de 7 horas
diárias, dentro de uma Concepção de Educação Integral, onde
Currículo e projeto político-pedagógico apresentam uma
visão capaz de levar à escola o
atendimento das necessidades
formativas dos (as) estudantes,
contemplando as dimensões
afetiva, ética, estética, social,
cultural, política e cognitiva,
buscando formar o ser humano
em sua integralidade e para a
autonomia crítica.
Todas estas e outras experiências têm gerado críticas e elogios. Entretanto, consideramos
que são sempre inovações que
precisamos conhecer, estudar,
compreender, criticar e aperfeiçoar, para, sobretudo, construir
novas alternativas educacionais.
A CUT e a CNTE têm uma
luta e uma construção histórica
sobre a concepção de Educação Integral, permanentemente
debatida, refletida e atualizada
para que possamos compartilhar e contribuir com a nossa categoria:
1. Educação Integral não se
confunde com o horário integral, tempo integral ou jornada
integral. A escola pode ter tempo integral e trabalhar uma concepção de educação tradicional
e conservadora.
2. Por outro lado, para ser
integral, a educação precisa de
mais tempo. Portanto, entendemos que as concepções de educação integral e de escola de
tempo integral devem caminhar
juntas, porque são processos
que se complementam.
3. Defendemos a educação
integral não como projeto ou
programa especial, mas como
política pública para ser implementada em todos os níveis,
etapas e modalidades, em todas
as idades.
4. Como concepção de educação integral, defendemos uma
educação:
que vá para além dos muros e
dos espaços escolares e envolva
a família, a comunidade, a cidade;
• como ato político, que precisa, portanto, superar e ir além
da ideia de neutralidade política;
• que supere a ideia de que os
conteúdos e conhecimentos que
se ensinam na escola são os únicos e os mais importantes, e de
que educação acontece apenas
na relação professor-aluno;
• que aconteça ao longo da
vida, no mundo e com o mundo;
• que busque a unidade e a
superação da fragmentação entre níveis, etapas e modalidades
de ensino;
• que envolva o prazer de
aprender e de ensinar;
• que seja instrumento de reflexão crítica e de libertação;
• que seja processual, permanente, planejada e sistematizada;
• que combata todas as formas de preconceitos e discriminações;
• que considere as dimensões
política, cultural e étnica da formação humana;
• que leve em conta a integralidade do Ser Humano;
• que exija “educador(a) integral” e uma “escola integral”,
exija articulações locais, seto-
riais políticas, sociais, culturais,
ambientais, econômicas;
• que requeira profissionais
competentes e valorizados, capazes de promover mudanças
e de articular todo o conhecimento do patrimônio cultural,
histórico, psicológico, ético, estético, comportamental, afetivo,
criativo, artístico, de sustentabilidade, políticos, tecnológicos e
profissionais.
Para se ter uma educação integral e escolas de tempo integral, a CNTE e a CUT entendem,
ainda, que é fundamental, a valorização dos profissionais da
educação, com ingresso através
de concurso público, jornada em
uma única instituição escolar,
formação inicial e continuada,
Piso Salarial Profissional Nacional, jornada de trabalho com 1/3
de horas para planejamento, e
planos de cargos e carreira unificados com professores e funcionários da educação.
Educação integral e escolas
de tempo integral podem significar a grande mudança que
a educação brasileira necessita,
contribuindo para a erradicação
do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar,
a superação das desigualdades
educacionais/regionais, a melhoria da qualidade do ensino,
a gestão democrática da educação, a articulação entre educação e trabalho, a promoção
humanística, científica e tecnológica do país, a valorização
dos profissionais da educação, a
educação com inclusão de toda
a diversidade e o aumento do
financiamento, com a aplicação
de 10% do PIB do país em educação.
A educação, no Brasil e na
América Latina, vive um clima
de esperanças e expectativas
animadoras, em decorrência das
mudanças positivas que se operam nos campos da política, da
economia, da cultura e da sociedade. E somos convidados
Sueli Veiga Melo
Professora de Educação Especial, Especialista
em Educação. Secretária dos Especialistas em
Educação da FETEMS, Secretária de Formação
da CUT/MS. Membro da Direção Nacional da
CUT e Coordenadora da Escola Centro-Oeste de
Formação Sindical da CUT.
Referências
Educação Integral no Brasil: Inovações em
processo. Moacir Gadotti.
Livro Políticas e Gestão da Educação Básica:
Concepções da CNTE. 2ª. Edição 2013.
MONLEVADE, João. Educação Pública no Brasil:
Contos e Descontos. Ceilândia, Idéa, 2001.
Reformulação do Ensino Médio – Documento
Orientador para os Seminário Estaduais – 2013.
Site da CNTE.
Site da CUT.
a acompanhar, analisar e debater as políticas educacionais, na
busca do atendimento e do desenvolvimento integral de crianças, adolescentes, jovens e adultos, que estão conosco todos os
dias nas nossas escolas públicas
estaduais e municipais.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
43
EVENTO
U
m grande debate sobre
Educação e diversidade, marcou as atividades da 6ª Conferência Estadual de Educação “Oziel Gabriel”
– FETEMS cada vez mais forte
na luta pelo Plano Nacional de
Educação, realizada em Aparecida do Taboado, de 26 a 28 de
setembro. Os desafios da Educação no Campo, da Educação
Indígena, da Educação Quilombola e da Educação Infantil
foram discutidos com a participação de lideranças e representantes de cada setor.
O Plano Nacional de Educação (PNE) também esteve
Diversidade e desafios, em
debate na 6ª Conferência
Estadual de Educação
Lideranças sindicais e políticas, e mais de 700 trabalhadores
em Educação de todo o Mato Grosso do Sul, marcaram
presença no evento
“Estamos aqui
hoje para debater,
mas, também, para
reivindicar e cobrar
das autoridades
o cumprimento
das Diretrizes
Operacionais da
Educação do Campo,
que prevê a criação
de escolas no
campo voltada para
a realidade desses
estudantes.”
Izabel Grein, MST/Nacional
44 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
em debate durante a Conferência. Os participantes puderam acompanhar a explanação
de Roberto Leão, presidente
da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação
(CNTE) e de Carlos Augusto
Abicalil, atual assessor da liderança do governo no Congresso
Nacional, ex-secretário de articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação
e ex-deputado federal. “A educação pública brasileira precisa
da aprovação do Plano. Sem ele,
ficamos sem um planejamento adequado para nortear as
ações do ensino público como
um todo”, disse o presidente da
CNTE.
Para o presidente da FETEMS,
Roberto Magno Botareli Cesar,
o evento foi uma oportunidade
para o movimento sindical dos
trabalhadores em Educação reafirmar seu compromisso com
a sociedade e com a Educação
Pública. “Os debates sobre educação no campo, educação indígena, educação quilombola e
diversidade ampliam o horizonte dos trabalhadores e demonstram nosso engajamento na luta
pelo Ensino Público inclusivo e
da formação de uma escola para
todos”, disse.
As palestras foram ministradas por: Carmem Veites Conde, diretora da Federação dos
Trabalhadores em Educação da
Espanha (FETE/UGT/Espanha);
Vagner Freitas, Presidente da
Central Única dos Trabalhadores (CUT/Nacional); Delcídio do
Amaral, senador da república
(PT/MS); Izabel Grein, do Movimento Sem Terra (MST/Nacional); Wanderley Dias Cardoso,
indígena terena de Aquidauana,
doutor em história pela PUC/
RS; Edmilson Ramos de Camargo, o Lamparina, coordenador
do departamento dos funcionários administrativos da Educação da CNTE; Mariete Félix da
Rosa, doutora em Educação In-
“É preciso que
as práticas
pedagógicas levem
em consideração o
ambiente em que
vivem as crianças
e adolescentes e
não introduzir de
maneira impositiva o
modelo tradicional de
educação.”
Wanderley Dias Cardoso, indígena
terena, doutor em história pela
PUC/RS
fantil, do Movimento Interfórum
de Educação Infantil do Brasil e
do Fórum Permanente da Educação Infantil do Mato Grosso
do Sul; e Givânia Maria da Silva,
professora nascida no quilombo
de Conceição das Crioulas (PE).
Homenagem
A Conferência prestou homenagem ao terena Oziel Gabriel,
que perdeu sua vida durante os
conflitos pela demarcação de
terras indígenas em Mato Grosso do Sul. O episódio aconteceu
no mês de maio, no município
de Sidrolândia, interior do estado. Oziel Gabriel se tornou um
símbolo da luta por direito, respeito e cidadania.
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
45
OZIELGABRIEL
ACOMPANHE
A FETEMS NAS
MÍDIAS SOCIAIS
Oziel Gabriel. Terena.
Mais um, como tantos outros.
Guerreiro, forte, na luta pela terra de seu povo.
facebook/fetems
Oziel Gabriel. Terena.
Menos um. Morto na luta pela terra de seu povo.
Intolerância, omissão, injustiça, desigualdade.
Sementes da violência que mata e faz vítimas de
tantas outras formas.
twitter/fetems
Resistir é preciso, é preciso mudar, é preciso
viver. E vencer.
É preciso construir um hoje mais justo e
um amanhã possível.
Oziel Gabriel e tantos outros, terena, guarani,
kaiowá, ofaié, cujo sangue regou esta terra, esperam
ver brotar aqui o respeito e a harmonia, a justiça e a
paz. Foi por isso que viveram, lutaram e morreram.
youtube/fetems
E é para esse mundo melhor que precisamos
educar nossas crianças.
Índio ou não, negro, pardo ou branco, somos
todos pela igualdade, com respeito à diversidade.
FETEMS – Federação dos Trabalhadores em
Educação de Mato Grosso do Sul, solidária na luta
pela terra e pelos direitos dos povos indígenas.
46 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |
47
Rua 26 de Agosto, 2296 - Bairro Amambaí
Campo Grande - MS Cep 79005-030
(67) 3382-0036 / (67) 3321-5116
[email protected]
www.fetems.org.br
48 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013
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EDIÇÃO 08 | NOVEMBRO 2013 Pág. 16