Para Lembrar Miguel Marvilla
Ester Abreu Vieira de Oliveira
Sou assim
que sou
nunca
quem sabe
me farão alguma elegia (?)
MARVILLA, M. De amor à política, p. 26 .
Miguel Marvilla ocupava a Cadeira 18, na Academia Espírito-santense de Letras. Nasceu em 29 de
setembro de 1959, em Marataízes, e faleceu em 10 de outubro de 2009, em Vitória.
A aproximação da primavera lembrou-me meu ex-aluno, compadre e afilhado, Miguel Marvilla, e o
seu verso: “leve-me flores e uma valsa de Strauss” do poema RAZÃO DO POEMA IMPERFEITO,
que ele me dedica e se encontra em A fuga e o vento (1980).
Esta obra, como De amor à política (1979), contém alguns poemas eróticos, ou com dedicatórias a
pessoas a quem ama, admira ou é grato, e ou com temas social/histórico, quando o poeta,
sensibilizado com as dores e solidão do Outro, marginalizado socialmente, se sente impotente ante
a terrível realidade que seu amor não domina.: “Caiu um homem, no Tietê./ Homem, homem,/cadê
você?” (p. 38,1979).
Nessa obra, a nossa atenção se volta para o aspecto pontual do livro: política.
Na pretensão de retratar os dias em que no Brasil havia um período ditatorial e de insatisfação,
como no poema “Revolucionário”, o eu poético se revolta: “de boca a boca/o silêncio/prepara/ o troar
dos canhões” (p. 39) e reflete e solidariza com o Outro, num jogo de palavras: “Sob/re alvorada”.
Como um vanguardista, quebra as palavras numa disposição tipográfica expressiva. Deixa espaços
em branco. Joga, ironicamente, com os vocábulos dando-lhes duplo sentido. Brinca, dispondo os
fonemas ou cortando as palavras silabicamente para acelerar o ritmo (parindo/ rindo).
No Poema “Cartilha”, p. 31, ele aponta o injustiçado politicamente e se revolta com o descalabro
social e cultural dos governantes, apropriando-se do ritmo e da sonoridade das palavras:
ivo viu a uva
ivo tinha fome
ivo pediu a uva
ivo não ganhou a uva
ivo então roubou a uva
Miguel, poeta sincero, de linguagem despojada, anseia pela perfeição poética. O seu conceito de
poesia será eixo para várias criações. Ele torna indivisível poema e poesia e se integra nos dois:
(“esses espaços preenchidos com palavras, a que chamam, respectivamente, poema e poesia, ou
vice-versa, sou eu”). Ele enlaça sentimento (amor) com poesia, tornando-os uno, como no poema
SINTÉTICA:
o amor bolindo o peito: refutar.
o poema é seu destino.
(este calarfrio é um som
que se propaga na carne
e o corpo diz: ai!)
Com artifícios poéticos, Miguel enriquece essas primeiras obras, adorna seus poemas com
metáforas como “quero que quero ser paisagem/ na clara bóia da tua retina,”, (p. 22, 1980) ou “ [...]
teu olhar floresce manhãs” (p. 43, 1980) e utiliza imagens poéticas dispondo as letras para
representar a verticalidade da caída:
“barulho de estrelas caindo da n
o
i
t
e “[...](p. 42, 1980)
Junto com Cláudia Brawin, Miguel lançou, numa linguagem simples, estudos de obras da
literatura brasileira, portuguesa, inglesa e hispano-americana, no ensaio Luisa, Juliana,
Sigmund (2001), cujo título se constrói com personagens de obras de Eça e de teorias
psicanalíticas.
Nesse livro os autores pretendiam “romper” com o academicismo da linguagem ensaística
dando à deles tons livres pelo “uso do humor, da blague e da ironia”, localizados, principalmente,
entre parênteses ou travessões. Com esses recursos, procuram dialogar mais diretamente com o
leitor. O ensaio inicial é um estudo do capítulo nono de Macunaína, “Carta pras icamiabas”, no qual
há uma mensagem de Mário de Andrade “sobre o bom estilo”. O último ensaio desse livro é “Hamlet
e a razão louca”, união de estudos de Literatura e Psicologia.
Para concluir, o escritor Miguel utiliza em crônica, poesia e ensaio, procedimentos de
intertextualidade, de ironia e de jogos sintáticos e fônicos numa espécie de brincadeira com o leitor.
Em suas obras poucas vezes há devaneios ligados à infância envolvendo um universo de felicidade.
Porém a criança que permanece sob o signo da infância interdita, que impede de sonhar livremente
para um além dos complexos, se apresenta no sarcasmo, no humor e no ritmo. Essa criança grande
reforça a imagem idealizada, no emprego de um sentido metafórico, na ironia, na mudança de
registro de expressão para inserir uma reprovação e nos jogos formais dos versos e das palavras.
***
SÃO SUAS OBRAS
De amor à política, 1979
A fuga e o vento, 1980
Exercício do corpo, 1980
Dédalo, 1996
Sonetos da despaixão',1996
Tanto amar", Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Vitória, 1991
Lição de Labirinto, 1989
Os mortos estão no living, 1988
"Nelson Abel de Almeida: um homem e o espírito de um lugar" (texto vencedor do Concurso "Nelson
Abel de Almeida: o homem" Vitória, 1998
"Jardins de Vitória" (cadernos de meio ambienta da PMV -1998)
Luísa, Juliana, Sigmund"2001
"Estranhos companheiros" (inédito, novidade)
Sobre a poética de Miguel, é imprescindível a leitura de Dédalo no centro do labirinto: Miguel
Marvilla: vida e obra de Joana D´Arc Baptista Herkehoff, 7º livro da Coleção Roberto Almada,
Vitória: Secretaria Municipal de Cultura de Vitória, 2001.
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