Exploração Espacial: política pública
ou política do “ao Deus dará”?
Elizabeth Machado Veloso1
Resumo
Entre tantas políticas públicas de primeira grandeza, o Brasil tenta resgatar
a sua proposta inicial de pesquisa e uso das potencialidades do espaço sideral.
Atualmente, o uso de satélite é essencial para o desenvolvimento de diversas
atividades, como comunicações em regiões remotas; monitoramento ambiental;
vigilância, patrulhamento de fronteiras e da zona costeira; inventário e monitoramento de recursos naturais; previsão de safras agrícolas; e previsão do tempo.
Embora tenha inaugurado seu programa espacial há mais de 50 anos, o Brasil
não conseguiu independência em nenhuma dessas áreas, utilizando-se hoje de
satélites estrangeiros em todas essas funções. Recente estudo intitulado A Política Espacial Brasileira, elaborado pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação
Tecnológica da Câmara dos Deputados, apresenta sugestões para que o Brasil
possa obter êxito no desenvolvimento, fabricação e lançamento de seus próprios
satélites, considerando que o país possui bons quadros de pessoal e boa uma
infraestrutura de C&T nesta área. Porém, precisa fortalecer a sua indústria espacial, por meio de incentivos fiscais, parcerias público-privadas e um mecanismo
de compras governamentais que garanta sustentabilidade para o setor.
Palavras-chave
Exploração espacial; pesquisa espacial; defesa nacional; políticas públicas;
Brasil.
Abstract
Among the many policies of first magnitude, Brazil tries to rescue his initial
proposal of researching and exploiting the potential of the outer space. Currently,
the use of satellites is essential for the development of various activities, such as communications in remote areas, environmental monitoring, border surveillance and
patrol, coastal zone management, inventory and monitoring of natural resources,
1
Jornalista e especialista em regulação de telecomunicações. Consultora legislativa da Câmara dos
Deputados, na área XIV (ciência e tecnologia, comunicação e informática).
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agricultural crop and climate forecasting. Although it started its space program over
50 years ago, Brazil is not independent in any of these areas, and currently uses foreign satellites in all of these applications. A recent study titled “The Brazilian Space
Policy”, prepared by the Board of Advanced Studies and Technology Assessment of
the House of Representatives, has suggested that Brazil could succeed in developing,
manufacturing and launching its own satellites, considering that the country has
a good staff and a good infrastructure for R&D in this area. However, it needs to
strengthen its space industry through tax incentives, public-private partnerships and
government procurement mechanisms that can ensure sustainability to the sector.
Keywords
Space exploration; space research; national defense; public policies; Brazil.
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Introdução
Ao longo de dois anos, a Câmara dos Deputados lançou-se ao desafio de
discutir as metas, os resultados e o rumo das pesquisas e dos desenvolvimentos
espaciais no Brasil. Desde que as primeiras atividades espaciais foram lançadas
no Brasil, em 1961, o setor é inteiramente dependente do Estado. Por essa razão,
recebe o status de política pública, o que lhe confere um caráter perene, porém
sem a constância necessária nem a efetividade desejada.
O trabalho investigativo sobre as causas dos atrasos no setor, comandado
pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica, pode ser conferido no
estudo A Política Espacial Brasileira, disponível para download na Internet.2 O
estudo demonstra que há um descolamento evidente entre o discurso e a prática
no que diz respeito às atividades espaciais no Brasil. As ações são consideradas estratégicas para a construção de um projeto de nação. Em outras palavras,
acredita-se que a política espacial, além de ser essencial para a sociedade em termos sociais e econômicos, provê uma dimensão política capaz de dar destaque
ao Estado brasileiro no cenário internacional. Não é, portanto, uma política de
primeira necessidade, como seriam as políticas de saneamento básico, segurança
pública e saúde pública. O país poderia viver sem uma política espacial, sem
impactos diretos na vida do cidadão.
No entanto, o domínio do conhecimento tecnológico de mais alta complexidade produz um efeito moral direto e consequências práticas indiretas para
toda a sociedade brasileira. O aspecto moral é sinalizar para o resto do mundo
que o país é produtor de conhecimento, ciência e é capaz de explorar o espaço
e dele tomar lugar, colocando-se como uma nação autônoma em termos científicos e altiva no sentido da defesa de seu território. Esses são objetivos que
norteiam em grande parte a filosofia de programas como o da Índia e da China,
países do BRIC que há poucos anos começaram a investir em suas políticas espaciais, visando à autonomia tecnológica, o reconhecimento político e o respeito
das demais nações.
Quando os russos “atropelaram” os americanos na corrida espacial, colocar
um homem na Lua tornou-se uma questão de honra não apenas para o governo, mas para o cidadão americano, que se sentiu humilhado e derrotado no
projeto de nação mais poderosa do mundo. Kennedy lançou-se ao desafio de
superar essa “vergonha nacional” e os Estados Unidos firmaram-se como potência mundial ao colocar os primeiros homens na Lua, numa missão que não era
2
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/a-camara/altosestudos/arquivos/politica-espacial/a-politica-espacial-brasileira/view>.
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apenas dispendiosa, mas também de extremo risco e complexidade. “Não faço
isso porque é fácil, mas porque é difícil”, disse Kennedy, ovacionado pelo povo
americano.
Explorar o espaço tornou-se uma tarefa muito menos dispendiosa e bem
mais factível do que no passado. O risco diminuiu e a rentabilidade aumentou,
o que passou a atrair maior volume de capitais privados. A explosão da nave
Apollo I traumatizou o mundo, mas a tragédia foi enquadrada nas estatísticas
dos riscos de operações tecnológicas como esta. Hoje, cerca de dez nações desenvolvem projetos espaciais e o monopólio estatal na exploração do universo foi
quebrado pela rentabilidade dos negócios que as condições espaciais proporcionam. Atualmente, a zona espacial que circunda o planeta tornou-se uma fonte
de renda para grandes empresas em várias partes do mundo, num mercado de
exploração de satélites que movimenta bilhões de dólares.
Outros mercados se abrem ao ambiente espacial, como o da publicidade.
Em 2009, uma empresa colocou em órbita a primeira cadeira espacial do mundo. O business espacial inclui também o setor de turismo, onde uma voltinha
para os confins do espaço custa U$ 200 milhões, valor pago por multimilionários em todo o mundo. Mais do que prestígio político e militar, busca-se os
benefícios sociais e os dividendos econômicos das atividades espaciais.
A exploração do espaço, portanto, está bem mais próxima do cidadão do
que ele imagina, viabilizando desde a transmissão de televisão em áreas remotas,
como a Amazônia, o acesso à Internet ou a vigilância de territórios desabitados,
como as fronteiras do país.
Em 2008, o mercado de serviços de satélite teve crescimento de 16%, sendo
que o serviço de televisão por satélite representa ¾ do mercado, com valores
superiores a U$ 64.9 bilhões. O serviço de TV por assinatura via satélite teve
crescimento de 30% em 2007, superando 130 milhões de assinantes em todo
o mundo.
1. Perfil do programa
O caráter militar, que foi a gênese dos programas espaciais ao redor do mundo, permaneceu central, na atual conjuntura de paz entre os países desenvolvidos, apenas em áreas com larga história de conflitos, uma vez que a viabilidade
dos programas espaciais do mundo deu-se pela via comercial, ou seja, oferta de
serviços para financiar as pesquisas e desenvolvimento. A possibilidade de uso
de lançadores para fins bélicos persiste, mas não faz parte do discurso explícito
das grandes nações, a maioria delas signatárias de acordos de não proliferação
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de armas nucleares, como o Regime de Controle das Tecnologias de Mísseis
(MTCR), ao qual o Brasil aderiu em 1995, e o Tratado de Não Proliferação
(TNP), cuja adesão brasileira ocorreu em 1997.
Em que pese a diferença entre um lançador de satélite e um míssil balístico intercontinental ser essencialmente a carga que cada um carrega, os programas espaciais ao redor do mundo visam, basicamente, a construção de uma sociedade mais
igualitária, assim expressa no Artigo 1º do Tratado do Espaço, segundo o qual
a exploração e o uso do espaço cósmico (…) deverão ter em mira
o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio
de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência
de toda a humanidade”, e o crescente desnível de conhecimentos
científicos e tecnológicos, inclusive e especialmente na área espacial, que separa o grande número de países em desenvolvimento do
pequeno grupo de países desenvolvidos.
Esse caráter dual, ou seja, a possibilidade de uso militar de produtos feitos
para gerar benefícios para a sociedade, é uma das principais características dos
programas espaciais e confere também ao setor particularidades que o torna um
dos terrenos mais sensíveis e de difícil avanço.
2. Desenvolvimento de tecnologia
Ao contrário da indústria aeronáutica, a indústria espacial não pode se beneficiar dos ganhos da produção em escala, para baratear custos; e é uma área
onde a relações de cooperação em geral têm alcance limitado, uma vez que a
conhecimento tecnológico é tratado como um capital de tal forma valioso que
se torna intransferível. Exatamente pelo seu caráter de defesa e sua conotação de
soberania que distingue as nações detentoras deste conhecimento.
Outra particularidade decorrente desse ambiente, em razão da lógica da exclusividade tecnológica, é o embargo para a aquisição de conhecimento. A exemplo
de outros setores da indústria eletroeletrônica, componentes usados na construção de foguetes, satélites e artefatos científicos são desenvolvidos de maneira bem
concentrada ao redor do mundo. Há itens de alta tecnologia que são detidos por
poucas empresas, em poucos países, e o monopólio deste conhecimento é utilizado como moeda de troca relevante no cenário geopolítico internacional, capaz de
viabilizar ou inviabilizar os projetos de outras nações nesta área.
O Brasil tem sofrido vários embargos comerciais para aquisição de equipamentos e componentes, o que explica, em parte, os atrasos e adiamentos dos
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projetos desenhados ao longo de quase 50 anos das ações governamentais de
exploração científica e tecnológica do espaço.
Ainda que a regra seja a cooperação internacional entre os países para o
desenvolvimento de atividades espaciais, esses acordos são, invariavelmente, cercados de ressalvas no que tange à transferência de tecnologia, ocorrendo, na
maioria das vezes, uma parceria do tipo “montagem de um quebra-cabeça”, em
que peças são reunidas, em lugar de um desenvolvimento conjunto de novas
tecnologias.
Portanto, o uso civil, o potencial militar e a inviabilidade de transferência de
tecnologia estão entre as principais características dos programas espaciais, além
dos riscos associados às atividades espaciais.
3. Integração com outros setores
A exploração espacial sempre foi um mundo à parte no cenário acadêmico
e industrial, bastante distante de outros setores de inovação tecnológica. Tem
seu berço nas cadeiras de engenharia, embora exija um nível de especialização
que limita, em grande parte, o crescimento deste mercado. O engenheiro, para
especializar-se nesta área, requer no mínimo dez anos de capacitação.
Esse caráter de longo prazo na formação de especialistas e cientistas reproduz-se também no ritmo das ações espaciais, que requerem investimentos contínuos e permanentes em projetos cuja garantia de retorno são remotas, ou, no
mínimo, incertas e demoradas. Isso faz com que, apesar do caráter “estratégico”
anteriormente citado das atividades espaciais no âmbito dos programas públicos, na prática ocorra um descolamento desses projetos das políticas que de fato
recebem atenção urgente do governo.
A escassez de recursos tem sido a queixa mais frequente entre os programas
espaciais ao redor do mundo, e não raro o volume de recursos aportados é a
explicação mais direta para o sucesso, para a estagnação ou para o fracasso de
programas espaciais pelo mundo afora.
As ações de longo prazo e o ritmo constante dos dispêndios no setor são
a razão dos progressos alcançados pelas nações que mais investem nesse mercado, independentemente do modelo institucional a ser adotado. Ademais, os
recursos, muitas vezes, são distribuídos com base em critérios subjetivos, sendo
destinados aos mesmos projetos ou pesquisadores durante anos ou décadas, em
detrimento de novas oportunidades que podem surgir, e sem qualquer garantia
de retorno do investimento.
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A experiência tem demonstrado que a adoção de políticas diferenciadas para
o setor espacial, como políticas fiscais e tributárias específicas, é essencial para o
sucesso desses projetos, mas também é imprescindível que as missões e objetivos
estejam concatenados com outras ações de governo. Em regra, não existe um
traço comum entre os países que investem na pesquisa espacial, ou seja, não se
pode dizer que apenas os países com alto IDH ou renda per capita; moeda forte;
orçamentos públicos equilibrados e uma indústria pujante se dão ao “luxo” de
conduzir tais investimentos.
Na verdade, nações com realidades socioculturais tão díspares quanto África
do Sul e Estados Unidos ou Japão e Índia dedicam-se a projetos na área espacial,
cada qual com conformação própria e objetivos distintos.
Razões diplomáticas também interferem no modelo e no escopo a ser alcançado por cada um destes programas, ou seja, as metas dos programas variam também
conforme os interesses dos países em se posicionar no cenário internacional, perante as demais nações do mundo. Um programa espacial, portanto, não é emblema de poder econômico, mas é, certamente, símbolo de poder político.
4. O Programa Nacional de Atividades Espaciais
O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) chegou à maioridade
com poucos avanços práticos e inexpressivas mudanças na estrutura institucional e nos objetivos estabelecidos desde a sua criação. A origem do programa, no
ano de 1961, foi uma tentativa de dar uma resposta ao mundo de que o país
gostaria de se reafirmar como uma nação autônoma e soberana. A autonomia
referia-se ao domínio de tecnologias de ponta, de alto valor agregado, que pudessem expressar poderio militar, mas também científico e tecnológico.
Os governos nunca deveram grandes explicações à sociedade sobre as razões
pelas quais investem em estudos para conhecer o cosmos. Essa afirmação é válida até mesmo para países como Brasil, que ainda não superou desafios básicos,
como acabar com a fome e com o analfabetismo.
Comparações como esta, no sentido de que espaço não é prioridade, eram
facilmente rebatidas quanto se avalia que o Brasil é um dos grandes candidatos a
se tornar uma potência mundial do século XXI, graças a atributos como grande
riqueza e abrangência territorial, geográfica, natural e intelectual de seu povo, e
por isso precisa ser detentor de conhecimento de alto valor agregado. Ademais, o
relativamente modesto aporte de recursos destinados ao programa espacial também afasta as críticas de que ele concorra com prioridades sociais consideradas
mais urgentes no rol das políticas públicas.
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No entanto, mesmo o caráter estratégico de programas dessa natureza não
evitou que ele sofresse restrições sucessivas, explicitadas em cortes orçamentários
que levaram ao descumprimento de suas metas, sejam elas físicas, tecnológicas,
práticas ou orçamentárias.
A grande questão a ser colocada neste momento é o que se pretende com o
PNAE: há clareza e atualidade em seus objetivos ou ele é mais um dos inúmeros
objetos perdidos no espaço, “vagando na inércia da ausência gravitacional que
não deve nortear as políticas públicas tidas como essenciais para o progresso de
qualquer nação”?
Clareza de objetivos e dificuldade de implementação são características
marcantes dos 50 anos do PNAE. Entre 1961 e 1971, quando se iniciou o estabelecimento da infraestrutura física, formação de recursos humanos, criação
e desenvolvimento de programas e projetos, o Brasil visava ações práticas que
pudessem beneficiar a população, mais do que o conhecimento científico do
cosmos. O objetivo era usar a tecnologia espacial para desenvolver satélites que
pudessem ser lançados de bases nacionais por foguetes produzidos no Brasil que
servissem a múltiplos objetivos a partir da observação da Terra.
Esse era o objetivo do programa Missão Espacial Completa Brasileira
(MECB), iniciado em 1980, e que representou um incremento nos recursos
financeiros e humanos das entidades executoras, como o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe).
Da função primordialmente de segurança nacional, vislumbrada pelos militares na década de 1960, o programa espacial adquiriu aos poucos uma dimensão socioeconômica cada vez mais relevante, explicitada no Programa, como
se constata na versão PNAE 2005-2014, ao determinar que o programa deve
ser focado na resolução de problemas típicos de países em fase de crescimento
econômico, tais como
comunicações em regiões remotas, monitoramento ambiental,
vigilância da Amazônia, patrulhamento de fronteiras e da zona
costeira, inventário e monitoramento de recursos naturais, planejamento e fiscalização do uso do solo, previsão de safras agrícolas,
coleta de dados ambientais, previsão do tempo e do clima, localização de veículos e sinistros e desenvolvimento de processos industriais em ambiente de microgravidade, além da defesa e segurança
do território nacional.
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5. Ações de destaque
A Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE)
é regulada pelo Decreto nº 1.332, de 8 de dezembro de 1994, que aponta, entre
outras, as seguintes diretrizes: prioridade para a solução de problemas nacionais;
concentração de esforços em programas mobilizadores; ênfase nas aplicações
espaciais e coerência entre programas autônomos.
Historicamente, o Inpe é a principal referência em termos de programa espacial no Brasil. O órgão surgiu em 1971 quando a CNAE é extinta e firma-se
como especialista nas áreas de ciência espaciais, sobretudo por meio de cursos
de pós-graduação, sensoriamento remoto e meteorologia. O Inpe, vinculado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, é responsável pelo desenvolvimento de satélites, enquanto o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeraoespacial, (DCTA),
ligado ao Ministério da Aeronáutica, é o órgão encarregado do desenvolvimento
de foguetes e a implementação, manutenção e operação de duas bases espaciais:
Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e Centro de Lançamento Barreira
do Inferno (CLBI). Essas unidades estão sob a coordenação da Agência Espacial
Brasileira (AEB), cuja subornação é ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Apesar da subordinação política e da vinculação orçamentária à AEB, os órgãos executores da política espacial atuam praticamente de forma autônoma na
definição e condução de seus projetos. A prioridade do Inpe hoje é a política de
produção de imagens com fins ambientais, porque o órgão ambiciona, segundo
o diretor da unidade, Gilberto Câmara, transformar o Brasil na grande potência
ambiental mundial do século XXI.
Nos anos 1980, foram estabelecidas as bases para uma das principais parcerias internacionais do Brasil no campo espacial. Em 1988, foi assinado o protocolo que deu origem ao Programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres
(China-Brazil Earth Resources Satellite – CBERS), que viabiliza os propósitos do
Inpe no fortalecimento da atuação ambiental. Há controvérsias sobre o impacto
da parceria, que já dura mais de uma década, com os chineses, uma vez que, na
divisão de responsabilidades para a fabricação dos satélites, não houve o desenvolvimento conjunto de tecnologia.
O primeiro satélite sino-brasileiro foi lançado em 1999, com apenas 30% de
participação do Brasil e 70% de participação da China. Em 2003, foi lançado o
satélite CBERS-2 com um foguete chinês Longa Marcha. O acordo de cooperação com a China foi renovado com o objetivo de desenvolver os satélites CBERS
2B, 3 e 4. Em 2004, tem início a distribuição gratuita das imagens CBERS pela
Internet. Esta iniciativa marcou uma enorme mudança na política adotada para
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a disseminação destas informações. Com ela, o Inpe tornou-se o líder mundial
na quantidade de imagens distribuídas, a maior parte no território nacional.
Em termos de resultado, a parceria com a China tem sido a mais efetiva
entre os acordos internacionais nesta área. Negociado por volta do ano de 2000,
o Acordo de Salvaguardas com os Estados Unidos, para uso da base de Alcântara, não logrou ser aprovado após intensas discussões políticas e diplomáticas
envolvendo questões de soberania nacional. O Acordo com a Ucrânia, celebrado
em Brasília, em 21 de outubro de 2003, aprovado pelo Decreto Legislativo nº
776/2004, de 17/9/2004, ainda não apresentou resultados concretos.
A participação brasileira no Programa da Estação Espacial Internacional
(ISS), projeto internacional envolvendo mais de 20 países, no qual o Brasil se
engajou em 1997, foi encerrada em razão do não cumprimento das contrapartidas a serem oferecidas pelo Brasil. As parcerias anteriores com os franceses para
a formação e capacitação foram reduzidas com o tempo e, recentemente, o Brasil
contratou na Argentina o desenvolvimento de um sistema de controle e atitude
de satélites, ao custo de R$ 40 milhões, sob as críticas de que o desenvolvimento
deveria ter sido feito no Brasil, pela indústria nacional.
Afora os repasses orçamentários e os acordos internacionais, são escassos os
instrumentos utilizados hoje para fomentar as ações do PNAE. Não há um mecanismo formal de encomendas governamentais junto à indústria, que, estimase, receba menos de 20% do total de recursos públicos destinados hoje ao programa espacial. Paradoxalmente, as indústrias na área de defesa e fabricação de
armamentos são as que lograram maior notoriedade no mercado internacional
na área ligado às tecnologias de ponta, como a Avibrás.
6. Indústria incipiente
A Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) apresenta como
maior problema para o setor a falta de sinergia entre as indústrias e os órgãos
executores da política espacial. A proximidade entre ambos é meramente geográfica, a cidade de São José dos Campos. Em termos econômicos, houve retração
no volume de recursos movimentado pelas indústrias, situação diametralmente
oposta à que ocorreu com o setor aeronáutico, que hoje corresponde a mais de
90% da indústria aeroespacial no Brasil, cujo faturamento no ano passado foi de
US$ 7,5 bilhões, segundo dados da AIAB.
Apesar da aprovação, nesta década, de instrumentos legais com vistas ao
financiamento das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, des-
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tacadamente a Lei de Inovação,3 o setor está longe de conquistar um orçamento
compatível com suas necessidades. A Lei de Inovação tem sido outro instrumento de eficácia reduzida. Visa proporcionar interação entre Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e empresas, fortalecendo as pequenas empresas de base
tecnológica. No entanto, não faz parte da cultura dos institutos, como Inpe e
Instituto de Aeronáutica Espacial – unidade executora do programa dentro do
DCTA - esse tipo de parceria público-privada. Já o Fundo Espacial,4 criado
a partir de receita de lançamentos comerciais, também teve um desempenho
pífio, com uma receita inexpressiva nos últimos dez anos. De 2000 a 2009, o
fundo recebeu apenas R$ 41 milhões, porém apenas R$ 12,1 milhões foram
liquidados, correspondendo a apenas 0,65% dos recursos do PNAE.5
O status político do programa espacial junto ao Ministério da Ciência e
Tecnologia reflete em parte o distanciamento entre o setor espacial e o Sistema
Nacional de Ciência e Tecnologia. O Brasil dispõe, reconhecidamente, de uma
estrutura de pesquisa científica e tecnológica consolidada na área de CT&I,
formada por institutos de pesquisas, universidades e órgãos governamentais em
várias áreas de atuação, porém os laços entre essas diversas áreas não estão sedimentados, o que prejudica o caráter de transversalidade do tema.
7. Desarticulação política
Acreditava-se que a criação da AEB promovesse não apenas uma mudança estrutural no programa espacial, mas também de cultura do funcionamento
do sistema. A sinergia esperada entre os três vértices do programa – academia,
indústria e institutos de pesquisa – seria proporcionada pela visão externa de gerentes graduados do programa, aconselhados por um conselho multisetorial que
norteasse as diretrizes do programa com base nas demandas dos diversos órgãos
governamentais. Esse modelo, no entanto, continua ser conceitual no âmbito do
PNAE, em que a maior dificuldade para sua implementação de fato é romper os
“guetos” que existem dentro das unidades executoras do programa.
A falta de coordenação política da AEB não é apenas sistêmica, mas também
endógena. Por razões diversas, a unidade não dispõe de quadro próprio de pessoal, nem tampouco recebe integrantes das carreiras de Ciência de Tecnologia dos
3
Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.
4
Lei nº 9.994, de 24.07.2000, que institui o Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
do Setor Espacial, e dá outras providências.
5
“O PNAE – Programa Nacional de Atividades Espaciais – aspectos orçamentários”, Raquel Dolabela
de Lima Vasconcelos.
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quadros do governo federal, em especial do Ministério da Ciência e Tecnologia.
O espaçoso prédio que a Agência ocupa na capital do país é ocupado apenas por
90 funcionários, o que dá a sensação de “vazio espacial”.
Juntamente com as restrições orçamentárias, a própria Agência reconhece
a falta de coordenação política como um dos entraves ao avanço, de maneira
satisfatória, das ações espaciais, sendo que a principal atribuição prática da AEB,
hoje, é repassar recursos oriundos do orçamento federal para os órgãos executores da Política Espacial, como Inpe e IAE, além de honrar os acordos internacionais, como as contrapartidas da binacional Alcântara Cyclone Space.
A consequência é a incapacidade do Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE), no seu conjunto, de cumprir as metas,
diretrizes e ações previstas no PNAE, em sua versão inicial ou nas revisadas. A
elevação da curva orçamentária nos últimos anos, comparada à última década,
tem injetado ânimo nos dirigentes das instituições do SINDAE. Entretanto,
problemas de gestão fizeram com que parte dos recursos voltassem para os cofres públicos, em que pese as carências financeiras, tecnológicas e de pessoal das
pesquisas científicas.
Um dos principais vértices do PNAE, o desenvolvimento do lançador de satélites ou outros artefatos, enfrentrou três fracassos sucessivos. O projeto Veículo
Lançador de Satélites (VLS), de construção de um veículo com capacidade para
lançar no espaço satélites de pequeno e médio porte, com até 600 kg em órbitas
de até 800 km, praticamente estagnou-se após a explosão do foguete, em 22 de
agosto de 2003, durante os preparativos para o terceiro lançamento, matando
21 especialistas. Em todo o mundo, os resultados da política espacial são difíceis,
os fracassos fazem parte do processo e a persistência, em razão da demora nos
resultados, é componente fundamental.
A possibilidade de ocorrência de spin-offs, que são o uso em novas aplicações de tecnologias ou de soluções desenvolvidas com outro fim, impede que o
retorno dos investimentos seja plenamente quantificável. A filosofia de maximização dos resultados com minimização dos custos é recomendável em razão
das dificuldades de instituir novas fontes de financiamento para o programa e
aumentar, de forma significativa, o seu orçamento, porém há outras prioridades
a serem enfrentadas no Brasil além da conquista dos objetivos espaciais, como
a renovação da frota de aviões e a implementação de um programa de defesa,
apenas para mencionar áreas congêneres.
No Brasil, o programa produziu ganhos, especialmente em termos de formação de recursos humanos e criação de infraestrutura de C&T. Os investimentos
brasileiros no campo espacial, durante os últimos 30 anos, permitiram ao país
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formar quadros competentes de especialistas, consolidar instituições nacionais
de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, implantar importantes
laboratórios e iniciar a formação de uma indústria espacial.
Merecem destaque algumas ações isoladas, entre elas: o lançamento do primeiro satélite desenvolvido no Brasil, o SCD1, em 9 de fevereiro de 1993, e a
implantação da infraestrutura básica para as futuras missões espaciais brasileiras,
incluindo-se o Laboratório de Integração e Testes de Satélites (LIT) e o Centro
de Rastreio e Controle de Satélites (CRC), ambos no Inpe, além da implantação
do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
Entretanto, várias metas do programa não foram atingidas, como descrito
a seguir:
1. Conforme o PNDAE de 1998, com projeção para o ano de 2007, o
Brasil deveria desenvolver autonomia no desenvolvimento de satélites.
A construção dos satélites da série SCD foi uma demonstração de que
o Brasil prosperou no processo de integração de um artefato espacial,
em que pese vários componentes tenham sido adquiridos no exterior.
Entretanto, o projeto não teve seqüência e o INPE empenhou-se então
numa parceria exitosa, porém com limitados resultados de transferência
de tecnologia: a parceria sino-brasileira para a construção da série de
satélites CBERS. O desenvolvimento do CBERS 3 estava previsto para
2009, o CBERS 4 deveria ser lançado em 2011, o que não deve ocorrer.
Em maio de 2009, em visita do presidente Lula à China, os chineses
negaram-se a assinar acordo para desenvolvimento dos CBERS 5 e 6,
alegando que o Brasil não conseguiu cumprir o cronograma e as metas
orçamentárias estabelecidas.
2. As ações do PNAE não atendem a demandas dos diversos órgãos governamentais, entre elas, o levantamento geológico, monitoramento orbital de queimadas e monitoramento orbital de desmatamentos. Esses
monitoramentos são feitos hoje por satélites estrangeiros contratados
com essa finalidade.
3. Em 2000, aprovou-se na Câmara dos Deputados legislação para criar
um fundo que destinasse recursos para a área espacial, o CT-Espacial.
Acreditava-se que, pela posição geográfica da base de Alcântara, a 2,3
graus abaixo da linha do Equador, o que favorece os lançamentos em
termos de economia de combustível, o Brasil poderia competir no mercado internacional de lançamento de satélites. Assim, a principal fonte
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de recursos prevista no CT-Petro é a de lançamentos, entretanto, a base
de Alcântara nunca foi viável comercialmente. Na tentativa de viabilizar
a base, Brasil e Ucrânia assinaram acordo para a criação da Alcântara
Cyclone Space – ACS, binacional que será responsável pelo lançamento
dos foguetes ucranianos da família Cyclone. No entanto, as obras de
infra-estrutura necessárias para a implantação da plataforma de lançamento do foguete Cyclone 4, previstas para 2010, sequer começaram.
A argüição da propriedade da área geográfica original do CLA remete
hoje à discussão inclusive sobre a continuidade do acordo.
O estudo do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológico, relatado
pelo então Deputado Rodrigo Rollemberg, é um dos mais abrangentes documentos sobre a política espacial brasileira e deu início a uma das mais recentes
ações para dar uma “sacudida” no programa nacional. Por iniciativa do Conselho, está tramitando o Projeto de Lei nº 7.526, de 2010, que cria incentivos às
indústrias espaciais, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Espacial (PADIE). O programa prevê redução tributária
e isenção fiscal para aqueles que investirem em pesquisa científica e tecnológica
na área espacial no país.
O mercado mundial está estimado, conforme dados fornecidos pela AEB,
em 13 bilhões de dólares em 3 anos. O Brasil espera conquistar 30% desse total,
ou seja, 4 bilhões de dólares em 10 anos.
Considerações finais
Este ensaio é mais uma contribuição para repensar a política espacial brasileira e seus impactos nos destinos do país. Dois fatores são relevantes neste contexto: nas últimas décadas, nunca se discutiu tanto a política espacial brasileira
como nos últimos dois anos, ao mesmo tempo em que essa discussão ocorre
no momento em que o Brasil se prepara para galgar melhores posições entre os
países em desenvolvimento, com um crescimento econômico acelerado.
Momentos de prosperidade econômica são propícios para que as autoridades olhem além do horizonte das políticas públicas sociais mais imediatas, pensando em ações estratégicas que farão a diferença nas próximas décadas. Assim
como em outros setores, uma política estagnada é, na verdade, um grande atraso, porque as demais nações avançam a passos largos, como é o caso da Índia,
Coréia do Sul e Argentina.
Nesse cenário, é natural que o sentimento que predomina no âmbito da política espacial brasileira seja de desânimo, mesmo considerando-se a renovação
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dos titulares das pastas mais importantes para o tema na Esplanada dos Ministérios, como o Ministério da Ciência e Tecnologia e das Comunicações, além da
própria mudança de comando na Agência Especial Brasileira.
Existe uma crença generalizada no setor de que somente a mudança na estrutura política do programa, com o retorno da AEB ao núcleo do governo, voltando a ser vinculada à Presidência da República, dará novo fôlego ao programa,
inclusive em termos financeiros.
A crise na área espacial está longe de ser apenas de fundo monetário, passando uma questão de identidade do próprio programa, até uma necessidade
de sensibilização das autoridades brasileiras no sentido de que não é na base do
“fazendo as contas na ponta lápis” que se faz um programa espacial, nem com
um olho na folhinha do calendário. O que precisa é da decisão de que qualquer
esforço para incrementar a estrutura científica, investir nos projetos e valorizar
a ciência espacial no Brasil vale a pena, num plágio à música “Paula e Bebeto”,
de Milton Nascimento. Antes de conquistar o espaço, é preciso que o governo
brasileiro decida-se por reconquistar a dignidade do Programa Nacional de Atividades Espaciais, visto no passado como exemplo de política séria, ambiciosa e
imprescindível para o país.
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Atividades Espaciais, PNAE: 2005-2014. Brasília, 2005. Disponível em:
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Artigos & Ensaios
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à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 3 dez. 2004b. Seção
1, p. 2.
______. Ministério da Ciência e Tecnologia. Fundo Setorial Espacial. Brasília, 2008b. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/
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A política espacial brasileira / relator: Rodrigo Rollemberg ; Elizabeth Machado Veloso (coord.) ; Alberto Pinheiro de Queiroz Filho ... [et al.]. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. 2 v. – (Série cadernos
de altos estudos ; n. 7)
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Exploração Espacial: política pública ou política do