ERA ASSIM. COMO SERÁ?
PROGRAMA AÇÃO FAMÍLIA
SÃO MIGUEL PAULISTA
Resumo
Neste artigo, apresenta-se uma análise dos resultados do primeiro ano do Programa Ação
Família, da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS-SP),
que, em São Miguel Paulista, se fez em convênio com a Fundação Tide Setubal.
Os resultados do trabalho foram observados a partir das dimensões estratégicas de atuação
do Programa − documentação, educação, saúde, trabalho e renda, habitabilidade e
dinâmica familiar –, e a avaliação levou em conta a metodologia de trabalho com famílias
que, nesse caso, focou primeiramente o grupo familiar para, gradualmente, dar mais
atenção às questões comunitárias e de direitos e deveres. Assim, a análise quantiqualitativa incide sobre as informações produzidas pelo Programa ao longo do processo de
intervenção.
Palavras-chave: Programa Ação Família; avaliação; dimensões estratégicas.
INTRODUÇÂO
Neste artigo, apresenta-se uma avaliação da produção de informação qualificada e
sistematizada do Programa Ação Família, da Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social (SMADS-SP), que, em São Miguel Paulista, se fez em convênio
com a Fundação Tide Setubal, pelo fortalecimento da autonomia de famílias que se
encontram em situação de alta vulnerabilidade social1.
A avaliação busca retratar as trajetórias de inclusão social das 300 famílias participantes do
Programa, que se expressam nos processos de acesso e oportunidades oferecidos e
apropriados por elas durante o ano de 2007. Quando se avaliam resultados de programas
sociais com população em extrema pobreza, é importante considerar o tempo da
intervenção, pois as complexidades encontradas requerem ações intersetoriais e
duradouras, assim como a construção de confiança.
Durante o tempo de duração do Programa observou-se que 12,3% das famílias passaram a receber algum
tipo de benefício socioassistencial, o que revela uma ampliação nas condições de proteção social.
Destaque neste item pode ser observado no Jardim Lapenna que chegou a atingir 17% das famílias do núcleo.
Famílias que passaram a receber algum tipo de benefício socioassistencial
Total do
Programa
Na
%
Jardim
Lapenna
Na
%
Sim
33
12,3
24
17,0
6
6,3
3
9,4
Não
217
80,7
110
78,0
85
88,5
22
68,8
19
7,1
7
5,0
5
5,2
7
21,9
269
100,0
141
100,0
96
100,0
32
100,0
Sem
resposta
Total
Jardim
Pantanal
Na
%
Jardim São
Vicente
Na
%
Base: total de famílias com cadastros atualizados (resposta única)
Fonte: Ficha de atualização cadastral, 2007
Benefícios socioassistencias que passaram a receber
Total do
Programa
Na
%
Bolsa Família
Jardim
Lapenna
Na
%
Jardim
Pantanal
Na
%
Jardim São
Vicente
Na
%
12
36,4
7
29,2
3
50,0
2
66,7
Renda
Mínima
9
27,3
6
25,0
2
33,3
1
33,3
Ação Jovem
7
21,2
7
29,2
0
0,0
0
0,0
Bolsa Escola
5
15,2
4
16,7
0
0,0
0
0,0
Outros
0
0,0
0
0,0
1
16,7
0
0,0
6
100
,0
3
100,0
Total
33
100,0
24
100,0
Base: total de famílias que alegam receber algum tipo de benefício socioassistencial (resposta única)
Fonte: Ficha de atualização cadastral, 2007
O Bolsa Família e o Renda Mínima parecem ser os benefícios que mais alcançaram a população
do Programa. Note-se que o que é declarado pelas famílias como Bolsa Escola deve ser
entendido também como Bolsa Família, pois este veio a integrar os vários benefícios de
transferência de renda familiar.
A análise dos resultados de 2007, primeiro ano do Programa, visou a subsidiar a gestão e a
tomada de decisões da coordenação e a indicar ajustes necessários para a melhoria de seu
desenvolvimento. Os resultados do trabalho com famílias foram analisados a partir das
seguintes dimensões estratégicas de atuação do Programa − documentação, saúde,
educação, trabalho , habitabilidade, dinâmica familiar e renda.
Esta análise leva em conta a metodologia de trabalho com famílias que, no caso do
Programa, focou primeiramente o grupo familiar para, gradualmente, dar mais atenção às
questões comunitárias e de direitos e deveres. Assim, por favorecerem a aproximação da
equipe técnica com as famílias, as visitas domiciliares e as reuniões socioeducativas foram
instrumentos vitais no processo (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007b).
A análise quanti-qualitativa incide sobre as informações produzidas pelo Programa ao longo
do processo de intervenção:
Ficha Cadastral da Família − Marco Zero: aplicada pelos agentes e
técnicos no momento do ingresso das 300 famílias no Programa
(novembro/dezembro de 2006);
Ficha de Atualização Cadastral: aplicada a 269 famílias, entre agosto e
setembro de 2007. As Fichas contêm dados socioeconômicos e de
acompanhamento de oportunidades de acesso nas dimensões priorizadas
pelo Programa;
Fichas de Metas por Família: descrevem as metas junto às 300 famílias
trabalhadas na intervenção socioeducativa durante o ano de 2007. Esse
material foi analisado e cotejado com as Metas Gerais do Programa;
Fichas de Orientações às Visitas Domiciliares: preenchidas pelos agentes
e técnicos. O interesse desse material era recuperar o detalhe e o nível de
demanda e intervenção construída na visita domiciliar e o grau de adesão
das famílias e a potência dessa modalidade de intervenção;
Registros de Reuniões Socioeducativas: feitos pelos agentes e técnicos
durante as atividades coletivas. Como no instrumento anterior, aqui
interessava recuperar o detalhe e o nível de demanda e intervenção
construído no atendimento grupal/coletivo.
Apresentam-se a seguir as análises de cada uma das dimensões e, ao final, algumas breves
considerações.
Documentação
metas gerais
todos os familiares
com registro civil
todos os familiares a
partir da idade
escolar com RG
ter acesso a
informações sobre
como e onde podem
tirar seus documentos
acessos e oportunidades
39,8% das famílias tiveram algum membro que emitiu novo
documento
69,3% eram crianças e adolescentes e 30,7, adultos acima
18 anos
documentos emitidos: RG (49,8%), certidão de nascimento
(17,1%), CPF (15,5%) e carteira de trabalho (11,4%)
ações e articulações com a Secretaria de Justiça e
organizações não governamentais locais para o
desenvolvimento de ações de inclusão nos territórios
Houve ganhos em documentação civil, pela obtenção de registros formais e o conseqüente
reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos e deveres, reafirmando-se a primeira
condição para a cidadania.
O cadastramento feito no início do Programa revelava que 3% dos integrantes das 300
famílias atendidas não tinham registro civil e 26%, não tinham Registro Geral (RG). Como os
resultados da atualização cadastral indicam que em 39,4% das famílias algum membro
passou a ter um novo documento, pode-se afirmar que o Programa focalizou e deu
cobertura às famílias que careciam de documentação quando ingressaram no Programa.
Pelo registro das orientações dadas por técnicos e agentes, infere-se que as famílias nem
sempre conheciam os procedimentos para regularizar documentos ou obter segunda via.
Perdas ou danos de registros civis devem ser entendidos a partir das precárias condições
de moradia em que vivem as famílias do Programa, com especial atenção às que sofrem as
conseqüências de enchentes, como as do Jardim Lapenna e do Jardim Pantanal.
A importância dessa dimensão para crianças e adolescentes se evidencia na incidência da
emissão de documentação nessa faixa etária. Das pessoas que tiraram algum documento
na vigência do Programa, 69,3% tinham menos de 18 anos.
Nos três núcleos, o RG foi o documento mais emitido (em torno de 50%), seguido da
Certidão de Nascimento (21%) e do Cadastro de Pessoa Física (CPF) (14%), mas emitiramse também carteiras de trabalho (11,4%) e títulos de eleitor (5,3%).
Educação
metas gerais
todas as crianças em idade
escolar matriculadas na
rede pública de ensino
todos os adultos que
acessos e oportunidades
2,6% das famílias matricularam crianças de 6 a 14
anos, após suporte do Programa
estudo da evasão escolar identificou fatores na
família e na escola que devem ser abordados de
demonstrassem interesse
em voltar a estudar
encaminhados aos cursos
de EJA existentes na região
os responsáveis com acesso
a informações mínimas sobre
a vida escolar das crianças e
o funcionamento das escolas
forma diferente em termos de proteção social
articulação e aproximação com as escolas de
referência devem ser priorizadas em 2008
53,3% das respostas indicam bom tratamento dado
nas escolas e 54,5% avaliam como boa a relação dos
professores com os alunos; no entanto, há um número
significativo de respostas que revela
constrangimentos na relação escola-família
A retomada dos estudos dos adultos das famílias melhorou sua dignidade e suas reais
condições de integração e circulação social.
Durante 2007, o Programa articulou a inserção de jovens e adultos em turmas de Educação
de Jovens e Adultos (EJA), em salas de aula já existentes nas comunidades e também em
novas turmas, criadas em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). Um
levantamento preliminar realizado pela equipe de monitoramento dá conta de que, no Jardim
Lapenna, dos 67 adultos não alfabetizados, 26 demonstraram interesse em voltar a estudar
e 57,6% destes já estão matriculados e cursando a EJA.
Depois das visitas e das palestras, eu conversei, eu tomei as decisões. Eu
até voltei a estudar, mesmo sem meu marido querer (depoimento de família,
Jardim Lapenna).
Ficou patente que, para os adultos se inscreverem na EJA, no Movimento de Alfabetização
de Jovens e Adultos (Mova) ou no ensino supletivo, foi preciso fazer uma ação combinada:
de um lado, a identificação e articulação de acessos a esses serviços e, de outro, a
intervenção socioeducativa dos agentes e técnicos.
Quanto à educação inicial, mesmo que a intervenção socioeducativa reforce a importância
da inserção, o problema da oferta de vagas dificulta o acesso.
No final de 2007, o sistema de informações (Infolocal) da Secretaria Municipal de
Planejamento de São Paulo (Sempla) registrava que, em São Miguel Paulista, apenas
11,7% das crianças menores de 5 anos estavam matriculadas nos estabelecimentos
educativos e, segundo o diagnóstico, 34% das crianças dessa faixa etária não freqüentavam
Centro de Educação Infantil (CEI) ou Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). Já na
atualização, verifica-se que 31,5% das famílias têm crianças menores de 5 anos que não
freqüentam esses estabelecimentos. Assim, mesmo que a intervenção socioeducativa tenha
reforçado a importância da inserção, há um problema de vagas que extrapola as
possibilidades do Programa.
Quanto a crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, mais do que o problema das vagas,
destaca-se a dificuldade de as escolas garantirem a permanência dos alunos, questão que
não é só de São Miguel Paulista. No diagnóstico, observou-se que, das crianças e
adolescentes de 6 a 17 anos, 4% não freqüentavam estabelecimentos de ensino formal e,
pela atualização cadastral, 2,6% das famílias do Programa matricularam seus filhos. Por
outro lado, também se constatou evasão escolar em 8,6% das famílias, com crianças e
adolescentes de 6 a 14 anos que abandonaram os estudos.
A análise de relatórios do Programa acerca das 26 crianças e adolescentes em idade
escolar que não freqüentam a escola permite aprofundar essa questão. Enquanto a
indicação majoritária dos motivos da evasão reforça um pretenso desinteresse por parte dos
alunos ou das famílias, o estudo aprofundado dos registros permite identificar fatores de
diversas ordens, que devem ser abordados em termos da proteção social:
risco social e pessoal: crianças/adolescentes em situação de rua; trabalho
infantil; violência doméstica; drogas;
necessidade
de
cuidados
especiais:
crianças
com
deficiência;
adolescentes em conflito com a lei; mães adolescentes que pararam de
estudar;
dinâmica familiar e relações intra-familiares: conflitos familiares; outros
parentes − que não os pais − que cuidam das crianças; crianças que
pararam de estudar para cuidar da casa;
sistema escolar: exclusão; grande número de faltas; perda da vaga; não
domínio de conhecimentos básicos (leitura e escrita) para acompanhar o
currículo escolar; violência na escola; escola muito longe da casa.
No registro das orientações das visitas domiciliares, foram recorrentes os problemas com a
escola (distância, diferentes formas de exclusão, transferência), a freqüência dos alunos
(estímulo para esse cuidado e acompanhamento) e sua relação com os professores
(vínculos de ensino-aprendizagem). Apesar de 53,3% das respostas apontarem um bom
tratamento dado nas escolas e de 54,5% avaliarem como boa a relação dos professores
com os alunos, há um número significativo de respostas que revela constrangimentos na
relação escola-família. Quase um terço das questões colocadas pelas famílias faz uma
avaliação negativa da escola, e alguns dos principais motivos são a estrutura ruim ou a
escola vista como um lugar sujo e desorganizado, a avaliação negativa do trato diário, da
merenda e do uniforme, ruins ou inexistentes. Essa avaliação é importante para a
articulação e a aproximação com as escolas-referência, que devem ser priorizadas em
2008.
Saúde
metas gerais
todos os familiares com cartão SUS
acessos e oportunidades
8% de famílias obtiveram cartão
todas as crianças com carteira de vacinação
em dia
ter acesso a informações sobre a UBS de
referência
todos os doentes crônicos encaminhados para
atendimento na UBS de referência
todas as mulheres de mais de 35 anos com
acesso a informações sobre saúde da mulher
e auto-cuidado e tendo feito ao menos uma
vez o exame Papanicolau
todas as gestantes com acompanhamento
pré-natal
todos os adultos com acesso a informações
sobre a prevenção de DST
todos os responsáveis com acesso a
informações sobre cuidados com a infância
(higiene, prevenção de acidentes etc.
acesso a informações sobre cuidado e
prevenção da saúde bucal
SUS
62% das famílias fizeram
acompanhamento ginecológico
31% das famílias atualizaram a
vacinação de crianças
28% das famílias fizeram
acompanhamento odontológico de
suas crianças e adolescentes
8,2% das famílias tiveram
atendimento institucional em
saúde mental
58% das famílias tiveram
necessidade de atendimento
médico de ou emergência, das
quais 95,5% foram atendidas
ações coletivas socioeducativas
para prevenção de saúde
ação intersetorial para garantir
acessibilidade
Se a educação ganha destaque no histórico dos programas de transferência de renda, a
reivindicação de cuidados primários de saúde é estratégica para o desenvolvimento
humano. Com base nas metas por família, observa-se que, para 50% delas, houve
prioridade dessa dimensão, por meio de duas linhas de atuação: estímulo e verificação da
documentação e da informação que permita o acesso aos serviços e promoção de ações de
atenção primária à saúde.
Enquanto o diagnóstico inicial mostrava que 8% dos integrantes das famílias não tinham o
cartão Sistema Único de Saúde (SUS), verificou-se na atualização que, em 7,8% das
famílias, algum membro obteve o cartão, o que revela a adequação da intervenção a partir
da demanda inicial.
O que aparecia como dificuldade das famílias para o ingresso do Programa era a vivência
efetiva de práticas de prevenção de saúde e o acesso a serviços públicos de qualidade. O
diagnóstico revelou que apenas 32% das famílias faziam acompanhamento médico regular,
e 28% das mulheres afirmavam nunca ter tido acompanhamento ginecológico. Nessa
dimensão, a intervenção foi fortemente complementada na esfera do trabalho coletivo: entre
dezembro de 2006 e julho de 2007, do total de atividades realizadas pelo Programa, 13%
foram campanhas socioeducativas e palestras sobre prevenção de saúde da mulher,
hipertensão, diabetes, doenças sexualmente transmissíveis e saúde bucal (em parceria com
a Coordenação de Saúde da região).
Combinadas com ações domiciliares, as palestras sobre prevenção de saúde da mulher e
que implicaram agendamento de exames Papanicolau resultaram em 62% de famílias com
acompanhamento ginecológico e 91% das novas gestantes com consultas de controle. Além
disso, 30,9% das famílias atualizaram as vacinas das crianças.
Quanto à saúde bucal, fizeram-se, em parceria com a Odontoprev2 e com dentistas
voluntários, avaliação das condições de saúde bucal de crianças e jovens das famílias do
Programa e encaminhamento para atendimento odontológico. No final do processo, 28%
das famílias fizeram acompanhamento de saúde bucal, tendo sido a maior adesão no
Jardim Pantanal.
Vale notar que os bons resultados em termos de acesso conicidem com a percepção das
famílias, posto que a saúde foi a intervenção mais valorizada por elas nos grupos focais:
Agora, tá fácil conseguir consulta no Posto; antes não era assim. A saúde
melhorou muito no dia-a-dia. Arrumaram médico para o Posto. Agora, tem
muita coisa: Papanicolau... Tem também dentista para as crianças. Isso,
antes, era muito difícil (depoimento de família, Jardim Lapenna).
Em todos os grupos focais, as famílias presentes destacaram a saúde como prioridade,
sobretudo as situações de alta depressão. Essas famílias vivem sofrimentos psíquicos
decorrentes da própria situação de privação e ausência de vínculos socioafetivos alargados.
Nessas condições, além de encaminhamentos a serviços especializados, o Programa
ofereceu continência através de visitas domiciliares:
Às vezes, estamos com problemas e não temos com quem desabafar.
Parece que eles [o Programa] sentem quando estamos mal, e aparecem na
nossa casa no dia certo (depoimento de família, Jardim São Vicente).
Nesse sentido, foram efetivas as visitas domiciliares, as palestras e os grupos
socioeducativos. A partir de outubro, na perspectiva psicossocial e preventiva, o Programa
investiu na implantação do projeto Educa São Miguel, em parceria com a Faculdade de
Medicina da Santa Casa, com atividades e palestras sobre a saúde da família e a
importância da atividade física. Este último item buscava articular a saúde com demandas
detectadas na dinâmica familiar, em que se destacaram a falta de atividades de lazer e o
alto grau de estresse e isolamento das famílias submetidas a grande vulnerabilidade social.
Na dimensão saúde, a experiência do Programa Ação Família São Miguel Paulista se
destaca, do ponto de vista metodólgico, pela garantia de acesso por meio de:
informações e ações de prevenção básica de saúde (da mulher, de
crianças e gestantes);
mapeamento dos equipamentos públicos, que foram referências para o
trabalho de agentes e técnicos;
articulação com os serviços de saúde nos territórios, a fim de se
fortalecerem as parcerias e se garantir o atendimento da população;
combinação de estratégias no trabalho socioeducativo: âmbitos familiar e
coletivo, com articulação com os setores de saúde nos territórios de
referência para se promover o acesso aos serviços públicos;
acolhimento e escuta próxima.
Como se vê, o êxito do trabalho nessa dimensão se deveu à forte articulação territorial. Em
2008, ficou como recomendação tecerem-se redes duradouras e sustentáveis entre o
público-estatal e o público-privado para a mobilização e o adensamento das forças locais
que garantissem a continuidade desses acessos para o conjunto da população do território.
Trabalho e renda
metas gerais
todos os desempregados inscritos na
central de empregabilidade da
Prefeitura (CAT)
ter acesso a informações sobre
direitos do trabalhador (previdência
social, seguro-desemprego, PIS etc.)
todos os casos de trabalho infantil
encaminhados ao Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (Peti)
acessos e oportunidades
19,9% das famílias tiveram algum membro
desempregado que fez inscrição em
centrais de empregabilidade
10,8% das famílias com matrícula em
cursos profissionalizantes, e 6,3% das
famílias tiveram algum membro que
concluiu um curso profissionalizante
estudos sobre alternativas de geração de
emprego e renda para direcionar/qualificar
ações para 2008
Quanto a trabalho e renda, a primeira questão que se destaca é que, ao assumir o binômio
desemprego-emprego, o Programa pôde contribuir para a melhor caracterização da situação
de trabalho das famílias em alta vulnerabilidade de São Miguel Paulista. Se, por um lado, o
desemprego e o trabalho precário são evidentemente majoritários nessa população, por
outro, a simples denominação “desemprego” não capta a insistência do adulto na procura
por trabalho. Segundo o diagnóstico inicial, apenas 25% dos desempregados estavam
inscritos nas centrais de empregabilidade (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007a). A ênfase
do Programa na inscrição, fortalecendo o acesso a esse serviço, concorreu para a avaliação
da capacidade de reconhecimento e absorção das centrais, além de criar insumos que
fizessem frente às necessidades desse tipo de população em termos de inserção produtiva.
Depois de um ano de Programa, 19,9% das famílias tiveram algum membro desempregado
que se inscreveu em centrais de emprego, e a atualização cadastral revelou que, em 19%
das famílias, algum membro fez entrevista de emprego.
Na interface com a dimensão educação, houve um conjunto de orientações e ações de
estímulo à inclusão de jovens e adultos em cursos profissionalizantes. Observa-se que
10,8% das famílias tiveram algum membro com matrícula em cursos profissionalizantes e
6,3% delas, algum membro que o concluiu.
Mesmo que a questão do trabalho ultrapasse os limites do Programa, ela é estruturante da
condição de cidadania e da construção de autonomia das famílias. Por isso, a busca de
alternativas para o aumento da empregabilidade e da geração de renda deve integrar um
processo de real qualificação, evitando a proliferação de iniciativas que reforcem a baixa
qualificação e promovendo a inserção produtiva.
Durante a vigência do Programa, 12,3% das famílias passaram a receber algum tipo de
benefício socioassistencial, ampliando-se as condições de proteção social. O Bolsa Família
e o Renda Mínima parecem ser os benefícios que mais alcançaram a população do
Programa (63% do total de benefícios declarados). Além disso, durante o Programa, 60%
das famílias adquiriram bens − eletrodomésticos ou móveis −, o que indica o aumento de
suas possibilidades de consumo. Diferentemente da renda do trabalho, os benefícios
monetários dão uma estabilidade que permite, ao longo do tempo, desenvolver capacidade
de planejamento familiar e organização do poder de compra.
Eu achava que não fazia muita diferença, mas, daí, eu vi que o dinheiro
chega numa hora do mês que é ótima, porque o que a gente tinha já tinha
acabado. Se não chegasse naquele, dia eu não teria como comprar mistura
pros meus filhos. Também comprei filtro de água e inteirei a prestação da
geladeira (depoimento de família, Jardim São Vicente).
Dinâmica familiar
metas gerais
todos os familiares com acesso a
informações sobre direitos
humanos e entidades de apoio
relacionadas
conhecer as instituições
existentes na comunidade para
apoio ao alcoolista, ao usuário de
drogas etc.
ter acesso a informações e
apoios que propiciem a melhoria
das relações intra-familiares e a
resolução não violenta de
conflitos
conhecer os equipamentos de
cultura, esportes e lazer de seu
bairro
acessos e oportunidades
vizinhança e redes familiares são referência
para um quarto das famílias
enquanto no diagnóstico a ênfase das falas
das famílias sobre as dificuldades de convívio
focava-se em sua condição de vulnerabilidade,
hoje se observa uma ampliação dessa leitura,
incluindo-se temas intra-familiares
visitas domiciliares representaram espaços de
acolhimento e de construção de vínculos, que
aparecem muito pouco no cotidiano das
famílias: momentos preparatório para a
participação em espaços coletivos
espaços coletivos de discussão e informação:
reuniões socioeducativas, pequeno grupos,
terapia comunitária, reuniões abertas,
palestras
Vizinhança e redes familiares aparecem como referência para os cuidados domésticos para
apenas um quarto das famílias. Em geral, famílias que vivem em bairros de precária infraestrutura urbana, altos índices de violência e de vulnerabilidade social tendem a sofrer com
sentimentos de impotência, solidão e falta de referência a redes institucionais e sociais de
solidariedade e socialização.
O trabalho socioeducativo tem permitido conhecer melhor a dinâmica e as demandas das
famílias e abordá-las tanto nas visitas domiciliares como nas reuniões grupais. Enquanto no
diagnóstico a ênfase das falas das famílias sobre as dificuldades de convívio recaía sobre
sua condição de vulnerabilidade, hoje se observa uma ampliação dessa leitura, incluindo-se
a educação dos filhos, as regras de convivência, a relação com companheiros, problemas
de alcoolismo, a rede familiar e a solidão provocada pelo desequilíbrio entre o excesso de
pessoas e a exigüidade do espaço habitacional (quase 50% das respostas trazem essas
questões).
O conteúdo das visitas subsidiou as reuniões socioeducativas no trabalho em pequenos
grupos (como foi o caso do Jardim Lapenna) ou em trabalhos mais coletivos como terapia
comunitária, reuniões abertas, palestras etc. Em 2007, a ênfase nas visitas domiciliares teve
um papel estratégico na metodologia de trabalho com as famílias, como consta nos
documentos programáticos:
A visita domiciliar permitirá o estabelecimento de uma relação mais próxima
com as famílias, estabelecendo uma relação horizontal entre o agente e o
adulto familiar de referência [...] aprender a ouvir é fundamental para não se
imporem valores ou modelos alheios e desconectados com a realidade dessa
população e pela qual é possível construir vínculos para o estabelecimento
de diálogos e construção de projetos que possam trabalhar tanto o acesso a
informações e apoios que propiciem a melhoria das relações intra-familiares e
a resolução não violenta de conflitos (FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL, 2007b:
6).
Para as famílias, as visitas representaram espaços de acolhimento e de construção de
vínculos e, para o Programa, são preparatórias para a participação em espaços coletivos.
O Programa ajuda muito − não só no dinheiro, tem outras coisas. Eu tinha
depressão e não saía de casa; eu faltava nas reuniões do Programa, eu só
vou na reunião de escola, mas chego no final. Eu falei que precisava de
alguém para conversar, e eles começaram a ir em casa e conversar comigo.
Eu já vim nas quatro últimas reuniões (depoimento de família, Jardim
Lapenna).
Para 2008, recomendou-se também trabalhar família e comunidade como um duplo
dialético. Qualquer projeto que pretenda produzir proteção e inclusão exige uma intervenção
social que alie, no processo, o binômio família/comunidade: “O território não é apenas o
local de moradia e convivência, mas é o lugar onde a família tem possibilidade de fazer sua
vida, e esta se realiza pelo que o território oferece ou não como sua condição social”
(BRANT DE CARVALHO, 2004: 17). A importância das estratégias coletivas fica evidente
quando se observa que, para 50,9% das famílias, as relações com os vizinhos melhoraram.
A necessidade de se enfatizar essa dimensão em 2008 se revela na outra metade, que não
respondeu a essa questão ou não apontou melhorias.
Habitabilidade
metas gerais
manter condições
de higiene
adequadas ao
bem-estar e à
saúde das
pessoas
melhorias
estruturais nos
domicílios
dar destinação
adequada para o
lixo doméstico
acessos e oportunidades
reuniões com participação da Defesa Civil e da Zoonose para
orientar as famílias sobre cuidados com ratos, enchentes,
acondicionamento do lixo etc.
mapeamento dos principais problemas estruturais de cada
domicílio
pesquisas sobre urbanização do Jardim Pantanal (alternativas
para drenagem, saneamento e uso de materiais de construção
oriundos da reciclagem de entulho da construção civil)
os técnicos encontraram melhores condições de higiene e
limpeza em 43,5% das famílias e melhor organização da casa
em 46,1%
27,9% das famílias declaram ter conseguido mudanças nas
suas condições de vida e, destas, 46,6% aumentaram o
número de cômodos no domicílio
melhorias no equipamento dos lares foram destaque na
percepção das famílias: 60,9% delas conseguiu adquirir
eletrodomésticos e móveis
Os dados do diagnóstico revelaram que 41% das famílias do Programa apresentavam
irregularidades na situação de propriedade dos terrenos e domicílios. Mesmo com
diferenças entre os territórios, são altos os percentuais de canalizações irregulares de
esgoto: 28% das moradias são atingidas por enchentes, e há um déficit na densidade
habitacional, devido ao pequeno número de cômodos em relação ao número de pessoas
dos núcleos familiares. No início do Programa, problemas de espaço e moradia foram
identificados pelas famílias no sexto lugar nas dificuldades de convívio (com exceção do
Jardim Pantanal, onde elas figuravam em segundo lugar), e 63% das moradias não tinham
espaço adequado para estudo.
A precariedade da infra-estrutura urbana e ambiental permeou o Programa desde o início,
por ocasião de uma enchente em função da qual se promoveram reuniões socioeducativas
e ações de apoio às famílias e comunidades. A partir daí, uma série de atividades
abordaram esse tema, sempre na perspectiva da prevenção. Fizeram-se reuniões com a
participação da Secretaria Nacional de Defesa civil e do Centro de Controle de Zoonoses do
Município de São Paulo para orientar as famílias sobre cuidados com ratos, enchentes,
acondicionamento do lixo etc. As terapias comunitárias visavam a discutir os aspectos
individuais, grupais e coletivos dos problemas das famílias.
A equipe técnica iniciou um mapeamento detalhado dos principais problemas estruturais de
cada domicílio, e o Programa encomendou pesquisas para pensar a urbanização do Jardim
Pantanal, incluindo-se alternativas para drenagem, saneamento e uso de materiais de
construção oriundos da reciclagem de entulho da construção civil. No fim de 2007, iniciou-se
o planejamento de um projeto de caráter participativo para a coleta de lixo do Jardim
Lapenna, a ser desenvolvido em 2008.
As visitas domiciliares pretendiam abordar e discutir as condições de higiene adequadas ao
bem-estar e à manutenção da saúde das pessoas, por meio de orientações sobre melhor
organização, cuidados com a limpeza e com a higiene dos domicílios e quintais.
Depois de quase um ano de Programa, os técnicos afirmam ter encontrado melhores
condições de higiene e limpeza em 43,5% das famílias e melhor organização da casa em
46,1%. Além disso, 27,9% das famílias declaram ter alcançado mudanças nas suas
condições de vida. Indagadas acerca das mudanças, destacam os arranjos do espaço
interno: 46,6% delas aumentaram o número de cômodos no domicílio. Mesmo que não se
possa falar em melhoria das condições de moradia, principalmente porque foram poucos os
casos de ampliação do domicílio, percebe-se o efeito do trabalho socioeducativo, que
pensou, junto com as famílias, na redistribuição do espaço interno, na divisão de cômodos
entre adultos e crianças e na importância de delimitação de espaço para estudo.
Além dos rearranjos nos espaços, também se destacaram melhorias nos equipamentos
domésticos: 60,9% das famílias conseguiram adquirir móveis e eletrodomésticos como
televisor (10,3%), aparelho de DVD (6,2%), aparelho de som (2,1%), geladeira (7,6%), fogão
(3,1%), tanquinho (3,1%) e também computador (1,4%). Já a compra de móveis parece
responder ao aumento do número de cômodos na casa, pois os itens destacados são
guarda-roupa (8,7%), cama de casal (5,8%) e cama para as crianças (3,3%).
Importa observar que, para essas famílias, assim como os ganhos e as novas aquisições, as
perdas de equipamentos do lar (29,7%, entre eletrodomésticos e móveis) fazem parte do
cotidiano, inclusive pela precariedade das moradias e do espaço urbano.
Considerações finais
O Programa Ação Família São Miguel Paulista estabeleceu um conjunto variado de metas
para cada uma das dimensões de intervenção. O processo de trabalho e os resultados
revelam que houve níveis de prioridade entre as diferentes dimensões e também entre as
metas estipuladas. No desenho metodológico de intervenção junto às famílias, fica clara a
intenção da passagem gradativa do individual/familiar para o grupal/coletivo.
Nas ações de intervenção, destacaram-se os resultados das dimensões saúde,
documentação e dinâmica familiar. Quanto a educação, trabalho e habitabilidade, as ações
foram antes preparatórias − para se conhecer a realidade e se tecerem redes.
Necessidades e interesses das famílias perpassam a habitabilidade, a renda, o trabalho, a
saúde, a identificação civil e social, a educação, a convivência comunitária e a dinâmica
familiar. Para atender a essas necessidades e interesses, é preciso haver mobilização e
indução de ações públicas multissetoriais, fortalecimento e disponibilidade de redes locais
de intervenção social e readequação da oferta programática disponível, quando necessário.
Quanto à metodologia de trabalho com famílias, sublinhe-se a variada combinação de
modalidades de intervenção.
As visitas domiciliares se revelaram estratégicas na construção de áreas de proximidade
para as famílias que, por seu grau de alta vulnerabilidade social e isolamento, muitas vezes
ficam à margem da proteção social. Possibilitam também a criação de vínculos e confiança,
fatores necessários para se garantirem adesão e mobilização das famílias. Além disso, são
espaços vitais para o aprofundamento e o melhor entendimento do nível de demandas e
necessidades ao longo do trabalho, como ficou patente nas dimensões de documentação,
educação, dinâmica familiar etc.
No entanto, cabe refletir sobre a necessidade de ampliação da rede de convivência das
famílias. As visitas precisam avançar na passagem do individual para o grupal, planejando
estratégias de adaptação ao longo de um período (por exemplo, reunirem-se para conversar
famílias do mesmo quarteirão ou com questões semelhantes). Com isso não se quer dizer
que os atendimentos individuais devam ser abolidos, mas revistos no sentido de se
discernirem os casos em que se mantêm e se combinam com encontros coletivos dos que
podem ser tratados só em grupo.
Assim, das experiências vividas nos espaços coletivos do Programa, constaram pequenos
grupos, terapias comunitárias, reuniões abertas, campanhas educativas e mutirões e, nesse
sentido, parece apropriada a direção que o Programa se propôs tomar em 2008. A
perspectiva é se combinarem intervenções de caráter mais coletivo, sem a supressão da
relação personalizada. Começam a figurar questões comuns às famílias ou às
comunidades, bem como o acesso a serviços e bens públicos (FUNDAÇÃO TIDE
SETUBAL, 2007b).
O desafio das metodologias de trabalho com famílias e do papel do agente e do técnico
nessa intervenção está em se desenharem estratégias que fortaleçam apoios e trabalhem
relações interpessoais e comunitárias de forma não tutelar, abolindo-se quaisquer padrões
reguladores e preestabelecidos que reproduzam a imagem negativa que a sociedade tem
dos pobres. Daí a importância da formação e da supervisão permanentes da equipe de
profissionais que trabalha nas comunidades, de modo que se possam conciliar diretrizes
comuns com projetos mais contextualizados e específicos.
Bases e documentos de referência
FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL. Programa Ação Família São Miguel: caracterização da
população. São Paulo, novembro, 2007a.
FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL. Programa Ação Família São Miguel: relatório de
resultados de 2007 e perspectivas para 2008. São Paulo, novembro, 2007b.
Referências bibliográficas
ARREGUI, Carola. O difícil enfrentamento dos programas de transferência de renda no
Brasil. Tese de Doutorado, PUC/SP, 2005.
BRANT DE CARBALHO, Maria do Carmo. Trabalho com famílias. Instituto de Estudos
Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004.
1
Criada em 2005, a Fundação Tide Setubal tem como foco de atuação a região de São Miguel
Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo. Seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento
local de forma sustentável, atuando para o fortalecimento das instituições e o empoderamento da
população local, buscando uma melhoria na qualidade de vida no território. Seus projetos têm
ênfase em adolescentes, jovens e famílias com altos índices de vulnerabilidade social.
2
A Odontoprev é uma empresa privada de atendimento odontológico que fez convênio com a
Fundação Tide Setubal no escopo do Programa Ação Família para atendimento das famílias e
trabalho de prevenção.
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Programa Ação Família São Miguel Paulista