III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
DESIGN BRASIL:
NOTAS SOBRE MOBILIÁRIO CONTEMPORÂNEO
Prof. Dr. Marcelo Tramontano ([email protected]) Coordenador do Nomads.usp, Núcleo de Estudos
sobre Habitação e Modos de Vida, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de
São Carlos, USP.
Cynthia Nojimoto ([email protected]) Pesquisadora do Nomads.usp, Núcleo de Estudos sobre
Habitação e Modos de Vida, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São
Carlos, USP.
RESUMO
Este artigo analisa resultados de pesquisas do Nomads.usp, como “Intervenções: Mobiliário e equipamento
requalificando o espaço doméstico da habitação social”, de Marina Barros do Amaral, que realizou um
levantamento da iconografia veiculada pela mídia impressa internacional de mobiliário, entre 1998 a 2000, e
“Design Brasil, fim-de-século: Uma leitura do design de mobiliário e equipamentos para habitação na última
década do século XX”, de Cynthia Nojimoto, responsável pelo levantamento relativo ao mobiliário brasileiro, de
1990 a 2002, ambos financiados pela Fapesp. Os critérios de seleção das peças analisadas foram os conceitos da
flexibilidade espacial e a preocupação com a redução dos impactos ambientais.
O artigo apresenta em linhas gerais as duas coletas, descreve os critérios de seleção e análise das peças de
mobiliário e equipamentos, destacando-lhes os principais aspectos, para, em seguida, compará-las, procurando
situar a produção de mobiliário doméstico nacional, no contexto mais amplo dos grandes lançamentos
internacionais contemporâneos. Além disso, as conclusões do artigo buscam refletir brevemente sobre o atual
estágio do design do mobiliário brasileiro dito sustentável, ou ambientalmente correto.
Palavras-chave: mobiliário, meio ambiente, sustentabilidade, flexibilidade
BRAZIL DESIGN:
NOTES ON CONTEMPORARY FURNITURE
ABSTRACT
This paper analyzes the results of some Nomads.usp research works, as much as “Interventions: Furniture and
equipment requalifying the domestic space of the social housing”, by Marina Barros do Amaral, that carried
through a survey of the iconography within the international printed media specialized in furniture, between
1998 the 2000, and “Design Brazil, end-of-century: A reading of furniture and equipment design for habitation
in the last decade of XXth century”, by Cynthia Nojimoto, about Brazilian furniture, from 1990 to 2002, both
financed by Fapesp.
The criteria of election of the analyzed pieces had been the concepts of space flexibility and the concern with the
reduction of the environmental impacts.The article presents the two collections, describes the criteria of election
and analysis of the pieces of furniture and equipment, underlining their main aspects, and comparing them,
situating the national domestic furniture production within the hugest context of the major international
contemporary launchings. Moreover, the conclusions of this paper search to briefly think about the current stateof-the-art of the Brazilian furniture design, called sustainable, or environmentally correct.
Keywords: furniture, environment, sustainability, flexibility
1. INTRODUÇÃO
O Nomads.usp, Núcleo de Estudos Sobre Habitação e Modos de Vida, do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo,
tem estudado as transformações comportamentais da vida cotidiana e as suas relações com o
espaço da habitação contemporânea. A partir destes estudos, entende-se que o espaço da
habitação, tal como ela se apresenta hoje, adequa-se mal aos novos modos de vida da
sociedade brasileira devendo, portanto, ser repensado. Parte integrante do espaço doméstico e
elemento fundamental para a sua reconfiguração, o mobiliário é igualmente objeto de estudos
no Nomads.usp. Duas pesquisas do Núcleo realizaram um levantamento iconográfico bastante
expressivo de peças de mobiliário visando um mapeamento das produções brasileira e
internacional: a pesquisa “Intervenções: Mobiliário e equipamento requalificando e espaço da
habitação social”, de Marina Barros do Amaral, que concentrou-se na produção internacional
entre 1998 e 2000, e a pesquisa “Design Brasil: uma leitura do design de mobiliário e
equipamento para habitação na última década o século XX”, de Cynthia Nojimoto, que tratou
da produção nacional entre 1990 e 2002.
Os levantamentos tiveram como principais critérios de seleção e análise o caráter flexível das
peças e a preocupação com a redução dos impactos ambientais, objetivando situar as duas
produções frente a questões que estão sendo discutidas na contemporaneidade, verificando se
o design de mobiliário está refletindo as mudanças em curso – ou desejáveis – no espaço
doméstico.
2. CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO E ANÁLISE DO MOBILIÁRIO
2.1 O caráter flexível da peça de mobiliário
Na sociedade contemporânea, os grupos familiares e seus padrões de comportamento
apresentam uma variedade cada vez maior. A inadequação dos espaços de morar em geral em
relação à variedade e à quantidade crescentes de atividades desenvolvidas no seu interior têm
como agravante a estanqueidade funcional proposta no projeto desses espaços. Para atender a
este número crescente de atividades, acreditamos que os interiores domésticos precisam ser
reconfiguráveis. Essa possibilidade demanda, sem dúvida, uma necessária
multifuncionalidade de seus elementos, o que sugere, em última instância, a possibilidade de
se sobrepor funções em um mesmo elemento constituinte do espaço, seja ele componente
construtivo, equipamento ou peça de mobiliário. Para além do emprego mais conhecido –
ainda que pouco explorado – de divisórias móveis, painéis e armários deslizantes, elementos
recombináveis de piso e de vedações, e uma infinidade de outros dispositivos, percebe-se que
o mobiliário, sobre o qual repousa boa parcela de responsabilidade pelo funcionamento do
espaço doméstico, também deve apresentar características que contribuam para a
reorganização contínua desse espaço.
Uma das características que permitem considerar flexível uma peça de mobiliário é a
mobilidade, expediente adotado com freqüência por designers brasileiros. Com a diminuição
de seu peso e a inserção de rodízios, a peça ganha a possibilidade de ser deslocada facilmente
pelo espaço doméstico, recombinando-se com outras peças e equipamentos, ou simplesmente
levando sua função a outros pontos da habitação. Essa propriedade tem esbarrado na
diminuição sistemática de áreas das habitações brasileiras, sobretudo aquelas situadas em
centros urbanos maiores. A manutenção da compartimentação de seus interiores com paredes
fixas, a monofuncionalidade e as grandes dimensões das demais peças de mobiliário, e a
pouca familiaridade do público brasileiro com processos de reorganização contínua de seu
espaço doméstico agravam a pouca eficiência dessas medidas.
As peças de mobiliário também podem apresentar mais de uma função, sendo chamadas de
multifuncionais. A caracterização de uma peça multifuncional pode ser entendida de, pelo
menos, duas maneiras: uma delas é quando a peça é multifuncional por ter tido diferentes
funções definidas em seu projeto, sejam elas sobrepostas ou ocorrendo independentemente
uma da outra. Por exemplo, uma mesa que pode também ser usada como cadeira ou como
banco: as funções de mesa, cadeira e banco podem ocorrer ao mesmo tempo ou
alternadamente. A segunda maneira é quando a peça de mobiliário apresenta
multifuncionalidade pela indeterminação de funções, ou seja, propositalmente seu projeto não
define uma função, mas serve-se de um design que dá ao usuário condições de conferir-lhe
usos diversos.
A flexibilidade do mobiliário pode ainda apoiar-se na potencialização do seu uso. Apesar de
monofuncionais em seu projeto, as peças podem permitir usos variados para necessidades
familiares determinadas. O uso potencializado da peça pode ser gerado por meio de
mecanismos e sistemas que facilitem sua adaptação a situações espacíficas. Por exemplo, a
alteração das dimensões de uma mesa em função do número de pessoas presentes à refeição,
ou a regulagem de altura de uma cadeira visando suprir atividades diversas, como trabalhar,
comer, descansar, entre outras.
O conceito não se restringe, no entanto, a usos e funções do mobiliário acabado, que pode
ainda ser considerado flexível examinados seus componentes, durante o seu processo
produtivo. Tal flexibilidade está na capacidade de produzir peças de mobiliário com design
distinto – e, eventualmente, usos igualmente distintos –, utilizando-se de um número reduzido
e recorrente de componentes construtivos. Além de possibilitar a produção em série, essa
flexibilidade dos componentes construtivos permite a otimização da produção e redução de
gastos, já que um mesmo componente pode ser utilizado na fabricação de diferentes peças de
mobiliário.
A modulação dimensional de uma peça de mobiliário pode igualmente facilitar a
reconfiguração do espaço. Com a peça de mobiliário em módulos, o usuário pode rearranjálos de acordo com as suas necessidades, seja alterando as dimensões, seja alterando a forma
do conjunto de módulos. Esta é uma prática comum adotada pela indústria moveleira de
produção em série, ao procurar atender a um grande número de usuários e suas variadas
tipologias habitacionais, ainda que, em geral, se restrinja a estantes, mesas de apoio e assentos
sem encosto.
Nos espaços cada vez mais reduzidos da habitação contemporânea, a facilidade de estocar a
peça de mobiliário quando não estiver em uso pode auxiliar na reconfiguração dos espaços,
potencializando sua flexibilidade. Essa facilidade na estocagem pode ser aumentada com o
uso de dispositivos de montagem e desmontagem, assim como de diminuição de dimensões
das peças em estoque, e é evidente que estes dispositivos também serão úteis em outras fases
do ciclo de vida da peça, notadamente em sua comercialização e transportes.
2.2 O baixo impacto ambiental da peça de mobiliário
Além das alterações da vida cotidiana, a pesquisa considerou a possibilidade de redução dos
impactos ambientais como segundo critério de seleção e análise das peças de mobiliário. A
preocupação com o meio ambiente, tal como vem sendo discutida desde a década de 1960,
ganhou mais expressão a partir dos anos 1980, em função da degradação acelerada dos
recursos naturais causada, em grande parte, pela industrialização e seus diversos subprodutos, amplamente conhecidos. O design de mobiliário tem certamente muito a dizer na
busca de soluções para uma produção seriada menos predatória, e seu leque de
recomendações não se restringe ao uso de materiais oriundos de fontes renováveis ou
recicláveis, mas abrange a redução dos impactos ambientais durante todo o ciclo de vida da
peça, que vai desde a extração da matéria-prima da qual o mobiliário é feito, seu
processamento e a fase de produção, sua distribuição e comercialização, seu uso e descarte.
A redução de impactos ambientais deve ser buscada desde o início do processo de criação da
peça de mobiliário, levando-se em consideração a materialidade, a redução no consumo de
energia durante a extração, produção e uso das peças de mobiliário, o destino dos resíduos do
processo produtivo da peça e o destino da própria peça, que, depois de descartada, pode se
tornar – ou ajudar a compor – uma nova peça de mobiliário, com funções e características
novas.
Apesar de seus princípios válidos, em geral, para a totalidade do planeta, os métodos de
redução dos impactos ambientais devem ser estudados e escolhidos de acordo com
pressupostos e dados locais. Um bom exemplo é, obviamente, a questão sobre o uso de
materiais provenientes de fontes renováveis e daqueles originários de fontes não renováveis.
Muitos defendem o uso dos primeiros, como a madeira, para a produção de mobiliário,
argumentando corretamente que a floresta está em constante crescimento, podendo ser objeto
de manejo e planejamento eficiente. No contexto brasileiro, onde o volume potencial de
madeira disponível é enorme, tal afirmação é coerente. Ao se considerar, no entanto, a
produção moveleira em certos países europeus ou asiáticos, pobres em florestas e grandes
importadores de madeira, talvez seja preciso aventar a hipótese de se priorizarem materiais de
fonte não renovável, como metais e plásticos, visando a redução dos impactos ambientais, já
que o consumo de energia durante o transporte poderia ser menor, além da possibilidade de
estas peças terem durabilidade maior. Vale notar, contudo, que, em muitos desses países, uma
parcela crescente dos materiais de fonte não renovável tem sido sistematicamente reciclada e
reutilizada no processo produtivo de novas peças.
Nos itens descritos a seguir, estão resumidos algumas medidas que poderiam ser úteis para a
redução dos impactos ambientais.
2.2.1 Uso de madeira certificada e madeira reflorestada
A madeira certificada, que vem sendo utilizada por muitos designers de mobiliário para a
produção de suas peças, possui o chamado “selo verde” do FSC ou do IBAMA. Este selo não
certifica somente a espécie da madeira, mas também a floresta de onde é extraída, a
madeireira, a transportadora e o depósito onde ela será estocada. Todas estas certificações
buscam garantir ao usuário final que a madeira adquirida provém de uma extração
sustentável.
Também muito utilizada na fabricação de mobiliário, a madeira reflorestada é encontrada
mais freqüentemente do que as peças feitas em madeira certificada. As espécies mais comuns
são pinus, eucalipto e teca, esta considerada mais nobre que as outra duas, utilizando-se o
jargão mercadológico. A madeira reflorestada geralmente é usada nas peças de mobiliário na
forma de compensados, aglomerados e MDFs, pois os processos produtivos destes compostos
os torna mais resistentes do que se fossem utilizados na forma maciça.
2.2.2 Componentes descontextualizados e componentes descartados
Os componentes descontextualizados são aqueles produzidos para uma finalidade que não é o
mobiliário. O design de Humberto e Fernando Campana exemplifica bem a utilização de
materiais fora de seu contexto. Eles se utilizam de mangueiras, por exemplo, para a fabricação
de uma cadeira. Os componentes usados fora de seu contexto não são necessariamente
componentes descartados.
Com a discussão dos últimos anos de se reaproveitar os materiais, muitas das peças de
mobiliário podem ser feitas com componentes que foram descartados, seja durante o processo
produtivo, como restos de materiais, seja após o seu ciclo de vida, quando o componente não
tem mais uso. Estes componentes podem ser retirados de lixo residencial, lixo industrial, entre
outros sistemas de descarte. O reaproveitamento daquilo que já foi usado é uma alternativa
para a redução da quantidade de lixo descartado e que não pode ser reciclado ou cuja
reciclagem é um processo muito poluente.
2.2.3 Recursos renováveis e não renováveis
A grosso modo, recursos renováveis são aqueles cuja matéria-prima está em constante
reposição na natureza, como a madeira, quando provém de florestas plantadas ou objeto de
manejo sustentado. O recursos não renováveis são aqueles cuja reposição na natureza ocorre
muito dificilmente, como os metais e o petróleo. É evidentemente preferencial o uso de
matéria-prima de recursos renováveis, por ser uma fonte inesgotável de material, desde que
extraída da natureza de modo sustentável.
2.2.4 Material reciclado e material reciclável
Entende-se por reciclado um material que passou por processos de reciclagem, diferentemente
das peças que utilizam componentes e materiais descartados onde não há o processo de
reciclagem envolvido na produção da peça. para se evitar o desperdício de material. Para
peças de mobiliário, diversos são os materiais recicláveis passíveis de ser usados, como o
papelão, o vidro, o alumínio – cujo processo de reciclagem aproveita quase 100% do material
e gasta muito menos energia do que se ele fosse produzido a partir da bauxita –, as resinas
obtidas a partir da reciclagem de embalagens PET, ou politereftalato de etileno.
Pode-se pensar no design de mobiliário com o enfoque para o seu descarte, usando materiais
com potenciais de serem reciclados, como os metais, o papel, o vidro e alguns polímeros.
Porém, a reciclagem de alguns materiais depende do processo de produção pelo qual este
material passou, e qual o tratamento de acabamento lhe foi dado (tipos de polimento, vernizes,
pinturas, entre outros), pois estes processos podem prejudicar ou até impossibilitar a
reciclagem.
2.2.5 Economia no consumo de material
O consumo de material pode ser reduzido para se amenizar os impactos ambientais, já que
menos matéria-prima será extraída para a produção de material. O consumo de material pode
ser reduzido nas peças de mobiliário através de um menor número de componentes e
quantidade de material, com a utilização de materiais descartados, como se viu acima, e a
utilização de materiais reciclados. Dessa maneira, evita-se a extração de recursos naturais para
a produção de mais materiais. A alta tecnologia está aliada à redução do consumo de
materiais, pois com o avanço de técnicas de produção de materiais, conseguem-se materiais
mais resistentes com menos matéria, e, portanto, menos gastos de recursos naturais.
2.2.6 Economia de energia durante o processo produtivo
A economia de energia durante o processo produtivo é um fator importante para a redução dos
impactos ambientais e muitas vezes não é levada em consideração. Este é um fator
importante, principalmente para aqueles países que utilizam como fonte de energia recursos
não renováveis como o petróleo.
Algumas medidas podem contribuir para a redução no consumo de energia durante o processo
produtivo. Peças de mobiliário que utilizam componentes descartados, por exemplo,
apresentam economia de energia durante o processo produtivo por não necessitar de
fabricação de novos componentes, ou seja, todo o processo de produção de um material e de
um componente é feito somente uma vez. A utilização de materiais descontextualizados e
alguns reciclados, como o alumínio reciclado, também pode significar redução de energia
durante o processo produtivo.
2.2.7 Transporte
Assim como no item anterior, para avaliar a peça de mobiliário de acordo com a quantidade
de energia gasta com o transporte, deve ser considerado o transporte da matéria-prima, o
transporte dos componentes e o transporte da revendedora até o usuário. A otimização de
montagem e desmontagem, assim como a otimização na estocagem, permite o transporte de
um maior número de peças de mobiliário e, neste sentido, pode haver uma economia de
energia de transporte, transportando-se mais com menor gasto de energia. Além disso, o
transporte de mercadorias, que, no Brasil, é feito principalmente por caminhões, acaba tendo
outros efeitos indesejáveis, como a emissão de gazes nocivos durante todo o percurso, e o
incentivo à pavimentação contínua de estradas, utilizando-se asfalto.
2.2.8 Flexibilidade
O caráter flexível de uma peça de mobiliário é, igualmente, desejável do ponto de vista
ambiental. Isso porque, em princípio, quanto mais usos uma peça proporcione, mais longa
será sua vida útil, e menor, portanto, será a possibilidade de ela cair em desuso e vir a ser
descartada. Além disso, frente às mudanças tão rápidas dos comportamentos e, portanto, das
atividades realizadas nos interiores domésticos, tudo indica que projetar peças sem função
definida mas que atendam requisitos claros pode ampliar significativamente seu período de
uso.
3. A PRODUÇÃO NACIONAL FRENTE AOS LANÇAMENTOS INTERNACIONAIS
Analisadas e comparadas as produções nacional e internacional, percebeu-se que, com relação
a requisitos expressos pelos novos modos de vida da população, as peças de mobiliário
produzidas no exterior apresentam respostas mais adequadas. Essa melhor adequação parece
dar-se, principalmente, pelo fato de o atendimento às várias tendências comportamentais e
formatos familiares ser, para esses designers, um dado central de projeto, diferentemente da
maioria dos designers brasileiros estudados. O desenho de boa parte das peças da compilação
internacional preocupa-se em reforçar ou auxiliar o caráter flexível e multifuncional da
habitação. Nesse sentido, não raramente essas peças são mais leves, facilitando seu
deslocamento pelo usuário, possuem mais de uma função, sejam elas alternadas ou
concomitantes, e podem ser compactadas com facilidade, entre outras características que
ajudam a reconfigurar rapidamente o espaço que ocupam e buscam qualificar.
Quando analisada a produção brasileira, percebe-se que as preocupações com a flexibilidade e
multifuncionalidade das peças ainda não se encontra consolidada, e, muitas vezes, nem
mesmo formulada. Em sua maioria, as peças produzidas no Brasil são funcionalmente
estanques e seu design costuma privilegiar o redesenho do mobiliário convencional. Por
exemplo, redesenha-se uma cadeira, ao invés de se conceber uma peça que permitiria sentarse, mas também eventualmente deitar-se, trabalhar, estocar objetos, iluminar, etc. Quando
existe a preocupação em se dotar de flexibilidade peças de mobiliário, o expediente mais
comum é a colocação de rodízios, nem sempre aliado à diminuição do peso geral da peça ou
da previsão de outros dispositivos que facilitem o deslocamento, como alças ou relevos.
Quanto às preocupações ambientais, observou-se nas peças brasileiras o uso extensivo de
madeira em detrimento de outros materiais, o que certamente se justifica pela grande
diversidade e quantidade de espécies de madeira que o país produz. No entanto, a quantidade
de peças utilizando madeira certificada, de reflorestamento ou proveniente de manejo
sustentável ainda é muito pequena, apesar de toda a divulgação que vem sendo feita nos
últimos anos para o uso da madeira de modo consciente.
Aliás, é bom lembrar que a intensa divulgação da madeira com certificado pode produzir uma
idéia errônea do que seria um design correto do ponto de vista ambiental. Muitos designers
empregam a madeira certificada ou de manejo sustentável em suas peças de mobiliário,
buscando oferecer a imagem de um mobiliário totalmente correto no que diz respeito à
questão ambiental, para atender ao mercado, que, nos últimos anos, vem usando como apelo
de vendas o aposto de “ambientalmente correto”. Todavia, em muitas peças, a madeira
encontra-se associada a materiais absolutamente “incorretos”, do ponto de vista ambiental,
como, por exemplo, o aço cromado, cujo processo produtivo é tóxico e prejudicial ao
ambiente.
A produção brasileira ainda padece de algumas deficiências quanto ao ciclo de vida das peças
de mobiliário. O processo de concepção de muitas das peças não abrange desde a extração do
material, à produção das peças, seu uso e descarte. Em boa parte do seu ciclo de vida ainda se
desperdiça muito material e energia, principalmente durante as fases de produção e descarte.
Algumas iniciativas para se amenizar os impactos ambientais, principalmente quanto ao
descarte de material, já têm sido vistas no cenário do nacional, como o uso de componentes
descartados e que foram descontextualizados para o mobiliário. Os exemplos desta
descontextualização são bem variados, como a utilização de pneus velhos, garrafas PET, latas
de tinta, entre outros.
Na seleção internacional, observam-se peças produzidas com alta tecnologia, o que costuma
significar materiais mais resistentes e com menos matéria-prima em sua composição. Tem-se
aí uma redução na quantidade de material, o que se torna um fator positivo quando se fala em
redução de impactos ambientais. Além disso, as peças de mobiliário, utilizando menos
materiais, tendem a ser mais leves e fáceis de serem transportadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comparada à produção internacional de mobiliário, a produção brasileira ainda se encontra
em desvantagem quanto aos processos produtivos e à facilidade de obtenção de materiais
adequados. Nos países europeus, devido às técnicas avançadas, o mobiliário apresenta uma
grande variedade de materiais e uma preocupação sistemática de otimização da produção, seja
através da economia de material, de energia ou de tempo. A produção nacional ainda parece
ser bastante artesanal, devido à falta de técnicas avançadas de produção e à falta de um leque
maior de materiais, o que obrigaria boa parte dos designers a optar pela madeira para a
produção de suas peças.
Freqüentemente, a questão da sustentabilidade ambiental ainda se restringe ao uso de
determinados materiais, quando falamos da produção brasileira. O uso de materiais ditos
“naturais” nas peças de mobiliário, mesmo que associados a sintéticos ou a metais não
reciclados, por exemplo, ainda é visto por muitos como uma escolha que está de acordo com
as preocupações ecológicas, sem que o metal ou o material sintético seja avaliado segundo
critérios ambientalistas. Na verdade, o que ocorre é uma distorção do que se entende por
reduzir os impactos ambientais, tendendo-se a empregar materiais como a madeira, a palha e
outros classificados habitualmente no universo da rusticidade. Na produção internacional
analisada, muitas das peças são produzidas com polímeros e materiais sintéticos que, no
entanto, podem estar causando muito menos impactos ambientais, pois todo o processo de
produção está sendo avaliado.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
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para habitação na última década do século XX. Relatório Final Fapesp de Iniciação Científica.
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TRAMONTANO, M. (1995). O Espaço da Habitação Social no Brasil: possíveis critérios
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TRAMONTANO, M. (1998). Novos Modos de Vida, Novos Espaços de Morar: Paris, São
Paulo, Tokyo. Tese de doutorado. São Paulo: FAU_USP.
VEZZOLI, C. (2000). Design for sustainability: design guidelines. São Paulo: Universidade
de São Paulo.
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