NOVOS ROTEIROS NA CIDADE MARAVILHOSA: O TURISMO NA FAVELA DA
ROCINHA
Prof. Dr. Gerônimo Leitão
Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense
Helena Araujo
Bolsista de Iniciação Científica da Escola de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense
André Sales Batista
Geógrafo
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CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade
Resumo:
Este trabalho pretende discutir uma nova faceta do turismo na Cidade do Rio de
Janeiro, Brasil: a inserção de favelas cariocas nos roteiros turrísticos. Discutimos neste
texto diferentes aspectos dessa atividade turística, abordando a favela que constitui o
principal exemplo desse novo negócio: a Rocinha, localizada na zona sul da cidade.
Analisamos, nesse sentido, os impactos da presença dos turistas na comunidade, no que
diz respeito ao mercado imobiliário local, à geração de oportunidades de trabalho e à vida
cotidiana dos moradores da Rocinha. Pretendemos contribuir, com este trabalho, para
uma maior compreensão desta nova atividade econômica – e cultural – em favelas da
cidade do Rio de Janeiro, com a intenção, também, de trazer subsídios para a formulação
de ações públicas e privadas.
Palavras-chave: Turismo nas Favelas; Rocinha; Turismo Sustentável.
Abstract:
This work intends to discuss a new facet of tourism in the city of Rio de Janeiro:
slums are now being visited by tourists. We discuss in this text several aspects of this
touristic activity, picking the slum that represents the main example of this new business:
Rocinha, located in the city's south zone. We will analyze the impacts of the tourists'
presence in the community, in what it means to the local real estate market, to the
opportunities of work and to the daily life of Rocinha's dwellers. We intend to contribute
with this work to a bigger understanding of this new economical activity - and also
cultural - in Rio de Janeiro's slums, wishing, also, to bring informations to the development
of public and private actions.
Keywords: Tourism in Slums, Rocinha, Sustainable Tourism
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Introdução
Desde 1992, a favela da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, vem recebendo um
número crescente de turistas – em sua maioria estrangeiros. A presença desses turistas
contribuiu para a criação de novas oportunidades de trabalho e de negócios na
comunidade. Para muitos moradores, a geração de trabalho e renda não é o único
aspecto positivo dessa nova atividade econômica na Rocinha. Esses moradores destacam
que a presença dos turistas contribuiria para a construção de uma “representação distinta
da favela, uma imagem positiva”, como afirma Freire Medeiros - em entrevista para a
Revista Veja, publicada em fevereiro de 2010 -, diversa daquela associada à pobreza e à
violência. Outros, contudo, questionam determinados aspectos dos tours realizados na
comunidade, por considerarem que expressam visões estereotipadas e preconceituosas
da favela.
Recentemente, observa-se que essas visitas guiadas não se restringem à Rocinha:
após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em um conjunto de
comunidades da cidade do Rio de Janeiro, outras favelas são também visitadas, como
Dona Marta, em Botafogo, e o Complexo do Alemão, na Penha. O fim da presença
ostensiva do narcotráfico, devido à ação policial, associado à realização de expressivas
obras de urbanização – como a implantação de teleféricos e de plano inclinado –
contribuíram para atrair ainda mais turistas interessados
convencional.
em um roteiro pouco
A Rocinha – também recentemente “pacificada”, após as operações
policiais realizadas em novembro de 2011 – é, pela sua localização privilegiada, junto aos
bairros da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e pela beleza do sítio que ocupa, a
principal atração turística, quando se trata de favelas cariocas.
Neste trabalho procuramos refletir sobre as características e perspectivas do
turismo realizado na Rocinha, enfocando os seguintes aspectos: os impactos na estrutura
espacial da comunidade, com o surgimento de empreendimentos – restaurantes, bares e
pousadas – voltados para o atendimento dessa nova demanda; as redes de relações entre
empresas de turismo e moradores da comunidade, gerando oportunidades de trabalho; e
os diferentes percursos realizados na favela, associados aos interesses distintos de
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turistas. Pretende-se, também, por último, promover uma reflexão sobre as perspectivas
da expansão das atividades relacionadas ao turismo em favelas cariocas.
Com este trabalho pretendemos trazer subsídios que contribuam para a
compreensão de uma nova prática presente no cotidiano de algumas das principais
favelas cariocas, bem como para a formulação de políticas públicas e de
empreendimentos privados, que estimulem uma atividade que poderá representar mais
um passo para a integração da favela à cidade dita oficial.
Os Turistas Descobrem as Favelas Cariocas
Férias na cidade do Rio de Janeiro estão associadas às imagens do Corcovado, de
Copacabana, de Ipanema, da Lapa, mas não à das favelas – pelo menos, até dez anos
atrás. Seria difícil imaginar turistas – estrangeiros ou nacionais – visitando favelas, por
tudo que estava vinculado à essas comunidades: pobreza, violência, precariedade. As
cenas de filmes, como Cidade de Deus, Tropa de Elite e o episódio filmado no Rio de
Janeiro, da série Velozes e Furiosos, reforçam esta visão. Contudo, observa-se o crescente
interesse de turistas – estrangeiros, em sua maioria – por conhecer essa outra parte da
cidade.
É difícil precisar as motivações desses visitantes, porém, estudos realizados em
Mumbai, na Índia, apontam, como razão principal, o desejo de comparar algo que é
conhecido, através de informações veiculadas pela mídia com as experiências vivenciadas
in loco (Meschkank, J. 2011).
Outros trabalhos, por sua vez, destacam o papel
desempenhado pela atividade turística em comunidades pobres, no sentido de estimular
o desenvolvimento econômico e a implementação de infra-estrutura
viária e de
saneamento (Blake, A., et al. 2008; Stoddart, H. & Rogerson C.M. 2005).
Contudo, não há apenas aspectos positivos, na avaliação dos impactos das
atividades turísticas nessas comunidades (Andereck, K.L. 2005): há outros que são objeto
de crítica por parte dos moradores locais, sobretudo no que se refere à representações
estereotipadas da localidade onde vivem, elaboradas por operadoras de turismo e guias,
com o objetivo de comercializar um tour que se diferenciaria dos roteiros convencionais,
pelo caráter “exótico” e “excitante” que lhe é atribuído.
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O relato de William de Oliveira, morador há 37 anos na Rocinha, presidente do
Movimento Popular de Favelas e vice-presidente do Fórum de Turismo da comunidade, é
revelador sobre um impacto negativo do turismo realizado na favela, identificado por
moradores locais.
Na Rocinha, a maioria dos turistas estrangeiros chega até a
comunidade em tours denominados “safaris”, em que são transportados em jipes ou
camionetes adptadas, quando, então, “visitam os mirantes, compram artesanatos e
suvenires, apreciam uma roda de samba e tiram muitas fotos, nem sempre interagindo
positivamente com os moradores” (Revista Brasil, agosto de 2009). O modelo de turismo
na favela, contudo, para William, deveria ser outro: “Quero riscar essa expressão ‘safári’
do meu vocabulário. Muitas vezes o turista chega em tudo quanto é lugar na Rocinha e sai
tirando foto. Tem muita gente que não gosta. E nem estou falando do tráfico, e sim dos
moradores comuns. Ouço muitos comentários de que o turista quer filmar o miserável, e
tem pessoa que não quer aparecer ali como o miserável, entende?” (Revista Brasil, agosto
de 2009).
Para William – assim como para outras lideranças de outras comunidades
faveladas –, o desafio consiste em construir um outro modelo de turismo na favela,
centrado na valorização da cultura e dos serviços locais, na integração dos visitantes à
realidade da favela e na recusa em transformar a pobreza em um espetáculo.
Conhecendo a “Cidade Rocinha”
Localizada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, entre os bairros da Gávea e de
São Conrado, a Rocinha possuía, originalmente, características rurais.
Os primeiros
registros apontam a existência no local, em meados da década de 1920, de uma grande
fazenda, parcialmente ocupada, que seria loteada entre 1927 e 1930, para a venda de
lotes a particulares.
A falência da companhia responsável pelo implantação do loteamento e a
melhoria das condições de acesso à área –– e, particularmente, os boatos de que essas
seriam “terras do governo” ou “sem dono” – , teriam sido os fatores determinantes para o
crescimento da ocupação irregular da Rocinha. Iniciou-se, desse modo, o processo de
ocupação da antiga área rural que, partindo do sopé do morro, se estenderia, ao longo
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dos anos, na direção dos terrenos à montante, segundo normas não escritas, que
estabeleciam limites e procedimentos para os que ali chegavam.
A partir de 1950, ampliou-se a ocupação da área, ocorrendo, segundo Drummond
(1981), um processo de transformação dos abrigos precários em barracos de madeira,
localizados nas áreas inicialmente ocupadas. Nesse mesmo período, surgem novas
construções, nas partes mais altas da encosta, traduzindo uma nova fase de expansão da
favela.
O primeiro recenseamento da Rocinha, realizado em 1950, apontava a existência
de 4.513 habitantes. Em 1974, um novo levantamento censitário – desta vez realizado
pela Secretaria de Segurança Pública – apontava a presença de 33.790 habitantes. Em
1980, por sua vez, os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Planejamento,
indicavam que o número de moradores da Rocinha havia alcançado um total de 97.945.
Esses números traduziam o vertiginoso processo de expansão da favela, na segunda
metade da década de 1970, associado, em grande parte, ao surgimento, no final dos anos
1960, de uma nova fronteira de expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro, ao longo da
orla marítima – a Barra da Tijuca –, que gerou maiores oportunidades de trabalho,
principalmente no setor de serviços e na construção civil (Leitão, G. 2009).
No começo dos anos 1980, a relação entre o poder público e as comunidades
faveladas começa a passar por alterações expressivas, decorrentes, sobretudo, do
processo de redemocratização em curso na sociedade brasileira: a análise dos dados
relativos a equipamentos comunitários e infra-estrutura disponível, apresentados em
relatório pelo IPLANRIO, em 1993, revela que, em dez anos, havia ocorrido um
significativo aumento dos investimentos públicos na comunidade.
Em 1980, o Relatório da Fundação Estadual de Engenharia e Meio-Ambiente –
FEEMA – “Caracterização da Rocinha”, registrava a presença da criminalidade na
comunidade, apontando a existência de algumas áreas consideradas “zonas perigosas”.
No final da década de 1990, de acordo com autoridades da área de segurança pública, a
Rocinha havia se tornado um “entreposto das drogas no Rio” e um “ponto de encontro de
chefes do Comando Vermelho” – uma das facções criminosas atuantes nas favelas
cariocas (Leitão, G. 2009)
Em 2005, o Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção Rio de Janeiro – promoveu
um concurso nacional de idéias para a urbanização da comunidade, que originou um
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amplo projeto de urbanização, de autoria da equipe do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que
promoveu significativas intervenções na favela, com a construção de equipamentos
comunitários, unidades habitacionais de reassentamento, obras de infra-estrutura de
saneamento e melhorias nas condições de acessibilidade. As intervenções reconhecem a
complexidade de uma comunidade com 100.000 habitantes – população maior do que a
de muitas cidades brasileiras.
A implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora em novembro de 2011
representou, para moradores e lideranças comunitárias, o fim de um período de controle
territorial pelo narcotráfico, que comprometia, não só a segurança dos moradores, como,
eventualmente, sua liberdade de ir e vir. Moradores e lideranças reconhecem que há um
longo caminho de aperfeiçoamento dessa política de segurança pública, com a necessária
implantação de programas de promoção social, porém a UPP, de certa forma, reinseriu a
Rocinha na cidade do Rio de Janeiro – e, por que não, no roteiro turístico da Cidade
Maravilhosa.
O que faz um turista na Rocinha?
Estudos, artigos e reportagens associam o início das excursões turísticas à Rocinha
à realização do evento internacional ECO-92, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992.
Nessa ocasião, diversas autoridades presentes no evento realizaram visitas à
comunidades faveladas, “a fim de conhecer o padrão de vida das comunidades mais
carentes” (Serson e Pires; 9, 2008). Desde então, apesar de dificuldades iniciais – devido
à imagem de violência associada às favelas –, diferentes empresas operadoras de turismo
têm atuado na promoção de visitas à comunidades faveladas, com destaque para a
Rocinha, que recebe cerca de 2.000 visitantes por mês (Serson e Pires; 9, 2008).
Acompanhados por guias, que “contextualizam o espaço visitado, dando
explicações históricas, sociais, políticas e cultural-arquitetônica” (Serson e Pires; 10,
2008), os turistas realizam percursos bem distintos na comunidade. A Rocinha apresenta
uma morfologia singular que proporciona aos diversos turistas uma gama de percursos
distintos. A escolha do roteiro dependerá, basicamente, de dois fatores: da postura do
guia que conduzirá a visita e do perfil –- e, também, da capacidade física – do turista. O
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tour mais rápido e simples é aquele em que o turista percorre toda a extensão da estrada
da Gávea, em veículos adaptados (o chamado Jeep Tour) ou vans, não realizando
qualquer percurso a pé na favela. Esse trajeto, em geral tem início no bairro da Gávea e é
encerrado em São Conrado.
Alguns turistas realizam percursos em moto taxi ou em transporte alternativo,
partindo do Largo das Flores, na parte baixa da Rocinha, seguindo até o cume do morro,
na Rua 1, onde estão localizados alguns dos principais equipamentos da comunidade,
como o posto de saúde, a sede da XXVII Região Administrativa e o posto de operações da
Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE). Nas imediações deste local, há um
mirante que permite vislumbrar a Lagoa Rodrigo de Freitas, e os bairros de Ipanema e Leblon (fig. 1). Este mirante, onde se observa a presença de alguns vendedores de
artesanato (fig. 2), é um ponto de visitação obrigatória para todos os turistas que vão à
Rocinha. De acordo com Ferreira Nunes (2006), “o momento da compra e venda de
souvenires é um dos únicos durante o qual turistas e moradores da Rocinha interagem
face-a-face”, uma interação que é, contudo, parcialmente comprometida pela barreira do
idioma. Os produtos comercializados por esses vendedores não são industrializados:
trata-se de artesanato feito com materiais reciclados, o que contribui para que muitos
dos turistas tenham uma visão de que a favela é o local da “escassez criativa, a penúria
colorida, a pobreza sorridente” (Ferreira Nunes, 2006).
Figura 1 - Mirante com vista para a Lagoa
Rodrigo de Freitas.
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Figura 2 - Pinturas que retratam a Rocinha com
o Cristo Redentor ao fundo.
Outro mirante bastante visitado é aquele localizado na Rampa do Laboriaux –
acesso ao bairro do mesmo nome, criado no início da década de 1980, para abrigar
famílias que deixaram áreas de risco na comunidade -, de onde é possível descortinar os
bairros da Gávea e do Jardim Botânico, de um lado, e de São Conrado, de outro (fig. 3).
Figura 3 - Mirante 2, com a visão do bairro de São
Conrado e da Pedra da Gávea ao fundo.
Por vezes, o percurso envolve uma visita à creche da União Pró-Melhoramentos da
Rocinha (UPMR), onde os turistas costumam realizar doações de brinquedos e de
material escolar para as crianças matriculadas, podendo ainda obter autorização para
fazer fotos. Também é comum a visita à edificações, cuja posição privilegiada faz delas
mirantes frequentados por turistas nacionais e estrangeiros – como a “Laje do Carlinhos”
(fig. 4) e a “Laje do Sr. Fernando” –, onde, por um módico valor, é possível acessar a
cobertura, que possui uma estrutura de bar e sanitários.
Figura 4 - Turistas na laje-mirante do Carlinhos.
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As lajes são hoje os novos pontos turísticos da favela da Rocinha, pois do alto
delas é possível descortinar belíssimas paisagens, belas alvoradas e um pôr-do-sol
deslumbrante, que mescla a obra do homem e a natureza. É possível também, a partir
dessas lajes, capturar preciosas imagens do cotidiano da população da Rocinha, no
trabalho, no lazer, circulando de um ponto a outro da comunidade. Com frequência, além
das visitas de turistas, as lajes-mirantes são alugadas para realização de churrascos e
outros eventos, como festas de comemoração do Ano Novo.
Para aqueles que optam por caminhar pelo interior da favela, é possível descer
pelo beco da Jaqueira, seguir pela Paula Brito, até chegar a Rua 4, para alcançar o
Caminho do Boiadeiro. Outra possibilidade de percurso é descer pelo beco da Rua 1,
sentido Macega – Roupa Suja –, onde está localizada outra das creches que atendem à
comunidade. Segundo depoimento de moradores entrevistados, antes da implantação da
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), muitas vezes, usuários de drogas realizavam esse
percurso, para adquiri-las junto a traficantes instalados nessa área – uma prática que era,
também, adotada por alguns turistas.
À semelhança do que ocorre em outros pontos da cidade do Rio de Janeiro, a
Rocinha também possui um “Pólo Gastronômico”, localizado na Via Apia, e caracterizado
pela presença de restaurantes diversos, que incluem desde a tradicional culinária
nordestina aos sushis e sashimis do “Via Japa” (fig. 5).
Figura 5 - Restaurante Japonês 'Via Japa' no
Pólo Gastronômico da Via Apia.
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Aos domingos existe a feira do Caminho dos Boiadeiros, que conta com centenas de
barracas que vendem frutas, legumes e comidas típicas do Nordeste e é outro ponto de
visitação de turistas e moradores de São Conrado, em busca de iguarias daquela região.
Complementando a programação no final de semana, é possível, ainda, frequentar um
ensaio na quadra da Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha.
O Negócio “Turismo Na Favela”
A expressão que as atividades turísticas passaram a ter na Rocinha levou grupos
de moradores e de lideranças comunitárias à criação do Fórum de Turismo da
comunidade, em 2009, com o objetivo de “desenvolver o turismo de forma sustentável,
valorizando a cultura local e qualificando produtos e serviços” (Jornal de Turismo).
De acordo com os criadores dessa entidade, pretende-se “organizar o turismo
interno”, ampliando a participação da comunidade na recepção dos turistas: para o
consultor Osvaldo Ramalho, que deu suporte técnico à criação do Fórum, “a Rocinha tem
muito o que mostrar e é dado pouco ou nenhum destaque à riqueza de sua história e
diversidade cultural (...) é necessário é ampliar a participação da comunidade,
implementando um projeto comum, criando parcerias com entidades públicas, comércio
local e empresariado externo”. Ramalho destaca, ainda, as três prioridades para o
incremento do negócio do turismo na comunidade: “a criação de uma rede institucional
autônoma de turismo, de um roteiro turístico e de uma rede de hospedagem, do tipo bed
and breakfast”.
O narcotráfico na Rocinha cumpria um papel duplo, no que diz respeito à prática
do turismo na Rocinha, segundo estudiosos do tema e moradores locais. Por um lado, era
parte do “pacote de exotismo” oferecido pelos guias aos turistas estrangeiros, embora
fossem, na maioria das vezes, evitados contatos com os narcotraficantes e fotos em
determinados locais fossem proibidas. Para Freire Medeiros (2006), a presença do
narcotráfico seria um dos “variados produtos” oferecidos pela favela, constituindo um
elemento integrante de “um território às margens do pacto civilizatório” – e, por isso
mesmo, fascinante.
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Por outro, era um fator que, reconhecidamente, comprometia a possibilidade de
ampliação da atividade turística – sobretudo para as visitas de turistas nacionais -, devido
ao quadro de tensão gerado pela presença de narcotraficantes armados, circulando pelas
vias da comunidade, como destaca a matéria publicada na Revista do Brasil, em agosto de
2009:
“A relação com o tráfico de drogas, naturalmente, é questão
problemática quando o assunto é turismo em favelas. A
reportagem da Revista do Brasil avistou pelo menos quatro
pessoas empunhando armas de grosso calibre, além de dois
pontos de venda de drogas. Os traficantes, no entanto, não
parecem interferir no turismo. Diluem-se na paisagem repleta de
gente, motos, carros e ônibus que sobem e descem o morro. O
objetivo dos moradores engajados é não estimular o contato dos
turistas com os traficantes nem promover fotos ou qualquer
outro tipo de “exibição” remunerada dos soldados do tráfico. “A
Rocinha é grande o suficiente para que o turista passe várias
horas aqui sem nem mesmo perceber o tráfico”, diz William de
Oliveira, vice-presidente do Fórum de Turismo de Rocinha”.
A operação policial, realizada em novembro de 2011, com o objetivo de implantar
uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), encerrou um longo período caracterizado pela
presença ostensiva de narcotraficantes na Rocinha, interferindo, diretamente, no
cotidiano dos moradores da comunidade. Vários depoimentos de moradores envolvidos
com a atividade turística destacam que a instalação da UPP na comunidade pode
contribuir para ampliar o número de visitantes – particularmente aqueles oriundos de
outros estados brasileiros.
Conclusões
Uma das questões particularmente instigantes, quando se aborda o impacto
provocado pelo incremento do turismo nas favelas cariocas, é o que isto representará
para o mercado imobiliário informal existente nessas comunidades.
Técnicos e
pesquisadores, que atuam no campo da urbanização de assentamentos informais,
chamam atenção para um efeito paradoxal dessas intervenções urbanistícas que,
pretendendo melhorar a qualidade das condições de vida da população à que se
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destinam, acabam, por vezes, gerando a saída de muitas das famílias beneficiadas. Essas
famílias abandonariam a comunidade recém urbanizada, onde até então viviam, devido à
impossibilidade de arcar com a elevação dos valores de aluguéis, o pagamento de tarifas
de serviços, ou, simplesmente atraídos pela oferta de compra de suas moradias – um
processo descrito como “remoção branca” na literatura sobre o tema.
No que diz respeito à perspectiva de ampliação das atividades turísticas na favela,
observa-se a possibilidade de um quadro semelhante ao descrito acima: relatos de
moradores – proprietários de imóveis, como o Sr. Carlinhos, que entrevistamos em sua
laje-mirante – registram o interesse em construir ou adaptar edificações para abrigar
pousadas destinadas aos turistas que visitam a comunidade. Acreditam que existe um
nicho de mercado correspondente a clientes que privilegiariam, inicialmente, o custo
mais baixo da hospedagem na comunidade.
Esses clientes valorizariam, ainda, a
localização privilegiada da comunidade na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, próxima
das praias mais famosas e de bairros com intensa vida cultural e boêmia. Além, é claro,
do estilo de vida dos moradores locais, que seria um atrativo adicional e diferenciado,
sobretudo, para turistas mais jovens, muitos dos quais, hoje, se hospedam em hostels no
Centro e em Santa Tereza. Um dos empreendedores ligados ao turismo na Rocinha
revelou, em entrevista, seus planos de converter um imóvel que possui em uma pousada.
Para tanto, iniciou, gradualmente, o processo de retomada dos quitinetes alugados, para
executar reformas, de modo a adaptá-las ao novo uso. Busca, também, informações
sobre como regularizar essa atividade – o que é mais um desafio: como enquadrar o seu
futuro estabelecimento nas normas estabelecidas pelas agências governamentais de
turismo, elaboradas para empreendimentos na cidade “formal”.
As atividades turísticas encontram-se, atualmente, quase que restritas às favelas
localizadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro – Tavares Bastos, Dona Marta, PavãoPavãozinho, Cantagalo, Vidigal e a Rocinha –, por estarem localizadas na região por onde
a grande maioria dos turistas circula. Contudo, outras comunidades faveladas – como o
Complexo do Alemão, a Mangueira, apenas para citar dois exemplos –, ainda que
localizadas em áreas periféricas, considerando os locais usuais de visitação turística,
poderão ser objeto de atenção de operadoras de turismo, devido a curiosidade gerada
por obras de urbanização e pelas atividades culturais, dentre as quais se destaca o samba.
William de Oliveira reconhece que cada comunidade terá que construir o seu diferencial,
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nessa disputa pelo interesse dos turistas: “sem a vista para o mar e para a Mata
Atlântica, algumas comunidades têm de estabelecer formas de valorizar outros atrativos,
como o cultural e o social”.
Ainda é cedo para avaliar a extensão do potencial de geração de oportunidades de
trabalho e renda vinculada à atividade turística na favela. Alguns consideram que, em
termos quantitativos, o saldo dessa atividade não seria tão expressivo – embora
acreditem que, com a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, nos próximos anos,
haverá um crescimento extremamente significativo do número de visitantes na
comunidade. Porém, há uma dimensão simbólica a ser reconhecida e valorizada neste
quadro de inserção da favela – não apenas da Rocinha – no rol das alternativas de
hospedagem e visitação de turistas na cidade do Rio de Janeiro: foi dado mais um passo
na integração da favela à cidade.
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117
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