1 ÍNDICE Apresentação ....................................................................................................3 O Estado Moderno ..........................................................................................4 A reforma administrativa e seus reflexos na Administração Tributária .....................................................4 A importância estratégica da Administração Tributária para o fortalecimento do Estado democrático .......................................................6 O novo tratamento à Administração Tributária, inserido pela Emenda 42/2003 .................................................10 Organização do Fisco nos estados ...........................................................14 Organização da Carreira do Fisco na Bahia ...............................................17 A Nova Lei do Grupo Fisco (Lei 8.210/02) e a necessidade de reformulação ...............................................................19 Retrato atual da fiscalização na Bahia .........................................................20 A proposta do Sindsefaz ...............................................................................21 As reestruturações de carreiras da Administração Tributária e as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal .....................................................22 Carreira Única é boa para os Fazendários, melhor para a Bahia .......................................................................................25 Cartilha sobre Carreira do Fisco, publicada pelo Sindsefaz, elaborada sob a responsabilidade da Diretoria: Rubens Deusdedith, Walmir Cruz, Joaquim Amaral, Fátima Mota, Jorge Claudemiro, Ney Flávio, Carlos Meireles, Otávio Laborda e Ricardo Ferraz - Colaboração: Eliel Barbosa - Foto capa: Seminário dia 19/04/2007 (Centro de Convenções da Bahia) 1000 participantes - Jornalista Responsável: Moacy Neves (MTb 1736 DRT-BA) - Editoração e Projeto Gráfico: M2Midia (3245-0005) - Charges: Borega - Arte final: Marco Ribeiro - Tiragem: 3.500 exemplares - Impressão: Costagraf - Edição fechada em 07/12/2007. 2 Apresentação Os servidores da Sefaz participam nesse momento de um importante debate, que pode ter conseqüências decisivas em seu futuro. A formação do Grupo de Trabalho, para debater as mudanças na Carreira do Fisco na Secretaria da Fazenda da Bahia, foi uma grande conquista da categoria e pode desembocar na realização de um sonho do segmento: a instituição de uma nova carreira, que atenda aos anseios de uma moderna Administração Tributária e que traga reconhecimento ao trabalho desempenhado por todos os fazendários. O tema é polêmico. Por isso mesmo, os governos que se passaram sempre tangenciaram o assunto, e quando se promoveu uma mudança na Carreira, em 2002, fez-se sem democratizar o debate com os principais interessados: os fazendários. Agora, que o governo democrático abriu o debate, é hora de aproveitar e fazer uma discussão profícua, honesta e acima de tudo democrática. O Sindsefaz tem uma proposta, já entregue ao governo desde junho passado e que foi apresentada no GT da Carreira. O anteprojeto foi elaborado após a observação da realidade dos demais estados da Federação, da realidade do Fisco em nosso Estado – cujas atribuições de Auditores e Agentes de Tributos se interpenetram em alguns setores e fogem ao rigor da lei atual – e das considerações da consultoria da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro. A presente cartilha visa apresentar este trabalho, que é resultado de esforço coletivo da diretoria do nosso Sindicato e da nossa categoria, que construiu um debate rico e produtivo ao longo de seis encontros nos meses de março e abril de 2007, além de um grande seminário estadual, em 19 de abril. Neste evento, com a presença de mais de 1.000 pessoas, tivemos a participação dos renomados juristas Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Mizabel Derzi e Almiro do Couto e Silva. 3 O Estado Moderno Estado é uma forma particular, específica de se organizar o poder político. Ou, dito de outro modo, Estado é a sociedade que está política e juridicamente organizada. Representa, pois, a organização racional do princípio da autoridade e existe para garantir que o contrato funcione da melhor maneira possível. Ao abordar este tema, esta cartilha, que pretende analisar a carreira do funcionário público da Administração Tributária e apresentar uma proposta para sua organização na Sefaz-Bahia, não poderia deixar de analisar princípios básicos que legitimam a existência de um quadro fiscal, com características e organização diferenciadas de outros segmentos do funcionalismo público. E para isso, é preciso buscar na própria concepção de Estado, as razões que explicam e legitimam a distinção da carreira em questão. Ao longo dos últimos cinco séculos, diversas teorias procuraram, sob diferentes pressupostos e pontos de vista, explicar o Estado. Porém, independente do ângulo sob o qual analisemos, a Administração Tributária estará sempre como conseqüência do instrumento eleito pela sociedade para reger suas relações. Maquiavel, Hobbes, Locke, Rosseau, Hegel, Marx, Waber e tantos outros, apesar da matiz diferenciada na visão, todos, compreenderam a força do Estado. Max Weber (1864-1920), há 110 anos, declarava que o Estado Moderno caracteriza-se, entre outros aspectos, por meio da introdução de um central e contínuo sistema tributário, um central comando militar, pelo monopólio do uso da violência e por uma administração burocrática. “O verdadeiro domínio encontra-se no Estado Moderno, o qual não se realiza no discurso parlamentar, nem nas Enunciações do Monarca, senão na aplicação diária da Administração, necessária e inevitavelmente nas mãos do funcionalismo (Beamtentums), seja militar ou civil”, dizia. O entendimento da visão do Estado, com suas estruturas organizadas, aperfeiçoadas ao longo do tempo - inclusive segundo os interesses conflitantes na sociedade -, é fundamental para debater a Administração Tributária e a instituição da carreira do Fisco como carreira diferenciada. A reforma administrativa e seus reflexos na Administração Tributária Inspirada no modelo de administração de empresas privadas, com referencial teórico nas obras “Reinventando o Governo” e “Como o Espírito Empreendedor Está Transformando o Setor Público”, de David Osborne e Ted Graebler, entre outros, a reforma administrativa aplicada pelos governos de Fernando Henrique Cardoso visou a implantação de uma “administração pública gerencial”, com o objetivo explícito 4 de atender de forma democrática e eficiente as demandas da sociedade (Luis Carlos Bresser Pereira, 1998). Em tese, a “administração pública gerencial” se contrapõe ao modelo da “administração patrimonialista”, típica das monarquias absolutistas e dos regimes democráticos imperfeitos, que confunde o patrimônio do governante com o patrimônio público – o patrimonialismo, mesmo condenado, ainda subsiste nos atuais regimes, sob a forma de nepotismo, fisiologismo e clientelismo. Opõe-se também à “administração pública burocrática”, apregoada por Max Weber, que se baseia no serviço civil profissional, na dominação racional-legal e no universalismo de procedimentos, expresso em normas rígidas de procedimento administrativo – a burocracia weberiana teve início de adoção no Brasil nos anos 30 do século XX, mas não teve suficiente implantação no País. público, mais capaz de atender às demandas dos cidadãos a custo compatível com as restrições econômicas impostas pelo dramático aumento da competição internacional envolvido no processo de globalização (PEREIRA, 1998, p. 20). Então, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o governo procurou definir as instituições e estabelecer as diretrizes para a implantação da “administração pública gerencial”. Para tanto, distinguiu o aparelho de Estado em quatro setores: 1) Núcleo estratégico – responsável pela formulação de políticas públicas; 2) Atividades exclusivas – responsável pelo exercício de atividades essenciais ao Estado; 3) Atividades não exclusivas – responsável por atividades de relevante interesse público ou serviço público não-estatal; 4) Produção de bens e serviços para o mercado – responsável por atividades econômicas vinculadas ao aparelho de Estado. Mesmo reconhecendo que a administração burocrática não tenha sido plenamente implantada no Brasil e ainda persistirem fortes traços da administração patrimonialista, a aprovação da reforma administrativa, segundo o próprio ministro, à época, Bresser Pereira, partiu da seguinte convicção: [...] a Reforma Gerencial da administração pública é essencial, a curto prazo, para reduzir os custos do Estado e completar o ajuste fiscal, e, a médio prazo, para tornar o Estado mais eficiente, mais efetivo, melhor capacitado para defender o patrimônio A Reforma Gerencial, segundo os próprios formuladores no Brasil, não deve ser confundida com a aprovada Emenda Constitucional n.º 19/97, pois existiriam mudanças institucionais que seriam infra-constitucionais. No entanto, a partir dessa Emenda, com a quebra da estabilidade no serviço público e com o fim do Regime Jurídico Único, além do espaço para a descentralização e a desconcentração da autoridade, abriram as possibilidades da implantação de sistemas de incentivos e punições. Mesmo que, em tese, não haja dúvidas quanto à inclusão das administrações tributárias entre 5 as atividades exclusivas de Estado, em razão da grande resistência à perda da estabilidade dos servidores das demais áreas do serviço público, durante a tramitação da reforma administrativa no Congresso Nacional, a definição das carreiras típicas passou a ser objeto do Projeto de Lei n.º 248/99 que não chegou à fase de votação e aprovação. Contudo, efetivamente, houve um movimento de fortalecimento da capacidade burocrática e de modernização tecnológica das administrações tributárias, especialmente com o impulso do Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros (PNAFE), financiado, evidentemente, pelo BID e gerenciado pelo Governo Federal, com o objetivo de auxiliar os governos estaduais, especialmente na área financeira. Segundo a pesquisa do Programa Nacional de Apoio à Gestão Pública (PNAGE), 84% dos Estados participaram do PNAFE, sendo que 65% responderam positivamente ao programa. Em toda a parte do Brasil e do mundo, nas atividades desenvolvidas pela administração tributária houve uma crescente preocupação com o reforço da legalidade em consonância com a legitimidade, por meio de uma renovação sistemática do consentimento ao tributo e com o estímulo ao cumprimento voluntário das obrigações fiscais. A importância estratégica da Administração Tributária para o fortalecimento do Estado democrático Desde muito as atividades que gravitam em torno da gestão e da fiscalização tributárias gozam de status jurídico proeminente. Em Roma, tanto a República como a Principado, conheceram a preocupação vital para o resguardo do poderio e do vigor romano, de dotar o império de um aparato burocrático e administrativo-financeiro ao mesmo tempo eficiente e estável. Theodor Mommsen diz que a relevância das funções desempenhadas, já no início da República romana, pelos quaestores, era tal que “o Cônsul – a mais alta magistratura de então – era obrigado a se fazer assistir pelo questor toda vez que retirasse dinheiro do tesouro, provavelmente sob o procedimento de que o questor remetia os recursos financeiros solicitados pelo cônsul e registrava em seus livros a soma desembolsada”. Diz ele, que os questores ocupavam o ápice da 6 estrutura administrativa romana, ficando abaixo apenas das magistraturas. Já no Principado romano, a partir de Augusto, surge o Praefectus Aerarii, pessoa de destaque, que eram escolhidos diretamente pelo príncipe para representá-lo na gestão do aerarium, bem como na do fiscus, podendo receber recompensas especiais em caso de boa administração. A independência desses funcionários responsáveis pela condução dos negócios públicos pode ser entendida pela circunstância de que mesmo durante a mais turbulenta luta pelo poder, o aparato administrativo continuou a desenvolver com notável regularidade as suas funções. Em Portugal, na hierarquia da Administração do Rei D. Afonso V, logo abaixo do AlferesMor, o cargo mais elevado – encontrava-se o Mordomo–Mor (também conhecido como 7 Senex e Calculus), responsável pelo controle das receitas e das despesas da Casa Real. Ao longo do processo histórico, se evidencia diversos exemplos da importância da administração tributária à consolidação do Estado democrático. Embora seja pacífico o entendimento de que a história do Direito Tributário esteja diretamente relacionada com a história da formação do Estado, nem sempre se enfatiza a atuação da administração tributária na evolução política, econômica e social dos povos. Entretanto, é possível medir o estágio democrático do Estado pelo grau de consentimento do cidadão ao pagamento do tributo, ou pelo voluntário cumprimento da obrigação tri- butária necessária ao financiamento das políticas públicas. Os juristas Sacha Coêlho e Mizabel Derzi, no trabalho “Por uma administração tributária forte e sistema tributário justo: a importância da administração tributária no Estado Democrático de Direito - análise da emenda Constitucional n.º 42/03”, elaborado para o Sindifisco (MG), ensinam que a resistência milenar à cobrança de tributos está na raiz do exercício do poder e de sua legitimidade. Classicamente, esta intolerância se transfere à administração tributária e aos seus servidores que personificam a força executória dos créditos tributários na visão dos cidadãos. Paula Botelho, no livro “Sonegação fiscal e identidade constitucional” (2005, p. 26) lembra que o coletor de impostos sempre foi comparado às figuras mais nocivas da sociedade. Na Bíblia, diversas passagens mencionam o repúdio popular à figura do cobrador de impostos, assemelhada a dos adúlteros, pecadores, ladrões e prostitutas. Como está escrito no Evangelho de São Mateus, versículos 9 a 13: 9. Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria e disse-lhe: ‘Segue-me’. Ele se levantou e o seguiu. 10. E sucedeu que, estando ele reclinado à mesa na casa, eis que muitos cobradores de impostos e pecadores vieram e reclinaram-se com Jesus e seus discípulos. 11. Vendo isso, os fariseus perguntaram aos discípulos dele: ‘Por que come o vosso mestre com os cobradores de impostos e pecadores?’ 12. Mas Jesus, ouvindo isso, disse: ‘Os sãos não precisam de médicos, e, sim, os doentes. 13. Ide, porém, e aprendei o que significa: misericórdia quero, e não sacrifício; pois não vim chamar os justos, e, sim, pecadores’. A história está repleta de manifestações coletivas violentas, aparentemente desencadeadas pela cobrança do imposto, mas claramente transformadas em formas de contestação de legitimidade do poder. É o caso da revolta dos maillotins, sob o reinado de Charles V, dos croquants no fim do séc. XV, dos va-nu-pieds na Normandia em 1639, dos bonnets rouges 8 na Bretanha em 1675. Entre as mais conhecidas estão a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos e, no Brasil, a Inconfidência Mineira. Entretanto, com o passar do tempo, estes conflitos foram assumindo formas menos radicais e sangrentas, sendo gradativamente substituídos por movimentos políticos autônomos (BOTELHO, 2005, p. 17). A ffor or mação do Dir eit o Público é lent a e ormação Direit eito lenta nasce com um car át er ffor or e carát áter orttement emente aut or it or mação ár io, como rref ef le autor orit itár ário, efle lexxo da ffor ormação do Estado absolutista. Por um longo período, a utilização pelo Estado de institutos do direito privado não se mostrou incompatível, porque no patrimonialismo a coisa pública não se separava nitidamente das coisas privadas do soberano. Eram comuns, na Europa central, até os séculos XIII e XIV, pelo menos no Antigo Regime dos franceses, os contratos de affermage, por meio dos quais “a administração concede a um particular [...] o direito de receber tributos, ficando a seu encargo entregar-lhe uma soma arbitrada”. O coletor de impostos recolhia uma quantia fixa que deveria entregar ao Tesouro, apropriando-se da diferença. Logo abusos surpreendentes se fizeram sentir em toda parte, relativamente à exatidão, à imparcialidade, à isonomia e à repartição dos tributos. Como reação, surgiram na França os rôles d’imposition: ato administrativo que fixa a base do imposto e seu montante líquido, configurando tanto um título de receita como um título executório. A utilização desse documento somente se generalizou depois da Revolução de 1789 (COÊLHO; DERZI, 2007). Montesquieu diz que “pode-se cobrar tributos na proporção da liberdade dos sujeitos; é forçoso moderá-los à medida que aumenta a servidão. Há entre os estados moderados uma compensação pelo peso dos tributos; é a liberdade. Há nos estados despóticos um equivalente para a liberdade; é a modicidade dos tributos” Após a Revolução Francesa, o Estado liberal engendra uma doutrina do Direito que tem como núcleo o ato administrativo unilateral, agressivo e auto-executório. Daí a soberania se desloca do soberano para o Estado, no estágio mais primitivo da exploração capitalista. Nesse período, em matéria tributária a soberania do Estado, unilateralmente, impõe sujeição do contribuinte. Com o advento do Estado do bem-estar-social, sobretudo em meados do século passado, a Administração Pública atua de maneira menos opressiva e o sistema tributário tornase mais complexo e corporativo. Ou seja, de um lado, surgem fortes mecanismos igualitários inerentes à democracia, e de outro, a atuação do Estado é fragilizada pelos interesses de grupos que se beneficiam de regimes especiais pretensamente inclusivos. Richard Abel Musgrave e Paggy Musgrave, em “Finanças Públicas: Teoria e Prática” (1980) explicam que a intervenção estatal na economia é exercida por meio da função alocativa que visa assegurar o ajustamento na alocação de recursos no mercado; a função distributiva que visa assegurar o ajustamento na distribuição de renda e riqueza; e na função estabilizadora que visa assegurar a estabilização econômica. Logo, o Estado no exercício da competência tributária passou a não se limitar à instituição de tributos com a finalidade precípua de obter recursos para o funcionamento da máquina estatal. Mas, a admitir uma série de isenções, incentivos, benefícios fiscais ou financeirofiscais, sob o argumento da busca da satisfação dos objetivos da justa distribuição de renda e do combate às desigualdades sociais. O poder de tributar passou a compreender não apenas a competência impositiva, mas também a competência exonerativa. Norberto Bobbio, em “As Ideologias e o Poder da Crise” (1998, p. 208) defende que a democracia é idealmente o governo do poder visível, ou do governo cujos atos se desenvolvem em público, sob o controle da opinião pública. Nesse sentido, há todo um entendimento de que deve ser montada uma estratégia voltada à transformação da relação entre a administração tributária e o cidadãocontribuinte, na perspectiva de reforçar o consentimento ao tributo. 9 O novo tratamento à Administração Tributária, inserido pela Emenda 42/2003 Procura-se por toda a parte reforçar a legalidade como legitimidade por intermédio de uma renovação do consentimento ao tributo que não se restringe mais à representação parlamentar, isto é, reconhece-se um verdadeiro direito de participação do cidadão, em lugar de apenas unilateralidade, supremacia ou domínio do Estado. administração tributária, Kaldor acrescenta: “Só será possível encontrar pessoas capazes e íntegras para assumir essas funções, se for suficientemente reconhecida à importância das tarefas que elas estão sendo chamadas a executar, e isso deve ser plenamente refletido no seu status, salários, perspectivas de promoção etc”. Mas, a efetividade dos direitos e as garantias do contribuinte, além do aparato físico e material da administração tributária, dependem do preparo especializado de seu pessoal, da sua organização, autonomia e independência. Portanto, há anos estes especialistas, entre outros, vêm defendendo que o aumento de receita em termos reais ou como proporção do PIB não requer necessariamente uma ampliação da carga tributária, através da criação de novos tributos, aumento da base de cálculo ou aumento de alíquota dos tributos existentes. O crescimento da arrecadação pode resultar da cobrança mais rigorosa dos impostos e contribuições existentes ou do aperfeiçoamento da legislação para suprimir falhas que facilitam a evasão. Acrescentam que, em determinadas circunstâncias, é possível combinar o aumento da receita com a diminuição da carga legal, para determinados contribuintes. Contudo, na prática, esse resultado só pode ser alcançado quando se confere importância estratégica ao fortaleci-mento da administração tributária e ao combate à sonegação. Na obra “A economia como ela é”, no capítulo que trata sobre o tema “Fiscalização Tributária no Brasil: Uma Perspectiva Macroeconômica”, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior (2002, p. 187) introduz a questão da seguinte maneira: Há um aspecto paradoxal nas avaliações sobre a questão tributária no Brasil. De um lado, a pressão tributária do Estado é vista como crescente e exagerada, refletindo a sua incapacidade de controlar despesas. De outro, há uma convicção generalizada de que a evasão campeia no País, o que é atribuído, em grande parte, às deficiências e limitações da administração tributária, em especial do sistema de fiscalização. Para enfatizar a necessidade de fortale-cimento da administração tributária, Batista Júnior cita as contribuições do macroeconomista Nicholas Kaldor, em especial à economia política do combate à evasão. Em ensaio sobre o papel da tributação no desenvolvimento econô-mico, Kaldor destaca: “Nunca é demais insistir que a eficácia do sistema tributário não é apenas uma questão de legislação tributária apropriada, mas de eficiência e integridade da administração tributária”. Sobre o tratamento aos quadros da 10 Com base nesses argumentos, no decorrer da tramitação da primeira fase da reforma tributária do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no Congresso Nacional, houve grandes mobilizações de confederações, federações e sindicatos de ser vidores públicos pela definição das atividades essenciais ao funcionamento do Estado. Parte dessa luta foi contemplada pela Emenda Constitucional n.º 42/2003, que incluiu o inciso XXII, do artigo 37, e alterou o inciso IV, do artigo 167, da Constituição Federal: XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastro e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.” IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manu-tenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividade da administração tributária, como determinado, respectiva-mente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como o disposto no § 4.º deste artigo. Mesmo sendo avaliado como um grande avanço entre as entidades representativas dos servidores fiscais de todos os entes federados do País, houve um considerável esforço na busca da interpretação desses dispositivos. Em resumo, a chamada Emenda 42 apresenta alguns aspectos fundamentais: destaca a determinação do exercício da Administração Tributária a pessoas jurídicas de direito público, com servidor público estável e de carreira, portanto seguro, o que lhe permite devido profissionalismo, já que livre da intranqüilidade. E estabelece à Administração Tributária o status de carreira essencial de estado, para normatizar o acima elaborado, assegurando, nas três esferas (Federal, Estadual e Municipal), a destinação orçamentária de recursos prioritários para a realização de suas atividades. Sacha Coêlho e Mizabel Derzi (2007) sustentam que o prestígio alcançado pela administração tributária após a inclusão desse dispositivo constitucional não decorre da concessão de privilégios corporativos a uma classe de servidores, nem tampouco de um doentio fiscalismo ultrapassado. Mas, nos Estados democráticos os serviços da administração tributária somente devem atuar com organização própria, carreira com cargos específicos e hierarquizados, alta profissionalização da competência, de tal modo que possam ser identificados e reconhecidos quer no seio do Poder Executivo, quer em relação aos demais Poderes. Entretanto, dentre as inovações, há um ponto cuja interpretação tem causado grandes divergências entre os servidores das administrações tributárias dos entes federados: Qual a definição de carreira específica da administração tributária, de que trata o inciso XXII, do art. 37, da CF? O tema não é pacífico, porque no Brasil não há uma organização uniforme das carreiras das administrações tributárias, nas três esferas de governo. Ou seja, atualmente, em algumas 11 unidades da federação, as atividades específicas das administrações tributárias são exercidas por servidores de uma única carreira, mas, em outras, as atividades são exercidas por duas ou mais carreiras. Portanto, as interpretações do conteúdo das normas são convergentes, naquelas administrações tributárias que, durante o processo histórico, principalmente após a EC n.º 19/97, 12 já haviam se organizado em carreira única, mesmo enfrentando as demandas judiciais, como as ações diretas de inconstitucionalidades, decididas pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, naquelas administrações tributárias cujos servidores ainda estão organizados em várias carreiras, mesmo que atuem na área de tributação, arrecadação e fiscalização, as interpretações são divergentes e os conflitos são radicais. Dra. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007), professora da USP, em Parecer elaborado a pedido do Sindsefaz, ao se manifestar sobre a inclusão do inciso XXII, do artigo 37, da Constituição Federal, fez o seguinte comentário: A referência a carreiras específicas, no plural, justifica-se porque o dispositivo faz referência às administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Não significa que deverá existir, em cada esfera de governo, mais de uma carreira específica. Pelo contrário, como o objetivo do preceito é o de atuação de forma integrada, com compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, não há dúvida de que a unificação de carreiras em cada esfera de governo contribuirá para esse objetivo. Embora esse entendimento deva prevalecer, nas discussões internas das administrações tributárias que ainda não unificaram a carreira, sobretudo após a EC 19/97, dentro de uma interpretação jurídica mais dogmática e pensamento político mais conservador e elitista, há servidores que defendem que somente aqueles que, de acordo com a lei que institui a carreira, tenham a prerrogativa de constituir o crédito tributário devem ter as atividades reconhecidas como exclusivas de Estado. Entretanto, dentro de uma interpretação jurídica mais histórico-cultural e de um pensamento político mais classista, há servidores que defendem que as atividades específicas das administrações tributárias exercidas por servidores de diversas carreiras, devem ter as carreiras unificadas, ou todas as carreiras devem ser reconhecidas como essenciais ao funcionamento do Estado. 13 Organização do Fisco nos estados 1ª Situação 2ª Situação 3ª Situação 4ª Situação 5ª Situação 14 15 Comentários 1. Nas unidades em que a fiscalização de tributos estaduais é exercida por cargos organizados em carreira única, todos os cargos têm competência para efetuar o lançamento do crédito tributário, mas são diferenciados pelos níveis crescentes de remuneração ou pelos níveis crescentes de remuneração e de complexidade de tarefas. 2. No Estado do Acre, o Grupo Tributação e Fisco da Secretaria de Estado da Fazenda e Gestão Pública está organizado em carreira única, com dois cargos: o Fiscal da Receita Estadual – FRE e o Fiscal da Receita Estadual II – FRE II. O cargo de FRE tem competência plena e o cargo de FRE II – em extinção - tem competência restrita ao desempenho de atividades de média complexidade (art. 9, § 1.º , da Lei n.º 1.702/2006). 3. No Estado do Amapá, o Grupo Tributação, Arrecadação e Fiscalização da Secretaria da Receita Estadual está organizado em carreira única, com dois cargos: o Auditor da Receita Estadual, que tem competência plena, e o Fiscal da Receita Estadual, que tem competência restrita ao desempenho de atividades em empresas de pequeno porte, microempresas e trânsito de mercadorias (art. 6.º da Lei n.º 982/2006). 4. No Estado do Ceará, a Carreira de Auditoria Fiscal e Gestão Tributária da Secretaria da Fazenda é integrada por dois cargos: o Auditor Fiscal da Receita Estadual e o Auditor Adjunto da Receita Estadual, ambos com competências definidas de acordo com os critérios de evolução na carreira. Entretanto, o cargo de Auditor Adjunto da Receita Estadual, que tem competência restrita ao desempenho de atividades em empresas de pequeno porte, microempresas e trânsito de mercadorias, quando é promovido a classe IV, passa a exercer atribuições e competências do Auditor Fiscal da Receita Estadual, classe IV (Anexo IV, da Lei n.º 13.778/2006). 5. No Estado do Mato Grosso, a Lei Complementar n. 98/2001, que dispõe sobre o Plano de Cargos e Carreiras do Grupo Ocupacional TAF – Tributação, Arrecadação e Fiscalização, da Secretaria de Estado de Fazenda, foi objeto da ADI n.º 8.408/02, julgada improcedente pelo TJ/MT. Mas, o recurso recebido com efeito suspensivo, que tramita no STF (ADI n.º 3.199/04), impede a aplicação da lei. 6. No Estado do Maranhão, o Grupo Ocupacional Tributação, Arrecadação e Fiscalização da Secretaria da Fazenda é composto pela Carreira de Auditoria Fiscal e Tributação, integrada pelo cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual, e pela Carreira de Arrecadação e Fiscalização, integrada pelo cargo de Técnico da Receita Estadual. De acordo com a Lei n.º 7.583/00 (Anexo VI), ambos têm competência para constituir o crédito tributário. Mas, segundo o art. 177, da Lei n.º 7.779/02 (Código Tributário Estadual): Poderá lavrar Auto de Infração, a critério e sob as condições estabelecidas pelo titular do órgão da Receita Estadual, observado o interesse da atividade de fiscalização de mercadorias em trânsito neste Estado, o Técnico da Receita Estadual, no âmbito de suas atribuições. 7. No Estado do Mato Grosso do Sul, a Lei n.º 2.144/00, que dispõe sobre as atribuições dos cargos de Fiscal de Rendas e de Agente Tributário Estadual, foi objeto da ADI n.º, julgada improcedente pelo TJ/MS. O Recurso Especial n.º 902.893 está em tramitação no STJ. Mas, como o recurso não foi recebido com efeito suspensivo, a lei está em pleno vigor. 8. No Estado do Piauí, segundo o art. 41, da Lei n. 62/2005, que dispõe sobre o Grupo TAF – Tributação, Arrecadação e Fiscalização, o Auditor Fiscal Auxiliar da Fazenda Estadual tem competência para exercer a fiscalização em microempresas e no trânsito de mercadorias, mas não tem a atribuição de lançamento do crédito tributário. 9. No Estado do Rondônia, o art. 30, VI, da Lei n.º 1.052/2002, que dispõe sobre a Carreira de Tributação, Arrecadação e Fiscalização, entre as atribuições dos Técnicos Tributários, inclui: “auxiliar o Auditor Fiscal de Tributos Estaduais nos serviços em Agências de Rendas, Plantões Fiscais, Postos Fiscais e Fiscalização Volante”. Situação semelhante ocorre no Estado do Rio Grande do Sul (Anexo à Lei n.º 7.087/1977, Art. 11, da Lei n.º8.533/1988, Art. 15, § 2.º, da Lei n.º 10.933/1997). 16 Organização da Carreira do Fisco na Bahia A evolução histórica dos cargos e das carreiras na Secretaria da Fazenda foi muito dinâmica. Antes de 1966 o Grupo Fisco praticamente tinha cargos determinados para funções específicas, tanto na arrecadação como na tributação ou fiscalização de tributos estaduais. Então, existiam, os exatores, coletores, escrivãs de coletoria, guardas fiscais, revisores fiscais, peritos examinadores, auxiliares de coletoria A e B, além dos Fiscais de Rendas. Em 04 de abril de 1966, sob a Lei nº 2.319, o governo do Estado da Bahia instituiu as séries de classes de Agentes Fiscais e Agentes Fiscais Auxiliares e criou 20 cargos de classe singular de Auditor Fiscal. Governo disciplina estrutura da Sefaz, acesso e concede Gratificações de Incentivo O governo disciplinou a estrutura da Sefaz com a composição de Auditores Fiscais, Agentes Fiscais e Agentes Auxiliares, Fiscais de Rendas e os Guardas Fiscais, concedendo a todos gratificação especial de incentivo dentro do limite da estrutura dos seus respectivos cargos. Em 1971, com a aprovação da pela Lei 2.932 a gratificação de incentivo passou a ser chamada de gratificação de produção (GP). Destaca-se que a GP para efeito de cálculo de proventos de aposentadoria ou disponibilidade não era computada. Em janeiro de 1975, a Lei 3.368 dispôs sobre as linhas de acesso dos cargos no Grupo Fisco. Então, como exemplo, os Agentes Fiscais teriam acesso às classes de Fiscal de Rendas e esses ao cargo de Auditor Fiscal. Gratificação passou a ser incorporada aos proventos de aposentadoria Em julho de 1975, pela Lei 3.397, a gratificação de produção (GP) foi incorporada aos proventos da aposentadoria proporcionalmente ao tempo em que vinha sendo recebida pelo funcionário a ser aposentado. Portanto, apenas quatro anos depois de criada a GP o governo reconheceu a necessidade de se incorporar uma gratificação ao vencimento do trabalhador. Posteriormente, em 1980 (Lei 3.807) a GP incorporou-se aos proventos da aposentadoria integralmente se percebido durante 5 anos ininterruptos ou 10 anos intercalados ou parcial na base de 10% por ano de percepção. 17 Lei torna carreira de auditor de nível superior e atribui competências ao Cargo Foi a partir de 1978 que a Lei 3.640 determinou que o cargo de Auditor Fiscal, criado em 1966, passasse a ser provido mediante concurso público de provas e títulos e exigida a formação de nível superior em Administração, Economia, Direito e Contábeis. A Lei determinou ainda a competência do Auditor Fiscal para exercer as atividades que envolvessem planejamento, inspeção, orientação, controle, coordenação e execução qualificada de trabalhos da Administração Tributária. Esta mesma Lei fez acrescer o quadro de pessoal da Sefaz com diversos cargos de provimento efetivo, de carreira e isolados daqueles provimentos em comissão. A formação dos Grupos Ocupacionais A partir de maio de 1985, sancionada a Lei 4.455, o governo reestruturou a Sefaz com os Grupos Ocupacionais Fisco, Finanças e Administração. O Fisco ficou constituído de Auditores Fiscais e o cargo de Agentes de Tributos Estaduais e os Grupos Ocupacionais Finanças e Administração constituídos por Analistas Financeiros e Administrativos. Os antigos Fiscais de Rendas e os Adjuntos foram enquadrados como Auditores. Os Agentes Administrativos, Agentes Fiscais, Analistas Contábeis Auxiliares como Agentes de Tributos. Esta mesma Lei disciplinou o ingresso na classe inicial de Agente de Tributos por concurso público, exigida a formação no nível de 2º grau completo. De Auditores, Analistas Financeiro Administrativo, nível superior. Porém, tendo diferença na exigência da formação (curso de graduação) de nível superior para o Analista Administrativo. Esta Lei ainda assegurou ao ocupante da classe final da série de classes de Agente de Tributos Estaduais o acesso à classe inicial do Auditor Fiscal, mediante processo seletivo, com autorização do Governador. Todos os cargos do Fisco recebiam vencimento básico e a GP, sendo que foi estipulado o coeficiente de 0,081% para a fixação do valor unitário do ponto da GP a ser calculado o vencimento inicial para os Agentes de Tributos Estaduais. Fusão e Transposição dos Cargos de Analista Financeiro e Analista Administrativo em Auditores Fiscais Com o advento da Lei 4.794 de 1988, os cargos Analista Financeiro e Analista Administrativo foram fundidos em Analista Financeiro. Porém, foi após promulgação da nova Constituição Federal, precisamente em 31 de agosto 1989 que a Lei 5.265 sancionada pelo governador da Bahia determinou que por transposição o 18 enquadramento dos ocupantes do cargo de Analista Financeiro em Auditores Fiscais. Quanto a GP, esta passou a ser assim definida: Agente de Tributos Estaduais passou a receber 69% da gratificação percebida pelo Auditor Fiscal. A Nova Lei do Grupo Fisco (Lei 8.210/02) e a necessidade de reformulação Desde que foi criada a carreira de Agente de Tributos, em 1985, como cargo de nível médio, e mesmo com as reformas das Leis de 1988 e 1989, o Agente tinha as seguintes atribuições: arrecadar receitas estaduais, realizar tarefas de apoio à fiscalização e executar serviços administrativos de apoio à arrecadação. A principal atribuição dos Agentes de Tributos era a de arrecadar receitas. A outra era genérica e com característica auxiliar de subsidiar ou apenas apoiar a fiscalização. Porém na Lei nº. 8210 de 2002 o governo reconheceu a necessidade de adequar as atribuições dos Agentes de Tributos às necessidades do Estado. Manteve, portanto a tarefa de arrecadação e ampliou significativamente as suas atribuições, todas que anteriormente eram exclusivas do Auditor Fiscal. Podemos citar os procedimentos de fiscalização no Trânsito, ao invés de atividades de subsídio à fiscalização; fiscalização por monitoramento de contribuintes de (micro, pequenas e médias empresas); fiscalização de comércio exterior, vistorias e diligências fiscais; fiscalização em substituição e antecipação tributária; pareceres e consultas na Diretoria de Tributação, programação da fiscalização, gestão de sistemas na Diretoria de Planejamento, Pareceres, gestão de sistemas e saneamento para Inscrição em Dívida Ativa na Diretoria de Arrecadação. Essa lei também foi muito importante ao determinar o nível de escolaridade para ingresso na carreira de Agente de Tributos Estaduais tornando a exigência de nível superior. O elenco de atividades desenvolvidas pelo Agente de Tributos na nova Lei foi sem dúvida o mais próximo da realidade na Sefaz, contudo ainda há um espaço considerável entre o que a Lei afirma e o que efetivamente o Agente de Tributos realiza. Isto porque, sobretudo no trânsito de mercadorias, nas microempresas e empresas de pequeno porte é o Agente de Tributos que inicia e conclui a ação fiscal. Cabe ao Agente todas as fases da constituição do crédito tributário e até a sua extinção, sempre sem a presença do Auditor Fiscal. Segundo o Código Tributário Nacional, artigo 142, compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Então, a Lei 8210/02 embora contenha muitos avanços, carece de reformulação, sobretudo quanto às atribuições dos cargos e à incorporação de gratificações para efeito de aposentadoria. 19 Retrato atual da fiscalização na Bahia AUDITORES FISCAIS AGENTE TRIBUTOS ESTADUAIS 20 A proposta do Sindsefaz O Sindsefaz, depois de ouvir o conjunto da categoria e consultar-se junto aos maiores juristas do País – além de observar a realidade da carreira dos fiscos em outros estados do País -, elaborou uma proposta de carreira que fosse conseqüência de uma visão ampla e moderna da Administração Tributária, pensando no bem público e no servidor, incluindo os instrumentos mais adequados para que as atividades administrativas se desenvolvam a contento. A nossa proposta propõe a incorporação do PDF aos vencimentos, assegura paridade de remuneração entre ativos e aposentados e restabelece o subteto de Desembargador para Poder o Executivo (EC 41/2003 e 47/2005). Mas também, propõe mecanismos para se obter eficiência, eficácia e efetividade nas ações da SEFAZ, estruturar uma carreira com níveis de remuneração e complexidade de atribuições e racionalização da gestão dos recursos humanos, com aproveitamento, valorização e motivação do atual quadro de pessoal. Além disso, busca a definição de critérios de evolução na carreira, com base na formação acadêmica, experiência (antiguidade), conhecimento (capacitação) e reconhecimento profissional (avaliação), além de buscar a adequação da carreira da Bahia ao modelo de organização adotado nos fiscos estaduais de quase todo o País, em carreira única, conforme orientação da Fenafisco. 21 As reestruturações de carreiras da Administração Tributária e as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal A reestruturação de carreiras do serviço público está mais ligada à ciência da Administração, que procura o instrumento mais adequado para que as atividades administrativas se desenvolvam a contento, dentro de uma dinâmica de reformas estatais, sejam estas orientadas para o mercado ou voltadas para o Estado democrático de direito. Contudo, todas as vezes que a gestão pública se depara com este assunto, dúvidas são levantadas sobre a possibilidade jurídica de incluir na nova carreira, os integrantes das carreiras já existentes. Esta dúvida se justifica, pois o artigo 97, § 1º, da Constituição de 1967, só exigia concurso público para a primeira investidura, isto é, para o ingresso ou provimento originário. Portanto, uma vez nomeado através de concurso público não havia empecilho para o provimento do servidor em outros cargos, seja por seleção interna, por acesso, transposição e outras formas correlatas. 22 Entretanto, a partir da Constituição de 1988, com a norma do artigo 37, inciso II, o concurso público passou a ser exigido para qualquer tipo de investidura. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que, em face do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, “são inadmissíveis quaisquer outras formas de provimento do servidor público, independentemente de concurso público, em cargos diversos daquele do qual já seja titular a qualquer título, precedida ou não a nova investidura de processo interno de seleção ou habilitação” (RE-143807/SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 14.4.00, com citação de inúmeros precedentes). A única ressalva é feita com relação à promoção que pressupõe a integração dos cargos na mesma carreira. Ou seja, a promoção se constitui numa forma de o servidor evoluir dentro da carreira a que pertence, na medida em que passa para o cargo de maior grau de responsabilidade e maior complexidade de atribuições, atendidos os critérios da lei. De maneira distinta, na transposição o servidor passa para cargo de conteúdo ocupacional diverso, isto é, para cargo que não tem a mesma natureza do trabalho. Vale, no entanto, enfatizar que o Supremo Tribunal Federal também tem feito distinção entre as formas válidas de provimento e as formas adversas ao disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), n.º 1591-5/RS, interposta contra a Lei Complementar n.º 10.933, de 15.1.97, que criou o cargo de Agente Fiscal do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul, correspondente à consolidação das competências dos cargos de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais que foram extintos pela lei impugnada, o Supremo Tribunal Federal julgou-a improcedente, aprovando, por unanimidade, o voto do Ministro Octávio Gallotti, do qual será transcrito o seguinte trecho: Julgo que não se deva levar ao paroxismo o princípio do concurso para acesso aos cargos públicos, a ponto de que uma reestruturação convergente de carreiras similares venha a cobrar (em custos e descontinuidade) o preço da extinção de todos os antigos cargos, com a disponibilidade de cada um dos ocupantes seguida da abertura de processo seletivo ou, então, do aproveitamento dos disponíveis, hipótese esta última que redundaria, na prática, justamente na situação que a propositura da ação visa a conjurar. (julgamento pelo plenário em 19.8.98; acórdão publicado no DJU de 30.6.2000). A semelhança das atribuições entre as carreiras que se pretendia unificar, serviu tam- bém de base à decisão na ADIN n.º 1591-5/ RS, conforme o voto do Ministro Sepúlveda Pertence: Com a exatidão de sempre, o eminente Relator, Ministro Octávio Gallotti, caracterizou o caso como uma reestruturação, por confluência, de carreiras similares. Não tenho dúvida de que, na origem, eram elas inconfundíveis. Mas ocorreu – e não nos cabe indagar dos motivos disso – um processo de gradativa simbiose dessas carreiras que a lei questionada veio apenas racionalizar. Semelhante decisão foi adotada na ADI n.º 2335-7/SC, na qual funcionou como Relator, o Ministro Gilmar Mendes (RTJ 188/1005). Nessa ação foi argüida a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 189, de 17.1.2000, do Estado de Santa Catarina, que criou o cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual e extinguiu as carreiras e os cargos de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, com o aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos cargos criados pela lei impugnada. No julgamento desta ação, mesmo utilizando a ADI n.º 1.591/RS como precedente, o Ministro Relator, Gilmar Mendes, enfrentou a inexistência de identidade absoluta de atribuições entre as carreiras unificadas, conforme se observa em trecho do voto: No caso em exame, do memorial trazido pelo professor Almiro do Couto e Silva, colho que, em verdade, as carreiras que foram extintas pela lei impugnada, e substituídas pela carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual, vêm sofrendo um processo de aproximação e de interpene-tração. E está demonstrado que há correspondência e pertinência temática entre aquelas carreiras. Eventualmente surgem 23 distinções de grau; algum grupo está incumbido de fiscalizar microempresas, mas não há qualquer diferença que se possa substancializar. Na continuidade do julgamento, o voto da Ministra Ellen Gracie ressaltou o entendimento de que “a lei impugnada ligou, por um fio de racionalidade, como diz o Ministro Gilmar Mendes, quatro carreiras que tinham competências e atribuições, em parte, idênticas e, em parte, extremamente semelhantes, fundindo-se em uma única carreira: o que significa racionalização administrativa”. Cabe acentuar, ainda, que a própria Procuradoria Geral da República rejeitou a propositura de ADI, que impugnava a Lei n.º 1.609/2005, que unificou as carreiras do Fis- co do Estado de Tocantins (Representação MPF/PGR 1.00.000.010609/20005-54), conforme decisão do Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, em 24.10.2005: “Esse tipo de provimento derivado, aliás, encontra respaldo na própria Carta Magna, especificamente no § 3.º do seu art. 41, que permite o aproveitamento de servidores decorrente da extinção do cargo. Ante ao exposto, determino o arquivamento do expediente.” Dra. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007), em seu Parecer, elaborado a pedido do Sindicato dos Servidores da Fazenda do Estado da Bahia (Sindsefaz) sobre a reestruturação de carreira no serviço púbico, com aproveitamento de ocupantes de cargos extintos na nova carreira, ensina: Também não se pode esquecer que a reestruturação de carreiras, por forma semelhante, tem sido feita com muita freqüência no âmbito da Administração Pública de todos os níveis de Governo. No âmbito estadual, a unificação das carreiras do fisco já foi feita na maioria dos Estados. Na esfera federal, cite-se, a título de exemplo, a Lei n.º 8.628, de 19.2.98, concernente ao Ministério Público Federal, que reestruturou seus quadros funcionais, criou carreira nova e enquadrou na mesma os servidores que ocupavam os cargos que foram extintos pelas mesmas leis. O mesmo foi feito na Advocacia-Geral da União pela já referida Medida Provisória n.º 43, de 2002, convertida na Lei n.º 10.549, do mesmo ano. Nem poderia ser diferente, sob pena de ficar impedida, a Administração Pública, sem pesados ônus, de reestruturar cargos de acordo com as necessidades, sempre cambiantes, do serviço público. Desse modo, observa-se que a reestruturação de carreira da administração tributária encontra inúmeros precedentes no direito positivo, pode ser promovida 24 sem apresentar vício de incons titucionalidade e está amparada em entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Carreira Única é boa para os Fazendários, melhor para a Bahia Dados de 2004 apontavam que o Estado da Bahia tinha 121.185 estabelecimentos ativos de contribuintes do ICMS, dos quais 866 seriam de grande porte e 5.223 de médio porte. Alocados na fiscalização de tais contribuintes, estavam efetivamente, 506 Auditores Fiscais. Destes, 115 fiscalizaram no trânsito de mercadorias e 391 em estabelecimentos. Com esse contingente foi possível naquele ano: a) Homologar 11 mil exercícios, dentre os quais 2.332 de contribuintes de grande porte e 2.967, de médio porte, numa média de 28 exercícios por Auditor Fiscal; b) Reclamar 430 milhões de reais de imposto, numa média de 850 mil por Auditor Fiscal. A despeito da modernização e do aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão da fiscalização tributária, a SEFAZ ao longo dos anos não tem conseguido evitar a ocorrência da decadência qüinqüenal do lançamento do crédito tributário. Para comprovar esta constatação, basta verificar os exercícios de 1999 e 2000. No primeiro (1999), não houve homologação expressa em 121 esta- 25 belecimentos de grande porte e em 384 de médio porte. No segundo (2000), deixaram de ser fiscalizados 133 estabelecimentos de grande porte e 442 de médio porte. Tal situação tende a se agravar, pois cerca de 450 auditores fiscais já implementaram as condições para a aposentadoria, especialmente depois da promulgação da Emenda Constitucional nº 47/2005, que estabeleceu regras que permitem aos servidores, que começaram a trabalhar muito novos, se aposentarem com paridade e integralidade de vencimentos antes dos 60 anos de idade. A proposta do Sindsefaz de Carreira Única na Sefaz Bahia, atribuindo ao atual cargo de Agente de Tributos Estaduais novas prerrogativas e permitindo ao atual Auditor Fiscal focar a sua atuação em áreas estratégicas do Estado, ao lado de outras conseqüências positivas para o erário estadual, possibilita: a) O reforço da fiscalização de estabelecimento com um maior contingente dos atuais Auditores Fiscais; b) O acréscimo anual de algo em torno de 68 milhões de reais de crédito reclamado, considerando-se a média obtida por Auditor Fiscal em 2004; c) Um considerável acréscimo do crédito reclamado, sobretudo no trânsito de mercadorias, médias e empresas de pequeno porte em razão das novas atribuições dos atuais Agentes de Tributos Estaduais; d) O aprimoramento das atividades de fiscalização preventiva pelo aperfeiçoamento técnico dos atuais Agentes de Tributos Estaduais e Auditores Fiscais, através da Universidade Corporativa do Serviço Público; e) A inexistência de impacto financeiro relevante na folha de pessoal ; f) Mais precisão nas definições das atribuições dos cargos do Grupo Ocupacional Fisco, o que dará maior segurança jurídica aos ocupantes destes cargos e ao próprio Estado. Por fim, devemos acentuar que os titulares dos atuais cargos de Agente de Tributos Estaduais e Auditor Fiscal têm adquirido formação acadêmica, muitos já possuem cursos de pós-gra- 26 duação, inclusive mestrado e doutorado, têm demonstrado excelente qualificação técnica e contribuído para as constantes superações das metas de arrecadação estadual. 27 28