XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito
29 de outubro a 02 de novembro de 2012
Instituto de Artes / Universidade Estadual Paulista
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ARTE CONTEMPORÂNEA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS
NO ENSINO DA ARTE
Rejane Reckziegel Ledur
UFRGS/FACED
[email protected]
CV: http://lattes.cnpq.br/9918984740294482
RESUMO
A arte contemporânea apresenta-se como um campo de conhecimento da nossa cultura que
propicia investigações relativas à sua apreensão estética e produção de sentidos. Na área
pedagógica, no entanto, temos poucos parâmetros e teorias voltadas às novas linguagens
artístico-contemporâneas nas quais podemos nos apoiar para subsidiar a prática de ensino.
É neste contexto que se insere a presente pesquisa, que visa discutir os desafios da
educação atual, a partir do olhar e da experiência com a arte contemporânea no contexto
escolar.
Palavras-chave: arte contemporânea, ensino da arte, experiência estética
ABSTRACT
Contemporary art is a field of knowledge in our culture that contributes to the existence of
researches about its esthetic apprehension and meaning production. In relation to the
pedagogical field, however, we have a few frameworks and theories related to contemporary
and artistic languages that give us support to teaching practice. According to this context, the
following work of research aims to discuss the challenges from present-time education based
on contemporary art itself and the experience with it in the school environment.
Keywords: contemporary art, art education, aesthetic experience
A presente pesquisa foi se constituindo a partir das minhas indagações e
experiências como espectadora e professora de arte ao ser confrontada com as
propostas artísticas da atualidade que desconstroem as questões da estética
tradicional, manifestando-se através de diferentes meios, suportes e materiais.
As inquietações provocadas pelas mudanças na arte como linguagem
artística direcionaram o meu olhar investigativo para problematizar a produção de
sentidos dos alunos na interação com a arte contemporânea. O foco de atenção
voltou-se para as experiências estéticas dos alunos com a arte contemporânea
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oportunizada no contexto escolar através das saídas pedagógicas à Bienal do
MERCOSUL.
A Bienal do MERCOSUL é uma mostra de arte contemporânea que já
consolidou o Rio Grande do Sul como um pólo cultural do Cone Sul. A cada dois
anos o evento causa um impacto no meio artístico e cultural da cidade, provocando
discussões e, principalmente, promovendo o contato do público em geral com as
obras. Uma das características da mostra é priorizar o público escolar, investindo no
projeto educativo e pedagógico, através de seminários, encontros, visitas mediadas,
material educativo que mobilizam as escolas, os professores e alunos, criando uma
cultura de visita à Bienal que possibilita a experiência com a arte produzida na
atualidade.
A arte contemporânea é um campo de conhecimento e expressão da nossa
cultura em que as transformações da pós-modernidade deixaram marcas profundas.
As mudanças na arte contemporânea são significativas porque afetaram a forma em
si, em seu sentido estético, operando uma mudança na cultura e na experiência com
a arte. Desse modo, a arte contemporânea apresenta-se como um campo de
conhecimento a ser investigado no que diz respeito à apreensão estética e à
produção de sentidos, assim como um grande desafio na área pedagógica,
considerando que temos poucos parâmetros e teorias construídas em relação a
essas novas linguagens nas quais podemos nos apoiar para subsidiar a prática de
ensino.
1. Pós-modernidade e a arte
Para compreender as desconstruções na arte contemporânea é importante
analisar a condição histórica que as originou. Nas últimas décadas a sociedade vem
passando por transformações muito significativas que detectam mudanças na
cultura da sociedade capitalista. Muitos estudos procuram explicar as mudanças na
ordem cultural, social e econômica, partindo do pressuposto que estamos passando
por uma transformação de paradigma.
A atualidade das transformações impede a existência de uma perspectiva
histórica que legitime os aspectos sociais, culturais e tecnológicos que caracterizam
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a contemporaneidade. Muitos teóricos1 buscam compreender a complexidade e
diversidade humana, assim como as mudanças na organização social, econômica e
cultural, sinalizando para transformações fundamentais na sociedade que são
mediadas e impulsionadas pelas tecnologias de informação.
Estes estudos apontam, a partir de diferentes recortes e perspectivas, que o
paradigma moderno ou industrial não consegue mais dar conta de explicar os
tempos atuais. Diversos conceitos são usados para denominar os novos tempos,
como
modernidade,
pós-industrialismo,
pós-modernismo,
sociedade
líquida,
hipermodernidade, sociedade da informação, redes, entre outros, que demonstram a
dificuldade de se construir uma teoria coesa ou de se definir um momento que está
em contínua mudança.
David Harvey, no livro Condição Pós-Moderna (2003), observa que data da
década de 70 aproximadamente o surgimento do conceito de “pós-moderno”,
relacionado com as últimas modas intelectuais importadas de Paris e com as mais
novas reviravoltas no mercado de arte de Nova York. Quanto ao sentido do termo, o
autor salienta que talvez só haja concordância ao fato do pós-modernismo
representar alguma espécie de reação ao modernismo ou de afastamento a ele.
“Como o sentido do modernismo também é muito confuso, a reação ou afastamento
conhecido como pós-modernismo o é duplamente” (Harvey, 2003, p.19).
Ana Mae Barbosa (GUINSBURG, J.; BARBOSA, A. M., 2005, p. 18) ao discutir
a conceituação de pós-modernismo, reforça este pensamento ao afirmar que “ele
não é indefinível, porém a sua definição é múltipla. Depende da área de
conhecimento da qual emana, tais como arquitetura, literatura, moda, história,
antropologia, artes visuais, etc”.
E a autora conclui que “portanto a flutuação
contextual torna qualquer definição ambígua e controversa. Logo, é de controvérsia
e tolerância à ambiguidade que trata o pós-modernismo”.
As artes são um campo fértil para visualizar as transformações da pósmodernidade. É nas práticas estéticas e culturais que ocorrem as grandes
desconstruções. Nos anos 50, o conceito de pós-moderno invade as artes plásticas
1
Autores como Lyotard, Jamenson, Bauman, Lipovestky, Habermas, entre outros, têm discutido através de
diferentes perspectivas as questões do Pós-modernismo.
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com a emergência das tendências como a arte pop, o minimalismo, a arte conceitual
e as performances, nominando uma arte que não tinha um estilo definido e nem uma
coerência estética, ao contrário caracterizava-se pela desordem, pelo choque de
tendências e convivência de diferentes estilos.
O conceito de pós-modernismo não consegue dar conta de todas as
transformações que ocorreram na arte a partir da década de 50, ficando seu
significado mais restrito a designar um estilo de arte que marcou a ruptura com o
modernismo. Eleanor Heartney, no livro Pós-Modernismo, define este estilo
explicando que “por volta da década de 80, o pós-modernismo casou-se com o pósestruturalismo, criando pela primeira vez, um estilo que começou a se caracterizar
como pós-moderno” (HEARTNEY, 2002, p. 12).
Arte contemporânea é o conceito que melhor define as transformações na arte,
abarcando todo o universo de obras, objetos, performances, videoarte, instalações,
happenings entre outras propostas artísticas que caracterizam o mundo da arte na
atualidade.
2. A educação pós-moderna
Ao definir como objeto de pesquisa a experiência com a arte contemporânea e
perceber
as
mudanças
ocorridas
na
arte,
nas
últimas
décadas,
como
transformações resultantes da mudança de paradigma que perpassa a nossa
sociedade como um todo, observo a necessidade de transpor esse olhar reflexivo,
para problematizar o ensino da arte e, consequentemente, a educação, a partir das
novas concepções decorrentes da passagem do modernismo para o pósmodernismo ou, como também é denominado, contemporâneo.
A educação, como um campo de conhecimento amplo, vem absorvendo no
meio acadêmico as desconstruções e ressignificações que as teorias ditas “pósmodernas” apresentam em relação à complexidade da sociedade da informação,
problematizando a construção do conhecimento e o processo de ensino e
aprendizagem na sociedade contemporânea através destes referenciais. Porém, as
transformações na escola ainda são muito incipientes, pois as práticas e os
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currículos escolares estão fortemente vinculados a uma concepção moderna ou
tradicional de educação.
Indiferente à classe social, hoje os alunos estão inseridos numa cultura pósmoderna, mediada pelos avanços tecnológicos, constituindo-se através das redes
sociais de comunicação, interagindo com diferentes linguagens, contextos e
intertextos que rompem com o paradigma moderno construído em torno de
narrativas fixas, lineares e históricas. Quase todas as informações estão disponíveis
e são acessadas pelos meios tecnológicos de comunicação. Para os estudantes
inseridos num contexto pós-moderno o valor do conhecimento reside na sua
funcionalidade imediata, ele existe para ser usado. No entanto, valorizam o
conhecimento oriundo da experiência de alguém e reconhecem que nem tudo que
necessitam aprender está disponível na web, necessitando buscar as informações
em outras fontes de pesquisa.
A pós-modernidade, portanto, pode ser olhada como um período impregnado
de dúvidas e problemas de todas as ordens, mas também impregnado de
possibilidades e mudanças que não podem ser desprezadas pela educação sem
passar por uma análise detalhada. A escola, como uma instituição social inserida
num contexto pós-moderno, ainda mantém uma estabilidade em relação ao
paradigma tradicional e moderno. As desconstruções da pós-modernidade não são
tão visíveis no contexto escolar como o são na arte, por exemplo. É urgente, então,
repensar as concepções que fundamentam as práticas de ensino, o currículo e o
funcionamento da escola diante das exigências atuais da sociedade da
comunicação, mediada pelos meios tecnológicos de informação.
A escola tem o importante papel com as novas gerações de organizar e dar
significado às informações que são acessadas diariamente nos meios tecnológicos,
ressignificando e construindo conhecimentos que possam dar conta de compreender
o mundo contemporâneo e darem sentido à vida. A área da Arte apresenta-se como
um importante campo de conhecimento do currículo escolar que pode trazer o
pensamento contemporâneo para escola.
Para Wilson (2008, p.90) existe uma ligação natural entre as concepções de
arte com a teoria e a prática da arte na educação e se quisermos saber o futuro do
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ensino da arte, a bola de cristal a ser consultada é a arte contemporânea. Como
afirma o autor:
Os professores de arte no mundo inteiro terão que se deparar com a tarefa
de construir uma nova visão de ensino da arte nas escolas. Esta nova
visão provavelmente abrigará as características mais interessantes do
modernismo e acrescentará práticas derivadas das ideologias pósmodernas emergentes. (WILSON, 2008, p.93)
É por esse campo que a presente pesquisa pretende adentrar considerando
que a sociedade contemporânea avança em diferentes sentidos, construindo e
desconstruindo percursos que não descartam as experiência e saberes anteriores,
porém se apóiam nos conhecimentos já construídos, para ressignificá-los,
traduzindo-os em novas significações que possam dar conta de compreender nosso
ser e estar no mundo, aqui e agora. A arte é um desses caminhos que convidam
para uma experiência de sentido, tanto sensível como inteligível.
Portanto, volto meu olhar investigativo para problematizar a produção de
sentido dos alunos na interação com arte contemporânea. A análise das
experiências relatadas pelos alunos apóia-se no referencial teórico e metodológico
da semiótica discursiva, que como teoria da significação, tem por finalidade
“explicitar, sob a forma de uma construção conceptual as condições de apreensão e
de produção de sentido” (GREIMAS & COURTÉS, 1983, p.415). Encontra também,
na filosofia da arte desenvolvida por John Dewey (2010), um referencial consistente
para analisar as experiências estéticas que resultam da interação com a arte
contemporânea.
3. Produção de sentido dos alunos
Apresento algumas falas de alunos que constituíram o material empírico para a
construção do projeto de tese de doutorado2 e direcionaram algumas possibilidades
de análise. Oliveira (2002) explicita a interação na arte contemporânea como uma
condição para a existência da obra. Na arte contemporânea adentra-se na obra
como quem adentra num projeto de construção inconcluso, porém totalmente
2
O Projeto de Tese de Doutorado intitulado Arte contemporânea e produção de sentidos no ensino da arte foi
qualificado em março de 2011, no Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS/FACED, tendo como
orientadora a Profª. Drª. Analice Dutra Pillar.
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delineado para ser acabado por quem vier a interagir com a proposta. Para a autora
“atos como respirar, andar, gesticular, falar, olhar, são alguns dos sentidos vitais do
visitante que têm sido usurpados para ser incorporados nessas construções”
(OLIVEIRA, 2002, p. 56). O relato da aluna Karina traduz essa dimensão de
interatividade:
Karina (12 anos, 7ª série): Tu tem que estar junto à obra, tu não pode ficar só
olhando assim. Aquilo lá, como na passarela que o artista fez que a gente que
está lá em cima, a gente é a obra e não a passarela, sem ninguém lá em cima não
existe a obra.
O sentido que resulta dessa experiência de apreensão da arte contemporânea
é o que interessa particularmente nessa pesquisa. Além da interação que faz parte
da estruturação efetiva da maioria das obras contemporâneas, busco compreender o
que faz com que a experiência com algumas obras seja mais significativa do que
com outras. Quais são as competências necessárias ao sujeito e/ou objeto para que
o encontro estético ou estésico aconteça?
Para a análise semiótica tomo como ponto de partida as referências de
Landowski (2003), apresentadas no Caderno de Discussão, do Centro de Pesquisas
Sociossemióticas, em que ressalta “as diferenças qualitativas que emergem entre os
elementos sensíveis suscetíveis de fazer sentido” como componentes básicos de
todo e qualquer processo de significação. Segundo o autor:
Não há sentido (nem nos textos, nem nas situações vividas, nem na
experiência sensível mais elementar), a não ser na presença de algum tipo
de organização dos elementos submetidos à leitura, ou inclusive à simples
percepção, que apresente certas diferenças que se deixem apreender
como pertinentes. (LANDOWSKI, 2003, p. 10)
Na experiência com a arte contemporânea observo que, ao serem
questionados sobre os sentidos produzidos na interação com as obras na Bienal, os
alunos geralmente mencionam emoções, sentimentos e constroem significações
estabelecendo relações com outras experiências ou conceitos, nem sempre
conseguindo definir ou dar um sentido para a experiência de forma inteligível,
limitando-se a reconhecer que foi legal, que foi diferente.
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Para exemplificar destaco algumas falas que foram bem marcantes em relação
à obra Ilusión3 (Figura 1), da artista boliviana Raquel Schwartz que ficou conhecida
como a Casa Rosa, apresentada na 5ª Bienal do MERCOSUL4, que foi muito citada
nas entrevistas realizadas com os alunos:
Figura 1 - Obra: Ilusion - Raquel Schwartz (Bolívia) Fonte: www.bienalmercosul.com.br
Renata (12 anos, 7ª série): Olhei assim, meu Deus eu queria ter uma casa assim.
Daí eu fiquei pensando deve enjoar de morar numa casa assim, mas é legal, a
gente subiu lá é bem diferente. Tive uma sensação de aconchego, de um sonho,
parece que eu deitei naquela cama, fechei os meus olhos quando eu abri de novo
parecia assim que estava, sei lá, parecia que estava acordando de um sonho, que
eu tinha acordado num lugar que eu não conhecia, entendeu. Um lugar muito rosa,
parecia que a gente estava viajando .
Jéssica (12 anos, 6ª série): Eu achei muito interessante porque eu nunca tinha
visto uma obra assim, por que eu nunca fui numa Bienal. Eu achei interessante
porque fizeram tudo rosa, tinha copo, talher, daí tu sente uma sensação meio
estranha quando tu entras lá dentro porque tu vê tudo rosa até a escada é rosa, a
cama, o banheiro, a escova. Sente uma sensação boa, assim, estranha porque tu
entras num lugar que tu nunca entrou, num lugar diferente.
Nos relatos dos alunos percebe-se que geralmente a entrada na obra se dá
pela questão sensível, operada pelos diferentes sentidos. Oliveira ressalta que na
3
As
imagens
das
obras
apresentadas
neste
trabalho
foram
retiradas
do
site
http://www.bienalmercosul.art.br/site/index.jsp?s=noticias#, nas fotos de divulgação do Espaço Cais do Porto.
4
A 5ª Bienal do MERCOSUL ocorreu de 30 de setembro a 04 de dezembro de 2005. A instalação Ilusion, da
artista Raquel Schwartz estava exposta no Armazém do Cais do Porto. A 7ª Bienal do MERCOSUL ocorreu de
16 de outubro a 29 de novembro de 2007, em Porto Alegre/RS
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interação com a arte contemporânea prevalece o sensível como a dimensão mais
inerente à arte. A comunicação nesse caso ocorre na presença concreta.
O relato da aluna LETÍCIA descreve a experiência com a obra Ao contrário da
orientação natural, que ficou mais conhecida como a “árvore sonora”, vivenciada na
7ª Bienal do MERCOSUL, em que adentra na obra, fazendo-a acontecer:
Letícia (8ª série, 14 anos): Para mim aquele lá foi o melhor. Todos estavam ótimos,
mas aquele lá foi melhor. Eu botei assim o fone e fiquei de olhos abertos e tinha um
monte de gente passando, mas a gente não presta atenção. Daí eu abaixei a cabeça
assim e fechei os olhos, daí parecia que a gente estava no meio e aquelas vozes em
volta falando foi tri massa. Eu entrei na obra junto com eles, eu fechei os olhos e
parecia que estava todo o mundo em volta falando. Foi o que eu mais gostei, os
outros estavam legais, aquele lá foi mais...
No relato da aluna observa-se que a apreensão da obra se operou pelo canal
sensorial, ao focar o sentido da audição na escuta das vozes, proporcionando a
conjunção com o objeto/sujeito. Greimas (2002, p.70) salienta que para dar conta do
fato estético é necessário estender o gênero de análise aos canais sensoriais, é por
meio deles que se efetua a apreensão daquilo que é não sujeito para o sujeito. O
autor destaca que “as ordens sensoriais estão dispostas em extratos de
profundidade”, em que tanto o sincretismo como o exclusivismo sensorial podem ser
considerados como elementos enriquecedores da comunicação.
No tratamento semiótico da estesia, Landowski (2005, p.129) reforça a
necessidade de articular as duas dimensões da experiência: “o sentir por um lado,
com seu caráter imediato e, por outro, a reflexividade do conhecer e do entender”,
tendo em vista que no plano do “vivido” a experiência estética dificilmente convoca
um deles sem mobilizar também o outro.
A experiência da aluna Sabrina com a vídeoinstalação A boca do Jarro (Figura
2), da artista Ana Gallardo, na Mostra Ficções do Invisível, na 7ª Bienal do
MERCOSUL, ilustra essa articulação:
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Figura 2 – Vídeoinstalação a Boca de Jarro (Ana Gallardo)
Fonte: http://www.youtube.com/watch_popup?v=z8DjaDKHBiI&vq=medium#t=42
Sabrina (14 anos, 7ª série): O que me chamou atenção era uma de um vídeo
que a gente não pode ver porque não estava funcionando. Depois quando a gente
passou por ali de novo já estava funcionando e eu parei para prestar atenção. Tinha
uma mulher de vermelho e a música que estava legendada falava sobre “um pai, um
vizinho”, sobre o estupro. Foi o que me chamou atenção, a música dava o ritmo. Daí
eu parei, prestei atenção e fiquei olhando e eu achei bem interessante a proposta. A
mulher de vermelho cantando um tango, só que o tango falava de uma realidade, o
que eu li era que sempre um familiar, uma pessoa próxima da família, do abuso
infantil. E tinha um sofá e uma cadeira para a gente sentar e realmente prestar
atenção à realidade. Eu gostei, desse eu gostei.
A aluna destaca na sua fala alguns elementos do plano da expressão
destacando a linguagem visual, sonora e escrita presentes na estruturação da
proposta, que articulados ao plano do conteúdo construíram uma significação.
Nas entrevistas realizadas, observo que os alunos demonstram muitas vezes
dificuldade de compreensão e entendimento das obras, relatando a perturbação
cognitiva e sensorial que o encontro com a arte contemporânea provoca. Apresento
alguns depoimentos:
Graziele (14 anos, 7ª série): Eu não entendi nada do que estava lá para falar a
verdade porque tem umas coisas com vidros, com ferros, tu não entendes nada! Tu
ficas com vários pontos de interrogação na tua cabeça: “porque ele fez isto, o que
se passava na mente dele, de onde ele tirou essa idéia, o que ele quer passar para
a gente, porque ele não está aqui para falar?” Porque tu sai cheia de dúvidas dali.
Muitas dúvidas, muita incompreensão, até hoje a gente não compreende, mas sabe
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que foi bom, que foi legal, que foi uma experiência diferente, só que a gente não
compreende o que a gente sente. Quem sabe um dia a gente compreenda, mas por
enquanto o ponto de interrogação está ali ainda, quem sabe um dia eu não me
lembre daquela obra e compreenda o que eu senti naquela hora, talvez hoje eu não
entenda, quem sabe um dia... Ou de repente a gente leve para a nossa vida e olha
só, na Bienal eu vi uma coisa assim e agora eu estou vendo na minha vida o que
ele queria passar...
Renata (12 anos, 7ª série): E se tu for perguntar para cada um sobre uma obra,
cada um vai te dizer uma coisa totalmente diferente porque cada um percebe de um
jeito. Daí tu tenta encaixar a melhor resposta na tua pergunta, na tua dúvida e nem
sempre tu consegue ou tu acha a resposta do que tu tens dúvida. A gente fica com
muitas interrogações: porque isso, porque aquilo, o que ele fez, o que ele pensou...
As experiências relatadas pelos alunos podem ser comparadas com “a história
de uma lenta e perseverante busca de sentido”, que segundo Landowski (2005,
p.101), caracteriza as escapatórias propostas por Greimas na segunda parte de Da
Imperfeição. Nas escapatórias a experiência estética parte de um trabalho de
construção realizado pelo sujeito, através de escolhas pessoais. Conforme o autor:
Trata-se, portanto, de um trabalho de edificação ou mesmo de educação
semiótica – de uma auto-aprendizagem a empreender, em vista de um
melhor domínio da competência latente que cada um possui para sentir ao
redor de si a presença do sentido, e compreender aquilo que pode ser
significado através dessa presença sensível. (LANDOWSKI, 2005, p.101)
É apoiada na concepção construtivista da experiência estética, apontada por
Greimas, que encontro elementos para analisar a emergência e o modo de
existência do sentido na experiência estética dos alunos com a arte contemporânea.
Oliveira (2005, p.116-17) ressalta a importância da semiótica para a educação
uma vez que ela “capacita o sujeito para a construção da significação, ao mesmo
tempo em que ao fazê-lo, faz descortinar-lhe as possibilidades para assumir
posicionamentos críticos e de reflexão”. Interessa, portanto, contribuir para uma
compreensão sensível e inteligível das vivências dos alunos na interação com a arte
contemporânea. A significação produzida pelos alunos na interação com a arte
contemporânea ainda é pouco problematizada como experiência estética no
contexto escolar, podendo ser muito significativa e resultar numa experiência
singular com a arte.
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REJANE RECKZIEGEL LEDUR
Licenciada em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas – IA/UFRGS (1992),
Mestre em Educação – FACED/UFRGS (2005) e Doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação da UFRGS. Professora do Curso de Artes Visuais da
ULBRA/Canoas e da Rede Municipal de Canoas (RS). Integra o Grupo de Pesquisa em
Educação e Arte – GEARTE.
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