General Abreu e Lima na Torre de Babel – Ephrem Abreu e Lima Filho – Instituto Abreu e Lima
General Abreu e Lima na Torre de Babel
Resumo
Esse ensaio pretende dar uma contribuição à historiografia brasileira, fazendo uso dos
olhos da micro história, e tornando público uma carta inédita do Intelectual Brasileiro José
Ignácio de Abreu e Lima (1794-1869), mais conhecido como General Abreu e Lima. Sua
vida e obra já são objeto de pesquisas, e as fontes primárias ainda não foram
adequadamente tornadas públicas. Com esse objetivo, pretendemos contribuir para o
acesso público às cartas escritas por esse intelectual. Algumas de nossas ponderações
críticas podem ser vistas como contribuições à visão de mundo do século XIX, portanto,
fortalecendo o processo hermenêutico de nossa sociedade nos dias de hoje. A apresentação
de uma carta inédita de autoria do General Abreu e Lima evidencia ainda a falta de acesso
fácil a pesquisadores e estudantes, o que demonstra que a nossa história, bem comum de
formação de um povo, é contada por poucos e difundida de forma arbitral e unívoca.
Deixar um erro sem refutação é, sem dúvida, favorecer a imoralidade social e intelectual.
1.
Um General num Campo de Batalhas Ideológicas
José Ignácio de Abreu e Lima (1794-1869), mais conhecido como General Abreu e Lima
tem sido objeto de muitas pesquisas nos últimos anos. Sua obra teórico-filosófica, suas
campanhas e batalhas como militar ao lado do Libertador Bolívar na Venezuela e outros
países da América Andina o tornou célebre, primeiro naquelas terras, depois no Brasil,
quando retornou em meados de 1832. Tendo combatido mais com palavras e idéias que
com a espada quando chegou no território brasileiro, passou a escrever, pesquisar e
difundir muitas de suas ideias inovadoras. Junto a ele há ainda muitos outros nomes que
merecem ser resgatados como Borges da Fonseca, Antônio Pedro de Figueiredo, esses mais
conhecidos aos especialistas do assunto, e outros muito menos estudados, como Luis
Ignácio Ribeiro Roma (Abreu e Lima) – seu irmão –, João Ignácio Ribeiro Roma (Abreu e
Lima) – também seu irmão –, e José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, pai do General e
responsável direto pela revolução de 1817 ao lado de outros homens da Igreja como Frei
Divino Caneca.
Nesse sentido, graças às ações dos próceres desta pátria, principalmente Pernambucanos do
século XIX que tentaram modificar os regimes corruptos e absurdos de então, tiranos e
monarquistas, que eram até aquele momento eram impossíveis de serem superados, temos
hoje uma pequena liberdade, conquistada com sangue de nossos compatriotas e
antepassados. Claro que o preço foi alto demais. Desde o assassinato e morte de muitos
deles, inclusive a do pai do General Abreu e Lima; abandono da pátria e do campo de
batalha; e até mesmo uma proclamação republicana forjada, que traria suas conseqüências
até hoje, quando, por exemplo, vemos absurdos preconceitos étnicos, regionais, sociais e
culturais; quando vemos mulheres discriminadas por sua condição de gênero; diferenças
salariais; a política como meio de enriquecimento ilícito; a fome e a miséria presente no
cotidiano de muitos brasileiros; a saúde e a educação sendo negada ao povo que trabalha e
sofre com os impostos que são forçadamente arrancados de cada um de nós. Tudo isso
sem falar que há ainda outras realidades no mundo bem mais complexas e degradantes que
a brasileira, em alguns pontos, é claro.
Retomando o argumento inicial, proponho que retomemos a dissertarmos sobre as décadas
de 1820, 1830 e 1840, momento em que o General Abreu e Lima produziu inúmeras obras
de valor histórico e literário, primeira fase de sua vida autoral, e que viria a culminar nas
demais obras revolucionárias e de cunho político e social nas décadas seguintes.
Como se está difundindo cada vez mais, a vida militar do General foi, talvez, das mais
intensas para um brasileiro no século XIX, pois participar das inúmeras batalhas pela
libertação no Brasil e na América Andina lhe conferiu uma compreensão da realidade social
de todo o continente. Obviamente, os reflexos da Revolução Francesa chegaram ao Brasil
ainda antes, no início do século XIX; e as revolução de 1817 e 1824 já o atestam. Apesar de
todo o mérito do General Abreu e Lima, podemos até imaginar que ele foi um favorecido
histórico, pois ao contrário da maioria das pessoas do seu tempo, ele possuía junto à sua
família, condições de empreender uma formação intelectual, política e social de alto nível.
Quando foi estudar na Academia Real Militar no Rio de Janeiro em 1812, já havia tido
acesso às ideias de liberdade, igualdade e fraternidade que ecoaram no Seminário de Olinda,
onde teve acesso aos mais importantes autores conhecidos até então. Tendo concluído em
1816 o curso de formação militar e se tornado capitão de artilharia, chegou à África,
Angola em específico, para lecionar e trabalhar para o reino de Portugal. Mas em 1817 já
estaria de volta ao Brasil, na ativa da Revolução de 1817, tendo visto o assassinato do pai
pelo governo que ele colaborava com suas ideias e serviços. Nesse contexto cruel, Abreu e
Lima foi obrigado a deixar sua pátria e se unir a Antônio da Cruz Cabugá nos Estados
Unidos da América, tendo já iniciado sua participação nas Revoluções Bolivarianas em
1819, com 23 anos de idade. É por esse motivo que consideramos que as contribuições de
Abreu e Lima para a liberdade dos países da América Andina ainda não foi esclarecida
completamente. Seria muito oportuno que os historiadores o fizessem, compreendendo
que a força as ideias foram talvez maior que as muitas vitórias que ele conquistou nos
campos de batalha ao lado do Libertador Bolívar.
Nesse mesmo raciocínio, a sua participação nas revoluções no Brasil precisa ainda ser mais
bem estudada, aliás, como toda a sua obra. Sabemos, porém, que sua presença nas
revoluções ao lado de Simon Bolívar foi de extrema importância, mas Abreu e Lima foi,
como entendem alguns autores, o braço direito de Libertador da América Andiana – como
é mais conhecido Bolívar –, e lutou ao seu lado de 1819 até a morte do próprio Bolívar, em
1831.
Além de sua guerra nos compôs de batalha, podemos arriscar dizer que sua grande guerra
foi vencida nos campo das letras. Uma das grandes contribuições de Abreu e Lima no
contexto literário, por exemplo, foi a biografia do próprio Bolívar, escrita a pedido do
próprio libertador. Após chegar ao Brasil em 1832, dedicou-se intensamente à construção
do pensamento brasileiro, inclusive quando membro do IHGB (Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro). Esse respeitável órgão, o IHGB, foi fundado em 21 de outubro de
1838, fruto da ação de membros da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN),
fundada, por sua vez, em 1827 pela mão de ricos empresários ligados à corte e ao Estado
Monárquico. Inicialmente composto por 27 sócios, a maioria deles despreparados para a
atuação como intelectual de um órgão como o IHGB, eram em sua maioria burocratas e
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membros da alta sociedade carioca. Dentre seus membros, contudo, o primeiro-secretário
Sr. Januário da Cunha Barbosa, demonstrou uma capacidade considerável ao propor no
estatuto da instituição a ideia de reunir documentos e todo material necessário para um
projeto nacional futuro: o de construir as bases para a história e historiografia brasileira.
Apesar de percebermos uma das gêneses da história oficial brasileira nesse momento, não
podemos exaltar essa atitude mais do que o necessário. Há uma forte ligação entre o IHGB
e a monarquia de então, inclusive com o apoio à criação dos institutos regionais em todo o
Brasil, forma de divulgação e distribuição de honrarias do Estado. Esse ato insano, ainda
comum nos dias de hoje, onde personalidades recebem títulos pela grandeza de suas
fortunas e capacidades políticas da pior espécie, não era mais do que uma maneira de
coordenar a concepção das ideias e rumo do país, sempre na mão de uma elite exploratória.
Para reforçar essa opinião ou para os que considerem essa noção leviana, ressaltamos que
no estatuto de 1851 o IHGB deixou de ser um órgão vinculado à SAIN e foi tornado
independente e coloca diretamente sob os auspícios do Imperador Pedro II; uma clara
maneira de tentar iniciar um projeto de manipulação da produção intelectual brasileira.
Nos mesmo anos de 1838, surgindo o IHGB, obras de cunho historiográfico brasileiro
surgiram na Europa e no Brasil. Apesar da obra de Francisco Adolfo Varnhagen ter
alcançado um vulto maior, devemos chamar a atenção para a obra do português Solano
Constâncio (1777-1846), que publicou em 1839 em Paris, pela Livraria Portugueza de J. P.
Aillaud, a História do Brasil: desde o seu descobrimento por Pedro Álvares Cabral até a abdicação do
Imperador D. Pedro I. Apesar de tudo, entendemos que General José Inácio de Abreu e Lima
deu a maior contribuição literária quando publicou em 1835 o Bosquejo Histórico, Político e
Literário do Brasil, e seis anos depois o Compêndio de História do Brasil.
O contexto dessas obras, de modo geral, não demonstrou as muitas falhas do processo
abolicionista, que entre muitas, ofuscou um processo de educação mais ampla a todos. A
ideia de liberdade tratada pelo General Abreu e Lima, por exemplo, contemplava o
processo educativo como condição primeira do processo de inclusão social e desígnio da
providência do destino. Aliás, não é blasfemar a afirmação que ainda hoje a educação é
tolhida da maior parte da sociedade. Apenas poucos, os beneficiários de uma sociedade de
castas que vivemos em toda a América, principalmente na Latina, e na maior parte do
mundo, possuem acesso pleno à educação de qualidade. Apesar de percebermos ainda que
nações da América Latina, como a Argentina, o Uruguai e o Chile, já houvessem feito uma
reforma educacional mais profunda ao longo do século XX, e de os Estados Unidos da
América já terem criado a maior parte de suas grandes universidades nos séculos anteriores,
o Brasil apenas o fez em fins da década de 1990, e de forma ainda muito pífia.
Torna-se, portanto, muito difícil escrever sobre essa temática numa realidade que vivemos
ainda hoje em dia. Uma sociedade extremamente pecadora, mas cristã; Individualista, mas
favorável à comunhão; capitalista e individualista, mas que cultiva uma aparência de ideal
de justiça à força. Vivemos num mundo de idiossincrasias tamanhas, onde roubar comida
leva pobres à cadeia e o desvio de fortunas das merendas escolares condena a sociedade a
um processo de uma entidade política e prescrição do crime, graças a uma década de
lentidão do corrupto poder da república: o judiciário. Chegamos a um momento em que
crimes não vistos nem sentidos são mais atrozes que os roubos a mão armada.
Se esses conceitos de justiça, religião, educação a todos, liberdade de pensamento, liberdade
da nossa própria amarra cultural e dos nossos vícios sociais são novos nos dias de hoje,
podemos imaginar que o General Abreu e Lima tivesse mesmo sido muito mal interpretado
nos idos de 1840. O ciclo virtuoso entre capital e educação não era diferente no século XIX
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do que é hoje no XXI. Apenas os ricos tinham acesso à educação, e apenas os educados
tinham bons empregos e boas condições de crescer economicamente e socialmente. O
ciclo vicioso segue a mesma direção. Não é mais necessário nos questionarmos os motivos
do por que a educação no Brasil não foi acessível a todos. Mas poderíamos nos perguntar
por que ainda não fizemos novas revoluções para tal, se nossos antepassados o fizeram nos
idos de 1817, 1821, e 1824, dentre tantos outros momentos da primeira metade do século
XIX?
Apesar de essas questões serem colocadas nos dias de hoje como óbvias, a problemática foi
vista no século XIX como secundária, pois se imaginou que a revolução pela liberdade
governamental seria mais importante. Hoje, sabemos o que o problema social se encontra
muito mais na sociedade que no governo em si. Mas será que sabemos disso realmente? É
uma questão que não podemos ter como certa. Por esse e outros motivos considero que
vivemos mais um novo escravismo, no qual crianças são obrigadas a trabalhar ao invés de
estudar; sendo impedidos de desenvolver suas capacidades como pessoas e de contribuírem
para transformação social. O progresso da humanidade, que resultaria num socialismo, foi
alvo de muitos teóricos desde Platão até os dias de hoje. Mas o que socialismo? O que esse
movimento social, político ou até mesmo cultural que se fala há tanto? O socialismo real,
entendido com essa palavra, é o mesmo que vêem sendo buscado por qualquer pensador
social: é uma sociedade que se aproxime sempre e cada vez mais da justiça e bem a todos,
com respeito à liberdade em todos os sentidos.
Alguns nomes que seguiram esse ideal foram, além do General Abreu e Lima e sua família
– pai, irmãos e até mãe – a viúva Roma, que trabalhou no jornal e gráfica da família para
construção de um país mais justo – os revolucionários Antônio Vicente do Nascimento
Feitosa, Borges da Fonseca, João de Barros Falcão Albuquerque Maranhão, Rumualdo
Alves de Oliveira, Frei Divino Caneca, Pedro de Souza Tenório e Agostinho Bazerra
Cavalcanti e Souza, entre 1817 e 1848. Se há nomes que devem ser lembrados e que
merecem um jazigo e um memorial aos seus esforços são esses. Há ainda, como bem
lembram os escritores mais especializados no assunto, os falsos socialistas. Esses são
menos honradas mas bem citados ao longo do tempo, pois merecem ter seus nomes
novamente escritos na história como desertores do bem e do povo. Gravem bem os nomes
dos padres Antônio Pedro de Figueiredo e Miguel do Sacramento Lopes gama, de João
Capistrano de Mendonça, dos próprios franceses Vauthier e Millet, adeptos de um
socialismo intelectualista famoso, mas bem aproveitadores das cortes do Barão da Boa
Vista, e até mesmo os próprios Joaquim Nabuco e seu pai, ao contrário do que conta a
pífia crítica até os dias de hoje.
Todos esses nomes entraram na história em maior ou menos foco, e sendo revisitados hoje
terão mais ou menos linhas para suas biografias. Contudo, chamam-nos a atenção que a
família do General Abreu e Lima dedicou-se toda a esses ideais. Pai, mãe, irmãos. Mais
curioso ainda é o fato de grandes intelectuais de pernambucanos do século seguinte não
haverem dado seus esforços para recuperação desses ideais. Obviamente a proclamação da
República aliada ao assalto dos bens da família por parte do Estado, e ainda a revoluções da
década de 1930 juntamente com a ascensão de movimentos eugênicos em grande parte do
ocidente retardou por mais algumas décadas o renascimento das utopias. Chegando aos
dias mais recentes, o golpe militar e a direita que se sucedeu tardou por mais três décadas o
sonho do General, que agora se fortalece e que precisa ser ainda mais fortalecido com a
ação de todos. O socialismo real começa, portanto, com a atitude de cada um de nós, que
nos espelhando nos mártires do passado iremos construir a base de uma nação socialista.
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2.
General e Intelectual da Pátria
A formação militar do General Abreu e Lima o levou às batalhas em defesa das
monarquias. Fato de pouca atenção dos intelectuais e pesquisadores até então, pois é
exemplo único de militar que se voltou contra o poder que o instaurou e formou. Essa
posição do General merece mais atenção por parte dos estudiosos. Não à toa, suas batalhas
de campo o levaram à concepção de que as guerras mais importantes são travadas no
campo das ideias, fato bem comprovado quando acessamos sua carta datada de 12 de julho
de 1831, publicada no jornal ‘A Torre de Babel’ no dia 6 de março de 1833, quase dois anos
depois. As razões de sua publicação, num momento em que o general já se encontrava em
solo brasileiro, parecem estar bem descrita nos comentários que seguem à referida carta, e
que o leitor atento pode interpretar sem direcionamentos da parte do autor deste ensaio.
Retomando o discurso do General Abreu e Lima, discurso esse que havia iniciado bem
antes de 1832 quando chegou ao Brasil, podemos afirmar que sua visão acerca do
socialismo foi antecessora em muito a qualquer pensador da América Latina, quiçá das
Américas. Sua proeminência estava sendo preparada havia décadas, desde suas viagens pela
África, ou até mesmo desde sua formação na Academia Militar. O General mostrou-se um
grande combatente também com as penas, e decidiu ser um redator de um periódico
fundamental para as revoluções de 1848 e seguintes: A Torre de Babel, que já havia sido o
mesmo nome do jornal que esse General editara na Colômbia. Assim explicou o General a
importância desse periódico e sua função como redator:
“Fui eu também o primeiro, que, em 1832, ao voltar à minha pátria,
horrorisado pelo cynismo, pela impudencia com que se calumniava
torpemente o Sr. D. Pedro I de gloriosa memória, alcei a voz, e oppus
uma barreira de bronze contra semelhante barreira de iniqüidade. Sim,
Sr. Padre Januário, eu fui o redactor da Torre de Babel; eu fui o
primeiro que, depois do que chamais o vosso glorioso 7 de abril, gritei à
uma facção immoral e corrompida – Parai – e ella parou: eu fui o
primeiro que gritei – Ingratidão – Infâmia – e o povo me ouviu”. In:
Resposta do General J.I. de Abreu e Lima ao Cônego
Januário da Cunha Barbosa ou analyse do primeiro juízo de
Francisco Adolpho Varnhagen acerca do Compêndio da
História do Brasil. Pernambuco : Typ. de M. F. Faria, 1844.
Nos idos do século XIX, era de revoluções em todas as Américas, podemos notar que o
mundo hispânico optou por revoluções que apresentavam o republicanismo como solução
política, e que o Brasil ainda não tivera chegado a este estágio de modelo representativo,
mantendo a monarquia sob os cuidados de Dom Pedro II. Esse é, portanto, um dos
momentos cruciais para compreensão do que se passou com o General Abreu e Lima,
homem de teor libertário e democrático, quando apoiou a manutenção do sistema
monárquico ao invés do republicanismo presidencialista, já apresentado como modelo por
muitos países, principalmente os Estados Unidos da América do Norte. A ausência do
Brasil no congresso do Panamá em 1826 demonstra que o Brasil resolveu aproximar-se do
modelo político Europeu e afastar-se do dos Estados Unidos. Acerca dessa posição pessoal
do general podemos citar a carta escrita por ele ao General Bolivariano José Antonio Páez
que, pela sua importância política do momento, foi publicada no Diário de Pernambuco de
dos dias 20 e 21 de março de 1874.
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As cartas escritas por Abreu e Lima são, portanto, uma importante fonte para
esclarecimento de suas ideias e posições. Essa incompreensão acerca do seu apoio ao
sistema monárquico brasileiro não se justifica, pois o General Bolivariano apresentou as
razões para tal escolha na carta datada de 14 de julho de 1823 direcionada ao General
Santander, afirmando que “el sistema imperial constitucional, el paso más acertado para los brasileiros,
pois toda outra forma de gobierno los hubiera confundido y reducido a una completa anarquía y disolución:
el Brasil és inmenso, poblado solamente en sus costas y de uma mezcla de clases que nunca podrían ligarse
bajo ningún sistema que se separase mucho dela forma antigua”. A visão política de Abreu e Lima
era, portanto, sob um olhar geopolítico do futuro. Ele compreendia bem que as famílias
poderosas e abastardas, favorecidas pelos eventos históricos desde muitas décadas no
Brasil, estavam exercendo seus poderes junto ao Dom Pedro II e sua corte, da qual muitas
faziam parte, e que formariam grandes latifúndios – regiões ou estados autônomos sob seus
comandos políticos – caso o sistema republicano fosse optado ou conquistado através das
revoluções. Sendo o instrumento da constituição novo, tendo surgido na Noruega na
segunda década do século XIX, não é fato de pouca importância já estar nos planos dos
revolucionários de 1817 e 1824 na cidade de Recife. Esse fato reforça a proeminência dessa
cidade no Nordeste Brasileiro, talvez a mais avançada cidade em termos de ideias sobre o
sistema representativo e político da América Latina até fins do Século XIX.
Mais um fato que reforça a grande aptidão de Abreu e Lima para compreensão da relação
entre política, geopolítica, geografia e sociedade, é o fato de que defendeu a monarquia ao
Brasil, não aos demais países de menor dimensão territorial e sem fronteiras ao Oceano
Atlântico da América Andina, ressaltado pelas razões apresentadas anteriormente em suas
cartas, como a posição no continente, suas fronteiras e formação histórica, cultural e
econômica. Em carta ao mesmo Santander datada de 23 de julho do mesmo ano de 1823,
Abreu e Lima afirma que “nada de esso me hace separar de mi juramiento; yo me he ligado a Colombia
e mientras haya un enemigo con quien combatir no dejaré sus playas...Yo soy americano, no soy extranjero,
y non quiero confundirme con una turba que ha venido sólo a disfrutar de esta ventaja”. Abreu e Lima
acompanhava o espírito de seu tempo, quiçá antevia o espírito de um futuro tempo
histórico, pois defendia a união dos povos da América Latina na criação de um grande
povo ou país, que fosse devidamente representativo e justo. Obviamente sabia que havia
uma continuidade histórica, um tempo para as devidas mudanças e transformações. É
curioso para um pensador do século XIX, numa cidade de um mundo novo como Recife,
compreender àquilo que hoje conhecemos como fases do desenvolvimento, teoria que viria
ser apresentada com mais clareza pelos Marxianos da política décadas depois.
Abreu e Lima foi, portanto, o mais importante brasileiro a influir e interferir nas
emancipações e independências dos países da América Andina, tanto no campo das ideias,
das letras ou na atuação no campo de batalhas. Seus depoimentos e testemunhos são da
maior importância para se descobrir e estudar todos esses processos de afirmações
nacionais. Dentre todos os seus trabalhos, o ‘Resumen histórico de la última Dictadura del
Libertador Simon Bolívar: conprobada con documentos’, é o mais importante testemunho do
gênero. Sua primazia foi fenomenal, sem falar de muitas participações no jornal Correo del
Orinoco entre 1819 e 1820. Essa é ainda uma fonte desprezada pelos historiadores até os
dias de hoje, pelos menos os historiadores da revolução Pernambucana de 1817, havendo
em vista que muitos dos textos do General Abreu e Lima se referem a esta revolução de
sua terra natal.
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Outro notável aspecto que coloca o General Abreu e Lima como um promulgador da
liberdade é o fato de sido o primeiro ‘brasileiro nato’ a ter escrito uma ‘História do Brasil’
com um olhar da terra; dos explorados desse solo, discordando da historiografia oficial
publicada em Portugal ou Inglaterra. Na ‘Resposta do General J.I. de Abreu e Lima ao Cônego
Januário da Cunha Barbosa ou Analyse do primeiro Juízo de Francisco Adolpho Varnhagen acerca do
Compendio de Historia do Brasil’, obra publicada em 1844, Abreu e Lima justifica a
importância dessa obra mencionando que notou aspectos preconceituosos na historiografia
estrangeira, principalmente do historiador inglês James Henderson, autor de um difundido
livro intitulado ‘História do brazil’ publicado em 1821. O General escreveu que “foi elle
mesmo (James Henderson) quem me proporcionou a sua obra; e como notasse nella muitos erros de historia
e geografia, e muita má vontade aos Brazileiros, os quaes tratava como selvagens”. A difícil localização
das fontes específicas, de muitas das obras citadas pelo próprio General nos dificulta
afirmar muitas questões ainda hoje. Contudo, graças aos esforços do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, a obra ‘Resumen histórico de la última
Dictadura del Libertador Simon Bolívar: conprobada con documentos’ veio a ser publicada em 1922,
com um cuidadoso prefácio do Diego Carbonell. Essa obra rara, que merece uma nova
edição urgente, é um relato valioso sobre os anos de 1827, 1828 e 1829 na Grã Colômbia.
Além de conter descrições profundas dos fatos políticos do Congresso do Panamá e da
Convenção de Ocaña, o Resumen apresenta as razões da negação de Bolívar a aceitar o
projeto Monárquico e a fragmentação da Grã Colômbia. Assim sendo, esta obra de caráter
também jornalístico, pois pretendia esclarecer os fatos que estavam sendo distorcidos pelas
potências européias e pelos interessados em fragmentar o projeto político de Bolívar, estava
sendo escrita por Abreu e Lima com o apoio imediato do libertador. Sendo dividida em
duas partes, a primeira que aborda os acontecimentos dos anos entre 1826 e 1830, e a
segunda as justificativas políticas e ideológicas para a não adoção do sistema monárquico
por Bolívar, que pretendia colaborar para o presidencialismo direto, com voto universal do
povo. Fato de extrema importância na segunda parte dessa obra é o fato de que Abreu e
Lima revela que a razão principal da separação da Venezuela e Colômbia foi a proposta de
Paéz para adoção do sistema monárquico, provavelmente tentando se colocar em tal
posição na fatia que lhe coubesse desse território da Grã Colômbia. Obviamente Abreu e
Lima e Bolívar eram contra, pois já percebiam as segundas intenções dos grupos familiares
contrários à ampliação da democracia, da reforma agrária e da liberdade dos povos.
Curiosamente, tanto Abreu e Lima como o libertador poderiam se beneficiar do sistema
monárquico e eram ambos de famílias abastardas e ricas, mas apresentaram suas
motivações maiores e mais dignas para o bem social.
Sobre esse relevante fato que justificou a fragmentação territorial com a atuação autoritária
de Paéz, Abreu e Lima escreveu na página 77 do Resúmen que “principalmente al objeto de la
somada monarquia en Colombia, que había servido de pretexto para la separación de Venezuela, para
cuyo efecto me franquió todos sus documentos privados, correspondências e informes”. Nos termos
diplomáticos necessários para obra de tal conduta e justificativa, Abreu e Lima apresentou
parte de seus argumentos e idéias políticas, e esta se apresenta como uma das mais
importantes fontes de discussão sobre seus pensamentos ideológicos. Defendeu
explicitamente Bolívar baseando-se nos grandes teóricos dos séculos anteriores, como
Nicolau Maquiavel, por exemplo. O príncipe, tomado como exemplo maior, foi o exemplo
que seguiria Bolívar, ao menos segundo Abreu e Lima, que o colocou como um sábio líder,
que pensava como um príncipe no período do Renascimento, alguém que pensava no bem
social antes do individual.
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No século XIX, o mundo era ainda muito mais complicado nesses aspectos. General José
Inácio de Abreu e Lima, no seu ‘Bosquejo Histórico, Político e Literário do Brasil’ de 1835,
afirmou que a sociedade era fragmentada e doente, dividida entre pessoas livres e pessoas
escravas, e acrescentava afirmando que “somos todos inimigos e rivaes uns dos outros na proporção
de nossas respectivas classes, não necessitamos de argumentos para proval-o, basta que cada um dos que
lerem este papel, seja qual for sua condição, metta a mão na sua consciencia e consulte os sentimentos do seu
coração”. O ‘Bosquejo Histórico, Político e Literário do Brasil’ é uma importante obra de Abreu e
Lima, na qual o autor coloca muitas de suas concepções ideológicas e intelectuais.
Publicada em Niterói em 1835, ou seja, três anos após sua ida ao Rio de Janeiro, esse
estudo caracteriza-se como primeiro livro de história comparada publicado no Brasil. Mais
um ponto de primazia intelectual do General, sua percepção do espírito de um tempo
parece ser inigualável para qualquer autor brasileiro do século XIX.
A morte de Bolívar em 1830 e a fragmentação da Grã-Colômbia fez com que Abreu e
Lima partisse, passando pela Europa e regressando ao Brasil em 1832. Esses dois anos
merecem intenso estudo, já que não há fontes facilmente acessíveis que esclarecem suas
atividades nesses dois anos. Residindo entre 1832 e 1844 no Rio de Janeiro, aproxima-se da
corte e do IHGB, onde se torna patrono de uma das cadeiras. Assim, tanto ‘O Socialismo’
quanto outras obras de Abreu e Lima podem nos apresentar muitas novas visões sobre este
pensador e as revoluções que se passavam naquele momento no Brasil e na América
Andina. Sobre sua obra, Pereira da Costa (1882), Sílvio Romero (1888) e Augusto
Victorino Alves Sacramento Blake (1898) e Diego Carbonell (1922) são os nomes que nos
apresentaram as primeiras biografias, seguida pela respeitável obra de Vamireh Chacon
(1983), recentemente reeditada com uma edição luxuosa da Companhia Editora de
Pernambuco, CEPE. Esses quatro biógrafos do General bolivariano não apresentam
unanimidade sobre o número total de obras que escreveu. Augusto Victorino Alves, por
exemplo, menciona no seu Diccionario Bibliographico Brazileiro 25 obras, muitas das quais se
perderam por não terem sido publicadas em livros, mas apenas em documentos oficiais.
Esse número, contudo, não abarca o número de textos e ensaios publicados em jornais.
Nesse veículo de comunicação o número chegaria às centenas, tanto no Brasil quanto no
exterior, principalmente na Colômbia e Venezuela.
É relevante ainda, no que toca às suas obras, pesquisar e trazer à luz um estudo feito pelo
General Abreu e Lima a serviço do governo da Grã Colômbia intitulado ‘Memória sobre os
limites entre o Brazil e a República da Colombia’, obra ainda não disponível para o público e
pesquisadores e que ele mesmo relata ter escrito e publicado em 1826, conforme
mencionou na obra ‘Resposta do General J.I. de Abreu e Lima ao Cônego Januário da Cunha
Barbosa ou Analyse do primeiro Juízo de Francisco Adolpho Varnhagen acerca do Compendio de
Historia do Brasil’ de1844. Além dessa obra de Abreu e Lima, primeira do gênero escrita por
um brasileiro nato e com uma ótica nacionalista como foi dito e já é difundido entre
historiadores do Brasil, seria interessante serem feitos estudos sobre a referida análise do
Adolpho Varnhagen, também membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro junto
com Abreu e Lima. A querela entre Abreu e Lima e Francisco Adolpho Varnhagen foi um
marco nos rumos da historiografia brasileira, outro fato ainda não observado devidamente
pela crítica, pois caso houvesse sido, provavelmente já haveria uma nova edição do
‘Compendio da Historia do Brazil, desde o seu descobrimento até o magestoso acto de coroação e sagração
no Sr. D. Pedro II’ cujo original foi publicado em 1843. Como dissemos no início desse
trabalho, o IHGB foi um órgão ligado à corte por muitas décadas, e o modelo
historiográfico foi parte de um ‘concurso’ aberto aos mais renomados intelectuais, contudo
sem haver sido feita justiça no que toca à meritocracia com fim ao bem coletivo.
8
3.
Conclusões Libertárias
Longe de pretendermos com esse singelo ensaio atingir a rigidez necessária do contexto
acadêmico, entendemos que a própria ideia de liberdade, objeto e objetivo principal
presente em toda a obra intelectual do General Abreu e Lima, está refletida na forma e no
conteúdo desse texto. A ideia de liberdade deste General foi, portanto, inovadora em
muitos aspectos. José Inácio de Abreu e Lima pregou a liberdade de imprensa e de
expressão, o voto livre para homens, mulheres e escravos, fim da escravidão, reforma
agrária, liberdade religiosa e união dos países latino-americanos. Todas suas idéias se
tornariam verdade décadas depois. Não seria esta uma prova de sua mente inovadora que
compreendia bem o ‘espírito do tempo’? Apesar de o Bispo Cardoso Ayres ter proibido seu
sepultamento em cemitério brasileiro no dia de sua morte, 9 de março de 1869, ainda hoje
temos de parabenizar o governo britânico que recebeu o General e conferiu-lhe um túmulo
perpétuo, de onde nunca sairá e será sempre zelado pelas gerações futuras.
Retomando o discurso do General Abreu e Lima, discurso esse que havia iniciado bem
antes de 1832 quando chegou ao Brasil, podemos afirmar que sua visão acerca do
socialismo foi antecessora em muito a qualquer pensador da América Latina, quiçá das
Américas. Sua proeminência estava sendo preparada havia décadas, desde suas viagens pela
África, ou até mesmo desde sua formação na Academia Militar. O General mostrou-se um
grande combatente também com as penas, e decidiu ser um redator de um periódico
fundamental para as revoluções de 1848 e seguintes: A Torre de Babel, que já havia sido o
mesmo nome do jornal que esse General editara na Colômbia. Enceramos com as palavras
explicativas desse General quando atuou como redator desse periódico:
“Fui eu também o primeiro, que, em 1832, ao voltar à minha pátria,
horrorisado pelo cynismo, pela impudencia com que se calumniava
torpemente o Sr. D. Pedro I de gloriosa memória, alcei a voz, e oppus
uma barreira de bronze contra semelhante barreira de iniqüidade. Sim,
Sr. Padre Januário, eu fui o redactor da Torre de Babel; eu fui o
primeiro que, depois do que chamais o vosso glorioso 7 de abril, gritei à
uma facção immoral e corrompida – Parai – e ella parou: eu fui o
primeiro que gritei – Ingratidão – Infâmia – e o povo me ouviu”. In:
Resposta do General J.I. de Abreu e Lima ao Cônego
Januário da Cunha Barbosa ou analyse do primeiro juízo de
Francisco Adolpho Varnhagen acerca do Compêndio da
História do Brasil. Pernambuco : Typ. de M. F. Faria, 1844.
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General Abreu e Lima na Torre de Babel