Meteorologia de Mesoescala
Professor Felipe Roque – Coord. Meteorologia (COMET)
Brisa de Vale e de Montanha
1. BRISA DE VALE (“Upslope”) e BRISA DE MONTANHA (“Downslope”)
Brisa de montanha e brisa de vale são
componentes de um vento local, operando
na escala diurna que se desenvolve
rotineiramente ao longo das encostas da
montanha. A formação destas brisas é
favorecida pelo fraco quadro sinótico do
gradiente de pressão. As maiores
preocupações possíveis da previsão
associadas às brisas de encosta são rajadas
de vento à superfície e geralmente leves
turbulências, convecção no topo da
montanha durante o dia e, à noite, nevoeiro
no vale.
A formação e intensidade das brisas de vale e de montanha dependem do contraste de temperatura
à superfície criado pelo aquecimento diurno e o resfriamento noturno. O aquecimento e resfriamento
são reforçados pelo céu claro e solo (superfície) seco. A orientação e inclinação do Sol, bem como a
direção do fluxo sinótico prevalecente têm efeitos também sobre a força e a evolução das brisas de vale
e de montanha. Por exemplo, no Hemisfério Norte, ventos anabáticos tendem a ser mais fortes em
encostas viradas para sul e mais fracos ou até mesmo inexistentes em encostas voltadas para norte.
1.1
Manhã
Normalmente, os ventos anabáticos
locais iniciam-se com o Sol pela manhã
aquecendo as encostas voltadas para sul e
leste. Por sua vez, o ar acima das encostas
também se aquece e começa a se elevar,
causando a ultrapassagem da brisa de vale
para o outro lado da montanha. Isso produz
uma compensação subsidente ao longo do
vale. Nota-se que os ventos catabáticos de
encostas podem persistir por algum tempo
após o nascer do sol na sombra, à oeste da montanha.
1.2
Dissipação das nuvens e nevoeiro
F
O
T
O
G
R
A
F
I
A
A
É
R
E
A OBLÍQUA DE STRATUS EM REDWOOD CREEK VALLEY, CA, MOSTRANDO DISSIPAÇÃO
SOBRE O CENTRO DO VALE.
Se as nuvens ou o nevoeiro estiverem presentes no início da manhã no vale, normalmente se
dissipam primeiro no centro deste, como mostra o exemplo. Esta dissipação é causada pela subsidência
sobre o centro do vale, compensando o fluxo ascendente.
1.3
Tarde
No período da tarde, a brisa de vale atinge sua intensidade máxima (5 a 15 nós ou mais fortes,
sobretudo acima da superfície) e pode contribuir para o desenvolvimento de tempestades com
trovoadas. O calor da superfície da montanha propriamente dita, combinada com o movimento vertical
ascendente na vanguarda da brisa de vale é, muitas vezes, suficiente para formar nuvens cumulus ao
longo dos cumes e das cadeias montanhosas. Dada a devida instabilidade atmosférica e umidade, este
processo quebra muitas vezes a inversão e desencadeia a primeira convecção do dia na área.
O vento anabático continua durante todo o
dia, se não for interrompido por convecção ou
disperso pela mistura vertical no vale aquecido.
Em seguida, enfraquece no final da tarde ou no
início da noite, já que aquecimento solar diminui.
Uma vez cessado o aquecimento solar, o
resfriamento noturno assume o comando,
inicialmente resfriando o ar perto da superfície.
Consequentemente, os ventos à superfície
enfraquecem ou cessam antes dos ventos
superiores na camada limite enfraquecerem. Isso
permite que os ventos anabáticos ainda persistam intensos na camada limite por várias horas após os
ventos à superfície cessarem.
1.4
Ao Anoitecer
Durante a noite, a circulação inverte-se. As
montanhas perdem o calor, resfriando o ar em
contato com as encostas. O ar se torna mais denso
que o circundante, dirige-se para baixo das encostas
da montanha e inicia os movimentos de
compensação ascendendo no vale. Este padrão de
fluxo é chamado brisa de montanha.
1.5
À Noite
Durante toda a noite, o vale continua a arrefecer,
e uma inversão geralmente separa a brisa de
montanha dos ventos de escala sinótica. Isso pode
levar a formação de nevoeiro no vale, especialmente
quando este contém uma fonte de umidade local,
como um rio, riacho, ou lago.
Observação: “fluxo desacoplado” (decoupled
flow): “Fluxo desacoplado” ocorre quando há uma
separação entre o fluxo próximo ao solo e o fluxo
em altitude. A inversão de temperatura normalmente separa as duas camadas. No presente caso, o
fluxo na camada próxima ao solo é catabático, enquanto que o fluxo em altitude são os ventos de escala
sinótica.
Exemplo
Esta animação mostra os efeitos de inclinação ventos nas montanhas do norte da Colômbia e da
Venezuela. Note o rápido desenvolvimento de nuvens cumulus durante as últimas horas da manhã,
forçado pela convergência do fluxo anabático do topo das montanhas. Durante a tarde, a convecção
apresenta um progresso até a formação de cumulus congestus e, possivelmente, até mesmo fracas
tempestades com trovoadas ao longo das elevações do terreno. Nota: a maior parte da nebulosidade
sobre a parte sul das imagens parece ser no nível médio, possivelmente os restos da atividade convectiva
do dia anterior.
2. VENTOS ANABÁTICOS E CATABÁTICOS DE VALE.
2.1
Introdução
Os ventos anabáticos e catabáticos de vale são uma importante peça tridimensional na circulação
diurna do vale/montanha. Estas figuras mostram as características gerais dos ventos anabáticos de vale
durante o dia e dos ventos catabáticos de vale durante a noite. Note que os ventos anabáticos e
catabáticos de vale sobrepõem-se ao ventos de encostas discutidos na seção anterior.
As mesmas condições ambientais que oferecem suporte ao ventos catabáticos e anabáticos de
encostas, oferecerão suporte também aos ventos anabáticos e catabáticos de vale. Tal como acontece
com os ventos das encostas, os ventos de vale são mais fortes quando o céu está claro e quando os
ventos em altitude estão menos intensos (mais fracos). Por outro lado, os ventos em altitude podem
superar os movimentos ascendentes e subsidentes da brisa de vale, promovendo uma mistura vertical e
interrompendo a inversão.
Enquanto os efeitos da encosta e do vale são mais fortes na ausência de uma intensa forçante
sinótica, eles muitas vezes influenciam na existência de um fluxo sinótico de maneira significativa. Eles
podem agir para reforçar, enfraquecer e/ou transformar o fluxo sinótico. Os efeitos dos ventos de
vale/montanha também podem modificar os regimes de ventos de mesoescala existentes. Por exemplo,
quando uma região montanhosa está ao lado de um grande corpo de água, o regime de brisa
marítima/terrestre irá interagir com o regime de montanha/vale de várias maneiras.
As condições ambientais que inibem os ventos anabáticos de vale incluem terra úmida ou cobertura
de neve que minimizam o aquecimento diurno. No entanto, estas condições podem, por usa vez,
promover ventos catabáticos de vale intensos durante a noite.
2.2.
Variação diurna
Assim como os ventos das encostas, os ventos do vale mostram um distinto ciclo diário. Em um dia
típico, você irá ver uma sequência como essa:
A. Ventos anabáticos de encostas desenvolvem-se logo após o nascer do Sol (na parte lateral do
vale);
B. Ventos anabáticos de vale desenvolvem-se mais tarde na parte da manhã;
C. Ventos catabáticos de encostas desenvolvem-se apenas antes do nascer do Sol (na parte lateral
do vale)
D. Ventos catabáticos de vale desenvolvem-se mais tarde, à noite e continuam até pouco depois do
amanhecer
Note que o fluxo das encostas continua durante os ventos anabáticos e catabáticos de vale.
2.3.
Transição dos ventos anabáticos e catabáticos
Esta é uma animação de 24 horas do campo de vento dos vales Tooele/Rush a oeste de Salt Lake
City, Utah, EUA. A animação mostra a composição do campo de vento observado durante um sereno,
parcialmente nublado, dia de verão. Observe a gradual reversão do fluxo do ventos anabáticos para os
ventos catabáticos, e vice-versa. A inversão dos ventos anabáticos ocorre mais para o final da manhã na
parte mais ampla e profunda do vale. Neste caso, a inversão ocorre em cerca de 1100 e 2100, horário
padrão local.
Os ventos da animação foram compostos por dados horários de vento obtidos a partir dos meses de
Junho, Julho e Agosto dos anos 1997-2000. Os ventos que entraram na composição horária dos
vetores de vento obtidos de cada estação eram compostos apenas de dias que tinham baixa velocidade
do vento ascendente (velocidade em 700 mb menor ou igual a 7 m/s) e céu claro a parcialmente
nublado ( radiação solar diária total maior ou igual a 65% do teórico extraterrestre total diário). Esta
restrição tem como foco a animação desenvolvida no local dos sistemas de vento térmico.
Stewart, J. Q., C. D. Whiteman, W. J. Steenburgh, and X. Bian, 2001: A climatological study of
thermally driven wind systems of the U.S. Intermountain West. Bull. Amer. Meteor. Soc., 83, 12331242.
2.4.
Distribuição dos ventos
Ventos catabáticos de vale são confinados a uma profundidade abaixo do topo da inversão noturna,
que normalmente não é tão profundo como o vale. Essas inversões são geralmente mais profundas e
mais fortes do que sobre as planícies à noite. Os ventos catabáticos de vale são mais fortes quando a
profundidade da inversão é maior. Em outras palavras, quanto maior for a profundidade do vale, maior
será a inversão e consequentemente, mais fortes serão os ventos. Ventos anabáticos e catabáticos de
vale podem atingir velocidade de até 10 m/s. O seu máximo ocorre normalmente em uma
profundidade de 30 a 60% da profundidade do vale.
Os ventos catabáticos de vale mais fortes são observados na saída do vale. Este efeito é maximizado
quando as saídas possuem desfiladeiros íngremes. Isto é devido ao fato de que os ventos catabáticos de
vale continuam a acelerar até o vale “se abrir”. Para vales que “abram” mais gradualmente, os ventos
tornam-se mais lentos, o fluxo se espalha e a inversão diminui em direção ao final da “abertura” do
vale.
2.5.
Constrição e Agrupamento de Ar Frio
Constrições topográficas podem enfraquecer o
fluxo catabático de vale com o acúmulo de ar frio do
lado a montante das constrições. Este acúmulo de ar
frio leva à ocorrência de temperaturas da superfície
muito menor do que poderiam ocorrer se o vale não
fosse tão constrito (estreito).
2.6.
“Avalanche de Ar Frio”
A queda repentina de ar frio de um platô em um vale é conhecida como “avalanche de ar frio”.
Podem ocorrer quando o ar frio acumula-se no planalto durante a noite, até que um tamanho crítico
seja alcançado e o ar frio desça como cascata nas encostas. Estas “avalanches” podem repetir-se várias
vezes em uma única noite.
3. RESUMO DOS PROBLEMAS DE PREVISÃO
As brisas de vale e de montanha tendem a ser mais fracas e geralmente apresentam poucos problemas
“operacionais” a menos que iniciem convecção (durante o dia) ou nevoeiro (à noite). Brisas de vale e
de montanhas, por outro lado, podem ser mais fortes para vales profundos e, assim, afetam diretamente
as operações de vôo. Em qualquer um dos casos, lembre-se de que os efeitos dos vales e encostas
podem agir para modificar o fluxo sinótico existente de maneiras potencialmente importantes. Esta
página resume os desafios da previsão, importantes ingredientes, os riscos associados e as ferramentas
para a previsão dos ventos de vale e encostas.
3.1.
Os Desafios da Previsão
- Antecipação da força real dos ventos catabáticos e anabáticos e turbulências associadas.
- O momento do início da convecção potencial no topo da montanha.
- Previsão da formação e dissipação de nevoeiro noturno no vale.
- Interpretação dos resultados dos modelos de mesoescala que nem sempre é particularmente útil
para resolver recursos de pequena escala.
3.2.
Importantes Ingredientes
- Características dos terrenos adjacentes às montanhas e vales.
- Fraco gradiente de pressão e fluxo sinótico (10% a 15 nós), especialmente perto da superfície.
- Condições de céu claro na maioria das vezes (Permite para o horário diurno aquecimento das
encostas da montanha e forte resfriamento noturno)
A convecção no topo da montanha iniciada pela brisa de vale é favorecida pela (o):
- Céu claro
- As encostas das montanhas voltadas para Leste e/ou Sul
- Instabilidade moderada
- Umidade suficientemente baixa
O nevoeiro no vale causado pela brisa de montanha é favorecida pela (o):
- Céu claro
- Inversão noturna
- Fonte de umidade local
3.3.
Riscos Associados
- Convecção:
- A brisa de vale pode iniciar à tarde tempestades com trovoadas.
- A convecção inicial pode “adormecer”, com os ventos em nível superior podem gerar
subseqüentes células convectivas
- Esperar rajadas de vento próximo à superfície, turbulência, formação de gelo, raios,
precipitação (incluindo pequenas saraivas) e a redução do teto e da visibilidade.
- Formação de gelo
- Somente na presença de convecção profunda
- Moderado a grave acima do nível de congelamento
- Turbulência
- Leve a moderada próximo à superfície nas proximidades da frente das brisas.
- Moderada a grave nas tempestades com trovoadas.
- Teto (CIGS) < 3.000 pés
- Cumulus e cumulonimbus – geralmente entre 2.000 e 4.000 pés e regras de vôo visual marginal
(MVFR) para regras de vôo visual (VFR)
- Nevoeiro no vale ou stratus trazido pela brisa de montanha, formação de nevoeiro em primeiro
lugar acima do vale, descendo rumo à superfície com o passar do tempo.
- Obstruções de visibilidade à superfície
- < 2 mi em tempestades com trovoadas
- Severamente reduzida durante o nevoeiro de vale causado pelo fluxo da brisa de montanha.
- Orientação das encostas do vales e montanhas do Sol da manhã deve ser considerada
quanto à previsão da dissipação do nevoeiro no vale.
- Precipitação à superfície
- Com convecção
- Ventos à superfície
- Prevalece o fluxo de vale durante o dia e o fluxo de montanha durante a noite.
- Em geral com menos de 15 nós, mas especialmente forte na brisa de vale, apoiada pelo
padrão meteorológico de grande escala pode chegar a 50 nós.
- 30 nós ou mais nas proximidades da superfície
- Superfície a 2.000 pés acima do nível do solo (AGL), wind shear
- Esperar velocidade e cisalhamento direcional do outro lado da frente da brisa e nas
proximidades das tempestades com trovoadas
3.4.
Ferramentas de Previsão
- Dados superficiais
- Analisar rotineiramente as principais estações à superfície e/ou mesonets (se disponível) para
acompanhar a evolução e a intensidade das brisas de vale e de montanha.
- Durante o dia: acompanhar as tendências de temperatura à superfície e do ponto de orvalho para
estimar quando/se a temperatura convectiva será atingida antes da formação inicial de cumulus.
- Durante a noite: monitorar a temperatura, orvalho, a intensidade dos ventos no vale para
localizar e determinar o potencial de aparecimento de nevoeiro.
- Dados de ar superior
- Analisar gráfico de altos níveis correspondente à altura do topo da montanha (geralmente 700
mb ou menos) para direções do vento leve ou localmente favoráveis no fluxo do topo da
montanha.
- Sondagens / Skew T
- Analisar gradientes para a presença e distribuição de instabilidade condicional nas
proximidades topográficas locais.
- Resultados do modelo
- Observar as previsões do fluxo do topo da montanha (direção e intensidade) para direções do
vento leves ou localmente favoráveis.
- Analisar as tendências da previsão de instabilidade condicional nas imediações da topografia
local.
- Uso de modelos de previsões de ventos de mesoescala à superfície para ajudar a determinar os
regimes de fluxo local das circulações das brisas de vale e de montanha.
- Dados de satélites meteorológicos
- Imagens do canal visível para detectar o início do desenvolvimento de cumulus.
- Imagens do canal infravermelho com realces de temperatura para monitorar o topo das nuvens
indicando forte atividade convectiva.
- Alguns canais específicos de satélites (visível ou imagens no canal 3.9 micron durante o dia,
imagens da diferença entre os canais 3.9 e 10.7 micron durante a noite) para monitorar o início,
extensão e dissipação do nevoeiro no vale.
- Radar NEXRAD
- Se algum radar estiver próximo ao loca de interesse. monitorar as direções e velocidades
Doppler dos ventos locais.
REFERÊNCIAS
C. David Whiteman, C.D., Mountain Meteorology: Fundamentals and Applications. Oxford
University Press, 2000, 355 pp.
Hindman, E.E., 1973: Air currents in a mountain valley deduced from the breakup of a stratus deck.
MWR, 101, 195-200.
Stewart, J.Q., C.D. Whiteman, W.J. Steenburgh, and X. Bian, 2001: A climatological study of
thermally driven wind systems of the U.S. Intermountain West. Bull. Amer. Meteor. Soc., 83, 12331242.
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