Universidade de Aveiro Departamento de Biologia
2007
Ana Sofia Pereira
Serrenho Reboleira
Coleópteros (Insecta, Coleoptera) cavernícolas
do Maciço Calcário Estremenho: uma
abordagem à sua biodiversidade.
Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ecologia,
Biodiversidade e Gestão de Ecossistemas, realizada sob a orientação
científica do Doutor Fernando Gonçalves, Professor Associado com
Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e
do Doutor Artur Raposo Moniz Serrano, Professor Auxiliar com
Agregação do Departamento de Biologia Animal da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa.
2
o júri
presidente
Prof. Doutor Pedro Oromí Masoliver
Professor catedrático do Departamento de Biología Animal da Universidad de La Laguna,
Tenerife, Espanha
Prof. Doutor Fernando José Mendes Gonçalves
Professor associado com agregação do Departamento de Biologia da Universidade de
Aveiro
Prof. Doutor Artur Raposo Moniz Serrano
Professor auxiliar com agregação do Departamento de Biologia Animal da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa
3
agradecimentos
À minha mãe.
Ao meu pai.
Aos meus orientadores Professor Fernando Gonçalves e Professor
Artur Serrano por me apoiarem nesta minha teimosia de estudar fauna
cavernícola.
Ao Professor Pedro Oromí, com quem dei os meus primeiros passos na
Biologia Subterrânea, pelo exemplo de retidão e seriedade no
desempenho do seu trabalho e pela amizade que nasceu dessa
partilha.
Ao Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros por todo o apoio
logístico, cedência de instalações, equipamentos e documentação. Pela
disponibilidade, carinho e empenho com que sempre me ajudaram. Aos
seus funcionários, guardas e muito em especial à Bióloga Maria de
Jesus Fernandes e aos Espeleólogos Olímpio e Maria João Martins.
Aos amigos espeleólogos e grupos de espeleologia que
voluntariamente me acompanharam nos trabalhos de campo. Ao
NEUA, ao Rui Andrade, Manuel Freire e Rui Pinheiro. Ao CEAE-LPN,
na pessoa do meu amigo e companheiro de grandes aventuras
espeleológicas Pedro Pinto, Marília Moura e Tiago Borralho. Ao GPS,
Cláudia Neves, Sérgio Medeiros, Afonso Medeiros, Gustavo Medeiros,
Hugo Mendes e Carlos Ferreira. Ao NEL, Zé Artur Pinto e Pedro
Galvão. À AES, Gabriel Mendes e Paulo Rodrigues. Ao ECLER, Pedro
Tiago Martins. À SPE, ao Professor José António Crispim, pelos
comentários sobre compartimentação e funcionamento hidrogeológico
do Maciço Calcário Estremenho.
À empresa Grutas de Mira de Aire, SA., pela simpatia com que me
abriu as portas da cavidade e por me facultarem os seus dados
históricos.
Ao Frederico Tatá Regala, por me ceder exemplares de coleópteros
recolhidos em 1991, em grutas do Maciço onde se desenvolveu o
presente estudo.
Aos colegas de laboratório por todo o apoio.
Aos meus amigos, com um agradecimento especial ao Pedro
Ramalhete que tantas vezes me acompanhou a caminho da Serra.
Às gentes das Serras de Aire e Candeeiros, pelo carinho e
hospitalidade.
Pelo vosso empenho, pela vossa dedicação, alegria e motivação, o
meu mais profundo Obrigada.
4
resumo
O presente trabalho pretendeu fazer uma abordagem ao conhecimento
da biodiversidade de coleópteros (Insecta, Coleoptera) cavernícolas no
Maciço Calcário Estremenho e relacionar a sua ocorrência com alguns
factores abióticos, nomeadamente a profundidade, temperatura e
posição geográfica da cavidade. A descoberta de espécies novas para
a Ciência, levou à descrição de duas novas espécies de coleópteros
hipógeos e a novas considerações biogeográficas.
5
abstract
The present study aims to make an approach to the knowledge of
biodiversity of cave beetles (Insecta, Coleoptera) in the Estremenho
karstic massif (Portugal), and to relate their occurrence with some
abiotic parameters, including depth, temperature and geographical
location of the caves. Also, the description of two new species of
hypogean beetles is made and some biogeographical considerations
are discussed.
6
Que alegria sentem quando descobrem, por fim, um insecto descolorido,
grácil, elegante mesmo, com antenas desmedidas: desta vez, sim,
estão em presença de um verdadeiro cavernícola.
Finalmente apanharam um!
Michel Bouillon
7
ÍNDICE
Agradecimentos
Resumo
Abstract
1. Introdução
1.1 - Breve resenha histórica sobre a Biologia subterrânea em Portugal
Continental
1.2 - Coleópteros cavernícolas em Portugal Continental
1.3 - Ecologia e adaptações ao meio hipógeo
1.3.1 – Troglomorfismos e parâmetros ambientais
1.3.2 - Parâmetros nutricionais e adaptações demográficas e
metabólicas
1.3.3 - Estabilidade do meio e importância da fauna cavernícola
1.3.4 - Fontes de energia nos habitats hipógeos
1.4 - Delimitação do ecossistema cavernícola
1.5 - Vulnerabilidade dos habitats cársicos subterrâneos e sua protecção
1.6 - Objectivos
2. Área de Estudo
2.1 - Clima
2.2 - Vegetação
2.3 - Complexos geológicos hipógeos amostrados
3. Material e Métodos
3.1. Campo
8
3.2 Laboratório
4. Resultados e Discussão
4.1 Diversidade coleopterológica
4.2. Localização dos coleópteros recolhidos em cada cavidade
4.3 Variação da ocorrência de coleópteros
4.3.1 Temporal
4.3.2 Profundidade
4.3.3 Temperatura
4.4 Descrição de duas novas espécies
5. Considerações finais
6. Referências bibliográficas
9
Capítulo 1
Introdução
10
A fauna cavernícola apesar de englobar uma riqueza específica relativamente
baixa (Vandel, 1965; Sket, 1999), contribui com grande relevância científica (e.g.,
adaptações troglomórficas) para a biodiversidade global do nosso planeta.
De entre esta fauna destacam-se os insectos da ordem Coleoptera, grupo
que apresenta a maior riqueza específica presente na maior parte dos
ecossistemas terrestres (Erwin, 1996). Das 166 famílias de Coleópteros conhecidas
(Lawrence & Newton, 1995) apenas 10 têm espécies hipógeas, das quais cerca de
92 % pertencem à família Carabidae (a grande maioria Trechinae) e Cholevidae
(Juberthie & Decu, 1998).
A publicação “Essai sur les problèmes biospéologiques” de Emil G.
Racovitza, em 1907, marca o início do estudo da fauna hipógea, de forma
sistemática e específica.
1.1. Breve resenha histórica sobre a Biologia subterrânea em Portugal
Continental
As primeiras recolhas significativas de fauna cavernícola em Portugal
reportam-se às explorações efectuadas pelo arqueólogo Abbé Breuil (1918).
Acompanhado pelo geólogo Ernest Fleury, recolheu amostras de fauna em 6
cavidades de Alcobaça, de Porto de Mós e da península de Lisboa (Fleury, 1923).
Em 1931, L. Fage descreve a aranha troglóbia Nesticus lusitanicus, que se
11
encontra distribuída ao longo do Maciço Calcário Estremenho, embora o macho
desta espécie só venha a ser descrito 57 anos mais tarde (Ribera, 1988).
O Professor António de Barros Machado, do Instituto de Zoologia “Dr.
Augusto Nobre” da Universidade do Porto, foi o grande impulsionador da
Bioespeleologia Portuguesa. No ano de 1938, iniciou o estudo sistemático da fauna
cavernícola, bem como a exploração e inventariação de centenas de cavidades por
todo o país (Machado & Machado, 1942). O material resultante destas explorações
biológicas foi estudado por diversos especialistas: R. Jeannel (coleópteros), M.
Vachon (pseudoescorpiões), A. Arcangeli (isópodes), A. Vandel (isópodes
oniscóides), A. de Barros Machado (quilópodes, opiliões e aranhas), A.
Schellenberg, A. Mateus e E. de Oliveira Mateus (anfípodes), Delamare
Deboutteville (colêmbolos), R. Tollet (micétofilídeos) e R. Badonnel (psocópteros),
entre outros (Lindberg, 1962).
Na mesma altura em que Barros Machado iniciou o estudo da fauna
cavernícola, Fernando Frade inicia o estudo da stigofauna portuguesa, com a
descrição da espécie Asellus lusitanicus, isópode aquático hipógeo do Alviela.
Meia década mais tarde, o investigador José Maria Braga, do mesmo
Instituto de Barros Machado, continua com o estudo dos aselídeos e sincarídeos de
águas subterrâneas, descrevendo mais de duas centenas de espécies. A
professora Odette Afonso descreve, depois de 1978, mais de uma dezena de
espécies de aselídeos hipógeos (Gama & Afonso, 1994).
Em 1957, os especialistas Amílcar e Emília de Oliveira Mateus inicia uma
série de estudos sobre anfípodes hipógeos, com descrição de várias espécies.
12
Outra figura de relevo na história da bioespeleologia portuguesa foi Knut
Lindberg que realizou várias campanhas bioespeleológicas entre Abril e Julho de
1961, em cavidades de diferentes pontos do país. Os principais resultados
encontram-se sintetisados nas publicações “Voyage au Portugal du Dr. K. Lindberg.
Résultats Zoologiques.” 1962-1964.
De entre as várias pessoas que acompanharam Lindberg nas suas
campanhas bioespelelógicas encontra-se uma referência incontornável na
Bioespeleologia nacional, Maria Manuela da Gama. Esta Professora da
Universidade de Coimbra, dedicou a sua investigação ao estudo de colêmbolos
cavernícolas. Das suas publicações sobre colêmbolos de diversas partes do
mundo, destaque-se os colêmbolos cavernícolas de Portugal, com descrição de
inúmeras espécies.
No final do século passado surgem descrições de aranhas cavernícolas
portuguesas da autoria de um grupo de investigação da Universidade de Barcelona
liderado pelo Professor Carles Ribera (Ribera, 1988 e 1993).
No fim do século passado, os entomólogos Professor Artur Serrano e Carlos
Aguiar da Universidade de Lisboa iniciaram o estudo dos coleópteros endógeos em
várias partes do país tendo, até à presente data, descrito dezenas de espécies.
13
1.2. Coleópteros cavernícolas em Portugal Continental
A fauna cavernícola de Portugal Continental, no que diz respeito aos
coleópteros, tem sido considerada pobre em comparação com outras até agora
estudadas no âmbito da Península Ibérica e mesmo da Europa (Coiffait, 1962).
A primeira espécie de coleóptero recolhida em grutas de Portugal
Continental
foi
Trechus
fulvus
Dejean.
Foi
capturado
pelo
comerciante
entomológico M.L.W. Schaufuss, no ano de 1831, desconhecendo-se por completo
as cavidades então exploradas (Putzeys, 1870).
Após aquela data, foi necessário esperar mais de 100 anos até à descoberta
do primeiro coleóptero troglóbio, Trechus machadoi Jeannel (Jeannel, 1941). Esta
descoberta foi efectuada na gruta das Alcobertas (Rio Maior) por Barros Machado.
Este conceituado biólogo confiou o material coleopterológico recolhido naquela
gruta ao especialista Renné Jeannel do Museu de Paris, que descreveu aquela
espécie com base em dois exemplares daquele material (Jeannel, 1941).
Em 1957, uma expedição espeleológica da Universidade de Londres,
realizada ao sistema da gruta de Moinhos Velhos, regista a presença de colónias
de colêmbolos e coleópteros na parte profunda desta cavidade, não apresentando
nenhum estudo taxonómico sobre os coleópteros em questão (Cons, 1959).
Coiffait (1962) publicou os resultados obtidos com o estudo dos coleópteros
recolhidos pelo Dr. K. Lindberg durante as explorações realizadas nas grutas de
Portugal, em diferentes pontos do país. Aquele autor registou uma lista de 36
espécies de coleópteros, aquela publicação concluíu, como já referimos, que
existia uma baixa riqueza específica de Coleópteros cavernícolas em Portugal
14
Continental, salientando o interesse da especialização de Speonemadus
angusticollis Kratz (Leiodidae, Cholevinae in Lawrence & Newton, op. cit.) no
Maciço Algarvio.
Até ao presente, tanto quanto se tenha conhecimento, não foi realizado
nenhum outro estudo com o objectivo de analisar a diversidade de coleópteros
cavernícolas nas cavidades cársicas de Portugal.
1.3 Ecologia e adaptações ao meio hipógeo
À semelhança daquilo que se pode encontrar nos ecossistemas terrestres de
superfície também os sistemas hipógeos exibem fenómenos ecológicos, tais como:
competição, predação e outros tipos de interacções (Culver, 2001). De uma forma
simplista, pode-se afirmar que o meio subterrâneo é um ecossistema de excelência
para o estudo da ecologia das espécies, uma vez que o número de interacções é
menor.
Relativamente às adaptações ao meio hipógeo, algumas classificações têm
vindo a ser defendidas ao longo dos tempos, tendo em consideração a forma como
os organismos utilizam aqueles meios. Actualmente, de uma forma generalizada,
opta-se pela classificação destes organismos em três categorias ecológicas:
trogloxenos, troglófilos e troglóbios. Os primeiros são considerados residentes
temporários, os segundos com fortes afinidades àquele meio e os terceiros
habitantes obrigatórios do meio hipógeo. Designações equivalentes são utilizadas
para os organismos aquáticos com o prefixo stigo (Vandel, 1965; Bellés, 1987).
15
As comunidades cavernícolas são compostas por espécies em diferentes
estados de adaptação ao meio hipógeo (Gibert & Deharveng, 2002). Nestas
comunidades, os troglóbios assumem particular interesse científico. Sendo
organismos dependentes obrigatórios do meio hipógeo, os troglóbios desenvolvem
todo o seu ciclo de vida neste meio, apresentando uma série de adaptações
designadas troglomorfismos (Vandel, 1965; Culver 2001). A ocorrência destes
caracteres nos organismos hipógeos é sintomática duma evolução denominada
regressiva. Duas grandes teorias são utilizadas para explicar o seu aparecimento: a
que resulta da selecção natural directa ou indirecta e a que contempla a mutação
neutral e deriva genética (Culver, 2001).
Os Coleópteros hipógeos estão representados mundialmente por dois
grupos de espécies: a) os paleotroglóbios, cavernícolas muito antigos e
troglomorfos cujos parentes epígeos já desapareceram da superfície, e b) grupo,
composto por espécies endémicas resultantes de especiações recentes (Juberthie,
1992).
1.3.1. Troglomorfismos e parâmetros ambientais
Como
características
acima
referido,
morfológicas,
os
que
cavernícolas
podem
em
geral
sentido
exibir
são
determinadas
designadas
por
troglomorfismos. A título de exemplo podem ser referidos a anoftalmia,
despigmentação, alongamento de apêndices e estilização corporal.
16
Na ausência de luz são privilegiadas certas estruturas sensitivas em
detrimento da visão, o que se traduz morfologicamente no alongamento de patas e
antenas e na proliferação de mecano e quimiorreceptores. Também decorrente da
ausência de luz, a consequente ausência de fotoperíodo altera o ritmo circadiano
(Culver, 2001).
Nas zonas profundas das cavidades, os parâmetros ambientais são
praticamente constantes durante todo o ano. A temperatura do meio subterrâneo
profundo corresponde a uma média da temperatura anual exterior dos últimos 100
anos. O factor determinante na variação da temperatura num determinado local
está correlacionado com a sua distância à entrada e com a sua posição vertical. A
temperatura das cavidades varia consoante a altitude, o número de entradas, a
circulação activa de cursos de água e a forma das galerias, factores que
condicionam a circulação das massas de ar no seu interior (Kranj & Opara, 2002).
A variação térmica diminuta e a humidade relativa do ar próxima da
saturação, condicionam os mecanismos de protecção contra a perda de água, o
que torna os organismos cavernícolas muito sensíveis à dessecação (Culver,
2001).
O défice atmosférico de oxigénio também influencia a distribuição de
organismos troglóbios, uma vez que estes apresentam maior tolerância a elevadas
concentrações de dióxido de carbono. Tal facto, apresenta-se como uma vantagem
competitiva relativamente a espécies epígeas (Culver, 2001).
17
1.3.2. Parâmetros nutricionais e adaptações demográficas e metabólicas
De um modo geral, a escassez de recursos alimentares é um forte factor de
pressão selectiva no meio hipógeo, embora existam excepções em grutas com
grandes quantidades de H2S (e.g. Peştera Mobille, Roménia).
Como consequência deste factor, as espécies cavernícolas apresentam um
metabolismo mais lento, que lhes possibilita uma maior capacidade de resistência
ao jejum prolongado. Por este motivo, estas espécies apresentam uma longevidade
superior à das espécies epígeas.
Face à baixa disponibilidade de recursos alimentares, estes organismos
desenvolveram estratégias reprodutivas tipo k, com redução do número dos
instares larvares e redução do número de ovos, mas estes, mais ricos em vitelo
(Vandel, 1965; Ginet & Decu, 1977).
1.3.3. Estabilidade do meio e importância da fauna cavernícola
A ausência de variações térmicas extremas ao longo do ano e dos séculos,
a humidade próxima da saturação e a obscuridade são factores que conferem ao
meio hipógeo uma elevada estabilidade ambiental. Assim, este meio pode actuar
como um “meio conservador” porque, sofrendo poucas variações quando
comparado com o meio epígeo, serve de refúgio a espécies ou grupos que se
extinguiram à superfície. Este é o motivo pelo qual muitos troglóbios são
considerados “fósseis vivos”, assumindo uma grande importância na descrição da
18
história da vida na Terra e das relações filogenéticas. Apesar de tudo, este meio é
também dinâmico, sendo constantemente colonizado e onde as espécies
continuam a sua evolução e diversificação (Juberthie, 1992).
Do ponto de vista científico, as peculiaridades morfofisiológicas desta fauna,
tornam os ambientes em que vivem em autênticos laboratórios vivos, que permitem
realizar estudos sobre diferentes questões biológicas, nomeadamente, nas áreas
da adaptação, evolução, genética de populações, estratégias reprodutivas, entre
outras.
1.3.4. Fontes de energia nos habitats hipógeos
A ausência de luz é apanágio de todos os habitats hipógeos, o que
impossibilita a realização de fotossíntese, ou seja, o principal mecanismo de
produção de matéria orgânica que ocorre à superfície. Por este motivo, na
generalidade das cavidades cársicas, a produção primária não é significativa e está
apenas associada a algumas bactérias quimiolitotróficas.
As cadeias alimentares cavernícolas estão quase sempre, directa ou
indirectamente, dependentes de fontes orgânicas externas. A matéria orgânica é
lixiviada através de uma vasta rede de microfissuras. Os rios subterrâneos
desempenham também um papel importante, arrastando consigo restos vegetais e
materiais em suspensão (Figura 1).
19
Para muitas comunidades, o movimento de animais do exterior para o
interior é a maior fonte de alimento. É o caso da fauna do guano, que vive
exclusivamente dos dejectos de colónias de morcegos (Culver, 2001).
Em sistemas hipógeos mais superficiais, as raízes de plantas podem ser
uma fonte de alimento muito importante, albergando comunidades de fitófagos.
Figura 1 – Esquema representativo da estrutura de um habitat cavernícola (Modificado de
Juberthie, 1992).
1.4 Delimitação do ecossistema cavernícola
As grutas desde sempre povoaram o imaginário do ser humano, pelos
mistérios da sua exploração e pelas suas formas. O conceito de gruta é puramente
20
antropológico e define-se como gruta uma cavidade natural que permita a entrada
do ser humano (Curl, 1964).
As grutas recebem diferentes designações consoante a região onde se
encontram, pela sua morfologia e pelas suas dimensões. No âmbito deste trabalho
será importante definir 3 tipos: as grutas propriamente ditas, que são cavidades de
desenvolvimento predominantemente horizontal, as lapas que são pequenas
cavidades horizontais e os algares que são grutas de desenvolvimento
acentuadamente vertical, cuja entrada se abre sob a forma de poço.
A Bioespeleologia foi definida como a Ciência que estuda os organismos que
vivem no interior das grutas, recorrendo às técnicas de exploração espeleológicas
para permitir a progressão nesse meio (Vandel, 1964). Esta definição caiu um
pouco em desuso por se verificar que o habitat que se pensava circunscrito às
cavidades é na realidade, extraordinariamente mais amplo. Um dos problemas
decorrentes da definição anterior é o facto da protecção dos habitats hipógeos ficar
apenas restrito às cavidades.
Os organismos troglóbios habitam uma rede imensa de pequenas fissuras
ao longo dos maciços cársicos, desde o último horizonte do solo até à base das
rochas carbonatadas (Figura 1). Organismos troglóbios são encontrados em
lençóis freáticos aluviais e de outros tipos de rochas que não cársicas e no Meio
Subterrâneo Superficial (MSS), em vários tipos de rochas. Por este motivo, utilizase actualmente a designação de Biologia subterrânea, abarcando todo o tipo de
ecossistemas, habitados por organismos com características troglomorfas, em
deterimento do termo bioespeleologia (Juberthie, 1992).
21
1.5. Vulnerabilidade dos habitats cársicos subterrâneos e sua protecção
As cavidades cársicas resultam da intervenção de diversos factores, em que
a acção química e mecânica da água desenvolve um papel primordial. As
cavidades estão sempre conectadas com a superfície, quer através entradas, quer
por toda uma rede de fissuras e microfissuras que permitem a percolação de
substâncias para o seu interior. As águas subterrâneas e intersticiais são
constantemente afectadas por derramamentos, pesticidas, fertilizantes, esgotos
urbanos e industriais, que afectam negativamente, directa ou indirectamente, toda
a fauna.
O maior problema na conservação destes habitats centra-se na necessidade
da protecção de toda a área de drenagem da cavidade, sendo muitas vezes difícil a
sua delimitação (Sket, 1992).
Outro
problema
grave
nos
maciços
cársicos,
nomeadamente
nos
portugueses, prende-se com a extracção de inertes que é um dos principais
factores de destruição dos habitats, verificando-se a devastação completa de
extensas áreas ou mesmo de todo um sistema hipógeo.
O turismo espeleológico, em todas as suas formas, é também um factor de
desequilíbrio ecológico no interior das cavidades (Spate & Hamilton-Smith, 1991).
A monitorização biológica intensiva e a exploração de coleópteros troglóbios
para comércio pode ter efeitos devastadores nas estruturas dos ecossistemas
22
hipógeos, como se verifica, por exemplo, com os raros coleópteros paleotroglóbios
dos géneros Aphaenops e Leptodirus (Cigna, 2002).
A utilização de traçadores de águas subterrâneas, em estudos de
hidrogeologia cársica, é muitas vezes actividade de risco, uma vez que a grande
maioria destas substâncias são tóxicas e persistentes nas argilas, com efeitos
perniciosos para a fauna hipógea e para a saúde pública (Behrens et al., 2001).
A única garantia de sobrevivência das espécies hipógeas é a conservação
integral do seu habitat. Por isso, urge a criação de normas que regulamentem a
conservação e o uso deste património hipógeo.
O Parque Natural de Serras de Aire e Candeeiros foi criado para proteger o
mais importante repositório de formações calcárias existente em Portugal (DecretoLei nº 118/79, de 4 de Maio). A Resolução do Conselho de Ministros nº 76/00, de 5
de Julho, cria o Sítio “Serras de Aire e Candeeiros”, proposto para Sítio de
Interesse Comunitário - SIC - rede Natura 2000. Em Dezembro de 2002, o Polje de
Mira-Minde e as exsurgências associadas foram classificados como sítio nº 1616
da Convenção Ramsar (dados: ICNB).
No entanto, apesar desta legislação de cariz conservacionista para estas
regiões, continuam a verificar-se acções antropogénicas extremamente gravosas,
já acima referidas, para estes habitats e concomitantemente para a sua
biodiversidade.
O elevado risco de extinção de espécies endémicas de coleópteros
cavernícolas devido à sua raridade e padrão de ocorrência, determina a urgente
necessidade de desenvolvimento de estratégias da sua conservação (JímenezValverde, 2007).
23
1.6. Objectivos do Trabalho
O presente trabalho pretendeu fazer uma abordagem ao conhecimento da
biodiversidade de coleópteros (Insecta, Coleoptera) cavernícolas no Maciço
Calcário Estremenho e relacionar a sua ocorrência com alguns factores abióticos,
nomeadamente a profundidade, a temperatura e a posição geográfica da cavidade.
Na sequência do trabalho desenvolvido para atingir o objectivo anterior, apresentase também a descrição de duas novas espécies descobertas no Maciço Calcário
Estremenho.
24
Capítulo 2
2. Área de Estudo
25
“(...) afigurou-se-me legítimo forjar um nome
que traduzisse em síntese os traços esseciais do conjunto.
E por isso surge no vocabulário científico esta designação – Maciço Calcário Estremenho.
Terá quilate suficiente para garantir-lhe livre curso nos domínios da literatura especializada?”
Alfredo Martins Fernandes, 1949
A área de estudo seleccionada foi o Maciço Calcário Estremenho (MCE).
Com cerca de 800 km2, situado entre Rio Maior, Tomar e Leiria, este maciço
encontra-se localizado na zona centro da orla ceno-mesozóica de Portugal. O MCE
é uma unidade geomorfológica composta por um grande bloco de calcários do
Jurássico médio (Dogger), com cerca de 160 milhões de anos. O MCE está dividido
em três compartimentos mais elevados: a Serra dos Candeeiros, o Planalto de
Santo António e o Planalto de S. Mamede/Serra de Aire, separados por duas
grandes depressões: a da Mendiga e a de Minde-Alvados (Figura 2).
26
Figura 2 – Localização da região estudada em Portugal e mapa de relevo representativo do
MCE, evidenciando as principais subunidades e depressões (simplificado a partir de
Manuppella et al., 1985).
27
2.1 Clima
O MCE situa-se na zona edafoclimática calcomediterrânea e apresenta um
clima mediterrânico do tipo oceânico sob influência do Atlântico (Fernandes, 1949).
Os ventos predominantes são do quadrante N e NW e transportam massas de ar
carregadas de humidade que provocam intensos nevoeiros e as fortes
precipitações no Inverno. Os valores de precipitação anual variam entre 900 mm e
1300 mm (Alho, 1997).
Este maciço caracteriza-se por ter um clima húmido e mesotérmico com
elevada deficiência de água à superfície.
2.2 Vegetação
O coberto vegetal do MCE é do tipo matagal mediterrânico onde imperam as
espécies do género Quercus. Predominam espécies vegetais como o alecrim
(Rosmarinus officinalis), o rosmaninho (Lavandula stoechas) e os pinheiros (Pinus
pinaster e Pinus pinea). De notar a presença de vastos campos de oliveira (Olea
europaea).
O tipo de vegetação e a composição dos terrenos na área de drenagem das
cavidades são de extrema importância para a fauna existente. A composição da
vegetação condiciona a acidificação dos solos e consequentemente o pH das
águas que percolam os calcários. Deste modo, a desflorestação e alteração da
28
paisagem à superfície são factores que induzem modificações nos parâmetros
físico-químicos das cavidades e, por conseguinte, na sua fauna.
2.3 Complexos geológicos hipógeos amostrados
No MCE existem mais de 2000 cavidades cársicas naturais (dados:
PNSAC). A escolha das cavidades amostradas obedeceu a dois critérios
fundamentais: a profundidade e a localização geográfica, procurando pontos
estratégicos dispersos pelas diferentes unidades geomorfológicas e bacias
hidrológicas do MCE. Partiu-se do pressuposto de que aumentando a profundidade
elevar-se-ia a probabilidade de recolha de espécies adaptadas à vida subterrânea
e que, dispersando geograficamente as amostragens, ampliar-se-ia a possibilidade
de obter maior diversidade de espécies.
A gruta das Alcobertas foi incluída no estudo por ser a única cavidade onde
se encontrou Trechus machadoi, o único coleóptero carabídeo hipógeo conhecido
de Portugal continental. As cavidades seleccionadas encontram-se discriminadas
na Tabela 1.
29
Tabela 1. Cavidades estudadas e suas características (Arg – Argiloso, R – Rochoso, G –
Guano, H - cavidade horizontal, sem desnível significativo relativamente à entrada).
Cavidade
Tipo
(Serra ou Planalto)
Cota
da entrada
(MIP – Gauss)
Profundidade
Substracto
Temp. média
entrada
Máxima
amostrado
do ar, Zona
(m)
Amostrada (m)
Pronfunda (ºC)
H
Arg, R
13,5
340
- 95
Arg, R
13,5
350
- 75
Arg, R
15
265
- 15
Arg, R, G
16
250
- 50
Arg, R
17
485
- 80
Arg, R, G
15,5
450
- 60
Arg, R
16
(MV)
307
- 50
Arg, R
18
Velhos/Contenda
M 50.891.04
210
(S. Aire)
P 285.953.23
385
- 120
Arg, R
17
95
- 80
Arg, R, G
18
(S. Candeeiros)
Pena
P 273.900.66
Algar
(P. Sto António)
Gralhas VII
Algar
Algar
Algar
Algar
M 46.524.24
P 284.299.00
Algar
(P. Sto António)
Moinhos
M 50.081.60
P 280.623.11
(P. Sto António)
Arroteia
M 47.052.51
P 279.494.59
(P. Sto António)
Ladoeiro
M 38.920.60
P 277.031.42
(P. Sto António)
Marradinhas II
M 42.011.07
P 277.664.48
(P. Sto António)
Cheira
M 32.607.28
da
385
Alcobertas
Gruta
Coordenada
M 41.102.21
P 238.311.99
Gruta
(CTD)
M 51.412.45
P 285.074.91
Lomba
Algar
(S. Aire)
Almonda
(S. Aire)
M 53.780.51
P 284.295.90
Gruta
M 58.525.95
P 281.965.08
30
Capítulo 3
Material e Métodos
31
Recomeça,
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa
E os passos que deres
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade,
Enquanto não alcances
Não descanses,
de nenhum fruto queiras só metade
Miguel Torga
3.1. Campo
Foram monitorizadas mensalmente, durante seis meses, oito cavidades
geograficamente dispersas pelas três subunidades do MCE. Para a monitorização
biológica foram escolhidas três zonas no interior de cada cavidade: uma zona
próxima da entrada, uma zona profunda e uma zona intermédia. Aumentando a
profundidade pretendeu-se incrementar a probablidade de recolha de organismos
troglóbios.
A técnica de amostragem utilizada foi a armadilha de queda modificada
(“pitfall”) com atractivo odorífero (Figura 3), complementada com a busca activa
padronizada, por perídos de uma hora. Através desta metodologia procurou-se
relacionar a ocorrência das espécies com factores abióticos, tais como a
profundidade e a temperatura do ar.
32
Figura 3 – Representação esquemática da armadilha de queda utilizada nas amostragens.
As armadilhas de queda modificadas (“pitfalls”), utilizadas nas amostragens,
consistiam em frascos de plástico de 50 ml com um tubo de 1cm de diâmetro
colado no centro. No tubo interno era colocado fígado de porco que actuava como
atractivo odorífero. No interior do frasco foi colocado propileno-glicol (1,2Propanodiol) como líquido conservador (Figura 3). Este líquido não tóxico é solúvel
em água e garante a integridade do DNA, conservando os coleópteros, por forma a
permitir a sua preparação a seco.
As armadilhas eram enterradas no substracto com a abertura a descoberto,
sendo esta protegida por pequenas pedras para impedir a entrada de água e
minimizar o ataque de mamíferos e répteis.
Como complemento à amostragem passiva, foi realizada a busca activa
padronizada, durante uma hora, nos locais próximos da colocação das armadilhas.
Face aos constantes episódios de inundações e à maior parte do período de
amostragem coincidir com a época de maior pluviosidade, as grutas da Contenda e
do Almonda não foram amostradas com armadilhas de queda, recorrendo-se
apenas à busca activa.
33
As colheitas foram efectuadas entre meados de Novembro de 2006 e fins de
Maio de 2007. É de salientar que até Abril o maciço foi afectado por fortes
pluviosidades.
Optou-se por definir três estações de amostragem dentro de cada cavidade,
relacionados com a profundidade e a proximidade da entrada. Definiu-se, assim,
uma zona próxima da entrada (ZE), uma zona intermédia (ZM) e uma zona
profunda (ZP). Em cada um destes locais foram instalados conjuntos de 5
armadilhas.
A gruta dos Moinhos Velhos tem um tramo de 200 m transformado para
turismo, concessão à qual se dá o nome de Gruta de Mira d’Aire. Nesta cavidade a
estratégia de amostragem foi diferente, colocou-se um conjunto de 5 armadilhas na
zona turística, sujeita a iluminação constante e a uma pressão antropogénica
resultante de número superior a 360000 visitas por ano, e colocou-se outro
conjunto numa galeria fóssil não perturbada. Com este tipo de amostragem
pretendeu-se comparar a composição coleopterológica da fauna cavernícola em
dois locais, dentro da mesma cavidade, sujeitos a diferentes tipos de perturbação.
Nas cavidades com quantidades consideráveis de guano de morcego, a
selecção dos pontos de amostragem contemplou também a presença ou a
ausência de guano, uma vez que o guano alberga comunidades biológicas
próprias.
Com esta estratégia de amostragem pretendeu-se investigar a diferente
distribuição dos coleópteros cavernícolas em função da profundidade e/ou distância
à entrada da cavidade.
34
3.2. Laboratório
Os coleópteros foram conservados em 1,2–Propanodiol e alguns preparados
a seco.
O estudo morfológico dos espécimes adultos e as ilustrações das novas
espécies foram efectuados com um microscópio estereoscópico Wild M5 com
ocular micrométrica e tubo de desenho.
Para a descrição das espécies foram efectuadas as seguintes medições:
- Comprimento do corpo: ápice do labro ao ápice do élitro
- Comprimento da cabeça: ápice do labro até à região mediana entre a
região posterior da têmpora.
- Largura da cabeça: medida ao longo da cabeça entre os olhos,
- Comprimento dos olhos: medido da margem anterior à posterior ao longo
da região mediana
Largura dos olhos: medido da margem basal à margem superior ao longo da
região mediana.
- Comprimento do pronoto: medido entre a margem anterior e basal ao longo
da linha mediana.
- Largura do pronoto: medido entre a região mais larga das margens laterais.
- Comprimento dos élitros: medido entre a margem basal próxima do
escudelo e o ápice mais longo dos élitros.
- Largura dos élitros: medido ao longo do ponto mais largo dos élitros.
35
Capítulo 4
Resultados e Discussão
36
4.1 Diversidade coleopterológica
Ao longo dos seis meses de amostragem foram recolhidas oito espécies de
coleópteros, pertencentes a 4 famílias (Tabela 1). Das oito espécies encontradas,
apenas três se encontram nas zonas profundas das cavidades e apenas duas
apresentam
caracteres
troglomorfos.
As
duas
espécies
que
apresentam
troglomorfismos, constituem duas espécies novas para a Ciência e foram
designados por Trechus gamae n. sp. e Trechus lunai n. sp. (ver ponto 4.4 para a
sua descrição).
Tabela 1. Síntese de coleópteros recolhidos entre Novembro de 2006 e Maio de 2007 e
respectivos locais de ocorrência. (Siglas: ALC – Gruta das Alcobertas, GVII – Algar de
Gralhas VII, PN – Algar do Pena, CHR – Algar da Cheira, LDR – Algar do Ladoeiro, ART –
Algar da Arroteia, MV – Gruta dos Moinhos Velhos, CTD – Gruta da Contenda, LMB – Algar da
Lomba, ALM – Gruta do Almonda).
Taxa
ALC
GVII
PN
MII
CHR
LDR
ART
x
x
x
x
x
x
MV
CTD
LMB
ALM
Carabidae
Trechus gamae n. sp.
Trechus lunai n. sp.
Pristonychus terricola
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Ocys harpaloides
Macrothorax rugosus
x
x
x
x
Staphylinidae
Atheta subcavicola
x
x
x
x
x
x
x
Leioididae
n.id.
x
Scarabaeidae
Copris hispanicus
x
37
4.2 Localização dos coleópteros recolhidos em cada cavidade
4.2.1 Subunidade Serra dos Candeeiros
Gruta das Alcobertas
A Gruta das Alcobertas, cavidade tipo de Trechus machadoi Jeannel está
situada na parte Sudeste da Serra dos Candeeiros (Jeannel, 1942). As únicas
referências a material biológico correspondente a esta espécie datam da época da
sua descrição. Foi a única cavidade onde se encontrou este coleóptero até à
presente data.
Os únicos coleópteros encontrados no interior desta cavidade foram os
guanóbios Atheta subcavicola Brisout e Pristonychus terricola subsp. reichenbachii
Schaufus.
No início da década de 70 do século passado, esta cavidade sofreu uma
megalómana intervenção antropogénica. Com o intuito de a transformar para a
actividade de turismo espeleológico de massas, foi aberta uma segunda entrada
próxima do final da galeria, o que induziu fortes alterações na climatologia da
cavidade. Das várias explosões no interior da cavidade resultaram grandes
acumulações de resíduos pulverulentos, que associados à rápida deslocação das
massas de ar, permitida pela segunda entrada, estarão provavelmente na origem
da ausência da espécie troglóbia Trechus machadoi.
.
.
38
Figura 1. Representação topográfica da Gruta das Alcobertas, com indicação da localização
das armadilhas. Topo: modificada de C. Thomas, 1985.
4.2.2 Subunidade do Planalto de Santo António
Algar de Gralhas VII
O Algar de Gralhas VII encontra-se situado no Planalto de Santo António. Na
galeria leste deste algar (a que foi amostrada) foram encontrados 12 exemplares, o
coleóptero hipógeo Trechus gamae n. sp. ao longo dos 6 meses de amostragem.
Na base do poço, zona que se encontra a 75 m de profundidade e em obscuridade
toal foi ainda encontrado o coleóptero guanóbio Pristonychus terricola subsp.
reichenbachii Schaufus.
A conservação deste algar encontra-se em risco, devido à proximidade a
numerosos e grandes focos de extracção de inertes. Os impactos das explosões,
39
resultantes da laboração diária das pedreiras envolventes, são largamente sentidos
no seu interior, através do som e da vibração que se reproduzem em toda a
estrutura do algar.
Figura 2. Representação topográfica do Algar de Gralhas VII, com indicação da localização
das armadilhas. Topo: SAGA, Modificado de C. Thomas, 1985.
40
Algar do Pena
O Algar do Pena é caracterizado por ser a sala subterrânea conhecida mais
volumosa do país e situa-se na zona central do Planalto de Santo António.
O coleóptero hipógeo Trechus gamae n. sp. foi encontrado nas zonas
profundas da cavidade, assim como os coleópteros guanóbios Atheta subcavicola
Brisout (na base do poço natural) e Pristonychus terricola subsp. reichenbachii
Schaufus (na zona intermédia). Na base do poço natural foram ainda encontrados
dois exemplares de um coleóptero da família Catopidade, que não foi identificado,
não possuindo características troglomorfas.
Esta cavidade possui um centro de interpretação à superfície que permite a
entrada de um número controlado e reduzido de visitantes. Através de um poço
artificial, construído para o efeito, os visitantes acedem a uma estrutura em aço
inoxidável instalada na parte superior da sala.
41
Figura 3. Representação topográfica do Algar do Pena, com indicação da localização das
armadilhas.. Topo: CISGAP, gentilmente cedida pelo PNSAC.
42
Algar da Cheira
O Algar da Cheira, situado no planalto de Santo António é uma pequena
cavidade de desenvolvimento horizontal após o poço. A entrada na cavidade
processa-se por um grande abatimento no tecto de uma sala. A base do poço de
entrada possui um grande cone de dejecção onde a luz penetra com intensidade
durante o dia. Neste local foi encontrado Pristonychus terricola subsp. reichenbachii
Schaufus. A presença de abundante quantidade de guano, a cobrir o solo no início
da galeria, permite a presença de numerosos exemplares do guanóbio Atheta
subcavicola Brisout. A cavidade está numa fase de desenvolvimento senil, como se
pode observar pelo estado de conservação das concreções.
A baixa profundidade desta cavidade, o reduzido desenvolvimento e a
entrada de grandes dimensões, associados ao avançado estado de senilidade e
grande quantidade de matéria orgânica, deverão estar na base da inexistência de
espécies troglóbias de coleópteros, embora se tenham encontrado exemplares
troglóbios de aranhas, como o caso de Nesticus lusitanicus Fage.
43
Figura 4. Representação topográfica do Algar da Cheira, com indicação da localização das
armadilhas. Topo: ECL/NEL, gentilmente cedida pelos autores (não publicada).
Algar de Marradinhas II
O Algar de Marradinhas II, situado no planalto de Santo António, caracterizase por ter, das cavidades amostradas, a temperatura mais elevada desta
subunidade do MCE. Muito próximo da entrada foi encontrado o coleóptero
endógeo Copris hispanicus Lineu, cuja presença se revelou acidental. Nas salas
44
mais profundas (cerca 30 m ) foi encontrado o coleóptero hipógeo Trechus gamae
n. sp..
Esta cavidade, de fácil acesso, sofre uma elevada pressão humana devido
ao elevado número de visitas.
Figura 5. Representação topográfica do Algar de Marradinhas II, com indicação da
localização das armadilhas.. Topografia: modificada de Canais & Fernandes, 1999.
45
Algar do Ladoeiro
O Algar do Ladoeiro, situado no Planalto de Santo António, cuja entrada se
abre sob a forma de uma grande dolina, apresenta uma sala inicial de grandes
dimensões que alberga uma colónia de morcegos de grande dimensão, à escala
nacional. O coleóptero guanóbio Atheta subcavicola Brisout aparece na primeira
sala da cavidade, sob um substracto que apresenta uma camada de guano em
diferentes estados de decomposição.
O coleóptero hipógeo Trechus gamae n. sp. aparece na zona profunda
(cerca de – 70 m), numa galeria fóssil com humidade elevada. Numa zona
intermédia
observou-se
a
presença
do
coleóptero
guanóbio
e
troglófilo
Pristonychus terricola subsp. reichenbachii Schaufus.
O Algar do Ladoeiro é uma cavidade muito rica do ponto vista
bioespeleológico, provavelmente uma das mais ricas de todo o MCE.
46
Figura 6. Representação topográfica do Algar do Ladoeiro, com indicação da localização das
armadilhas. Topografia: modificado de C. Thomas, 1985.
Algar da Arroteia
No Algar da Arroteia, situado no topo norte do planalto de Santo António, foi
encontrado na base do poço de acesso às galerias, o coleóptero epígeo
Macrothorax rugosus Fabricius, que terá sido arrastado para a base do poço pela
forte pluviosidade que fustigou o maciço nos meses de Inverno. O coleóptero
hipógeo Trechus gamae n. sp. aparece na zona profunda, numa galeria fóssil com
humidade elevada a cerca de 70 m de profundidade.
47
Figura 7. Representação topográfica do Algar da Arroteia, com indicação da localização das
armadilhas. Topografia: modificada de C. Thomas, 1985.
4.2.3 Subunidade da Serra de Aire/ Planalto de São Mamede
Gruta dos Moinhos Velhos / Gruta da Contenda
A Gruta dos Moinhos Velhos (Fig. 8), possui um tramo de 300 m
transformado para turismo, com cerca de 360.000 visitantes por ano. Não foram
encontrados quaisquer coleópteros no seu interior, nem no tramo turístico, nem na
zona fóssil não sujeita a pressão turística. Tal facto, deve-se às profundas
alterações induzidas pela transformação turística. Embora se verifique uma
diferença na composição da fauna a nível de outras ordens como os colêmbolos e
48
os isópodes, cuja presença de exemplares hipógeos se verifica na zona não
perturbada, em contraste com a presença de exemplares epígeos na zona turística.
A existência de um esgoto urbano, canalizado directamente para a zona do
sifão das areias, põe em risco toda a fauna cavernícola, assim como a saúde
pública.
A Gruta da Contenda (Fig. 9), cavidade integrante do sistema da Gruta dos
Moinhos Velhos, é uma exsurgência temporária que verte as suas águas no Polje
de Mira-Minde. No seu interior verificou-se uma rápida colonização no período pós
inundação. Uma semana após o terminus de emissão de água, a galeria inicial até
ao primeiro sifão encontrava-se completamente recolonizada por organismos
troglóbios terrestres de diversas ordens.
O coleóptero hipógeo Trechus lunai n. sp. foi capturado numa zona afastada
da entrada e o coleóptero epígeo Ocys harpaloides Serville no início da galeria,
numa zona de corrente de ar situada entre as duas entradas conhecidas. Tal como
a Gruta dos Moinhos Velhos, esta cavidade apresentou uma temperatura elevada
devido à baixa cota a que se desenvolve.
49
Figura 8. Representação topográfica da Gruta dos Moinhos Velhos, com indicação da
localização dos pontos de amostragem. Topografia: modificada de C. Thomas, 1985.
50
Figura 9. Representação topográfica da Contenda, com indicação dos locais de captura dos
coleópteros. Topografia: modificada de “University of London Speleological Expedition to
Portugal”, 1957.
Algar da Lomba
51
O Algar da Lomba, situado na Serra de Aire, tem a sua conexão hidrológica
com a Gruta do Regatinho, no bordo do Polje de Mira-Minde. Os coleópteros
encontrados foram os guanóbios Atheta subcavicola Brisout e Pristonychus
terricola subsp. reichenbachii Schaufus e a espécie epígea Macrothorax rugosus
Fabricius, recolhidos na base do poço de acesso, a 80 m de profundidade.
A ausência de coleópteros hipógeos dever-se-á, provalvemente, à forte
circulação de ar que se faz sentir ao longo da galeria principal da cavidade, uma
vez que as espécies hipógeas, devido à sua menor resistência à dessecação,
tendem a não ocupar este tipo de galerias.
Figura 10. Representação topográfica do Algar da Lomba, com indicação da localização das
armadilhas. Topografia: modificada de C. Thomas, 1985.
52
Gruta do Almonda
A Gruta do Almonda, encontra-se dividida em duas partes por um extenso
sifão: Almonda Velho e Almonda Novo, às quais se acede por entradas distintas.
Na zona da cavidade do Almonda Velho, que foi amostrada através de
busca activa, foi encontrado um exemplar do coleóptero hipógeo Trechus lunai n.
sp..
Figura 11. Representação topográfica da Gruta do Almonda Velho, com indicação dos locais
de recolha dos coleópteros. Topografia: modificada de C. Thomas, 1985.
4.3 Variação da ocorrência de coleópteros
A variação temporal da ocorrência de coleópteros hipógeos apenas pode ser
observada na espécie Trechus gamae n.sp., uma vez que as cavidades onde foi
53
encontrado Trechus lunai n.sp., apenas foram de monitorizadas através de busca
activa, fora dos períodos de inundação.
A existência de um aumento do número de exemplares capturados, ao longo
do período de amostragem, evidencia uma estreita relação com os níveis hídricos
das cavidades. A forte pluviosidade que assolou o MCE durante os meses de
Inverno, provocou o aumento dos níveis de água nas cavidades amostradas,
verificando-se a ausência da espécie Trechus gamae n.sp. na maior parte das
cavidades. Os exemplares recolhidos, encontravam-se numa galeria fóssil e não
sujeita a inundações e gotejo, a cerca de 70 m de profundidade no Algar de
Gralhas VII.
Tabela 2. Variação temporal da ocorrência de exemplares de Trechus gamae n. sp. ao longo
do período de amostragem. (Siglas: GVII – Algar de Gralhas VII, PN – Algar do Pena, CHR –
Algar da Cheira, LDR – Algar do Ladoeiro, ART – Algar da Arroteia).
Meses/Cavidades
GVII
PN
MARII
ART
LDR
Dezembro
1
-
-
-
-
Janeiro
1
-
-
-
-
Fevereiro
3
-
-
-
-
Março
7
-
-
-
-
Abril
-
6
1
3
1
Maio
-
3
3
-
1
Parece não existir uma relação directa entre a ocorrência de espécies
hipógeas. Analisando a presença da espécie hipógea Trechus gamae n. sp., esta
parece não estar relacionada com a temperatura, uma vez que ocorre tanto nas
cavidades mais quentes (17ºC, Algar de Marradinhas II), como nas cavidades mais
frias (13,5ºC, Algar do Pena).
54
A profundidade parece ser um factor determinante na distribuição das
espécies de coleópteros. As espécies epígeas têm a sua distribuição confinada a
zonas próximas das entradas, onde se verificou a total ausência de espécies
hipógeas.
Relativamente
aos
coleópteros,
o
meio
subterrâneo
profundo
e
aparentemente pobre em recursos alimentares, parece ser habitado apenas por
espécies hipógeas com algum grau de troglomorfismo (redução ocular e
despigmentação). Neste domínio verifica-se a total ausência de coleópteros
epígeos. Salienta-se a presença do coleóptero Pristonychus terricola subsp.
reichenbachii Schaufus, em zonas intermédias das cavidades.
55
4.4 Descrição de duas novas espécies de coleópteros hipógeos
Two new species of cave dwelling Trechus Clairville 1806 of fulvus group
(Coleoptera, Carabidae: Trechinae) from Portugal.
Reboleira, S.1, Gonçalves, F.J. 1 & Serrano, A.R.M. 2
1
2
CESAM & Departamento de Biologia, Universidade de Aveiro
Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa
Abstract
Two new cave-dwelling ground beetle species, Trechus gamae n. sp. and Trechus
lunai n. sp., from Portugal, are described. The work provides diagnostic characters
and in particular the structure of male genitalia. The new species by their
morphological characters are included in the Trechus fulvus-group.
An identification key to species of the T. fulvus-lineage in the Estremenho karstic
massif is given and biogeographical comments are also included.
Keys-words: Coleoptera, Carabidae, Trechus, new species, Estremenho karstic
massif, caves, Portugal.
Introdution
The genus Trechus Clairville includes more than 500 species (Casale et al.
1998), with world distribution in Holartic Region and East Africa. As a consequence
of geophilic, lucifugous and hygrophilous affinities, this genus exhibits a large
geographic range and is very successful in hypogean life. According to JiménezValverde & Ortuño (2007) there are 49 known species, 13 of them exclusive from
caves in the Iberian peninsula.
Only one species of cave dweller beetle was known for Continental Portugal:
Trechus machadoi Jeannel. It was described in 1942 based on two exemplars from
Alcobertas cave, collected by António de Barros Machado (Jeannel 1942). In 1975,
E. Vives gave a new location to this species (Contenda cave) but this work does not
provide any morphological details on male genitalia. Vives (op. cit.) also refers that
this is a rare beetle, close to Trechus fulvus, living in very humid caves.
Estremenho Karstic Massif, is the largest Portuguese limestone unit (Fig. 1).
Located in the centre of the country, it is composed by three major geological
56
subunits, of middle Jurassic (Dogger) limestone, separated by two main
depressions, one of them an active polje with periodical inundations (Martins 1949).
The aim of this work is to describe two new species of the genus Trechus
Clairville from Portugal, both of the T. fulvus group. The species belonging to the T.
fulvus-group are recognized by a combination of characters given by Jeannel (op.
cit.). Representatives of this group are distributed throughout North Africa, the
Iberian Peninsula and the North Atlantic coast of Europe. (Jeannel 1927).
We We also discuss the relationships between these species and their
closest forms. Furthermore we give a key to the males of all known species of the T.
fulvus-lineage found in Estremenho Karstic Massif.
Material and Methods
Field work was conducted in 8 caves within the three subunits of Estremenho
Karstic Massif: Serra dos Candeeiros, Planalto de Santo António and Serra de
Aire/Planalto de São Mamede (Figure 1). Each cave was monitored in three
different zones, one near the entrance, another in the deep part and one more in a
central zone. Monitorization was conducted to a maximum depth of -120m. Sets of
five pitfalls traps (each trap: 5 cm radius, 6 cm depth, and 1 cm diameter tube fixed
inside at the centre) were used in each selected zone of the caves during a period
of 6 months. The traps were checked and material collected monthly, from
November 2006 to May 2007. The traps were partly filled with 1,2-Propanodiol, and
pig liver was used as attractive lure. The traps were covered with small stones to
avoid the entrance of water and disturbance from small vertebrates. Active search
has also been done.
The morphological study of adult specimens, including measurements and
drawings of the new species, was performed with a Wild M5 stereoscopic
microscope equipped with a dissecting microscope ocular micrometer and a
drawing tube. The measurements done were body length (apex of labrum to apex of
longer part of the elytron), head length (apex of labrum to the middle region
between the posterior area of tempora), head width (measured across the head and
between the eyes), eyes length (measured from anterior to posterior margin along
middle region), eyes width (measured from basal margin to upper margin along
middle region), pronotum length (measured from anterior to basal margin along
midline), pronotum width (between the widest region of the lateral margins), elytron
length (basal margin near scutellum to apex of the longer elytron) and elytra width
(measured across the widest point of elytra).
The Trechus machadoi lectotype was studied. However the specimen did not have
its genitalia and the legal depository of this lectotype (Muséum National d’Histoire
Naturelle - Paris) gave us the information that the microscopic preparation with
genitalia had been lost. Therefore our study was mainly based on the description
and drawings of T. machadoi given by Jeannel (1942, p.10, Fig. 1). A specimen of
Trechus fulvus fulvus from Santa Margarida da Serra (Serra de Grândola) was also
observed (Fig. 2).
57
Figure 1 - Trechus machadoi n. sp., aedeagus. (a) Median lobe in left lateral view;
(b) Copulationg pieces. From: Jeannel, 1942.
Figure 2. Trechus fulvus. (a) Median lobe in left lateral view; (b) left paramere (c)
right paramere; (d) Median lobe in right lateral view. Scale bar: 0,25 mm.
Alcobertas cave, the type locality of T. machadoi was monitored during 6
months, but without success concerning this species. This is probably a
58
consequence of a strong anthropogenic intervention in the beginning of the 1970’s,
for tourism concerns. The aim of these anthropogenic actions had not been finished
until nowadays and deep changes were introduced in the cave, like the opening of a
second entrance almost in the end of the main gallery which changed drastically the
cave environment.
Results
Trechus gamae Reboleira & Serrano n. sp.
Figure 3.
Holotype: ♂: Algar de Marradinhas II, 18.V.2007, S. Reboleira leg.
Paratypes: Algar de Gralhas VII: 1♀ 16.XII.2006, 1♀, 13.I.2007, 1♀, 1♂ 10.II.2007,
2♂♂, 6♀♀ 24.III.2007, S. Reboleira leg.; Algar do Pena, 1♂, 5♀♀ 11.IV.2007, 1♂,
1♀, 1♀, 9.V.2007, S. Reboleira leg.; Algar de Marradinhas II, 1♀, 04.II.2007, 1♀,
10.IV.2007, S. Reboleira leg.; Algar da Arroteia, 3♀♀, 18.III.2007, S. Reboleira leg.;
Algar do Ladoeiro, 2♀♀, 17.III.2007, S. Reboleira leg. Holotype and paratypes in
1,2-Propanodiol, except 1♀ 9.V.2007 from Algar do Pena (dry prepared).
Diagnosis: Microphthalmous. Apterous. Light brown pigmentation. Pronotum
transverse and slightly cordate. Elytra convex, protruding shoulder, with eight
defined striae. Shoulder with a small tooth. Both sexes show similar external
morphology, except for the first two segments of anterior tarsus, which are dilated in
males. Recognised by the shape of the aedeagus. Median lobe of the aedeagus
with apex strongly acuminated (Fig. 3).
59
Figure 3. Trechus gamae n. sp., aedeagus. (a) Median lobe in left lateral view; (b)
left paramere (c) right paramere; (d) median lobe in right lateral view; (e) median
lobe in dorsal view. Scale 0,25 mm.
Description: Holotype: length: 4,83 mm width: 1,86 mm. Paratypes: length: 3,94 –
5.44 mm (females) 4,83 – 5,38 (males) width: 1,47 – 2,11 mm (females) 1,82 - 2,05
mm (males).
Head about 1,1 times wider than long [length: 0,67 – 1,12 mm (females) 0,77 – 1,06
mm (males), width: 0,80 – 1,09 mm (females) 0,96 – 1,06 mm (males)]. Eyes
reduced, about 1,3 times wider than long.
Pronotum slightly cordiform, convex and transverse, about 1,2 times wider then long
[length: 0,83 – 1,12 mm (females) 0,99-1,09 mm (males) width: 1,02 – 1,41 mm
(females) 1,25 – 1,41 mm (males)].
Elytra: Oblong, [length: 2,43 – 3,23 mm (females) 3,04 – 3,23 mm (males) width:
1,47 – 2,11 mm 1,82 – 2,05 mm]. Apterous.
Chetotaxy: Elytral setae as in Trechus fulvus. Umbilical series normal (4+2+2).
Legs: As the nominal Trechus fulvus.
60
Aedeagus: Median lobe of the aedeagus with apex strongly acuminated. Sclerites of
the internal sac and the dorsal scale plate well developed.
Etymology: This species is dedicated to the portuguese entomologist Maria
Manuela da Gama, a world eminent expert on Collembola, who had greatly
contributed to the taxonomic and faunistic knowledge of the cave fauna.
Ecological features
The localities studied are all caves belonging to the Planalto de Santo António, the
central subunit of Estremenho karstic massif.
T. gamae n. sp. appears in the deep parts of the caves (from -30m to -100 m),
where food resources are apparently poor. In these sites of the caves the air
humidity levels are very high (above 98%) and temperature ranges from 13,5ºC
(Algar do Pena) to 16,5ºC (Algar de Marradinhas II).
This new species was the only hypogean beetle sampled in those caves during the
6 months period analysed. However, beyond some species of other orders like
Araneae, Chilopoda, Symphyla, Collembola, Diplura, Psocoptera, Isopoda, we also
found the troglophile ground beetle Pristonychus terricola reichenbachi Schaufuss.
Trechus lunai Reboleira & Serrano n. sp.
Figure 4.
Holotype: ♂ Gruta do Almonda Velho, 01.I.1991 F. Regala & R. Mergulho leg.,
Gruta do Almonda. Deposited in coll. A.Serrano, Fac. Cien. Univ. Lisboa.
Paratypes: Gruta do Almonda Velho, 1♀, 30.IV.2007, S. Reboleira leg., 1♂
01.I.1991, F. Regala & R. Mergulho leg.; Gruta da Contenda, 1♂ (51-CTD),
27.I.2007, S. Reboleira leg. (in 1,2-Propanodiol) Deposited in the collection of the
senior author, Department of Animal Biology (Lisbon).
Diagnosis: Microphthalmous. Apterous. Light brown pigmentation. Integument
microreticulate in the head. Pronotum transverse and slightly cordate. Elytra
convex, protruding shoulders. Both sexes show similar external morphology, except
for the first two anterior tarsomeres, which are dilated in males. Median lobe of the
aedeagus with basal margin strongly arcuate outwards, absence of the dorsal
scales plate of the inner sac (Fig. 4).
61
Figure 4. Trechus lunai n. sp., aedeagus. (a) Median lobe in left lateral view; (b) left
paramere (c) right paramere; (d) Median lobe in right lateral view; (e) median lobe in
ventral view. Scale bar: 0,25 mm.
Description: Holotype: length: 4,42 mm, width: 1,73 mm . Paratypes: length: 3.55 –
4,73 mm width: 1,76 – 1,92 mm (males and females).
Head: Wider than long [length: 0,74 – 0,88 mm width: 0,86 – 0,96 mm (males and
females)] . Reduced eyes which are also wider than long.
Pronotum: Transverse [length: 0,9 – 0,97 mm width: 1,15 – 1,22 mm (males and
females)] about 0,76x longer than wide.
Elytra: Oblong [length: 2,72 – 2,88 mm width: 1,73 – 1,92 mm]
Apterous. Shoulder with a small tooth.
Chetotaxy: Elytral setae as in Trechus fulvus. Umbilical series normal (4+2+2).
Legs: As the nominal Trechus fulvus.
Aedeagus: Median lobe of the aedeagus with basal margin strongly arcuate
outwards, absence of the dorsal scales plate of the inner sac.
62
Etymology: In a modest homage to his memory, this species is dedicated to the
Portuguese entomologist Eduardo Luna de Carvalho, a world eminent expert on
Coleoptera Paussinae and Strepsiptera.
Ecological features
Trechus lunai n. sp. is known from two caves in the west and in the south limit of
Serra de Aire/Planalto de São Mamede subunit in the east part of Estremenho
karstic massif. It was collected by active search, due to the seasonal flooding of
those caves, 2 to 3 months during the sampling period. This species appears in the
interior parts of caves, with high humidity (above to 98%) and and temperature near
17ºC. This was also the only hypogean beetle registered in those caves.
Pristonychus terricola reichenbachi is also the only troglophile beetle that occurs.
Taxonomic position and biogeographical comments
In a similar manner to T. machadoi and taking into account the morphological
features proposed by Jeannel (1927), T. gamae n. sp., and T. lunai n. sp. must be
included in the T. fulvus-group.
The external morphology of all these species is very similar. The best
features to differentiate them are the shape of the median lobe of aedeagus and the
development of sclerites of the internal sac. The eye size is also a useful feature to
differentiate T. fulvus from the three supracited remaining species. While T. fulvus
exhibits well developed eyes, the three latter species present reduced eyes.
Trechus gamae n. sp. is very close to T. machadoi taking into account the
development of the sclerites of the internal sac and of the dorsal scales plate.
Nevertheless, the shapes of their median lobes in lateral view are quite different (cf.
Figs. 1 and 3). On the other hand T. lunai n. sp. can be easily discriminated from T.
gamae n. sp. and T. machadoi by the form of the median lobe of aedeagus and also
by the minor development of the sclerites of the internal sac and the absence of the
dorsal scales plate in the same structure (cf. Figs. 4 and 2). This last feature
segregates also T. lunai n. sp. from T. fulvus.
63
Figure 5. Geographic distribution of the Trechus species of the fulvus-group in the
Estremenho karstic massif: Trechus machadoi (triangle), Trechus gamae (circle)
and Trechus lunai (square).
The status of new species for these two assemblages of specimens is
reinforced by their geographic isolation (T. gamae n. sp. was exclusively found in
Planalto de Santo António and T. lunai n. sp. was only found in Serra de
Aire/Planalto de S. Mamede). On the other hand, each assemblage presents stable
morphological features concerning the aedeagus and the size of the eyes. Vives
(1975) recorded T. machadoi for Contenda cave in the subunit Serra de
Aire/Planalto de S. Mamede. However, after our results we think that Vives’
specimens (op cit.) probably belong to T. lunai n.sp.. Therefore, T. machadoi is
probably confined to the subunit of Serra dos Candeeiros. Trechus machadoi and
the new species are of rather recent origin, radiating from epigean T. fulvus. As a
consequence of this we are facing a group of sibling species isolated in different
hypogean subunit blocks within the same massif, functioning like islands. There are
many examples of these speciation pattern in other hypogean Trechus of the
Iberian Peninsula (Ortuño & Arillo 2005).
These two new species are confined to deep cave areas, with apparently
poor food resources. They were never found near cave entrances, nor areas with
accumulated organic material like bat guano. Furthermore their microphthalmic
characters lead us to believe that they are true troglobites.
Key to the species of the T. fulvus-lineage in the Estremenho Karstic Massif
1. Eyes well developed; aedeagus as in Fig. 2 ....................................T. fulvus
Eyes reduced; aedeagus different from above ………...................... 2
64
2. Dorsal scales plate absent; aedeagus as in Fig. 4…………………. T. lunai n. sp.
Dorsal scale plate present; aedeagus not like Fig. 4. ………………. 3
3. Median lobe of aedeagus (lateral view) strongly enlarged in the middle region;
Apical region of the meadian lobe (lateral view) with dorsal margin slightly downing
toward apex (Fig. 1)………………………………………………... T. machadoi
Median lobe of aedeagus (lateral view) not enlarged in the middle region; Apical
region of the median lobe (lateral view) with dorsal margin abruptly downing before
apex (Fig. 3)…………………………………………..………………..… T. gamae n. sp.
Aknowledgments
We want to express our gratitude to Azadeh Taghavian from Muséum National
d’Histoire Naturelle de Paris for sending T. machadoi lectotype for studying
purposes. We also want to thank to all the Portuguese caving groups for their
support in the field work (CEAE-LPN, NEUA, GPS, NEL, AES and ECLER) and to
Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) for all the logistic
support in the field work.
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Península Ibérica. Zaragoza: Sociedad Entomológica Aragonesa, 159 p.
(Monografías S.E.A.; 1).
66
Considerações finais
67
Com base na realização dos objectivos propostos, a presente dissertação
contribuiu para um melhor conhecimento da biodiversidade dos coleópteros
cavernícolas do Maciço Calcário Estremenho. Este estudo permitiu verificar que a
distribuição dos coleópteros hipógeos se encontra confinada às partes profundas
das cavidades e aparentemente pobres em recursos alimentares. A diversidade
coleopterológica, verificada nas cavidades do MCE, continua a ser muito baixa,
ideia que vem reforçar as teorias existentes nos trabalhos anteriores.
Este trabalho resultou na publicação da descrição de duas novas espécies
de Trechus Clairville 1806 cavernícolas, do grupo fulvus.
A compartimentação do MCE em três subunidades, permitiu o isolamento
geográfico das três espécies conhecidas actualmente. Desta forma, pensamos que
o Trechus lunai n. sp. está confinado ao domínio hipógeo da subunidade composta
pela Serra de Aire/Planalto de São Mamede, o T. gamae n. sp. ao Planalto de
Santo António e o T. machadoi Jeannel à Serra dos Candeeiros.
O Trechus machadoi e as novas espécies constituem especiações recentes,
provenientes de uma adaptação recente do epígeo Trechus fulvus Dejean.
À semelhança de outros exemplos deste padrão de especiação em espécies
hipógeas de Trechus Clairville na Península Ibérica, estamos perante um grupo de
espécies irmãs, isoladas no meio hipógeo de diferentes subunidades, dentro do
mesmo maciço, que funcionam como ilhas.
O conhecimento da diversidade das espécies troglóbias constitui um
pequeno passo no caminho da sua conservação. Este património endémico e
extremamente sensível, encontra-se permanentemente em risco, face às
68
agressões diárias a que se encontra sujeita toda a área de drenagem hipógea
deste Maciço.
69
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ANEXO I
Dados dos espécimes estudados para comparação
Espécimes examinados
Trechus machadoi Jeannel 1942
Lectotipo: ♂ Gruta das Alcobertas, 6.I.1938, B.Machado leg.
Comprimento: 4,85 mm.
Pronoto: Convexo e transverse, aproximadamente 0,74x comprido como largo.
Élitros: length 2,98 mm with 1,87 mm
Trechus fulvus Dejean 1831
Stª Margarida da Serra, 02.V.2007, A. Serrano leg. A. Serrano det.
73
ANEXO II
Tabela 1. Dados métricos do tipos de Trechus gamae n. sp.. Unidade métrica: mm, CT comprimento total, CC – comprimento da cabeça, LC – largura da cabeça, CP – comprimento
do pronoto, LP – largura do pronoto, CE – comprimento dos élitros, LE – Largura dos élitros,
Colh – comprimento dos olhos, Lolh – Largura dos olhos.
Exemplar
29-GVII
9-GVII
48-MARII
19-PN
57-PN
27-GVII
6-GVII
26-GVII
13-GVII
5-GVII
8-GVII
7-GVII
25-GVII
24-GVII
28-GVII
45-MARII
44-MARII
36-LDR
35-LDR
39-ART
41-ART
40-ART
30-PN
20-PN
21-PN
31-PN
22-PN
58-PN
Sexo
M
M
M
M
M
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
CT
5,38
4,93
4,83
4,83
5,15
4,98
4,96
4,83
5,31
4,70
4,83
5,15
5,12
5,25
4,90
3,94
4,42
4,77
4,29
4,70
4,35
4,74
5,02
5,15
5,15
5,44
5,09
5,18
CC
1,06
0,90
0,86
0,77
0,86
0,88
0,86
0,90
1,02
0,77
0,80
0,93
0,93
0,96
0,96
0,67
0,77
0,83
0,83
0,90
0,80
0,80
0,96
0,93
0,86
1,12
0,96
0,96
LC
1,06
0,99
0,99
0,96
1,02
1,04
1,02
0,99
1,06
1,02
0,96
1,02
0,99
1,06
0,99
0,80
0,90
0,99
0,90
1,02
0,91
1,06
1,06
1,02
1,02
1,09
1,02
1,09
CP
1,09
0,99
0,99
0,99
1,06
1,00
1,02
1,02
1,06
0,96
0,99
1,06
0,96
1,06
0,93
0,83
0,93
0,99
0,90
0,93
0,83
0,96
0,99
1,02
1,06
1,12
1,02
1,06
LP
1,41
1,34
1,25
1,28
1,34
1,34
1,34
1,28
1,41
1,25
1,25
1,34
1,31
1,41
1,28
1,02
1,12
1,25
1,22
1,34
1,15
1,28
1,38
1,34
1,34
1,41
1,28
1,41
CE
3,23
3,04
2,98
3,07
3,23
3,10
3,07
2,91
3,23
2,98
3,04
3,17
3,23
3,23
3,01
2,43
2,72
2,94
2,56
2,88
2,72
2,98
3,07
3,20
3,23
3,20
3,10
3,17
LE
2,05
1,92
1,86
1,82
1,98
1,92
1,92
1,86
1,98
1,82
1,95
1,98
1,98
2,11
1,86
1,47
1,63
1,79
1,70
1,79
1,63
1,79
1,98
2,05
1,95
2,02
1,79
1,95
Colh
0,13
0,13
0,13
0,11
0,14
0,14
0,10
0,14
0,16
0,13
0,13
0,13
0,14
0,11
0,13
0,10
0,10
0,13
0,11
0,14
0,10
0,13
0,16
0,13
0,13
0,14
0,16
0,16
Lolh
0,18
0,18
0,16
0,19
0,19
0,21
0,13
0,21
0,19
0,16
0,16
0,18
0,19
0,11
0,14
0,11
0,13
0,16
0,16
0,18
0,11
0,18
0,19
0,21
0,18
0,18
0,22
0,21
Tabela 2. Dados métricos dos tipos de Trechus lunai n. sp.. Unidade métrica: mm, CTcomprimento total, CC – comprimento da cabeça, LC – largura da cabeça, CP – comprimento
do pronoto, LP – largura do pronoto, CE – comprimento dos élitros, LE – Largura dos élitros,
Colh – comprimento dos olhos, Lolh – Largura dos olhos.
Exemplar
ALMD 1
51-CTD
ALMD 2
ALM
Sexo
M
M
M
F
CT CC
4,42 0,8
3,55 0,74
4,48 0,8
4,73 0,88
LC
CP
0,86
0,9
0,90 0,83
0,88 0,93
0,96 0,97
LP
CE
1,22 2,72
1,18 2,78
1,18 2,75
1,15 2,88
LE Colh
1,73 0,11
1,86 0,08
1,76 0,13
1,92 0,19
Lolh
0,14
0,10
0,19
0,22
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Ana Sofia Pereira Serrenho Reboleira Coleópteros (Insecta