UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E
SOCIEDADE
PAULA RAQUEL DA SILVA JALES
UMA MULHER NA GESTÃO PÚBLICA: o caso de
Aldaci Nogueira Barbosa
FORTALEZA – CEARÁ
2012
2
PAULA RAQUEL DA SILVA JALES
UMA MULHER NA GESTÃO PÚBLICA: o caso de Aldaci
Nogueira Barbosa
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado
Acadêmico
em
Políticas
Públicas e Sociedade do Centro de
Humanidades e Centro de Estudos
Sociais
Aplicados da Universidade
Estadual do Ceará como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre
Políticas Públicas e Sociedade. Área de
concentração: Planejamento e Gestão de
Políticas Públicas.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Helena de
Paula Frota
FORTALEZA – CEARÁ
2012
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
J26m
Jales, Paula Raquel da Silva.
Uma Mulher na gestão pública: o caso de Aldaci
Nogueira / Paula Raquel da Silva Jales. – 2012.
107 f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do
Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade,
Fortaleza, 2012.
Área de Concentração: Políticas Públicas.
Orientação: Profª. Drª. Maria Helena de Paula Frota
1. Gênero.
Título.
2. Gestão pública. 3. Assitência social. I.
CDD: 320
4
5
6
Mulher Aldaci
Que do outro lado
Da vida oculta
Contempla o que fez
Para a imortal história
do Dever cumprido.
(MOTA, 1979, p. 03)
7
Dedico este trabalho a todas as mulheres nordestinas,
com destaque para Francisca Marta da Silva Jales
(minha mãe) e Maria Helena de Paula Frota (minha
orientadora), que lutaram e ainda lutam diariamente em
terra tão árida, enfrentando as imposições de uma
sociedade patriarcal e burguesa. Algumas morreram,
outras sobreviveram. Não obstante, esquecidas ou
lembradas, são marcas vivas da história.
8
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me deu forças cotidianas para não desistir desse trabalho e inspiração para
escrever as linhas que aqui apresento.
Aos meus familiares, Paulo César Jales, Francisca Marta Jales, Paulo Estevão Jales, Paulo
Estênio Jales e Paulo César Júnior. Às amigas Lúcia Helena Barbosa, Laila Noronha, Erica
Real e Adriana Benevides, que a cada página escrita vibraram e estimularam-me a concluir
esse processo.
Ao meu namorado, Henrique Brito, pela compreensão dos finais de semana e feriados que
ficamos em casa.
À família Viana, que me acolheu como filha e possibilitou-me ambiente de estudo.
Às minhas queridas amigas, Moíza Siberia, Kelly Menezes, Monique Tavares e Denise
Furtado que foram ombros acolhedores em momentos de angústia.
À Luiza Helena de Paula que fortaleceu a minha caminhada e colaborou na organização do
texto.
Aos amigos da Igreja Nossa Senhora de Salete, pelas orações em prol da concretização
deste trabalho.
A todos os Professores do Mestrado acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, por
contribuírem na minha formação pessoal, docente e, em especial, na descoberta e
aperfeiçoamento no ofício prazeroso em ser pesquisadora.
À minha orientadora, Maria Helena de Paula Frota, que me presenteou com esse tema
inédito, encorajou-me à carreira docente na Universidade Estadual do Ceará, sendo
acolhedora em muitos momentos.
Ao Professor Hermano Ferreira Lima pela correção ortográfica da dissertação e pelas
discussões inspiradoras.
Aos Professores André Haguette e Horácio Frota, pelas contribuições ao projeto de
qualificação.
À Professora Zelma Madeira, por ter aceitado participar da banca de defesa da dissertação.
Aos informantes da pesquisa, por disponibilizarem seu tempo para relatar suas experiências
com Aldaci Barbosa.
À Aldaci Barbosa, por ter existido e por ter sido uma mulher que fez diferença nesse mundo.
9
RESUMO
O objetivo geral deste trabalho dissertativo foi apreender a inserção e atuação da mulher na gestão
pública através da superintendência de Aldaci Barbosa na Fundação do Serviço Social de Fortaleza
no período de 1967 a 1976. Especificamente, procurou contextualizar a inclusão da mulher na gestão
pública no município supramencionado; identificar os principais programas e projetos
operacionalizados na instituição; e discutir o estilo gerencial de Aldaci Barbosa. O período delimitado
refere-se ao ano de posse ao cargo de superintendente da Fundação e a data da exoneração do
cargo por motivo de falecimento durante a realização de um exame diagnóstico de cateterismo. Os
documentos foram a principal fonte de dados desta pesquisa, complementada pela realização de dez
entrevistas. Nesse sentido, a entrevista foi utilizada como técnica de coleta de informações. Gravador
digital de voz e o caderno de campo, os instrumentos. As entrevistas duraram de trinta a sessenta
minutos, realizadas em locais escolhidos pelos informantes, no período de março de 2011 a janeiro
de 2012. A pesquisa evidenciou que Aldaci Barbosa contribuiu para a construção de uma política
social racional e sistemática, embasada em critérios técnicos, com o intuito de enfrentar práticas
assistenciais patrimonialistas e clientelistas existentes na época no município de Fortaleza. Sua ação
foi direcionada pela perspectiva da promoção humana e, algumas vezes, limitada pelos interesses
das elites fortalezenses.
Palavras chave: Gênero; Gestão Pública; Assistência Social.
10
ABSTRACT
The aim of this Masters dissertation was to apprehend the insertion and performance of women in
public management through the superintendence of Aldaci Barbosa in “Fundação do Serviço Social
de Fortaleza” , from 1967 (when she took up the post) to 1976 (when Aldaci died , due to a
catheterism diagnostic exam). Specifically, the research tried to correlate the insertion of women in
Fortaleza´s public management, and identify the most important programs and projects
operationalized by Aldaci Barbosa in the institution, as well as discuss her m anagement style. The
data search was based on documents and supplemented by ten interviews, which were used as a
technique for gathering information. The instruments used were: digital voice recorder and field
notebook. Interviews were conducted in locations chosen by respondents, from March 2011 to
January 2012, and took 30-60 minutes each. The research showed that Aldaci Barbosa contributed to
the construction of a racional and systematic social policy, based in technical criteria, aiming to face
the assistencialism, clientelism and patrimonialism existing in the city of Fortaleza at the time. The
actions of Aldaci Barbosa were directed by the perspective of human promotion, and sometimes were
limited by the interests of the elites from Fortaleza.
Keywords: Gender; Public Management; Social Assistance.
11
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS.............................................................................................................
12
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................
14
2 O ENCONTRO DE UMA MULHER COM UMA INSTITUIÇÃO...................................
2.1 A família Barbosa.........................................................................................................
2.2 O trabalho no Pirambu.................................................................................................
2.3 Fortaleza: economia, administração política e sociedade...........................................
2.4 Primeiros anos da Fundação do Serviço Social de Fortaleza.....................................
26
26
36
39
43
3 A FUNDAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DE FORTALEZA: programas e projetos,
1967/1976..........................................................................................................................
3.1 A constituição de uma elite tecnocrática no Brasil.......................................................
3.2 Planejamento público...................................................................................................
3.3 Regime autoritário, burocrático e empresarial: a prevalência da tecnocracia.............
3.4 Planos de governo nacional e intervenções da FSSF.................................................
48
48
52
56
58
4 O ESTILO GERENCIAL DE ALDACI BARBOSA..........................................................
4.1 A mulher na administração pública brasileira: algumas estatísticas............................
4.2 Obstáculos à ascensão das mulheres a cargos de gestão..........................................
4.3 O social como espaço privilegiado de intervenção da mulher.....................................
4.4 A forma de administrar de uma mulher........................................................................
76
76
79
81
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................
96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................
98
ANEXOS............................................................................................................................
ANEXO A...........................................................................................................................
ANEXO B...........................................................................................................................
ANEXO C...........................................................................................................................
105
106
107
109
12
LISTA DE SIGLAS
BNH – Banco Nacional de Habitação
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico
CDS – Conselho de Desenvolvimento Social
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
CNPU – Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana
COHAB – Companhia de Habitação
CONEFOR – Companhia de Eletricidade de Fortaleza
COPURB – Conselho Nacional de Política Urbana
CSU – Centro Social Urbano
CTC – Companhia de Transporte Coletivo
DAS – Diretoria e Assessoramento Superior
DASP – Departamento Administrativo do Servidor Público
DC – Desenvolvimento de Comunidade
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
EBTU – Empresa Brasileira de Transportes Urbanos
EMURF – Empresa de Urbanização de Fortaleza
FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FSSF – Fundação do Serviço Social de Fortaleza
FUNEFOR – Fundação Educacional de Fortaleza
FUNRURAL - Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural
IAP – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPI – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
INPEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógico
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
13
ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
NE – Natureza Especial
PAC – Programa de Ação Concentrada
PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo
PAM – Plano de Ação Municipal
PASEP – Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público
PBF – Programa Bolsa Família
PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento
PIB – Produto Interno Bruto
PIN – Política de Integração Nacional
PIPMO – Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra
PIS – Programa de Integração Nacional
PLADIF – Plano de Desenvolvimento Integrado de Fortaleza
PLANDIRF – Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Fortaleza
PMF – Prefeitura Municipal de Fortaleza
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNCSU – Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PROTERRA – Programa de Distribuição de Terras
RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima
SAPS – Sistema de Alimentação da Previdência Social
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SERVLUZ – Serviço de Luz e Força de Fortaleza
SESC – Serviço Social do Comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
SEST – Secretaria Especial das Empresas Estatais
SFH – Sistema Federal de Habitação
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUPURB – Superintendência da Política Urbana
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UECE – Universidade Estadual do Ceará
UFC – Universidade Federal do Ceará
UNIFOR – Universidade de Fortaleza
14
1
INTRODUÇÃO
A criatividade, o insight, devem ser cultivados a par com o
respeito aos passos metodológicos ditados pelo método
científico. Não há como apelar para o desprezo da razão!
(HAGUETTE, 1994, p. 165)
O objetivo desta seção é descrever meu processo de aproximação com o objeto
de pesquisa e os procedimentos metodológicos utilizados para apreensão da realidade.
Mais do que a simples obediência aos padrões pré-estabelecidos para um trabalho
científico, que orientam a descrição do percurso metodológico no primeiro capítulo, essa
opção visa demonstrar que as escolhas feitas foram condicionadas pelo “percurso trilhado
pelo (a) investigador (a) na sua vivência e conhecimento acerca do objeto de estudo”
(BEZERRA, 2002, p. 17). Em outras palavras: não foi um processo neutro, fato que não lhe
tira a validade de ser científico como será evidenciado nas próximas linhas.
A proposta inicial para o Mestrado era dar continuidade aos estudos sobre a
gestão do Programa Bolsa Família (PBF) no município de Fortaleza – Ceará, tema já
trabalhado na monografia. Com o aprimoramento do projeto, decidi analisar a gestão do
Programa pela política municipal de assistência social, com o intuito de apreender a
concepção e execução do PBF, sua articulação com a proteção social básica, o
acompanhamento
das
condicionalidades
e
a
inclusão
das
famílias
em
ações
complementares. Tudo estava aparentemente pronto, arrumado e, por que não dizer, certo.
A construção de certezas sobre a realidade a ser estudada é o “calcanhar de
Aquiles” de todo pesquisador e a decadência de qualquer pesquisa. Tenho observado, em
bancas de graduação e mestrado, o alerta feito aos alunos que costumam definir o objeto de
pesquisa a instituição, o programa ou o projeto em que estagiam/trabalham. O problema que
se coloca é a redução do estudo à reprodução do discurso institucional ou oficial, pois o
pesquisador – imerso e envolvido afetivamente no cotidiano – não consegue perceber as
contradições que o perpassam, situação que se apresenta também àqueles que realizaram
alguma pesquisa e que se prendem ao já constatado sem vislumbrar e ampliar sua visão
sobre novas situações. Acredito ser este último o meu caso.
Inicialmente o foco seria estudar a operacionalização do Bolsa Família pela
política municipal de assistência social. Minha orientadora propôs a apresentação das
15
práticas municipais de assistência social, especialmente aquelas realizadas pela Fundação
do Serviço Social de Fortaleza (FSSF), órgão vinculado à Prefeitura, criado em 1963 com o
objetivo de planejar e realizar os serviços sociais, a assistência aos desfavorecidos e
combater os mocambos e habitações precárias (MOTA, 1982). Ou seja, apoiar o
reordenamento da cidade, através da execução de políticas sociais, com destaque às
habitacionais, urbanas e de assistência social.
Nesse sentido, lancei-me a campo, certa de que nessa experiência encontraria
discursos de uma prática assistencialista1, sem nenhum planejamento (assistemático),
totalmente despreocupada com o ser humano e ligada a interesses governamentais e de
grandes proprietários. Durante a primeira entrevista da pesquisa exploratória, realizada com
o ex-diretor do Centro Social Urbano (CSU) Presidente Médici, muitas de minhas certezas
foram desconstruídas e o interesse em descortinar a ação desta Fundação aflorou.
A pesquisa ganhava fôlego. Poderia até comparar com a fênix renascendo das
cinzas, contudo isso também demandava pela mudança do objeto de pesquisa, o que gerou
em mim uma grande dúvida: como abandonar o estudo do Programa Bolsa Família, uma
vez que tinha bagagem teórica para analisá-lo? Esta dúvida me fez resistir à mudança do
foco da análise, pois era preocupante o tempo para a realização e finalização do relatório de
pesquisa, tendo em vista o período de dois anos para a conclusão do Mestrado.
Ao avaliar o tempo necessário para concluir a dissertação e a relevância do
estudo sobre a FSSF – identifiquei que não havia estudo atual sobre esta instituição, com
exceção do livro “Fundação do Serviço Social de Fortaleza: 18 anos de Política Social”,
escrito em 1982, por João Nogueira Mota –, optei por mudar o foco da pesquisa.
O projeto de qualificação foi bastante ambicioso, nas palavras do Professor
Doutor André Haguette, membro da banca de qualificação, pois se propunha a
contextualizar o momento histórico, político e social de surgimento da Fundação; analisar a
gestão pública da assistência social no período de 1967 a 1976, bem como perceber a
inserção técnica e acadêmica da mulher na gestão do social, a partir da superintendência de
Aldaci Barbosa. Nesse momento, percebeu-se a existência de dois objetos de pesquisa, a
saber: o primeiro tinha foco nas ações de assistência social e o segundo, na inserção da
mulher na gestão pública. Uma das principais contribuições da banca foi sugerir a opção por
um dos objetos.
1
Para Alayón (1992), o assistencialismo é uma atividade social historicamente utilizada pelas classes
dominantes para reduzir minimamente a miséria e perpetuar o sistema de exploração. Suas principais
características são: leitura superficial da realidade, culpabilização dos indivíduos pelas mazelas sociais geradas
e ações de cunho moralistas, o que demandava pouca formação profissional dos técnicos.
16
O percurso trilhado até a qualificação me fez compreender e concordar com
Bourdieu (2000) em relação ao processo de construção de um objeto de pesquisa. Processo
este que não se efetiva em uma única sentada, mas é algo a ser modelado paulatinamente
através de retoques sucessivos, correções e emendas que se dão durante toda a pesquisa,
com possibilidade de se realizar também após a elaboração do relatório de pesquisa.
Quando, enfim, pode-se retomar o que foi escrito e verificar os vazios que ficaram. Além
disso, percebi que apesar dos passos metodológicos a seguir, esse processo não é algo
linear.
A decisão pelo estudo da mulher na gestão pública veio posteriormente e, claro,
foi bastante influenciada pela minha orientadora que pesquisa gênero. As leituras de
estudos de gênero, especificamente, os referentes à mulher nordestina, confrontados com
os discursos sobre a atuação de Aldaci Barbosa na FSSF, possibilitaram a emersão de uma
serie de questionamentos dos quais destaco: Quem foi Aldaci Barbosa? Que aspectos de
sua história de vida a levaram à superintendência da Fundação do Serviço Social de
Fortaleza? Como atuou na FSSF? Que programas e projetos foram desenvolvidos em sua
gestão? Quais deles tiveram maior visibilidade pública? Qual a perspectiva teóricometodológica das ações? Quais as principais características de sua gestão?
As perguntas estavam lançadas e com elas os objetivos da pesquisa, quais
sejam: apreender a inserção e atuação2 da mulher na gestão pública, através da
superintendência de Aldaci Barbosa na Fundação do Serviço Social de Fortaleza no período
de 1967 a 1976, definido como objetivo geral da pesquisa; por conseguinte, foram prédelimitados os objetivos específicos: contextualizar a inserção da mulher na gestão pública
no município de Fortaleza; identificar os principais programas e projetos operacionalizados;
discutir o estilo gerencial de Aldaci Barbosa. O período recortado refere-se ao ano de posse
ao cargo de superintendente da FSSF e a data da exoneração do cargo, por motivo de
falecimento durante a realização de um exame diagnóstico vascular denominado
cateterismo.
As opções me fizeram perceber a relevância do trabalho em desenvolvimento.
Dar visibilidade à atuação de uma mulher na gestão pública da área social era não apenas
contar uma história individual e particular, mas tratava-se de visualizar, apresentar, discutir e
refletir sobre outros papéis sociais assumidos pela mulher no percurso da história, para além
de donas dos lares e educadoras dos filhos, que provavelmente ficariam invisíveis ou
ocultos na história tradicional de homens. Mesmo que essa inserção e atuação tenham se
2
Por atuação compreendo a forma de agir dessa mulher na instituição supramencionada e por inserção o
momento em que ela é chamada para assumir o cargo superintendente.
17
dado na área social, campo que historicamente trouxe a imbricação entre o público e o
privado como será visto adiante.
A importância deste trabalho assenta-se também na possibilidade de reviver,
descrever, registrar e repensar o passado. Por quê? Embora não seja objetivo desta
pesquisa fazer análises contemporâneas, sabe-se da necessidade de conhecer o ontem
para se compreender e explicar o hoje, uma vez que o ser humano é capaz de construir e
reconstruir sua própria história, num processo não-linear, conflituoso, contraditório onde ao
mesmo tempo em que se reforma também se transforma, ou seja, onde é possível conviver
com antigas e novas teorias, perspectivas, leituras de mundo e práticas.
O reconhecimento do passado aguça o olhar crítico sobre o presente e estimula
a criatividade para a construção do novo. Além de despertar muitos pesquisadores para
grandes e pequenas revoluções que se deram nessas épocas e que foram divisoras de
águas, fundadoras de outro pensamento. Nas palavras de Le Goff (1990, p. 477) a
“memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para
servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para
a libertação e não para servidão do homem”.
Por se tratar do passado3, faz-se necessário esclarecer os procedimentos
metodológicos utilizados na coleta, organização, classificação e análise dos dados.
O registro do passado é o métier dos historiadores. Portanto, busquei aporte
metodológico nessa área por dois principais motivos: primeiro, por acreditar que o objeto é
quem define a metodologia e não o contrário. Apreender a inserção e atuação de Aldaci
Barbosa na gestão pública no município de Fortaleza requeria pesquisa documental e
obtenção de fonte oral4, procedimentos executados e teorizados referencialmente pelos
historiadores. Segundo, por ter percebido que os estudos produzidos nessa área são
bastante criativos e inéditos. Isso se deve tanto à singularidade dos documentos existentes
e/ou produzidos (fonte oral) durante o trabalho de campo, quanto o posicionamento do
pesquisador no que tange às suas escolhas e análises.
Os documentos foram a principal fonte de dados desta pesquisa. Dentre eles,
destacam-se alguns arquivos pessoais de Aldaci Barbosa guardados pelo seu ex-marido
3
Embora o passado refira-se a tudo o que não é o agora, quando se utiliza a palavra passado quer designar um
tempo bastante remoto que só pode ser lembrado através dos documentos arquivados e da memória das
pessoas que viveram nesse período determinado.
4
Meihy e Holanda (2007, p. 13) definem fonte oral como o “registro de qualquer recurso que guarda vestígios de
manifestações da oralidade humana. Entrevistas esporádicas feitas sem propósito explícito, gravações de
músicas, absolutamente tudo gravado e preservado se constitui em documento oral”.
18
João Nogueira Mota5, fotografias guardadas por sua sobrinha Ana Lúcia Gondim, a
monografia de Aldaci Barbosa disponível nos arquivos da Biblioteca Central da Universidade
Estadual do Ceará (UECE), bem como leis municipais digitalizadas e disponibilizadas para
consulta no site da Câmara Municipal de Fortaleza – Ceará, que tratam sobre a
Superintendente e da FSSF. Como é possível perceber, trata-se tanto de documentos
públicos como privados.
Em suas reflexões sobre arquivos pessoais, Ribeiro (1998) apresenta duas
formas de coleções, a saber: a “coleção de si”, que tem como objetivo registrar a melhor
recordação de si mesmo e a coleção que se parece menos egoísta, por estar mais
preocupada com o entesouramento de uma situação ou de objetos do que com a
perpetuação da glória. A “coleção de si” traz à tona tanto a situação de pessoas famosas
que fazem questão de deixar registrado cada momento de suas vidas, com o intuito de
perpetuar o presente e ser alvo de pesquisas futuras, gerando um deslocamento na ideia de
glória à medida que deseja fazer de uma somatória de gestos insípidos um evento de
prestígio; como o das pessoas não famosas, que deixam seus registros com outros sentidos
e alcance. Tendo ambos grande valor enquanto testemunho histórico para a sociedade:
E por isso mesmo cabe, aqui, anotar que às memórias e à documentação
guardadas já com o fito histórico, aos atos promovidos já num registro
histórico de um primeiro sentido – o da solenidade, o da tomada de poder –,
pode-se opor e destacar uma historicidade não desejada enquanto tal, que,
como dizia Picasso da beleza (‘não se procura, encontra-se’), ocorre a
posteiori, mas não se assegura previamente, e que por isso mesmo cobre
outros planos além da histórica política, em especial o das relações entre os
seres humanos, sejam estas de afeto ou, mesmo, de poder, mas um poder
que não se resume nas formas de Estado. Daí que estejamos ainda no
campo das memórias, só que chamei coleção de si, mas tratando agora
daquelas que somente adquirem seu relevo ex post facto, porque
pertencem a homens pequenos (RIBEIRO, 1998, p. 39).
Os arquivos de Aldaci Barbosa representam uma “coleção de si”, a partir do
momento em que ela deixa registrado os momentos que vivenciou na FSSF. A melhor
recordação dela parece estar vinculada ao seu trabalho, fato confirmado nas entrevistas. E
embora ela fosse uma mulher conhecida, por estar na superintendência de uma autarquia,
não parecia haver intenção de registrar cada suspiro para obter glória, mas sim documentar
as principais atividades para dar visibilidade às ações que estavam sendo realizadas
naquele momento e, quem sabe, contribuir com o planejamento de políticas sociais no
município de Fortaleza. Isso não quer dizer que em seus grandes feitos e ações ela não
tenha desejado ou intencionado, consciente ou inconscientemente, reconhecimento.
5
Uma pasta com cursos que ela participou sobre Desenvolvimento de Comunidade, dois livros institucionais
sobre o processo de desfavelamento na cidade Fortaleza, fotografias das atividades realizadas na FSSF e os
livros produzidos por João Nogueira Mota (Fundação do Serviço Social de Fortaleza: 18 anos de Política Social;
Jocy & Aldamor; Últimas palavras: homenagem póstuma a Aldaci Barbosa Mota; e Encontros).
19
Além de ser uma coleção de si, os arquivos também se configuram como uma
“coleção do outro”, pois João Nogueira Mota fez questão de guardar todos os documentos
da ex-mulher e colecionar fotografias tiradas por ele na época em que foi diretor do CSU
Presidente Médici. Sua intenção em manter tais registros, identificada através de entrevista,
foram a admiração significativa que tem pela ex-mulher, bem como a recordação registrada
dos momentos que viveu com Aldaci Barbosa, além das ações realizadas por ela,
concretizados através dos livros que publicou por contra própria. A sobrinha, Ana Lúcia
Gondim, também revelou ter adoração pela tia, considerada durante muito tempo como
mãe. Isso fez com que mantivesse conservadas fotografias de Aldaci Barbosa em álbuns e
porta-retratos que decoram seu apartamento.
Faz-se mister destacar que não tive sucesso na busca de documentos públicos
da FSSF, com exceção das legislações municipais da Câmara Municipal de Fortaleza –
Ceará. A Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) do município, órgão
responsável pela execução da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), informou-me
que não detinha qualquer documento da Fundação. Alguns entrevistados afirmaram que o
material produzido foi queimado ou perdido após a extinção da instituição. O que sugere
uma negação do passado.
Para complementar a pesquisa documental, realizei dez entrevistas abertas e
assistemáticas que tiveram como tema os seguintes assuntos: 1) a história de Aldaci
Barbosa em seu contexto familiar; 2) o trabalho realizado por ela no Pirambu antes de seu
ingresso na Fundação; 3) os primeiros anos de existência da FSSF; 4) os motivos que
fizeram essa mulher ser convidada para assumir a superintendência da instituição
supramencionada; 5) os programas desenvolvidos durante os dez anos em que esteve no
cargo de superintendente; 6) a sua forma de gerenciar.
Na análise de Queiroz (1988), a entrevista é a técnica de coleta de dados orais
mais antiga e mais difundida no âmbito das ciências sociais. Caracteriza-se pela
conversação continuada entre informante e pesquisador, onde o tema do colóquio é
determinado por este último. Nesse sentido, elas produzem tanto dados originais, como
complementam dados de outras fontes.
Os informantes foram: o ex-prefeito de Fortaleza, José Walter Barbosa
Cavalcante; a ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luzia Fontenele; o ex-diretor do CSU
Presidente Médici e marido de Aldaci Barbosa, João Nogueira Mota; a sobrinha e secretária
dessa mulher na instituição, Ana Lúcia Gondim; sua irmã e primo, Albanisa Barbosa Gondim
e José Evanilson Nogueira; três assistentes sociais que trabalharam na Fundação,
20
Raimunda Pinheiro Coe, Núbia Lima Soares e Maria da Conceição Pio, ressaltando que as
duas últimas estagiaram no Pirambu; e uma estagiária em Serviço Social no Pirambu,
Raimunda Neodina Mendes Bessa.
Para abordar os temas citados com os entrevistados, levei em consideração o
grau de parentesco e/ou de trabalho com Aldaci Barbosa. Dessa forma, seus parentes
deram-me mais informações sobre sua trajetória familiar e personalidade. Sua sobrinha e
seu ex-marido, por fazerem parte do quadro de funcionários da Fundação, acrescentaram
muitos dados sobre a atuação profissional “aldaciana”. Aqueles que trabalharam direta ou
indiretamente com essa mulher deram ênfase à sua inserção e às ações realizadas na
instituição, bem como a sua forma de gerenciar. A opção por pessoas próximas a Aldaci
Barbosa se deu através da formação das redes, descrita por Meihy e Holanda (2007, p. 54):
A origem da rede é sempre o ponto zero, e essa entrevista deve orientar a
formação das demais redes. A indicação de continuidade das redes
preferencialmente deve ser derivada da entrevista anterior. Assim em cada
entrevista o colaborador deve indicar alguém que comporá a rede. A
vantagem dessa estratégia é que por ela montar-se a rede de acordo com o
argumento dos entrevistados e não dos diretores do projeto. Com isso, se
fortalece a razão do grupo.
A indicação era sempre de pessoas conhecidas dos entrevistados , próximas a
Aldaci Barbosa. Em algumas entrevistas, cheguei a questionar sobre possíveis inimigos ou
pessoas com quem ela não se relacionava bem. No geral, os informantes responderam que
vereadores e deputados colocaram em dúvida a idoneidade da Superintendente devido à
distribuição das Bolsas de Estudos 6. Não obstante, nas vistorias feitas, nenhuma
irregularidade foi encontrada. Dessa forma, a desconfiança se transmutava em respeito ao
trabalho realizado por essa mulher.
As entrevistas duraram de trinta a sessenta minutos, realizadas em locais
escolhidos pelos informantes, no período de março de 2011 a janeiro de 2012. Os
instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram o gravador digital de voz e o caderno
de campo, onde anotei informações referentes ao acompanhamento das entrevistas, ao
andamento do projeto e às minhas impressões. É imprescindível destacar que todos os
entrevistados foram esclarecidos sobre o projeto de pesquisa e, posteriormente, autorizaram
verbalmente a gravação e utilização das entrevistas no relatório final.
A pesquisa bibliográfica também fez parte das atividades realizadas neste
trabalho. Ela auxiliou tanto na reconstrução do cenário político, econômico e social da época
como nas discussões teóricas e análise dos dados. Além disso, possibilitou à pesquisadora
6
As Bolsas de Estudos eram um projeto da FSSF a ser descrito no terceiro capítulo.
21
fazer escolhas entre os diferentes referenciais teóricos que iluminam as categorias centrais
deste estudo, a saber: gênero, gestão pública e assistência social.
Para a categoria gênero, apoiei-me nas discussões e formulações de Joan Scott
(1995), que compreende a categoria como a organização social da diferença sexual. Dito
em outras palavras, o gênero refere-se às relações sociais de poder entre homens e
mulheres, que provocam diferenças sociais. Por isso não se pode entender ação das
mulheres em determinado período sem relacioná-la a dos homens e assim vice-versa
conforme a citação a seguir:
Gênero na formulação de Scott define espaços, “lugares sociais”, confere
valores, constrói diferenças, constitui e justifica hierarquias.
Nesse
contexto, o conteúdo da referida formulação compõe-se de quatro
elementos: primeiro, um campo simbólico; segundo, um conjunto de
normas; terceiro, a noção de fixidez e permanência binária reproduzida nas
instituições e organizações sociais e o quarto, plano da subjetividade.
Portanto, gênero é ação, poder, relação e representação, sendo impossível
compreender o feminino sem se relacionar com o masculino (FROTA, 2011,
p. 12).
A gestão pública é entendida como a administração racional e legal, o que não
significa dizer legítima, de ações de interesse público, coletivo ou comum , pelo Estado.
Nesse sentido, aproxima-se da concepção de burocracia, que na análise de Weber (1974),
organiza e sistematiza ações capazes de abranger a sociedade. A burocracia tem caráter
“racional”, ou seja, possui regras, meios, fins, objetivos e seus resultados são
revolucionários pelo que ela permite realizar concretamente. Não obstante, por ter como
base o conhecimento especializado, ela concentra o poder em núcleos de gerência científica
que visam manter a disciplina e o controle. A gerência, portanto, é responsável pelo
planejamento, concepção e direção, bem como pelas decisões tomadas dentro das
instituições 7.
A assistência social é apreendida como uma configuração específica de práticas,
mediadas por instituições sociais e profissionais, com objetivo de garantir, através de
métodos e técnicas próprias, o atendimento das necessidades básicas de famílias, grupos
e/ou indivíduos que não tem como manter sua subsistência. Essa concepção, que faz um
diálogo fecundo entre as compreensões de Castel (2001) do socioassistencial e de Mestrine
(2008) da assistência social, foi discutida em Jales (2009).
Após a pesquisa documental, bibliográfica e de campo (através da realização
das entrevistas), dei inicio ao tratamento dos dados. Primeiramente, organizei os
7
A compreensão de gestão pública como ações administrativas centralizadas em núcleos de gerência é
justificada pela concepção predominante no período estudado, onde prevalecia o conhecimento técnico, sem
participação direta da sociedade civil nas decisões.
22
documentos e transcrevi as entrevistas, classificando-os, para posteriormente analisar todos
os dados encontrados. Os documentos compreendidos como documentos/monumentos
foram analisados nas condições de sua produção, levando em consideração as relações de
poder que os permeiam, na busca de desmitificar o seu significado aparente. Nas palavras
de Le Goff (1990, p. 549):
[...] O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades
históricas de impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –
determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documentoverdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o
papel ingênuo. Os medievalistas, que tanto trabalham para construir uma
crítica – sempre útil, decerto – do falso, devem superar esta problemática
porque qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro – incluindo, e
talvez sobretudo, os falsos – e falsos, porque um monumento é em primeiro
lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É
preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta
construção e analisar as condições de produção dos documentos monumentos.
Já as entrevistas foram analisadas em seu conjunto e não isoladamente,
procurando equiparar os argumentos das mesmas com os outros documentos. Foi dada
ênfase tanto aos pontos comuns como aos divergentes, por isso as entrevistas foram
classificadas e recortadas de acordo com os fatos e ações descritos, levando em
consideração também o significado atribuído pelos narradores.
Por articular as memórias individuais com a memória coletiva, este trabalho
também se configura como um estudo de memória. Para Pollak (1989, p. 09),
[...] A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das
interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como
vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e reforçar
sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de
tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs,
famílias, nações etc. A referência ao passado serve para manter a coesão
dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu
lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as oposições
irredutíveis.
Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem
em comum, em que se inclui o território (no caso o Estado), eis as duas
funções essenciais da memória comum. [...]
A repetição de determinadas vivências, experiências e fatos pelos informantes
são características da memória coletiva, capaz de gerar identidades de grupos,
comunidades e sociedades. Contudo, a memória é falha, imprecisa, mitológica. Ela é um
processo contínuo de construção, reconstrução, significação e ressignificação das
lembranças passadas no presente, tendo aí a sua maior riqueza, o que requer da
pesquisadora maior atenção para compreender por que determinados fatos foram
lembrados, outros esquecidos, alguns silenciados e os demais imaginados.
23
Nesse sentido, os estudos de memória podem ser comparados com a arte de
fazer “fuxico”. Um “fuxico” é feito com um pedaço de pano redondo, onde o artesão costura
a borda, em seguida puxa a linha formando uma florzinha de base redonda, como mostra a
imagem abaixo:
Fonte: BLOG, 2011.
Cada “fuxico” é como se fosse uma memória individual. Sozinha ela não tem
sentido de ser, nem utilidade. Porém, quando costurada a outros “fuxicos”, a peça de retalho
toma formas variadas, dentre bolsas, colchas de cama, toalhas de mesa, blusas, saias e
quadros para decoração. Deixa de ser uma florzinha para se tornar um objeto com função
específica.
Dessa forma, as memórias individuais vão sendo costuradas até se constituírem
em memória coletiva. Entretanto, esta é muito mais do que a soma daquelas. Quando se
olha para o produto da costura, não se visualizam mais “fuxicos” e sim um objeto (saia,
blusa, enfeites). Quando se olha para a memória coletiva, visualizam-se experiências
comuns com significados semelhantes e/ou divergentes para cada pessoa.
Além do objeto criado, a peça revela as falhas e as imprecisões da memória.
Como o “fuxico” é redondo, a costura de vários “fuxicos” deixa espaços vazios na peça.
Espaços de esquecimentos da memória representados na imagem a seguir:
24
Fonte: BLOG, 2009.
Esta dissertação se coloca, portanto, como “desafio de encontrar novos modos
de enfocar o passado para recuperar seus múltiplos significados e, assim, participar
ativamente no processo social da construção da memória” (SCHWARZSTEIN, 2000, p.103).
A discussão final foi impulsionada pelo diálogo entre material empírico
(documentos e entrevistas) e teórico (teorias e categorias) com os objetivos geral e
específicos do projeto a fim de não perder o foco/temática do trabalho. Ela será apresentada
aos informantes, visando cumprir o papel de devolução social do estudo.
Para melhor compreensão do leitor, organizei a síntese em três capítulos, são
eles:
No primeiro capítulo, apresento a história de Aldaci Barbosa: onde nasceu,
características de sua família, trajeto de estudos, formação profissional e experiência de
trabalho no Pirambu; o contexto histórico de Fortaleza (1930 a 1970); o momento de criação
da Fundação do Serviço Social de Fortaleza; e a inserção de Aldaci Barbosa nessa
instituição como superintendente. O objetivo deste capítulo é contextualizar a inserção de
Aldaci Barbosa na gestão pública do município de Fortaleza a partir do conhecimento de sua
história de vida e experiência profissional no Pirambu.
No segundo, inicio com a descrição da constituição de uma elite tecnocrática no
Brasil e do planejamento público. Posteriormente, exponho os principais programas e
projetos executados na gestão de Aldaci Barbosa dentro do contexto nacional dos planos de
governo. O intuito dessa discussão é mostrar a relação existente entre a orientação nacional
25
para as políticas sociais e as ações municipais realizadas, bem como a perspectiva políticoideológica que permeava ações sociais.
No terceiro, discuto o estilo gerencial de Aldaci Barbosa, dando ênfase às
características “aldacianas” na forma de administrar a instituição, pessoas e conflitos. Além
disso, mostro quais qualidades se aproximam de características consideradas masculinas
ou femininas e quais lhes são próprias. Nesse tópico, temos o ápice da pesquisa, onde
discuto o modo de ser dessa mulher sem aprisioná-la a um modelo gerencial. A busca é por
destacar suas características e paradoxos na administração de uma instituição pública.
As considerações finais são o momento em que apresento as sínteses do estudo
realizado.
Espero que a leitura do texto seja agradável e possibilite outro olhar sobre o
passado!
26
2 O ENCONTRO DE UMA MULHER COM UMA INSTITUIÇÃO
[...] ela era uma pessoa rara, não é porque foi importante na
minha vida. Ela era uma pessoa rara. Mas essa terra num tem
memória [...] essa terra num guarda nada [...] aqui tiveram
grandes criaturas, por exemplo, dona Ester Salgado, que foi a
fundadora do conservatório de música, [...] Ana Bilhar [...] que
ninguém fala [...] que só quem sabe quem é, é quem estuda
[...]. Mais pessoas fantásticas que [...] estão no esquecimento.
(JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA)
A compreensão da inserção e atuação de Aldaci Barbosa na FSSF requer
conhecimento do contexto familiar e cultural em que esta mulher nasce e se constrói como
sujeito, bem como da conjuntura de Fortaleza na década de 1960, período de criação da
Fundação. Evidencio, também, os principais motivos que levaram Aldaci Barbosa ao cargo
de superintendente.
2.1
A família Barbosa
Filha de João Gurgel Barbosa e Maria Nogueira Barbosa, Aldaci Nogueira
Barbosa nasceu no dia sete de junho de 1922, no município de Aracati8. Além da futura
gestora, o casal teve oito filhos: Albanisa (mais velha), Aldenise (segunda filha, que morreu
aos 11 meses de idade), Albanês (quarto, já falecido), Aldírio (quinto, já falecido), Albanor
(sexto), Aldeir (sétimo), Alderley (oitavo, já falecido) e Aldenise (mais nova, que recebeu o
nome da irmã que havia falecido), todos com o sobrenome Nogueira Barbosa, para mostrar
a sua filiação. Aldaci Barbosa foi a terceira filha de uma família com características
patriarcais.
Para Albuquerque Júnior (2003), o inventor do conceito de família patriarcal foi
Gilberto Freyre, entendida como “família numerosa, composta não só do núcleo conjugal e
8
A cidade de Aracati está localizada a 153 quilômetros de Fortaleza, próximo à foz do rio Jaguaribe. Oriá e Jucá
(1994) afirmam que a localização privilegiada fizeram do município um grande centro comercial durante o
período colonial por desenvolver o preparo do charque, a carn e de sol e abastecer o mercado interno. Além
disso, era parada obrigatória para as transações com Pernambuco devido à existência do porto de escoamento
da produção.
27
de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes [...], submetidos todos
ao poder absoluto do chefe do clã, que era ao mesmo tempo, marido, pai, patriarca” 9.
A família Barbosa acolhia em sua residência o casal, os oito filhos, a avó
materna, alguns parentes e aderentes que a procuravam. João Gurgel Barbosa era um
pequeno industrial de massa de milho e café torrado. Apesar de ter falecido aos 47 anos, o
pai se mostrava o centro da família, exigindo dos filhos e das filhas um bom comportamento:
[A educação] Era muito boa, mais também muito rígida. Eu fui sempre uma
menina [...] muito conversadeira. Ai chegava na minha escola, as cadeiras
não tinha aquela banquinha não, da frente. Escrevia com a lousa aqui no
colo. Então era tudo aqui encostado na parede, as cadeiras. E a professora
ali no centro com a mesa. Ai eu conversava com essa amiga aqui, depois
conversava com essa outra. O meu pai não se incomodava com estudo,
não. Ele só queria saber do comportamento da pessoa. Ai a gente tinha
uma cadernetinha. Só a gente. Só eu tinha essa cadernetinha. Para botar o
comportamento. Ai ele assinava. O comportamento, a maior nota era nove.
Ai quando eu conversava demais, [...] levava oito. Eu dizia: Dona Antonieta,
que era professora, não ponha essa nota, porque o meu pai me bate se eu
chegar lá com essa nota. Não, mais você conversou muito hoje. Todo tempo
conversando. Você não pode ter um nove. Quando eu chegava em casa
papai dizia: Albanisa, minha filha, porque esse oito? Não me lembro papai.
Num sei por que esse oito. Pois você vai se lembrar agora. Ai me dava seis
bolo de escova (ALBANISA BARBOSA).
À rigidez e à autoridade aliavam-se a dedicação ao trabalho, ressaltada na fala
da irmã mais velha como uma característica positiva, pois era através dele que o pai supria
as necessidades básicas dos membros familiares; o estímulo à leitura, por meio dos livros
que comprava e colocava numa estante no sótão da casa. Outra marca do pai nos princípios
do família vem a ser o amor aos pobres 10, cultivado pela religião católica e vivenciado
através de promessas e ações de caridade:
Ele era uma pessoa que se dedicava unicamente aos filhos. Trabalhava.
Era industrial. Atendia esse negócio de massa de milho, café, [...] para
educar a gente. Falava. Comprava livros incríveis de educação [...] levava
para dentro de casa [...] para a gente ler (ALBANISA BARBOSA).
Era uma pessoa que, por exemplo, eu não me lembro, num sei que fim
levou, mais tinha uma edição muito antiga da enciclopédia britânica. Isso
era muita coisa. O tesouro da Juventude. Eu lembro que eu li tudo isso, que
era lá no sótão um estante que tinha, mais que eu num sei que fim levou,
mais que a gente via que tinha sido ele que tinha comprado. Então era uma
pessoa que para época ele tinha uma qualidade mais evoluída (JOSÉ
EVANILSON NOGUEIRA).
Eu [...] gostava de pobre. Meu pai gostava muito de pobre. [...] Aos doze
anos eu tive um paratifi, [...] era uma espécie de tife. E então meu pai ficou
9
Albuquerque Júnior (2003) entende o patriarcalismo como uma metáfora utilizada por Gilber to Freire para
apresentar uma realidade em declínio, totalmente relacionada ao momento histórico vivido pelo autor.
10
A pobreza é compreendida na perspectiva da insuficiência ou ausência de renda. Nesse sentido, pobre é
aquele que não consegue alcançar um nível mínimo de renda suficiente para satisfazer suas necessidades de
sobrevivência, sejam elas mínimas ou não (CARNEIRO, 2005).
28
enlouquecido, porque eu tava doente desse jeito. Fazia promessa de todo
jeito se eu ficasse boa, ele dava um almoço grande a doze apóstolos. Aí
pegou-se, [...] doze velhos, e ia almoçar lá em casa [...] em comemoração a
minha saúde. Ai eu fiquei com aquela coisa de sempre, atender o pobre. [...]
(ALBANISA BARBOSA).
Maria Nogueira Barbosa é descrita como uma mulher guerreira, forte, autoritária
e inflexível. Dona do lar, tinha a mesma rigidez do patriarca na educação dos filhos. Foi,
também, uma grande companheira, pois acompanhou o marido no tratamento realizado no
Sanatório de Messejana devido a um problema pulmonar ocasionado pela malária. Ao
receber alta, o casal alugou uma casa no bairro das Cajazeiras onde o Doutor Lobo
verificava diariamente a saúde de seu paciente11. Durante um ano a mulher cuidou do
marido que faleceu e deixou oito filhos:
[...] da mãe dela que ficou viúva cedo, e arcou com a carga de todos os
filhos. Era muito inflexível. Tia Maria era muito dura, era muito autoritária,
muito forte (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA).
Segundo Falci (2010), o destino das mulheres de elite do sertão nordestino do
século XIX era o espaço privado12 da casa e dos assuntos domésticos. Mesmo as que
tinham alguma instrução, devido às aulas particulares que recebiam de professores
contratados pelos pais, não tiveram muito acesso ao espaço público dos assuntos
econômico, políticos, sociais e culturais. Na análise da autora, a mulher não era considerada
uma cidadã política. Nesse sentido,
As mulheres de classes mais abastada não tinham muitas atividades fora do
lar. Eram treinadas para desempenhar o papel de mãe e as chamadas
“prendas domésticas” – orientar os filhos, mandar fazer a cozinha, costurar
e bordar. Outras menos afortunadas, viúvas ou de uma elite empobrecida,
faziam doces por encomenda, arranjos de flores, bordados a crivo, davam
aulas de piano e solfejo, e assim puderam ajudar no sustento e na
educação da numerosa prole. Entretanto, essas atividades, além de não
serem muito valorizadas, não eram muito bem-vistas socialmente.
Tornavam-se facilmente alvo de maledicência por parte dos homens e
mulheres que acusavem a incapacidade do homem da casa, ou
observavam sua decadência econômica. Por isso, muitas vendiam o
produto de suas atividades através de outras pessoas por não querer
aparecer. Na época, era voz comum que a mulher não precisava, e não
deveria, ganhar dinheiro.
As mulheres pobres não tinham outra escolha a não ser procurar garantir
seu sustento. Eram, pois costureiras e rendeiras, lavadeiras, fiadeiras ou
roceiras – estas últimas, na enxada, ao lado de irmãos, pais ou
companheiros, faziam todo o trabalho considerado masculino: torar paus,
carregar feixes de lenha, cavoucar, semear, limpar a roça do mato e colher
(FALCI, 2010, p. 249-250).
11
Segundo Albanisa Barbosa, durante o tratamento do pai, os filhos ficaram em Aracati, provavelmente sobre os
cuidados da avó m aterna que fazia parte da família.
12
Compreendo espaço privado como lugar da casa e dos afazeres domésticos, onde eram tratados os assuntos
pessoais e íntimos da família. E o espaço público como lugar de visibilidade na sociedade, não restrito a Estado.
29
Viúva aos 38 anos, Maria Nogueira Barbosa enfrentou muitos desafios para
manter a família e educar os filhos. Após a morte do marido ela retornou à Aracati, onde
permaneceu por mais de um ano. Com a impossibilidade dos filhos do sexo masculino dar
continuidade aos estudos, uma vez que o Ginásio São José só aceitava homens até oito
anos de idade, bem como dar prosseguimento aos estudos das mulheres, pois o mesmo
Colégio só ofertava o ensino primário, Maria Barbosa muda definitivamente para Fortaleza
com toda a família. A casa própria de sua mãe na Avenida Dom Manuel, número 429, bairro
Centro, passa a ser o novo lar da família ampliada13.
Para pagar os estudos dos filhos e manter o domicílio, Maria Nogueira Barbosa
cozinhava em casa e vendia as comidas como uma forma de gerar renda. Além disso,
contava com a contribuição financeira de Albanisa Barbosa que conseguiu um emprego na
Machine Cottons. A irmã mais velha relatou que ganhava em torno de 300 mil réis, sendo
200 para pagar os estudos dos irmãos e 100 para seus gastos pessoais.
Na fotografia abaixo é possível visualizar o núcleo familiar Barbosa, com
exceção do pai. Os cinco filhos do sexo masculino estão de pé, em posição ereta, atrás das
mulheres e com uma expressão séria. No sofá estão as mulheres, sentadas na seguinte
ordem da esquerda para direita: Aldaci Barbosa, que ensaia um sorriso que fica só na
vontade, a matriarca, a filha mais velha e, por último, a mais nova. Assim, como os homens,
as mulheres apresentam uma expressão séria e isso é mais visível em Maria Nogueira
Barbosa que apresenta no rosto as marcas da rigidez, seriedade e autoridade.
13
Albanisa Barbosa relatou que a avó materna tinha uma casa alugada em Fortaleza na Avenida Dom Manuel.
Quando a família resolveu morar na capital, a avó pediu que a residência fosse desocupada.
30
Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim.
Albuquerque Junior (2000, p.08-09), ao descrever as características do
nordestino, afirma que “até a mulher sertaneja seria masculinizada, pelo contato
embrutecedor com o mundo hostil, que exigia valentia, destemor e resistência. Só os fortes
venciam em terra assim”. Nesse sentido, as mulheres aqui apresentadas são produtos de
um espaço árido e de difícil convivência física, social e cultural, principalmente com a morte
prematura do provedor da família. São capazes de dar a vida pelos filhos, mas não
expressam afetividade:
[...] porque a maternidade nessa família também era um pouco diferente.
Elas são capazes de fazer qualquer coisa pelos filhos. Mais elas num são
de tá agarrada, beijando, abraçando, cheirando... a minha mãe, não, tia
Maria também não. Se um da gente tivesse doente, ela passava a noite
aqui [José Evanilson aponta para o seu lado direito, a fim de mostrar que
mãe passa a noite ao lado do filho]. [...] as minhas irmãs também não. Eu
num vejo minhas irmãs beijando os filhos, agarrando os filhos, alisando, não
(JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA).
O mito do amor materno começa a ser difundido pelo saber médico no Brasil, em
meados do século XIX. Na análise de Rago (1997, p.79), as investidas no sentido de
construção de um modelo nuclear burguês de família procuravam “persuadir as mulheres de
31
que o amor materno é um sentimento inato, puro e sagrado e de que a maternidade e a
educação da criança realizam a sua vocação natural”. A autora acrescenta que nessa
concepção cria-se uma representação simbólica da mulher como esposa-mãe-dona-decasa, afetiva, assexuada, confinada ao espaço privado:
No discurso médico, dois caminhos conduzirão a mulher ao território da vida
doméstica: o instinto natural e o sentimento de sua responsabilidade na
sociedade. Enquanto para o homem é designada a esfera pública do
trabalho, para ela o espaço privilegiado para a realização dos seus talentos
será a esfera privada do lar. Tudo que ela tem a fazer é compreender a
importância de sua missão de mãe, aceitar seu campo profissional: as
tarefas doméstica, encarnando a esposa-dona-de-casa-mãe-de-família
(RAGO, 1997, p. 75).
Esse não foi o destino “natural” de Aldaci Barbosa. Em 1936, aproximadamente
aos 14 anos de idade, ela inicia seus estudos no Ginásio São José, atualmente denominado
Instituto São José, da comunidade católica das filhas de caridade. Seu carisma encantou as
irmãs que a convidaram para o internamento. Albanisa assistia à aula e retornava para casa,
já Aldaci permanecia no colégio convivendo e aprendendo diariamente os princípios cristãos
da religião católica.
O internamento de Aldaci mostra o desapego dos pais em relação à educação
da menina, que não estava confinada à mãe, e foi, durante cinco anos, realizada pelas irmãs
do colégio interno; e o peso dos valores morais cristãos em sua vida profissional. O discurso
proferido na festa de natal da FSSF no ano de 1975 é revelador desta influência:
Este momento em que todos nós da Fundação nos reunimos em torno da
idéia natalina nos faz relembrar que, aqui viemos para agradecer a Deus,
para nos encontrarmos como melhores irmãos. Aqui estamos para, juntos,
vivermos a experiência da unidade entre nós que fazemos a Fundação.
Unidade que não é favor, mas obrigação de pessoas à imagem de Deus
que, feito homem, elevou-nos aos lugares mais altos da grandeza do Divino.
[...]
Hoje, as ocorrências do mundo atual nos sugerem outro lema para vivermos
no próximo ano:
Necessitamos fornecer, pelo exemplo, a vivência do amor, carente no
mundo neste 1975. As guerras, os sequestros, a fome... desafiam a
paciência de Deus. E nós, sentindo esta realidade dura, não podemos ficar
alheios aos anseios do mundo a paz. O próximo ano deverá ser de muitas
realizações em favor dos mais necessitados. E, para isto, haveremos de
fazer as coisas com mais amor. O funcionalismo deverá ser substit uído pelo
devotamento de cada um de nós em prol dos ideais do homem (MOTA,
1979, p.36).
José Evanilson destacou a compaixão característica motriz das ações e
compromisso de sua prima, destacando a foto a seguir como ícone dessa qualidade.
Cercada de pessoas, Aldaci Barbosa se mostra atenta ao que a mulher à sua esquerda,
marcada com um círculo, lhe fala. A expressão de preocupação na face revela o seu
envolvimento com a causa dos mais necessitados.
32
Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim.
Na cidade de Fortaleza ela deu continuidade aos estudos no Colégio Estadual
do Ceará, o Liceu, no período de 1942 a 1945. Fez a Escola Normal e, posteriormente,
graduou-se em três cursos: Bacharelado em Ciências e Letras pela Faculdade Católica do
Estado do Ceará; Licenciatura em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia do Ceará; e
Curso de Serviço Social, pela Escola de Serviço Social14.
Segundo Silva (2010, p.300), a Escola de Serviço Social começa a funcionar no
dia 25 de março de 1950, num prédio pertencente à Arquidiocese de Fortaleza, “fortemente
marcada pela presença da Igreja e do movimento laico”. A Associação de Educação
Familiar e Social, presidida por Dom Antônio de Almeida Lustosa, mantinha o Instituto Social
de Fortaleza composto pela Escola supramencionada e pela Escola de Educação Familiar.
Com a criação e instalação da Universidade Federal do Ceará (UFC) em dezembro de 1954
e junho de 1955, a Escola de Serviço Social é incorporada a esta Universidade. A partir de
1975, o Curso passou a funcionar na Universidade Estadual do Ceará onde permanece até
os dias atuais.
14
No curriculum vitae de Aldaci Barbosa anexado à Lei nº 5.370, aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza
em 22 de dezembro de 1980, só constam as datas dos registros da profissional no Conselho Federal de
Educação. O Curso de Ciências e Letras foi registrado no dia 14 de abril de 1951, o de Letras Neolatinas no dia
28 de fevereiro de 1970 e o de Serviço Social no dia 30 de junho de 1962. No relato de Albanisa Barbosa, a
última graduação da irmã foi em Serviço Social. Diante da inconsistência dos dados, apresento apenas os cursos
realizados por Aldaci Barbosa sem ater-me as datas ou ordem das graduações.
33
Durante o Curso de Serviço Social, Aldaci Brabosa realizou estágios na Fábrica
de Tecidos São José, supervisionado pela técnica Lidalva Miranda; no Azilo Bom Pastor e
no Centro Social Paroquial Lar de Todos no Pirambu, sob a supervisão da professora Maria
Àurea Bessa. No mesmo bairro, concretizou um trabalho na área de organização de
comunidade juntamente com o Padre Hélio Campos 15, que está registrado no seu Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Uma experiência de organização social de
comunidade da Paróquia de Nossa Senhora das Graças”. Na análise de Luiza Souza (2000,
p. 36-37),
A organização de comunidade se origina nos Estados Unidos e penetra na
América Latina desde a década de 1940. As motivações dessa região, no
entanto, elevam-se sobretudo em função do [Desenvolvimento de
Comunidade] DC, cuja caraterística é ser um processo de trabalho
assumido pela iniciativa pública, dirigido às áreas subdesenvolvidas e
especialmente às áreas rurais. A organização de comunidade tem como
característica ser um processo dirigido ao meio urbano, às regiões urbanas
industrializadas e, em geral, assumido pela iniciativa privada.
As imagens que seguem representam o TCC e a colação de grau em Serviço
Social de Aldaci Barbosa, única foto encontrada de suas três formaturas, mostrando a
relevância do curso em sua vida.
Fonte: Registro fotográfico feito
pela pesquisadora.
15
Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia
Gondim.
Segundo Morais (2008, p.21) “Francisco Hélio Campos nasceu em Quixeramobim (Ceará), no ano de 1912 e
ordena-se padre em 1932. Em 1953 atuou na Paróquia de São Francisco de Assis, em Jacarecanga, e realizava
missas no Pirambu no começo dos anos 50, porém sua mudança como pároco da comunidade ocorre somente
em 1958.”
34
A experiência na comunidade a tornou referência na área de Desenvolvimento
de Comunidade. Além disso, foi uma ação pioneira no município, que mobilizou a população
do bairro para se preocupar e buscar soluções concretas diante de suas dificuldades.
2.2
O trabalho no Pirambu
No relato de Barbosa (1959), a ideia de criar o Centro Social Paroquial Lar de
Todos foi do Padre Hélio Campos, vigário da Paróquia de São Francisco de Assis,
localizada no bairro Jacarecanga. Não obstante, o Padre realizava missas em um salão no
Pirambu, posteriormente denominado bairro Nossa Senhora das Graças. Interpelado
constantemente pelos moradores, o Padre se sensibilizou com a situação de miséria dos
30.000 (trinta mil) habitantes do espaço e procurou a Escola de Serviço Social do Município,
que disponibilizou estagiárias, supervisionadas por assistentes sociais, para a orientação
técnica do Padre e da comunidade.
[...] O povo sempre pedia o Padre Hélio que o ajudasse em seus propósitos,
na solução de seus problemas ainda insolúveis dado o descaso do poderes
públicos e que em sintonía, trabalhasse para a realização de suas
aspirações. Assim foi feito. O Reverendíssimo Padre tomou a sí o encargo
de orientá-lo e batalhar por suas reivindicações. [...]
A instalação de um Centro Social de bairro foi a idéia mais acertada que
primeiro lhe veio ao pensamento. Única, a seu ver, capaz de realizar a obra
que imaginava. Solicitou, então, a colaboração da Escola de Serviço Social
da Universidade do Ceará que além de lhe prometer toda ajuda necessária,
enviou-lhe pessoal especializado que lhe garantiria orientação técnica.
Enquanto mantinha entendimentos condizentes com a orientação técnica a
ser efetivada pela Escola de Serviço Social, preparava do púlpito,
psicologicamente a comunidade para receber o nóvel empreendimento
(BARBOSA, 1959, p. 52).
O novo equipamento social foi instalado no prédio do grupo Escolar Doutor
Odorico de Morais que estava abandonado sob a alegação dos professores de que o
imóvel, construído pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos em convênio com a PMF,
era muito distante do Centro de Fortaleza. Depois de duas tentativas de solicitação do
espaço junto à Prefeitura, através de memorial assinado pelos moradores e apoio de
instituições filantrópicas, em que destacamos a Organização das Voluntárias do Brasil,
secção Ceará, foi possível inaugurar o Centro Social em 08 de dezembro de 1955, dia de
Nossa Senhora da Conceição.
Depois da solenidade, o Padre apresentou os lideres comunitários às assistentes
sociais e às alunas do Curso de Serviço Social que escutaram suas demandas, a saber:
35
escolas. No dia seguinte, elas organizaram no Centro Social um plantão de atendimento à
população que esteve presente em peso e mais uma vez reivindicou educação.
Embora percebesse o não investimento público no Pirambu, Barbosa (1959,
p.55) acreditava que os problemas existentes eram, também, culpa dos moradores do
bairro, pois não tinham senso comunitário de luta pela melhoria das condições de vida
pessoal e coletiva: “Acostumados a nada conseguirem, não viam nem sentiam a
necessidade de lutar. Queriam escolas mas nenhum passo davam para obtê-las”.
Isso revela a influência do Serviço Social que, procurando se afirmar como
profissão, entendia os problemas sociais como fruto dos desajustes dos indivíduos que
deviam, portanto, ser tratados 16. Nas palavras de Barbosa (2010, p. 51),
[...] ao Serviço Social compete remediar os desajustados parciais e
promover o bem estar e a felicidade dos grupos sociais e de seus
componentes, por meio de um estudo atento das normas da vida, que êle
procura beneficiar direta ou indiretamente.
Enfim, o Serviço Social tem por supremo objetivo a satisfação dos direitos
humanos, seja atuando isoladamente, seja coordenando a ação coletiva.
Para ganhar a confiança dos moradores, as supervisoras e estudantes fizeram
funcionar no inicio de 1956 um grupo escolar. A comunidade solicitou 187 vagas, contudo só
foram matriculadas 80 crianças, 40 do sexo masculino e 40 do sexo feminino. Percebo que
havia um senso de igualdade naquelas que estavam organizando o processo, pois embora o
número de crianças entre 5 e 15 anos do sexo masculino fosse maior do que as do sexo
feminino17, as matrículas foram divididas igualmente entre os dois sexos.
E o material permanente para o funcionamento da escola? Babosa (1959) deixa
bem claro em seu relato que as autoridades locais, estaduais e federais colaboraram muito
pouco para a concretização de qualquer ação no Pirambu. As doações sustentaram não só
a escola mas todas as atividades realizadas no Centro Social. Para começar as aulas, o
Instituto Bom Pastor disponibilizou 20 cadeiras; os leigos da Paróquia São Francisco de
Assis, os bancos e outros móveis; o Governo do Estado, uma professora ocupante da
cadeira de ensino supletivo; e outra professora se voluntariou. Paralelamente à manutenção
16
Não é meu objetivo fazer uma analise crítica da perspectiva teórica utilizada pelo Serviço Social para intervir
na realidade, mas apenas identificá-la com o propósito de contextualizar a atuação destes profissionais e,
consequentemente, de Aldaci Barbosa. Para uma crítica ao Serviço Social no Brasil cf. Netto, José Paulo.
Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 2005. IAMAMOTTO, Marilda Villela;
CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982. No Ceará ver
SILVA, Neíse Távora de França e. As relações sociais e o serviço social no Ceará – 1950/1960. In: COSTA,
Liduina Farias Almeida da; BEZERRA, Leila Maria Passos de Sousa; PIO, Maria da Conceição (Orgs).
Fragmentos do passado e do presente; 60 anos do serviço social no Ceará. Fortaleza: EdUECE, 2010. p. 265 343.
17
Em pesquisa realizada na comunidade, Barbosa (1959) mostra que havia 5.241 crianças d e 5 a 15 anos no
bairro, 2.728 eram do sexo masculino e 2.513 do feminino.
36
da escola18, o grupo técnico se concentrou em aplicar o método de Serviço Social de Caso,
Grupo e Organização de Comunidade.
O Serviço Social de Caso foi criado com o objetivo de esclarecer o serviço a ser
prestado no Centro Social, pois os membros da comunidade acreditavam que seriam
distribuídas
ajudas
materiais
de
graça,
bem
como
fazer
o
acompanhamento,
encaminhamento e tratamento dos desajustados (BARBOSA, 1959). Aqueles tinham
dificuldades de se adaptar ao modo de produção capitalista e sua principal contradição, qual
seja: a constituição de pequenos grupos abastados concomitante com milhares de pessoas,
famílias, grupos e comunidades miseráveis, como o Pirambu. Silva (2010, p. 314-315)
apresenta as diversas formas de desajustamento, são eles:
[...] desajustamento econômico (situação de miséria, insuficiência de salário,
desemprego); desajustamento de saúde (cegueira, surdez, mudez, aleijão,
enfermidades diversas); desajustamento mental (loucura, retardo mental,
psicoses e neuroses), desajustamento doméstico (desarmonia em família,
incompatibilidade entre esposo ou entre quaisquer membros da família),
desajustamento de educação (menores abandonados, delinqüência juvenil,
educação defeituosa e mal encaminhada), desajustamento profissional
(insatisfação com o emprego ou com os chefes, ou com colegas, falta de
vocação ou de capacidade para o trabalho a realizar), desajustamento de
conduta (delinqüência, crime, prostituições e vícios sociais) [...].
Dessa forma, o trabalho das estagiárias era realizar plantões, visitas
domiciliares, dar providências, encaminhamentos às obras especializadas e utilização de
recursos da comunidade para solucionar os problemas supramencionados, com a
colaboração e o compromisso do indivíduo seguir as orientações dadas (BARBOSA, 1959).
A finalidade do Serviço Social de Grupo visava desenvolver as potencialidades
dos indivíduos em prol da sociedade e da própria comunidade, constituindo um sistema de
solidariedade mútua, principalmente entre os “ociosos”, ou seja, aqueles que elas
consideravam não ter nada para fazer: mulheres e crianças. Através de enquete realizada
com as integrantes dos grupos, foi possível identificar o bordado a mão como a principal
atividade doméstica de interesse das mulheres. Apreender um ofício era possibilidade de
conseguir um emprego (BARBOSA, 1959).
Embora não fosse objetivo do grupo suprir as necessidades egoístas das
pessoas (sua subsistência), foram ministrados cursos profissionalizantes de corte e costura
e bordado à mão. Como o Centro Social não contava com recursos para a compra de
matéria prima, Barbosa (1959) afirma que as mulheres foram conseguindo trabalho em
18
Em 1957, 255 crianças foram matriculadas, no ano seguinte 400 e em 1959, mais de 500 alunos (BARBOSA,
1959).
37
firmas de confecção. Apenas uma parte do que recebiam era destinada ao fundo de reserva
do grupo.
Os outros grupos formados foram: 1) práticas de enfermagem, onde as mulheres
tinham noções básicas de cuidados com saúde e aplicavam nos doentes da comunidade; 2)
futebol, para os meninos; 3) teatro, para as adolescentes; 4) 1º Núcleo de Joaninhas do
Ceará, em parceria com a agremiação das Bandeirantes; 4) grupo Padre Francisco Pinto,
em parceria com os Escoteiros; e 5) Clube de Mães, para orientações de cuidados com o
recém-nascido e confecção de enxovais (BARBOSA, 1959).
No que tange à comunidade, tratava-se do processo de criação do Conselho do
Bairro, composto por líderes comunitários que representassem os habitantes do Pirambu
(BARBOSA, 1959). Dito em outras palavras, era a ação de articulação e mobilização da
comunidade em torno de seus problemas, propostas de solução e atividades concretas.
Além dos lideres, faziam parte do Conselho o Padre Hélio e a Assistente Social, que
acredito ser Aldaci Babosa pela sua condução técnica e moral em todas as ações no Centro
Social.
Após a formação da diretoria do Conselho, em reunião realizada no dia 17 de
junho de 1956, os membros começaram a exigir do vereador do bairro mais infraestrutura
para a escola. Outras medidas tomadas se baseavam na organização de um plano de
trabalho racional das atividades a realizar; elaboração do Estatuto do Conselho, publicado
em Diário Oficial do Estado e registrado em cartório; negociação dos terrenos ocupados 19;
construção da Paróquia; combate às diversões inadequadas, como os sambas e as
gafieiras; formação do Conselho da Juventude masculina e feminina, subordinado ao
Conselho do Bairro, responsável por criar espaços de diversão no Pirambu, como a quadra
de esportes; reforma da delegacia; edificação de uma escola profissional; e preparação da
comunidade para fazer hortas, a fim de melhorar a qualidade da alimentação20 (BARBOSA,
1959).
O dinheiro para financiar essas ações foi arrecadado no próprio bairro através de
campanhas e quermesses feitas pelos moradores. A Prefeitura só colaborou na extinção
das gafieiras, depois de muita pressão. Na exposição de Barbosa (1959), é possível
perceber a influência técnica, moral e religiosa que o Padre e a Assistente Social tinham
sobre as decisões, principalmente na negociação dos terrenos onde qualquer tipo de
19
As áreas de terras do Pirambu pertenciam à União (faixa litorânea) e a Família Braga Torres (BARBOSA,
1959).
20
No Centro Social havia também um Lactário, onde era distribuído leite às famílias de baixa condição financeira
e o Serviço Médico para atendimento de alguns tipos de doenças, a exemplo da tuberculose (BARBOSA, 19 59).
38
confronto direto foi condenado, sendo as técnicas responsáveis por mediar todo o processo
de acordo com os proprietários das terras, que cobraram pelos lotes.
Uma das assistentes sociais entrevistadas, ex-estagiária do Centro Social Lar de
Todos, afirmou que elas procuravam distinguir o trabalho técnico e social do religioso:
[...] a gente fazia uma distinção muito grande das duas dimensões : religiosa,
social e laica, mas a gente também participava como observador. Não era a
gente que ia falar da igreja, dos mandamentos, não. A gente ia só pra ver
como se organizava. Como que a população trabalhava (CONCEIÇÃO
PIO).
Apesar de grande parte das assistentes sociais e estagiárias ser católica, elas
não tinham atividades de cunho religioso, como catequese, missas, batizados, casamento,
dentre outros. Esse era o ofício do Padre Hélio. Elas se concentravam nas ações sociais
supramencionadas, o que não significa dizer que estavam despidas de valores cristãos.
Pois, muitas vezes, esses foram usados como parâmetro para diagnosticar os
desajustamentos e indicar o caminho correto.
Por um lado, o trabalho realizado possibilitava a construção de sujeitos
participativos, o atendimento de algumas necessidades da comunidade, a valorização da
solidariedade e do trabalho em equipe; por outro, as ações empreendidas tinham caráter
civilizatório, disciplinador, ou seja, de imposição aos moradores do Pirambu de
determinados hábitos e costumes burgueses e urbanos, com o intuito de modernizar e
desenvolver econômico e socialmente a comunidade.
Na análise de Morais (2008), o Padre Hélio se utilizava do discurso do
desajustamento para individualizar a situação vivida pelos moradores do Pirambu e,
consequentemente, manter o domínio sobre a comunidade, recolonizando a vida dos
moradores a partir de valores cristãos católicos. Sua intenção também era combater os
comunistas que incitavam a população a lutar contra o Estado, gerando agitação e
perturbações à ordem vigente. Assim, a aliança entre Igreja e Serviço Social foi estratégica
para criar um novo modelo de pobre mais adequando à cultura urbana e aos interesses das
elites.
Contudo, a autora destaca que os moradores não eram simples “fantoches” do
Padre e das assistentes sociais. Adaptaram-se às novas regras para continuar no jogo
político:
Segundo Freitas, um dos moradores conscientes do poder crescente do
vigário e das assistentes sociais no Pirambu e do declínio dos Comunistas
nos anos 1950/1960, afirmava que era necessário desde então se
acomodar aos novos “patrões” da favela a fim de assegurar melhorias nas
condições de vida do Pirambu. [...].
39
A população do Pirambu percebia o quanto a Igreja poderia melhor
representá-los, já que, desde 1947, os comunistas, seus aliados anteriores,
eram perseguidos e, assim, não podiam mais trabalhar de forma aberta
junto aos moradores. Então, para continuar atuando no jogo político, a
escolha da Igreja como mediadora foi a melhor opção para o momento
(MORAIS, 2008, p. 32).
Percebe-se, portanto, que a adesão e a participação dos moradores nas
atividades propostas estavam vinculadas à possibilidade de conquistar melhores condições
de vida para comunidade. Por isso o Padre e as assistentes sociais foram muitas vezes
solicitados pelos líderes comunitários com a tarefa de mediar o conflito da ocupação dos
terrenos no Pirambu. É mister destacar que a mediação desses conflitos fez Aldaci Barbosa
perceber algumas contradições, especialmente, a incompreensão dos proprietários dos
terrenos e o descaso dos poderes públicos, como mostram as citações abaixo:
Em linhas anteriores deste trabalho ressaltamos que dent re os diversos
donos de terrenos do Pirambu somente uma parte mostrou-se acessível à
cooperação e particularmente sensível à caridade cristã de auxílio aos mais
necessitados. No entretanto, outros não pensavam dessa maneira. Acima
de qualquer coisa estava o desejo primário de resguardar até a violência se
preciso, esta parte abandonada do seu patrimônio, não permitindo aos sem
lares usufruí-la mansa e pacificamente.
O resultado de nossa missão [negociação com os proprietários dos
terrenos] foi levado a conhecimento do Conselho e chegamos à conclusão
que somente o Centro Social se havia colocado ao lado das vítimas
[pessoas que tinham sido retiradas dos terrenos pela polícia], pois o
advogado do S. Excia. o governador nada fizera para a solução do caso
(BARBOSA, 1959, 89-90).
Se, num primeiro momento, foi totalmente contra qualquer processo de
mobilização dos moradores pela conquista dos terrenos, a marcha do Pirambu, realizada em
01 de janeiro de 1962, com o apoio dela e do Padre Hélio, mostra que a mentalidade estava
se transformando. Afinal, Fortaleza havia mudado muito desde 1930.
2.3
Fortaleza: economia, administração política e sociedade
Na década de 1930, consolidada como um dos centros econômicos mais
importantes no Estado do Ceará pela produção de algodão de fibra longa, Fortaleza
consegue transpor o domínio político-administrativo e econômico das oligarquias, com
destaque para a Accioly. Isso não significa, porém, o ganho da sua liberdade política. A
centralização do poder no Executivo, através do governo Getúlio Vargas, dá a este a
atribuição de escolher os interventores para a administração dos Estados e aos
interventores a responsabilidade de indicação dos prefeitos. Como outros estados e
40
munícipios, Fortaleza teve que se submeter às ordens advindas da região Sudeste, sede do
governo Federal.
Os interventores, Fernandes Távora (1930-1931) e Carneiro de Mendonça
(1931-1934), deram início às primeiras mudanças administrativas no sentido de
centralização do poder. O primeiro exigiu a população de 15 mil habitantes e a renda de 30
contos de réis para a constituição dos Municípios, além de criar a Secretaria dos Negócios
do Interior e Justiça do Ceará, órgão responsável por enviar relatórios mensais sobre a
situação das municipalidades. Já o segundo dividiu o Estado em seis regiões, nomeou
comissões para fazer sindicância nas prefeituras e criou o Departamento dos Negócios
Municipais (SOUZA, 1994).
Nas relações econômicas, apesar do sobressalto das exportações (algodão,
peles e couros salgados) e importações (louça, tecidos e outros bens manufaturados), o
grande dinamizador da economia fortalezense sempre foi o comércio, acrescido no ano de
1930 da atividade imobiliária, como afirmam Fernandes, Diógenes e Lima (1991):
[...] já na década de 30 existiam importantes firmas, voltadas para o
comércio atacadista de tecidos, o comércio de estiva, o comércio
importador, o comércio lojista e o comércio ferragista, o primeiro e o quarto
entregues principalmente a estrangeiros naturalizados.
Também essa época remonta a formação das primeiras instituições
bancárias, apesar de que a existência do capital financeiro seja anterior a
essa formação. Mais uma vez é o comércio, especialmente de exportação,
que funciona no agenciamento financeiro, estabelecendo verdadeiras
cadeias de controles agrícolas.
[...]
As instituições bancárias criadas particularmente a partir dos anos 30 vão
estar concentradas predominantemente nas mãos de comerciantes e
especuladores da terra urbana, conforme pode-se observar na distribuição
seguinte:
- Banco Frota Gentil – iniciativa de antigos donos de imóveis urbanos;
- Banco dos Importadores – também originário de proprietários de terra
urbana;
- Banco da União S/A – iniciativa de quatro grandes comerciantes, um
deles dono de terra;
- Banco dos Proprietários – iniciativa de proprietários de pequenos
imóveis residenciais que especulavam com aluguéis;
- Banco de Crédito Comercial – iniciativa oriunda da própria atividade
bancária;
- Banco Popular – iniciativa da Diocese de Fortaleza (p.45-46).
Nas palavras das autoras, maior parte dos bancos estava sob o domínio de
comerciantes e empresários da atividade imobiliária, o que revela a existência e
predominância de uma burguesia comercial em detrimento de uma incipiente burguesia
industrial, que se instalava em todo o País, mas especialmente no Sudeste, devido ao
modelo de substituição de importações.
41
No plano urbanístico da organização da cidade, Souza (1994) apresenta várias
transformações nesse período, dentre elas cito: o estabelecimento do novo Código de
Posturas de 1932, com o intuito de disciplinar e regular o crescimento da cidade; ruas e
avenidas foram pavimentadas; houve a estruturação e remodelação de jardins e logradouros
públicos; a Coluna da Hora foi edificada na Praça do Ferreira; a Rua Liberato prolongada; foi
construído o primeiro mictório público na Praça dos Leões; a Avenida Visconde do Rio
Branco foi ligada à Rua Sena Madureira; e a reestruturação da Comissão do Plano da
Cidade, em 1939. Além disso,
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) colabora com a Prefeitura
Municipal no sentido da disciplina urbana e da estética da cidade,
promovendo uma campanha contra a mendicância. A visibilidade da
pobreza entra em contradição com a imagem da cidade do “progresso” que
está sendo construída pelas autoridades municipais, daí a erradicação dos
mendigos dos logradouros públicos e a recomendação de internamentos em
associações caritativas.
A prefeitura, com o Decreto-Lei n° 12, de 17.04.1940, institucionaliza
através de subvenções as entidades que participam da administração da
pobreza urbana, com os serviços de assistência sanitária, o amparo á
maternidade, à proteção, à saúde da criança, a assistência aos enfermos, a
assistência aos necessitados e desvalidos, assistência aos inválidos e à
velhice, o amparo à criança e à juventude em estado de abandono moral,
intelectual e físico. [...] (SOUZA, 1994, p.63).
Para a autora, a modernização da cidade através da busca de soluções para os
problemas urbanos (falta de moradia, de saneamento básico, de transporte, de iluminação,
bem como precários serviços de educação e saúde) leva à melhoria da infraestrutura do
centro da cidade para seu entorno, com a consequente valorização dos terrenos. Isso acaba
por expulsar a população pauperizada para a periferia, que se recusa a sair. Os mendigos
são internados em instituições filantrópicas, mantidas em parte com dinheiro da Prefeitura.
Todas essas ações representam a continuação do processo de desodorização, limpeza e
higienização da cidade de Fortaleza, aprofundando as diferenças entre as classes sociais e
polarizando a construção do espaço urbano entre centro (lado rico) e periferia (lado pobre).
Na análise de Ribeiro (1994), a população do município era, em 1940, de
205.724 habitantes, fato que agravava a questão urbana21 e dava margem a pressões
populares por melhores condições de vida e acesso a bens e serviço de qualidade.
Diante dessa situação, as principais medidas tomadas até o golpe militar,
segundo o autor, foram: a instituição de um comércio livre de gêneros alimentícios de
origem agrícola, para facilitar o acesso da população a alimentos de primeira necessidade,
21
Para Schmidt e Farret (1986), a oferta e o acesso a bens e serviços coletivos (como infraestrutura básica,
saúde, educação, habitação, dentre outros), cada vez mais se tornam responsabilidade do Estado e se
constituem condição necessária à reprodução das relações sociais de produção, é o centro da questão urbana
no Brasil.
42
com preços mais baratos; a implantação de 56 linhas de ônibus até o final de 1948, com o
intuito de solucionar o problema de transportes; a criação do Serviço de Luz e Força de
Fortaleza (SERVLUZ), em 1954, denominado posteriormente de Companhia de Eletricidade
de Fortaleza (CONEFOR), a fim de dar respostas à questão da energia elétrica; a
elaboração do Plano Diretor pelo urbanista Hélio Modesto; a construção da Avenida
Perimetral, que ligaria diversos distritos construídos ao redor da cidade e disciplinaria o
crescimento irregular da mesma; a concepção e início das obras de construção da Via
Litorânea que ligaria os lados leste e oeste de Fortaleza, na gestão do General Cordeiro
Neto (1959-1963); e, por fim, a desapropriação de algumas áreas e terrenos para a
construção de habitações populares.
A economia vai passar por alguns incentivos a partir da criação da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959 e sua política de
incentivos fiscais. Embora a superintendência tenha beneficiado mais a Região Sudeste do
que propriamente o Nordeste, ela teve papel importante na modernização de setores como
o têxtil e alimentício. Segundo Fernandes, Diógenes e Lima (1991, p.47):
É importante destacar o papel da SUDENE na modernização de setores
tradicionais como o têxtil e de alimentícios, principalmente. O primeiro
passou por um processo de diversificação, que permitiu a produção de
artigos diferenciados como meias para homens, colchas de chenille, linha e
artigos de passamanaria. No caso de alimentos, os incentivos propiciaram a
expansão da atividade de beneficiamento da castanha de c aju e a
frigorificação da pesca.
Apesar disso, o comércio não deixou de ser o centro das atividades econômicas
e da absorção da maior parte da mão de obra. Estatísticas, apresentas por Fernandes,
Diógenes e Lima (1991), mostram que 441,5 da renda interna provinham das atividades do
setor de serviços em 1939, passando para 2.190,5, 22.928,8 e 1.094.840,8, nos anos de
1950, 1960 e 1969, respectivamente. Em contraposição, os números relacionados às
atividades da indústria, revelam 73,1 da renda interna em 1939, 309,3 em 1950, 3.568,4 em
1960 e 201.655,3 em 1969. Dados bem inferiores quando relacionados ao setor de serviços
totalmente vinculado ao comércio.
As décadas de 1940 a 1960 são marcadas por grandes migrações internas, o
que acelera, segundo Ribeiro (1994), o processo de constituições de favelas em Fortaleza,
com destaque para o Pirambu, o Lagamar e a Verdes Mares, bem como ocupações
irregulares em quase toda a periferia da cidade. Aumenta, portanto, o conflito entre os
proprietários dos terrenos e os ocupantes destes e, consequentemente, as reivindicações
por parte dos pobres. Na análise do autor,
43
Além de assumir seu papel de mediador, diante dos conflitos inevitáveis
provocados pela ocupação desordenada do espaço urbano, o poder
municipal é forçado a redefinir o próprio papel da Prefeitura, no sentido de
atender às novas demandas impostas pelo crescimento da vida citadina
como saúde, educação, moradia, lazer, calçamento, transporte etc
(RIBEIRO, 1994, p.73).
Nesse contexto, tem-se a criação da Fundação do Serviço Social de Fortaleza,
através da Lei n° 2.486, de 26 de outubro de 1963. Segundo seu Regulamento, aprovado
através do Decreto n° 2.766, de 24 de maio de 1966, a Fundação está enc arregada “do
estudo, planejamento e execução dos serviços sociais, da assistência aos desfavorecidos,
do combate ao mocambo, da promoção de atividades que visem a qualificação de mão-deobra e do fomento à habitação própria” (MOTA, 1982, p. 129). Dito de outra forma, a FSSF
era responsável pelo planejamento e execução das políticas sociais 22 no Município, com
destaque para as ações de assistência social, habitação, geração de renda e infraestrutura.
A Fundação era, portanto, uma instituição de atendimento às necessidades das
populações urbanas não cobertas pela legislação trabalhista e, consequentemente, pela
previdência social23, apesar desta ser uma política social. Funcionou também na condição
de mediadora dos conflitos urbanos entre as elites e os pobres, onde as primeiras estavam
preocupadas com os lucros dos terrenos e a “boa aparência” da cidade; e os últimos, com a
garantia de melhores condições de vida para sua família e comunidade.
2.4
Primeiros anos da Fundação do Serviço Social de Fortaleza
Juridicamente a Fundação era uma autarquia24, com autonomia administrativa,
financeira e com patrimônio próprio. Suas rendas provinham de dotações orçamentárias
fixadas em lei, ajudas e subvenções de qualquer origem, atestando sua capacidade de
captação de recursos. Destarte, deveria ser dirigida por um superintendente e um Conselho
Fiscal,
constituído
por
três
pessoas
de reconhecidos
méritos
sociais, ambos,
superintendente e membros do Conselho, seriam escolhidos pelo Prefeito (MOTA, 1982).
22
Compreendo as políticas sociais como ações planejadas de intervenção do Estado na sociedade, com o
objetivo de dar acesso a bens e serviços de caráter coletivo. A realização destas ações pode ser através de
instituições públicas, com orçamento definido e/ou privadas, onde o Estado subsidia parte das atividades
executadas.
23
A previdência social no Brasil se desenvolveu focalizada em algumas categorias profissionais urbanas.
24
“Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada” (BRASIL, Art. 5º, Inciso I, Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de
1967).
44
O primeiro superintendente escolhido pelo então prefeito General Murilo Borges
(1963-1967) – último prefeito eleito antes do golpe militar – foi Edvar Arruda Filho, que
dirigiu a Fundação de abril de 1964 a janeiro de 1965. Segundo Mota (1982), as principais
atividades desenvolvidas em sua gestão destacam-se o programa para instalação de
televisores nas praças de Fortaleza, a criação do Armazém Reembolsável, onde seriam
vendidos todos os utensílios de supermercados (máquinas de costuras, bicicletas, produtos
de supermercado e farmácias). O dinheiro da venda seria alocado em um Fundo Rotativo
para a manutenção do Armazém.
Na
Superintendência
de
Roberto
Jorge
Braun
Vieira
(02/07/1966
a
25/03/1967)25, deram-se início aos primeiros programas habitacionais. Em julho de 1966, o
Prefeito transfere um terreno de área de 422.856m², localizado no bairro Aldeota para a
Fundação, onde deveriam ser construídas habitações populares (MOTA, 1982). Nesse
sentido, foi criado o Fundo Rotativo de Habitação Popular, provavelmente responsável pela
alocação do dinheiro dos pagamentos e novas compras de terrenos.
Em dezembro do mesmo ano, a Prefeitura transfere outro terreno à FSSF. Com
uma área de oito hectares, o terreno situado no bairro do Cocó possibilitou a construção de
100 casas. O Conjunto Habitacional foi chamado de Santa Luzia do Cocó. Já outro
loteamento no bairro Mucuripe deu origem ao Conjunto Habitacional Dona Narcisa Borges,
mais conhecido como Nossa Senhora da Paz, composto por 80 casas, destinadas a
funcionários
da Prefeitura. Segundo
Mota (1982, p.20), além dessas ações, o
superintendente Roberto Vieira ampliou o Armazém reembosável e a Farmácia:
Ao reembosável deu a forma de supermercado. Deu prosseguimento à
construção do conjunto residencial Vila Altamira para transportar os favelas
que residiam na Avenida Antônio Justa, em frente ao Náutico. [...] Os
favelados da avenida Dom Luiz foram levados para o conjunto residenc ial
do Cocó.
Instalou televisores públicos nos bairros de Vila União, Montese, João XXII,
Cidade dos Funcionários, Amadeu Furtado e Mucuripe.
É mister destacar que os primeiros superintendentes eram pessoas de famílias
com trajetória na política, onde o critério para assumir o cargo não era a capacidade técnica
para propor ações de acordo com objetivo da instituição e sim as alianças políticas que
mantinham o Prefeito no poder. Nas palavras de Maria Luiza Fontenele:
É o Roberto Braun de família política. E o... Zeba [apelido de José de
Carvalho Melo] era marido da Mazé, que era uma criatura de uma liderança
fantástica [...]. Depois o filho foi deputado estadual. O Edvar Arruda
também. A Aldaci não, a Aldaci é porque teve todo o trabalho no Pirambu.
25
O segundo superintendente da FSSF foi José de Carvalho Melo, no período de 26/01/1965 a 02/07/1966
(MOTA, 1982). Acredita-se que ele tenha dado continuidade as atividades e xistentes. Mota (1982), contudo,
afirma que sua principal contribuição foi a aprovação do regulamento da Fundação.
45
A ex-prefeita, que foi assistente social da instituição até a superintendência de
Jorge Braun, reconhece que a inserção de Aldaci Barbosa na Fundação não se referia a
mero cumprimento de acordos políticos e sim ao trabalho realizado no Pirambu, ou seja, a
sua competência técnica para lidar com comunidades.
A criação da FSSF, a implantação de um novo Estatuto dos Funcionários
Públicos Municipais, a aquisição de caminhões para o Departamento de Limpeza Pública e
de 50 ônibus elétricos (PONTE FILHO, 1990) foram destaques na gestão do General Murilo
Borges.
Já na gestão de José Walter Barbosa Cavalcante (1967-1971) – primeiro prefeito
indicado pelo regime militar para administrar Fortaleza –, ganharam ênfase as políticas
urbanas e habitacionais, dentre elas a criação do Conjunto “Sétima Cidade”, posteriormente,
denominado Conjunto José Walter, no distrito do Mondubim, financiado pelo Banco Nacional
de Habitação (BNH) e pela Companhia de Habitação (COHAB)-Fortaleza (OLÍMPIO, 2008).
Citam-se ainda a remodelação da Praça do Ferreira; a elaboração do Plano de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de Fortaleza (PLANDIRF) (RIBEIRO, 1994); a
construção da Estrada Mata Galinha, para facilitar o acesso ao Estágio Plácido Castelo; o
aumento da rede telefônica do município (PONTE FILHO, 1990); e a construção do primeiro
Centro Comunitário no Conjunto Habitacional Santa Luiza do Cocó (MOTA, 1982).
Para Ribeiro (1994), a ditadura militar centralizou o poder político e concentrou
os recursos financeiros no Executivo Federal subordinando as instâncias estaduais e
municipais as suas decisões. Emergia um novo modelo de administração pública baseado
na gestão técnica dos burocratas do Planalto, privilegiados em detrimento as demandas
reais do município. Os planos nacionais, apesar da proposta de integração, responderam de
forma padronizada as diferentes realidades locais. Além disso, determinou-se que os
dirigentes municipais escolhidos fossem técnicos sem participação ou experiência na
política partidária, “o que aparentemente os transformava em gestores neutros” (RIBEIRO,
1994, p. 77) e provavelmente facilitou a adesão municipal ao projeto dos militares.
Como engenheiro civil, José Walter Barbosa Cavalcante estava dentro dos
critérios para assumir a gestão da capital cearense, era técnico e não havia exercício cargo
político na administração pública. Com receio da responsabilidade a cumprir, optou pela
nomeação de técnicos para as secretarias municipais. Dentre os escolhidos constava o
nome da primeira mulher a assumir um cargo de gestão na administração pública de
Fortaleza: Aldaci Nogueira Barbosa, de acordo com o relato do ex-prefeito:
46
A Fundação do Serviço Social de Fortaleza, como tava falando no começo,
eu chamei o Padre Hélio que era meu parente: Padre eu... num seminário
que ele fez, sabendo de nada daqui, completamente, sem saber sobre
honestidade e eu queria que você me ajudasse. Ah, vou lhe ajudar, meu
filho. No dia que eu pedi uma pessoa para Fundação do Serviço Social ele
indicou a Aldaci Nogueira Barbosa. Foi a melhor coisa que ele fez por mim.
[...] Aldaci, ela é uma mulher simplesmente maravilhosa (JOSÉ WALTER
CAVALCANTE).
A indicação do Padre Hélio leva Aldaci Barbosa a assumir a superintendência da
FSSF no dia 25 de março de 1967. Apesar de ter trabalhado em outras instituições 26, sua
atuação na Fundação foi relevante pela execução de programas e projetos nas áreas
habitacional, educacional, de capacitação profissional, de geração de renda, de assistência
à saúde e de infraestrutura.
Aldaci Barbosa foi gestora da Fundação durante dez anos. Deixou o cargo em
virtude de seu falecimento, em 27 de agosto de 1976, aos 54 anos de idade, após um
exame diagnóstico de cateterismo. Dentre suas principais características relatadas nas
entrevistas, destacam-se sinceridade, coerência moral e ética, compromisso, muito
dedicada ao trabalho, competente, autoritária, gostava mais de escutar do que falar, justa,
humana, íntegra, honesta, personalidade marcante, pessoa dura, séria no trabalho,
despreocupada com a aparência, referência na família para a resolução de problemas,
conselheira, amável com os sobrinhos e primos, decidida, segura, tranquila, corajosa,
divertida, espirituosa, emotiva, carismática. Gostava também de poesia, música, pintura,
bem como ler.
Nos relatos, foi possível perceber que a gestora Aldaci Barbosa se apresentava
séria. Já em casa, apesar da personalidade forte, tinha momentos de diversão e afetividade
tornando-se mais descontraída. Destacou-se pelo respeito que as pessoas tinham por ela,
pela realização de ações concretas que saíram do papel e pela eficiência na administração.
Embora alguns informantes tenham afirmado que ela era autoritária, compreendo que Aldaci
Barbosa era uma pessoa determinada em relação às ações que empreendeu. No terceiro
capítulo discutirei com mais profundidade a utilização desse termo pelos entrevistados. Além
do prefeito José Walter, integrou a administração de mais dois prefeitos, também nomeados,
que seguindo a orientação nacional das administrações militares deram prioridade à política
urbana e de infraestrutura.
26
Destaco sua função como professora titular da Escola de Serviço Social de Fortaleza, ministrando a disciplina
de Desenvolvimento de Comunidade, o que mostra seu conhecimento acerca da metodologia e difusão da
proposta. Para outras funções e cargos cf. FORTALEZA, Câmara Municipal de. Departamento Legislativo. Lei
5.370, de 22 de dezembro de 1980. Disponível em: http://www.cmfor.ce.gov.br/legi slacao/. Acesso em: 16 de
janeiro de 2012.
47
Na gestão de Vicente Cavalcante Fialho (1971-1975), graduado em engenharia
civil, deu-se continuidade ao PLANDIRF, através do melhoramento do sistema viário. As
principais obras realizadas foram: a construção de mais um trecho da Avenida Leste Oeste;
a criação da Empresa de Urbanização de Fortaleza (EMURF) (RIBEIRO, 1994); a
construção das avenidas Aguanambi, José Bastos, Borges de Melo, Zezé Diogo, Beira Rio
(Barra do Ceará) e do Quarto Anel Viário; a criação da Fundação Educacional de Fortaleza
(FUNEFOR); e a aquisição do Palácio do Bispo, pertencente à arquidiocese de Fortaleza,
onde foi instalado o Paço Municipal (PONTE FILHO,1990). Além da criação do Centro
Comunitário Governador César Cals, no bairro Henrique Jorge, posteriormente denominado
Centro Social Urbano, bem como os Centros Sociais Urbanos Presidente Médici, na
Aerolândia e Economista Rubens Vaz Costa, na Jurema (MOTA, 1982).
Evandro Aires de Moura (1975-1978) somou ao PLANDIRF o Plano de
Desenvolvimento Integrado de Fortaleza (PLADIF) e o Plano de Ação Municipal (PAM),
concretizando a realização das seguintes obras: prolongamentos das Avenidas Santos
Dumont, Expedicionários, Carapinima e Antônio Sales; conclusão do Quarto Anel Viário,
interligando a Parangaba, Boa-Vista, Passaré, Castelão e Cajazeiras (RIBEIRO, 1994);
construção de 14 postos de saúde e 3 hospitais de pronto-socorro; reaparelhamento da
Companhia de Transporte Coletivo (CTC); expansão da rede de iluminação pública, com a
implantação de 8 mil postes de luz; e construção dos Centros Sociais Urbanos do Conjunto
José Walter e Conjunto Palmeiras (PONTE FILHO, 1990).
Para a realização de tantas obras, era necessário abrir caminho retirando tudo o
que estava no trajeto: mocambos, casebres, casas, pessoas, favelas. Esse era um dos
trabalhos de Aldaci Barbosa na superintendência da FSSF: mediar os conflitos em torno da
apropriação do solo urbano por uma elite, aliada aos militares e com planos de
embelezamento da cidade; e pelos pobres que queriam garantir suas moradias em espaços
de especulação imobiliária. Isso se realizou através da operacionalização de programas e
projetos, a serem apresentados no próximo capítulo.
48
3
A FUNDAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DE FORTALEZA:
programas e projetos, 1967/1976
A Fundação do Serviço Social de Fortaleza nasceu para
antever e solucionar os problemas da área urbana do
município. Coube-lhe a tarefa de estudar, planejar uma atuação
eficaz. O diagnóstico foi feito e sobre êle surgiram os
programas que outra coisa não eram senão a execução
adequada a cada problemática. Assim, podemos citar os
programas de desfavelamento, de profissionalização, bolsa de
estudos, artesanato para melhoria econômica das famílias,
fundo rotativo, conjuntos habitacionais, centros sociais
urbanos, lavanderias, bibliotecas públicas...
(MOTA, 1982, p. 35)
A racionalização e sistematização das ações públicas na forma de programas e
projetos sociais fazem parte do processo de planejamento. Dessa forma, antes de descrever
as ações realizadas pelos técnicos na FSSF no período da superintendência de Aldaci
Barbosa, abordarei o planejamento público no Brasil, a partir da criação do Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP).
3.1 A constituição de uma elite tecnocrática no Brasil
Segundo Baptista (2000, p. 13), “[o] termo ‘planejamento’, na perspectiva lógicoracional, refere-se ao processo permanente e metódico de abordagem racional e científica
de questões que se colocam no mundo social”. Supõe, portanto, a realização de ações
continuadas e a tomada de decisões baseada no conhecimento científico. Mesmo que tenha
como parâmetro a cientificidade, o planejamento não é neutro. Ele tem uma dimensão
política, ou seja, de tomada de decisões que afetam direta ou indiretamente a vida de
pessoas, grupos e comunidades.
Para Mendes (1978, p. 75), o planejamento surge com a “intervenção estatal na
economia, a partir do protecionismo ao capitalismo nascente. À medida que a base
produtiva se expandiu sob o livre jogo de forças de mercado, surgiram as crises econômicas
e sociais que levaram o Estado a intervir”. Ou seja, o planejamento esteve historicamente
49
vinculado aos processos de desenvolvimento econômico, no bojo de um sistema capitalista.
Nas palavras de Oliveira (1981, p, 24): “o planejamento num sistema capitalista não é mais
que a forma de racionalização de reprodução ampliada do capital”.
Não obstante, a compreensão e reflexão do planejamento como uma ação
política é algo recente. Tradicionalmente, era dada ênfase aos aspectos técnicos operativos
do ato de planejar (BAPTISTA, 2000), como se a aplicação de determinadas técnicas e
instrumentos fossem desprovidas de intencionalidades e interesses. Nessa perspectiva, o
técnico assume papel central, pois é a pessoa mais capacitada para propor soluções
concretas e implantá-las na realidade. Dito de outra forma: detém o saber necessário sobre
as demandas da população.
A elite tecnocrática brasileira emerge com ascensão dos militares ao poder
público segundo Bresser-Pereira (2001, p. 231),
[...] quando a burocracia estamental, de caráter aristocrático, começa a ser
infiltrada por elementos externos, de origem social mais baixa – como
aconteceu com o clero e, dentro do aparelho do Estado propriamente dito,
com os militares do Exército –, é claro que já não podemos mais falar com
precisão de um estamento patrimonial, como aquele pretendido por Faoro.
É a administração pública burocrática que está surgindo, é o autoritarismo
burocrático-capitalista que está emergindo, principalmente através dos
militares e das revoluções que promoviam em nome de uma abstrata
“razão”, cujas fontes capitalistas e burocráticas clássicas eram evidentes.
Dessa forma, a sociedade capitalista-industrial que emerge nesse período
estava composta por duas classes novas, originárias de estamentos antigos, a saber: a
burguesia industrial procedente da burguesia mercantil e a classe média tecnocrática ou
moderna burocracia que advém do estamento burocrático patrimonialista, diferenciando-se
deste pelo fato de abranger membros da classe média, dentre eles administradores de nível
médio e profissionais liberais de todos os ramos (BRESSER-PEREIRA, 2001).
A reforma administrativa iniciada em 1936, através da criação do Conselho
Federal do Servidor Público e aprovação da Lei de Reajustamento dos Quadros e dos
Vencimentos do Funcionalismo Público Civil da União, foi um dos responsáveis pela
constituição da nova elite tecnocrática. O objetivo da reforma era combater as práticas
patrimonialistas e dar caráter racional-legal às ações públicas por meio da definição de
hierarquias e regras claras para o serviço público. No entanto, a situação era tensa e
conflituosa, devido aos diferentes interesses que estavam em jogo: enquanto o poder
executivo criava comissões para avaliar a situação do servidor público e propor mudanças, o
poder legislativo negava as sugestões, procurando manter os funcionários nomeados na
folha de pagamento (ABU-EL-HAJ, 2011).
50
Em 1938 é fundado o DASP, que incorporou o Conselho Federal de Serviço
Público, tornando-se uma instituição estratégica para a concretização da reforma
burocrática. A realização de concursos públicos criou um grupo seleto de pessoas com
capacidade de planejamento e competência técnica para atuar nos cargos e funções
administrativas do Estado. Além da seleção meritocrática, os daspianos se embasavam nas
seguintes proposições: racionalização da autoridade; criação de normas que diminuíssem a
influência política; salários de acordo com a função; dedicação exclusiva do funcionário;
integração do comando administrativo; coesão da direção institucional; centralização
administrativa; e disciplina (ABU-EL-HAJ, 2011).
A aplicação de critérios racionais à estrutura administrativa gerou uma distinção
e distanciamento entre a governança (racionalização administrativa, realizada pelo
Executivo) e a governabilidade (negociações políticas, consensos partidários, exercidos no
Legislativo), sendo este, na análise de Abu-El-Haj (2011, p.11), um dos motivos do fracasso
do DASP:
[...] é provável que o divórcio entre meios e fins empregados pelo Estado
Novo tenha sido o motivo maior do fracasso do DASP. Seduzido pelo
imediatismo autoritário, Vargas renunciou aos objetivos democráticos da
revolução de trinta e a Constituição de 1934. Esse período (1930-1937) foi
um dos mais ricos intervalos da construção política no Brasil: decaíram as
instituições das oligarquias fundiárias; ascenderam ao poder novas classes
sociais; despertou um novo sindicalismo, representativo dos assalariados
urbanos e das massas rurais; apareceram projetos de desenvolvimento
industrial e se iniciou a reorganização de uma moderna administração
pública. A tentação autoritária, de 1937, interrompeu o processo
democrático de mudança social. Apesar das aparências sólidas do Estado
Novo e suas instituições políticas, os pilares do regime eram frágeis, pois
não se edificavam sobre um amplo consenso político. Arruinado o Estado
Novo, as elites conservadoras, sob o pretexto de redemocratização,
retomaram as suas políticas clientelistas e invadiram as instituições
públicas, pilhando o Estado e seus fundos públicos.
A interrupção da reforma administrativa, com o fim do período getulista, e o
retorno às práticas patrimonialista e clientelista não inviabilizaram a concretização do
planejamento público no Brasil, nem extinguiram a elite tecnocrática. Pelo contrário, foram
os ex-daspianos Lucas Lopes e Celso Furtado que formularam o Plano de Metas do
governo Juscelino Kubitscheck (ABU-EL-HAJ, 2011), identificado como a primeira iniciativa
de planejamento nacional. É mister destacar, portanto, o papel do DASP na formação de
técnicos que deram impulso à onda desenvolvimentista e à organização do serviço público.
Aliada a reforma administrativa estava a modernização da produção por meio
das grandes organizações empresariais públicas e privadas, bem como substituição das
importações. A política econômica adotada adquiriu ênfase urbana e procurou industrializar
os principais centros agromercantis que tinham economias de urbanização – criadas a partir
51
do sistema de serviços e facilidades administrativas possibilitadas pela exportação – com o
intuito de produzir bens de consumo duráveis. Nesse contexto, algumas cidades ganham
novo papel, não mais vinculado à exploração das riquezas naturais do País para
comercialização externa, mas no sentido da constituição no Brasil de um mercado nacional.
Schmidt e Farret (1986) afirmam que as unidades de produção de maior
dinamismo e que operavam nacionalmente passaram a se localizar na Região Sudeste,
principal eixo de produção industrial e, consequentemente, das decisões políticoadministrativas, fazendo emergir os desequilíbrios regionais:
Em termos espaciais, portanto, duas conclusões podem ser extraídas deste
padrão de crescimento. A primeira, que o crescimento dinâmico do Sudeste
foi parcialmente subsidiado pelo resto da nação, especialmente pelo
Nordeste, uma vez que a política governamental de industrialização, através
da substituição das importações, teve efeito colateral de forçar o restante do
país a comprar do Sudeste, a preços mais elevados que dos países
estrangeiros (Furtado, 1963). A segunda, que o papel do Estado na
economia servia para intensificar o já pronunciado desequilíbrio regional e
para estimular a primazia do Sudeste. Em outras palavras, embora os
desequilíbrios regionais tenham estado historicamente presentes no
processo de desenvolvimento brasileiro, as políticas do pós-guerra
polarizaram intensamente o crescimento tanto ao nível inter quanto intraregional (SCHMIDT e FARRET, 1986, p. 17-18).
Para Costa e Mello (1999), o Estado foi o grande estimulador do crescimento
industrial através da regulação da acumulação do capital. Sua política econômica
caracterizou-se pelo incentivo ao sistema de crédito, por uma política cambial protecionista,
pelo controle dos preços, pelos incentivos fiscais e tributários, bem como pela contenção
salarial. Além disso, os autores afirmam que, nos setores em que o empresariado não teve
condições de investir, o Estado criou suas próprias empresas, a saber: a Companhia
Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce, no estado do Rio de Janeiro.
Ademais, esse período é caracterizado por uma política populista e
conservadora. Conservadora, pois segundo Schimdt e Farret (1986), manteve intocado o
setor agrário, não sendo capaz de articular e promover políticas agrícolas, com capacidade
de estabelecer o perfil da produção das mercadorias primárias desejadas e políticas
agrárias, que fixam os módulos fundiários. Populista, porque cria leis (Consolidação das Leis
trabalhistas - CLT), benefícios e políticas sociais para o trabalhador urbano, com o intuito de
amenizar as demandas ou as reivindicações de bens e serviços de consumo coletivo por
parte das camadas pobres.
O Estado teve, portanto, papel significativo no processo de urbanização
brasileiro e de resolução dos problemas dele advindos. No que tange à urbanização, coube
ao poder executivo local garantir uma infraestrutura básica tanto para a produção de
52
mercadorias quanto para sua comercialização. Já em relação às soluções, o agravamento
da questão social27 possibilitou a entrada das políticas sociais na agenda de prioridades do
governo.
Dentre as instituições criadas no período para promover a proteção social no
espaço urbano, Haguette (1994) destaca: os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP);
o Sistema de Alimentação da Previdência Social (SAPS) fundado em 1940; a Legião
Brasileira de Assistência (LBA) em 1942; o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço
Social do Comércio (SESC) e a Fundação da Casa Popular, criados em 1946; o Serviço de
Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, em 1949. Esses órgãos abrangiam ações na
área da previdência social, da saúde, da assistência social, da habitação, do trabalho e da
educação técnica.
Embora as conquistas constitucionais e a oferta de determinados programas e
serviços aparecessem como dádivas, benesses do governo populista, elas não podem ser
simplesmente desconsideradas, pois representam a contradição inerente às políticas
sociais, qual seja: o atendimento das necessidades, mesmo que mínimas, dos pobres, no
bojo de um sistema capitalista de produção que aprofunda as desigualdades sociais. Elas
representam também o início de conquistas que posteriormente foram garantidas como
direitos sociais na Constituição de 1988.
No pequeno período de democratização do país (1945-1964) e sobretudo, após
o segundo governo Vargas, houve um intenso e acelerado crescimento econômico
proporcionado pelo Plano de Metas. Pela primeira vez, segundo Bierrenbach (1982), o
planejamento econômico tomava forma coesa e consistente no Brasil.
3.2 Planejamento Público
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) centrou suas forças no
desenvolvimentismo, perspectiva que atribuía ao Estado a direção na passagem de uma
sociedade agrária para industrial (ABU-EL-HAJ, 2011). A partir da identificação de
dificuldades na infraestrutura e no desempenho industrial do país por meio de relatórios,
27
Para Castel (2001), a questão social pode ser caracterizada por uma ameaça de ruptura na sociedade,
apresentada por grupos – normalmente os párias – que abalam a coesão do conjunto. Na contemporaneidade,
ela corresponde às disparidades sociais, econômicas, políticas e culturais produzidas e/ou reproduzidas entre as
classes sociais que formam a sociedade capitalista madura (NETTO, 2000).
53
criou-se o Plano de Metas, caracterizado por um “programa setorial de desenvolvimento,
apoiado em investimentos públicos e privados nas áreas de infraestrutura, indústrias básicas
e de bens de consumo duráveis, recursos humanos” (SCHIMDT e FARRET, 1986, p.19),
além da construção da nova capital do País, Brasília.
Para a concretização de um Plano tão ambicioso a ser realizado num curto
período de tempo, Kubistschek contou com os melhores técnicos para conduzir o setor
econômico. Abu-El-Haj (2011) afirma que o Presidente dividiu a administração pública no
campo social, onde foram feitas as negociações políticas e nomeações de aliados; e no
campo econômico, que teve total apoio de Kubitscheck e foi com posto pelos técnicos mais
capacitados.
Nesse sentido, as ações realizadas na área social tiveram como horizonte o
desenvolvimento, uma vez que se partia da premissa de que o processo de industrialização
e o crescimento econômico levariam por si só a superação dos problemas sociais
(BIERRENBACH, 1982). Algumas dessas ações são a seguir listadas: a criação do
Ministério do Trabalho e Previdência Social; aprovação da Lei Orgânica da Previdência
Social (LOPS), o que favoreceu o crescimento no número de segurados e acesso aos
serviços; e investimentos na Educação (ensino primário, médio e superior), com o intuito de
qualificar a mão de obra para trabalhar nos setores em expansão. Segundo Haguette (1994,
p. 145),
- o sistema educacional brasileiro sofreu um razoável desenvolvimento
desde os anos trinta, quando a ênfase foi alocada à educação técnica. Isto
foi parte do plano de usar a educação como fator de desenvolvimento. As
taxas de alfabetização cresceram de 43%, em 1940, a 81,2%, em 1989.
- o maior crescimento nas taxas de alfabetização ocorreram na década de
1950-1960, coincidindo com o grande salto da urbanização brasileira;
[...]
Isso não quer dizer que os problemas do sistema educacional brasileiro tenham
sido resolvidos nesse período. A despeito dos avanços, Haguette (1994) mostra que trinta
milhões de pessoas não sabiam ler e escrever na década de 1970. Esses e outros dados
levam a autora a seguinte conclusão: “o direito social de participar na herança cultural,
medido pelo nível de educação ainda não foi incorporado ao status de cidadania no Brasil”
(HAGUETTE, 1994, p. 145).
É
importante
destacar
também
a
criação
da
Superintendência
do
Desenvolvimento do Nordeste e a implantação do plano viário de integração nacional que
buscaram melhorar a velocidade do sistema, unificar o mercado nacional e equilibrar as
desigualdades regionais através do desenvolvimento de outras regiões como o Nordeste.
54
Como se constata com o decorrer dos acontecimentos sociais, tais ações não conseguiram
equilibrar os diferentes processos de industrialização das demais regiões.
Para Schimdt e Farret (1986), o Plano de Metas provocou uma série de impactos
socioeconômicos e espaciais. Reforçou desequilíbrios setoriais (pela ênfase no setor
manufatureiro), sociais (pela compressão dos salários dos trabalhadores e favorecimento
das elites) e espaciais (pela concentração dos investimentos na Região Sudeste), além de
alinhar a burguesia nacional com a tecnocracia estatal.
O próximo presidente foi Jânio Quadros (1961), que não produziu plano de
governo e destacou-se pela intensa mobilização social, ao desenvolver uma política interna
de contenção inflacionária e compressão salarial, bem como uma política externa
independente
do
eixo
hegemônico
à
época,
os
Estados
Unidos
da América
(BIERRENBACH, 1982). Além disso, propôs o Plano de Assistência Habitacional, com o
objetivo de elevar os investimentos públicos no setor habitacional e legitimar-se perante às
massas (SCHIMDT e FARRET, 1986). Suas estratégias não foram bem recebidas no
partido, a União Democrática Nacional (UDN), ocasionando conflitos que levaram à sua
renuncia (ABU-EL-HAJ, 2011).
João Goulart (1961-1964) procurou agir em dois sentidos: primeiro criar um
plano econômico que pudesse manter a inflação estável, o Plano Trienal 28; segundo realizar
reformas estruturais que possibilitassem efetivamente o desenvolvimento do país,
concentradas no Programa de Reforma de Base. Segundo Costa e Mello (1999, p.344), as
Reformas de Base foram as que mais se aproximaram das reivindicações dos pobres por
incluir na agenda “a reforma agrária, visando à divisão dos latifúndios; a reforma eleitoral,
que permitia, [...] voto dos analfabetos; a reforma universitária, ampliando as vagas nas
faculdades públicas e possibilitando aos estudantes terem acesso a órgãos diretivos
educacionais”.
Vale ressaltar que o inicio da década de 1960 é marcada por intensa
efervescência político-ideológica com greves e articulação dos trabalhadores rurais, através
da formação de ligas camponesas e com a criação da União dos Trabalhadores Agrícolas
do Brasil. Esses movimentos revelavam o grau de insatisfação dos trabalhadores urbanos e
rurais, que passaram a pressionar o governo por melhores condições de vida.
28
João Goulart “procurou Celso Furtado para formular um plano econômico anti -inflacionário. As medidas
estruturalistas foram enviadas ao Congresso Nacional em julho de 1962, conhecidas como Reforma de Base,
enquanto o plano de estabilização inflacionária, o Plano Trienal, foi posto em prática em setembro do mesmo
ano” (ABU-EL-HAJ, 2011, p. 17-18).
55
Na análise Schimdt e Farret (1986), o Plano Trienal ignorou a questão urbana
em seus aspectos global e setorial. Já o Programa de Reforma de Bases propôs a criação
da Superintendência da Política Urbana (SUPURB) e do Conselho Nacional de Política
Urbana (COPURB), com intuito de solucionar a questão habitacional através do
desenvolvimento urbano.
Os principais avanços nesse período na área social foram aumentos salariais,
expansão dos números de sindicatos, aprovação da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, que fixou diretrizes e bases da educação nacional, descentralizando o sistema de
educação, além da sanção do Estatuto do Trabalhador Rural, pela Lei nº 4.214, de 02 de
março de 1963 (BIERRENBACH, 1982).
Pela primeira vez na história do país, o setor rural foi incluído na legislação
brasileira. De acordo com Haguette (1994), a lei garantiu ao trabalhador rural o direito de
organização, ao salário mínimo e alguns benefícios do sistema previdenciário, ofertados
pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), financiados pelo Fundo
de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) criado pela referida lei.
As demais reformas, especialmente a agrária, não foram realizadas, pois eram
contrárias tanto aos interesses dos proprietários rurais quanto aos da burguesia. Entendidas
como ações de caráter comunistas, as medidas tomadas por João Goulart aterrorizaram as
elites brasileiras que acabaram por apoiar o golpe militar de 1964. Nas palavras de Abu-ElHaj (2011, p. 19),
Ao assumir, Jango herdava uma economia em crise, um sistema partidário
conflitante, uma administração pública infiltrada por interesses privados e
uma efervescência social e sindical jamais vista na história brasileira.
Enquanto a sociedade organizada demandava a universalização dos
direitos de cidadania, as elites conservadoras interpretavam as medidas
reformistas como uma radicalização comunista. A inabilidade de Goulart, em
elaborar uma clara estratégia política e um plano administrativo para
implementar as reformas de base, permitiu à oposição conservadora
paralisar o governo e desmobilizar a sociedade organizada.
Os Planos apresentados se configuravam ações racionalizadas, sistematizadas
que buscavam através do planejamento público modernizar a base produtiva do País e
prover a sua entrada no mundo desenvolvido. Fica nítida, especialmente no Plano de Metas,
a ênfase dada à área econômica em detrimento da social, onde destaco a restrição da
educação ao aprendizado de um trabalho técnico. O Plano Trienal apesar de manter a
preocupação com a inflação revela progressos com as reformas de base que, no entanto,
não se concretizaram.
56
Isso mostra que o planejamento está permeado por decisões políticas e
perspectivas
político-ideológicas
que durante a formação sócio-histórica brasileira
beneficiaram mais os interesses das elites brasileiras (burguesia industrial e os proprietários
de terra) do que propriamente dos pobres (principais interessados no acesso a bens e
serviços de consumo coletivo de qualidade). De acordo Paul Baran citado por Oliveira
(1981, p. 25) “não é o planejamento que planeja o capitalismo, mas o capitalismo que
planeja o planejamento”.
O período que antecede o golpe militar é marcado por profunda crise econômica,
que anuncia o colapso do modelo de substituições de importações através do declínio da
taxa de crescimento do produto nacional per capita, do decréscimo na renda das
exportações e do aumento das importações de bens e capital (SCHIMDT e FARRET, 1986).
A elevação da inflação em 100%, as pressões populares e a insatisfação da elite brasileira
com o Programa de Reforma de Base foram alguns entre os diversos motivos que levaram a
ascensão do regime ditatorial.
3.3 Regime autoritário, burocrático e empresarial: a prevalência da
tecnocracia
O regime instalado em 1964, através da aliança entre militares, empresas
internacionais,
burguesia industrial conservadora e extratos
tecnocráticos, estava
caracterizado por uma política autoritária, burocrática e empresarial. O autoritarismo pode
ser identificado na forma de governar que extinguiu as agremiações partidárias existentes e
criou artificialmente um sistema partidário, limitando a participação da sociedade nas
decisões políticas. E na centralização do poder no Executivo Federal.
Burocrático, pois coloca o Estado como instância superior a todas as classes e
com capacidade de solucionar de forma racional os problemas emergentes. A técnica é
utilizada como um meio para justificar as decisões tomadas. Ao referir-se a utilização do
Estado pela grande empresa privada e pela burocracia pública, Cardoso (1975, p.183)
afirma que “[i]deologicamente os dois lados querem fazer crer que a racionalidade formal da
adequação entre meios e fins, a técnica, justifica seus pontos de vista ‘acima de interesses
particularistas’”.
57
A ação empresarial se concretizou na reforma do Estado29 realizada em 1967.
Através da promulgação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro do mesmo ano, o
governo diferenciou a administração direta e da indireta. A primeira referia-se a ações
executadas pelo Estado, por meio da Presidência da República e dos Ministérios, havendo
distinção entre órgãos de direção e execução. Já administração indireta correspondia aos
serviços executados por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
economia mista30, entidades dotadas de personalidade jurídica própria, vinculadas aos
ministérios da área de sua principal atividade e com autonomia para captar financiamentos
externos.
A reforma possibilitou a descentralização na oferta de serviços públicos, contudo
manteve os órgãos de direção da administração federal responsáveis pelo planejamento,
supervisão, coordenação e controle das entidades supramencionadas. Houve uma
descentralização administrativa, garantindo às instituições de administração indireta
autonomia na concretização de ações e captação de recursos.
Neste contexto, verifica-se que a Fundação do Serviço Social de Fortaleza (uma
autarquia), embora criada em 1963, tem na década de 1970 a ampliação de seus
programas, principalmente na área habitacional, com a compra de terrenos para a
construção de casas pelas famílias removidas, estruturando três Conjuntos Habitacionais
(Alvorado, Marechal Rondon e Palmeiras). Na área de infraestrutura, houve a construção de
Centros Comunitários, posteriormente denominados Centro Sociais Urbanos. Isso revela
capacidade de captação de recursos para financiar e concretizar as ações planejadas,
provavelmente possibilitadas pela autonomia de gestão e financiamento.
Em 1974, é criado a nível nacional o Conselho de Desenvolvimento Econômico
(CDE) e 30 conselhos setoriais vinculados a ele com o objetivo de supervisionar as
empresas estatais. Com a identificação da ineficácia dos conselhos, o governo revê sua
estratégia, centraliza a gestão administrativa e cria a Secretaria Especial das Empresas
Estatais (SEST) para disciplinar os preços das utilidades públicas. Nesse sentido, há um
recuo na ação empresarial do Estado e um retorno à centralização em 1979, ocasionada
pela crise do petróleo e pela pressão dos grupos de oposição (ABU-EL-HAJ, 2011). O
resultado de todas essas medidas é o aumento da dívida externa do Estado, como mostra a
citação a seguir:
29
A reforma do Estado “descreve mudanças na estrutura, posição e forma de intervenção do Estado na
sociedade, enfocando ideologias, forças políticas e legitimidade. Enquanto a segunda [a reforma administrativa]
representa uma revisão dos m ecanismos administrativos e técnicos adotados para viabilizar a intervenção
pública” (ABU-EL-HAJ, 2011, p. 01).
30
Para definição de cada uma dessas entidades Cf. artigo 5º do Decreto -Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967.
58
A estatização da dívida externa e a explosão da inflação foram as duas
consequências mais graves da nova política econômica. A reforma
empresarial do Estado permitiu às empresas estatais contraírem
empréstimos externos. Com a política de cartelização aliada ao
desempenho positivo da economia brasileira, durante o “Milagre”, as
empresas estatais foram as maiores captadoras de investimentos externos.
Como resultado, a dívida externa que era privada, até 1972, sofreu uma
inversão de acordo com a qual a dívida privada externa passou de 75,1%
para 24,9% do total. A política de centralização e correção de tarifas abaixo
da inflação, praticada a partir de 1976 e acelerada com a criação da SEST,
multiplicou as dívidas do setor público. Paralelamente, houve um aumento
significativo dos juros internacionais, piorando a situação da dívida externa
(ABU-EL-HAJ, 2011, p.22).
No que tange ao planejamento público, os governos
militares deram
continuidade à formulação de planos nacionais que orientaram o crescimento econômico e
ampliaram a implementação de políticas sociais. Na análise de Haguette (1994, p.124), o
Estado favorece “o estabelecimento legal dos direitos sociais como uma compensação pela
negação dos direitos políticos, em busca de legitimar-se junto à população e amainar as
insatisfações populares”.
Assim como outras instituições da administração direta e indireta, a FSSF criou e
expandiu a oferta de serviços públicos para os pobres no período da ditadura. Sob a gestão
de Aldaci Babosa, que se utilizou de conhecimentos técnicos e suas experiências de
trabalho com destaque para o Pirambu, a entidade ganhou caráter racional no planejamento
e realização de ações. Além disso, canalizou as insatisfações populares através dos
programas e projetos executados, não confrontando, portanto, com os interesses das elites
e alianças que mantinham o poder vigente.
3.4 Planos de Governo Nacional e intervenções da FSSF
Schimdt e Farret (1986) afirmam que para enfrentar a recessão, as medidas
adotadas pelos governos militares procuram reorientar a concentração das riquezas e das
rendas para formar capital fixo, bem como aumentar o consumo de bens duráveis, ao passo
que reduziam os salários reais dos trabalhadores. Houve também incentivos às
exportações, visando eliminar os déficits da demanda agregada e melhorar a situação da
balança de pagamentos por meio da acumulação de divisas. Dessa maneira, a
modernização das estruturas rurais foi essencial para a intensificação da produção dos bens
agrícolas. É valido ressaltar que modernização do aparato produtivo não se estendeu a
59
políticas que empreendessem a reforma agrária, ficando essa área, mais uma vez,
intocável.
No que tange às políticas sociais, compreendidas como ações que possibilitam a
criação de bens e serviços de consumo coletivo e, consequentemente, a reprodução dos
trabalhadores, há uma ênfase nas políticas urbanas, devido ao acelerado ritmo de
urbanização das cidades brasileiras e os problemas advindos deste. Para Schimdt e Farret
(1986), diferentemente dos países desenvolvidos, o Brasil criou uma estratégia de
implantação das bases materiais para uma sociedade inteiramente urbanizada ao mesmo
tempo em que realizava programas de melhoramento. A política urbana abrangia, portanto,
a criação de infraestrutura básica e programas de renovação urbana, bem como projetos de
assistência social, saúde, dentre outros, onde a FSSF é expressão disso.
Nesse sentido, uma das principais contribuições do Plano de Ação Econômica
do Governo (PAEG)31, proposto por Castelo Branco (1964-1967), foi a criação do Banco
Nacional de Habitação e do Sistema Federal de Habitação (SFH), pela Lei n° 4.380 de 21 de
agosto de 1964, bem como do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei n°
5.107 de 13 de setembro de 1966.
Para Schimdt e Farret (1986), o FGTS significou a modernização do sistema que
regulava as relações capital-trabalho, favorecendo mais aos interesses dos empregadores
do que dos trabalhadores 32. Já o BNH e o SFH deram início à Política Habitacional através
do financiamento de casas e pesados investimentos na construção civil. Posteriormente no
desenvolvimento urbano, a etapa notabilizou-se pelo financiamento dos planos de
saneamento local e nacional, programas de renovação urbana, transporte e equipamentos
físicos com fins comunitários. O Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU),
regulamentado pela Lei n° 59.917 de 30 de dezembro de 1966 e apoiado pelo Fundo
Especial para o planejamento local do BNH, veio complementar os trabalhos do SFH, por
meio de programas que enfatizavam estudos, pesquisas, assistência técnica, treinamento e
outras formas de apoio ao reordenamento racional/planejado das cidades.
“O BNH era para ser apoiado por 25% do [FGTS], por letras imobiliárias a serem
negociadas no mercado financeiro e pelas cadernetas de poupança – todos operando com
correção monetária” (SCHIMDT e FARRET, 1986, p.34). Dessa forma, havia a acumulação
31
Além da política habitacional o PAEG apresenta propostas na área da educação, da saúde, do salário e
emprego, como também no setor agrícola. Para um detalhamento das proposições cf. BIERRENBACH, Maria
Ignês Rocha de Souza. Política e Planejamento Social – Brasil: 1956-1978. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1982.
32
“Sob o sistema anterior, o trabalhador tinha direito a receber uma indenização considerável quando despedido
e também à estabilidade depois de um período de dez anos de emprego contínuo” (SCHMIDT e FARRET, 1986,
p. 31).
60
de capital em setores urbanos específicos e o governo era liberado de fornecer subsídios à
população, por meio do financiamento imobiliário. Schimdt e Farret (1986, 28) afirmam que
No caso brasileiro, é preciso observar que a intervenção estatal numa
formação social subdesenvolvida [...] deve, mais exatamente, ser vista como
uma maneira de fornecer as bases para o processo existente de
acumulação do capital, bem como para o desenvolvimento de uma
sociedade capitalista inteiramente urbanizada. [...] É verdade que o Estado
brasileiro tem de regulamentar, mas ele precisa principalmente expandir e
aprofundar as relações sociais de produção no sentido de estabelece um
capitalismo integralmente desenvolvido.
No governo de Costa e Silva (1967-1969), foi editado o Ato Institucional nº 533 e
formulado o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), que, além de dar
continuidade ao processo de aceleração do desenvolvimento e, consequentemente, de
acumulação de capital, também se destacou pela proposição de ações na área social.
Percebe-se, portanto, a concretização de ações sociais mediante a limitação dos direitos
civis, uma vez que os políticos já haviam sido negados.
Adotou o Plano Nacional de Educação, caracterizado pelo aumento da
abrangência do ensino primário; pela erradicação do analfabetismo; pelo enfrentamento à
evasão escolar; pela formação de técnicos no ensino médio e de especialista em áreas
estratégicas para o desenvolvimento econômico e social no ensino superior; pela criação de
Institutos nas Universidades e revisão dos currículos; pelo incentivo aos cursos de extensão
e de pós-graduação; pela remuneração condigna e melhoria das condições de trabalho do
corpo docente; e pela tentativa de modificação do sistema de financiamento através do
incentivo às bolsas de estudos em entidades privadas (BIERRENBACH, 1982).
Fávero (2006, p. 34), em sua análise sobre a universidade brasileira, afirma que
só faz sentido falar de legislação básica da Reforma Universitária a partir de 1968, com as
medidas propostas pelo Grupo de Trabalho criado através do Decreto nº 62.937 de 02 de
julho de 1968, no qual foram propostos “o sistema departamental, o vestibular unificado, o
ciclo básico, o sistema de créditos e a matrícula por disciplina, bem como a carreira do
magistério e a pós-graduação”. Muitos elementos dessa reforma permanecem vigentes até
hoje.
Embora a FSSF não fosse uma instituição do sistema educacional (escola ou
universidade), existia o Programa de Bolsa de Estudos. Na época, o prefeito José Walter
33
Através deste Ato Institucional o “Executivo ampliava seus poderes sobre o Legislativo, outorgando -se o direito
de fechar o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras de vereadores, de cassar mandatos
parlamentares e direitos políticos e de legislar sobre qualquer matéria. Os direitos individuais eram cerceados, e
o presidente podia demitir, aposentar ou transferir para a reserva funcionários públicos ou militares” (COSTA E
MELLO, 1999, p. 369).
61
Cavalcante isentou os colégios particulares de pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS). Em compensação, as escolas deveriam disponibilizar 5% de suas
matriculas para bolsas de estudos. A Fundação era responsável pela seleção dos
estudantes, que deveriam comprovar sua condição de pobreza. A seleção era criteriosa, na
qual eram demandados cálculos que mediam a precarização das condições de vida das
famílias que solicitavam a inclusão no Programa. Escolhidos, os estudantes tinham direito à
bolsa integral do primário até segundo grau, desde que não reprovassem. Na fala de Núbia
Soares:
[...] O Programa de bolsa de estudo, eu considerava assim muito
importante. [...] a Fundação não pagava em dinheiro os colégios. Os
colégios pagavam um imposto à prefeitura. Então a Aldaci conseguiu com a
câmara [...] de vereadores [...] os colégios, [...] davam um percentual da sua
matrícula, em bolsas de estudo [...] de acordo com à matricula do colégio,
eles davam aquele percentual em bolsas. Cabia à Fundação selecionar as
pessoas, porque, aliás, esse programa, essa questão de bolsa, já existia
antes da fundação, mas ficava [...] na mão de vereador [...].
[...] o prefeito na época que era o doutor o José Walter, pediu a Aldaci para
assumir isso, [...] então, as pessoas se inscreviam na fundação.
[...] tinha um setor só encarregado dessa parte de bolsa de estudo. [... ] a
gente fez até um sistema [...] uns critérios de pontuação [...].
[...] tinha a situação socioeconômica, número de filhos, tem tantos filhos, [...]
a pontuação era tanto. Depois somava aquilo, e a gente fazia [...] a
classificação, vamos dizer assim. De quais tinham sido as pessoas que
tinham sido beneficiadas [...]. De acordo com a pontuação.
Os vereadores brigaram muito nessa época, brigavam com a Aldaci, mas
ela era muito jeitosa, [...] Claro, que aqui e acolá tinha que atender [...]
Alguém assim que... se estivesse dentro dos critérios, embora fosse
indicado por eles, ela às vezes abria [...] era um negócio muito trabalhoso.
Eu me lembro, que na época, às vezes, a gente ficava trabalhando até de
madrugada para dar conta.
A prioridade pelos indivíduos pobres, através de um sistema de pontuação
criado por técnicos da instituição, revela a existência da ideia de seletividade no Programa e
a constituição de um sistema de variáveis para composição de um índice que media a
pobreza da família. Além disso, a aliança com o sistema privado para dar acesso a uma
educação de qualidade mostra a tendência nacional de modificação do financiamento da
política educacional, por meio do incentivo ao ensino pago. Na análise de Bierrenbach
(1982, p. 64), uma frase do PED apresenta essa tendência: “com gradual eliminação da
gratuidade generalizada”.
A utilização do saber técnico restringiu a distribuição indiscriminada de bolsas de
estudos pelos vereadores. Percebe-se, portanto, o combate às práticas patrimonialistas e
clientelistas por meio de ações embasadas em critérios e técnicas profissionais. De acordo
com Ana Lúcia Gondim, Aldaci Barbosa foi convocada diversas vezes à Câmara para
prestar depoimento e apresentar documentos que comprovassem o público-alvo atendido. A
principal motivação dos políticos, identificadas nas falas de alguns entrevistados, era
62
comprovar a incapacidade da Superintendente de gerenciar o Programa para retomar às
práticas anteriores.
Os técnicos, assistentes sociais em sua maioria, também acompanhavam os
alunos e seus familiares. Segundo Conceição Pio, muitos alunos além de não terem
condições financeiras de frequentar um colégio particular eram discriminados por ser de
outra classe. Dessa forma, havia uma preparação dos bolsistas para ser inseridos na escola
e dos membros da instituição para receber esses alunos, como releva trecho da entrevista
de Conceição Pio abaixo:
Tinha um programa muito grande também na Fundação que era de bolsas
de estudo. [...]. Que a Eugênia de Deus era a coordenadora geral desse
programa.
[...] o programa, ele era muito bom, ele pegava os melhores colégios daqui.
E também tinha [...] um trabalho elas atendiam os alunos e as mães dos
alunos. Porque às vezes o aluno era carente e ia estudar no Lourenço Filho
[...] então tinha [...] umas ações voltadas para preparar o aluno e para
preparar o colégio para receber os alunos. Porque tinha muitas vezes que
os alunos eram discriminados no colégio, então tinha um acompanhamento,
tinha estagiários [...] E isso era uma coisa assim, muit o boa. [...]
(CONCEIÇÃO PIO).
Por falta de documentos da instituição e depoimentos de estudantes que
receberam as Bolsas de Estudos não será possível apresentar dados sobre a abrangência
do Programa e seus resultados. Cabe aprofundar essas informações em próximas
pesquisas.
Outro trabalho realizado na área da educação foi a Campanha de alfabetização
de adultos, precursora do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)34. Segundo
Mota (1982, p.26), a campanha foi “executada por voluntários que desejavam ajudar a
alfabetizar gratuitamente.” Apesar da valorização do saber técnico e da contratação de
profissionais para atuar na Fundação, percebe-se o incentivo ao voluntariado, a fim de
atingir um maior número de pessoas em menos tempo e com custos reduzidos, já que
muitos instrutores não eram remunerados.
O MOBRAL foi criado para se contrapor e abafar o movimento iniciado por Paulo
Freire. Apesar da tentativa de copiar algumas práticas freirianas, a diferença política,
filosófica e pedagógica entre os dois movimentos era bem visível: o primeiro objetivava
alfabetizar a população adulta tento como princípios metodológicos a funcionalidade e
aceleração, em outras palavras, identificar a realidade de cada aluno e prepará-lo para
exercer o mais rápido possível uma função na sociedade; o segundo, por compreender a
34
O MOBRAL era um Programa federal, iniciado em 1971, com o objetivo de erradicar o analfabetismo no país
(ARCE, 2008). Foi extinto em 1985.
63
educação como ato político, visava alfabetizar para construir sujeitos crítico, verdadeiras
ameaças ao regime militar (COLETI, 2009). Isso revela que as ações empreendidas na
Fundação, durante a superintendência de Aldaci Barbosa, seguiram a perspectiva políticoideológica do regime militar, contribuindo, portanto, para a manutenção do status quo, como
será visualizado em outros programa e projetos.
Na área do trabalho, as orientações nacionais eram a qualificação da mão de
obra, a inclusão do trabalhador no mercado de trabalho, a proteção ao desempregado
através da criação do auxílio-desemprego, a formação de lideranças sindicais e o incentivo
à participação ativa do trabalhador na empresa (BIERRENBACH, 1982). Em Fortaleza, a
FSSF colocava em prática a primeira e a segunda orientações. Nesse sentido, realizou
diversos cursos de qualificação profissional, com intuito de preparar o trabalhador para o
emprego.
Os cursos profissionalizantes faziam parte dos projetos setoriais da Fundação.
Aconteciam no período da noite nos bairros periféricos da cidade, onde habitava a maior
parte dos pobres. Posteriormente, com a criação dos CSU, os cursos também passaram a
ser ofertados nesses Centros. Segundo Conceição Pio, o projeto tinha desempenho eficaz
no turno da noite, pois esse era o único horário vago dos moradores dos bairros. Para o
deslocamento dos profissionais, eram disponibilizados carros. No financiamento e execução
dos cursos, a Fundação fazia convênio com programas federais, como ocorreu com o
Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO)35, e escolas profissionais. Os
principais cursos efetivados foram: arte-culinária, datilografia, encadernação, mecânica de
autos, eletricidade, motorista náutico, artes gráficas, tapeçaria, bordado, metalurgia, babá,
dentre outros, segundo relata Conceição Pio:
[...] Eu tive a experiência na Fundação [...] Eu era estagiária do Pirambu,
quando [...] ela [Aldaci Barbosa] convidou para gente trabalhar no programa
de capacitação, era o programa que tinha um convênio com a PIPMO, com
a escola técnica, que era a preparação de mão de obra na periferia. Então,
a gente ia para aqueles bairros [...] levando cursos profissionalizantes.
Bombeiro, de eletricista. Então, a gente fazia todo um trabalho de
mobilização da comunidade, para participar dos cursos, [...] e acompanhava
os treinamentos que eram dados à noite [...], nas favelas, a gente
trabalhava mais à noite. E depois a gente se preocupava com o
encaminhamento daquelas pessoas, para os empregos, para os trabalhos.
Aí tinha curso de mecânica, tinha curso de carpintaria, tinha curso de
pedreiro, tinha curso de carpinteiro naval, que a gente tinha um grupo muito
bom no Mucuripe [...]. Então esse é um trabalho que eu tenho vivência, eu
trabalhei muito com outra assistente social nessa área [...].
35
“O PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra) foi concebido pelo governo de João Goulart
em 1963 e executado durante a ditadura militar até sua extinção em 198 2. Correspondia a cursos
profissionalizantes que ocorriam em todo o país, para trabalhadores pouco escolarizados, com encaminhamento
para o emprego durante o idiossincrático Estado de bem -estar social brasileiro” (SANTOS, 2006, p. 5270).
64
Especificamente para as mulheres, foram criadas as lavanderias públicas e o
artesanato
36
. Instaladas no Pirambu e na Vila União, as lavanderias industriais buscavam
melhorar as condições de trabalho das mulheres que lavavam roupas nas margens de rios e
lagoas, bem como aumentar a renda familiar, através do atendimento a um maior número de
clientes. Já o artesanato visava contribuir com a renda das famílias nos bairros Pirambu,
Mucuripe, Conjunto Palmeiras, Rondon e Alvorada. Essas ações faziam parte dos projetos
setoriais da instituição e reforçavam as diferenças de gênero nos cursos ofertados às
mulheres, que representavam a extensão de suas atividades domésticas.
Mota (1982) destaca também, no âmbito da formação profissional, o trabalho
realizado pela escola de educação familiar, criada sob a orientação da Fundação, que
ofertava cursos de corte e costura, trabalhos manuais, bem como acompanhava as famílias,
nas oficinas do Urubu da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). As
oficinas eram antigos espaços de manutenção de locomotivas, carros e vagões localizados
na Barra do Ceará, que se encontravam desativados.
A ênfase na educação técnica revela a opção dos militares por um
desenvolvimento econômico com desigualdade social, pois a preparação para um emprego
possibilita o exercício de uma função e não participação na herança sócio cultural do país.
Para Haguette (1994, p. 146) “se a educação for encarada como um investimento dirigido à
promoção do desenvolvimento econômico e se ela for vista como mais proveitosa nas
regiões mais ricas, é provável que o direito a educação no Nordeste e nas áreas rurais não
será estendido” aos pobres no futuro.
No que tange à política urbana, destacou-se a criação do Ministério do Interior
em 15 de março de 1967, que supervisionou a implantação do Programa de Ação
Concentrada (PAC) a partir de julho de 1969. O principal objetivo do Programa, segundo
Schimdt e Farret (1986), era desenvolver atividades na área de saneamento, habitação e
administração local. Para tanto, foram escolhidas 455 municípios para aplicação de um
plano piloto, através de dois instrumentos: o relatório preliminar e o plano de ação imediata.
Os planos deveriam ser operacionalizados por firmas privadas sob a supervisão da
SERFHAU. Devido aos precários orçamentos, o Programa fracassou.
Nesse período, o BNH se consolida com o apoio dos recursos advindos do
FGTS, de empresas captadoras e aplicadoras de poupança e de financiamentos externos
(BIERRENBACH, 1982). Contudo, Schimdt e Farret (1986) afirmam que o Banco esteve
36
O núcleo da LBA no Ceará, criado em setembro de 1942, também tinha um projeto de lavanderias públicas e
ações na área do artesanato, no período da presidência de Luiza de Moraes Távora (1963-1966), mulher do
governador Virgílio Fernandes Távora.
65
mais interessado em prover recursos financeiros e supervisionar os programas
implementados do que construir habitações. Isso mostra o grande incentivo dado às
indústrias privadas, provocando distorções no público que recebeu financiamento. Os
autores mostram que ao final de 1967, 41% dos recursos do Banco foram destinados a
habitações de grupos com alta renda, enquanto os pobres só receberam 35% dos recursos.
Esta situação também pode ser comprovada em um trecho da conferência
pronunciada por Aldaci Barbosa no 2° Congresso sobre Urbanismo, realizado nos dias 15,
16 e 17 de janeiro de 1975:
Com todas as modificações e todo interesse do BNH ainda não possibilitou
o acesso do favelado em Fortaleza ao SFH. Esta afirmação fundamenta-se
em estudos realizado em nossas favelas, como podemos comprovar,
apresentando dados relacionados a uma delas, a do Arraial Moura B rasil,
situada no leito da hoje Avenida Castelo Branco. O número de habitações,
compreendendo casas, barracos, estabelecimentos comerciais e outros
prédios, somavam 2.168 unidades. Com um número médio de 6 pessoas
por casa, estima-se a população total de 13.000 pessoas. Quanto à renda,
75% viviam com C$ 200,00 (duzentos cruzeiros) mensais e apenas cerca de
15% ganhava um pouco mais que essa quantia. O quadro ocupacional da
população mostrou um desemprego elevado, uma acentuada instabilidade
e, sobretudo, reduzido índice de profissões efetivas e estáveis. Dos chefes
de família, 34,2% eram desempregados ou mendigos; 14% não tinham
emprego fixo; 3,1% eram prostitutas, 2,9% não especificou; 6,4%
licenciados, e 11,6 não declararam. O índice de analfabetos superava 60%,
nível considerado muito elevado para uma população exclusivamente
urbana. Entre as ocupações definidas, destacam-se: ambulantes,
trabalhadores avulsos, empregados em bares, e mercearias, serventes de
pedreiro e estivador. A população pesquisada vivia quase totalmente à
margem da instituição previdenciária. Somente 10% contribuíam para o
INPS. Diante desse quadro ousamos afirmar que o nosso favelado não
pode se candidatar aos programas do BNH [...] (MOTA, 1979, p.13-14).
Dessa forma, a política social adotada pelo governo autoritário, ao invés de
diminuir os desequilíbrios regionais, reforçou através da concentração de renda e
investimentos nas regiões Sul e Sudeste, além de estender as desigualdades para o interior
das regiões metropolitanas, onde era possível observar atividades de alta remuneração
relativa, coexistindo com ocupações de baixa produtividade e remuneração, o que
estabeleceu um quadro de grandes limitações para a população pobre, por conseguinte,
crescentes tensões sociais (SCHIMDT e FARRET, 1986).
Em 1967, Fortaleza tinha uma população de 850.000 habitantes e um déficit
habitacional de 60.000 unidades (MOTA, 1982). A situação de miséria da população era
grande, agravada pela repressão do regime militar, que inibia as pessoas de manifestar
suas insatisfações com os governantes e gestores locais (RIBEIRO, 1994). Além disso, os
denominados favelados não tinham condições de acessar os financiamentos dos programas
nacionais, como dito anteriormente. Para dar resposta concreta a essa situação, a
66
Fundação realizou algumas ações. Dentre elas destaca-se a criação da “Operação
Fortaleza” na favela Verdes Mares, coordenada pela primeira dama do Município, Dona
Amélia Cavalcante, com o objetivo de solucionar o problema de habitação naquela região. A
Operação abrangia também ações na área da educação e saúde, que contavam com o
apoio dos estudantes universitários do Projeto Rondon37.
A retirada de 200 casas do Poço da Draga; a construção do primeiro Centro
Comunitário, em 1970, no Conjunto Habitacional Santa Luiza do Cocó; a entrega das
escrituras de doação às pessoas transferidas para o Conjunto Nossa Senhora da Paz; a
instalação de bibliotecas públicas nos bairros periféricos; e a extinção do Fundo Rotativo do
Armazém Reembolsável, devido aos imensos prejuízos, foram outras ações relevantes
concretizadas durante a superintendência de Aldaci Barbosa na gestão do Prefeito José
Walter Cavalcante.
A Fundação ampliou, portanto, a quantidade de projetos operacionalizados em
diferentes áreas (educação, saúde, trabalho e renda, habitação). Além disso, foram
realizadas as primeiras pesquisas sobre a situação socioeconômica dos moradores de
favelas do município de Fortaleza, com o intuito de criar programas mais abrangentes de
habitação e desenvolvimento comunitário, posteriormente denominado Programa Integrado
de Desfavelamento.
O governo militar de Emílio Médici (1969-1974) realizou o famoso “milagre
econômico”, marcado pela modernização e rápido crescimento econômico com grande
repressão. Em sua gestão foi formulado o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). A
partir de uma avaliação da economia brasileira nas administrações anteriores, o plano
propôs combater a inflação, proporcionar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
aumentar a renda per capita e a taxa de emprego. De acordo com BIERRENBACH (1982), o
planejamento serviu de instrumento para garantir maior eficiência e racionalidade nas
decisões. Já a concepção de desenvolvimento foi associada à Política de Integração
Nacional (PIN) que enfatizou a transformação social através do crescimento econômico
acelerado, a modernização dos setores públicos e privados, bem como a formação de uma
37
“O Projeto Rondon iniciou suas ações em 1967, e os objetivos estavam voltados para atender às necessidades
das populações da Região Norte do país que apresentavam carências, no que se refere às questões de saúde,
educação e preservação do meio ambiente. Na década de 60, o lema do Projeto Rondon era ‘Integrar para não
Entregar’, e a concepção vigente era de que o Brasil precisava empreender esforços para a unificação do país e
preservação do Território Nacional das influências internacionais e políticas daquele período” (SAVELI e P AULA,
2005, p.59).
67
infraestrutura social e econômica em áreas definidas como prioritárias, onde se destacou o
Programa de Distribuição de Terras (PROTERRA) 38.
A área social destacou-se por ações de distribuição de renda, através da
garantia de salário médio real ao empregado, pela abertura de empresas de médio porte,
pelas criações do Programa de Integração Nacional (PIS) e do Programa de Formação de
Patrimônio do Servidor Público (PASEP), como também pela diminuição do subemprego,
por meio da intensificação dos programas de qualificação do trabalhador (BIERRENBACH,
1982).
A classe que mais se beneficiou dessas ações, segundo Costa e Melo (1999), foi
a média que encontrou várias oportunidades de emprego e teve o padrão de consumo
elevado. Ao restante da população, as estatísticas revelam o grau de precarização:
[...] em 1964, morriam 70 crianças a cada 1000 que nasciam; em 1979, a
taxa aumentou para 92 por 1000. No ano de 1972, dos 3950 municípios
existentes no Brasil, apenas 2638 possuíam abastecimento de água. Em
1973, existiam 600 mil menores abandonados em São Paulo, e no país o
número chegaria a 10 milhões até o fim dos anos 70. O Banco Mundial
afirmava, em 1975, que 70 milhões de brasileiros eram desnutridos (COSTA
e MELLO, 1999, p. 371).
O sistema previdenciário teve alguns avanços. Em 1972, as empregadas
domésticas e os pescadores passaram a fazer parte das categorias profissionais cobertas
pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), fundado em 1966 (HAGUETTE, 1994).
Na Educação, as intervenções visavam universalizar o ensino do 1º grau, reduzir o número
de analfabetos com a criação do MOBRAL, incentivar a alimentação saudável na pré-escola,
diminuir a idade escolar, continuar a Reforma Universitária e criar centros de pós-graduação
(BIERRENBACH, 1982).
Já no âmbito da política urbana, foram criadas as Regiões Metropolitanas de
Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Belém e Fortaleza, pela
Lei complementar n° 14, de 08 de junho de 1973. Também foi instituída a Comissão
Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), pelo Decreto n° 74.156, de
06 de junho de 1974. A SERFHAU é extinta, a Comissão foi subsidiada pelo Fundo Nacional
para Financiamento do Desenvolvimento Urbano e pelo Fundo para os Transportes. Suas
funções principais eram “supervisionar a instalação das regiões metropolitanas criadas pela
lei; propor uma política nacional de desenvolvimento urbano, e providenciar a sua
implementação; propor códigos legais para apoiar inovações nas áreas urbanas” (SCHIMDT
38
O PROTERRA estava voltado à criação de infraestrutura agrícola no Norte e Nordeste (BIERRENBACH,
1982).
68
e FARRET, 1986, p. 42), bem como coordenar todos os agentes envolvidos na política de
desenvolvimento urbano.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento, proposto no governo Ernesto Geisel
(1974-1979), caracterizado por avanços e retrocessos autoritários, seguiu a mesma linha do
I PND, na tentativa de consolidar o capitalismo industrial brasileiro. A principal inovação na
área social39 foi a criação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), responsável pelo
assessoramento da Presidência da República na elaboração da política social, bem como
na coordenação de atividades sociais através de diversos ministérios, dentre eles: Saúde,
Educação e Cultura, Interior, Trabalho, Previdência e Assistência Social40. O Conselho seria
presidido pelo Presidente República e sua secretária-geral seria designada pelo Ministro
Chefe da Secretaria de Planejamento.
O CNPU e o CDS foram os responsáveis pela criação do Programa Nacional de
Centros Sociais Urbanos (PNCSU). Regulamentado pela Lei 75.922 de 01 de julho de 1975,
o Programa tinha o objetivo de promover a integração social na cidade, por meio da
instalação de equipamentos públicos em áreas prioritárias 41 onde fossem desenvolvidas
atividades comunitárias nos setores de educação e cultura, desporto, saúde e nutrição,
trabalho, previdência social e assistência social. Finalmente, recreação e lazer.
Financiado
com
recursos
orçamentários
pelo
Fundo
Nacional
de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelos Fundos de Participação dos Estados e
Municípios e pelo Fundo Especial, bem como apoiado pela Caixa Econômica Federal,
através do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) 42 e pelo BNH, o PNCSU tinha
como meta construir 600 Centros Comunitários Urbanos em cinco anos para cumprir dois
principais objetivos: primeiro, ofertar serviços sociais essenciais, nas áreas acimas citadas,
de forma integrada, multisetorial e descentralizada; segundo, resgatar e fortalecer as
relações comunitárias, por meio da participação dos usuários na gestão e no funcionamento
do equipamento. O resultado dessa ação seria a melhoria das condições de vida das
pessoas, que teriam acesso a bens e serviços de consumo coletivo, na modalidade de
39
Além da criação do CDS e da expansão da política urbana nesse período, o sistema previdenciário cria a
Renda Mensal Vitalícia e incorpora o FUNRURAL ao INPS, ampliando a cobertura aos trabalhadores rurais e as
pessoas acima de setenta anos (HAGUETTE, 1994). A Renda Mensal Vitalícia era um benefício da Previdência
Social destinado a pessoas com idade superior a setenta anos e inválid os, que não exercessem atividade
remunerada e não tivessem rendimento superior a 60% do salário mínimo (BRASIL, Lei nº 6.179, de 11 de
dezembro de 1974). Este benefício foi extinto em 1988, com a criação do Benefício de Prestação Continuada
(BPC).
40
O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado no inicio do Governo Ernesto Geisel, representando
também um avanço na área social.
41
Áreas urbanas periféricas, onde residissem famílias com rendas média e baixa; espaços próximos aos
conjuntos habitacionais de médio e grande porte; dentre outras.
42
O Fundo foi criado pela Lei n° 6.118, de 09 de dezembro de 1974, com o intuito de apoiar financeiramente
programas e projetos de caráter social.
69
salário indireto, uma vez que não precisariam comprar esses serviços no mercado (BORBA,
1991).
Borba (1991, p, 408) afirma que o PNCSU é “resultante da confluência de
proposições de política social e política urbana, onde a intervenção do Estado na
reprodução da força de trabalho se faz pela criação de equipamentos urbanos de uso social
coletivo.” Nesse contexto, é possível inferir que o reordenamento das cidades,
especialmente das metrópoles, através da concretização de uma política urbana, acarreta a
expansão da política habitacional, com a construção de conjuntos de c asas nas periferias
das cidades e de outras políticas sociais, com destaque para a assistência social,
desenvolvidas de forma integrada nos CSU. No inciso IV, do artigo 2°, do Decreto 75.922 de
01 de julho de 1975, a assistência social se apresenta na forma de assistência ao “menor
abandonado” e à velhice.
Na sua avaliação do PNCSU, Borba (1991) verifica três incoerências: a primeira
corresponde à falta de definições iniciais e de instrumentos que possibilitem a consecução
dos objetivos propostos pelo Programa; a segunda, refere-se a não previsão dos custos de
operação dos equipamentos sociais, bem como da sua repercussão nas despesas dos
órgãos locais responsáveis pelo seu funcionamento; e a terceira, correspondendo à tentativa
de transferir os encargos da manutenção dos equipamentos num primeiro momento para os
municípios, que não tinham muitas condições financeiras e, posteriormente, para a
população usuária dos CSU. A autora conclui:
Assim sendo, o PNCSU, embora questionável em vários aspectos quanto à
sua coerência interna e quanto a seus resultados heterogêneos, faz sentido
no contexto da sociedade e da política brasileiras do período. Parece-nos
que ele respondeu bem às necessidades de legitimação e tentativas de
controle de conflitos sociais localizados — muito mais do que a seus
objetivos explícitos, estes apenas parcialmente alcançados (BORBA, 1991,
p. 417)
No final da década de 1970, a “crise do petróleo” nos países desenvolvidos
atinge o Brasil. Seguindo as exigências dos órgãos multilaterais, como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Estado brasileiro optou pelo endividamento externo,
pela expansão dos gastos internos, pela restrição das importações concomitante à
liberalização do sistema financeiro e pela elevação das taxas de juros (SPOSATI et. al.,
1998). Isso gerou uma redução nos gastos públicos e maior investimento de empresas
internacionais em programas sociais nacionais, como é o caso da Empresa Brasileira de
Transportes Urbanos (EBTU)43, que conseguiu financiamento do Banco Mundial em 1979,
43
A EBTU é criada pelo Decreto n° 77.406 de 12 de abril de 19 76.
70
ampliando seus projetos de transporte urbano nas cidades de Porto Alegre, Curitiba, Belo
Horizonte, Salvador e Recife (SCHIMDT e FARRET, 1986).
Além da EBTU, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) foi
criado para enfrentar os problemas acarretados com a recessão. Teve forte apoio do Banco
Mundial para seu Programa Especial de Cidades de Porte Médio. Schimdt e Farret (1986)
afirmam que os investimentos públicos disponíveis para os Programas urbanos foram
diminuindo entre os anos de 1976 e 1984, provocando um profundo déficit na área social,
especialmente em três setores: habitação, saneamento e transporte urbano.
Em Fortaleza, no período que abrange as administrações de Vicente Cavalcante
Fialho (1971-1975) e Evandro Aires de Moura (1975-1978), a Fundação: 1) deu
continuidade aos programas e projetos mencionados anteriormente; 2) ficou responsável por
coordenar todas as atividades do MOBRAL na cidade, seguindo a orientação nacional de
erradicação do analfabetismo; 3) fundou três Centros Comunitários que tinham a mesma
linha de ação dos Centros Sociais Urbanos, antecipando-se ao PNCSU; 4) extinguiu, de
forma planejada e sistematizada, algumas favelas, transferindo os moradores para três
conjuntos habitacionais. Colocou-se em prática o famoso Programa de Desfavelamento.
É mister ressaltar que no inicio da década de 1970, o lado leste de Fortaleza
começa a ser valorizado tanto pela especulação imobiliária quanto pela instalação de
importantes equipamentos: Centro de Convenções, Universidade de Fortaleza (UNIFOR),
Imprensa Oficial e Academia de Polícia. Isso vai gerar a migração da elite rumo ao leste e a
polarização da cidade: o lado rico com melhor infraestrutura e o lado pobre, serviços de má
qualidade, localizado no oeste da cidade. Nas palavras de Fernandes, Diógenes e Lima
(1991):
Da Jacarecanga luxuosa que no século passado abrigava a burguesia
comercial e agrária – que até então não valorizava o litoral – passando pela
“Aldeota originária” e ampliando-se nos dias de hoje em direção ao bairro
Edson Queiroz, Papicu e trechos das dunas da Praia do Futuro, as marcas
dessa desigualdade são bem vivíveis e praticamente estabelecem uma linha
divisória como se estivesse diante de uma “cidade dos ricos” e uma “cidade
dos pobres” (p. 61-62).
Percebe-se que o Programa de Desfavelamento aparece no momento de
expansão da cidade de Fortaleza, gerando grande tensão social pela apropriação do solo
urbano. Além disso, a busca incessante da elite fortalezense pelo desenvolvimento
econômico e social da cidade e, consequentemente, sua inserção na cultura urbana dos
países desenvolvidos, demarcou com mais força o processo de distinção e segregação
socioespacial na metrópole (SANTIAGO, 2002).
71
Na gestão do Prefeito José Walter Cavalcante, havia sido construído o Conjunto
Sétima Cidade, posteriormente denominado Conjunto José Walter, com financiamento do
BNH e da COHAB-Fortaleza. Embora a Fundação tenha colaborado na remoção das
famílias, o conjunto que, na época, era considerado o maior espaço de casas construídas da
América Latina, não abrangeu o público da autarquia. Como as casas eram financiadas,
muitas famílias não tinham a renda mensal per capita necessária para adquirir o imóvel.
Os críticos do projeto reclamavam da distância do Conjunto Habitacional para o
centro produtivo, local de trabalho dos moradores (RIBEIRO, 1994). Não obstante, durante a
gestão dos três prefeitos mencionados e a superintendência de Aldaci Barbosa, não foi
posto em prática uma política de recuperação urbana de vilas marginais, apesar de esta ter
sido esboçada no documento “Programa integrado de desfavelamento de Fortaleza: estudo
preliminar” produzido pela Secretaria Municipal de Planejamento e a FSSF, em 1973.
Em 1971, a Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará
identificou 63.413 habitações em condições precárias, incluindo as moradias de 73 favelas,
constatando um déficit habitacional de 40% (FORTALEZA, [1973?]). As pesquisas
socioeconômicas realizadas pelos técnicos da FSSF desde 1969 com os moradores de
favelas do município revelaram o mesmo problema. A proposta de solução foi a criação de
outros conjuntos habitacionais, uma vez que os construídos pela Fundação não
comportavam mais pessoas, bem como financiamentos mais acessíveis, pelos motivos
supramencionados.
Nesse
sentido,
a
Fundação
deu
início
ao
Programa
Integrado
de
Desfavelamento, com a finalidade de remover as favelas e possibilitar a execução de obras
de infraestrutura e urbanização nos espaços escolhidos como prioritários. Os moradores da
favela do Trilho I, localizada entre as Avenidas Borges de Melo e Pinto Martins, foram os
primeiros deslocados para um terreno adquirido pela Prefeitura no bairro Seis Bocas,
dandou origem ao Conjunto Alvorada. No local da remoção seria construído o Terminal
Rodoviário Engenheiro João Tomé e a Avenida Borges de Melo, urbanizada (FORTALEZA,
[1973?]).
Diferentemente de outros conjuntos de casas construídos pela Fundação, o
Programa de Desfavelamento se propôs a adquirir terrenos, loteá-los e vendê-los às famílias
no valor de 480 cruzeiros, a serem pagos em 48 prestações mensais e iguais. A
metodologia adotada se estruturava em: 1) pesquisa sobre as condições socioeconômicas
dos habitantes da área a ser removida e a situação dos imóveis; 2) identificação das
famílias, através de visitas domiciliares e entrevistas realizadas por assistentes sociais; 3)
72
exame dos barracos ou casas por fiscais, supervisionados por um engenheiro para o cálculo
das indenizações; 4) realização de reuniões e assembleias com os moradores, a fim de
prepará-los para o processo de remoção e realocação; 5) pagamento das indenizações,
demolição das moradias e retirada do material, em grupos de 10 a 20 famílias; 6) assinatura
do contrato de compra e venda do terreno, recebimento da indenização, sorteio do lote e
pagamento da primeira prestação; 7) encaminhamento da família para o alojamento
localizado no Conjunto, a fim de dar todas as instruções sobre a construção; 8) esperar a
construção de um cômodo para realizar a mudança da família (FORTALEZA, [1973?]):
O processo de remoção dos favelados exige um intenso trabalho de
abordagem individual, grupal e comunitário, de modo a conscientizá-los
sobre as vantagens da mudança e sobre a participação de cada indivíduo
e de cada família na implantação das novas condições de habitação. A
remoção não pode ser feita com êxito sem planejamento e sem que as
famílias envolvidas no processo tenham sido esclarecidas sobre as
alternativas que a mudança pode trazer, as dificuldades a enfrentar e as
obrigações a assumir. Por outras palavras, é indispensável que haja uma
adesão ao projeto, com pleno conhecimento de causa . (FORTALEZA,
[1973?], p. 09, grifos meus)
Há, portanto, um esforço de racionalização e sistematização de atividades, a fim
de produzir um discurso técnico que além de justificar cientificamente a remoção das
famílias perante a sociedade, às convencesse de que aquela ação era a melhor para todos.
Segundo Brandão (2001, p.117), a Fundação era procurada por proprietários de terrenos
ocupados para realizar a remoção e indenização das famílias. O proprietário pagava 20% do
valor do terreno à instituição e esta concretizava o desfavelamento, revelando que a política
habitacional adotada também favoreceu o processo de acumulação de capital. Na análise
da autora, isso demonstrava reconhecimento do órgão na efetivação dessa ação. Quando
questionada sobre o objetivo da FSSF, Raimunda Pinheiro Coe respondeu:
O objetivo era de beneficiar os grandes latifundiários, atender famílias que
moravam em leitos de rua, ou seja, mas que estavam ocupando parte do
terreno de particular. Eles entravam com um processo na prefeitura,
pagavam uma taxa de administração de 20% daquele valor, e a prefeitura
fazia a remoção das famílias.
João Nogueira Mota afirmou em entrevista que Aldaci Barbosa tentou comprar
terrenos que não ficassem tão distantes do centro de Fortaleza. Contudo a Superintendente
não teve o apoio necessário dos proprietários de terras e da elite dominante para concretizar
a proposta. A opção encontrada foi comprar terrenos na periferia e criar toda uma
infraestrutura para receber as famílias, o que reforçou a segregação sócio espacial entre as
classes. Nesse sentido, foram criados o Conjunto Alvorada, nas Seis Bocas, o Conjunto
Marechal Rondon, na Jurema, o Conjunto Palmeiras, na Messejana. No discurso da
Superintendente no 2º Congresso sobre Urbanismo:
73
Era rotina administrativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza,
simplesmente, indenizar e retirar os casebres que atrapalhavam a abertura
das ruas. Às vezes eram localizados em outros “becos”, transferindo apenas
o problema para, mais tarde, quando outra rua precisasse ser aberta. Na
atual administração, a preocupação foi sistematizar uma ação de maneira
que o problema fosse solucionado definitivamente. Daí, então, surgiu a
necessidade de compra de terrenos onde foram implantados os Conjuntos
Habitacionais: Alvorada, Marechal Rondon e Palmeiras.
O primeiro foi iniciado em novembro de 1971 com uma área de 311 lotes
para uma população de 1.866 pessoas. O segundo nasceu mais agressivo,
já que o primeiro tinha sido viável. Sua área de 68 ha, com 1.474 lotes de
10X20. Seu custo foi de ₢$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil
cruzeiros). Seus equipamentos comunitários: chafariz, centro comunitário,
sanitários públicos, televisor público, grupo escolar. O terceiro e último desta
série foi o Conjunto Palmeiras, com 105 ha e 2.700 lote de 10X20, custando
₢$ 600.000,00 (seiscentos mil cruzeiros). Seus equipamentos: grupo
escolar e centro comunitário. (MOTA, 1979, p. 18-19)
A citação revela à preocupação e a proposição da superintendente de uma ação
alternativa as práticas até então executadas no município de Fortaleza em relação à
habitação. O Programa de Desvelamento embora removesse os indivíduos das favelas para
construção de ruas e obras públicas, não se resumia a isso. Ele procurava garantir o acesso
a habitação, a infraestrutura básica e a serviços sociais, na tentativa de melhoria das
condições de vida das pessoas. Não obstante, colocava em prática o projeto das elites
dominantes de expansão e desenvolvimento da cidade, por meio da remoção daquilo que
era incômodo aos seus olhos: as favelas e seus habitantes.
Após a fase de remoção, era dado início ao processo de organização social dos
moradores. Seguindo a metodologia de Desenvolvimento de Comunidade44, os técnicos da
Fundação criavam um grupo de líderes nos Conjuntos que ficariam responsáveis pela busca
da melhoria das condições de vida dos moradores. Os representantes eram escolhidos por
quadra, através de processo eleitoral. Embora essa ação possibilitasse aos moradores se
organizar e constituir um espaço de debate e discussão dentro da comunidade, o principal
objetivo do trabalho era fazer com que a própria comunidade melhorasse suas condições
habitacionais e urbanas, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da cidade.
Nessa mesma perspectiva foram criados os Centros Comunitários Governador
César Cals, em 1971, no bairro Henrique Jorge; Presidente Médici, em 1972, na Aerolândia;
e Economista Rubens Vaz Costa, em 1974, na Jurema. Os Centros, posteriormente
denominados Centros Sociais Urbanos, ofereciam serviços na área da saúde, assistência
44
“Desenvolvimento de Comunidade tem por finalidade ajudar tanto as zonas rurais como as urbanas. [...].
[...] é aplicado também em zonas semirrurais ou urbanas, para acompanhar o processo de urbanização na
formação de pequenas comunidades planejadas ou na recuperação de zonas deterioradas. Nas zonas urbanas,
á medida que a cidade se expande, o Desenvolvimento de Comunidade visa a organizar zonas suburbanas, a
erradicar ou a recuperar zonas de favelas. Nestas, os programas terão como finalidade o zoneam ento, trabalhos
urbanísticos, melhoria da habitação nos seus vários aspectos, criação de serviços públicos etc.” (VIEIRA, 1981,
p. 252-253).
74
social, esporte, lazer, educação, cultura, trabalho e renda, dentre outros, com os mesmos
objetivos do PNCSU, quais sejam: dar acesso a bens e serviços de consumo coletivo e
fazer com que a comunidade participasse da organização e gestão do equipamento.
Segundo Aldaci Barbosa,
O Conjunto Alvorada e Conjunto Palmeiras têm como ponto de apoio o
Centro Comunitário de Profissionalização Emílio Médici. Os Centros reúnem
em
si
cerca
de
2.000
famílias
associadas
correspondendo
aproximadamente, a 12.000, para se divertirem, praticarem esportes,
desenvolverem atividades culturais através do teatro, banda de música,
corais, danças modernas, balet, cinema, participarem de cursos
profissionais e receberem atendimento médico-odontológico (MOTA, 1979,
p. 27).
Para participar das atividades, as famílias se associavam ao Centro Comunitário
pagando ₢$ 10,00 (dez cruzeiros) por mês. Havia também um sistema de convênios com as
escolas próximas aos Centros, onde a taxa era de ₢$ 3,00 (três cruzeiros) por colégio. Os
resultados obtidos pelos Centros Comunitários, segundo a Conferência pronunciada pela
Superintendente no INPS em agosto de 1976, foram muitos. Destaco alguns: realização de
12 cursos profissionalizantes, abrangendo 1.722 alunos; oferta de serviços de saúde a
96.282 pessoas em um ano; 2.197 alunos com acesso a diversas modalidades de esportes;
704 pessoas participaram dos cursos na área da arte, que inclui música, dança, teatro,
coral, folclore e artes plásticas; 715 alunos participaram dos programas e projetos
desenvolvidos na área da educação (Curso de Madureza, Projeto Minerva e Mobral) e 180
mulheres produzindo artesanato (MOTA, 1979).
Os programas e projetos da Fundação visavam além do desenvolvimento da
comunidade a “promoção humana”, perspectiva que acreditava na capacidade do ser
humano de transformar para melhor suas condições de vida e, consequentemente, tudo que
está ao seu redor. Dessa forma, partia-se da concepção de que o problema era individual,
mas que cabia ao poder público o papel de orientar, direcionar e capacitar as pessoas para
que pudessem ser “autônomas” e colaborar para o desenvolvimento harmônico da sua
comunidade. Tudo isso contribuiu para a manutenção do regime militar, disciplinamento da
população e controle dos conflitos sociais em período de repressão. Nas palavras de Ribeiro
(1994, p. 81),
O próprio governo, consciente do clima potencialmente explosivo provocado
pela situação de miséria da população, criou instrumentos com o objetivo de
canalizar as insatisfações populares, procurando discipliná-las e controlálas, na medida em que desviava a sua atenção dos problemas do dia-a-dia
para os esportes, através da criação de locais onde a população carente
pudesse sofrer um tipo de vigilância e controle por parte das autoridades
constituídas: os Centro Sociais Urbanos.
75
João Nogueira Mota destacou o Congresso de Jovens e a mobilização de jovens
nas comunidades como momentos de resistências ao regime implantado. No entanto, ao
analisar de forma geral os programas e projetos executados na Fundação, percebe-se o não
confronto direto a ditatura militar, pois do contrário os trabalhos não teriam sidos
concretizados e seus líderes perseguidos.
As ações não buscavam garantir a redistribuição da renda no município, e sim
possibilitar à população acesso a bens e serviços de consumo coletivo. Nesse sentido, a
política social implementada se mostra capaz de reprodução da força de trabalho ao mesmo
tempo em que concentra renda nas classes mais abastadas, pois não interfere na base
estrutural do sistema capitalista.
Tudo isso me leva a inferir que a assistência social, nesse período, estava
articulada com outras áreas: habitação, educação, cultura, saúde, lazer, esporte e
qualificação profissional. Como o público-alvo da FSSF era as camadas pobres proveniente
das favelas removidas com a restruturação do espaço urbano de Fortaleza, seu objetivo se
confundia com a finalidade da assistência social, qual seja: “suprir, sanar, ou prevenir, por
meio de métodos e técnicas próprias, deficiências e necessidades dos indivíduos ou grupos
quanto à sobrevivência, convivência e autonomia social” (MESTRINER, 2008, p.16). Isso
revela a constituição de uma política social planejada e sistemática no município de
Fortaleza a partir da superintendência de Aldaci Barbosa, focalizada nos pobres e
direcionadas politicamente pela proposta dos governos militares.
76
4
O ESTILO GERENCIAL DE ALDACI BARBOSA
[...] ela [Aldaci Barbosa] era uma pessoa extremamente rígida.
[...] Para mim foi a pessoa mais inteligente que eu vi, que eu
convivi e meu universo não é limitado [...]. Ela era uma mulher,
para mim, de vanguarda. [...]. Uma pessoa que fez história. Eu
acho que o Serviço Social até ela, era um e depois dela outro.
(ANA LÚCIA GONDIM)
A forma como Aldaci Barbosa administrou a FSSF, as pessoas que integravam
esta instituição e os conflitos existentes: eis o objetivo deste capítulo. Longe de enquadrá-la
em um estilo gerencial feminino ou masculino, busquei evidenciar, a partir da bibliografia
estudada, em que momentos ela se aproximou de características gerenciais historicamente
identificadas como pertencentes aos homens ou às mulheres.
4.1
A mulher na administração pública brasileira: algumas estatísticas
Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
apresentadas por Cardoso (2006), havia, no ano de 1940, 83.385 mulheres com dez anos
ou mais, exercendo atividades de “Administração pública, justiça, ensino público”. O número
de homens para essa mesma categoria era de 227.341, correspondendo a 73,16% do total
de pessoas nesse ramo de atividade. As categorias em que as mulheres superavam o
número de homens eram “Atividades domésticas, atividades escolares” e “Condições
inativas, atividades não compreendidas nos demais ramos, condições ou atividades mal
definidas ou não declaradas”, correspondendo respectivamente a 10.725.275 mulheres e
461.621 homens para o primeiro ramo de atividade, bem como 1.638.435 mulheres e
1.469.777 homens para o segundo.
Esses dados nos revelam que apesar da crescente inserção na administração
pública, as mulheres representavam um contingente bem menor quando comparadas ao
número de homens. Além disso, mostram a concentração de trabalhadoras nas atividades
domésticas e escolares, comprovando a existência de um lugar e papel socialmente
destinado às mulheres.
77
Na estatística de 1950, os ramos de atividade são reorganizados em 14
categorias que não permitem uma comparação com o ano anterior 45 (CARDOSO, 2006),
mesmo assim foi possível identificar disparidade de gênero em algumas classificações. O
ramo “Administração pública, legislativo, justiça” apresentou 40.131 mulheres e 220.636
homens com 10 anos ou mais, revelando um declínio em mais de 50% no número de
mulheres em relação ao ramo anterior “Administração pública, justiça, ensino público”.
Pode-se afirmar que existia um número significativo de mulheres no “ensino público”, uma
vez que a substituição dessa categoria pelo “legislativo” trouxe uma diminuição no número
de mulheres nesse ramo de atividade. Entre os ramos em que as mulheres superavam os
homens em números, destacou-se mais uma vez as “atividades domésticas não
remuneradas e atividades escolares discentes”, com 14.881.825 mulheres e 1.582.206
homens.
É importante destacar que, nas duas décadas analisadas, o número de mulheres
em idade ativa já superava a quantidade de homens. Foram 14.603.238 mulheres e
14.434.611 homens com 10 anos ou mais no ano de 1940; e 18.469.715 mulheres e
18.088.275 homens, em 1950, indicando uma contribuição significativa das mulheres para a
configuração do mercado de trabalho (ver tabelas no Anexo A e B).
Seguindo outra classificação, os dados do ano de 1970 apresentavam 162.113
mulheres e 992.841 homens na “Administração pública”, o que revelou um aumento no
número de trabalhadoras nessa área quando comparado com os anos anteriores. O critério
era de pessoas economicamente ativas e não mais pessoas em idade ativa. Os ramos de
atividades foram reorganizados em oito setores, a saber: Agricultura, pecuária, silvicultura,
extração vegetal, caça e pesca; Atividades industriais; Comércio de mercadorias; Prestação
de serviços; Transportes, comunicação e armazenagem; Atividades sociais; Administração
pública; e Outras atividades. O número de mulheres na modalidade de ocupação
“empregado”, só superou o número de homens em dois setores: “Prestação de serviços” e
“Atividades sociais” (ver tabela no Anexo C).
45
Os dados de 1940 foram organizados em 12 ramos de atividades, a saber: Agricultura, pecuária, silvicultura;
Indústrias extrativas; Indústrias de transformação; Comércio de mercadorias; Comércio de imóveis e valores
mobiliários, crédito, seguros, capitalização; Transportes e comunicações; Administração pública, justiça, ensino
público; Defesa nacional, segurança pública; Profissões liberais, culto, ensino particular, administração privada;
Serviços, atividades sociais; Atividades domésticas, atividades escolares; Condições inativas, atividades não
compreendidas nos demais ramos, condições ou atividades mal definidas ou não declaradas. Já em 1950, foram
categorizados 14 ramos: Agricultura, pecuária, silvicultura; indústrias extrativas; Indústrias de transformação;
Comércio de mercadorias; Comércio de imóveis e valores mobiliários, crédito, seguros, capitalização; Prestaç ão
de serviços; Transportes e comunicações e armazenagem; Profissões liberais; Atividades sociais; Administração
pública, legislativo, justiça; Defesa nacional, segurança pública; Atividades domésticas não remuneradas e
atividades escolares discentes; Atividades não compreendidas nos demais ramos, atividades mal definidas ou
não declaradas; Condições inativas. (CARDOSO, 2006)
78
Pesquisas detalhadas sobre a inserção da mulher na administração pública
datam da década de 1990. Em 2011, foi lançado o primeiro “Anuário das mulheres
brasileiras”
produzido pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE), representando um avanço nos estudos sobre as mulheres no
Brasil.
Em diagnóstico sobre a situação da mulher na administração pública federal,
Bernades, Moura e Acco (1998) identificaram que as mulheres constituíam 44,18% dos
trabalhadores desse setor, totalizando 234.188 indivíduos e os homens correspondiam a
55,82%, ou seja, 295.904 pessoas. Embora estivessem em menor número na administração
federal, os autores chamam a atenção para o fato das mulheres representarem 51,89% da
população economicamente ativa (dados de 1996 do IBGE).
Nos órgãos de administração direta, as mulheres tiveram maior participação nos
ministérios de missão social46, foram eles: Previdência e Assistência Social (63,38%); Saúde
(55,50%); Cultura (54,08%); Educação e Desporto (52,45%). Já nos ministérios de missão
econômica e de infraestrutura, bem como introversa, as mulheres superaram o número de
homens apenas nos ministérios da Indústria, Comércio e Turismo (52,42%) e Planejamento
(51,10%). Isso revela que “as mulheres ainda não conseguiram uma ocupação mais
equitativa” (BERNADES, MOURA e ACCO, 1998, p. 08) em relação aos postos
historicamente compostos por homens.
Na administração indireta as mulheres ultrapassaram o quantitativo de homens
nas autarquias, no entanto, permaneceram em menor número nas fundações. As autarquias
em que as mulheres tiveram participação acima de 50% foram no FNDE, Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Nas fundações, por sua vez, listam-se Fundação Oswaldo Cruz, Fundação Alexandre
Gusmão, Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Cultura
Palmares e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Repetiu-se, portanto, a tendência de maior participação das mulheres nas instituições de
missão social (BERNADES, MOURA e ACCO, 1998).
No que tange aos cargos comissionados, os autores revelaram que quanto mais
alto o nível da Diretoria e Assessoramento Superior (DAS), menor era o número de
46
Bernardes, Moura e Acco (1998, p. 07) classificam a missão dos Ministérios da seguinte forma: “1. missão
econômica e de infraestrutura, onde se incluem os ministérios da Fazenda, das Comunicações, dos Transportes,
do Trabalho, das Minas e Energia, da Ciência e Tecnologia, da Indústria, Comércio e Turismo, do Meio Ambiente
e Recursos Hídricos e o da Agricultura; 2. missão social, onde se incluem os ministérios da Cultura, da
Educação, da Saúde e o da Previdência e Assistência Social; 3. missão introversa, onde se tem os ministérios do
Planejamento, da Administração Pública Federal e Reforma do Estado, das Relações Exteriores e o da Just iça.”
79
mulheres nos cargos de gerência. Eram 6.890 mulheres (39,82%), comparadas a 10.415
homens (60,18%) em DAS, distribuídos da seguinte forma: DAS 1, 45,53% mulheres e
54,47% homens; DAS 2, 39,86% mulheres e 60,14% homens; DAS 3, 37,84% mulheres e
62,16% homens; DAS 4, 29,42% mulheres e 70,58% homens; DAS 5, 16,48% mulheres e
83,52% homens; DAS 6, 13,24% mulheres e 60,18% homens. Isso mostra a pouca
participação das mulheres nos níveis decisórios de maior poder.
Estatísticas do DIEESE (2011) referentes ao ano de 2010 apresentam um
aumento da participação das mulheres em quase todos os cargos comissionados, com
destaque para a DAS 5 e DAS 6, onde representam 25,6% e 23%, respectivamente. Porém,
as mulheres não superam o número de homens em nenhuma das DAS, o que evidencia a
existência de entraves à inserção das mulheres em cargos de gestão. Na análise de
Bernades, Moura e Acco (1998, p. 19):
Essa restrita participação aos cargos de direção e gerência não são
características exclusivas da Administração Pública brasileira, cuja cultura é
renitente a aceitar a mulher como participante efetiva, decidindo e
administrando. Países ango-saxões portam uma característica semelhante.
Na Grã-Betanha, por exemplo, as mulheres perfazem o total de 48,7% dos
servidores do Civil Service, mas desse montante, 35% situam-se no nível
executivo básico, 15% no intermediário (Open Structure) e apenas 9% no
superior (Senior Open Structure). Os índices para o nível executivo superior
nos Estados Unidos da América, na Austrália e no Canadá são 16,5% para
os dois primeiros países e 18,3% para o último.
4.2 Obstáculos à ascensão das mulheres a cargos de gestão
Wajcman (1998) reconhece a existência de um “teto de vidro” para as carreiras
gerenciais de mulheres, ou seja, de obstáculos invisíveis que dificultam a ascensão feminina
a cargos de gestão de alto nível47. Um deles é a coincidência do período de dedicação ao
trabalho para obter sucesso, com os anos educativos das crianças. “A carreira da mulher,
que geralmente é ‘dividida’ ou ‘interrompida’ para ter filhos ou cuidar deles, fica, daí em
diante, não apenas diferente, mas deficiente” (WAJCMAN, 1998, p. 80).
Esse discurso também foi utilizado durante muito tempo por empregadores para
justificar a falta de promoção das mulheres, fomentando as reivindicações dos movimentos
47
A autora analisa carreiras de gestão em empresas privadas. Outros estudos também revelam a existência de
um ‘teto de vidro’ para as mulheres cf. LUCAS, Ângela Christina et al. Identificação de práticas de gestão
voltadas à questão de gênero: um estudo a partir das melhores empresas para você trabalhar. In: XXXIV
Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, 25 a 29 de setembro de 2010.
80
feministas por políticas de oportunidades iguais, que garantissem às mulheres conciliar
carreira e trabalho doméstico. Mesmo assim, Wajcman (1998) afirma que poucas mulheres
estão usufruindo desses direitos. O principal motivo é a imagem que a empresa tem dos
empregados que acessam essas políticas como pessoas menos comprometidas com o
trabalho e, consequentemente, inadequadas para ocupar cargos de gerência. Para a autora,
isso evidencia que políticas de igualdade não conseguiram substituir o modelo masculino de
gestão.
A autora também revela, a partir de outros estudos sobre discriminação no
emprego, a percepção que os empregadores têm dos papeis sociais desempenhados pelos
gêneros. Enquanto os homens eram visualizados de forma positiva por terem alguma
responsabilidade doméstica, as mulheres eram compreendidas como menos confiáveis e
comprometidas com o trabalho, o que as colocava em funções de baixa remuneração e
status inferior ao profissional do sexo masculino. O cargo de gerente é definido pelo sexo,
sendo considerado melhor candidato o homem de família.
Em seu estudo com gerentes seniores, Wajcman (1998, p. 82) chega a seguinte
conclusão:
[...] as mulheres adaptaram-se ao modelo masculino predominante de
gerente bem-sucedido e buscam as mesmas carreiras organizacionais que
os homens.
Elas fizeram uma escolha consciente de não ter filhos ou organizar a vida
doméstica e a criação dos filhos de modo que possam dedicar-se a suas
carreiras. Ainda assim, elas são tratadas diferentemente dos homens e o
progresso em suas carreiras é bloqueado. O ‘contrato sexual’, portanto,
classifica todas as mulheres como trabalhadoras com responsabilidades
domésticas.
Todos esses obstáculos e imagens colocam Aldaci Barbosa em evidência.
Primeiro, por ter sido a primeira mulher a assumir um cargo de gestão na Prefeitura
Municipal de Fortaleza. Segundo, por ter se mantido neste cargo durante dez anos, em um
período de política autoritária onde a maioria dos cargos de alto nível era ocupada por
homens, prevalecendo o modelo masculino de gestão.
81
4.3
O social como espaço privilegiado de intervenção da mulher
Aldaci Barbosa se insere no social, entendido aqui como área de intervenção48,
através de sua experiência no Pirambu, destacando-se na liderança e gestão das atividades
técnicas, permeadas por valores cristãos. Apesar das ações realizadas estimularem a
participação da comunidade na resolução de seus problemas, também difundiam
determinados hábitos e comportamentos aos moradores, como mencionado anteriormente.
Ao homem o trabalho, o espaço público, a rua. À mulher o cuidado com os filhos
e o marido, o espaço privado, a casa. Essa perspectiva ideológica, ressalte-se, era
difundida, especialmente, por mulheres de uma condição social e econômica melhor –
assistentes sociais e estagiárias 49 – aos habitantes do bairro, que constituíam os pobres.
Para Barbosa (1959, p. 118),
Inegavelmente a ausência da mãe de família do lar para exercer funções
profissionais acarreta sérios prejuízos na educação da prole. Por sua vez,
possuindo elas uma situação econômica deficiente necessitam de uma
função remunerada que auxilie na manutenção da casa. Necessário se faz,
portanto, que se fixe a mãe de família no próprio lar, dando-lhes afazeres
remunerados. Com sua ausência no lar, os únicos prejudicados são os
filhos que se criam nas ruas aprendendo e efetivando práticas anti-sociais,
transformando-se em futuros marginais (BARBOSA, 1959, p.118).
Isso revela uma diferenciação nos papeis atribuídos às mulheres de classe
social diferente. Às abastadas, o trabalho social e a ascensão ao espaço público sem
discriminação, questionamentos. Com o compromisso, é claro, de manterem as qualidades
de uma “mulher de família”50. Às demais, a obrigação primordial de ficar em casa, salvo
devido à situação econômica da família, muitas acabavam se inserindo na cena pública
através do trabalho nas fábricas ou da prostituição, ocupações recriminadas pela sociedade
da época. Nas palavras de Donzelot (2001):
É ainda mais significativa a diferença de posições táticas em que se
encontram a mulher burguesa e a mulher popular. Através da revalorização
das tarefas educativas se estabelece, para a mulher burguesa, uma nova
continuidade entre suas atividades sociais. Ela desc obre um domínio de
missão, abre para si um novo campo profissional na propagação das novas
normas assistenciais e educacionais. Pode, ao mesmo tempo, ser suporte
48
“Certamente não se trata do adjetivo que qualifica o conjunto dos fenômenos que são objeto da sociologia: O
social tem por referência um setor particular em que se classificam problemas na verdade bastante diversos,
casos especiais, instituições específicas, todo um pessoal qualificado (Assistentes “sociais”, trabalhadores
sociais)” (DONZELOT, 2001, p. 01).
49
Silva (2010) afirma que originalmente o Curso de Serviço Social do Ceará era formado por mulheres
pertencentes aos setores abastados da sociedade.
50
Termo utilizado para designar as mulheres que seguem a conduta moral pré -estabelecida pela sociedade que
integram.
82
de uma transmissão do patrimônio no interior da família e instrumento de
irradiação cultural no exterior. A mulher do povo possui, por natureza, um
trabalho antagônico com seu status materno. Algumas vezes ele representa
uma necessidade mas é sempre obstáculo à realização de sua função de
guardiã do lar. Para ela não se trata de irradiação: sua mis são é, ao
contrário, velar por uma retração social de seu marido e de seus filhos. [...]
Outro ponto de destaque é a maior participação do trabalho feminino em
atividades da área social, ou seja, a divisão sexual do trabalho 51. O fato de serem mulheres
ricas não lhes possibilitavam assumir qualquer profissão. Podiam e, até certo ponto,
considerava-se legítimo que trabalhassem, mas em campos que pudessem exercitar e
difundir as qualidades de mulher, quais sejam: educar crianças, adolescentes e adultos
(pedagogia); cuidar dos doentes (enfermagem); orientação e encaminhamento para os
problemas sociais e morais (serviço social), dentre outras. Às mulheres pobres, trabalhos
que representavam a extensão das atividades domésticas: cozinheiras, costureiras,
bordadeiras, secretárias. Para Rago (1997, p.65),
[...] a construção de um modelo de mulher simbolizado pela mãe devotada e
inteira sacrifício, implicou sua completa desvalorização profissional, política
e intelectual. Esta desvalorização é imensa porque parte do pressuposto de
que a mulher em si não é nada, de que deve esquecer-se deliberadamente
de si mesma e realiza-se através dos êxitos dos filhos e do marido. É claro
que, em grande parte, este modelo vitoriano de comportamento feminino
determinou suas opções e condutas. Mesmo porque até muito
recentemente os cursos de especialização profissional e técnicos e
universitários, estavam praticamente fechados às mulheres, destinadas às
carreiras de professoras primárias, enfermeiras, no caso das que tinham
algum acesso de instrução, e domésticas, operárias, telefonistas, nas
camadas mais baixas. Em qualquer caso, o campo de atuação da mulher
fora do lar circunscreveu-se ao de ajudante, assistente, ou seja, a uma
função de subordinação a um chefe masculino em atividades que a
colocaram desde sempre à margem de qualquer processo decisório. [...].
Como assistentes, cuidadoras, auxiliares, voluntárias, donas do lar, as mulheres
exerceram durante muito tempo atividades mal remuneradas e recentemente reconhecidas
legalmente como trabalho, dentre eles o doméstico52. Tiveram ou ainda têm para alguns o
dom das ações práticas, mas não intelectuais. Isso é comprovado pela não garantia
histórica às mulheres dos direitos políticos, fato que as afastou dos espaços de negociação,
pactuação e representação de seus interesses e necessidades.
51
“[...] A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre
os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa
forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à
esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das
funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)” (H IRATA e KERGOAT, 2007, p.
599).
52
Sobre o trabalho doméstico no Brasil cf. ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Trabalho doméstico no
Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010.
83
Necessidades, que segundo Hubertine Auclert – feminista francesa analisada
por Scott (2002) –, não eram só suas. Para a feminista, havia uma conexão entre os
interesses da mulher e o social. Em sua luta pelos direitos políticos das mulheres, ela
argumentava que os interesses destas estavam em consonância com os interesses sociais
gerais, ou seja, dos pobres, com destaque para os operários e as operárias. Nesse sentido,
a pessoa mais capacitada para representar esses interesses nos espaços políticos
(Câmaras e Senado) eram as próprias mulheres, e não homens.
Na Terceira República francesa, as mulheres não tinham direito ao voto, nem
podiam se candidatar às eleições, por serem consideradas fanáticas obedientes à Igreja e
revolucionárias de sexualidade desenfreada (SCOTT, 2002). Apesar do reconhecimento da
questão social como assunto de ordem política, as mulheres não eram chamadas a pensar,
decidir e opinar intelectualmente sobre esses temas e sim colaborar em determinadas
funções na sua execução.
Cabe então perguntar: como homens abastados podiam dizer e decidir sobre a
situação e condições sociais dos pobres e das mulheres, se nunca as vivenciou? Por isso os
movimentos feministas, no Brasil e na França, lutavam pelo direito ao voto e à
representação. Participar da política53 era ter poder de ação, mais principalmente de
decisão. Em outras palavras, poder sobre o direcionamento político ideológico das
atividades empreendidas e, portanto, possibilidade não só de reproduzir o statu quo, mas
romper com aspectos da estrutura vigente.
A garantia de direitos políticos a todas as mulheres em 1936 no Brasil não
assegurou sua entrada massiva na política54. A luta não era só constitucional, mas contra
toda uma mentalidade construída acerca do feminino. Nesse sentido, a dificuldade de
ascensão a esses espaços, não inviabilizou a construção de resistências no cotidiano.
Paulatinamente, algumas mulheres foram se inserindo no mercado de trabalho ocupando
profissões, funções e cargos tanto masculinos como femininos sendo, concomitantemente,
instrumentos de reprodução da ordem vigente e meios de mudança.
O primeiro parodoxo de Aldaci Barbosa seria, portanto, a sua capacidade de
propor ações que envolveram os moradores do bairro em torno de seus problemas sociais e
na busca de soluções, ao mesmo tempo em que propagava os valores morais da época,
53
Política compreendida no sentido clássico, grafada na língua inglesa como politics e referindo-se a atividades e
competição política (eleições, voto, partido, parlamento, governo). Para uma discussão dos dois significados do
termo cf. PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Discussões conceituais sobre políti ca social como política
pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete et. al. (Orgs.). Política Social no capitalismo:
tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008.
54
Sobre a mulher na política cf. AVELAR, Lúcia. Mulheres na elite política brasileira. São Paulo: Konrad
Adenauer: UNESP, 2002.
84
impondo determinadas regras de conduta social à população da comunidade. A rigorosidade
na manutenção de valores morais procedeu de sua formação cristã.
Outras contradições podem ser visualizadas na sua forma de conduzir a
Fundação, influenciadas tanto por seus princípios morais cristãos como pela tensão
decorrente da gestão de uma instituição do aparelho estatal. No Pirambu o trabalho do
Serviço Social era desenvolvido junto à Igreja católica, instituição da sociedade civil,
possibilitando em determinados momentos ações de confronto com o Estado, como foi a
Marcha do Pirambu. Na superintendência da Fundação do Serviço Social de Fortaleza,
cargo de confiança do Prefeito, ela representava o próprio poder institucional do Estado
perante a sociedade.
4.4
A forma de administrar de uma mulher
Um dos pontos analisados pelos autores quando se trata de mulheres
trabalhadoras, universitárias, gerentes ou empreendedoras, é o início da vida profissional.
Segundo Blay (1975), a atividade profissional masculina é percebida como algo maravilhoso
para a sociedade, familiares e amigos. O homem que começa a trabalhar cedo cumpre com
seus deveres de colaborar em casa e diminuir as despesas dos pais, o que revela
responsabilidade e maturidade.
Já para a mulher, o trabalho é visto como algo
momentâneo, uma obrigação de ordem econômica, que cessará com o casamento.
“Quando não há este clima de estar a mulher desempenhando um ‘falso papel’ há uma
muda indiferença que certamente vem somar à desaprovação e não criar um estímulo”.
(BLAY, 1975, p.11)
Nesse sentido, o apoio familiar, embora não seja determinante para a mulher
ingressar no mercado de trabalho e ascender a cargos de gestão, é essencial para a sua
manutenção em postos assalariado. Em sua pesquisa com mulheres em cargos de gestão
federal55, Fontenele-Mourão (2006, p.51) afirma que o apoio familiar é primordial em dois
sentidos: no estímulo a aceitar novos desafios, tendo maior apoio dos maridos e filhos, e
nos modelos a serem seguidos, com maior aprovação de um descendente da família, com
destaque para mãe.
55
A autora realizou pesquisa com sete mulheres ocupantes de cargos gerenciais de topo de carreira na
administração pública, foram eles: DAS 5, DAS 6 e Natureza Especial (NE), ou seja, ministra. Como també m
com os membros de suas equipes, onde participaram 146 indivíduos.
85
Nas entrevistas realizadas com os familiares, foi possível identificar que a família
de Aldaci Barbosa não só a apoiava em seu trabalho, mas favoreceu a sua ascensão
profissional através da garantia de sua qualificação. Diferentemente da irmã mais velha que
seguiu os parâmetros definidos pela sociedade56, a Superintendente terminou a formação
estudantil correspondente ao ensino médio na Escola Normal, graduou-se em três cursos.
Casou-se com João Nogueira Mota (padre que havia pedido dispensa do celibato) por
apenas oito meses haja vista o falecimento de Aldaci57. Não teve filhos biológicos e/ou
adotivos, embora tenha tomado para si a educação dos familiares José Evanilson Nogueira
e Ana Lúcia Gondim 58. Isso revela que ela tinha convicção do que queria e coragem para
enfrentar os comentários que a sociedade, amigos e familiares poderiam fazer dela:
[A mãe de Aldaci Barbosa fala:] Quero que você dê um paradeiro, nessa
sua amizade com o Morais [João Nogueira Mota], isso não pode continuar!
Aí ela olhou para ela e disse: Tá certo! Quando foi dois ou três dias depois,
ela chegou, tia Maria na frente dela, ela disse: pronto mamãe, acabou com o
problema. Minha amizade com o Morais não existe mais, eu acabei de casar
com ele! (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA)
Nesse sentido, é possível inferir que, não obstante o apoio familiar na formação
e no estímulo ao trabalho, sua carreira foi conquistada com muito esforço pessoal e por
mérito, pois sua indicação para o cargo de gestão intermediada pelo Padre Hélio Campos
significou por parte deste e dos administradores de Fortaleza, reconhecimento pelo
trabalhado executado no Pirambu, não por representantes políticos masculinos para mero
cumprimento de acordos políticos e/ou manutenção do poder familiar na administração
pública. Fontenele-Mourão (2006) também identificou nas falas de suas entrevistadas que a
conquista profissional se realizou pelo mérito e esforço pessoal, sendo a opção pelo
trabalho e pelo concurso público algumas delas.
No que tange à idade, Aldaci Barbosa foi convidada para assumir o cargo de
superintendente da Fundação aos 44 anos, permanecendo nele até os 54 anos, o que
revela o inicio da carreira de gestora com uma idade mediana, com bastante experiência e
maturidade profissional. Bernades, Moura e Acco (1998) identificaram uma grande
participação feminina no serviço público federal nas faixas etárias de 21 a 25 anos (47,64%),
de 36 a 40 anos (47,86%) e de 41 a 45 anos (47,55%). Já a média encontrada nas gestoras
participantes do estudo de Fontenele-Mourão (2006) foi de 45,5 anos, mostrando que
56
Depois que a família se mudou para Fortaleza, Albanisa Barbosa começou a trabalhar para pagar o colégio
dos irmãos. Quando casou, deixou o trabalho assalariado e os estudos, passando a s e dedicar ao trabalho
doméstico. Participava também de atividades voluntárias realizadas pelas freiras do Colégio Imaculada
Conceição.
57
João Nogueira Mota já conhecia Aldaci Barbosa a um tempo significativo. Assumiram formalmente seu
relacionamento meses antes dela falecer. A Superintendente morou com a mãe até se casar.
58
Os primos e sobrinhos moravam com seus pais, mais frequentavam a casa de Aldaci Barbosa, referência na
família para orientação e resolução de conflitos.
86
mulheres em idade mediana ocupam cargos de gestão. Se elas são em maior número do
que as jovens ou sua idade é um critério privilegiado pelos superiores, é um caso a se
investigar.
Importante notar que os alunos dos programas de Educação Continuada para
Executivos-GVPEC, na faixa etária de 25 a 36 anos, participantes da pesquisa de Betiol e
Tonelli (1991), consideraram a idade de 45 anos como um empecilho para as pes soas
alcançarem cargos de prestígio na organização. Segundo as autoras: “[t]rata-se de um
temor de ser desprezado pela organização, pois muitos executivos, independentemente de
sexo, ocupando postos de prestígio, já ultrapassaram essa idade” (BETIOL e TONELLI,
1991, p. 18).
Apesar de alguns entrevistados se referirem a Aldaci Barbosa como uma pessoa
autoritária, essa não é uma opinião unânime. A palavra autoritária representa um indivíduo
que dificilmente escuta opiniões de pessoas subalternas ao seu cargo e faz prevalecer
sempre a sua ideia em detrimento das demais. Esse não parecia ser o caso da
Superintendente. Conceição Pio relatou que Aldaci Barbosa fazia reuniões com os
coordenadores dos Departamentos 59 e técnicos para escutar as dificuldades e encontrar a
melhor solução para os problemas:
[...] agora o que era importante de trabalhar com a Aldaci na época, era a
preocupação que ela tinha de capacitação dos profissionais, sabe? Ela era
uma pessoa muito empreendedora, muito comprometida com a profissão,
ela acompanhava diretamente isso, ela ouvia muitos os profissionais. E, ela
tinha muita coragem de chegar para o prefeito na época [...], ela ia lá no
gabinete do prefeito e levava todos aqueles dados que a gente trazia para
ela sobre as realidades das pessoas [...]. Em termos assim de inscrição
para casa popular, o critério, essas coisas eram definidas na própria
prefeitura. É tanto que ela [...] teve muito embate com os vereadores.
Nesse sentido, ao analisar as narrativas, percebi que a palavra autoritária não
estava se referindo a um indivíduo intransigente e sim a uma pessoa muito exigente com a
qualidade do trabalho realizado pelos técnicos, como também firme no que tange às
decisões tomadas. O que me leva a inferir que Aldaci Barbosa não era uma pessoa
autoritária e sim determinada. Albanisa Barbosa afirmou que a irmã escutava mais do que
falava e quando expressava sua opinião tinha muita clareza e ética no que dizia. Raimunda
Neodinha Mendes Bessa foi a única a declarar que Aldaci Barbosa era democrática, pois
dava oportunidade das pessoas expressarem seus pontos de vista.
59
A Fundação do Serviço Social de Fortaleza era organizada em quatro órgãos: 1) órgão de fiscalização; 2)
órgão de administração e direção geral; 3) órgão de assistência técnica; e 4) órgão de execução. Este último era
dividido em Tesouraria e quatro Departamentos, visando uma melhor dis tribuição das atividades, a saber: 1)
Departamento de administração; 2) Departamento de contabilidade; 3) Departamento de Armazém
Reembolsável; e 4) Departamento de programas comunitários.
87
Grzybovski, Boscarin e Migott (2002) identificaram em mulheres executivas de
empresas familiares de Passo Fundo (Rio Grande do Sul) um gerenciamento que cultiva a
honestidade, a apreciação do ser humano e companheirismo, bem como proporciona
oportunidades de crescimento pessoal e profissional aos recursos humanos em troca de
profissionalismo, comprometimento, honestidade e educação.
O estilo gerencial de Aldaci Barbosa se aproxima das características elencadas
nas executivas de Passo Fundo, por ouvir os técnicos da FSSF e preocupar-se com a
qualificação permanente destes profissionais, como relatado por Conceição Pio. Além disso,
a gestora convidou muitas assistentes sociais para trabalhar com ela na Fundação,
possibilitando a contração de mulheres, inclusive para coordenação de Departamentos, o
que evidencia a crença da Superintendente na capacidade da mulher em organizar e gerir.
Isso é um ponto relevante, pois Betiol e Tonelli (1991) identificaram em uma das gerentes
pesquisadas a reprodução de estereótipos sociais femininos como fofoqueiras e infantis,
justificando a preferência de se trabalhar com homens.
No entanto, reprovava a atitude de algumas assistentes sociais de dar
visibilidade ou de não serem discretas em seus relacionamentos com homens vinculados à
instituição. O que destaca seu paradoxo em relação à aceitação do trabalho feminino na
área social e à manutenção por parte da mulher de um comportamento socialmente aceito.
A citação abaixo descreve sua indignação com as atitudes das técnicas:
[...] tinha ódio, quando de vez em quanto aparecia uma história de uma que
tinha namorado com o motorista [...] na época a gente dizia assim: 80%
sustenta o marido, isso era comum. [...] Aí ela dizia: eu tenho ódio de quem
não sabe se comportar. [...] ela se danava, porque ela era bem rígida com
essas coisas (ANA LÚCIA GONDIM).
A rigidez na organização dos processos da instituição aproxima Aldaci Barbosa
de atributos considerados tradicionalmente masculinos. Segundo Ana Lúcia Gondim:
[...] que ela era rígida é... com conduta, com moral, com frequência ao
trabalho, ela era muito, assim, firme nisso.
Então, ela era assim, bem rígida. E assim o que ela queria, era assim. Ela
tinha o compromisso muito grande [...] com os excluídos [...]. Então ela
achava que o serviço público, principalmente a Fundação do Serviço Social
de Fortaleza, deveria fazer promoção social. E tinha que ter, não podia se
desviar desse foco. Então, não havia nada, que a desviasse. Então ela foi
bem firme, bem convicta. Era uma pessoa extremamente serena, no ponto
de não ser emocional, uma coisa que eu achava assim fantástica, porque
eu sou. [...] Ela era extremamente serena, extremamente firme, quando a
coisa para ela era o preto no branco e pronto! O preto é preto, o branco é
branco.
Adler citado por Lucas et al. (2010) destaca como características dos homens na
gestão a agressividade, a independência, a competitividade, a lógica, a não emotividade, a
88
atividade, a habilidade nos negócios, dentre outras. E das mulheres: a comunicação, a
gentiliza, a democracia, a participação e a submissão. Tomando a pesquisa de Adler como
parâmetro, percebe-se que Aldaci Barbosa possuiu qualidades masculinas como a não
emotividade no trabalho e ser uma pessoa ativa e racional. E predicados femininos como a
capacidade de se comunicar e democratizar a expressão de opiniões.
Isso não a tornava, no entanto, uma pessoa insensível. Segundo José Evanilson
Nogueira, a tia chorava como “Madalena” (personagem bíblica) quando elogiada. A
fotografia abaixo mostra a expressão de alegria da Superintendente ao receber uma rosa.
Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim.
É possível inferir, a partir da análise das entrevistas, que Aldaci Barbosa lançava
mão de posturas rígidas, firmes e sem emotividade com o intuito de manter a ordem na
instituição, o compromisso dos funcionários com o trabalho e o respeito a ela como
superintendente. Se tivesse sido complacente e flexível com determinadas atitudes e
comportamentos de seus funcionários, poderia gerar a imagem de uma gestora fraca e
aberta para o descompromisso das pessoas. Na fala da sobrinha e do primo:
Agora ela tinha um senso de justiça, de retidão, de que tinha que ser assim,
e era! Então ela cobrava muito das pessoas. E a Fundação, quando ela
assumiu [...] era uma zorra, sabe. Era um reduto político que tinha esses
financiamentos, que tinha tudo. Aí tu já viu como era! Tanto o povo botava
no bolso, como dava sem nenhum critério (ANA LÚCIA GONDIM).
89
E ela era muito forte. Era uma pessoa muito forte. Ela vinha, e você olhava
pra ela e você sentia. Ela se impunha pela presença. Num... só pela
presença. Num precisava ela abrir a boca. Ela aparecia e você sentia que
estava frente uma pessoa diferente. Ela imprimia respeito com a presença
dela. Então ela era assim (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA).
A atitude de Maria Moura, quando formou seu bando e conquistou as terras da
Serra do Padre que pertenciam a seu pai, revela a necessidade da mulher em se
masculinizar para ser respeitada e para assumir postos de comando. O uso da
racionalidade, historicamente construída como atributo dos homens, fez a personagem de
Rachel de Queiroz assumir as feições de “chefe”:
- Vou prevenir a vocês: comigo é capaz de ser pior do que com o cabo
sargento. Têm que me obedecer de olhos fechados. Têm que se esquecer
que sou mulher – pra isso mesmo estou usando estas calças de homem.
Bati no peito:
- Aqui não tem mulher nenhuma, tem só o chefe de vocês. Se eu disser que
atire, vocês atiram; se eu disser que morra é pra morrer. Quem
desobedecer paga caro. Tão caro e tão depressa que não vai ter tempo de
se arrepender. (QUEIROZ, 2010, p. 82-83)
Embora Aldaci Barbosa não tenha assumido a aparência de homem, pois
normalmente se usava blusas, saias e vestidos, o uso da racionalidade no comando da
instituição mostra a sua adesão a uma característica do modelo da gestão masculino. Além
disso, tinha que constantemente negociar com homens, fossem eles o prefeito e/ou os
secretários da gestão municipal, o que requeria uma atitude séria e argumentos fortes para
justificar a relevância dos programas e projetos realizados e garantir o financiamento das
ações. Na primeira foto, Aldaci Barbosa está no centro da mesa do 2º Congresso sobre
Urbanismo, cercada por homens. Na segunda, um encontro com três homens, sendo um
deles chefe militar.
90
Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim.
Fonte: Arquivo pessoal de João Nogueira Mota.
91
Por isso, a gestora dava tanta ênfase ao planejamento, à pesquisa e à
documentação de todas as atividades. O planejamento permitia organizar as atividades de
forma racional, dividir tarefas e, com o tempo, ampliar o contingente de pessoas atendidas
pela instituição. A pesquisa, realizada através de estudos socioeconômicos da população,
era instrumento indispensável para negociar com o Prefeito o apoio a programas e projetos
que possibilitassem a melhoria das condições de vida das pessoas. A documentação das
atividades gerava resultados e respaldo tanto para a gestora quanto para a Fundação.
É mister destacar o planejamento como ação política. No relato de José
Evanilson Nogueira, a tia nunca se envolveria na política partidária, percebida como espaço
de interesses individualistas e de corrupção. Apesar disso, pode-se afirmar que ao mediar
os conflitos em torno da apropriação do solo urbano e propor programas e projetos em
resposta à situação das camadas pobres, Aldaci Barbosa fazia política, ou seja, pactuava,
negociava e decidia sobre as políticas sociais da instituição.
O planejamento também expressava o pensamento dos técnicos acerca das
situações encontradas, uma vez que eles eram os responsáveis pelas pesquisas e
proposição de ações. Em outras palavras, o pensamento e julgamento de uma classe sobre
outra. Isso mostra que o planejamento tinha um direcionamento político-ideológico e, muitas
vezes, serviu para justificar a remoção dos pobres para espaços até então inabitáveis. No
entanto, percebe-se também a mudança na forma de pensar o problema habitacional,
exposta na conclusão do documento “Programa integrado de desfavelamento: estudo
preliminar”:
Pelas informações obtidas na elaboração do presente estudo preliminar,
conclue-se, principalmente, pela demonstração de que um programa de
desfavelamento, com erradicação por núcleos isolados, sem se ater ao
problema de maneira global, não indica solução satisfatória para problema.
Exemplo concreto dessa afirmativa está no fato, enunciado no item 4.6.,
quando se constatava que paralela a ação da Prefeitura na erradicação dos
núcleos favelados para a implantação das avenidas Borges de Melo, José
Bastos e Leste-Oeste, outros núcleos foram aparecendo naturalmente e
num período de apenas três anos – 1970/1973, surgiram mais 11 favelas,
com um total de 1.687 habitantes e uma população de 10.122 habitantes.
Isto evidencia a necessidade de um trabalho global, com ação voltada tanto
para evitar o êxodo rural, quanto para a absorção da população
marginalizada chegada à Fortaleza (FORTALEZA, 1973, p.27).
A citação revela a compreensão dos gestores da insuficiência do programa e
aponta a necessidade ações globais. Até o final da gestão de Aldaci Barbosa as ações de
recuperação das vilas marginais não foram postas em prática. Infere-se, portanto, que a
democratização das expressões das opiniões, por meio da escuta dos técnicos e dos lideres
92
comunitários, não configura a gestão de Aldaci Barbosa como participativa, revelando a
prevalência de um planejamento vertical, que reflete a forma de planejar a ditadura militar.
José Walter Cavalcante relatou que, ao término do seu mandato, Aldaci Barbosa
anunciou que sairia da superintendência da Fundação. Ao assumir a prefeitura de Fortaleza,
Vicente Cavalcante Fialho solicitou ao ex-prefeito que conversasse com Aldaci Barbosa e a
convencesse a continuar no cargo, o que revela um reconhecimento da capacidade e
competência da gestora.
A utilização do planejamento e de critérios técnicos pela Superintendente mudou
a cultura organizacional da Fundação. Se antes prevaleciam práticas clientelistas e
patrimonialistas, a ascensão de Aldaci Barbosa ao cargo de gestora deu caráter racional e
funcional ao serviço público. No relato de Ana Lúcia Gondim:
Então ela pegou povo na época, a nata do Serviço Social, que era as
colegas, todas trabalharam lá, a maioria. Fez um Serviço Social altamente
[...] competente e, assim, autônomo, não tinha interferência política.
As colegas a que a sobrinha se refere eram assistentes sociais que haviam
trabalhado com ela no Pirambu60 e/ou professoras do Curso de Serviço Social. Nesse
sentido, o principal critério utilizado para a escolha dos funcionários, não era as relações de
amizade e sim a competência técnica. O caso da sobrinha, que foi secretária de Aldaci
Barbosa durante dois anos, foi uma situação singular que merece destaque.
Segundo Ana Lúcia Gondim, a tia tinha uma secretária que ganhava pelo cargo
comissionado, mas não trabalhava. A sobrinha acredita que Aldaci Barbosa tinha vergonha
de ter uma secretária naquelas condições, sendo esse o motivo de sua entrada na
instituição. Nesse sentido, a Superintendente assinou a carteira de trabalho da sobrinha e a
trouxe para ser sua secretária:
Ela era minha tia, irmã da minha mãe e minha madrinha de batismo. Por
isso assim, eu tinha toda uma ligação com ela. Então, quando eu entrei na
Faculdade, eu fiz vestibular para a Federal de Letras. [...] passei em março,
[...] no dia dois de maio [de 1974] eu comecei a trabalhar na Fundação. [...]
eu fui para lá porque, ela queria uma secretária e a secretária dela era uma
senhora, [...] ela tinha esse cargo comissionado e nunca pediu demissão e
não trabalhava, porque ela era advogada e ai eu acho que ela [Aldaci
Barbosa] se constrangia de ter aquela secretária. Então, eu era a secret ária
e a doutora [...] ganhava o dinheiro, o cargo comissionado. Nem ela queria
tirar, eu acho. Ai a doutora [...] nunca entregou e ficou aquela coisa. (ANA
LÚCIA GONDIM)
60
São exemplos desse caso as duas assistentes sociais entrevistadas nesse trabalho: Núbia Soares e
Conceição Pio.
93
O relato de Ana Lúcia Gondim me leva à constatação de que existia na
Fundação relações de poder não questionadas pela Superintendente, e o caso da secretária
é um deles. É provável que ela tenha evitado o confronto direto com a(s) pessoa(s) que
mantinham o cargo comissionado da secretária: porque isso não era algo relevante e/ou
para garantir condições favoráveis ao trabalho da instituição, mostrado mais um de seus
paradoxos.
É valido também questionar porque Aldaci Barbosa escolheu a sobrinha para ser
sua secretária. Percebi no discurso de Ana Lúcia Gondim que Aldaci Barbosa tinha um
carinho especial pela sobrinha, como se fosse uma filha, preocupando-se, portanto, com a
educação moral e profissional da jovem. Dessa forma, a ocupação de uma função próxima à
tia, permitia a Aldaci Barbosa ensinar a sobrinha a lidar com a vida. Ana Lúcia Gondim
relatou diversas situações em que a tia lhe deu lições de moral, como também um
tratamento mais rígido do que aos outros funcionários, revelando que o fato de ser sobrinha
não lhe dava privilégios na Instituição.
Outras duas situações que mostram o tratamento igualitário e não favorecimento
aos familiares por Aldaci Barbosa é a não concessão de bolsa de estudos à sobrinha, Ana
Lúcia Gondim, para o Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), pois o pai da jovem tinha
condições financeiras de pagar o curso; bem como a não restituição de bolsa de estudos à
prima, irmã de José Evanilson Nogueira que, devido a um problema de escoliose, foi
reprovada na escola e, consequentemente, perdeu a bolsa de estudos.
[...] a irmã que eu queria mais bem teve uma bolsa da Fundação. E ela teve
um problema de escoliose muito forte, ela passou muito tempo dormindo
com um colete de gesso. E ela passava a noite acordada e era difícil, e ela
faltou muito a aula. E ela perdeu o ano. Quando ela perdeu o ano, a minha
mãe foi falar com Aldaci. E Aldaci disse que não dava. Ai mamãe pediu pra
eu falar com ela, ai eu fui falar com ela, perguntar porque ela não dava a
bolsa da Tereza. Ai ela disse: porque muitas foram reprovadas e eu num dei
bolsa a nenhuma. Isso é o senso de justiça que eu acredito. (JOSÉ
EVANILSON NOGUEIRA)
Dessa forma, prevaleceu, na gestão de Aldaci Barbosa, uma administração
burocrática, legitimada pelo poder racional-legal. Na sua análise sobre a política, entendida
como a direção exercida pelo Estado, Weber (2004) identifica três formas de legitimidade do
poder, a saber: o poder tradicional baseado na autoridade do passado, nos costumes e
hábitos tradicionais que devem ser simplesmente obedecidos; o poder carismático, onde as
pessoas se submetem ao chefe político seja ele um profeta, um dirigente guerreiro, um
soberano, um demagogo, um dirigente de um partido político, por acreditar, ter fé no que ele
diz e nas suas qualidades pessoais; e o poder burocrático-legal fundamentado na lei
positiva, nas normas estabelecidas através de estatutos legais nas sociedades, onde a
94
autoridade não é mais o soberano e sim o Estado-pessoa que tem plenos poderes para
aplicar as normas e punir os infratores. É no exercício deste último poder que se encontra a
burocracia, entendida como áreas de jurisdição fixas e oficiais regulamentadas por leis e/ou
normas administrativas.
Isso não descarta a existência de situações contraditórias, como o caso da
secretária que nunca exerceu o cargo e o da prima que teve acesso ao Programa de Bolsa
de Estudos, mostrando a inclusão de pessoas conhecidas nos programas e projetos da
Fundação que estivessem dentro dos critérios das ações.
A opção por uma administração racional rendeu algumas “dores de cabeça” à
Superintendente. Na época, o poder político estava concentrado nas mãos dos vereadores
de Fortaleza, que se utilizavam da distribuição de benefícios para manter relações
clientelistas. Nesse sentido, quando os técnicos começaram a desenvolver as atividades
nas comunidades procuraram dar caráter impessoal às ações, desvinculando-as de figuras
políticas. Isso gerou um conflito direto com os vereadores que foram perdendo o poder de
fazer concessões referentes aos serviços ofertados pela Fundação. Conceição Pio relata
esse conflito:
[...] é tanto que ela teve muito embate com os vereadores, porque Fortaleza
[...] teve sempre uma tradição de ter os vereadores nos bairros, isso era que
fazia a assistência social. Era a casa do vereador que distribuía os
remédios. Aí foi à inovação, quando convidaram ela para trabalhar, ela
começou a tirar dos vereadores esse [...] poder que eles tinham. [...] Eu
trabalhei muito aqui, perto do Joquei Clube, esses bairros mais aqui que
tinha [...] um vereador que ele [...] vivia para a comunidade, ele era uma
coisa. E a gente foi para um trabalho social lá [...]. Tirando dele [...] essa
dependência das pessoas quando a gente levou o curso profissionalizantes ,
esses trabalhos, esses programas que eram feitos pelos estagiários e pelos
assistentes sociais. Não era a mulher do prefeito que fazia, não era a
mulher do vereador, não! Era um trabalho técnico que a gente fazia e ela
peitou isso. Ela foi muito pressionada na câmara dos vereadores por conta
disso [...].
Apesar de questionada, convidada a prestar depoimento e apresentar
documentos de uma administração idônea na Câmara dos Vereadores, não foram
encontrados registros de uma gestão irresponsável e corrupta, revelando que, além de
competente, Aldaci Barbosa era uma pessoa de confiança. De acordo com José Walter
Cavalcante, a gestora tinha acesso livre a ele para fazer solicitações, que normalmente
eram atendidas.
A liderança era uma marca de Aldaci Barbosa. Sua visão modernizadora em
relação às práticas, com traços conservadores quando se tratava das regras sociais de
conduta, deu dinamicidade e variedade as ações realizadas na Fundação do Serviço Social
95
de Fortaleza, bem como orientação, segurança e apoio aos técnicos para a concretização
do trabalho. Ana Lúcia Gondim afirmou que existia uma disposição e dedicação dos
profissionais para a realização das atividades, inclusive no período da noite, o que indica um
envolvimento e crença na proposta da instituição, bem como motivação para o trabalho:
Era uma época, [...] de trabalho toda hora, de noite. Sabe, a gente
trabalhava final de semana. [...] Então era assim uma coisa que o trabalho
era muito importante. Hoje a gente vê que... as pessoas trabalham, mais
sempre naquela perspectiva: eu sou dou até aquela hora, eu quero meus
direitos. A gente tinha muita era assim, hora para compensar, num ganhava
nada extra [...].
Os princípios cristãos fizeram parte da formação de Aldaci Barbosa, conforme
apresentado no primeiro capítulo. Por isso não poderia finalizar esse capítulo sem destacar
a compaixão como a principal característica que movia as ações dessa mulher na
Fundação. Segundo Ana Lúcia Gondim, a tia não fazia diferenciação na forma de tratamento
de pessoas “superiores”, “iguais” ou “abaixo” de suas condição e posição sociais. Relatou
que um dia deixou uma comitiva do Conjunto Marechal Rondon esperando em pé na porta
da sala da Superintendente. Quando Aldaci Barbosa percebeu que as pessoas estavam em
pé, gritou com a sobrinha pedindo que providenciasse cadeira para todos. Essa cena mostra
o quanto ela se incomodava e se importava com a situação do outro, especialmente dos
pobres.
Outras situações como receber meninos de rua em casa, abrigar e cuidar de
prostitutas mostra a expressão desse sentimento. O primo, quando questionado sobre os
motivos que levavam Aldaci Barbosa a amar os pobres, assim respondeu:
Eu acho que é a humanidade dela mesmo. Isso aí você num tem, isso ai [...]
você não define, são qualidades do espírito. A compaixão é um dom. E ela
tinha isso, [...] ela morreu por isso. Ela deu a vida dela. É a coisa mais séria
que você pode dizer dela. Ela morreu porque deu a vida dela aos outros. Foi
isso (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA).
Na fala acima, nota-se que Aldaci Barbosa se dedicava bastante aos trabalhos
voltados aos pobres, demonstrando grande compromisso com a Fundação do Serviço
Social de Fortaleza, o que levou muitas vezes a deixar de lado a sua vida pessoal.
Raimunda Neodina Mendes Bessa ressaltou que a Superintendente não se preocupava
muito com aparência. Além disso, casou-se em uma idade mediana. Isso revela que Aldaci
Barbosa priorizou o trabalho profissional.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse é o momento de finalizar a pesquisa. Não de dizer adeus ao objeto, mas de
fechar essa etapa a fim de mergulhar em águas mais profundas. Mesmo sabendo que esse
estudo pode e deve ter continuidade no doutorado e no pós-doutorado, pois jamais me
atreveria a dizer que esgotei todas as possibilidades do trabalho, não posso deixar de
expressar minha tristeza em deixar de pensar cotidianamente na história dessa grande
mulher, Aldaci Barbosa.
Foi um ano e quatro meses para realizar a coleta dos dados, analisá-los e
escrever o relatório de pesquisa, fazendo “fuxico” e costurando as peças para obter um
objeto que nem mesmo eu sabia o formato. Hoje ele tem a forma de uma mulher forte,
rígida, idealista e paradoxal. Depois de construído o objeto não só de decoração, mas acima
de tudo de reflexão, cabe apenas os retoques finais, que apresento de forma breve nessas
considerações finais.
A inserção de Aldaci Barbosa na administração pública do município de
Fortaleza ocorreu por competência técnica. O trabalho desenvolvido no Pirambu
proporcionou a essa mulher um papel de destaque em relação à sistematização e execução
de ações de Organização de Comunidade. Posteriormente, o Padre Hélio Campos indica
Aldaci Barbosa para a superintendência da Fundação do Serviço Social de Fortaleza, sendo
a primeira mulher a assumir um cargo de gestão na administração pública indireta do
Município.
Percebe-se, portanto, a dificuldade que as mulheres tinham de ascender a
cargos de gestão na década de 1960 no município de Fortaleza. Enquanto os homens
assumiam facilmente esses espaços através de indicações políticas, as mulheres, no caso
de Aldaci Barbosa, tiveram que mostrar capacidade para se inserir em cargos
historicamente ocupados por homens. Além disso, foi convidada para gerência de uma
autarquia de trabalho social, onde as mulheres tiveram maior participação.
Os programas e projetos executados em sua gestão tinham como objetivo a
intervenção na área urbana, embasados no desenvolvimento da comunidade e na promoção
humana. Nesse sentido, as ações empreendidas buscavam não apenas dar respostas
imediatas à situação das famílias pobres, mas garantir que elas tivessem acesso à rede de
serviços sociais e trabalho remunerado que garantisse sua autonomia financeira.
Estimulavam também a formação de lideranças comunitárias e a participação dos indivíduos
97
nos problemas da comunidade, a fim de que eles mesmos trabalhassem de forma solidária
para solucionar suas dificuldades. Era, portanto, uma assistência social que concretizava
articulada com outras áreas (habitação, educação, cultura, saúde, lazer, esporte e
qualificação profissional), buscava a inserção das pessoas na sociedade através da
profissionalização e seguiu o direcionamento das políticas sociais dos governos militares.
O estilo gerencial de Aldaci Barbosa revelou uma atitude forte, exigente e não
emotiva ao tratar das relações de trabalho, aproximando-a da racionalidade. Mostrou,
também, um gerenciamento honesto, que aprecia o ser humano, investe no crescimento
profissional dos funcionários, democratiza a expressão das opiniões e comunicativo,
qualidades identificadas como femininas. Outras características que se destacaram foram a
compaixão, o tratamento justo e igualitário, o não favorecimento de pessoas conhecidas, a
confiança e a serenidade para dizer a verdade, bem como resolver conflitos. Isso revela
que, para além das características identificadas em pesquisas que estudam gênero, Aldaci
Barbosa tinha um estilo próprio de administrar.
Concluo, portanto, que Aldaci Barbosa contribuiu para a construção de uma
política social racional e sistemática, embasada em critérios técnicos, com intuito de
enfrentar práticas assistenciais patrimonialistas e clientelistas existentes na época no
município de Fortaleza. Sua ação foi direcionada pela perspectiva da promoção humana e,
algumas vezes, limitada pelos interesses das elites fortalezenses no que tange a expansão
da cidade.
98
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ANEXOS
106
ANEXO A
FONTE: Cardoso, 2006, p. 265.
107
ANEXO B
108
(Continuação)
FONTE: Cardoso, 2006, p. 266-267.
109
ANEXO C
FONTE: Cardoso, 2006, p. 281.
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PAULA RAQUEL DA SILVA JALES