UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE PAULA RAQUEL DA SILVA JALES UMA MULHER NA GESTÃO PÚBLICA: o caso de Aldaci Nogueira Barbosa FORTALEZA – CEARÁ 2012 2 PAULA RAQUEL DA SILVA JALES UMA MULHER NA GESTÃO PÚBLICA: o caso de Aldaci Nogueira Barbosa Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Humanidades e Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre Políticas Públicas e Sociedade. Área de concentração: Planejamento e Gestão de Políticas Públicas. Orientadora: Profª. Drª. Maria Helena de Paula Frota FORTALEZA – CEARÁ 2012 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho J26m Jales, Paula Raquel da Silva. Uma Mulher na gestão pública: o caso de Aldaci Nogueira / Paula Raquel da Silva Jales. – 2012. 107 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2012. Área de Concentração: Políticas Públicas. Orientação: Profª. Drª. Maria Helena de Paula Frota 1. Gênero. Título. 2. Gestão pública. 3. Assitência social. I. CDD: 320 4 5 6 Mulher Aldaci Que do outro lado Da vida oculta Contempla o que fez Para a imortal história do Dever cumprido. (MOTA, 1979, p. 03) 7 Dedico este trabalho a todas as mulheres nordestinas, com destaque para Francisca Marta da Silva Jales (minha mãe) e Maria Helena de Paula Frota (minha orientadora), que lutaram e ainda lutam diariamente em terra tão árida, enfrentando as imposições de uma sociedade patriarcal e burguesa. Algumas morreram, outras sobreviveram. Não obstante, esquecidas ou lembradas, são marcas vivas da história. 8 AGRADECIMENTOS A Deus, que me deu forças cotidianas para não desistir desse trabalho e inspiração para escrever as linhas que aqui apresento. Aos meus familiares, Paulo César Jales, Francisca Marta Jales, Paulo Estevão Jales, Paulo Estênio Jales e Paulo César Júnior. Às amigas Lúcia Helena Barbosa, Laila Noronha, Erica Real e Adriana Benevides, que a cada página escrita vibraram e estimularam-me a concluir esse processo. Ao meu namorado, Henrique Brito, pela compreensão dos finais de semana e feriados que ficamos em casa. À família Viana, que me acolheu como filha e possibilitou-me ambiente de estudo. Às minhas queridas amigas, Moíza Siberia, Kelly Menezes, Monique Tavares e Denise Furtado que foram ombros acolhedores em momentos de angústia. À Luiza Helena de Paula que fortaleceu a minha caminhada e colaborou na organização do texto. Aos amigos da Igreja Nossa Senhora de Salete, pelas orações em prol da concretização deste trabalho. A todos os Professores do Mestrado acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, por contribuírem na minha formação pessoal, docente e, em especial, na descoberta e aperfeiçoamento no ofício prazeroso em ser pesquisadora. À minha orientadora, Maria Helena de Paula Frota, que me presenteou com esse tema inédito, encorajou-me à carreira docente na Universidade Estadual do Ceará, sendo acolhedora em muitos momentos. Ao Professor Hermano Ferreira Lima pela correção ortográfica da dissertação e pelas discussões inspiradoras. Aos Professores André Haguette e Horácio Frota, pelas contribuições ao projeto de qualificação. À Professora Zelma Madeira, por ter aceitado participar da banca de defesa da dissertação. Aos informantes da pesquisa, por disponibilizarem seu tempo para relatar suas experiências com Aldaci Barbosa. À Aldaci Barbosa, por ter existido e por ter sido uma mulher que fez diferença nesse mundo. 9 RESUMO O objetivo geral deste trabalho dissertativo foi apreender a inserção e atuação da mulher na gestão pública através da superintendência de Aldaci Barbosa na Fundação do Serviço Social de Fortaleza no período de 1967 a 1976. Especificamente, procurou contextualizar a inclusão da mulher na gestão pública no município supramencionado; identificar os principais programas e projetos operacionalizados na instituição; e discutir o estilo gerencial de Aldaci Barbosa. O período delimitado refere-se ao ano de posse ao cargo de superintendente da Fundação e a data da exoneração do cargo por motivo de falecimento durante a realização de um exame diagnóstico de cateterismo. Os documentos foram a principal fonte de dados desta pesquisa, complementada pela realização de dez entrevistas. Nesse sentido, a entrevista foi utilizada como técnica de coleta de informações. Gravador digital de voz e o caderno de campo, os instrumentos. As entrevistas duraram de trinta a sessenta minutos, realizadas em locais escolhidos pelos informantes, no período de março de 2011 a janeiro de 2012. A pesquisa evidenciou que Aldaci Barbosa contribuiu para a construção de uma política social racional e sistemática, embasada em critérios técnicos, com o intuito de enfrentar práticas assistenciais patrimonialistas e clientelistas existentes na época no município de Fortaleza. Sua ação foi direcionada pela perspectiva da promoção humana e, algumas vezes, limitada pelos interesses das elites fortalezenses. Palavras chave: Gênero; Gestão Pública; Assistência Social. 10 ABSTRACT The aim of this Masters dissertation was to apprehend the insertion and performance of women in public management through the superintendence of Aldaci Barbosa in “Fundação do Serviço Social de Fortaleza” , from 1967 (when she took up the post) to 1976 (when Aldaci died , due to a catheterism diagnostic exam). Specifically, the research tried to correlate the insertion of women in Fortaleza´s public management, and identify the most important programs and projects operationalized by Aldaci Barbosa in the institution, as well as discuss her m anagement style. The data search was based on documents and supplemented by ten interviews, which were used as a technique for gathering information. The instruments used were: digital voice recorder and field notebook. Interviews were conducted in locations chosen by respondents, from March 2011 to January 2012, and took 30-60 minutes each. The research showed that Aldaci Barbosa contributed to the construction of a racional and systematic social policy, based in technical criteria, aiming to face the assistencialism, clientelism and patrimonialism existing in the city of Fortaleza at the time. The actions of Aldaci Barbosa were directed by the perspective of human promotion, and sometimes were limited by the interests of the elites from Fortaleza. Keywords: Gender; Public Management; Social Assistance. 11 SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS............................................................................................................. 12 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 14 2 O ENCONTRO DE UMA MULHER COM UMA INSTITUIÇÃO................................... 2.1 A família Barbosa......................................................................................................... 2.2 O trabalho no Pirambu................................................................................................. 2.3 Fortaleza: economia, administração política e sociedade........................................... 2.4 Primeiros anos da Fundação do Serviço Social de Fortaleza..................................... 26 26 36 39 43 3 A FUNDAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DE FORTALEZA: programas e projetos, 1967/1976.......................................................................................................................... 3.1 A constituição de uma elite tecnocrática no Brasil....................................................... 3.2 Planejamento público................................................................................................... 3.3 Regime autoritário, burocrático e empresarial: a prevalência da tecnocracia............. 3.4 Planos de governo nacional e intervenções da FSSF................................................. 48 48 52 56 58 4 O ESTILO GERENCIAL DE ALDACI BARBOSA.......................................................... 4.1 A mulher na administração pública brasileira: algumas estatísticas............................ 4.2 Obstáculos à ascensão das mulheres a cargos de gestão.......................................... 4.3 O social como espaço privilegiado de intervenção da mulher..................................... 4.4 A forma de administrar de uma mulher........................................................................ 76 76 79 81 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 98 ANEXOS............................................................................................................................ ANEXO A........................................................................................................................... ANEXO B........................................................................................................................... ANEXO C........................................................................................................................... 105 106 107 109 12 LISTA DE SIGLAS BNH – Banco Nacional de Habitação BPC – Benefício de Prestação Continuada CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico CDS – Conselho de Desenvolvimento Social CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano CNPU – Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana COHAB – Companhia de Habitação CONEFOR – Companhia de Eletricidade de Fortaleza COPURB – Conselho Nacional de Política Urbana CSU – Centro Social Urbano CTC – Companhia de Transporte Coletivo DAS – Diretoria e Assessoramento Superior DASP – Departamento Administrativo do Servidor Público DC – Desenvolvimento de Comunidade DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos EBTU – Empresa Brasileira de Transportes Urbanos EMURF – Empresa de Urbanização de Fortaleza FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FMI – Fundo Monetário Internacional FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FSSF – Fundação do Serviço Social de Fortaleza FUNEFOR – Fundação Educacional de Fortaleza FUNRURAL - Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural IAP – Institutos de Aposentadorias e Pensões IAPI – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INPEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógico INPS – Instituto Nacional de Previdência Social INSS – Instituto Nacional de Seguro Social 13 ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza LBA – Legião Brasileira de Assistência LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização NE – Natureza Especial PAC – Programa de Ação Concentrada PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo PAM – Plano de Ação Municipal PASEP – Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público PBF – Programa Bolsa Família PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento PIB – Produto Interno Bruto PIN – Política de Integração Nacional PIPMO – Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra PIS – Programa de Integração Nacional PLADIF – Plano de Desenvolvimento Integrado de Fortaleza PLANDIRF – Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Fortaleza PMF – Prefeitura Municipal de Fortaleza PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNCSU – Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PROTERRA – Programa de Distribuição de Terras RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima SAPS – Sistema de Alimentação da Previdência Social SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SERVLUZ – Serviço de Luz e Força de Fortaleza SESC – Serviço Social do Comércio SESI – Serviço Social da Indústria SEST – Secretaria Especial das Empresas Estatais SFH – Sistema Federal de Habitação SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUPURB – Superintendência da Política Urbana TCC – Trabalho de Conclusão de Curso UECE – Universidade Estadual do Ceará UFC – Universidade Federal do Ceará UNIFOR – Universidade de Fortaleza 14 1 INTRODUÇÃO A criatividade, o insight, devem ser cultivados a par com o respeito aos passos metodológicos ditados pelo método científico. Não há como apelar para o desprezo da razão! (HAGUETTE, 1994, p. 165) O objetivo desta seção é descrever meu processo de aproximação com o objeto de pesquisa e os procedimentos metodológicos utilizados para apreensão da realidade. Mais do que a simples obediência aos padrões pré-estabelecidos para um trabalho científico, que orientam a descrição do percurso metodológico no primeiro capítulo, essa opção visa demonstrar que as escolhas feitas foram condicionadas pelo “percurso trilhado pelo (a) investigador (a) na sua vivência e conhecimento acerca do objeto de estudo” (BEZERRA, 2002, p. 17). Em outras palavras: não foi um processo neutro, fato que não lhe tira a validade de ser científico como será evidenciado nas próximas linhas. A proposta inicial para o Mestrado era dar continuidade aos estudos sobre a gestão do Programa Bolsa Família (PBF) no município de Fortaleza – Ceará, tema já trabalhado na monografia. Com o aprimoramento do projeto, decidi analisar a gestão do Programa pela política municipal de assistência social, com o intuito de apreender a concepção e execução do PBF, sua articulação com a proteção social básica, o acompanhamento das condicionalidades e a inclusão das famílias em ações complementares. Tudo estava aparentemente pronto, arrumado e, por que não dizer, certo. A construção de certezas sobre a realidade a ser estudada é o “calcanhar de Aquiles” de todo pesquisador e a decadência de qualquer pesquisa. Tenho observado, em bancas de graduação e mestrado, o alerta feito aos alunos que costumam definir o objeto de pesquisa a instituição, o programa ou o projeto em que estagiam/trabalham. O problema que se coloca é a redução do estudo à reprodução do discurso institucional ou oficial, pois o pesquisador – imerso e envolvido afetivamente no cotidiano – não consegue perceber as contradições que o perpassam, situação que se apresenta também àqueles que realizaram alguma pesquisa e que se prendem ao já constatado sem vislumbrar e ampliar sua visão sobre novas situações. Acredito ser este último o meu caso. Inicialmente o foco seria estudar a operacionalização do Bolsa Família pela política municipal de assistência social. Minha orientadora propôs a apresentação das 15 práticas municipais de assistência social, especialmente aquelas realizadas pela Fundação do Serviço Social de Fortaleza (FSSF), órgão vinculado à Prefeitura, criado em 1963 com o objetivo de planejar e realizar os serviços sociais, a assistência aos desfavorecidos e combater os mocambos e habitações precárias (MOTA, 1982). Ou seja, apoiar o reordenamento da cidade, através da execução de políticas sociais, com destaque às habitacionais, urbanas e de assistência social. Nesse sentido, lancei-me a campo, certa de que nessa experiência encontraria discursos de uma prática assistencialista1, sem nenhum planejamento (assistemático), totalmente despreocupada com o ser humano e ligada a interesses governamentais e de grandes proprietários. Durante a primeira entrevista da pesquisa exploratória, realizada com o ex-diretor do Centro Social Urbano (CSU) Presidente Médici, muitas de minhas certezas foram desconstruídas e o interesse em descortinar a ação desta Fundação aflorou. A pesquisa ganhava fôlego. Poderia até comparar com a fênix renascendo das cinzas, contudo isso também demandava pela mudança do objeto de pesquisa, o que gerou em mim uma grande dúvida: como abandonar o estudo do Programa Bolsa Família, uma vez que tinha bagagem teórica para analisá-lo? Esta dúvida me fez resistir à mudança do foco da análise, pois era preocupante o tempo para a realização e finalização do relatório de pesquisa, tendo em vista o período de dois anos para a conclusão do Mestrado. Ao avaliar o tempo necessário para concluir a dissertação e a relevância do estudo sobre a FSSF – identifiquei que não havia estudo atual sobre esta instituição, com exceção do livro “Fundação do Serviço Social de Fortaleza: 18 anos de Política Social”, escrito em 1982, por João Nogueira Mota –, optei por mudar o foco da pesquisa. O projeto de qualificação foi bastante ambicioso, nas palavras do Professor Doutor André Haguette, membro da banca de qualificação, pois se propunha a contextualizar o momento histórico, político e social de surgimento da Fundação; analisar a gestão pública da assistência social no período de 1967 a 1976, bem como perceber a inserção técnica e acadêmica da mulher na gestão do social, a partir da superintendência de Aldaci Barbosa. Nesse momento, percebeu-se a existência de dois objetos de pesquisa, a saber: o primeiro tinha foco nas ações de assistência social e o segundo, na inserção da mulher na gestão pública. Uma das principais contribuições da banca foi sugerir a opção por um dos objetos. 1 Para Alayón (1992), o assistencialismo é uma atividade social historicamente utilizada pelas classes dominantes para reduzir minimamente a miséria e perpetuar o sistema de exploração. Suas principais características são: leitura superficial da realidade, culpabilização dos indivíduos pelas mazelas sociais geradas e ações de cunho moralistas, o que demandava pouca formação profissional dos técnicos. 16 O percurso trilhado até a qualificação me fez compreender e concordar com Bourdieu (2000) em relação ao processo de construção de um objeto de pesquisa. Processo este que não se efetiva em uma única sentada, mas é algo a ser modelado paulatinamente através de retoques sucessivos, correções e emendas que se dão durante toda a pesquisa, com possibilidade de se realizar também após a elaboração do relatório de pesquisa. Quando, enfim, pode-se retomar o que foi escrito e verificar os vazios que ficaram. Além disso, percebi que apesar dos passos metodológicos a seguir, esse processo não é algo linear. A decisão pelo estudo da mulher na gestão pública veio posteriormente e, claro, foi bastante influenciada pela minha orientadora que pesquisa gênero. As leituras de estudos de gênero, especificamente, os referentes à mulher nordestina, confrontados com os discursos sobre a atuação de Aldaci Barbosa na FSSF, possibilitaram a emersão de uma serie de questionamentos dos quais destaco: Quem foi Aldaci Barbosa? Que aspectos de sua história de vida a levaram à superintendência da Fundação do Serviço Social de Fortaleza? Como atuou na FSSF? Que programas e projetos foram desenvolvidos em sua gestão? Quais deles tiveram maior visibilidade pública? Qual a perspectiva teóricometodológica das ações? Quais as principais características de sua gestão? As perguntas estavam lançadas e com elas os objetivos da pesquisa, quais sejam: apreender a inserção e atuação2 da mulher na gestão pública, através da superintendência de Aldaci Barbosa na Fundação do Serviço Social de Fortaleza no período de 1967 a 1976, definido como objetivo geral da pesquisa; por conseguinte, foram prédelimitados os objetivos específicos: contextualizar a inserção da mulher na gestão pública no município de Fortaleza; identificar os principais programas e projetos operacionalizados; discutir o estilo gerencial de Aldaci Barbosa. O período recortado refere-se ao ano de posse ao cargo de superintendente da FSSF e a data da exoneração do cargo, por motivo de falecimento durante a realização de um exame diagnóstico vascular denominado cateterismo. As opções me fizeram perceber a relevância do trabalho em desenvolvimento. Dar visibilidade à atuação de uma mulher na gestão pública da área social era não apenas contar uma história individual e particular, mas tratava-se de visualizar, apresentar, discutir e refletir sobre outros papéis sociais assumidos pela mulher no percurso da história, para além de donas dos lares e educadoras dos filhos, que provavelmente ficariam invisíveis ou ocultos na história tradicional de homens. Mesmo que essa inserção e atuação tenham se 2 Por atuação compreendo a forma de agir dessa mulher na instituição supramencionada e por inserção o momento em que ela é chamada para assumir o cargo superintendente. 17 dado na área social, campo que historicamente trouxe a imbricação entre o público e o privado como será visto adiante. A importância deste trabalho assenta-se também na possibilidade de reviver, descrever, registrar e repensar o passado. Por quê? Embora não seja objetivo desta pesquisa fazer análises contemporâneas, sabe-se da necessidade de conhecer o ontem para se compreender e explicar o hoje, uma vez que o ser humano é capaz de construir e reconstruir sua própria história, num processo não-linear, conflituoso, contraditório onde ao mesmo tempo em que se reforma também se transforma, ou seja, onde é possível conviver com antigas e novas teorias, perspectivas, leituras de mundo e práticas. O reconhecimento do passado aguça o olhar crítico sobre o presente e estimula a criatividade para a construção do novo. Além de despertar muitos pesquisadores para grandes e pequenas revoluções que se deram nessas épocas e que foram divisoras de águas, fundadoras de outro pensamento. Nas palavras de Le Goff (1990, p. 477) a “memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para servidão do homem”. Por se tratar do passado3, faz-se necessário esclarecer os procedimentos metodológicos utilizados na coleta, organização, classificação e análise dos dados. O registro do passado é o métier dos historiadores. Portanto, busquei aporte metodológico nessa área por dois principais motivos: primeiro, por acreditar que o objeto é quem define a metodologia e não o contrário. Apreender a inserção e atuação de Aldaci Barbosa na gestão pública no município de Fortaleza requeria pesquisa documental e obtenção de fonte oral4, procedimentos executados e teorizados referencialmente pelos historiadores. Segundo, por ter percebido que os estudos produzidos nessa área são bastante criativos e inéditos. Isso se deve tanto à singularidade dos documentos existentes e/ou produzidos (fonte oral) durante o trabalho de campo, quanto o posicionamento do pesquisador no que tange às suas escolhas e análises. Os documentos foram a principal fonte de dados desta pesquisa. Dentre eles, destacam-se alguns arquivos pessoais de Aldaci Barbosa guardados pelo seu ex-marido 3 Embora o passado refira-se a tudo o que não é o agora, quando se utiliza a palavra passado quer designar um tempo bastante remoto que só pode ser lembrado através dos documentos arquivados e da memória das pessoas que viveram nesse período determinado. 4 Meihy e Holanda (2007, p. 13) definem fonte oral como o “registro de qualquer recurso que guarda vestígios de manifestações da oralidade humana. Entrevistas esporádicas feitas sem propósito explícito, gravações de músicas, absolutamente tudo gravado e preservado se constitui em documento oral”. 18 João Nogueira Mota5, fotografias guardadas por sua sobrinha Ana Lúcia Gondim, a monografia de Aldaci Barbosa disponível nos arquivos da Biblioteca Central da Universidade Estadual do Ceará (UECE), bem como leis municipais digitalizadas e disponibilizadas para consulta no site da Câmara Municipal de Fortaleza – Ceará, que tratam sobre a Superintendente e da FSSF. Como é possível perceber, trata-se tanto de documentos públicos como privados. Em suas reflexões sobre arquivos pessoais, Ribeiro (1998) apresenta duas formas de coleções, a saber: a “coleção de si”, que tem como objetivo registrar a melhor recordação de si mesmo e a coleção que se parece menos egoísta, por estar mais preocupada com o entesouramento de uma situação ou de objetos do que com a perpetuação da glória. A “coleção de si” traz à tona tanto a situação de pessoas famosas que fazem questão de deixar registrado cada momento de suas vidas, com o intuito de perpetuar o presente e ser alvo de pesquisas futuras, gerando um deslocamento na ideia de glória à medida que deseja fazer de uma somatória de gestos insípidos um evento de prestígio; como o das pessoas não famosas, que deixam seus registros com outros sentidos e alcance. Tendo ambos grande valor enquanto testemunho histórico para a sociedade: E por isso mesmo cabe, aqui, anotar que às memórias e à documentação guardadas já com o fito histórico, aos atos promovidos já num registro histórico de um primeiro sentido – o da solenidade, o da tomada de poder –, pode-se opor e destacar uma historicidade não desejada enquanto tal, que, como dizia Picasso da beleza (‘não se procura, encontra-se’), ocorre a posteiori, mas não se assegura previamente, e que por isso mesmo cobre outros planos além da histórica política, em especial o das relações entre os seres humanos, sejam estas de afeto ou, mesmo, de poder, mas um poder que não se resume nas formas de Estado. Daí que estejamos ainda no campo das memórias, só que chamei coleção de si, mas tratando agora daquelas que somente adquirem seu relevo ex post facto, porque pertencem a homens pequenos (RIBEIRO, 1998, p. 39). Os arquivos de Aldaci Barbosa representam uma “coleção de si”, a partir do momento em que ela deixa registrado os momentos que vivenciou na FSSF. A melhor recordação dela parece estar vinculada ao seu trabalho, fato confirmado nas entrevistas. E embora ela fosse uma mulher conhecida, por estar na superintendência de uma autarquia, não parecia haver intenção de registrar cada suspiro para obter glória, mas sim documentar as principais atividades para dar visibilidade às ações que estavam sendo realizadas naquele momento e, quem sabe, contribuir com o planejamento de políticas sociais no município de Fortaleza. Isso não quer dizer que em seus grandes feitos e ações ela não tenha desejado ou intencionado, consciente ou inconscientemente, reconhecimento. 5 Uma pasta com cursos que ela participou sobre Desenvolvimento de Comunidade, dois livros institucionais sobre o processo de desfavelamento na cidade Fortaleza, fotografias das atividades realizadas na FSSF e os livros produzidos por João Nogueira Mota (Fundação do Serviço Social de Fortaleza: 18 anos de Política Social; Jocy & Aldamor; Últimas palavras: homenagem póstuma a Aldaci Barbosa Mota; e Encontros). 19 Além de ser uma coleção de si, os arquivos também se configuram como uma “coleção do outro”, pois João Nogueira Mota fez questão de guardar todos os documentos da ex-mulher e colecionar fotografias tiradas por ele na época em que foi diretor do CSU Presidente Médici. Sua intenção em manter tais registros, identificada através de entrevista, foram a admiração significativa que tem pela ex-mulher, bem como a recordação registrada dos momentos que viveu com Aldaci Barbosa, além das ações realizadas por ela, concretizados através dos livros que publicou por contra própria. A sobrinha, Ana Lúcia Gondim, também revelou ter adoração pela tia, considerada durante muito tempo como mãe. Isso fez com que mantivesse conservadas fotografias de Aldaci Barbosa em álbuns e porta-retratos que decoram seu apartamento. Faz-se mister destacar que não tive sucesso na busca de documentos públicos da FSSF, com exceção das legislações municipais da Câmara Municipal de Fortaleza – Ceará. A Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) do município, órgão responsável pela execução da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), informou-me que não detinha qualquer documento da Fundação. Alguns entrevistados afirmaram que o material produzido foi queimado ou perdido após a extinção da instituição. O que sugere uma negação do passado. Para complementar a pesquisa documental, realizei dez entrevistas abertas e assistemáticas que tiveram como tema os seguintes assuntos: 1) a história de Aldaci Barbosa em seu contexto familiar; 2) o trabalho realizado por ela no Pirambu antes de seu ingresso na Fundação; 3) os primeiros anos de existência da FSSF; 4) os motivos que fizeram essa mulher ser convidada para assumir a superintendência da instituição supramencionada; 5) os programas desenvolvidos durante os dez anos em que esteve no cargo de superintendente; 6) a sua forma de gerenciar. Na análise de Queiroz (1988), a entrevista é a técnica de coleta de dados orais mais antiga e mais difundida no âmbito das ciências sociais. Caracteriza-se pela conversação continuada entre informante e pesquisador, onde o tema do colóquio é determinado por este último. Nesse sentido, elas produzem tanto dados originais, como complementam dados de outras fontes. Os informantes foram: o ex-prefeito de Fortaleza, José Walter Barbosa Cavalcante; a ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luzia Fontenele; o ex-diretor do CSU Presidente Médici e marido de Aldaci Barbosa, João Nogueira Mota; a sobrinha e secretária dessa mulher na instituição, Ana Lúcia Gondim; sua irmã e primo, Albanisa Barbosa Gondim e José Evanilson Nogueira; três assistentes sociais que trabalharam na Fundação, 20 Raimunda Pinheiro Coe, Núbia Lima Soares e Maria da Conceição Pio, ressaltando que as duas últimas estagiaram no Pirambu; e uma estagiária em Serviço Social no Pirambu, Raimunda Neodina Mendes Bessa. Para abordar os temas citados com os entrevistados, levei em consideração o grau de parentesco e/ou de trabalho com Aldaci Barbosa. Dessa forma, seus parentes deram-me mais informações sobre sua trajetória familiar e personalidade. Sua sobrinha e seu ex-marido, por fazerem parte do quadro de funcionários da Fundação, acrescentaram muitos dados sobre a atuação profissional “aldaciana”. Aqueles que trabalharam direta ou indiretamente com essa mulher deram ênfase à sua inserção e às ações realizadas na instituição, bem como a sua forma de gerenciar. A opção por pessoas próximas a Aldaci Barbosa se deu através da formação das redes, descrita por Meihy e Holanda (2007, p. 54): A origem da rede é sempre o ponto zero, e essa entrevista deve orientar a formação das demais redes. A indicação de continuidade das redes preferencialmente deve ser derivada da entrevista anterior. Assim em cada entrevista o colaborador deve indicar alguém que comporá a rede. A vantagem dessa estratégia é que por ela montar-se a rede de acordo com o argumento dos entrevistados e não dos diretores do projeto. Com isso, se fortalece a razão do grupo. A indicação era sempre de pessoas conhecidas dos entrevistados , próximas a Aldaci Barbosa. Em algumas entrevistas, cheguei a questionar sobre possíveis inimigos ou pessoas com quem ela não se relacionava bem. No geral, os informantes responderam que vereadores e deputados colocaram em dúvida a idoneidade da Superintendente devido à distribuição das Bolsas de Estudos 6. Não obstante, nas vistorias feitas, nenhuma irregularidade foi encontrada. Dessa forma, a desconfiança se transmutava em respeito ao trabalho realizado por essa mulher. As entrevistas duraram de trinta a sessenta minutos, realizadas em locais escolhidos pelos informantes, no período de março de 2011 a janeiro de 2012. Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram o gravador digital de voz e o caderno de campo, onde anotei informações referentes ao acompanhamento das entrevistas, ao andamento do projeto e às minhas impressões. É imprescindível destacar que todos os entrevistados foram esclarecidos sobre o projeto de pesquisa e, posteriormente, autorizaram verbalmente a gravação e utilização das entrevistas no relatório final. A pesquisa bibliográfica também fez parte das atividades realizadas neste trabalho. Ela auxiliou tanto na reconstrução do cenário político, econômico e social da época como nas discussões teóricas e análise dos dados. Além disso, possibilitou à pesquisadora 6 As Bolsas de Estudos eram um projeto da FSSF a ser descrito no terceiro capítulo. 21 fazer escolhas entre os diferentes referenciais teóricos que iluminam as categorias centrais deste estudo, a saber: gênero, gestão pública e assistência social. Para a categoria gênero, apoiei-me nas discussões e formulações de Joan Scott (1995), que compreende a categoria como a organização social da diferença sexual. Dito em outras palavras, o gênero refere-se às relações sociais de poder entre homens e mulheres, que provocam diferenças sociais. Por isso não se pode entender ação das mulheres em determinado período sem relacioná-la a dos homens e assim vice-versa conforme a citação a seguir: Gênero na formulação de Scott define espaços, “lugares sociais”, confere valores, constrói diferenças, constitui e justifica hierarquias. Nesse contexto, o conteúdo da referida formulação compõe-se de quatro elementos: primeiro, um campo simbólico; segundo, um conjunto de normas; terceiro, a noção de fixidez e permanência binária reproduzida nas instituições e organizações sociais e o quarto, plano da subjetividade. Portanto, gênero é ação, poder, relação e representação, sendo impossível compreender o feminino sem se relacionar com o masculino (FROTA, 2011, p. 12). A gestão pública é entendida como a administração racional e legal, o que não significa dizer legítima, de ações de interesse público, coletivo ou comum , pelo Estado. Nesse sentido, aproxima-se da concepção de burocracia, que na análise de Weber (1974), organiza e sistematiza ações capazes de abranger a sociedade. A burocracia tem caráter “racional”, ou seja, possui regras, meios, fins, objetivos e seus resultados são revolucionários pelo que ela permite realizar concretamente. Não obstante, por ter como base o conhecimento especializado, ela concentra o poder em núcleos de gerência científica que visam manter a disciplina e o controle. A gerência, portanto, é responsável pelo planejamento, concepção e direção, bem como pelas decisões tomadas dentro das instituições 7. A assistência social é apreendida como uma configuração específica de práticas, mediadas por instituições sociais e profissionais, com objetivo de garantir, através de métodos e técnicas próprias, o atendimento das necessidades básicas de famílias, grupos e/ou indivíduos que não tem como manter sua subsistência. Essa concepção, que faz um diálogo fecundo entre as compreensões de Castel (2001) do socioassistencial e de Mestrine (2008) da assistência social, foi discutida em Jales (2009). Após a pesquisa documental, bibliográfica e de campo (através da realização das entrevistas), dei inicio ao tratamento dos dados. Primeiramente, organizei os 7 A compreensão de gestão pública como ações administrativas centralizadas em núcleos de gerência é justificada pela concepção predominante no período estudado, onde prevalecia o conhecimento técnico, sem participação direta da sociedade civil nas decisões. 22 documentos e transcrevi as entrevistas, classificando-os, para posteriormente analisar todos os dados encontrados. Os documentos compreendidos como documentos/monumentos foram analisados nas condições de sua produção, levando em consideração as relações de poder que os permeiam, na busca de desmitificar o seu significado aparente. Nas palavras de Le Goff (1990, p. 549): [...] O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas de impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documentoverdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel ingênuo. Os medievalistas, que tanto trabalham para construir uma crítica – sempre útil, decerto – do falso, devem superar esta problemática porque qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro – incluindo, e talvez sobretudo, os falsos – e falsos, porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos monumentos. Já as entrevistas foram analisadas em seu conjunto e não isoladamente, procurando equiparar os argumentos das mesmas com os outros documentos. Foi dada ênfase tanto aos pontos comuns como aos divergentes, por isso as entrevistas foram classificadas e recortadas de acordo com os fatos e ações descritos, levando em consideração também o significado atribuído pelos narradores. Por articular as memórias individuais com a memória coletiva, este trabalho também se configura como um estudo de memória. Para Pollak (1989, p. 09), [...] A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações etc. A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as oposições irredutíveis. Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território (no caso o Estado), eis as duas funções essenciais da memória comum. [...] A repetição de determinadas vivências, experiências e fatos pelos informantes são características da memória coletiva, capaz de gerar identidades de grupos, comunidades e sociedades. Contudo, a memória é falha, imprecisa, mitológica. Ela é um processo contínuo de construção, reconstrução, significação e ressignificação das lembranças passadas no presente, tendo aí a sua maior riqueza, o que requer da pesquisadora maior atenção para compreender por que determinados fatos foram lembrados, outros esquecidos, alguns silenciados e os demais imaginados. 23 Nesse sentido, os estudos de memória podem ser comparados com a arte de fazer “fuxico”. Um “fuxico” é feito com um pedaço de pano redondo, onde o artesão costura a borda, em seguida puxa a linha formando uma florzinha de base redonda, como mostra a imagem abaixo: Fonte: BLOG, 2011. Cada “fuxico” é como se fosse uma memória individual. Sozinha ela não tem sentido de ser, nem utilidade. Porém, quando costurada a outros “fuxicos”, a peça de retalho toma formas variadas, dentre bolsas, colchas de cama, toalhas de mesa, blusas, saias e quadros para decoração. Deixa de ser uma florzinha para se tornar um objeto com função específica. Dessa forma, as memórias individuais vão sendo costuradas até se constituírem em memória coletiva. Entretanto, esta é muito mais do que a soma daquelas. Quando se olha para o produto da costura, não se visualizam mais “fuxicos” e sim um objeto (saia, blusa, enfeites). Quando se olha para a memória coletiva, visualizam-se experiências comuns com significados semelhantes e/ou divergentes para cada pessoa. Além do objeto criado, a peça revela as falhas e as imprecisões da memória. Como o “fuxico” é redondo, a costura de vários “fuxicos” deixa espaços vazios na peça. Espaços de esquecimentos da memória representados na imagem a seguir: 24 Fonte: BLOG, 2009. Esta dissertação se coloca, portanto, como “desafio de encontrar novos modos de enfocar o passado para recuperar seus múltiplos significados e, assim, participar ativamente no processo social da construção da memória” (SCHWARZSTEIN, 2000, p.103). A discussão final foi impulsionada pelo diálogo entre material empírico (documentos e entrevistas) e teórico (teorias e categorias) com os objetivos geral e específicos do projeto a fim de não perder o foco/temática do trabalho. Ela será apresentada aos informantes, visando cumprir o papel de devolução social do estudo. Para melhor compreensão do leitor, organizei a síntese em três capítulos, são eles: No primeiro capítulo, apresento a história de Aldaci Barbosa: onde nasceu, características de sua família, trajeto de estudos, formação profissional e experiência de trabalho no Pirambu; o contexto histórico de Fortaleza (1930 a 1970); o momento de criação da Fundação do Serviço Social de Fortaleza; e a inserção de Aldaci Barbosa nessa instituição como superintendente. O objetivo deste capítulo é contextualizar a inserção de Aldaci Barbosa na gestão pública do município de Fortaleza a partir do conhecimento de sua história de vida e experiência profissional no Pirambu. No segundo, inicio com a descrição da constituição de uma elite tecnocrática no Brasil e do planejamento público. Posteriormente, exponho os principais programas e projetos executados na gestão de Aldaci Barbosa dentro do contexto nacional dos planos de governo. O intuito dessa discussão é mostrar a relação existente entre a orientação nacional 25 para as políticas sociais e as ações municipais realizadas, bem como a perspectiva políticoideológica que permeava ações sociais. No terceiro, discuto o estilo gerencial de Aldaci Barbosa, dando ênfase às características “aldacianas” na forma de administrar a instituição, pessoas e conflitos. Além disso, mostro quais qualidades se aproximam de características consideradas masculinas ou femininas e quais lhes são próprias. Nesse tópico, temos o ápice da pesquisa, onde discuto o modo de ser dessa mulher sem aprisioná-la a um modelo gerencial. A busca é por destacar suas características e paradoxos na administração de uma instituição pública. As considerações finais são o momento em que apresento as sínteses do estudo realizado. Espero que a leitura do texto seja agradável e possibilite outro olhar sobre o passado! 26 2 O ENCONTRO DE UMA MULHER COM UMA INSTITUIÇÃO [...] ela era uma pessoa rara, não é porque foi importante na minha vida. Ela era uma pessoa rara. Mas essa terra num tem memória [...] essa terra num guarda nada [...] aqui tiveram grandes criaturas, por exemplo, dona Ester Salgado, que foi a fundadora do conservatório de música, [...] Ana Bilhar [...] que ninguém fala [...] que só quem sabe quem é, é quem estuda [...]. Mais pessoas fantásticas que [...] estão no esquecimento. (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA) A compreensão da inserção e atuação de Aldaci Barbosa na FSSF requer conhecimento do contexto familiar e cultural em que esta mulher nasce e se constrói como sujeito, bem como da conjuntura de Fortaleza na década de 1960, período de criação da Fundação. Evidencio, também, os principais motivos que levaram Aldaci Barbosa ao cargo de superintendente. 2.1 A família Barbosa Filha de João Gurgel Barbosa e Maria Nogueira Barbosa, Aldaci Nogueira Barbosa nasceu no dia sete de junho de 1922, no município de Aracati8. Além da futura gestora, o casal teve oito filhos: Albanisa (mais velha), Aldenise (segunda filha, que morreu aos 11 meses de idade), Albanês (quarto, já falecido), Aldírio (quinto, já falecido), Albanor (sexto), Aldeir (sétimo), Alderley (oitavo, já falecido) e Aldenise (mais nova, que recebeu o nome da irmã que havia falecido), todos com o sobrenome Nogueira Barbosa, para mostrar a sua filiação. Aldaci Barbosa foi a terceira filha de uma família com características patriarcais. Para Albuquerque Júnior (2003), o inventor do conceito de família patriarcal foi Gilberto Freyre, entendida como “família numerosa, composta não só do núcleo conjugal e 8 A cidade de Aracati está localizada a 153 quilômetros de Fortaleza, próximo à foz do rio Jaguaribe. Oriá e Jucá (1994) afirmam que a localização privilegiada fizeram do município um grande centro comercial durante o período colonial por desenvolver o preparo do charque, a carn e de sol e abastecer o mercado interno. Além disso, era parada obrigatória para as transações com Pernambuco devido à existência do porto de escoamento da produção. 27 de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes [...], submetidos todos ao poder absoluto do chefe do clã, que era ao mesmo tempo, marido, pai, patriarca” 9. A família Barbosa acolhia em sua residência o casal, os oito filhos, a avó materna, alguns parentes e aderentes que a procuravam. João Gurgel Barbosa era um pequeno industrial de massa de milho e café torrado. Apesar de ter falecido aos 47 anos, o pai se mostrava o centro da família, exigindo dos filhos e das filhas um bom comportamento: [A educação] Era muito boa, mais também muito rígida. Eu fui sempre uma menina [...] muito conversadeira. Ai chegava na minha escola, as cadeiras não tinha aquela banquinha não, da frente. Escrevia com a lousa aqui no colo. Então era tudo aqui encostado na parede, as cadeiras. E a professora ali no centro com a mesa. Ai eu conversava com essa amiga aqui, depois conversava com essa outra. O meu pai não se incomodava com estudo, não. Ele só queria saber do comportamento da pessoa. Ai a gente tinha uma cadernetinha. Só a gente. Só eu tinha essa cadernetinha. Para botar o comportamento. Ai ele assinava. O comportamento, a maior nota era nove. Ai quando eu conversava demais, [...] levava oito. Eu dizia: Dona Antonieta, que era professora, não ponha essa nota, porque o meu pai me bate se eu chegar lá com essa nota. Não, mais você conversou muito hoje. Todo tempo conversando. Você não pode ter um nove. Quando eu chegava em casa papai dizia: Albanisa, minha filha, porque esse oito? Não me lembro papai. Num sei por que esse oito. Pois você vai se lembrar agora. Ai me dava seis bolo de escova (ALBANISA BARBOSA). À rigidez e à autoridade aliavam-se a dedicação ao trabalho, ressaltada na fala da irmã mais velha como uma característica positiva, pois era através dele que o pai supria as necessidades básicas dos membros familiares; o estímulo à leitura, por meio dos livros que comprava e colocava numa estante no sótão da casa. Outra marca do pai nos princípios do família vem a ser o amor aos pobres 10, cultivado pela religião católica e vivenciado através de promessas e ações de caridade: Ele era uma pessoa que se dedicava unicamente aos filhos. Trabalhava. Era industrial. Atendia esse negócio de massa de milho, café, [...] para educar a gente. Falava. Comprava livros incríveis de educação [...] levava para dentro de casa [...] para a gente ler (ALBANISA BARBOSA). Era uma pessoa que, por exemplo, eu não me lembro, num sei que fim levou, mais tinha uma edição muito antiga da enciclopédia britânica. Isso era muita coisa. O tesouro da Juventude. Eu lembro que eu li tudo isso, que era lá no sótão um estante que tinha, mais que eu num sei que fim levou, mais que a gente via que tinha sido ele que tinha comprado. Então era uma pessoa que para época ele tinha uma qualidade mais evoluída (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA). Eu [...] gostava de pobre. Meu pai gostava muito de pobre. [...] Aos doze anos eu tive um paratifi, [...] era uma espécie de tife. E então meu pai ficou 9 Albuquerque Júnior (2003) entende o patriarcalismo como uma metáfora utilizada por Gilber to Freire para apresentar uma realidade em declínio, totalmente relacionada ao momento histórico vivido pelo autor. 10 A pobreza é compreendida na perspectiva da insuficiência ou ausência de renda. Nesse sentido, pobre é aquele que não consegue alcançar um nível mínimo de renda suficiente para satisfazer suas necessidades de sobrevivência, sejam elas mínimas ou não (CARNEIRO, 2005). 28 enlouquecido, porque eu tava doente desse jeito. Fazia promessa de todo jeito se eu ficasse boa, ele dava um almoço grande a doze apóstolos. Aí pegou-se, [...] doze velhos, e ia almoçar lá em casa [...] em comemoração a minha saúde. Ai eu fiquei com aquela coisa de sempre, atender o pobre. [...] (ALBANISA BARBOSA). Maria Nogueira Barbosa é descrita como uma mulher guerreira, forte, autoritária e inflexível. Dona do lar, tinha a mesma rigidez do patriarca na educação dos filhos. Foi, também, uma grande companheira, pois acompanhou o marido no tratamento realizado no Sanatório de Messejana devido a um problema pulmonar ocasionado pela malária. Ao receber alta, o casal alugou uma casa no bairro das Cajazeiras onde o Doutor Lobo verificava diariamente a saúde de seu paciente11. Durante um ano a mulher cuidou do marido que faleceu e deixou oito filhos: [...] da mãe dela que ficou viúva cedo, e arcou com a carga de todos os filhos. Era muito inflexível. Tia Maria era muito dura, era muito autoritária, muito forte (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA). Segundo Falci (2010), o destino das mulheres de elite do sertão nordestino do século XIX era o espaço privado12 da casa e dos assuntos domésticos. Mesmo as que tinham alguma instrução, devido às aulas particulares que recebiam de professores contratados pelos pais, não tiveram muito acesso ao espaço público dos assuntos econômico, políticos, sociais e culturais. Na análise da autora, a mulher não era considerada uma cidadã política. Nesse sentido, As mulheres de classes mais abastada não tinham muitas atividades fora do lar. Eram treinadas para desempenhar o papel de mãe e as chamadas “prendas domésticas” – orientar os filhos, mandar fazer a cozinha, costurar e bordar. Outras menos afortunadas, viúvas ou de uma elite empobrecida, faziam doces por encomenda, arranjos de flores, bordados a crivo, davam aulas de piano e solfejo, e assim puderam ajudar no sustento e na educação da numerosa prole. Entretanto, essas atividades, além de não serem muito valorizadas, não eram muito bem-vistas socialmente. Tornavam-se facilmente alvo de maledicência por parte dos homens e mulheres que acusavem a incapacidade do homem da casa, ou observavam sua decadência econômica. Por isso, muitas vendiam o produto de suas atividades através de outras pessoas por não querer aparecer. Na época, era voz comum que a mulher não precisava, e não deveria, ganhar dinheiro. As mulheres pobres não tinham outra escolha a não ser procurar garantir seu sustento. Eram, pois costureiras e rendeiras, lavadeiras, fiadeiras ou roceiras – estas últimas, na enxada, ao lado de irmãos, pais ou companheiros, faziam todo o trabalho considerado masculino: torar paus, carregar feixes de lenha, cavoucar, semear, limpar a roça do mato e colher (FALCI, 2010, p. 249-250). 11 Segundo Albanisa Barbosa, durante o tratamento do pai, os filhos ficaram em Aracati, provavelmente sobre os cuidados da avó m aterna que fazia parte da família. 12 Compreendo espaço privado como lugar da casa e dos afazeres domésticos, onde eram tratados os assuntos pessoais e íntimos da família. E o espaço público como lugar de visibilidade na sociedade, não restrito a Estado. 29 Viúva aos 38 anos, Maria Nogueira Barbosa enfrentou muitos desafios para manter a família e educar os filhos. Após a morte do marido ela retornou à Aracati, onde permaneceu por mais de um ano. Com a impossibilidade dos filhos do sexo masculino dar continuidade aos estudos, uma vez que o Ginásio São José só aceitava homens até oito anos de idade, bem como dar prosseguimento aos estudos das mulheres, pois o mesmo Colégio só ofertava o ensino primário, Maria Barbosa muda definitivamente para Fortaleza com toda a família. A casa própria de sua mãe na Avenida Dom Manuel, número 429, bairro Centro, passa a ser o novo lar da família ampliada13. Para pagar os estudos dos filhos e manter o domicílio, Maria Nogueira Barbosa cozinhava em casa e vendia as comidas como uma forma de gerar renda. Além disso, contava com a contribuição financeira de Albanisa Barbosa que conseguiu um emprego na Machine Cottons. A irmã mais velha relatou que ganhava em torno de 300 mil réis, sendo 200 para pagar os estudos dos irmãos e 100 para seus gastos pessoais. Na fotografia abaixo é possível visualizar o núcleo familiar Barbosa, com exceção do pai. Os cinco filhos do sexo masculino estão de pé, em posição ereta, atrás das mulheres e com uma expressão séria. No sofá estão as mulheres, sentadas na seguinte ordem da esquerda para direita: Aldaci Barbosa, que ensaia um sorriso que fica só na vontade, a matriarca, a filha mais velha e, por último, a mais nova. Assim, como os homens, as mulheres apresentam uma expressão séria e isso é mais visível em Maria Nogueira Barbosa que apresenta no rosto as marcas da rigidez, seriedade e autoridade. 13 Albanisa Barbosa relatou que a avó materna tinha uma casa alugada em Fortaleza na Avenida Dom Manuel. Quando a família resolveu morar na capital, a avó pediu que a residência fosse desocupada. 30 Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim. Albuquerque Junior (2000, p.08-09), ao descrever as características do nordestino, afirma que “até a mulher sertaneja seria masculinizada, pelo contato embrutecedor com o mundo hostil, que exigia valentia, destemor e resistência. Só os fortes venciam em terra assim”. Nesse sentido, as mulheres aqui apresentadas são produtos de um espaço árido e de difícil convivência física, social e cultural, principalmente com a morte prematura do provedor da família. São capazes de dar a vida pelos filhos, mas não expressam afetividade: [...] porque a maternidade nessa família também era um pouco diferente. Elas são capazes de fazer qualquer coisa pelos filhos. Mais elas num são de tá agarrada, beijando, abraçando, cheirando... a minha mãe, não, tia Maria também não. Se um da gente tivesse doente, ela passava a noite aqui [José Evanilson aponta para o seu lado direito, a fim de mostrar que mãe passa a noite ao lado do filho]. [...] as minhas irmãs também não. Eu num vejo minhas irmãs beijando os filhos, agarrando os filhos, alisando, não (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA). O mito do amor materno começa a ser difundido pelo saber médico no Brasil, em meados do século XIX. Na análise de Rago (1997, p.79), as investidas no sentido de construção de um modelo nuclear burguês de família procuravam “persuadir as mulheres de 31 que o amor materno é um sentimento inato, puro e sagrado e de que a maternidade e a educação da criança realizam a sua vocação natural”. A autora acrescenta que nessa concepção cria-se uma representação simbólica da mulher como esposa-mãe-dona-decasa, afetiva, assexuada, confinada ao espaço privado: No discurso médico, dois caminhos conduzirão a mulher ao território da vida doméstica: o instinto natural e o sentimento de sua responsabilidade na sociedade. Enquanto para o homem é designada a esfera pública do trabalho, para ela o espaço privilegiado para a realização dos seus talentos será a esfera privada do lar. Tudo que ela tem a fazer é compreender a importância de sua missão de mãe, aceitar seu campo profissional: as tarefas doméstica, encarnando a esposa-dona-de-casa-mãe-de-família (RAGO, 1997, p. 75). Esse não foi o destino “natural” de Aldaci Barbosa. Em 1936, aproximadamente aos 14 anos de idade, ela inicia seus estudos no Ginásio São José, atualmente denominado Instituto São José, da comunidade católica das filhas de caridade. Seu carisma encantou as irmãs que a convidaram para o internamento. Albanisa assistia à aula e retornava para casa, já Aldaci permanecia no colégio convivendo e aprendendo diariamente os princípios cristãos da religião católica. O internamento de Aldaci mostra o desapego dos pais em relação à educação da menina, que não estava confinada à mãe, e foi, durante cinco anos, realizada pelas irmãs do colégio interno; e o peso dos valores morais cristãos em sua vida profissional. O discurso proferido na festa de natal da FSSF no ano de 1975 é revelador desta influência: Este momento em que todos nós da Fundação nos reunimos em torno da idéia natalina nos faz relembrar que, aqui viemos para agradecer a Deus, para nos encontrarmos como melhores irmãos. Aqui estamos para, juntos, vivermos a experiência da unidade entre nós que fazemos a Fundação. Unidade que não é favor, mas obrigação de pessoas à imagem de Deus que, feito homem, elevou-nos aos lugares mais altos da grandeza do Divino. [...] Hoje, as ocorrências do mundo atual nos sugerem outro lema para vivermos no próximo ano: Necessitamos fornecer, pelo exemplo, a vivência do amor, carente no mundo neste 1975. As guerras, os sequestros, a fome... desafiam a paciência de Deus. E nós, sentindo esta realidade dura, não podemos ficar alheios aos anseios do mundo a paz. O próximo ano deverá ser de muitas realizações em favor dos mais necessitados. E, para isto, haveremos de fazer as coisas com mais amor. O funcionalismo deverá ser substit uído pelo devotamento de cada um de nós em prol dos ideais do homem (MOTA, 1979, p.36). José Evanilson destacou a compaixão característica motriz das ações e compromisso de sua prima, destacando a foto a seguir como ícone dessa qualidade. Cercada de pessoas, Aldaci Barbosa se mostra atenta ao que a mulher à sua esquerda, marcada com um círculo, lhe fala. A expressão de preocupação na face revela o seu envolvimento com a causa dos mais necessitados. 32 Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim. Na cidade de Fortaleza ela deu continuidade aos estudos no Colégio Estadual do Ceará, o Liceu, no período de 1942 a 1945. Fez a Escola Normal e, posteriormente, graduou-se em três cursos: Bacharelado em Ciências e Letras pela Faculdade Católica do Estado do Ceará; Licenciatura em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia do Ceará; e Curso de Serviço Social, pela Escola de Serviço Social14. Segundo Silva (2010, p.300), a Escola de Serviço Social começa a funcionar no dia 25 de março de 1950, num prédio pertencente à Arquidiocese de Fortaleza, “fortemente marcada pela presença da Igreja e do movimento laico”. A Associação de Educação Familiar e Social, presidida por Dom Antônio de Almeida Lustosa, mantinha o Instituto Social de Fortaleza composto pela Escola supramencionada e pela Escola de Educação Familiar. Com a criação e instalação da Universidade Federal do Ceará (UFC) em dezembro de 1954 e junho de 1955, a Escola de Serviço Social é incorporada a esta Universidade. A partir de 1975, o Curso passou a funcionar na Universidade Estadual do Ceará onde permanece até os dias atuais. 14 No curriculum vitae de Aldaci Barbosa anexado à Lei nº 5.370, aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza em 22 de dezembro de 1980, só constam as datas dos registros da profissional no Conselho Federal de Educação. O Curso de Ciências e Letras foi registrado no dia 14 de abril de 1951, o de Letras Neolatinas no dia 28 de fevereiro de 1970 e o de Serviço Social no dia 30 de junho de 1962. No relato de Albanisa Barbosa, a última graduação da irmã foi em Serviço Social. Diante da inconsistência dos dados, apresento apenas os cursos realizados por Aldaci Barbosa sem ater-me as datas ou ordem das graduações. 33 Durante o Curso de Serviço Social, Aldaci Brabosa realizou estágios na Fábrica de Tecidos São José, supervisionado pela técnica Lidalva Miranda; no Azilo Bom Pastor e no Centro Social Paroquial Lar de Todos no Pirambu, sob a supervisão da professora Maria Àurea Bessa. No mesmo bairro, concretizou um trabalho na área de organização de comunidade juntamente com o Padre Hélio Campos 15, que está registrado no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Uma experiência de organização social de comunidade da Paróquia de Nossa Senhora das Graças”. Na análise de Luiza Souza (2000, p. 36-37), A organização de comunidade se origina nos Estados Unidos e penetra na América Latina desde a década de 1940. As motivações dessa região, no entanto, elevam-se sobretudo em função do [Desenvolvimento de Comunidade] DC, cuja caraterística é ser um processo de trabalho assumido pela iniciativa pública, dirigido às áreas subdesenvolvidas e especialmente às áreas rurais. A organização de comunidade tem como característica ser um processo dirigido ao meio urbano, às regiões urbanas industrializadas e, em geral, assumido pela iniciativa privada. As imagens que seguem representam o TCC e a colação de grau em Serviço Social de Aldaci Barbosa, única foto encontrada de suas três formaturas, mostrando a relevância do curso em sua vida. Fonte: Registro fotográfico feito pela pesquisadora. 15 Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim. Segundo Morais (2008, p.21) “Francisco Hélio Campos nasceu em Quixeramobim (Ceará), no ano de 1912 e ordena-se padre em 1932. Em 1953 atuou na Paróquia de São Francisco de Assis, em Jacarecanga, e realizava missas no Pirambu no começo dos anos 50, porém sua mudança como pároco da comunidade ocorre somente em 1958.” 34 A experiência na comunidade a tornou referência na área de Desenvolvimento de Comunidade. Além disso, foi uma ação pioneira no município, que mobilizou a população do bairro para se preocupar e buscar soluções concretas diante de suas dificuldades. 2.2 O trabalho no Pirambu No relato de Barbosa (1959), a ideia de criar o Centro Social Paroquial Lar de Todos foi do Padre Hélio Campos, vigário da Paróquia de São Francisco de Assis, localizada no bairro Jacarecanga. Não obstante, o Padre realizava missas em um salão no Pirambu, posteriormente denominado bairro Nossa Senhora das Graças. Interpelado constantemente pelos moradores, o Padre se sensibilizou com a situação de miséria dos 30.000 (trinta mil) habitantes do espaço e procurou a Escola de Serviço Social do Município, que disponibilizou estagiárias, supervisionadas por assistentes sociais, para a orientação técnica do Padre e da comunidade. [...] O povo sempre pedia o Padre Hélio que o ajudasse em seus propósitos, na solução de seus problemas ainda insolúveis dado o descaso do poderes públicos e que em sintonía, trabalhasse para a realização de suas aspirações. Assim foi feito. O Reverendíssimo Padre tomou a sí o encargo de orientá-lo e batalhar por suas reivindicações. [...] A instalação de um Centro Social de bairro foi a idéia mais acertada que primeiro lhe veio ao pensamento. Única, a seu ver, capaz de realizar a obra que imaginava. Solicitou, então, a colaboração da Escola de Serviço Social da Universidade do Ceará que além de lhe prometer toda ajuda necessária, enviou-lhe pessoal especializado que lhe garantiria orientação técnica. Enquanto mantinha entendimentos condizentes com a orientação técnica a ser efetivada pela Escola de Serviço Social, preparava do púlpito, psicologicamente a comunidade para receber o nóvel empreendimento (BARBOSA, 1959, p. 52). O novo equipamento social foi instalado no prédio do grupo Escolar Doutor Odorico de Morais que estava abandonado sob a alegação dos professores de que o imóvel, construído pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos em convênio com a PMF, era muito distante do Centro de Fortaleza. Depois de duas tentativas de solicitação do espaço junto à Prefeitura, através de memorial assinado pelos moradores e apoio de instituições filantrópicas, em que destacamos a Organização das Voluntárias do Brasil, secção Ceará, foi possível inaugurar o Centro Social em 08 de dezembro de 1955, dia de Nossa Senhora da Conceição. Depois da solenidade, o Padre apresentou os lideres comunitários às assistentes sociais e às alunas do Curso de Serviço Social que escutaram suas demandas, a saber: 35 escolas. No dia seguinte, elas organizaram no Centro Social um plantão de atendimento à população que esteve presente em peso e mais uma vez reivindicou educação. Embora percebesse o não investimento público no Pirambu, Barbosa (1959, p.55) acreditava que os problemas existentes eram, também, culpa dos moradores do bairro, pois não tinham senso comunitário de luta pela melhoria das condições de vida pessoal e coletiva: “Acostumados a nada conseguirem, não viam nem sentiam a necessidade de lutar. Queriam escolas mas nenhum passo davam para obtê-las”. Isso revela a influência do Serviço Social que, procurando se afirmar como profissão, entendia os problemas sociais como fruto dos desajustes dos indivíduos que deviam, portanto, ser tratados 16. Nas palavras de Barbosa (2010, p. 51), [...] ao Serviço Social compete remediar os desajustados parciais e promover o bem estar e a felicidade dos grupos sociais e de seus componentes, por meio de um estudo atento das normas da vida, que êle procura beneficiar direta ou indiretamente. Enfim, o Serviço Social tem por supremo objetivo a satisfação dos direitos humanos, seja atuando isoladamente, seja coordenando a ação coletiva. Para ganhar a confiança dos moradores, as supervisoras e estudantes fizeram funcionar no inicio de 1956 um grupo escolar. A comunidade solicitou 187 vagas, contudo só foram matriculadas 80 crianças, 40 do sexo masculino e 40 do sexo feminino. Percebo que havia um senso de igualdade naquelas que estavam organizando o processo, pois embora o número de crianças entre 5 e 15 anos do sexo masculino fosse maior do que as do sexo feminino17, as matrículas foram divididas igualmente entre os dois sexos. E o material permanente para o funcionamento da escola? Babosa (1959) deixa bem claro em seu relato que as autoridades locais, estaduais e federais colaboraram muito pouco para a concretização de qualquer ação no Pirambu. As doações sustentaram não só a escola mas todas as atividades realizadas no Centro Social. Para começar as aulas, o Instituto Bom Pastor disponibilizou 20 cadeiras; os leigos da Paróquia São Francisco de Assis, os bancos e outros móveis; o Governo do Estado, uma professora ocupante da cadeira de ensino supletivo; e outra professora se voluntariou. Paralelamente à manutenção 16 Não é meu objetivo fazer uma analise crítica da perspectiva teórica utilizada pelo Serviço Social para intervir na realidade, mas apenas identificá-la com o propósito de contextualizar a atuação destes profissionais e, consequentemente, de Aldaci Barbosa. Para uma crítica ao Serviço Social no Brasil cf. Netto, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 2005. IAMAMOTTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982. No Ceará ver SILVA, Neíse Távora de França e. As relações sociais e o serviço social no Ceará – 1950/1960. In: COSTA, Liduina Farias Almeida da; BEZERRA, Leila Maria Passos de Sousa; PIO, Maria da Conceição (Orgs). Fragmentos do passado e do presente; 60 anos do serviço social no Ceará. Fortaleza: EdUECE, 2010. p. 265 343. 17 Em pesquisa realizada na comunidade, Barbosa (1959) mostra que havia 5.241 crianças d e 5 a 15 anos no bairro, 2.728 eram do sexo masculino e 2.513 do feminino. 36 da escola18, o grupo técnico se concentrou em aplicar o método de Serviço Social de Caso, Grupo e Organização de Comunidade. O Serviço Social de Caso foi criado com o objetivo de esclarecer o serviço a ser prestado no Centro Social, pois os membros da comunidade acreditavam que seriam distribuídas ajudas materiais de graça, bem como fazer o acompanhamento, encaminhamento e tratamento dos desajustados (BARBOSA, 1959). Aqueles tinham dificuldades de se adaptar ao modo de produção capitalista e sua principal contradição, qual seja: a constituição de pequenos grupos abastados concomitante com milhares de pessoas, famílias, grupos e comunidades miseráveis, como o Pirambu. Silva (2010, p. 314-315) apresenta as diversas formas de desajustamento, são eles: [...] desajustamento econômico (situação de miséria, insuficiência de salário, desemprego); desajustamento de saúde (cegueira, surdez, mudez, aleijão, enfermidades diversas); desajustamento mental (loucura, retardo mental, psicoses e neuroses), desajustamento doméstico (desarmonia em família, incompatibilidade entre esposo ou entre quaisquer membros da família), desajustamento de educação (menores abandonados, delinqüência juvenil, educação defeituosa e mal encaminhada), desajustamento profissional (insatisfação com o emprego ou com os chefes, ou com colegas, falta de vocação ou de capacidade para o trabalho a realizar), desajustamento de conduta (delinqüência, crime, prostituições e vícios sociais) [...]. Dessa forma, o trabalho das estagiárias era realizar plantões, visitas domiciliares, dar providências, encaminhamentos às obras especializadas e utilização de recursos da comunidade para solucionar os problemas supramencionados, com a colaboração e o compromisso do indivíduo seguir as orientações dadas (BARBOSA, 1959). A finalidade do Serviço Social de Grupo visava desenvolver as potencialidades dos indivíduos em prol da sociedade e da própria comunidade, constituindo um sistema de solidariedade mútua, principalmente entre os “ociosos”, ou seja, aqueles que elas consideravam não ter nada para fazer: mulheres e crianças. Através de enquete realizada com as integrantes dos grupos, foi possível identificar o bordado a mão como a principal atividade doméstica de interesse das mulheres. Apreender um ofício era possibilidade de conseguir um emprego (BARBOSA, 1959). Embora não fosse objetivo do grupo suprir as necessidades egoístas das pessoas (sua subsistência), foram ministrados cursos profissionalizantes de corte e costura e bordado à mão. Como o Centro Social não contava com recursos para a compra de matéria prima, Barbosa (1959) afirma que as mulheres foram conseguindo trabalho em 18 Em 1957, 255 crianças foram matriculadas, no ano seguinte 400 e em 1959, mais de 500 alunos (BARBOSA, 1959). 37 firmas de confecção. Apenas uma parte do que recebiam era destinada ao fundo de reserva do grupo. Os outros grupos formados foram: 1) práticas de enfermagem, onde as mulheres tinham noções básicas de cuidados com saúde e aplicavam nos doentes da comunidade; 2) futebol, para os meninos; 3) teatro, para as adolescentes; 4) 1º Núcleo de Joaninhas do Ceará, em parceria com a agremiação das Bandeirantes; 4) grupo Padre Francisco Pinto, em parceria com os Escoteiros; e 5) Clube de Mães, para orientações de cuidados com o recém-nascido e confecção de enxovais (BARBOSA, 1959). No que tange à comunidade, tratava-se do processo de criação do Conselho do Bairro, composto por líderes comunitários que representassem os habitantes do Pirambu (BARBOSA, 1959). Dito em outras palavras, era a ação de articulação e mobilização da comunidade em torno de seus problemas, propostas de solução e atividades concretas. Além dos lideres, faziam parte do Conselho o Padre Hélio e a Assistente Social, que acredito ser Aldaci Babosa pela sua condução técnica e moral em todas as ações no Centro Social. Após a formação da diretoria do Conselho, em reunião realizada no dia 17 de junho de 1956, os membros começaram a exigir do vereador do bairro mais infraestrutura para a escola. Outras medidas tomadas se baseavam na organização de um plano de trabalho racional das atividades a realizar; elaboração do Estatuto do Conselho, publicado em Diário Oficial do Estado e registrado em cartório; negociação dos terrenos ocupados 19; construção da Paróquia; combate às diversões inadequadas, como os sambas e as gafieiras; formação do Conselho da Juventude masculina e feminina, subordinado ao Conselho do Bairro, responsável por criar espaços de diversão no Pirambu, como a quadra de esportes; reforma da delegacia; edificação de uma escola profissional; e preparação da comunidade para fazer hortas, a fim de melhorar a qualidade da alimentação20 (BARBOSA, 1959). O dinheiro para financiar essas ações foi arrecadado no próprio bairro através de campanhas e quermesses feitas pelos moradores. A Prefeitura só colaborou na extinção das gafieiras, depois de muita pressão. Na exposição de Barbosa (1959), é possível perceber a influência técnica, moral e religiosa que o Padre e a Assistente Social tinham sobre as decisões, principalmente na negociação dos terrenos onde qualquer tipo de 19 As áreas de terras do Pirambu pertenciam à União (faixa litorânea) e a Família Braga Torres (BARBOSA, 1959). 20 No Centro Social havia também um Lactário, onde era distribuído leite às famílias de baixa condição financeira e o Serviço Médico para atendimento de alguns tipos de doenças, a exemplo da tuberculose (BARBOSA, 19 59). 38 confronto direto foi condenado, sendo as técnicas responsáveis por mediar todo o processo de acordo com os proprietários das terras, que cobraram pelos lotes. Uma das assistentes sociais entrevistadas, ex-estagiária do Centro Social Lar de Todos, afirmou que elas procuravam distinguir o trabalho técnico e social do religioso: [...] a gente fazia uma distinção muito grande das duas dimensões : religiosa, social e laica, mas a gente também participava como observador. Não era a gente que ia falar da igreja, dos mandamentos, não. A gente ia só pra ver como se organizava. Como que a população trabalhava (CONCEIÇÃO PIO). Apesar de grande parte das assistentes sociais e estagiárias ser católica, elas não tinham atividades de cunho religioso, como catequese, missas, batizados, casamento, dentre outros. Esse era o ofício do Padre Hélio. Elas se concentravam nas ações sociais supramencionadas, o que não significa dizer que estavam despidas de valores cristãos. Pois, muitas vezes, esses foram usados como parâmetro para diagnosticar os desajustamentos e indicar o caminho correto. Por um lado, o trabalho realizado possibilitava a construção de sujeitos participativos, o atendimento de algumas necessidades da comunidade, a valorização da solidariedade e do trabalho em equipe; por outro, as ações empreendidas tinham caráter civilizatório, disciplinador, ou seja, de imposição aos moradores do Pirambu de determinados hábitos e costumes burgueses e urbanos, com o intuito de modernizar e desenvolver econômico e socialmente a comunidade. Na análise de Morais (2008), o Padre Hélio se utilizava do discurso do desajustamento para individualizar a situação vivida pelos moradores do Pirambu e, consequentemente, manter o domínio sobre a comunidade, recolonizando a vida dos moradores a partir de valores cristãos católicos. Sua intenção também era combater os comunistas que incitavam a população a lutar contra o Estado, gerando agitação e perturbações à ordem vigente. Assim, a aliança entre Igreja e Serviço Social foi estratégica para criar um novo modelo de pobre mais adequando à cultura urbana e aos interesses das elites. Contudo, a autora destaca que os moradores não eram simples “fantoches” do Padre e das assistentes sociais. Adaptaram-se às novas regras para continuar no jogo político: Segundo Freitas, um dos moradores conscientes do poder crescente do vigário e das assistentes sociais no Pirambu e do declínio dos Comunistas nos anos 1950/1960, afirmava que era necessário desde então se acomodar aos novos “patrões” da favela a fim de assegurar melhorias nas condições de vida do Pirambu. [...]. 39 A população do Pirambu percebia o quanto a Igreja poderia melhor representá-los, já que, desde 1947, os comunistas, seus aliados anteriores, eram perseguidos e, assim, não podiam mais trabalhar de forma aberta junto aos moradores. Então, para continuar atuando no jogo político, a escolha da Igreja como mediadora foi a melhor opção para o momento (MORAIS, 2008, p. 32). Percebe-se, portanto, que a adesão e a participação dos moradores nas atividades propostas estavam vinculadas à possibilidade de conquistar melhores condições de vida para comunidade. Por isso o Padre e as assistentes sociais foram muitas vezes solicitados pelos líderes comunitários com a tarefa de mediar o conflito da ocupação dos terrenos no Pirambu. É mister destacar que a mediação desses conflitos fez Aldaci Barbosa perceber algumas contradições, especialmente, a incompreensão dos proprietários dos terrenos e o descaso dos poderes públicos, como mostram as citações abaixo: Em linhas anteriores deste trabalho ressaltamos que dent re os diversos donos de terrenos do Pirambu somente uma parte mostrou-se acessível à cooperação e particularmente sensível à caridade cristã de auxílio aos mais necessitados. No entretanto, outros não pensavam dessa maneira. Acima de qualquer coisa estava o desejo primário de resguardar até a violência se preciso, esta parte abandonada do seu patrimônio, não permitindo aos sem lares usufruí-la mansa e pacificamente. O resultado de nossa missão [negociação com os proprietários dos terrenos] foi levado a conhecimento do Conselho e chegamos à conclusão que somente o Centro Social se havia colocado ao lado das vítimas [pessoas que tinham sido retiradas dos terrenos pela polícia], pois o advogado do S. Excia. o governador nada fizera para a solução do caso (BARBOSA, 1959, 89-90). Se, num primeiro momento, foi totalmente contra qualquer processo de mobilização dos moradores pela conquista dos terrenos, a marcha do Pirambu, realizada em 01 de janeiro de 1962, com o apoio dela e do Padre Hélio, mostra que a mentalidade estava se transformando. Afinal, Fortaleza havia mudado muito desde 1930. 2.3 Fortaleza: economia, administração política e sociedade Na década de 1930, consolidada como um dos centros econômicos mais importantes no Estado do Ceará pela produção de algodão de fibra longa, Fortaleza consegue transpor o domínio político-administrativo e econômico das oligarquias, com destaque para a Accioly. Isso não significa, porém, o ganho da sua liberdade política. A centralização do poder no Executivo, através do governo Getúlio Vargas, dá a este a atribuição de escolher os interventores para a administração dos Estados e aos interventores a responsabilidade de indicação dos prefeitos. Como outros estados e 40 munícipios, Fortaleza teve que se submeter às ordens advindas da região Sudeste, sede do governo Federal. Os interventores, Fernandes Távora (1930-1931) e Carneiro de Mendonça (1931-1934), deram início às primeiras mudanças administrativas no sentido de centralização do poder. O primeiro exigiu a população de 15 mil habitantes e a renda de 30 contos de réis para a constituição dos Municípios, além de criar a Secretaria dos Negócios do Interior e Justiça do Ceará, órgão responsável por enviar relatórios mensais sobre a situação das municipalidades. Já o segundo dividiu o Estado em seis regiões, nomeou comissões para fazer sindicância nas prefeituras e criou o Departamento dos Negócios Municipais (SOUZA, 1994). Nas relações econômicas, apesar do sobressalto das exportações (algodão, peles e couros salgados) e importações (louça, tecidos e outros bens manufaturados), o grande dinamizador da economia fortalezense sempre foi o comércio, acrescido no ano de 1930 da atividade imobiliária, como afirmam Fernandes, Diógenes e Lima (1991): [...] já na década de 30 existiam importantes firmas, voltadas para o comércio atacadista de tecidos, o comércio de estiva, o comércio importador, o comércio lojista e o comércio ferragista, o primeiro e o quarto entregues principalmente a estrangeiros naturalizados. Também essa época remonta a formação das primeiras instituições bancárias, apesar de que a existência do capital financeiro seja anterior a essa formação. Mais uma vez é o comércio, especialmente de exportação, que funciona no agenciamento financeiro, estabelecendo verdadeiras cadeias de controles agrícolas. [...] As instituições bancárias criadas particularmente a partir dos anos 30 vão estar concentradas predominantemente nas mãos de comerciantes e especuladores da terra urbana, conforme pode-se observar na distribuição seguinte: - Banco Frota Gentil – iniciativa de antigos donos de imóveis urbanos; - Banco dos Importadores – também originário de proprietários de terra urbana; - Banco da União S/A – iniciativa de quatro grandes comerciantes, um deles dono de terra; - Banco dos Proprietários – iniciativa de proprietários de pequenos imóveis residenciais que especulavam com aluguéis; - Banco de Crédito Comercial – iniciativa oriunda da própria atividade bancária; - Banco Popular – iniciativa da Diocese de Fortaleza (p.45-46). Nas palavras das autoras, maior parte dos bancos estava sob o domínio de comerciantes e empresários da atividade imobiliária, o que revela a existência e predominância de uma burguesia comercial em detrimento de uma incipiente burguesia industrial, que se instalava em todo o País, mas especialmente no Sudeste, devido ao modelo de substituição de importações. 41 No plano urbanístico da organização da cidade, Souza (1994) apresenta várias transformações nesse período, dentre elas cito: o estabelecimento do novo Código de Posturas de 1932, com o intuito de disciplinar e regular o crescimento da cidade; ruas e avenidas foram pavimentadas; houve a estruturação e remodelação de jardins e logradouros públicos; a Coluna da Hora foi edificada na Praça do Ferreira; a Rua Liberato prolongada; foi construído o primeiro mictório público na Praça dos Leões; a Avenida Visconde do Rio Branco foi ligada à Rua Sena Madureira; e a reestruturação da Comissão do Plano da Cidade, em 1939. Além disso, A Legião Brasileira de Assistência (LBA) colabora com a Prefeitura Municipal no sentido da disciplina urbana e da estética da cidade, promovendo uma campanha contra a mendicância. A visibilidade da pobreza entra em contradição com a imagem da cidade do “progresso” que está sendo construída pelas autoridades municipais, daí a erradicação dos mendigos dos logradouros públicos e a recomendação de internamentos em associações caritativas. A prefeitura, com o Decreto-Lei n° 12, de 17.04.1940, institucionaliza através de subvenções as entidades que participam da administração da pobreza urbana, com os serviços de assistência sanitária, o amparo á maternidade, à proteção, à saúde da criança, a assistência aos enfermos, a assistência aos necessitados e desvalidos, assistência aos inválidos e à velhice, o amparo à criança e à juventude em estado de abandono moral, intelectual e físico. [...] (SOUZA, 1994, p.63). Para a autora, a modernização da cidade através da busca de soluções para os problemas urbanos (falta de moradia, de saneamento básico, de transporte, de iluminação, bem como precários serviços de educação e saúde) leva à melhoria da infraestrutura do centro da cidade para seu entorno, com a consequente valorização dos terrenos. Isso acaba por expulsar a população pauperizada para a periferia, que se recusa a sair. Os mendigos são internados em instituições filantrópicas, mantidas em parte com dinheiro da Prefeitura. Todas essas ações representam a continuação do processo de desodorização, limpeza e higienização da cidade de Fortaleza, aprofundando as diferenças entre as classes sociais e polarizando a construção do espaço urbano entre centro (lado rico) e periferia (lado pobre). Na análise de Ribeiro (1994), a população do município era, em 1940, de 205.724 habitantes, fato que agravava a questão urbana21 e dava margem a pressões populares por melhores condições de vida e acesso a bens e serviço de qualidade. Diante dessa situação, as principais medidas tomadas até o golpe militar, segundo o autor, foram: a instituição de um comércio livre de gêneros alimentícios de origem agrícola, para facilitar o acesso da população a alimentos de primeira necessidade, 21 Para Schmidt e Farret (1986), a oferta e o acesso a bens e serviços coletivos (como infraestrutura básica, saúde, educação, habitação, dentre outros), cada vez mais se tornam responsabilidade do Estado e se constituem condição necessária à reprodução das relações sociais de produção, é o centro da questão urbana no Brasil. 42 com preços mais baratos; a implantação de 56 linhas de ônibus até o final de 1948, com o intuito de solucionar o problema de transportes; a criação do Serviço de Luz e Força de Fortaleza (SERVLUZ), em 1954, denominado posteriormente de Companhia de Eletricidade de Fortaleza (CONEFOR), a fim de dar respostas à questão da energia elétrica; a elaboração do Plano Diretor pelo urbanista Hélio Modesto; a construção da Avenida Perimetral, que ligaria diversos distritos construídos ao redor da cidade e disciplinaria o crescimento irregular da mesma; a concepção e início das obras de construção da Via Litorânea que ligaria os lados leste e oeste de Fortaleza, na gestão do General Cordeiro Neto (1959-1963); e, por fim, a desapropriação de algumas áreas e terrenos para a construção de habitações populares. A economia vai passar por alguns incentivos a partir da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959 e sua política de incentivos fiscais. Embora a superintendência tenha beneficiado mais a Região Sudeste do que propriamente o Nordeste, ela teve papel importante na modernização de setores como o têxtil e alimentício. Segundo Fernandes, Diógenes e Lima (1991, p.47): É importante destacar o papel da SUDENE na modernização de setores tradicionais como o têxtil e de alimentícios, principalmente. O primeiro passou por um processo de diversificação, que permitiu a produção de artigos diferenciados como meias para homens, colchas de chenille, linha e artigos de passamanaria. No caso de alimentos, os incentivos propiciaram a expansão da atividade de beneficiamento da castanha de c aju e a frigorificação da pesca. Apesar disso, o comércio não deixou de ser o centro das atividades econômicas e da absorção da maior parte da mão de obra. Estatísticas, apresentas por Fernandes, Diógenes e Lima (1991), mostram que 441,5 da renda interna provinham das atividades do setor de serviços em 1939, passando para 2.190,5, 22.928,8 e 1.094.840,8, nos anos de 1950, 1960 e 1969, respectivamente. Em contraposição, os números relacionados às atividades da indústria, revelam 73,1 da renda interna em 1939, 309,3 em 1950, 3.568,4 em 1960 e 201.655,3 em 1969. Dados bem inferiores quando relacionados ao setor de serviços totalmente vinculado ao comércio. As décadas de 1940 a 1960 são marcadas por grandes migrações internas, o que acelera, segundo Ribeiro (1994), o processo de constituições de favelas em Fortaleza, com destaque para o Pirambu, o Lagamar e a Verdes Mares, bem como ocupações irregulares em quase toda a periferia da cidade. Aumenta, portanto, o conflito entre os proprietários dos terrenos e os ocupantes destes e, consequentemente, as reivindicações por parte dos pobres. Na análise do autor, 43 Além de assumir seu papel de mediador, diante dos conflitos inevitáveis provocados pela ocupação desordenada do espaço urbano, o poder municipal é forçado a redefinir o próprio papel da Prefeitura, no sentido de atender às novas demandas impostas pelo crescimento da vida citadina como saúde, educação, moradia, lazer, calçamento, transporte etc (RIBEIRO, 1994, p.73). Nesse contexto, tem-se a criação da Fundação do Serviço Social de Fortaleza, através da Lei n° 2.486, de 26 de outubro de 1963. Segundo seu Regulamento, aprovado através do Decreto n° 2.766, de 24 de maio de 1966, a Fundação está enc arregada “do estudo, planejamento e execução dos serviços sociais, da assistência aos desfavorecidos, do combate ao mocambo, da promoção de atividades que visem a qualificação de mão-deobra e do fomento à habitação própria” (MOTA, 1982, p. 129). Dito de outra forma, a FSSF era responsável pelo planejamento e execução das políticas sociais 22 no Município, com destaque para as ações de assistência social, habitação, geração de renda e infraestrutura. A Fundação era, portanto, uma instituição de atendimento às necessidades das populações urbanas não cobertas pela legislação trabalhista e, consequentemente, pela previdência social23, apesar desta ser uma política social. Funcionou também na condição de mediadora dos conflitos urbanos entre as elites e os pobres, onde as primeiras estavam preocupadas com os lucros dos terrenos e a “boa aparência” da cidade; e os últimos, com a garantia de melhores condições de vida para sua família e comunidade. 2.4 Primeiros anos da Fundação do Serviço Social de Fortaleza Juridicamente a Fundação era uma autarquia24, com autonomia administrativa, financeira e com patrimônio próprio. Suas rendas provinham de dotações orçamentárias fixadas em lei, ajudas e subvenções de qualquer origem, atestando sua capacidade de captação de recursos. Destarte, deveria ser dirigida por um superintendente e um Conselho Fiscal, constituído por três pessoas de reconhecidos méritos sociais, ambos, superintendente e membros do Conselho, seriam escolhidos pelo Prefeito (MOTA, 1982). 22 Compreendo as políticas sociais como ações planejadas de intervenção do Estado na sociedade, com o objetivo de dar acesso a bens e serviços de caráter coletivo. A realização destas ações pode ser através de instituições públicas, com orçamento definido e/ou privadas, onde o Estado subsidia parte das atividades executadas. 23 A previdência social no Brasil se desenvolveu focalizada em algumas categorias profissionais urbanas. 24 “Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (BRASIL, Art. 5º, Inciso I, Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967). 44 O primeiro superintendente escolhido pelo então prefeito General Murilo Borges (1963-1967) – último prefeito eleito antes do golpe militar – foi Edvar Arruda Filho, que dirigiu a Fundação de abril de 1964 a janeiro de 1965. Segundo Mota (1982), as principais atividades desenvolvidas em sua gestão destacam-se o programa para instalação de televisores nas praças de Fortaleza, a criação do Armazém Reembolsável, onde seriam vendidos todos os utensílios de supermercados (máquinas de costuras, bicicletas, produtos de supermercado e farmácias). O dinheiro da venda seria alocado em um Fundo Rotativo para a manutenção do Armazém. Na Superintendência de Roberto Jorge Braun Vieira (02/07/1966 a 25/03/1967)25, deram-se início aos primeiros programas habitacionais. Em julho de 1966, o Prefeito transfere um terreno de área de 422.856m², localizado no bairro Aldeota para a Fundação, onde deveriam ser construídas habitações populares (MOTA, 1982). Nesse sentido, foi criado o Fundo Rotativo de Habitação Popular, provavelmente responsável pela alocação do dinheiro dos pagamentos e novas compras de terrenos. Em dezembro do mesmo ano, a Prefeitura transfere outro terreno à FSSF. Com uma área de oito hectares, o terreno situado no bairro do Cocó possibilitou a construção de 100 casas. O Conjunto Habitacional foi chamado de Santa Luzia do Cocó. Já outro loteamento no bairro Mucuripe deu origem ao Conjunto Habitacional Dona Narcisa Borges, mais conhecido como Nossa Senhora da Paz, composto por 80 casas, destinadas a funcionários da Prefeitura. Segundo Mota (1982, p.20), além dessas ações, o superintendente Roberto Vieira ampliou o Armazém reembosável e a Farmácia: Ao reembosável deu a forma de supermercado. Deu prosseguimento à construção do conjunto residencial Vila Altamira para transportar os favelas que residiam na Avenida Antônio Justa, em frente ao Náutico. [...] Os favelados da avenida Dom Luiz foram levados para o conjunto residenc ial do Cocó. Instalou televisores públicos nos bairros de Vila União, Montese, João XXII, Cidade dos Funcionários, Amadeu Furtado e Mucuripe. É mister destacar que os primeiros superintendentes eram pessoas de famílias com trajetória na política, onde o critério para assumir o cargo não era a capacidade técnica para propor ações de acordo com objetivo da instituição e sim as alianças políticas que mantinham o Prefeito no poder. Nas palavras de Maria Luiza Fontenele: É o Roberto Braun de família política. E o... Zeba [apelido de José de Carvalho Melo] era marido da Mazé, que era uma criatura de uma liderança fantástica [...]. Depois o filho foi deputado estadual. O Edvar Arruda também. A Aldaci não, a Aldaci é porque teve todo o trabalho no Pirambu. 25 O segundo superintendente da FSSF foi José de Carvalho Melo, no período de 26/01/1965 a 02/07/1966 (MOTA, 1982). Acredita-se que ele tenha dado continuidade as atividades e xistentes. Mota (1982), contudo, afirma que sua principal contribuição foi a aprovação do regulamento da Fundação. 45 A ex-prefeita, que foi assistente social da instituição até a superintendência de Jorge Braun, reconhece que a inserção de Aldaci Barbosa na Fundação não se referia a mero cumprimento de acordos políticos e sim ao trabalho realizado no Pirambu, ou seja, a sua competência técnica para lidar com comunidades. A criação da FSSF, a implantação de um novo Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais, a aquisição de caminhões para o Departamento de Limpeza Pública e de 50 ônibus elétricos (PONTE FILHO, 1990) foram destaques na gestão do General Murilo Borges. Já na gestão de José Walter Barbosa Cavalcante (1967-1971) – primeiro prefeito indicado pelo regime militar para administrar Fortaleza –, ganharam ênfase as políticas urbanas e habitacionais, dentre elas a criação do Conjunto “Sétima Cidade”, posteriormente, denominado Conjunto José Walter, no distrito do Mondubim, financiado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) e pela Companhia de Habitação (COHAB)-Fortaleza (OLÍMPIO, 2008). Citam-se ainda a remodelação da Praça do Ferreira; a elaboração do Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Fortaleza (PLANDIRF) (RIBEIRO, 1994); a construção da Estrada Mata Galinha, para facilitar o acesso ao Estágio Plácido Castelo; o aumento da rede telefônica do município (PONTE FILHO, 1990); e a construção do primeiro Centro Comunitário no Conjunto Habitacional Santa Luiza do Cocó (MOTA, 1982). Para Ribeiro (1994), a ditadura militar centralizou o poder político e concentrou os recursos financeiros no Executivo Federal subordinando as instâncias estaduais e municipais as suas decisões. Emergia um novo modelo de administração pública baseado na gestão técnica dos burocratas do Planalto, privilegiados em detrimento as demandas reais do município. Os planos nacionais, apesar da proposta de integração, responderam de forma padronizada as diferentes realidades locais. Além disso, determinou-se que os dirigentes municipais escolhidos fossem técnicos sem participação ou experiência na política partidária, “o que aparentemente os transformava em gestores neutros” (RIBEIRO, 1994, p. 77) e provavelmente facilitou a adesão municipal ao projeto dos militares. Como engenheiro civil, José Walter Barbosa Cavalcante estava dentro dos critérios para assumir a gestão da capital cearense, era técnico e não havia exercício cargo político na administração pública. Com receio da responsabilidade a cumprir, optou pela nomeação de técnicos para as secretarias municipais. Dentre os escolhidos constava o nome da primeira mulher a assumir um cargo de gestão na administração pública de Fortaleza: Aldaci Nogueira Barbosa, de acordo com o relato do ex-prefeito: 46 A Fundação do Serviço Social de Fortaleza, como tava falando no começo, eu chamei o Padre Hélio que era meu parente: Padre eu... num seminário que ele fez, sabendo de nada daqui, completamente, sem saber sobre honestidade e eu queria que você me ajudasse. Ah, vou lhe ajudar, meu filho. No dia que eu pedi uma pessoa para Fundação do Serviço Social ele indicou a Aldaci Nogueira Barbosa. Foi a melhor coisa que ele fez por mim. [...] Aldaci, ela é uma mulher simplesmente maravilhosa (JOSÉ WALTER CAVALCANTE). A indicação do Padre Hélio leva Aldaci Barbosa a assumir a superintendência da FSSF no dia 25 de março de 1967. Apesar de ter trabalhado em outras instituições 26, sua atuação na Fundação foi relevante pela execução de programas e projetos nas áreas habitacional, educacional, de capacitação profissional, de geração de renda, de assistência à saúde e de infraestrutura. Aldaci Barbosa foi gestora da Fundação durante dez anos. Deixou o cargo em virtude de seu falecimento, em 27 de agosto de 1976, aos 54 anos de idade, após um exame diagnóstico de cateterismo. Dentre suas principais características relatadas nas entrevistas, destacam-se sinceridade, coerência moral e ética, compromisso, muito dedicada ao trabalho, competente, autoritária, gostava mais de escutar do que falar, justa, humana, íntegra, honesta, personalidade marcante, pessoa dura, séria no trabalho, despreocupada com a aparência, referência na família para a resolução de problemas, conselheira, amável com os sobrinhos e primos, decidida, segura, tranquila, corajosa, divertida, espirituosa, emotiva, carismática. Gostava também de poesia, música, pintura, bem como ler. Nos relatos, foi possível perceber que a gestora Aldaci Barbosa se apresentava séria. Já em casa, apesar da personalidade forte, tinha momentos de diversão e afetividade tornando-se mais descontraída. Destacou-se pelo respeito que as pessoas tinham por ela, pela realização de ações concretas que saíram do papel e pela eficiência na administração. Embora alguns informantes tenham afirmado que ela era autoritária, compreendo que Aldaci Barbosa era uma pessoa determinada em relação às ações que empreendeu. No terceiro capítulo discutirei com mais profundidade a utilização desse termo pelos entrevistados. Além do prefeito José Walter, integrou a administração de mais dois prefeitos, também nomeados, que seguindo a orientação nacional das administrações militares deram prioridade à política urbana e de infraestrutura. 26 Destaco sua função como professora titular da Escola de Serviço Social de Fortaleza, ministrando a disciplina de Desenvolvimento de Comunidade, o que mostra seu conhecimento acerca da metodologia e difusão da proposta. Para outras funções e cargos cf. FORTALEZA, Câmara Municipal de. Departamento Legislativo. Lei 5.370, de 22 de dezembro de 1980. Disponível em: http://www.cmfor.ce.gov.br/legi slacao/. Acesso em: 16 de janeiro de 2012. 47 Na gestão de Vicente Cavalcante Fialho (1971-1975), graduado em engenharia civil, deu-se continuidade ao PLANDIRF, através do melhoramento do sistema viário. As principais obras realizadas foram: a construção de mais um trecho da Avenida Leste Oeste; a criação da Empresa de Urbanização de Fortaleza (EMURF) (RIBEIRO, 1994); a construção das avenidas Aguanambi, José Bastos, Borges de Melo, Zezé Diogo, Beira Rio (Barra do Ceará) e do Quarto Anel Viário; a criação da Fundação Educacional de Fortaleza (FUNEFOR); e a aquisição do Palácio do Bispo, pertencente à arquidiocese de Fortaleza, onde foi instalado o Paço Municipal (PONTE FILHO,1990). Além da criação do Centro Comunitário Governador César Cals, no bairro Henrique Jorge, posteriormente denominado Centro Social Urbano, bem como os Centros Sociais Urbanos Presidente Médici, na Aerolândia e Economista Rubens Vaz Costa, na Jurema (MOTA, 1982). Evandro Aires de Moura (1975-1978) somou ao PLANDIRF o Plano de Desenvolvimento Integrado de Fortaleza (PLADIF) e o Plano de Ação Municipal (PAM), concretizando a realização das seguintes obras: prolongamentos das Avenidas Santos Dumont, Expedicionários, Carapinima e Antônio Sales; conclusão do Quarto Anel Viário, interligando a Parangaba, Boa-Vista, Passaré, Castelão e Cajazeiras (RIBEIRO, 1994); construção de 14 postos de saúde e 3 hospitais de pronto-socorro; reaparelhamento da Companhia de Transporte Coletivo (CTC); expansão da rede de iluminação pública, com a implantação de 8 mil postes de luz; e construção dos Centros Sociais Urbanos do Conjunto José Walter e Conjunto Palmeiras (PONTE FILHO, 1990). Para a realização de tantas obras, era necessário abrir caminho retirando tudo o que estava no trajeto: mocambos, casebres, casas, pessoas, favelas. Esse era um dos trabalhos de Aldaci Barbosa na superintendência da FSSF: mediar os conflitos em torno da apropriação do solo urbano por uma elite, aliada aos militares e com planos de embelezamento da cidade; e pelos pobres que queriam garantir suas moradias em espaços de especulação imobiliária. Isso se realizou através da operacionalização de programas e projetos, a serem apresentados no próximo capítulo. 48 3 A FUNDAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DE FORTALEZA: programas e projetos, 1967/1976 A Fundação do Serviço Social de Fortaleza nasceu para antever e solucionar os problemas da área urbana do município. Coube-lhe a tarefa de estudar, planejar uma atuação eficaz. O diagnóstico foi feito e sobre êle surgiram os programas que outra coisa não eram senão a execução adequada a cada problemática. Assim, podemos citar os programas de desfavelamento, de profissionalização, bolsa de estudos, artesanato para melhoria econômica das famílias, fundo rotativo, conjuntos habitacionais, centros sociais urbanos, lavanderias, bibliotecas públicas... (MOTA, 1982, p. 35) A racionalização e sistematização das ações públicas na forma de programas e projetos sociais fazem parte do processo de planejamento. Dessa forma, antes de descrever as ações realizadas pelos técnicos na FSSF no período da superintendência de Aldaci Barbosa, abordarei o planejamento público no Brasil, a partir da criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). 3.1 A constituição de uma elite tecnocrática no Brasil Segundo Baptista (2000, p. 13), “[o] termo ‘planejamento’, na perspectiva lógicoracional, refere-se ao processo permanente e metódico de abordagem racional e científica de questões que se colocam no mundo social”. Supõe, portanto, a realização de ações continuadas e a tomada de decisões baseada no conhecimento científico. Mesmo que tenha como parâmetro a cientificidade, o planejamento não é neutro. Ele tem uma dimensão política, ou seja, de tomada de decisões que afetam direta ou indiretamente a vida de pessoas, grupos e comunidades. Para Mendes (1978, p. 75), o planejamento surge com a “intervenção estatal na economia, a partir do protecionismo ao capitalismo nascente. À medida que a base produtiva se expandiu sob o livre jogo de forças de mercado, surgiram as crises econômicas e sociais que levaram o Estado a intervir”. Ou seja, o planejamento esteve historicamente 49 vinculado aos processos de desenvolvimento econômico, no bojo de um sistema capitalista. Nas palavras de Oliveira (1981, p, 24): “o planejamento num sistema capitalista não é mais que a forma de racionalização de reprodução ampliada do capital”. Não obstante, a compreensão e reflexão do planejamento como uma ação política é algo recente. Tradicionalmente, era dada ênfase aos aspectos técnicos operativos do ato de planejar (BAPTISTA, 2000), como se a aplicação de determinadas técnicas e instrumentos fossem desprovidas de intencionalidades e interesses. Nessa perspectiva, o técnico assume papel central, pois é a pessoa mais capacitada para propor soluções concretas e implantá-las na realidade. Dito de outra forma: detém o saber necessário sobre as demandas da população. A elite tecnocrática brasileira emerge com ascensão dos militares ao poder público segundo Bresser-Pereira (2001, p. 231), [...] quando a burocracia estamental, de caráter aristocrático, começa a ser infiltrada por elementos externos, de origem social mais baixa – como aconteceu com o clero e, dentro do aparelho do Estado propriamente dito, com os militares do Exército –, é claro que já não podemos mais falar com precisão de um estamento patrimonial, como aquele pretendido por Faoro. É a administração pública burocrática que está surgindo, é o autoritarismo burocrático-capitalista que está emergindo, principalmente através dos militares e das revoluções que promoviam em nome de uma abstrata “razão”, cujas fontes capitalistas e burocráticas clássicas eram evidentes. Dessa forma, a sociedade capitalista-industrial que emerge nesse período estava composta por duas classes novas, originárias de estamentos antigos, a saber: a burguesia industrial procedente da burguesia mercantil e a classe média tecnocrática ou moderna burocracia que advém do estamento burocrático patrimonialista, diferenciando-se deste pelo fato de abranger membros da classe média, dentre eles administradores de nível médio e profissionais liberais de todos os ramos (BRESSER-PEREIRA, 2001). A reforma administrativa iniciada em 1936, através da criação do Conselho Federal do Servidor Público e aprovação da Lei de Reajustamento dos Quadros e dos Vencimentos do Funcionalismo Público Civil da União, foi um dos responsáveis pela constituição da nova elite tecnocrática. O objetivo da reforma era combater as práticas patrimonialistas e dar caráter racional-legal às ações públicas por meio da definição de hierarquias e regras claras para o serviço público. No entanto, a situação era tensa e conflituosa, devido aos diferentes interesses que estavam em jogo: enquanto o poder executivo criava comissões para avaliar a situação do servidor público e propor mudanças, o poder legislativo negava as sugestões, procurando manter os funcionários nomeados na folha de pagamento (ABU-EL-HAJ, 2011). 50 Em 1938 é fundado o DASP, que incorporou o Conselho Federal de Serviço Público, tornando-se uma instituição estratégica para a concretização da reforma burocrática. A realização de concursos públicos criou um grupo seleto de pessoas com capacidade de planejamento e competência técnica para atuar nos cargos e funções administrativas do Estado. Além da seleção meritocrática, os daspianos se embasavam nas seguintes proposições: racionalização da autoridade; criação de normas que diminuíssem a influência política; salários de acordo com a função; dedicação exclusiva do funcionário; integração do comando administrativo; coesão da direção institucional; centralização administrativa; e disciplina (ABU-EL-HAJ, 2011). A aplicação de critérios racionais à estrutura administrativa gerou uma distinção e distanciamento entre a governança (racionalização administrativa, realizada pelo Executivo) e a governabilidade (negociações políticas, consensos partidários, exercidos no Legislativo), sendo este, na análise de Abu-El-Haj (2011, p.11), um dos motivos do fracasso do DASP: [...] é provável que o divórcio entre meios e fins empregados pelo Estado Novo tenha sido o motivo maior do fracasso do DASP. Seduzido pelo imediatismo autoritário, Vargas renunciou aos objetivos democráticos da revolução de trinta e a Constituição de 1934. Esse período (1930-1937) foi um dos mais ricos intervalos da construção política no Brasil: decaíram as instituições das oligarquias fundiárias; ascenderam ao poder novas classes sociais; despertou um novo sindicalismo, representativo dos assalariados urbanos e das massas rurais; apareceram projetos de desenvolvimento industrial e se iniciou a reorganização de uma moderna administração pública. A tentação autoritária, de 1937, interrompeu o processo democrático de mudança social. Apesar das aparências sólidas do Estado Novo e suas instituições políticas, os pilares do regime eram frágeis, pois não se edificavam sobre um amplo consenso político. Arruinado o Estado Novo, as elites conservadoras, sob o pretexto de redemocratização, retomaram as suas políticas clientelistas e invadiram as instituições públicas, pilhando o Estado e seus fundos públicos. A interrupção da reforma administrativa, com o fim do período getulista, e o retorno às práticas patrimonialista e clientelista não inviabilizaram a concretização do planejamento público no Brasil, nem extinguiram a elite tecnocrática. Pelo contrário, foram os ex-daspianos Lucas Lopes e Celso Furtado que formularam o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitscheck (ABU-EL-HAJ, 2011), identificado como a primeira iniciativa de planejamento nacional. É mister destacar, portanto, o papel do DASP na formação de técnicos que deram impulso à onda desenvolvimentista e à organização do serviço público. Aliada a reforma administrativa estava a modernização da produção por meio das grandes organizações empresariais públicas e privadas, bem como substituição das importações. A política econômica adotada adquiriu ênfase urbana e procurou industrializar os principais centros agromercantis que tinham economias de urbanização – criadas a partir 51 do sistema de serviços e facilidades administrativas possibilitadas pela exportação – com o intuito de produzir bens de consumo duráveis. Nesse contexto, algumas cidades ganham novo papel, não mais vinculado à exploração das riquezas naturais do País para comercialização externa, mas no sentido da constituição no Brasil de um mercado nacional. Schmidt e Farret (1986) afirmam que as unidades de produção de maior dinamismo e que operavam nacionalmente passaram a se localizar na Região Sudeste, principal eixo de produção industrial e, consequentemente, das decisões políticoadministrativas, fazendo emergir os desequilíbrios regionais: Em termos espaciais, portanto, duas conclusões podem ser extraídas deste padrão de crescimento. A primeira, que o crescimento dinâmico do Sudeste foi parcialmente subsidiado pelo resto da nação, especialmente pelo Nordeste, uma vez que a política governamental de industrialização, através da substituição das importações, teve efeito colateral de forçar o restante do país a comprar do Sudeste, a preços mais elevados que dos países estrangeiros (Furtado, 1963). A segunda, que o papel do Estado na economia servia para intensificar o já pronunciado desequilíbrio regional e para estimular a primazia do Sudeste. Em outras palavras, embora os desequilíbrios regionais tenham estado historicamente presentes no processo de desenvolvimento brasileiro, as políticas do pós-guerra polarizaram intensamente o crescimento tanto ao nível inter quanto intraregional (SCHMIDT e FARRET, 1986, p. 17-18). Para Costa e Mello (1999), o Estado foi o grande estimulador do crescimento industrial através da regulação da acumulação do capital. Sua política econômica caracterizou-se pelo incentivo ao sistema de crédito, por uma política cambial protecionista, pelo controle dos preços, pelos incentivos fiscais e tributários, bem como pela contenção salarial. Além disso, os autores afirmam que, nos setores em que o empresariado não teve condições de investir, o Estado criou suas próprias empresas, a saber: a Companhia Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce, no estado do Rio de Janeiro. Ademais, esse período é caracterizado por uma política populista e conservadora. Conservadora, pois segundo Schimdt e Farret (1986), manteve intocado o setor agrário, não sendo capaz de articular e promover políticas agrícolas, com capacidade de estabelecer o perfil da produção das mercadorias primárias desejadas e políticas agrárias, que fixam os módulos fundiários. Populista, porque cria leis (Consolidação das Leis trabalhistas - CLT), benefícios e políticas sociais para o trabalhador urbano, com o intuito de amenizar as demandas ou as reivindicações de bens e serviços de consumo coletivo por parte das camadas pobres. O Estado teve, portanto, papel significativo no processo de urbanização brasileiro e de resolução dos problemas dele advindos. No que tange à urbanização, coube ao poder executivo local garantir uma infraestrutura básica tanto para a produção de 52 mercadorias quanto para sua comercialização. Já em relação às soluções, o agravamento da questão social27 possibilitou a entrada das políticas sociais na agenda de prioridades do governo. Dentre as instituições criadas no período para promover a proteção social no espaço urbano, Haguette (1994) destaca: os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP); o Sistema de Alimentação da Previdência Social (SAPS) fundado em 1940; a Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1942; o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Social do Comércio (SESC) e a Fundação da Casa Popular, criados em 1946; o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, em 1949. Esses órgãos abrangiam ações na área da previdência social, da saúde, da assistência social, da habitação, do trabalho e da educação técnica. Embora as conquistas constitucionais e a oferta de determinados programas e serviços aparecessem como dádivas, benesses do governo populista, elas não podem ser simplesmente desconsideradas, pois representam a contradição inerente às políticas sociais, qual seja: o atendimento das necessidades, mesmo que mínimas, dos pobres, no bojo de um sistema capitalista de produção que aprofunda as desigualdades sociais. Elas representam também o início de conquistas que posteriormente foram garantidas como direitos sociais na Constituição de 1988. No pequeno período de democratização do país (1945-1964) e sobretudo, após o segundo governo Vargas, houve um intenso e acelerado crescimento econômico proporcionado pelo Plano de Metas. Pela primeira vez, segundo Bierrenbach (1982), o planejamento econômico tomava forma coesa e consistente no Brasil. 3.2 Planejamento Público O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) centrou suas forças no desenvolvimentismo, perspectiva que atribuía ao Estado a direção na passagem de uma sociedade agrária para industrial (ABU-EL-HAJ, 2011). A partir da identificação de dificuldades na infraestrutura e no desempenho industrial do país por meio de relatórios, 27 Para Castel (2001), a questão social pode ser caracterizada por uma ameaça de ruptura na sociedade, apresentada por grupos – normalmente os párias – que abalam a coesão do conjunto. Na contemporaneidade, ela corresponde às disparidades sociais, econômicas, políticas e culturais produzidas e/ou reproduzidas entre as classes sociais que formam a sociedade capitalista madura (NETTO, 2000). 53 criou-se o Plano de Metas, caracterizado por um “programa setorial de desenvolvimento, apoiado em investimentos públicos e privados nas áreas de infraestrutura, indústrias básicas e de bens de consumo duráveis, recursos humanos” (SCHIMDT e FARRET, 1986, p.19), além da construção da nova capital do País, Brasília. Para a concretização de um Plano tão ambicioso a ser realizado num curto período de tempo, Kubistschek contou com os melhores técnicos para conduzir o setor econômico. Abu-El-Haj (2011) afirma que o Presidente dividiu a administração pública no campo social, onde foram feitas as negociações políticas e nomeações de aliados; e no campo econômico, que teve total apoio de Kubitscheck e foi com posto pelos técnicos mais capacitados. Nesse sentido, as ações realizadas na área social tiveram como horizonte o desenvolvimento, uma vez que se partia da premissa de que o processo de industrialização e o crescimento econômico levariam por si só a superação dos problemas sociais (BIERRENBACH, 1982). Algumas dessas ações são a seguir listadas: a criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social; aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), o que favoreceu o crescimento no número de segurados e acesso aos serviços; e investimentos na Educação (ensino primário, médio e superior), com o intuito de qualificar a mão de obra para trabalhar nos setores em expansão. Segundo Haguette (1994, p. 145), - o sistema educacional brasileiro sofreu um razoável desenvolvimento desde os anos trinta, quando a ênfase foi alocada à educação técnica. Isto foi parte do plano de usar a educação como fator de desenvolvimento. As taxas de alfabetização cresceram de 43%, em 1940, a 81,2%, em 1989. - o maior crescimento nas taxas de alfabetização ocorreram na década de 1950-1960, coincidindo com o grande salto da urbanização brasileira; [...] Isso não quer dizer que os problemas do sistema educacional brasileiro tenham sido resolvidos nesse período. A despeito dos avanços, Haguette (1994) mostra que trinta milhões de pessoas não sabiam ler e escrever na década de 1970. Esses e outros dados levam a autora a seguinte conclusão: “o direito social de participar na herança cultural, medido pelo nível de educação ainda não foi incorporado ao status de cidadania no Brasil” (HAGUETTE, 1994, p. 145). É importante destacar também a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e a implantação do plano viário de integração nacional que buscaram melhorar a velocidade do sistema, unificar o mercado nacional e equilibrar as desigualdades regionais através do desenvolvimento de outras regiões como o Nordeste. 54 Como se constata com o decorrer dos acontecimentos sociais, tais ações não conseguiram equilibrar os diferentes processos de industrialização das demais regiões. Para Schimdt e Farret (1986), o Plano de Metas provocou uma série de impactos socioeconômicos e espaciais. Reforçou desequilíbrios setoriais (pela ênfase no setor manufatureiro), sociais (pela compressão dos salários dos trabalhadores e favorecimento das elites) e espaciais (pela concentração dos investimentos na Região Sudeste), além de alinhar a burguesia nacional com a tecnocracia estatal. O próximo presidente foi Jânio Quadros (1961), que não produziu plano de governo e destacou-se pela intensa mobilização social, ao desenvolver uma política interna de contenção inflacionária e compressão salarial, bem como uma política externa independente do eixo hegemônico à época, os Estados Unidos da América (BIERRENBACH, 1982). Além disso, propôs o Plano de Assistência Habitacional, com o objetivo de elevar os investimentos públicos no setor habitacional e legitimar-se perante às massas (SCHIMDT e FARRET, 1986). Suas estratégias não foram bem recebidas no partido, a União Democrática Nacional (UDN), ocasionando conflitos que levaram à sua renuncia (ABU-EL-HAJ, 2011). João Goulart (1961-1964) procurou agir em dois sentidos: primeiro criar um plano econômico que pudesse manter a inflação estável, o Plano Trienal 28; segundo realizar reformas estruturais que possibilitassem efetivamente o desenvolvimento do país, concentradas no Programa de Reforma de Base. Segundo Costa e Mello (1999, p.344), as Reformas de Base foram as que mais se aproximaram das reivindicações dos pobres por incluir na agenda “a reforma agrária, visando à divisão dos latifúndios; a reforma eleitoral, que permitia, [...] voto dos analfabetos; a reforma universitária, ampliando as vagas nas faculdades públicas e possibilitando aos estudantes terem acesso a órgãos diretivos educacionais”. Vale ressaltar que o inicio da década de 1960 é marcada por intensa efervescência político-ideológica com greves e articulação dos trabalhadores rurais, através da formação de ligas camponesas e com a criação da União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil. Esses movimentos revelavam o grau de insatisfação dos trabalhadores urbanos e rurais, que passaram a pressionar o governo por melhores condições de vida. 28 João Goulart “procurou Celso Furtado para formular um plano econômico anti -inflacionário. As medidas estruturalistas foram enviadas ao Congresso Nacional em julho de 1962, conhecidas como Reforma de Base, enquanto o plano de estabilização inflacionária, o Plano Trienal, foi posto em prática em setembro do mesmo ano” (ABU-EL-HAJ, 2011, p. 17-18). 55 Na análise Schimdt e Farret (1986), o Plano Trienal ignorou a questão urbana em seus aspectos global e setorial. Já o Programa de Reforma de Bases propôs a criação da Superintendência da Política Urbana (SUPURB) e do Conselho Nacional de Política Urbana (COPURB), com intuito de solucionar a questão habitacional através do desenvolvimento urbano. Os principais avanços nesse período na área social foram aumentos salariais, expansão dos números de sindicatos, aprovação da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixou diretrizes e bases da educação nacional, descentralizando o sistema de educação, além da sanção do Estatuto do Trabalhador Rural, pela Lei nº 4.214, de 02 de março de 1963 (BIERRENBACH, 1982). Pela primeira vez na história do país, o setor rural foi incluído na legislação brasileira. De acordo com Haguette (1994), a lei garantiu ao trabalhador rural o direito de organização, ao salário mínimo e alguns benefícios do sistema previdenciário, ofertados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), financiados pelo Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) criado pela referida lei. As demais reformas, especialmente a agrária, não foram realizadas, pois eram contrárias tanto aos interesses dos proprietários rurais quanto aos da burguesia. Entendidas como ações de caráter comunistas, as medidas tomadas por João Goulart aterrorizaram as elites brasileiras que acabaram por apoiar o golpe militar de 1964. Nas palavras de Abu-ElHaj (2011, p. 19), Ao assumir, Jango herdava uma economia em crise, um sistema partidário conflitante, uma administração pública infiltrada por interesses privados e uma efervescência social e sindical jamais vista na história brasileira. Enquanto a sociedade organizada demandava a universalização dos direitos de cidadania, as elites conservadoras interpretavam as medidas reformistas como uma radicalização comunista. A inabilidade de Goulart, em elaborar uma clara estratégia política e um plano administrativo para implementar as reformas de base, permitiu à oposição conservadora paralisar o governo e desmobilizar a sociedade organizada. Os Planos apresentados se configuravam ações racionalizadas, sistematizadas que buscavam através do planejamento público modernizar a base produtiva do País e prover a sua entrada no mundo desenvolvido. Fica nítida, especialmente no Plano de Metas, a ênfase dada à área econômica em detrimento da social, onde destaco a restrição da educação ao aprendizado de um trabalho técnico. O Plano Trienal apesar de manter a preocupação com a inflação revela progressos com as reformas de base que, no entanto, não se concretizaram. 56 Isso mostra que o planejamento está permeado por decisões políticas e perspectivas político-ideológicas que durante a formação sócio-histórica brasileira beneficiaram mais os interesses das elites brasileiras (burguesia industrial e os proprietários de terra) do que propriamente dos pobres (principais interessados no acesso a bens e serviços de consumo coletivo de qualidade). De acordo Paul Baran citado por Oliveira (1981, p. 25) “não é o planejamento que planeja o capitalismo, mas o capitalismo que planeja o planejamento”. O período que antecede o golpe militar é marcado por profunda crise econômica, que anuncia o colapso do modelo de substituições de importações através do declínio da taxa de crescimento do produto nacional per capita, do decréscimo na renda das exportações e do aumento das importações de bens e capital (SCHIMDT e FARRET, 1986). A elevação da inflação em 100%, as pressões populares e a insatisfação da elite brasileira com o Programa de Reforma de Base foram alguns entre os diversos motivos que levaram a ascensão do regime ditatorial. 3.3 Regime autoritário, burocrático e empresarial: a prevalência da tecnocracia O regime instalado em 1964, através da aliança entre militares, empresas internacionais, burguesia industrial conservadora e extratos tecnocráticos, estava caracterizado por uma política autoritária, burocrática e empresarial. O autoritarismo pode ser identificado na forma de governar que extinguiu as agremiações partidárias existentes e criou artificialmente um sistema partidário, limitando a participação da sociedade nas decisões políticas. E na centralização do poder no Executivo Federal. Burocrático, pois coloca o Estado como instância superior a todas as classes e com capacidade de solucionar de forma racional os problemas emergentes. A técnica é utilizada como um meio para justificar as decisões tomadas. Ao referir-se a utilização do Estado pela grande empresa privada e pela burocracia pública, Cardoso (1975, p.183) afirma que “[i]deologicamente os dois lados querem fazer crer que a racionalidade formal da adequação entre meios e fins, a técnica, justifica seus pontos de vista ‘acima de interesses particularistas’”. 57 A ação empresarial se concretizou na reforma do Estado29 realizada em 1967. Através da promulgação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro do mesmo ano, o governo diferenciou a administração direta e da indireta. A primeira referia-se a ações executadas pelo Estado, por meio da Presidência da República e dos Ministérios, havendo distinção entre órgãos de direção e execução. Já administração indireta correspondia aos serviços executados por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista30, entidades dotadas de personalidade jurídica própria, vinculadas aos ministérios da área de sua principal atividade e com autonomia para captar financiamentos externos. A reforma possibilitou a descentralização na oferta de serviços públicos, contudo manteve os órgãos de direção da administração federal responsáveis pelo planejamento, supervisão, coordenação e controle das entidades supramencionadas. Houve uma descentralização administrativa, garantindo às instituições de administração indireta autonomia na concretização de ações e captação de recursos. Neste contexto, verifica-se que a Fundação do Serviço Social de Fortaleza (uma autarquia), embora criada em 1963, tem na década de 1970 a ampliação de seus programas, principalmente na área habitacional, com a compra de terrenos para a construção de casas pelas famílias removidas, estruturando três Conjuntos Habitacionais (Alvorado, Marechal Rondon e Palmeiras). Na área de infraestrutura, houve a construção de Centros Comunitários, posteriormente denominados Centro Sociais Urbanos. Isso revela capacidade de captação de recursos para financiar e concretizar as ações planejadas, provavelmente possibilitadas pela autonomia de gestão e financiamento. Em 1974, é criado a nível nacional o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) e 30 conselhos setoriais vinculados a ele com o objetivo de supervisionar as empresas estatais. Com a identificação da ineficácia dos conselhos, o governo revê sua estratégia, centraliza a gestão administrativa e cria a Secretaria Especial das Empresas Estatais (SEST) para disciplinar os preços das utilidades públicas. Nesse sentido, há um recuo na ação empresarial do Estado e um retorno à centralização em 1979, ocasionada pela crise do petróleo e pela pressão dos grupos de oposição (ABU-EL-HAJ, 2011). O resultado de todas essas medidas é o aumento da dívida externa do Estado, como mostra a citação a seguir: 29 A reforma do Estado “descreve mudanças na estrutura, posição e forma de intervenção do Estado na sociedade, enfocando ideologias, forças políticas e legitimidade. Enquanto a segunda [a reforma administrativa] representa uma revisão dos m ecanismos administrativos e técnicos adotados para viabilizar a intervenção pública” (ABU-EL-HAJ, 2011, p. 01). 30 Para definição de cada uma dessas entidades Cf. artigo 5º do Decreto -Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967. 58 A estatização da dívida externa e a explosão da inflação foram as duas consequências mais graves da nova política econômica. A reforma empresarial do Estado permitiu às empresas estatais contraírem empréstimos externos. Com a política de cartelização aliada ao desempenho positivo da economia brasileira, durante o “Milagre”, as empresas estatais foram as maiores captadoras de investimentos externos. Como resultado, a dívida externa que era privada, até 1972, sofreu uma inversão de acordo com a qual a dívida privada externa passou de 75,1% para 24,9% do total. A política de centralização e correção de tarifas abaixo da inflação, praticada a partir de 1976 e acelerada com a criação da SEST, multiplicou as dívidas do setor público. Paralelamente, houve um aumento significativo dos juros internacionais, piorando a situação da dívida externa (ABU-EL-HAJ, 2011, p.22). No que tange ao planejamento público, os governos militares deram continuidade à formulação de planos nacionais que orientaram o crescimento econômico e ampliaram a implementação de políticas sociais. Na análise de Haguette (1994, p.124), o Estado favorece “o estabelecimento legal dos direitos sociais como uma compensação pela negação dos direitos políticos, em busca de legitimar-se junto à população e amainar as insatisfações populares”. Assim como outras instituições da administração direta e indireta, a FSSF criou e expandiu a oferta de serviços públicos para os pobres no período da ditadura. Sob a gestão de Aldaci Babosa, que se utilizou de conhecimentos técnicos e suas experiências de trabalho com destaque para o Pirambu, a entidade ganhou caráter racional no planejamento e realização de ações. Além disso, canalizou as insatisfações populares através dos programas e projetos executados, não confrontando, portanto, com os interesses das elites e alianças que mantinham o poder vigente. 3.4 Planos de Governo Nacional e intervenções da FSSF Schimdt e Farret (1986) afirmam que para enfrentar a recessão, as medidas adotadas pelos governos militares procuram reorientar a concentração das riquezas e das rendas para formar capital fixo, bem como aumentar o consumo de bens duráveis, ao passo que reduziam os salários reais dos trabalhadores. Houve também incentivos às exportações, visando eliminar os déficits da demanda agregada e melhorar a situação da balança de pagamentos por meio da acumulação de divisas. Dessa maneira, a modernização das estruturas rurais foi essencial para a intensificação da produção dos bens agrícolas. É valido ressaltar que modernização do aparato produtivo não se estendeu a 59 políticas que empreendessem a reforma agrária, ficando essa área, mais uma vez, intocável. No que tange às políticas sociais, compreendidas como ações que possibilitam a criação de bens e serviços de consumo coletivo e, consequentemente, a reprodução dos trabalhadores, há uma ênfase nas políticas urbanas, devido ao acelerado ritmo de urbanização das cidades brasileiras e os problemas advindos deste. Para Schimdt e Farret (1986), diferentemente dos países desenvolvidos, o Brasil criou uma estratégia de implantação das bases materiais para uma sociedade inteiramente urbanizada ao mesmo tempo em que realizava programas de melhoramento. A política urbana abrangia, portanto, a criação de infraestrutura básica e programas de renovação urbana, bem como projetos de assistência social, saúde, dentre outros, onde a FSSF é expressão disso. Nesse sentido, uma das principais contribuições do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG)31, proposto por Castelo Branco (1964-1967), foi a criação do Banco Nacional de Habitação e do Sistema Federal de Habitação (SFH), pela Lei n° 4.380 de 21 de agosto de 1964, bem como do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei n° 5.107 de 13 de setembro de 1966. Para Schimdt e Farret (1986), o FGTS significou a modernização do sistema que regulava as relações capital-trabalho, favorecendo mais aos interesses dos empregadores do que dos trabalhadores 32. Já o BNH e o SFH deram início à Política Habitacional através do financiamento de casas e pesados investimentos na construção civil. Posteriormente no desenvolvimento urbano, a etapa notabilizou-se pelo financiamento dos planos de saneamento local e nacional, programas de renovação urbana, transporte e equipamentos físicos com fins comunitários. O Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), regulamentado pela Lei n° 59.917 de 30 de dezembro de 1966 e apoiado pelo Fundo Especial para o planejamento local do BNH, veio complementar os trabalhos do SFH, por meio de programas que enfatizavam estudos, pesquisas, assistência técnica, treinamento e outras formas de apoio ao reordenamento racional/planejado das cidades. “O BNH era para ser apoiado por 25% do [FGTS], por letras imobiliárias a serem negociadas no mercado financeiro e pelas cadernetas de poupança – todos operando com correção monetária” (SCHIMDT e FARRET, 1986, p.34). Dessa forma, havia a acumulação 31 Além da política habitacional o PAEG apresenta propostas na área da educação, da saúde, do salário e emprego, como também no setor agrícola. Para um detalhamento das proposições cf. BIERRENBACH, Maria Ignês Rocha de Souza. Política e Planejamento Social – Brasil: 1956-1978. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1982. 32 “Sob o sistema anterior, o trabalhador tinha direito a receber uma indenização considerável quando despedido e também à estabilidade depois de um período de dez anos de emprego contínuo” (SCHMIDT e FARRET, 1986, p. 31). 60 de capital em setores urbanos específicos e o governo era liberado de fornecer subsídios à população, por meio do financiamento imobiliário. Schimdt e Farret (1986, 28) afirmam que No caso brasileiro, é preciso observar que a intervenção estatal numa formação social subdesenvolvida [...] deve, mais exatamente, ser vista como uma maneira de fornecer as bases para o processo existente de acumulação do capital, bem como para o desenvolvimento de uma sociedade capitalista inteiramente urbanizada. [...] É verdade que o Estado brasileiro tem de regulamentar, mas ele precisa principalmente expandir e aprofundar as relações sociais de produção no sentido de estabelece um capitalismo integralmente desenvolvido. No governo de Costa e Silva (1967-1969), foi editado o Ato Institucional nº 533 e formulado o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), que, além de dar continuidade ao processo de aceleração do desenvolvimento e, consequentemente, de acumulação de capital, também se destacou pela proposição de ações na área social. Percebe-se, portanto, a concretização de ações sociais mediante a limitação dos direitos civis, uma vez que os políticos já haviam sido negados. Adotou o Plano Nacional de Educação, caracterizado pelo aumento da abrangência do ensino primário; pela erradicação do analfabetismo; pelo enfrentamento à evasão escolar; pela formação de técnicos no ensino médio e de especialista em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social no ensino superior; pela criação de Institutos nas Universidades e revisão dos currículos; pelo incentivo aos cursos de extensão e de pós-graduação; pela remuneração condigna e melhoria das condições de trabalho do corpo docente; e pela tentativa de modificação do sistema de financiamento através do incentivo às bolsas de estudos em entidades privadas (BIERRENBACH, 1982). Fávero (2006, p. 34), em sua análise sobre a universidade brasileira, afirma que só faz sentido falar de legislação básica da Reforma Universitária a partir de 1968, com as medidas propostas pelo Grupo de Trabalho criado através do Decreto nº 62.937 de 02 de julho de 1968, no qual foram propostos “o sistema departamental, o vestibular unificado, o ciclo básico, o sistema de créditos e a matrícula por disciplina, bem como a carreira do magistério e a pós-graduação”. Muitos elementos dessa reforma permanecem vigentes até hoje. Embora a FSSF não fosse uma instituição do sistema educacional (escola ou universidade), existia o Programa de Bolsa de Estudos. Na época, o prefeito José Walter 33 Através deste Ato Institucional o “Executivo ampliava seus poderes sobre o Legislativo, outorgando -se o direito de fechar o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras de vereadores, de cassar mandatos parlamentares e direitos políticos e de legislar sobre qualquer matéria. Os direitos individuais eram cerceados, e o presidente podia demitir, aposentar ou transferir para a reserva funcionários públicos ou militares” (COSTA E MELLO, 1999, p. 369). 61 Cavalcante isentou os colégios particulares de pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Em compensação, as escolas deveriam disponibilizar 5% de suas matriculas para bolsas de estudos. A Fundação era responsável pela seleção dos estudantes, que deveriam comprovar sua condição de pobreza. A seleção era criteriosa, na qual eram demandados cálculos que mediam a precarização das condições de vida das famílias que solicitavam a inclusão no Programa. Escolhidos, os estudantes tinham direito à bolsa integral do primário até segundo grau, desde que não reprovassem. Na fala de Núbia Soares: [...] O Programa de bolsa de estudo, eu considerava assim muito importante. [...] a Fundação não pagava em dinheiro os colégios. Os colégios pagavam um imposto à prefeitura. Então a Aldaci conseguiu com a câmara [...] de vereadores [...] os colégios, [...] davam um percentual da sua matrícula, em bolsas de estudo [...] de acordo com à matricula do colégio, eles davam aquele percentual em bolsas. Cabia à Fundação selecionar as pessoas, porque, aliás, esse programa, essa questão de bolsa, já existia antes da fundação, mas ficava [...] na mão de vereador [...]. [...] o prefeito na época que era o doutor o José Walter, pediu a Aldaci para assumir isso, [...] então, as pessoas se inscreviam na fundação. [...] tinha um setor só encarregado dessa parte de bolsa de estudo. [... ] a gente fez até um sistema [...] uns critérios de pontuação [...]. [...] tinha a situação socioeconômica, número de filhos, tem tantos filhos, [...] a pontuação era tanto. Depois somava aquilo, e a gente fazia [...] a classificação, vamos dizer assim. De quais tinham sido as pessoas que tinham sido beneficiadas [...]. De acordo com a pontuação. Os vereadores brigaram muito nessa época, brigavam com a Aldaci, mas ela era muito jeitosa, [...] Claro, que aqui e acolá tinha que atender [...] Alguém assim que... se estivesse dentro dos critérios, embora fosse indicado por eles, ela às vezes abria [...] era um negócio muito trabalhoso. Eu me lembro, que na época, às vezes, a gente ficava trabalhando até de madrugada para dar conta. A prioridade pelos indivíduos pobres, através de um sistema de pontuação criado por técnicos da instituição, revela a existência da ideia de seletividade no Programa e a constituição de um sistema de variáveis para composição de um índice que media a pobreza da família. Além disso, a aliança com o sistema privado para dar acesso a uma educação de qualidade mostra a tendência nacional de modificação do financiamento da política educacional, por meio do incentivo ao ensino pago. Na análise de Bierrenbach (1982, p. 64), uma frase do PED apresenta essa tendência: “com gradual eliminação da gratuidade generalizada”. A utilização do saber técnico restringiu a distribuição indiscriminada de bolsas de estudos pelos vereadores. Percebe-se, portanto, o combate às práticas patrimonialistas e clientelistas por meio de ações embasadas em critérios e técnicas profissionais. De acordo com Ana Lúcia Gondim, Aldaci Barbosa foi convocada diversas vezes à Câmara para prestar depoimento e apresentar documentos que comprovassem o público-alvo atendido. A principal motivação dos políticos, identificadas nas falas de alguns entrevistados, era 62 comprovar a incapacidade da Superintendente de gerenciar o Programa para retomar às práticas anteriores. Os técnicos, assistentes sociais em sua maioria, também acompanhavam os alunos e seus familiares. Segundo Conceição Pio, muitos alunos além de não terem condições financeiras de frequentar um colégio particular eram discriminados por ser de outra classe. Dessa forma, havia uma preparação dos bolsistas para ser inseridos na escola e dos membros da instituição para receber esses alunos, como releva trecho da entrevista de Conceição Pio abaixo: Tinha um programa muito grande também na Fundação que era de bolsas de estudo. [...]. Que a Eugênia de Deus era a coordenadora geral desse programa. [...] o programa, ele era muito bom, ele pegava os melhores colégios daqui. E também tinha [...] um trabalho elas atendiam os alunos e as mães dos alunos. Porque às vezes o aluno era carente e ia estudar no Lourenço Filho [...] então tinha [...] umas ações voltadas para preparar o aluno e para preparar o colégio para receber os alunos. Porque tinha muitas vezes que os alunos eram discriminados no colégio, então tinha um acompanhamento, tinha estagiários [...] E isso era uma coisa assim, muit o boa. [...] (CONCEIÇÃO PIO). Por falta de documentos da instituição e depoimentos de estudantes que receberam as Bolsas de Estudos não será possível apresentar dados sobre a abrangência do Programa e seus resultados. Cabe aprofundar essas informações em próximas pesquisas. Outro trabalho realizado na área da educação foi a Campanha de alfabetização de adultos, precursora do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)34. Segundo Mota (1982, p.26), a campanha foi “executada por voluntários que desejavam ajudar a alfabetizar gratuitamente.” Apesar da valorização do saber técnico e da contratação de profissionais para atuar na Fundação, percebe-se o incentivo ao voluntariado, a fim de atingir um maior número de pessoas em menos tempo e com custos reduzidos, já que muitos instrutores não eram remunerados. O MOBRAL foi criado para se contrapor e abafar o movimento iniciado por Paulo Freire. Apesar da tentativa de copiar algumas práticas freirianas, a diferença política, filosófica e pedagógica entre os dois movimentos era bem visível: o primeiro objetivava alfabetizar a população adulta tento como princípios metodológicos a funcionalidade e aceleração, em outras palavras, identificar a realidade de cada aluno e prepará-lo para exercer o mais rápido possível uma função na sociedade; o segundo, por compreender a 34 O MOBRAL era um Programa federal, iniciado em 1971, com o objetivo de erradicar o analfabetismo no país (ARCE, 2008). Foi extinto em 1985. 63 educação como ato político, visava alfabetizar para construir sujeitos crítico, verdadeiras ameaças ao regime militar (COLETI, 2009). Isso revela que as ações empreendidas na Fundação, durante a superintendência de Aldaci Barbosa, seguiram a perspectiva políticoideológica do regime militar, contribuindo, portanto, para a manutenção do status quo, como será visualizado em outros programa e projetos. Na área do trabalho, as orientações nacionais eram a qualificação da mão de obra, a inclusão do trabalhador no mercado de trabalho, a proteção ao desempregado através da criação do auxílio-desemprego, a formação de lideranças sindicais e o incentivo à participação ativa do trabalhador na empresa (BIERRENBACH, 1982). Em Fortaleza, a FSSF colocava em prática a primeira e a segunda orientações. Nesse sentido, realizou diversos cursos de qualificação profissional, com intuito de preparar o trabalhador para o emprego. Os cursos profissionalizantes faziam parte dos projetos setoriais da Fundação. Aconteciam no período da noite nos bairros periféricos da cidade, onde habitava a maior parte dos pobres. Posteriormente, com a criação dos CSU, os cursos também passaram a ser ofertados nesses Centros. Segundo Conceição Pio, o projeto tinha desempenho eficaz no turno da noite, pois esse era o único horário vago dos moradores dos bairros. Para o deslocamento dos profissionais, eram disponibilizados carros. No financiamento e execução dos cursos, a Fundação fazia convênio com programas federais, como ocorreu com o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO)35, e escolas profissionais. Os principais cursos efetivados foram: arte-culinária, datilografia, encadernação, mecânica de autos, eletricidade, motorista náutico, artes gráficas, tapeçaria, bordado, metalurgia, babá, dentre outros, segundo relata Conceição Pio: [...] Eu tive a experiência na Fundação [...] Eu era estagiária do Pirambu, quando [...] ela [Aldaci Barbosa] convidou para gente trabalhar no programa de capacitação, era o programa que tinha um convênio com a PIPMO, com a escola técnica, que era a preparação de mão de obra na periferia. Então, a gente ia para aqueles bairros [...] levando cursos profissionalizantes. Bombeiro, de eletricista. Então, a gente fazia todo um trabalho de mobilização da comunidade, para participar dos cursos, [...] e acompanhava os treinamentos que eram dados à noite [...], nas favelas, a gente trabalhava mais à noite. E depois a gente se preocupava com o encaminhamento daquelas pessoas, para os empregos, para os trabalhos. Aí tinha curso de mecânica, tinha curso de carpintaria, tinha curso de pedreiro, tinha curso de carpinteiro naval, que a gente tinha um grupo muito bom no Mucuripe [...]. Então esse é um trabalho que eu tenho vivência, eu trabalhei muito com outra assistente social nessa área [...]. 35 “O PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra) foi concebido pelo governo de João Goulart em 1963 e executado durante a ditadura militar até sua extinção em 198 2. Correspondia a cursos profissionalizantes que ocorriam em todo o país, para trabalhadores pouco escolarizados, com encaminhamento para o emprego durante o idiossincrático Estado de bem -estar social brasileiro” (SANTOS, 2006, p. 5270). 64 Especificamente para as mulheres, foram criadas as lavanderias públicas e o artesanato 36 . Instaladas no Pirambu e na Vila União, as lavanderias industriais buscavam melhorar as condições de trabalho das mulheres que lavavam roupas nas margens de rios e lagoas, bem como aumentar a renda familiar, através do atendimento a um maior número de clientes. Já o artesanato visava contribuir com a renda das famílias nos bairros Pirambu, Mucuripe, Conjunto Palmeiras, Rondon e Alvorada. Essas ações faziam parte dos projetos setoriais da instituição e reforçavam as diferenças de gênero nos cursos ofertados às mulheres, que representavam a extensão de suas atividades domésticas. Mota (1982) destaca também, no âmbito da formação profissional, o trabalho realizado pela escola de educação familiar, criada sob a orientação da Fundação, que ofertava cursos de corte e costura, trabalhos manuais, bem como acompanhava as famílias, nas oficinas do Urubu da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). As oficinas eram antigos espaços de manutenção de locomotivas, carros e vagões localizados na Barra do Ceará, que se encontravam desativados. A ênfase na educação técnica revela a opção dos militares por um desenvolvimento econômico com desigualdade social, pois a preparação para um emprego possibilita o exercício de uma função e não participação na herança sócio cultural do país. Para Haguette (1994, p. 146) “se a educação for encarada como um investimento dirigido à promoção do desenvolvimento econômico e se ela for vista como mais proveitosa nas regiões mais ricas, é provável que o direito a educação no Nordeste e nas áreas rurais não será estendido” aos pobres no futuro. No que tange à política urbana, destacou-se a criação do Ministério do Interior em 15 de março de 1967, que supervisionou a implantação do Programa de Ação Concentrada (PAC) a partir de julho de 1969. O principal objetivo do Programa, segundo Schimdt e Farret (1986), era desenvolver atividades na área de saneamento, habitação e administração local. Para tanto, foram escolhidas 455 municípios para aplicação de um plano piloto, através de dois instrumentos: o relatório preliminar e o plano de ação imediata. Os planos deveriam ser operacionalizados por firmas privadas sob a supervisão da SERFHAU. Devido aos precários orçamentos, o Programa fracassou. Nesse período, o BNH se consolida com o apoio dos recursos advindos do FGTS, de empresas captadoras e aplicadoras de poupança e de financiamentos externos (BIERRENBACH, 1982). Contudo, Schimdt e Farret (1986) afirmam que o Banco esteve 36 O núcleo da LBA no Ceará, criado em setembro de 1942, também tinha um projeto de lavanderias públicas e ações na área do artesanato, no período da presidência de Luiza de Moraes Távora (1963-1966), mulher do governador Virgílio Fernandes Távora. 65 mais interessado em prover recursos financeiros e supervisionar os programas implementados do que construir habitações. Isso mostra o grande incentivo dado às indústrias privadas, provocando distorções no público que recebeu financiamento. Os autores mostram que ao final de 1967, 41% dos recursos do Banco foram destinados a habitações de grupos com alta renda, enquanto os pobres só receberam 35% dos recursos. Esta situação também pode ser comprovada em um trecho da conferência pronunciada por Aldaci Barbosa no 2° Congresso sobre Urbanismo, realizado nos dias 15, 16 e 17 de janeiro de 1975: Com todas as modificações e todo interesse do BNH ainda não possibilitou o acesso do favelado em Fortaleza ao SFH. Esta afirmação fundamenta-se em estudos realizado em nossas favelas, como podemos comprovar, apresentando dados relacionados a uma delas, a do Arraial Moura B rasil, situada no leito da hoje Avenida Castelo Branco. O número de habitações, compreendendo casas, barracos, estabelecimentos comerciais e outros prédios, somavam 2.168 unidades. Com um número médio de 6 pessoas por casa, estima-se a população total de 13.000 pessoas. Quanto à renda, 75% viviam com C$ 200,00 (duzentos cruzeiros) mensais e apenas cerca de 15% ganhava um pouco mais que essa quantia. O quadro ocupacional da população mostrou um desemprego elevado, uma acentuada instabilidade e, sobretudo, reduzido índice de profissões efetivas e estáveis. Dos chefes de família, 34,2% eram desempregados ou mendigos; 14% não tinham emprego fixo; 3,1% eram prostitutas, 2,9% não especificou; 6,4% licenciados, e 11,6 não declararam. O índice de analfabetos superava 60%, nível considerado muito elevado para uma população exclusivamente urbana. Entre as ocupações definidas, destacam-se: ambulantes, trabalhadores avulsos, empregados em bares, e mercearias, serventes de pedreiro e estivador. A população pesquisada vivia quase totalmente à margem da instituição previdenciária. Somente 10% contribuíam para o INPS. Diante desse quadro ousamos afirmar que o nosso favelado não pode se candidatar aos programas do BNH [...] (MOTA, 1979, p.13-14). Dessa forma, a política social adotada pelo governo autoritário, ao invés de diminuir os desequilíbrios regionais, reforçou através da concentração de renda e investimentos nas regiões Sul e Sudeste, além de estender as desigualdades para o interior das regiões metropolitanas, onde era possível observar atividades de alta remuneração relativa, coexistindo com ocupações de baixa produtividade e remuneração, o que estabeleceu um quadro de grandes limitações para a população pobre, por conseguinte, crescentes tensões sociais (SCHIMDT e FARRET, 1986). Em 1967, Fortaleza tinha uma população de 850.000 habitantes e um déficit habitacional de 60.000 unidades (MOTA, 1982). A situação de miséria da população era grande, agravada pela repressão do regime militar, que inibia as pessoas de manifestar suas insatisfações com os governantes e gestores locais (RIBEIRO, 1994). Além disso, os denominados favelados não tinham condições de acessar os financiamentos dos programas nacionais, como dito anteriormente. Para dar resposta concreta a essa situação, a 66 Fundação realizou algumas ações. Dentre elas destaca-se a criação da “Operação Fortaleza” na favela Verdes Mares, coordenada pela primeira dama do Município, Dona Amélia Cavalcante, com o objetivo de solucionar o problema de habitação naquela região. A Operação abrangia também ações na área da educação e saúde, que contavam com o apoio dos estudantes universitários do Projeto Rondon37. A retirada de 200 casas do Poço da Draga; a construção do primeiro Centro Comunitário, em 1970, no Conjunto Habitacional Santa Luiza do Cocó; a entrega das escrituras de doação às pessoas transferidas para o Conjunto Nossa Senhora da Paz; a instalação de bibliotecas públicas nos bairros periféricos; e a extinção do Fundo Rotativo do Armazém Reembolsável, devido aos imensos prejuízos, foram outras ações relevantes concretizadas durante a superintendência de Aldaci Barbosa na gestão do Prefeito José Walter Cavalcante. A Fundação ampliou, portanto, a quantidade de projetos operacionalizados em diferentes áreas (educação, saúde, trabalho e renda, habitação). Além disso, foram realizadas as primeiras pesquisas sobre a situação socioeconômica dos moradores de favelas do município de Fortaleza, com o intuito de criar programas mais abrangentes de habitação e desenvolvimento comunitário, posteriormente denominado Programa Integrado de Desfavelamento. O governo militar de Emílio Médici (1969-1974) realizou o famoso “milagre econômico”, marcado pela modernização e rápido crescimento econômico com grande repressão. Em sua gestão foi formulado o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). A partir de uma avaliação da economia brasileira nas administrações anteriores, o plano propôs combater a inflação, proporcionar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumentar a renda per capita e a taxa de emprego. De acordo com BIERRENBACH (1982), o planejamento serviu de instrumento para garantir maior eficiência e racionalidade nas decisões. Já a concepção de desenvolvimento foi associada à Política de Integração Nacional (PIN) que enfatizou a transformação social através do crescimento econômico acelerado, a modernização dos setores públicos e privados, bem como a formação de uma 37 “O Projeto Rondon iniciou suas ações em 1967, e os objetivos estavam voltados para atender às necessidades das populações da Região Norte do país que apresentavam carências, no que se refere às questões de saúde, educação e preservação do meio ambiente. Na década de 60, o lema do Projeto Rondon era ‘Integrar para não Entregar’, e a concepção vigente era de que o Brasil precisava empreender esforços para a unificação do país e preservação do Território Nacional das influências internacionais e políticas daquele período” (SAVELI e P AULA, 2005, p.59). 67 infraestrutura social e econômica em áreas definidas como prioritárias, onde se destacou o Programa de Distribuição de Terras (PROTERRA) 38. A área social destacou-se por ações de distribuição de renda, através da garantia de salário médio real ao empregado, pela abertura de empresas de médio porte, pelas criações do Programa de Integração Nacional (PIS) e do Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (PASEP), como também pela diminuição do subemprego, por meio da intensificação dos programas de qualificação do trabalhador (BIERRENBACH, 1982). A classe que mais se beneficiou dessas ações, segundo Costa e Melo (1999), foi a média que encontrou várias oportunidades de emprego e teve o padrão de consumo elevado. Ao restante da população, as estatísticas revelam o grau de precarização: [...] em 1964, morriam 70 crianças a cada 1000 que nasciam; em 1979, a taxa aumentou para 92 por 1000. No ano de 1972, dos 3950 municípios existentes no Brasil, apenas 2638 possuíam abastecimento de água. Em 1973, existiam 600 mil menores abandonados em São Paulo, e no país o número chegaria a 10 milhões até o fim dos anos 70. O Banco Mundial afirmava, em 1975, que 70 milhões de brasileiros eram desnutridos (COSTA e MELLO, 1999, p. 371). O sistema previdenciário teve alguns avanços. Em 1972, as empregadas domésticas e os pescadores passaram a fazer parte das categorias profissionais cobertas pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), fundado em 1966 (HAGUETTE, 1994). Na Educação, as intervenções visavam universalizar o ensino do 1º grau, reduzir o número de analfabetos com a criação do MOBRAL, incentivar a alimentação saudável na pré-escola, diminuir a idade escolar, continuar a Reforma Universitária e criar centros de pós-graduação (BIERRENBACH, 1982). Já no âmbito da política urbana, foram criadas as Regiões Metropolitanas de Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Belém e Fortaleza, pela Lei complementar n° 14, de 08 de junho de 1973. Também foi instituída a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), pelo Decreto n° 74.156, de 06 de junho de 1974. A SERFHAU é extinta, a Comissão foi subsidiada pelo Fundo Nacional para Financiamento do Desenvolvimento Urbano e pelo Fundo para os Transportes. Suas funções principais eram “supervisionar a instalação das regiões metropolitanas criadas pela lei; propor uma política nacional de desenvolvimento urbano, e providenciar a sua implementação; propor códigos legais para apoiar inovações nas áreas urbanas” (SCHIMDT 38 O PROTERRA estava voltado à criação de infraestrutura agrícola no Norte e Nordeste (BIERRENBACH, 1982). 68 e FARRET, 1986, p. 42), bem como coordenar todos os agentes envolvidos na política de desenvolvimento urbano. O II Plano Nacional de Desenvolvimento, proposto no governo Ernesto Geisel (1974-1979), caracterizado por avanços e retrocessos autoritários, seguiu a mesma linha do I PND, na tentativa de consolidar o capitalismo industrial brasileiro. A principal inovação na área social39 foi a criação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), responsável pelo assessoramento da Presidência da República na elaboração da política social, bem como na coordenação de atividades sociais através de diversos ministérios, dentre eles: Saúde, Educação e Cultura, Interior, Trabalho, Previdência e Assistência Social40. O Conselho seria presidido pelo Presidente República e sua secretária-geral seria designada pelo Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento. O CNPU e o CDS foram os responsáveis pela criação do Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos (PNCSU). Regulamentado pela Lei 75.922 de 01 de julho de 1975, o Programa tinha o objetivo de promover a integração social na cidade, por meio da instalação de equipamentos públicos em áreas prioritárias 41 onde fossem desenvolvidas atividades comunitárias nos setores de educação e cultura, desporto, saúde e nutrição, trabalho, previdência social e assistência social. Finalmente, recreação e lazer. Financiado com recursos orçamentários pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelos Fundos de Participação dos Estados e Municípios e pelo Fundo Especial, bem como apoiado pela Caixa Econômica Federal, através do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) 42 e pelo BNH, o PNCSU tinha como meta construir 600 Centros Comunitários Urbanos em cinco anos para cumprir dois principais objetivos: primeiro, ofertar serviços sociais essenciais, nas áreas acimas citadas, de forma integrada, multisetorial e descentralizada; segundo, resgatar e fortalecer as relações comunitárias, por meio da participação dos usuários na gestão e no funcionamento do equipamento. O resultado dessa ação seria a melhoria das condições de vida das pessoas, que teriam acesso a bens e serviços de consumo coletivo, na modalidade de 39 Além da criação do CDS e da expansão da política urbana nesse período, o sistema previdenciário cria a Renda Mensal Vitalícia e incorpora o FUNRURAL ao INPS, ampliando a cobertura aos trabalhadores rurais e as pessoas acima de setenta anos (HAGUETTE, 1994). A Renda Mensal Vitalícia era um benefício da Previdência Social destinado a pessoas com idade superior a setenta anos e inválid os, que não exercessem atividade remunerada e não tivessem rendimento superior a 60% do salário mínimo (BRASIL, Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974). Este benefício foi extinto em 1988, com a criação do Benefício de Prestação Continuada (BPC). 40 O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado no inicio do Governo Ernesto Geisel, representando também um avanço na área social. 41 Áreas urbanas periféricas, onde residissem famílias com rendas média e baixa; espaços próximos aos conjuntos habitacionais de médio e grande porte; dentre outras. 42 O Fundo foi criado pela Lei n° 6.118, de 09 de dezembro de 1974, com o intuito de apoiar financeiramente programas e projetos de caráter social. 69 salário indireto, uma vez que não precisariam comprar esses serviços no mercado (BORBA, 1991). Borba (1991, p, 408) afirma que o PNCSU é “resultante da confluência de proposições de política social e política urbana, onde a intervenção do Estado na reprodução da força de trabalho se faz pela criação de equipamentos urbanos de uso social coletivo.” Nesse contexto, é possível inferir que o reordenamento das cidades, especialmente das metrópoles, através da concretização de uma política urbana, acarreta a expansão da política habitacional, com a construção de conjuntos de c asas nas periferias das cidades e de outras políticas sociais, com destaque para a assistência social, desenvolvidas de forma integrada nos CSU. No inciso IV, do artigo 2°, do Decreto 75.922 de 01 de julho de 1975, a assistência social se apresenta na forma de assistência ao “menor abandonado” e à velhice. Na sua avaliação do PNCSU, Borba (1991) verifica três incoerências: a primeira corresponde à falta de definições iniciais e de instrumentos que possibilitem a consecução dos objetivos propostos pelo Programa; a segunda, refere-se a não previsão dos custos de operação dos equipamentos sociais, bem como da sua repercussão nas despesas dos órgãos locais responsáveis pelo seu funcionamento; e a terceira, correspondendo à tentativa de transferir os encargos da manutenção dos equipamentos num primeiro momento para os municípios, que não tinham muitas condições financeiras e, posteriormente, para a população usuária dos CSU. A autora conclui: Assim sendo, o PNCSU, embora questionável em vários aspectos quanto à sua coerência interna e quanto a seus resultados heterogêneos, faz sentido no contexto da sociedade e da política brasileiras do período. Parece-nos que ele respondeu bem às necessidades de legitimação e tentativas de controle de conflitos sociais localizados — muito mais do que a seus objetivos explícitos, estes apenas parcialmente alcançados (BORBA, 1991, p. 417) No final da década de 1970, a “crise do petróleo” nos países desenvolvidos atinge o Brasil. Seguindo as exigências dos órgãos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Estado brasileiro optou pelo endividamento externo, pela expansão dos gastos internos, pela restrição das importações concomitante à liberalização do sistema financeiro e pela elevação das taxas de juros (SPOSATI et. al., 1998). Isso gerou uma redução nos gastos públicos e maior investimento de empresas internacionais em programas sociais nacionais, como é o caso da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU)43, que conseguiu financiamento do Banco Mundial em 1979, 43 A EBTU é criada pelo Decreto n° 77.406 de 12 de abril de 19 76. 70 ampliando seus projetos de transporte urbano nas cidades de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Recife (SCHIMDT e FARRET, 1986). Além da EBTU, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) foi criado para enfrentar os problemas acarretados com a recessão. Teve forte apoio do Banco Mundial para seu Programa Especial de Cidades de Porte Médio. Schimdt e Farret (1986) afirmam que os investimentos públicos disponíveis para os Programas urbanos foram diminuindo entre os anos de 1976 e 1984, provocando um profundo déficit na área social, especialmente em três setores: habitação, saneamento e transporte urbano. Em Fortaleza, no período que abrange as administrações de Vicente Cavalcante Fialho (1971-1975) e Evandro Aires de Moura (1975-1978), a Fundação: 1) deu continuidade aos programas e projetos mencionados anteriormente; 2) ficou responsável por coordenar todas as atividades do MOBRAL na cidade, seguindo a orientação nacional de erradicação do analfabetismo; 3) fundou três Centros Comunitários que tinham a mesma linha de ação dos Centros Sociais Urbanos, antecipando-se ao PNCSU; 4) extinguiu, de forma planejada e sistematizada, algumas favelas, transferindo os moradores para três conjuntos habitacionais. Colocou-se em prática o famoso Programa de Desfavelamento. É mister ressaltar que no inicio da década de 1970, o lado leste de Fortaleza começa a ser valorizado tanto pela especulação imobiliária quanto pela instalação de importantes equipamentos: Centro de Convenções, Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Imprensa Oficial e Academia de Polícia. Isso vai gerar a migração da elite rumo ao leste e a polarização da cidade: o lado rico com melhor infraestrutura e o lado pobre, serviços de má qualidade, localizado no oeste da cidade. Nas palavras de Fernandes, Diógenes e Lima (1991): Da Jacarecanga luxuosa que no século passado abrigava a burguesia comercial e agrária – que até então não valorizava o litoral – passando pela “Aldeota originária” e ampliando-se nos dias de hoje em direção ao bairro Edson Queiroz, Papicu e trechos das dunas da Praia do Futuro, as marcas dessa desigualdade são bem vivíveis e praticamente estabelecem uma linha divisória como se estivesse diante de uma “cidade dos ricos” e uma “cidade dos pobres” (p. 61-62). Percebe-se que o Programa de Desfavelamento aparece no momento de expansão da cidade de Fortaleza, gerando grande tensão social pela apropriação do solo urbano. Além disso, a busca incessante da elite fortalezense pelo desenvolvimento econômico e social da cidade e, consequentemente, sua inserção na cultura urbana dos países desenvolvidos, demarcou com mais força o processo de distinção e segregação socioespacial na metrópole (SANTIAGO, 2002). 71 Na gestão do Prefeito José Walter Cavalcante, havia sido construído o Conjunto Sétima Cidade, posteriormente denominado Conjunto José Walter, com financiamento do BNH e da COHAB-Fortaleza. Embora a Fundação tenha colaborado na remoção das famílias, o conjunto que, na época, era considerado o maior espaço de casas construídas da América Latina, não abrangeu o público da autarquia. Como as casas eram financiadas, muitas famílias não tinham a renda mensal per capita necessária para adquirir o imóvel. Os críticos do projeto reclamavam da distância do Conjunto Habitacional para o centro produtivo, local de trabalho dos moradores (RIBEIRO, 1994). Não obstante, durante a gestão dos três prefeitos mencionados e a superintendência de Aldaci Barbosa, não foi posto em prática uma política de recuperação urbana de vilas marginais, apesar de esta ter sido esboçada no documento “Programa integrado de desfavelamento de Fortaleza: estudo preliminar” produzido pela Secretaria Municipal de Planejamento e a FSSF, em 1973. Em 1971, a Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará identificou 63.413 habitações em condições precárias, incluindo as moradias de 73 favelas, constatando um déficit habitacional de 40% (FORTALEZA, [1973?]). As pesquisas socioeconômicas realizadas pelos técnicos da FSSF desde 1969 com os moradores de favelas do município revelaram o mesmo problema. A proposta de solução foi a criação de outros conjuntos habitacionais, uma vez que os construídos pela Fundação não comportavam mais pessoas, bem como financiamentos mais acessíveis, pelos motivos supramencionados. Nesse sentido, a Fundação deu início ao Programa Integrado de Desfavelamento, com a finalidade de remover as favelas e possibilitar a execução de obras de infraestrutura e urbanização nos espaços escolhidos como prioritários. Os moradores da favela do Trilho I, localizada entre as Avenidas Borges de Melo e Pinto Martins, foram os primeiros deslocados para um terreno adquirido pela Prefeitura no bairro Seis Bocas, dandou origem ao Conjunto Alvorada. No local da remoção seria construído o Terminal Rodoviário Engenheiro João Tomé e a Avenida Borges de Melo, urbanizada (FORTALEZA, [1973?]). Diferentemente de outros conjuntos de casas construídos pela Fundação, o Programa de Desfavelamento se propôs a adquirir terrenos, loteá-los e vendê-los às famílias no valor de 480 cruzeiros, a serem pagos em 48 prestações mensais e iguais. A metodologia adotada se estruturava em: 1) pesquisa sobre as condições socioeconômicas dos habitantes da área a ser removida e a situação dos imóveis; 2) identificação das famílias, através de visitas domiciliares e entrevistas realizadas por assistentes sociais; 3) 72 exame dos barracos ou casas por fiscais, supervisionados por um engenheiro para o cálculo das indenizações; 4) realização de reuniões e assembleias com os moradores, a fim de prepará-los para o processo de remoção e realocação; 5) pagamento das indenizações, demolição das moradias e retirada do material, em grupos de 10 a 20 famílias; 6) assinatura do contrato de compra e venda do terreno, recebimento da indenização, sorteio do lote e pagamento da primeira prestação; 7) encaminhamento da família para o alojamento localizado no Conjunto, a fim de dar todas as instruções sobre a construção; 8) esperar a construção de um cômodo para realizar a mudança da família (FORTALEZA, [1973?]): O processo de remoção dos favelados exige um intenso trabalho de abordagem individual, grupal e comunitário, de modo a conscientizá-los sobre as vantagens da mudança e sobre a participação de cada indivíduo e de cada família na implantação das novas condições de habitação. A remoção não pode ser feita com êxito sem planejamento e sem que as famílias envolvidas no processo tenham sido esclarecidas sobre as alternativas que a mudança pode trazer, as dificuldades a enfrentar e as obrigações a assumir. Por outras palavras, é indispensável que haja uma adesão ao projeto, com pleno conhecimento de causa . (FORTALEZA, [1973?], p. 09, grifos meus) Há, portanto, um esforço de racionalização e sistematização de atividades, a fim de produzir um discurso técnico que além de justificar cientificamente a remoção das famílias perante a sociedade, às convencesse de que aquela ação era a melhor para todos. Segundo Brandão (2001, p.117), a Fundação era procurada por proprietários de terrenos ocupados para realizar a remoção e indenização das famílias. O proprietário pagava 20% do valor do terreno à instituição e esta concretizava o desfavelamento, revelando que a política habitacional adotada também favoreceu o processo de acumulação de capital. Na análise da autora, isso demonstrava reconhecimento do órgão na efetivação dessa ação. Quando questionada sobre o objetivo da FSSF, Raimunda Pinheiro Coe respondeu: O objetivo era de beneficiar os grandes latifundiários, atender famílias que moravam em leitos de rua, ou seja, mas que estavam ocupando parte do terreno de particular. Eles entravam com um processo na prefeitura, pagavam uma taxa de administração de 20% daquele valor, e a prefeitura fazia a remoção das famílias. João Nogueira Mota afirmou em entrevista que Aldaci Barbosa tentou comprar terrenos que não ficassem tão distantes do centro de Fortaleza. Contudo a Superintendente não teve o apoio necessário dos proprietários de terras e da elite dominante para concretizar a proposta. A opção encontrada foi comprar terrenos na periferia e criar toda uma infraestrutura para receber as famílias, o que reforçou a segregação sócio espacial entre as classes. Nesse sentido, foram criados o Conjunto Alvorada, nas Seis Bocas, o Conjunto Marechal Rondon, na Jurema, o Conjunto Palmeiras, na Messejana. No discurso da Superintendente no 2º Congresso sobre Urbanismo: 73 Era rotina administrativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza, simplesmente, indenizar e retirar os casebres que atrapalhavam a abertura das ruas. Às vezes eram localizados em outros “becos”, transferindo apenas o problema para, mais tarde, quando outra rua precisasse ser aberta. Na atual administração, a preocupação foi sistematizar uma ação de maneira que o problema fosse solucionado definitivamente. Daí, então, surgiu a necessidade de compra de terrenos onde foram implantados os Conjuntos Habitacionais: Alvorada, Marechal Rondon e Palmeiras. O primeiro foi iniciado em novembro de 1971 com uma área de 311 lotes para uma população de 1.866 pessoas. O segundo nasceu mais agressivo, já que o primeiro tinha sido viável. Sua área de 68 ha, com 1.474 lotes de 10X20. Seu custo foi de ₢$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil cruzeiros). Seus equipamentos comunitários: chafariz, centro comunitário, sanitários públicos, televisor público, grupo escolar. O terceiro e último desta série foi o Conjunto Palmeiras, com 105 ha e 2.700 lote de 10X20, custando ₢$ 600.000,00 (seiscentos mil cruzeiros). Seus equipamentos: grupo escolar e centro comunitário. (MOTA, 1979, p. 18-19) A citação revela à preocupação e a proposição da superintendente de uma ação alternativa as práticas até então executadas no município de Fortaleza em relação à habitação. O Programa de Desvelamento embora removesse os indivíduos das favelas para construção de ruas e obras públicas, não se resumia a isso. Ele procurava garantir o acesso a habitação, a infraestrutura básica e a serviços sociais, na tentativa de melhoria das condições de vida das pessoas. Não obstante, colocava em prática o projeto das elites dominantes de expansão e desenvolvimento da cidade, por meio da remoção daquilo que era incômodo aos seus olhos: as favelas e seus habitantes. Após a fase de remoção, era dado início ao processo de organização social dos moradores. Seguindo a metodologia de Desenvolvimento de Comunidade44, os técnicos da Fundação criavam um grupo de líderes nos Conjuntos que ficariam responsáveis pela busca da melhoria das condições de vida dos moradores. Os representantes eram escolhidos por quadra, através de processo eleitoral. Embora essa ação possibilitasse aos moradores se organizar e constituir um espaço de debate e discussão dentro da comunidade, o principal objetivo do trabalho era fazer com que a própria comunidade melhorasse suas condições habitacionais e urbanas, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da cidade. Nessa mesma perspectiva foram criados os Centros Comunitários Governador César Cals, em 1971, no bairro Henrique Jorge; Presidente Médici, em 1972, na Aerolândia; e Economista Rubens Vaz Costa, em 1974, na Jurema. Os Centros, posteriormente denominados Centros Sociais Urbanos, ofereciam serviços na área da saúde, assistência 44 “Desenvolvimento de Comunidade tem por finalidade ajudar tanto as zonas rurais como as urbanas. [...]. [...] é aplicado também em zonas semirrurais ou urbanas, para acompanhar o processo de urbanização na formação de pequenas comunidades planejadas ou na recuperação de zonas deterioradas. Nas zonas urbanas, á medida que a cidade se expande, o Desenvolvimento de Comunidade visa a organizar zonas suburbanas, a erradicar ou a recuperar zonas de favelas. Nestas, os programas terão como finalidade o zoneam ento, trabalhos urbanísticos, melhoria da habitação nos seus vários aspectos, criação de serviços públicos etc.” (VIEIRA, 1981, p. 252-253). 74 social, esporte, lazer, educação, cultura, trabalho e renda, dentre outros, com os mesmos objetivos do PNCSU, quais sejam: dar acesso a bens e serviços de consumo coletivo e fazer com que a comunidade participasse da organização e gestão do equipamento. Segundo Aldaci Barbosa, O Conjunto Alvorada e Conjunto Palmeiras têm como ponto de apoio o Centro Comunitário de Profissionalização Emílio Médici. Os Centros reúnem em si cerca de 2.000 famílias associadas correspondendo aproximadamente, a 12.000, para se divertirem, praticarem esportes, desenvolverem atividades culturais através do teatro, banda de música, corais, danças modernas, balet, cinema, participarem de cursos profissionais e receberem atendimento médico-odontológico (MOTA, 1979, p. 27). Para participar das atividades, as famílias se associavam ao Centro Comunitário pagando ₢$ 10,00 (dez cruzeiros) por mês. Havia também um sistema de convênios com as escolas próximas aos Centros, onde a taxa era de ₢$ 3,00 (três cruzeiros) por colégio. Os resultados obtidos pelos Centros Comunitários, segundo a Conferência pronunciada pela Superintendente no INPS em agosto de 1976, foram muitos. Destaco alguns: realização de 12 cursos profissionalizantes, abrangendo 1.722 alunos; oferta de serviços de saúde a 96.282 pessoas em um ano; 2.197 alunos com acesso a diversas modalidades de esportes; 704 pessoas participaram dos cursos na área da arte, que inclui música, dança, teatro, coral, folclore e artes plásticas; 715 alunos participaram dos programas e projetos desenvolvidos na área da educação (Curso de Madureza, Projeto Minerva e Mobral) e 180 mulheres produzindo artesanato (MOTA, 1979). Os programas e projetos da Fundação visavam além do desenvolvimento da comunidade a “promoção humana”, perspectiva que acreditava na capacidade do ser humano de transformar para melhor suas condições de vida e, consequentemente, tudo que está ao seu redor. Dessa forma, partia-se da concepção de que o problema era individual, mas que cabia ao poder público o papel de orientar, direcionar e capacitar as pessoas para que pudessem ser “autônomas” e colaborar para o desenvolvimento harmônico da sua comunidade. Tudo isso contribuiu para a manutenção do regime militar, disciplinamento da população e controle dos conflitos sociais em período de repressão. Nas palavras de Ribeiro (1994, p. 81), O próprio governo, consciente do clima potencialmente explosivo provocado pela situação de miséria da população, criou instrumentos com o objetivo de canalizar as insatisfações populares, procurando discipliná-las e controlálas, na medida em que desviava a sua atenção dos problemas do dia-a-dia para os esportes, através da criação de locais onde a população carente pudesse sofrer um tipo de vigilância e controle por parte das autoridades constituídas: os Centro Sociais Urbanos. 75 João Nogueira Mota destacou o Congresso de Jovens e a mobilização de jovens nas comunidades como momentos de resistências ao regime implantado. No entanto, ao analisar de forma geral os programas e projetos executados na Fundação, percebe-se o não confronto direto a ditatura militar, pois do contrário os trabalhos não teriam sidos concretizados e seus líderes perseguidos. As ações não buscavam garantir a redistribuição da renda no município, e sim possibilitar à população acesso a bens e serviços de consumo coletivo. Nesse sentido, a política social implementada se mostra capaz de reprodução da força de trabalho ao mesmo tempo em que concentra renda nas classes mais abastadas, pois não interfere na base estrutural do sistema capitalista. Tudo isso me leva a inferir que a assistência social, nesse período, estava articulada com outras áreas: habitação, educação, cultura, saúde, lazer, esporte e qualificação profissional. Como o público-alvo da FSSF era as camadas pobres proveniente das favelas removidas com a restruturação do espaço urbano de Fortaleza, seu objetivo se confundia com a finalidade da assistência social, qual seja: “suprir, sanar, ou prevenir, por meio de métodos e técnicas próprias, deficiências e necessidades dos indivíduos ou grupos quanto à sobrevivência, convivência e autonomia social” (MESTRINER, 2008, p.16). Isso revela a constituição de uma política social planejada e sistemática no município de Fortaleza a partir da superintendência de Aldaci Barbosa, focalizada nos pobres e direcionadas politicamente pela proposta dos governos militares. 76 4 O ESTILO GERENCIAL DE ALDACI BARBOSA [...] ela [Aldaci Barbosa] era uma pessoa extremamente rígida. [...] Para mim foi a pessoa mais inteligente que eu vi, que eu convivi e meu universo não é limitado [...]. Ela era uma mulher, para mim, de vanguarda. [...]. Uma pessoa que fez história. Eu acho que o Serviço Social até ela, era um e depois dela outro. (ANA LÚCIA GONDIM) A forma como Aldaci Barbosa administrou a FSSF, as pessoas que integravam esta instituição e os conflitos existentes: eis o objetivo deste capítulo. Longe de enquadrá-la em um estilo gerencial feminino ou masculino, busquei evidenciar, a partir da bibliografia estudada, em que momentos ela se aproximou de características gerenciais historicamente identificadas como pertencentes aos homens ou às mulheres. 4.1 A mulher na administração pública brasileira: algumas estatísticas Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentadas por Cardoso (2006), havia, no ano de 1940, 83.385 mulheres com dez anos ou mais, exercendo atividades de “Administração pública, justiça, ensino público”. O número de homens para essa mesma categoria era de 227.341, correspondendo a 73,16% do total de pessoas nesse ramo de atividade. As categorias em que as mulheres superavam o número de homens eram “Atividades domésticas, atividades escolares” e “Condições inativas, atividades não compreendidas nos demais ramos, condições ou atividades mal definidas ou não declaradas”, correspondendo respectivamente a 10.725.275 mulheres e 461.621 homens para o primeiro ramo de atividade, bem como 1.638.435 mulheres e 1.469.777 homens para o segundo. Esses dados nos revelam que apesar da crescente inserção na administração pública, as mulheres representavam um contingente bem menor quando comparadas ao número de homens. Além disso, mostram a concentração de trabalhadoras nas atividades domésticas e escolares, comprovando a existência de um lugar e papel socialmente destinado às mulheres. 77 Na estatística de 1950, os ramos de atividade são reorganizados em 14 categorias que não permitem uma comparação com o ano anterior 45 (CARDOSO, 2006), mesmo assim foi possível identificar disparidade de gênero em algumas classificações. O ramo “Administração pública, legislativo, justiça” apresentou 40.131 mulheres e 220.636 homens com 10 anos ou mais, revelando um declínio em mais de 50% no número de mulheres em relação ao ramo anterior “Administração pública, justiça, ensino público”. Pode-se afirmar que existia um número significativo de mulheres no “ensino público”, uma vez que a substituição dessa categoria pelo “legislativo” trouxe uma diminuição no número de mulheres nesse ramo de atividade. Entre os ramos em que as mulheres superavam os homens em números, destacou-se mais uma vez as “atividades domésticas não remuneradas e atividades escolares discentes”, com 14.881.825 mulheres e 1.582.206 homens. É importante destacar que, nas duas décadas analisadas, o número de mulheres em idade ativa já superava a quantidade de homens. Foram 14.603.238 mulheres e 14.434.611 homens com 10 anos ou mais no ano de 1940; e 18.469.715 mulheres e 18.088.275 homens, em 1950, indicando uma contribuição significativa das mulheres para a configuração do mercado de trabalho (ver tabelas no Anexo A e B). Seguindo outra classificação, os dados do ano de 1970 apresentavam 162.113 mulheres e 992.841 homens na “Administração pública”, o que revelou um aumento no número de trabalhadoras nessa área quando comparado com os anos anteriores. O critério era de pessoas economicamente ativas e não mais pessoas em idade ativa. Os ramos de atividades foram reorganizados em oito setores, a saber: Agricultura, pecuária, silvicultura, extração vegetal, caça e pesca; Atividades industriais; Comércio de mercadorias; Prestação de serviços; Transportes, comunicação e armazenagem; Atividades sociais; Administração pública; e Outras atividades. O número de mulheres na modalidade de ocupação “empregado”, só superou o número de homens em dois setores: “Prestação de serviços” e “Atividades sociais” (ver tabela no Anexo C). 45 Os dados de 1940 foram organizados em 12 ramos de atividades, a saber: Agricultura, pecuária, silvicultura; Indústrias extrativas; Indústrias de transformação; Comércio de mercadorias; Comércio de imóveis e valores mobiliários, crédito, seguros, capitalização; Transportes e comunicações; Administração pública, justiça, ensino público; Defesa nacional, segurança pública; Profissões liberais, culto, ensino particular, administração privada; Serviços, atividades sociais; Atividades domésticas, atividades escolares; Condições inativas, atividades não compreendidas nos demais ramos, condições ou atividades mal definidas ou não declaradas. Já em 1950, foram categorizados 14 ramos: Agricultura, pecuária, silvicultura; indústrias extrativas; Indústrias de transformação; Comércio de mercadorias; Comércio de imóveis e valores mobiliários, crédito, seguros, capitalização; Prestaç ão de serviços; Transportes e comunicações e armazenagem; Profissões liberais; Atividades sociais; Administração pública, legislativo, justiça; Defesa nacional, segurança pública; Atividades domésticas não remuneradas e atividades escolares discentes; Atividades não compreendidas nos demais ramos, atividades mal definidas ou não declaradas; Condições inativas. (CARDOSO, 2006) 78 Pesquisas detalhadas sobre a inserção da mulher na administração pública datam da década de 1990. Em 2011, foi lançado o primeiro “Anuário das mulheres brasileiras” produzido pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), representando um avanço nos estudos sobre as mulheres no Brasil. Em diagnóstico sobre a situação da mulher na administração pública federal, Bernades, Moura e Acco (1998) identificaram que as mulheres constituíam 44,18% dos trabalhadores desse setor, totalizando 234.188 indivíduos e os homens correspondiam a 55,82%, ou seja, 295.904 pessoas. Embora estivessem em menor número na administração federal, os autores chamam a atenção para o fato das mulheres representarem 51,89% da população economicamente ativa (dados de 1996 do IBGE). Nos órgãos de administração direta, as mulheres tiveram maior participação nos ministérios de missão social46, foram eles: Previdência e Assistência Social (63,38%); Saúde (55,50%); Cultura (54,08%); Educação e Desporto (52,45%). Já nos ministérios de missão econômica e de infraestrutura, bem como introversa, as mulheres superaram o número de homens apenas nos ministérios da Indústria, Comércio e Turismo (52,42%) e Planejamento (51,10%). Isso revela que “as mulheres ainda não conseguiram uma ocupação mais equitativa” (BERNADES, MOURA e ACCO, 1998, p. 08) em relação aos postos historicamente compostos por homens. Na administração indireta as mulheres ultrapassaram o quantitativo de homens nas autarquias, no entanto, permaneceram em menor número nas fundações. As autarquias em que as mulheres tiveram participação acima de 50% foram no FNDE, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Nas fundações, por sua vez, listam-se Fundação Oswaldo Cruz, Fundação Alexandre Gusmão, Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Cultura Palmares e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Repetiu-se, portanto, a tendência de maior participação das mulheres nas instituições de missão social (BERNADES, MOURA e ACCO, 1998). No que tange aos cargos comissionados, os autores revelaram que quanto mais alto o nível da Diretoria e Assessoramento Superior (DAS), menor era o número de 46 Bernardes, Moura e Acco (1998, p. 07) classificam a missão dos Ministérios da seguinte forma: “1. missão econômica e de infraestrutura, onde se incluem os ministérios da Fazenda, das Comunicações, dos Transportes, do Trabalho, das Minas e Energia, da Ciência e Tecnologia, da Indústria, Comércio e Turismo, do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e o da Agricultura; 2. missão social, onde se incluem os ministérios da Cultura, da Educação, da Saúde e o da Previdência e Assistência Social; 3. missão introversa, onde se tem os ministérios do Planejamento, da Administração Pública Federal e Reforma do Estado, das Relações Exteriores e o da Just iça.” 79 mulheres nos cargos de gerência. Eram 6.890 mulheres (39,82%), comparadas a 10.415 homens (60,18%) em DAS, distribuídos da seguinte forma: DAS 1, 45,53% mulheres e 54,47% homens; DAS 2, 39,86% mulheres e 60,14% homens; DAS 3, 37,84% mulheres e 62,16% homens; DAS 4, 29,42% mulheres e 70,58% homens; DAS 5, 16,48% mulheres e 83,52% homens; DAS 6, 13,24% mulheres e 60,18% homens. Isso mostra a pouca participação das mulheres nos níveis decisórios de maior poder. Estatísticas do DIEESE (2011) referentes ao ano de 2010 apresentam um aumento da participação das mulheres em quase todos os cargos comissionados, com destaque para a DAS 5 e DAS 6, onde representam 25,6% e 23%, respectivamente. Porém, as mulheres não superam o número de homens em nenhuma das DAS, o que evidencia a existência de entraves à inserção das mulheres em cargos de gestão. Na análise de Bernades, Moura e Acco (1998, p. 19): Essa restrita participação aos cargos de direção e gerência não são características exclusivas da Administração Pública brasileira, cuja cultura é renitente a aceitar a mulher como participante efetiva, decidindo e administrando. Países ango-saxões portam uma característica semelhante. Na Grã-Betanha, por exemplo, as mulheres perfazem o total de 48,7% dos servidores do Civil Service, mas desse montante, 35% situam-se no nível executivo básico, 15% no intermediário (Open Structure) e apenas 9% no superior (Senior Open Structure). Os índices para o nível executivo superior nos Estados Unidos da América, na Austrália e no Canadá são 16,5% para os dois primeiros países e 18,3% para o último. 4.2 Obstáculos à ascensão das mulheres a cargos de gestão Wajcman (1998) reconhece a existência de um “teto de vidro” para as carreiras gerenciais de mulheres, ou seja, de obstáculos invisíveis que dificultam a ascensão feminina a cargos de gestão de alto nível47. Um deles é a coincidência do período de dedicação ao trabalho para obter sucesso, com os anos educativos das crianças. “A carreira da mulher, que geralmente é ‘dividida’ ou ‘interrompida’ para ter filhos ou cuidar deles, fica, daí em diante, não apenas diferente, mas deficiente” (WAJCMAN, 1998, p. 80). Esse discurso também foi utilizado durante muito tempo por empregadores para justificar a falta de promoção das mulheres, fomentando as reivindicações dos movimentos 47 A autora analisa carreiras de gestão em empresas privadas. Outros estudos também revelam a existência de um ‘teto de vidro’ para as mulheres cf. LUCAS, Ângela Christina et al. Identificação de práticas de gestão voltadas à questão de gênero: um estudo a partir das melhores empresas para você trabalhar. In: XXXIV Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, 25 a 29 de setembro de 2010. 80 feministas por políticas de oportunidades iguais, que garantissem às mulheres conciliar carreira e trabalho doméstico. Mesmo assim, Wajcman (1998) afirma que poucas mulheres estão usufruindo desses direitos. O principal motivo é a imagem que a empresa tem dos empregados que acessam essas políticas como pessoas menos comprometidas com o trabalho e, consequentemente, inadequadas para ocupar cargos de gerência. Para a autora, isso evidencia que políticas de igualdade não conseguiram substituir o modelo masculino de gestão. A autora também revela, a partir de outros estudos sobre discriminação no emprego, a percepção que os empregadores têm dos papeis sociais desempenhados pelos gêneros. Enquanto os homens eram visualizados de forma positiva por terem alguma responsabilidade doméstica, as mulheres eram compreendidas como menos confiáveis e comprometidas com o trabalho, o que as colocava em funções de baixa remuneração e status inferior ao profissional do sexo masculino. O cargo de gerente é definido pelo sexo, sendo considerado melhor candidato o homem de família. Em seu estudo com gerentes seniores, Wajcman (1998, p. 82) chega a seguinte conclusão: [...] as mulheres adaptaram-se ao modelo masculino predominante de gerente bem-sucedido e buscam as mesmas carreiras organizacionais que os homens. Elas fizeram uma escolha consciente de não ter filhos ou organizar a vida doméstica e a criação dos filhos de modo que possam dedicar-se a suas carreiras. Ainda assim, elas são tratadas diferentemente dos homens e o progresso em suas carreiras é bloqueado. O ‘contrato sexual’, portanto, classifica todas as mulheres como trabalhadoras com responsabilidades domésticas. Todos esses obstáculos e imagens colocam Aldaci Barbosa em evidência. Primeiro, por ter sido a primeira mulher a assumir um cargo de gestão na Prefeitura Municipal de Fortaleza. Segundo, por ter se mantido neste cargo durante dez anos, em um período de política autoritária onde a maioria dos cargos de alto nível era ocupada por homens, prevalecendo o modelo masculino de gestão. 81 4.3 O social como espaço privilegiado de intervenção da mulher Aldaci Barbosa se insere no social, entendido aqui como área de intervenção48, através de sua experiência no Pirambu, destacando-se na liderança e gestão das atividades técnicas, permeadas por valores cristãos. Apesar das ações realizadas estimularem a participação da comunidade na resolução de seus problemas, também difundiam determinados hábitos e comportamentos aos moradores, como mencionado anteriormente. Ao homem o trabalho, o espaço público, a rua. À mulher o cuidado com os filhos e o marido, o espaço privado, a casa. Essa perspectiva ideológica, ressalte-se, era difundida, especialmente, por mulheres de uma condição social e econômica melhor – assistentes sociais e estagiárias 49 – aos habitantes do bairro, que constituíam os pobres. Para Barbosa (1959, p. 118), Inegavelmente a ausência da mãe de família do lar para exercer funções profissionais acarreta sérios prejuízos na educação da prole. Por sua vez, possuindo elas uma situação econômica deficiente necessitam de uma função remunerada que auxilie na manutenção da casa. Necessário se faz, portanto, que se fixe a mãe de família no próprio lar, dando-lhes afazeres remunerados. Com sua ausência no lar, os únicos prejudicados são os filhos que se criam nas ruas aprendendo e efetivando práticas anti-sociais, transformando-se em futuros marginais (BARBOSA, 1959, p.118). Isso revela uma diferenciação nos papeis atribuídos às mulheres de classe social diferente. Às abastadas, o trabalho social e a ascensão ao espaço público sem discriminação, questionamentos. Com o compromisso, é claro, de manterem as qualidades de uma “mulher de família”50. Às demais, a obrigação primordial de ficar em casa, salvo devido à situação econômica da família, muitas acabavam se inserindo na cena pública através do trabalho nas fábricas ou da prostituição, ocupações recriminadas pela sociedade da época. Nas palavras de Donzelot (2001): É ainda mais significativa a diferença de posições táticas em que se encontram a mulher burguesa e a mulher popular. Através da revalorização das tarefas educativas se estabelece, para a mulher burguesa, uma nova continuidade entre suas atividades sociais. Ela desc obre um domínio de missão, abre para si um novo campo profissional na propagação das novas normas assistenciais e educacionais. Pode, ao mesmo tempo, ser suporte 48 “Certamente não se trata do adjetivo que qualifica o conjunto dos fenômenos que são objeto da sociologia: O social tem por referência um setor particular em que se classificam problemas na verdade bastante diversos, casos especiais, instituições específicas, todo um pessoal qualificado (Assistentes “sociais”, trabalhadores sociais)” (DONZELOT, 2001, p. 01). 49 Silva (2010) afirma que originalmente o Curso de Serviço Social do Ceará era formado por mulheres pertencentes aos setores abastados da sociedade. 50 Termo utilizado para designar as mulheres que seguem a conduta moral pré -estabelecida pela sociedade que integram. 82 de uma transmissão do patrimônio no interior da família e instrumento de irradiação cultural no exterior. A mulher do povo possui, por natureza, um trabalho antagônico com seu status materno. Algumas vezes ele representa uma necessidade mas é sempre obstáculo à realização de sua função de guardiã do lar. Para ela não se trata de irradiação: sua mis são é, ao contrário, velar por uma retração social de seu marido e de seus filhos. [...] Outro ponto de destaque é a maior participação do trabalho feminino em atividades da área social, ou seja, a divisão sexual do trabalho 51. O fato de serem mulheres ricas não lhes possibilitavam assumir qualquer profissão. Podiam e, até certo ponto, considerava-se legítimo que trabalhassem, mas em campos que pudessem exercitar e difundir as qualidades de mulher, quais sejam: educar crianças, adolescentes e adultos (pedagogia); cuidar dos doentes (enfermagem); orientação e encaminhamento para os problemas sociais e morais (serviço social), dentre outras. Às mulheres pobres, trabalhos que representavam a extensão das atividades domésticas: cozinheiras, costureiras, bordadeiras, secretárias. Para Rago (1997, p.65), [...] a construção de um modelo de mulher simbolizado pela mãe devotada e inteira sacrifício, implicou sua completa desvalorização profissional, política e intelectual. Esta desvalorização é imensa porque parte do pressuposto de que a mulher em si não é nada, de que deve esquecer-se deliberadamente de si mesma e realiza-se através dos êxitos dos filhos e do marido. É claro que, em grande parte, este modelo vitoriano de comportamento feminino determinou suas opções e condutas. Mesmo porque até muito recentemente os cursos de especialização profissional e técnicos e universitários, estavam praticamente fechados às mulheres, destinadas às carreiras de professoras primárias, enfermeiras, no caso das que tinham algum acesso de instrução, e domésticas, operárias, telefonistas, nas camadas mais baixas. Em qualquer caso, o campo de atuação da mulher fora do lar circunscreveu-se ao de ajudante, assistente, ou seja, a uma função de subordinação a um chefe masculino em atividades que a colocaram desde sempre à margem de qualquer processo decisório. [...]. Como assistentes, cuidadoras, auxiliares, voluntárias, donas do lar, as mulheres exerceram durante muito tempo atividades mal remuneradas e recentemente reconhecidas legalmente como trabalho, dentre eles o doméstico52. Tiveram ou ainda têm para alguns o dom das ações práticas, mas não intelectuais. Isso é comprovado pela não garantia histórica às mulheres dos direitos políticos, fato que as afastou dos espaços de negociação, pactuação e representação de seus interesses e necessidades. 51 “[...] A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)” (H IRATA e KERGOAT, 2007, p. 599). 52 Sobre o trabalho doméstico no Brasil cf. ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Trabalho doméstico no Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010. 83 Necessidades, que segundo Hubertine Auclert – feminista francesa analisada por Scott (2002) –, não eram só suas. Para a feminista, havia uma conexão entre os interesses da mulher e o social. Em sua luta pelos direitos políticos das mulheres, ela argumentava que os interesses destas estavam em consonância com os interesses sociais gerais, ou seja, dos pobres, com destaque para os operários e as operárias. Nesse sentido, a pessoa mais capacitada para representar esses interesses nos espaços políticos (Câmaras e Senado) eram as próprias mulheres, e não homens. Na Terceira República francesa, as mulheres não tinham direito ao voto, nem podiam se candidatar às eleições, por serem consideradas fanáticas obedientes à Igreja e revolucionárias de sexualidade desenfreada (SCOTT, 2002). Apesar do reconhecimento da questão social como assunto de ordem política, as mulheres não eram chamadas a pensar, decidir e opinar intelectualmente sobre esses temas e sim colaborar em determinadas funções na sua execução. Cabe então perguntar: como homens abastados podiam dizer e decidir sobre a situação e condições sociais dos pobres e das mulheres, se nunca as vivenciou? Por isso os movimentos feministas, no Brasil e na França, lutavam pelo direito ao voto e à representação. Participar da política53 era ter poder de ação, mais principalmente de decisão. Em outras palavras, poder sobre o direcionamento político ideológico das atividades empreendidas e, portanto, possibilidade não só de reproduzir o statu quo, mas romper com aspectos da estrutura vigente. A garantia de direitos políticos a todas as mulheres em 1936 no Brasil não assegurou sua entrada massiva na política54. A luta não era só constitucional, mas contra toda uma mentalidade construída acerca do feminino. Nesse sentido, a dificuldade de ascensão a esses espaços, não inviabilizou a construção de resistências no cotidiano. Paulatinamente, algumas mulheres foram se inserindo no mercado de trabalho ocupando profissões, funções e cargos tanto masculinos como femininos sendo, concomitantemente, instrumentos de reprodução da ordem vigente e meios de mudança. O primeiro parodoxo de Aldaci Barbosa seria, portanto, a sua capacidade de propor ações que envolveram os moradores do bairro em torno de seus problemas sociais e na busca de soluções, ao mesmo tempo em que propagava os valores morais da época, 53 Política compreendida no sentido clássico, grafada na língua inglesa como politics e referindo-se a atividades e competição política (eleições, voto, partido, parlamento, governo). Para uma discussão dos dois significados do termo cf. PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Discussões conceituais sobre políti ca social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete et. al. (Orgs.). Política Social no capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. 54 Sobre a mulher na política cf. AVELAR, Lúcia. Mulheres na elite política brasileira. São Paulo: Konrad Adenauer: UNESP, 2002. 84 impondo determinadas regras de conduta social à população da comunidade. A rigorosidade na manutenção de valores morais procedeu de sua formação cristã. Outras contradições podem ser visualizadas na sua forma de conduzir a Fundação, influenciadas tanto por seus princípios morais cristãos como pela tensão decorrente da gestão de uma instituição do aparelho estatal. No Pirambu o trabalho do Serviço Social era desenvolvido junto à Igreja católica, instituição da sociedade civil, possibilitando em determinados momentos ações de confronto com o Estado, como foi a Marcha do Pirambu. Na superintendência da Fundação do Serviço Social de Fortaleza, cargo de confiança do Prefeito, ela representava o próprio poder institucional do Estado perante a sociedade. 4.4 A forma de administrar de uma mulher Um dos pontos analisados pelos autores quando se trata de mulheres trabalhadoras, universitárias, gerentes ou empreendedoras, é o início da vida profissional. Segundo Blay (1975), a atividade profissional masculina é percebida como algo maravilhoso para a sociedade, familiares e amigos. O homem que começa a trabalhar cedo cumpre com seus deveres de colaborar em casa e diminuir as despesas dos pais, o que revela responsabilidade e maturidade. Já para a mulher, o trabalho é visto como algo momentâneo, uma obrigação de ordem econômica, que cessará com o casamento. “Quando não há este clima de estar a mulher desempenhando um ‘falso papel’ há uma muda indiferença que certamente vem somar à desaprovação e não criar um estímulo”. (BLAY, 1975, p.11) Nesse sentido, o apoio familiar, embora não seja determinante para a mulher ingressar no mercado de trabalho e ascender a cargos de gestão, é essencial para a sua manutenção em postos assalariado. Em sua pesquisa com mulheres em cargos de gestão federal55, Fontenele-Mourão (2006, p.51) afirma que o apoio familiar é primordial em dois sentidos: no estímulo a aceitar novos desafios, tendo maior apoio dos maridos e filhos, e nos modelos a serem seguidos, com maior aprovação de um descendente da família, com destaque para mãe. 55 A autora realizou pesquisa com sete mulheres ocupantes de cargos gerenciais de topo de carreira na administração pública, foram eles: DAS 5, DAS 6 e Natureza Especial (NE), ou seja, ministra. Como també m com os membros de suas equipes, onde participaram 146 indivíduos. 85 Nas entrevistas realizadas com os familiares, foi possível identificar que a família de Aldaci Barbosa não só a apoiava em seu trabalho, mas favoreceu a sua ascensão profissional através da garantia de sua qualificação. Diferentemente da irmã mais velha que seguiu os parâmetros definidos pela sociedade56, a Superintendente terminou a formação estudantil correspondente ao ensino médio na Escola Normal, graduou-se em três cursos. Casou-se com João Nogueira Mota (padre que havia pedido dispensa do celibato) por apenas oito meses haja vista o falecimento de Aldaci57. Não teve filhos biológicos e/ou adotivos, embora tenha tomado para si a educação dos familiares José Evanilson Nogueira e Ana Lúcia Gondim 58. Isso revela que ela tinha convicção do que queria e coragem para enfrentar os comentários que a sociedade, amigos e familiares poderiam fazer dela: [A mãe de Aldaci Barbosa fala:] Quero que você dê um paradeiro, nessa sua amizade com o Morais [João Nogueira Mota], isso não pode continuar! Aí ela olhou para ela e disse: Tá certo! Quando foi dois ou três dias depois, ela chegou, tia Maria na frente dela, ela disse: pronto mamãe, acabou com o problema. Minha amizade com o Morais não existe mais, eu acabei de casar com ele! (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA) Nesse sentido, é possível inferir que, não obstante o apoio familiar na formação e no estímulo ao trabalho, sua carreira foi conquistada com muito esforço pessoal e por mérito, pois sua indicação para o cargo de gestão intermediada pelo Padre Hélio Campos significou por parte deste e dos administradores de Fortaleza, reconhecimento pelo trabalhado executado no Pirambu, não por representantes políticos masculinos para mero cumprimento de acordos políticos e/ou manutenção do poder familiar na administração pública. Fontenele-Mourão (2006) também identificou nas falas de suas entrevistadas que a conquista profissional se realizou pelo mérito e esforço pessoal, sendo a opção pelo trabalho e pelo concurso público algumas delas. No que tange à idade, Aldaci Barbosa foi convidada para assumir o cargo de superintendente da Fundação aos 44 anos, permanecendo nele até os 54 anos, o que revela o inicio da carreira de gestora com uma idade mediana, com bastante experiência e maturidade profissional. Bernades, Moura e Acco (1998) identificaram uma grande participação feminina no serviço público federal nas faixas etárias de 21 a 25 anos (47,64%), de 36 a 40 anos (47,86%) e de 41 a 45 anos (47,55%). Já a média encontrada nas gestoras participantes do estudo de Fontenele-Mourão (2006) foi de 45,5 anos, mostrando que 56 Depois que a família se mudou para Fortaleza, Albanisa Barbosa começou a trabalhar para pagar o colégio dos irmãos. Quando casou, deixou o trabalho assalariado e os estudos, passando a s e dedicar ao trabalho doméstico. Participava também de atividades voluntárias realizadas pelas freiras do Colégio Imaculada Conceição. 57 João Nogueira Mota já conhecia Aldaci Barbosa a um tempo significativo. Assumiram formalmente seu relacionamento meses antes dela falecer. A Superintendente morou com a mãe até se casar. 58 Os primos e sobrinhos moravam com seus pais, mais frequentavam a casa de Aldaci Barbosa, referência na família para orientação e resolução de conflitos. 86 mulheres em idade mediana ocupam cargos de gestão. Se elas são em maior número do que as jovens ou sua idade é um critério privilegiado pelos superiores, é um caso a se investigar. Importante notar que os alunos dos programas de Educação Continuada para Executivos-GVPEC, na faixa etária de 25 a 36 anos, participantes da pesquisa de Betiol e Tonelli (1991), consideraram a idade de 45 anos como um empecilho para as pes soas alcançarem cargos de prestígio na organização. Segundo as autoras: “[t]rata-se de um temor de ser desprezado pela organização, pois muitos executivos, independentemente de sexo, ocupando postos de prestígio, já ultrapassaram essa idade” (BETIOL e TONELLI, 1991, p. 18). Apesar de alguns entrevistados se referirem a Aldaci Barbosa como uma pessoa autoritária, essa não é uma opinião unânime. A palavra autoritária representa um indivíduo que dificilmente escuta opiniões de pessoas subalternas ao seu cargo e faz prevalecer sempre a sua ideia em detrimento das demais. Esse não parecia ser o caso da Superintendente. Conceição Pio relatou que Aldaci Barbosa fazia reuniões com os coordenadores dos Departamentos 59 e técnicos para escutar as dificuldades e encontrar a melhor solução para os problemas: [...] agora o que era importante de trabalhar com a Aldaci na época, era a preocupação que ela tinha de capacitação dos profissionais, sabe? Ela era uma pessoa muito empreendedora, muito comprometida com a profissão, ela acompanhava diretamente isso, ela ouvia muitos os profissionais. E, ela tinha muita coragem de chegar para o prefeito na época [...], ela ia lá no gabinete do prefeito e levava todos aqueles dados que a gente trazia para ela sobre as realidades das pessoas [...]. Em termos assim de inscrição para casa popular, o critério, essas coisas eram definidas na própria prefeitura. É tanto que ela [...] teve muito embate com os vereadores. Nesse sentido, ao analisar as narrativas, percebi que a palavra autoritária não estava se referindo a um indivíduo intransigente e sim a uma pessoa muito exigente com a qualidade do trabalho realizado pelos técnicos, como também firme no que tange às decisões tomadas. O que me leva a inferir que Aldaci Barbosa não era uma pessoa autoritária e sim determinada. Albanisa Barbosa afirmou que a irmã escutava mais do que falava e quando expressava sua opinião tinha muita clareza e ética no que dizia. Raimunda Neodinha Mendes Bessa foi a única a declarar que Aldaci Barbosa era democrática, pois dava oportunidade das pessoas expressarem seus pontos de vista. 59 A Fundação do Serviço Social de Fortaleza era organizada em quatro órgãos: 1) órgão de fiscalização; 2) órgão de administração e direção geral; 3) órgão de assistência técnica; e 4) órgão de execução. Este último era dividido em Tesouraria e quatro Departamentos, visando uma melhor dis tribuição das atividades, a saber: 1) Departamento de administração; 2) Departamento de contabilidade; 3) Departamento de Armazém Reembolsável; e 4) Departamento de programas comunitários. 87 Grzybovski, Boscarin e Migott (2002) identificaram em mulheres executivas de empresas familiares de Passo Fundo (Rio Grande do Sul) um gerenciamento que cultiva a honestidade, a apreciação do ser humano e companheirismo, bem como proporciona oportunidades de crescimento pessoal e profissional aos recursos humanos em troca de profissionalismo, comprometimento, honestidade e educação. O estilo gerencial de Aldaci Barbosa se aproxima das características elencadas nas executivas de Passo Fundo, por ouvir os técnicos da FSSF e preocupar-se com a qualificação permanente destes profissionais, como relatado por Conceição Pio. Além disso, a gestora convidou muitas assistentes sociais para trabalhar com ela na Fundação, possibilitando a contração de mulheres, inclusive para coordenação de Departamentos, o que evidencia a crença da Superintendente na capacidade da mulher em organizar e gerir. Isso é um ponto relevante, pois Betiol e Tonelli (1991) identificaram em uma das gerentes pesquisadas a reprodução de estereótipos sociais femininos como fofoqueiras e infantis, justificando a preferência de se trabalhar com homens. No entanto, reprovava a atitude de algumas assistentes sociais de dar visibilidade ou de não serem discretas em seus relacionamentos com homens vinculados à instituição. O que destaca seu paradoxo em relação à aceitação do trabalho feminino na área social e à manutenção por parte da mulher de um comportamento socialmente aceito. A citação abaixo descreve sua indignação com as atitudes das técnicas: [...] tinha ódio, quando de vez em quanto aparecia uma história de uma que tinha namorado com o motorista [...] na época a gente dizia assim: 80% sustenta o marido, isso era comum. [...] Aí ela dizia: eu tenho ódio de quem não sabe se comportar. [...] ela se danava, porque ela era bem rígida com essas coisas (ANA LÚCIA GONDIM). A rigidez na organização dos processos da instituição aproxima Aldaci Barbosa de atributos considerados tradicionalmente masculinos. Segundo Ana Lúcia Gondim: [...] que ela era rígida é... com conduta, com moral, com frequência ao trabalho, ela era muito, assim, firme nisso. Então, ela era assim, bem rígida. E assim o que ela queria, era assim. Ela tinha o compromisso muito grande [...] com os excluídos [...]. Então ela achava que o serviço público, principalmente a Fundação do Serviço Social de Fortaleza, deveria fazer promoção social. E tinha que ter, não podia se desviar desse foco. Então, não havia nada, que a desviasse. Então ela foi bem firme, bem convicta. Era uma pessoa extremamente serena, no ponto de não ser emocional, uma coisa que eu achava assim fantástica, porque eu sou. [...] Ela era extremamente serena, extremamente firme, quando a coisa para ela era o preto no branco e pronto! O preto é preto, o branco é branco. Adler citado por Lucas et al. (2010) destaca como características dos homens na gestão a agressividade, a independência, a competitividade, a lógica, a não emotividade, a 88 atividade, a habilidade nos negócios, dentre outras. E das mulheres: a comunicação, a gentiliza, a democracia, a participação e a submissão. Tomando a pesquisa de Adler como parâmetro, percebe-se que Aldaci Barbosa possuiu qualidades masculinas como a não emotividade no trabalho e ser uma pessoa ativa e racional. E predicados femininos como a capacidade de se comunicar e democratizar a expressão de opiniões. Isso não a tornava, no entanto, uma pessoa insensível. Segundo José Evanilson Nogueira, a tia chorava como “Madalena” (personagem bíblica) quando elogiada. A fotografia abaixo mostra a expressão de alegria da Superintendente ao receber uma rosa. Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim. É possível inferir, a partir da análise das entrevistas, que Aldaci Barbosa lançava mão de posturas rígidas, firmes e sem emotividade com o intuito de manter a ordem na instituição, o compromisso dos funcionários com o trabalho e o respeito a ela como superintendente. Se tivesse sido complacente e flexível com determinadas atitudes e comportamentos de seus funcionários, poderia gerar a imagem de uma gestora fraca e aberta para o descompromisso das pessoas. Na fala da sobrinha e do primo: Agora ela tinha um senso de justiça, de retidão, de que tinha que ser assim, e era! Então ela cobrava muito das pessoas. E a Fundação, quando ela assumiu [...] era uma zorra, sabe. Era um reduto político que tinha esses financiamentos, que tinha tudo. Aí tu já viu como era! Tanto o povo botava no bolso, como dava sem nenhum critério (ANA LÚCIA GONDIM). 89 E ela era muito forte. Era uma pessoa muito forte. Ela vinha, e você olhava pra ela e você sentia. Ela se impunha pela presença. Num... só pela presença. Num precisava ela abrir a boca. Ela aparecia e você sentia que estava frente uma pessoa diferente. Ela imprimia respeito com a presença dela. Então ela era assim (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA). A atitude de Maria Moura, quando formou seu bando e conquistou as terras da Serra do Padre que pertenciam a seu pai, revela a necessidade da mulher em se masculinizar para ser respeitada e para assumir postos de comando. O uso da racionalidade, historicamente construída como atributo dos homens, fez a personagem de Rachel de Queiroz assumir as feições de “chefe”: - Vou prevenir a vocês: comigo é capaz de ser pior do que com o cabo sargento. Têm que me obedecer de olhos fechados. Têm que se esquecer que sou mulher – pra isso mesmo estou usando estas calças de homem. Bati no peito: - Aqui não tem mulher nenhuma, tem só o chefe de vocês. Se eu disser que atire, vocês atiram; se eu disser que morra é pra morrer. Quem desobedecer paga caro. Tão caro e tão depressa que não vai ter tempo de se arrepender. (QUEIROZ, 2010, p. 82-83) Embora Aldaci Barbosa não tenha assumido a aparência de homem, pois normalmente se usava blusas, saias e vestidos, o uso da racionalidade no comando da instituição mostra a sua adesão a uma característica do modelo da gestão masculino. Além disso, tinha que constantemente negociar com homens, fossem eles o prefeito e/ou os secretários da gestão municipal, o que requeria uma atitude séria e argumentos fortes para justificar a relevância dos programas e projetos realizados e garantir o financiamento das ações. Na primeira foto, Aldaci Barbosa está no centro da mesa do 2º Congresso sobre Urbanismo, cercada por homens. Na segunda, um encontro com três homens, sendo um deles chefe militar. 90 Fonte: Arquivo pessoal de Ana Lúcia Gondim. Fonte: Arquivo pessoal de João Nogueira Mota. 91 Por isso, a gestora dava tanta ênfase ao planejamento, à pesquisa e à documentação de todas as atividades. O planejamento permitia organizar as atividades de forma racional, dividir tarefas e, com o tempo, ampliar o contingente de pessoas atendidas pela instituição. A pesquisa, realizada através de estudos socioeconômicos da população, era instrumento indispensável para negociar com o Prefeito o apoio a programas e projetos que possibilitassem a melhoria das condições de vida das pessoas. A documentação das atividades gerava resultados e respaldo tanto para a gestora quanto para a Fundação. É mister destacar o planejamento como ação política. No relato de José Evanilson Nogueira, a tia nunca se envolveria na política partidária, percebida como espaço de interesses individualistas e de corrupção. Apesar disso, pode-se afirmar que ao mediar os conflitos em torno da apropriação do solo urbano e propor programas e projetos em resposta à situação das camadas pobres, Aldaci Barbosa fazia política, ou seja, pactuava, negociava e decidia sobre as políticas sociais da instituição. O planejamento também expressava o pensamento dos técnicos acerca das situações encontradas, uma vez que eles eram os responsáveis pelas pesquisas e proposição de ações. Em outras palavras, o pensamento e julgamento de uma classe sobre outra. Isso mostra que o planejamento tinha um direcionamento político-ideológico e, muitas vezes, serviu para justificar a remoção dos pobres para espaços até então inabitáveis. No entanto, percebe-se também a mudança na forma de pensar o problema habitacional, exposta na conclusão do documento “Programa integrado de desfavelamento: estudo preliminar”: Pelas informações obtidas na elaboração do presente estudo preliminar, conclue-se, principalmente, pela demonstração de que um programa de desfavelamento, com erradicação por núcleos isolados, sem se ater ao problema de maneira global, não indica solução satisfatória para problema. Exemplo concreto dessa afirmativa está no fato, enunciado no item 4.6., quando se constatava que paralela a ação da Prefeitura na erradicação dos núcleos favelados para a implantação das avenidas Borges de Melo, José Bastos e Leste-Oeste, outros núcleos foram aparecendo naturalmente e num período de apenas três anos – 1970/1973, surgiram mais 11 favelas, com um total de 1.687 habitantes e uma população de 10.122 habitantes. Isto evidencia a necessidade de um trabalho global, com ação voltada tanto para evitar o êxodo rural, quanto para a absorção da população marginalizada chegada à Fortaleza (FORTALEZA, 1973, p.27). A citação revela a compreensão dos gestores da insuficiência do programa e aponta a necessidade ações globais. Até o final da gestão de Aldaci Barbosa as ações de recuperação das vilas marginais não foram postas em prática. Infere-se, portanto, que a democratização das expressões das opiniões, por meio da escuta dos técnicos e dos lideres 92 comunitários, não configura a gestão de Aldaci Barbosa como participativa, revelando a prevalência de um planejamento vertical, que reflete a forma de planejar a ditadura militar. José Walter Cavalcante relatou que, ao término do seu mandato, Aldaci Barbosa anunciou que sairia da superintendência da Fundação. Ao assumir a prefeitura de Fortaleza, Vicente Cavalcante Fialho solicitou ao ex-prefeito que conversasse com Aldaci Barbosa e a convencesse a continuar no cargo, o que revela um reconhecimento da capacidade e competência da gestora. A utilização do planejamento e de critérios técnicos pela Superintendente mudou a cultura organizacional da Fundação. Se antes prevaleciam práticas clientelistas e patrimonialistas, a ascensão de Aldaci Barbosa ao cargo de gestora deu caráter racional e funcional ao serviço público. No relato de Ana Lúcia Gondim: Então ela pegou povo na época, a nata do Serviço Social, que era as colegas, todas trabalharam lá, a maioria. Fez um Serviço Social altamente [...] competente e, assim, autônomo, não tinha interferência política. As colegas a que a sobrinha se refere eram assistentes sociais que haviam trabalhado com ela no Pirambu60 e/ou professoras do Curso de Serviço Social. Nesse sentido, o principal critério utilizado para a escolha dos funcionários, não era as relações de amizade e sim a competência técnica. O caso da sobrinha, que foi secretária de Aldaci Barbosa durante dois anos, foi uma situação singular que merece destaque. Segundo Ana Lúcia Gondim, a tia tinha uma secretária que ganhava pelo cargo comissionado, mas não trabalhava. A sobrinha acredita que Aldaci Barbosa tinha vergonha de ter uma secretária naquelas condições, sendo esse o motivo de sua entrada na instituição. Nesse sentido, a Superintendente assinou a carteira de trabalho da sobrinha e a trouxe para ser sua secretária: Ela era minha tia, irmã da minha mãe e minha madrinha de batismo. Por isso assim, eu tinha toda uma ligação com ela. Então, quando eu entrei na Faculdade, eu fiz vestibular para a Federal de Letras. [...] passei em março, [...] no dia dois de maio [de 1974] eu comecei a trabalhar na Fundação. [...] eu fui para lá porque, ela queria uma secretária e a secretária dela era uma senhora, [...] ela tinha esse cargo comissionado e nunca pediu demissão e não trabalhava, porque ela era advogada e ai eu acho que ela [Aldaci Barbosa] se constrangia de ter aquela secretária. Então, eu era a secret ária e a doutora [...] ganhava o dinheiro, o cargo comissionado. Nem ela queria tirar, eu acho. Ai a doutora [...] nunca entregou e ficou aquela coisa. (ANA LÚCIA GONDIM) 60 São exemplos desse caso as duas assistentes sociais entrevistadas nesse trabalho: Núbia Soares e Conceição Pio. 93 O relato de Ana Lúcia Gondim me leva à constatação de que existia na Fundação relações de poder não questionadas pela Superintendente, e o caso da secretária é um deles. É provável que ela tenha evitado o confronto direto com a(s) pessoa(s) que mantinham o cargo comissionado da secretária: porque isso não era algo relevante e/ou para garantir condições favoráveis ao trabalho da instituição, mostrado mais um de seus paradoxos. É valido também questionar porque Aldaci Barbosa escolheu a sobrinha para ser sua secretária. Percebi no discurso de Ana Lúcia Gondim que Aldaci Barbosa tinha um carinho especial pela sobrinha, como se fosse uma filha, preocupando-se, portanto, com a educação moral e profissional da jovem. Dessa forma, a ocupação de uma função próxima à tia, permitia a Aldaci Barbosa ensinar a sobrinha a lidar com a vida. Ana Lúcia Gondim relatou diversas situações em que a tia lhe deu lições de moral, como também um tratamento mais rígido do que aos outros funcionários, revelando que o fato de ser sobrinha não lhe dava privilégios na Instituição. Outras duas situações que mostram o tratamento igualitário e não favorecimento aos familiares por Aldaci Barbosa é a não concessão de bolsa de estudos à sobrinha, Ana Lúcia Gondim, para o Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), pois o pai da jovem tinha condições financeiras de pagar o curso; bem como a não restituição de bolsa de estudos à prima, irmã de José Evanilson Nogueira que, devido a um problema de escoliose, foi reprovada na escola e, consequentemente, perdeu a bolsa de estudos. [...] a irmã que eu queria mais bem teve uma bolsa da Fundação. E ela teve um problema de escoliose muito forte, ela passou muito tempo dormindo com um colete de gesso. E ela passava a noite acordada e era difícil, e ela faltou muito a aula. E ela perdeu o ano. Quando ela perdeu o ano, a minha mãe foi falar com Aldaci. E Aldaci disse que não dava. Ai mamãe pediu pra eu falar com ela, ai eu fui falar com ela, perguntar porque ela não dava a bolsa da Tereza. Ai ela disse: porque muitas foram reprovadas e eu num dei bolsa a nenhuma. Isso é o senso de justiça que eu acredito. (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA) Dessa forma, prevaleceu, na gestão de Aldaci Barbosa, uma administração burocrática, legitimada pelo poder racional-legal. Na sua análise sobre a política, entendida como a direção exercida pelo Estado, Weber (2004) identifica três formas de legitimidade do poder, a saber: o poder tradicional baseado na autoridade do passado, nos costumes e hábitos tradicionais que devem ser simplesmente obedecidos; o poder carismático, onde as pessoas se submetem ao chefe político seja ele um profeta, um dirigente guerreiro, um soberano, um demagogo, um dirigente de um partido político, por acreditar, ter fé no que ele diz e nas suas qualidades pessoais; e o poder burocrático-legal fundamentado na lei positiva, nas normas estabelecidas através de estatutos legais nas sociedades, onde a 94 autoridade não é mais o soberano e sim o Estado-pessoa que tem plenos poderes para aplicar as normas e punir os infratores. É no exercício deste último poder que se encontra a burocracia, entendida como áreas de jurisdição fixas e oficiais regulamentadas por leis e/ou normas administrativas. Isso não descarta a existência de situações contraditórias, como o caso da secretária que nunca exerceu o cargo e o da prima que teve acesso ao Programa de Bolsa de Estudos, mostrando a inclusão de pessoas conhecidas nos programas e projetos da Fundação que estivessem dentro dos critérios das ações. A opção por uma administração racional rendeu algumas “dores de cabeça” à Superintendente. Na época, o poder político estava concentrado nas mãos dos vereadores de Fortaleza, que se utilizavam da distribuição de benefícios para manter relações clientelistas. Nesse sentido, quando os técnicos começaram a desenvolver as atividades nas comunidades procuraram dar caráter impessoal às ações, desvinculando-as de figuras políticas. Isso gerou um conflito direto com os vereadores que foram perdendo o poder de fazer concessões referentes aos serviços ofertados pela Fundação. Conceição Pio relata esse conflito: [...] é tanto que ela teve muito embate com os vereadores, porque Fortaleza [...] teve sempre uma tradição de ter os vereadores nos bairros, isso era que fazia a assistência social. Era a casa do vereador que distribuía os remédios. Aí foi à inovação, quando convidaram ela para trabalhar, ela começou a tirar dos vereadores esse [...] poder que eles tinham. [...] Eu trabalhei muito aqui, perto do Joquei Clube, esses bairros mais aqui que tinha [...] um vereador que ele [...] vivia para a comunidade, ele era uma coisa. E a gente foi para um trabalho social lá [...]. Tirando dele [...] essa dependência das pessoas quando a gente levou o curso profissionalizantes , esses trabalhos, esses programas que eram feitos pelos estagiários e pelos assistentes sociais. Não era a mulher do prefeito que fazia, não era a mulher do vereador, não! Era um trabalho técnico que a gente fazia e ela peitou isso. Ela foi muito pressionada na câmara dos vereadores por conta disso [...]. Apesar de questionada, convidada a prestar depoimento e apresentar documentos de uma administração idônea na Câmara dos Vereadores, não foram encontrados registros de uma gestão irresponsável e corrupta, revelando que, além de competente, Aldaci Barbosa era uma pessoa de confiança. De acordo com José Walter Cavalcante, a gestora tinha acesso livre a ele para fazer solicitações, que normalmente eram atendidas. A liderança era uma marca de Aldaci Barbosa. Sua visão modernizadora em relação às práticas, com traços conservadores quando se tratava das regras sociais de conduta, deu dinamicidade e variedade as ações realizadas na Fundação do Serviço Social 95 de Fortaleza, bem como orientação, segurança e apoio aos técnicos para a concretização do trabalho. Ana Lúcia Gondim afirmou que existia uma disposição e dedicação dos profissionais para a realização das atividades, inclusive no período da noite, o que indica um envolvimento e crença na proposta da instituição, bem como motivação para o trabalho: Era uma época, [...] de trabalho toda hora, de noite. Sabe, a gente trabalhava final de semana. [...] Então era assim uma coisa que o trabalho era muito importante. Hoje a gente vê que... as pessoas trabalham, mais sempre naquela perspectiva: eu sou dou até aquela hora, eu quero meus direitos. A gente tinha muita era assim, hora para compensar, num ganhava nada extra [...]. Os princípios cristãos fizeram parte da formação de Aldaci Barbosa, conforme apresentado no primeiro capítulo. Por isso não poderia finalizar esse capítulo sem destacar a compaixão como a principal característica que movia as ações dessa mulher na Fundação. Segundo Ana Lúcia Gondim, a tia não fazia diferenciação na forma de tratamento de pessoas “superiores”, “iguais” ou “abaixo” de suas condição e posição sociais. Relatou que um dia deixou uma comitiva do Conjunto Marechal Rondon esperando em pé na porta da sala da Superintendente. Quando Aldaci Barbosa percebeu que as pessoas estavam em pé, gritou com a sobrinha pedindo que providenciasse cadeira para todos. Essa cena mostra o quanto ela se incomodava e se importava com a situação do outro, especialmente dos pobres. Outras situações como receber meninos de rua em casa, abrigar e cuidar de prostitutas mostra a expressão desse sentimento. O primo, quando questionado sobre os motivos que levavam Aldaci Barbosa a amar os pobres, assim respondeu: Eu acho que é a humanidade dela mesmo. Isso aí você num tem, isso ai [...] você não define, são qualidades do espírito. A compaixão é um dom. E ela tinha isso, [...] ela morreu por isso. Ela deu a vida dela. É a coisa mais séria que você pode dizer dela. Ela morreu porque deu a vida dela aos outros. Foi isso (JOSÉ EVANILSON NOGUEIRA). Na fala acima, nota-se que Aldaci Barbosa se dedicava bastante aos trabalhos voltados aos pobres, demonstrando grande compromisso com a Fundação do Serviço Social de Fortaleza, o que levou muitas vezes a deixar de lado a sua vida pessoal. Raimunda Neodina Mendes Bessa ressaltou que a Superintendente não se preocupava muito com aparência. Além disso, casou-se em uma idade mediana. Isso revela que Aldaci Barbosa priorizou o trabalho profissional. 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse é o momento de finalizar a pesquisa. Não de dizer adeus ao objeto, mas de fechar essa etapa a fim de mergulhar em águas mais profundas. Mesmo sabendo que esse estudo pode e deve ter continuidade no doutorado e no pós-doutorado, pois jamais me atreveria a dizer que esgotei todas as possibilidades do trabalho, não posso deixar de expressar minha tristeza em deixar de pensar cotidianamente na história dessa grande mulher, Aldaci Barbosa. Foi um ano e quatro meses para realizar a coleta dos dados, analisá-los e escrever o relatório de pesquisa, fazendo “fuxico” e costurando as peças para obter um objeto que nem mesmo eu sabia o formato. Hoje ele tem a forma de uma mulher forte, rígida, idealista e paradoxal. Depois de construído o objeto não só de decoração, mas acima de tudo de reflexão, cabe apenas os retoques finais, que apresento de forma breve nessas considerações finais. A inserção de Aldaci Barbosa na administração pública do município de Fortaleza ocorreu por competência técnica. O trabalho desenvolvido no Pirambu proporcionou a essa mulher um papel de destaque em relação à sistematização e execução de ações de Organização de Comunidade. Posteriormente, o Padre Hélio Campos indica Aldaci Barbosa para a superintendência da Fundação do Serviço Social de Fortaleza, sendo a primeira mulher a assumir um cargo de gestão na administração pública indireta do Município. Percebe-se, portanto, a dificuldade que as mulheres tinham de ascender a cargos de gestão na década de 1960 no município de Fortaleza. Enquanto os homens assumiam facilmente esses espaços através de indicações políticas, as mulheres, no caso de Aldaci Barbosa, tiveram que mostrar capacidade para se inserir em cargos historicamente ocupados por homens. Além disso, foi convidada para gerência de uma autarquia de trabalho social, onde as mulheres tiveram maior participação. Os programas e projetos executados em sua gestão tinham como objetivo a intervenção na área urbana, embasados no desenvolvimento da comunidade e na promoção humana. Nesse sentido, as ações empreendidas buscavam não apenas dar respostas imediatas à situação das famílias pobres, mas garantir que elas tivessem acesso à rede de serviços sociais e trabalho remunerado que garantisse sua autonomia financeira. Estimulavam também a formação de lideranças comunitárias e a participação dos indivíduos 97 nos problemas da comunidade, a fim de que eles mesmos trabalhassem de forma solidária para solucionar suas dificuldades. Era, portanto, uma assistência social que concretizava articulada com outras áreas (habitação, educação, cultura, saúde, lazer, esporte e qualificação profissional), buscava a inserção das pessoas na sociedade através da profissionalização e seguiu o direcionamento das políticas sociais dos governos militares. O estilo gerencial de Aldaci Barbosa revelou uma atitude forte, exigente e não emotiva ao tratar das relações de trabalho, aproximando-a da racionalidade. Mostrou, também, um gerenciamento honesto, que aprecia o ser humano, investe no crescimento profissional dos funcionários, democratiza a expressão das opiniões e comunicativo, qualidades identificadas como femininas. Outras características que se destacaram foram a compaixão, o tratamento justo e igualitário, o não favorecimento de pessoas conhecidas, a confiança e a serenidade para dizer a verdade, bem como resolver conflitos. Isso revela que, para além das características identificadas em pesquisas que estudam gênero, Aldaci Barbosa tinha um estilo próprio de administrar. Concluo, portanto, que Aldaci Barbosa contribuiu para a construção de uma política social racional e sistemática, embasada em critérios técnicos, com intuito de enfrentar práticas assistenciais patrimonialistas e clientelistas existentes na época no município de Fortaleza. Sua ação foi direcionada pela perspectiva da promoção humana e, algumas vezes, limitada pelos interesses das elites fortalezenses no que tange a expansão da cidade. 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABU-EL-HAJ, Jawdat. Entre a governança e a governabilidade política: uma perspectiva histórica das reformas administrativas no Brasil. In: PARENTE, Francisco Josênio Camelo. ([email protected]). Contato [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 04 out. 2011. E-mail. ALAYÓN, Noberto. Assistência e assistencialismo: controle dos pobres ou erradicação da pobreza? São Paulo: Cortez, 1992. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Homens de fibra: uma história das subjetividades masculinas no Nordeste no começo do século. In: V Congresso Internacional da BRASA, Recife, 18 a 21 de junho de 2000. _____. Nordestino: uma invenção do falo – Uma história do gênero masculino (Nordeste 1920/ 1940). Maceió: Edições Catavento, 2003. ARCE, Alessandra. O MOBRAL e a educação de crianças menores de seis anos durante o regime militar: em defesa do trabalho voluntário! Cad. CEDES [online]. 2008, vol. 28, n. 76, p. 379-403. ISSN 0101-3262. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S010132622008000300006. Acesso em: 01 mai. 2012. AVELAR, Lúcia. Mulheres na elite política brasileira. São Paulo: Konrad Adenauer: UNESP, 2002. BAPTISTA, Myrian Veras. Planejamento social: intencionalidade e instrumentalização. São Paulo: Veras Editora, 2000. BARBOSA, Aldaci Nogueira. Uma experiência de organização social de comunidade na Paróquia de N. S. das Graças. 1959. 135 f. Monografia (Graduação) – Escola de Serviço Social, Universidade do Ceará, Fortaleza, 1959. BERNARDES, Franco César; MOURA, Marcelo Gameiro de; ACCO, Marco Antônio de Castilhos. Diagnóstico da situação da mulher na administração pública federal. Brasília: ENAP, 1998. (Texto para discussão, 28). Disponível em: http://www.enap.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=259. Acesso em: 24 jan. 2012. BETIOL, Maria Irene Stocco; TONELLI, Maria José. A mulher executiva e suas relações de trabalho. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 31, nº 4, p. 17-33, out./dez. 1991. Disponível em: http://rae.fgv.br/rae/vol31-num4-1991/mulher-executiva-suasrelacoes-trabalho. Acesso em: 24 jan. 2012. BEZERRA, Tereza Cristina Esmeraldo. A pesquisa, o processo de criação do conhecimento e o serviço social: pistas na construção do objeto e elaboração do projeto de pesquisa. Texto elaborado para subsidiar as disciplinas de Pesquisa em Serviço Social I e II. Fortaleza, mimeo, 2002. p. 1-21. BIERRENBACH, Maria Ignês Rocha de Sousa Política e Planejamento Social – Brasil: 1956-1978. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1982. 99 BLAY, Eva Alterman. Trabalho industrial X Trabalho doméstico – A ideologia do trabalho feminino. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 15, p. 17-33, dez. 1975. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/276.pdf. Acesso em: 17 abr. 2012. BLOG alinhavando. Desenvolvido por: Lorena Vila Real, 2009. Apresenta informações sobre o ponto alinhavo. Disponível em: http://costurandoinvisivel.blogspot.com.br/. Acesso em: 25 nov. 2011. Site BLOG linhas, cores e arte. Desenvolvido por: Flávia e Cristiana, 2011. Apresenta informações sobre trabalhos manuais. Disponível em: http://licoart.blogspot.com.br/2011/10/fuxico.html. Acesso em: 25 nov. 2011. Site BORBA, Sheila Villanova. A produção de equipamentos urbanos como alternativa de política social: o Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos. Revista Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p.403-421, 1991. Disponível em: http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1455/1819. Acesso em: 26 ago. 2011. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2000. BRANDÃO, Fátima Regina Lopes. A elaboração do saber nas lutas pela moradia: um estudo sobre ocupações de terreno em Fortaleza. 2001. 253 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001. BRASIL. Decreto 75.922, de 01 de julho de 1975. Dispõe sobre a criação do Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos – CSU. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=205192&tipoDocumento= DEC&tipoTexto=PUB. Acesso em: 26 ago. 2011. BRASIL. Decreto nº 74.156, de 06 junho de 1974. Cria a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Políticas Urbanas – CNPU e dá outras providências. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-74156-6-junho-1974-423155retificacao-24968-pe.html. Acesso em: 26 ago. 2011. BRASIL. Decreto nº 77.406, de 12 de abril de 1976. Cria a Empresa Brasileiras dos Transportes Urbanos (EBTU), aprova seu Estatuto e dá outras providências. Disponível em: http://br.vlex.com/vid/transportes-urbanos-eetu-seu-estatuto-34206531. Acesso em: 26 ago. 2011. BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: 26 ago. 2011. BRASIL. Lei 6.118, de 09 de dezembro de 1974. Cria o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6168.htm. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei 6.168, de 09 de outubro de 1974. Dispõe sobre a criação do Conselho de Desenvolvimento Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6118.htm. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei Complementar nº 14, de 08 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, 100 Belém e Fortaleza. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp14.htm. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.Fixa as diretrizes e bases da educação Nacional. Disponível em: http://wwwp.fc.unesp.br/~lizanata/LDB%204024-61.pdf. Acesso em: 27 de ago. 2011. BRASIL. Lei nº 4.214, de 02 de março de 1963. Dispõe sobre o “Estatuto do Trabalhador Rural”. Disponível em: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1963/4214.htm. Acesso em: 27 abr. 2012. BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interêsse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4380.htm. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966. Cria o fundo de garantia do tempo de serviço e dá outras providências. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/legislacao/l5107.htm. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei nº 59.917, de 30 de dezembro de 1966. Regulamenta o SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, estabelece suas finalidades e modo de operação, cria o Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local integrado, e dá outras providências. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=173500&norma=191348. Acesso em: 27 ago. 2011. BRASIL. Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974. Institui amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para inválidos, e dá outras providências. Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1974/6179.htm. Acesso em: 27 abr. 2012. BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. In: PINHEIRO, Wilheim e Sachs (Org). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 222-259. CARDOSO, Adalberto Moreira. Sindicalismo, trabalho e emprego. In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Centro de Documentação e Disseminação de informações. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/seculoxx/seculoxx.pdf. Acesso em: 17 de agosto de 2011. CARDOSO, Fernando Henrique. Estado e sociedade no Brasil. In: _____. Autoritarismo e democratização. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975. Capítulo V, p. 165-186. CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira. Concepções sobre pobreza e alguns desafios para a intervenção social. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, ano XXVI, n º 84, p.74-83, nov. 2005. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001. CEARÁ, Universidade Federal. Departamento de História. Núcleo de Documentação Cultural. Fortaleza: a gestão da cidade: uma história político-administrativa. Fortaleza, Fundação Cultural de Fortaleza, 1994. 101 COLETI, Laura Maria Baron. Do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) aos Programas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) atuais: evolução ou manutenção das práticas pedagógicas? In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 17., 2009, Campinas. Anais do 17º COLE, Campinas, SP,: ALB, 2009. Disponível em: http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem02/COLE_3895.pdf. Acesso em: 08 ago. 2012. INSS: 2175-0939. COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu de. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1999. DIEESE. Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos. Anuário das mulheres brasileiras. São Paulo: DIEESE, 2011. DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986. FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (Orgs). História das mulheres no Brasil. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2010. FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Revista Educar, Curitiba, nº 28, p.17-36, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n28/a03n28.pdf. Acesso em: 28 mai. 2012. FERNANDES, Adelita Neto Carleial; DIÓGENES, Glória Maria; LIMA, Maria Cláudia Nogueira. In: BRAGA, Elza Franco; BARREIRA, Irlys Firmo. A política da escassez: lutas urbanas e programas sociais governamentais. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/ Stylus Comunicações, 1991. FONTENELE-MOURÃO, Tânia Maria. Mulheres no topo da carreira: flexibilidade e persistência. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2006/topo-carreira-fim.pdf. Acesso em: 05 abr. 2012. FORTALEZA, Câmara Municipal de. Departamento Legislativo. Lei 5.370, de 22 de dezembro de 1980. Disponível em: http://www.cmfor.ce.gov.br/legislacao/. Acesso em: 16 jan. 2012. FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Governo do Estado do Ceará. Experiência vitoriosa de desfavelamento: Conjunto Alvorada e Marechal Rondon. Fortaleza, [1973?]. FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria Municipal de Planejamento. Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza. Fundação do Serviço Social de Fortaleza. Programa integrado de defavelamento de Fortaleza: estudo preliminar. Fortaleza, 1973. FROTA, Maria Helena de Paula (Org.). Assassinato de mulheres no Ceará: antes e depois da Lei Maria da Penha. Relatório final de pesquisa. Fortaleza, 2011. GRZYBOVSKI, Denize; BOSCARIN, Roberta. MIGOTT, Ana Maria Bellani. Estilo feminino de gestão em empresas familiares gaúchas. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 6, nº 2, p. 185-207, mai./ago. 2002. Disponível em: http://www.anpad.org.br/rac/vol_06/dwn/rac-v6-n2-dgg.pdf. Acesso em: 05 abr. 2012. HAGUETTE, Teresa Maria Frota. O cidadão e o Estado: a construção da cidadania brasileira 1940-1992. Fortaleza: Edições UFC, 1994. 102 HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas Configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set/dez, p. 595-609. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n132/a0537132.pdf. Acesso em: 04 fev. 2012. IAMAMOTTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982. JALES, Paula Raquel da Silva Jales. O Programa Bolsa Família sob a ótica dos gestores municipais de Fortaleza-CE. 2009. 178 f. Monografia (Graduação) – Curso de Serviço Social, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1990. (Coleção Repertórios) LUCAS, Ângela Christina et al. Identificação de práticas de gestão voltadas à questão de gênero: um estudo a partir das melhores empresa para você trabalhar. In: XXXIV Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, 25 a 29 de setembro de 2010. Disponível em: http://www.progep.org.br/MelhoresEmpresas/InfoDocs/LUCAS%20A_2010_Identifica%C3% A7%C3%A3o%20de%20Pr%C3%A1ticas%20de%20Gest%C3%A3o%20voltadas%20%C3 %A0%20Quest%C3%A3o%20de%20G%C3%AAnero.pdf. Acesso em: 05 mai. 2012. LUIZA SOUZA, Maria. Desenvolvimento de comunidade e participação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. MEIHY, José Carlos Sebe B.; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007. MENDES, Ana Gláucia. A experiência de planejamento econômico no Brasil. In: CINTRA, Antônio Octávio; HADDAD, Paulo Roberto (Orgs.). Dilemas do planejamento urbano e regional no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. MORAIS, Ana Flávia Góes. Pirambu: disciplinarização e criação de espaços de troca. 2008. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2008. MOTA, João Nogueira. Fundação do Serviço Social de Fortaleza: dezoito anos de Política Social. Fortaleza, 1982. _____. Últimas Palavras: homenagem póstuma a Aldaci Barbosa Mota. Fortaleza, 1979. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2000. OLÍMPIO, Marise Magalhães. O processo de constituição do Conjunto Habitacional Prefeito José Walter. In: XI Encontro Estadual de História do Ceará. Anais [do] XI Encontro Estadual de História do Ceará – ANPUH-CE. História e Historiografia: entre o nacional e regional. Quixadá-Ce: UECE-FECLESC/ Assembleia Legislativa do Ceará, 2008. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflitos de classe. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Trabalho doméstico no Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010. 103 ORIÁ, Ricardo; JUCÁ, Gisafran. De forte a vila e cidade (1603-1889). In: CEARÁ, Universidade Federal. Departamento de História. Núcleo de Documentação Cultural. Fortaleza: a gestão da cidade: uma história político-administrativa. Fortaleza, Fundação Cultural de Fortaleza, 1994. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON SIMSON, Olga de Morais. Experimentos com história de vida. São Paulo: Vertice, 1988. QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. Rio de Janeiro: Edições BestBolso, 2010. PEDRO, Maria Joana. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 77-98, 2005. PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete et. al. (Orgs.). Política Social no capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p.03-15, 1989. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/issue/view/306>. Acesso em: 18 jul. 2011. PONTE FILHO, Aurélio (Org.). Biografia dos prefeitos de Fortaleza 1945-1990. Universidade Federal do Ceará: Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, 1990. RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. RIBEIRO, Francisco Moreira. De cidade a metrópole. In: CEARÁ, Universidade Federal. Departamento de História. Núcleo de Documentação Cultural. Fortaleza: a gestão da cidade: uma história político-administrativa. Fortaleza, Fundação Cultural de Fortaleza, 1994. RIBEIRO, Renato Janine. Memórias de si, ou... 1998. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 35-42, 1998. SANTIAGO, Pádua. A cidade como utopia e a favela como espaço estratégico de inserção na cultura urbana (1856-1930). Revista Trajetos, Fortaleza: Departamento de História da UFC, v.1, n. 2, p. 115-130, jun. 2002. SANTOS, Simone Valdete dos. Da educação profissional para o emprego, no PIPMO, para a educação profissional para a empregabilidade, no PLANFOR. In: VI Congresso LusoBrasileiro de História da Educação, 2006, Uberlândia. Anais do VI Congresso LusoBrasileiro de História da Educação. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2006. SAVELI, Esméria de Lourdes; PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de. Projeto RONDON e sua função político social. Revista Conexão UEPG, v. 1, p. 59-63, 2005. SCHMIDT, Benicio Viero; FARRET, Ricardo L. A questão urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. SCHWARZTEIN, Dora. Desafios da história oral latino-americana. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; FRENANDES, Tania Maria; ALBERTI, Verena (Orgs.). História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ Casa de Oswaldo Crruz/ CPDOC Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 99-103. 104 SCOTT, Joan. A cidadã paradoxal. As feministas francesas e os direitos do homem. Florianópolis: Mulheres, 2002. _____. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Realidade, v. 20, nº 2, p.71-99, jul./dez. 1995. SILVA, Neíse Távora de França e. As relações sociais e o serviço social no Ceará – 1950/1960. In: COSTA, Liduina Farias Almeida da; BEZERRA, Leila Maria Passos de Sousa; PIO, Maria da Conceição (Orgs). Fragmentos do passado e do presente; 60 anos do serviço social no Ceará. Fortaleza: EdUECE, 2010. p. 265-343. SOUZA, Simone de. O município e a centralização política. In: CEARÁ, Universidade Federal. Departamento de História. Núcleo de Documentação Cultural. Fortaleza: a gestão da cidade: uma história político-administrativa. Fortaleza, Fundação Cultural de Fortaleza, 1994. SPOSATI, Aldaíza de Oliveira et al. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1998. VIEIRA, Balbina Ottoni. Serviço Social: processos e técnicas. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1981. WAJCMAN, Judy. Managing like a man: women and men in corporate management. Tradução: Alessandra de Aguiar Afonso Cavalcante. 1 st ed.Pensylvania: The Pensuvania State University Press, 1998. WEBER, Max. Burocracia. In:_____. Ensaios de sociologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974. p. 229-282. _____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 2004. 105 ANEXOS 106 ANEXO A FONTE: Cardoso, 2006, p. 265. 107 ANEXO B 108 (Continuação) FONTE: Cardoso, 2006, p. 266-267. 109 ANEXO C FONTE: Cardoso, 2006, p. 281.