DECADÊNCIA
NEO-CON
JOÃO ROMÃO*
ILUSTRAÇÃO DE LUÍS HENRIQUES
O MOVIMENTO NEO-CONSERVADOR
AMERICANO INSTALOU-SE NOS
ÓRGÃOS DE PODER DOS EUA COM
GEORGE BUSH E PROGRAMOU
O EXPANSIONISMO NORTEAMERICANO DO TERCEIRO MILÉNIO.
UM TEXTO NO COMBATE EM 2003*
ASSINALOU O POSICIONAMENTO
DOS NEO-CONS NO APARELHO DE
ESTADO DOS EUA. OUTRO TEXTO, EM
2005**, ASSINALAVA A CONQUISTA
PELOS NEO-CONS DE POSIÇÕES
DE DESTAQUE EM ORGANISMOS
INTERNACIONAIS. PASSADOS
OUTROS DOIS ANOS, REGISTA-SE A
DECADÊNCIA DO MOVIMENTO QUE
INSPIROU A “GUERRA PREVENTIVA”
E DESTRUIU HIPÓTESES DE PAZ NO
MÉDIO ORIENTE.
O CASO MEDIÁTICO mais recente envolveu o vice-presidente
Dick Cheney: o seu assessor Lewis Lebby tinha sido condenado em
Março deste ano a dois anos e meio de prisão, num julgamento por
mentira e obstrução à justiça na investigação sobre a identidade
da ex-espia da CIA, Valeria Plame, quando o seu marido acusou
publicamente o governo dos EUA de ter invadido o Iraque com
argumentos falsos. Dois anos depois dessa condenação, o Tribunal
de Apelação de Washington decidiu sobre o recurso apresentado
por Lebby e manteve a pena aplicada. Apenas algumas horas
após esta decisão, George Bush comutou a pena, mantendo uma
multa de 250 mil dólares mas evitando a prisão do colaborador
de Cheney, por considerar “excessiva” a sentença aplicada pelos
tribunais.
Pouco tempo antes tinha sido Wolfowitz a cair em pública
desgraça. O grande ideólogo da “Guerra Preventiva” praticada
no Iraque foi nomeado presidente do Banco Mundial, seguindo
a regra não-escrita de serem os EUA a nomear o presidente deste
organismo, deixando à UE a nomeação do Director Geral do FMI.
A saída inglória de Wolfowitz do Banco é um evidente sinal da decadência despótica dos neo-conservadores: Wolfowitz promoveu
Riza (cidadã britânica de origem libanesa, funcionária do Banco,
com quem mantinha uma relação sentimental), integrando-a em
novas funções no Departamento de Estado norte-americano, na
Casa Branca, auferindo um salário anual superior a 193 mil dólares, que ultrapassava o vencimento da própria Condolezza Rice.
Antes tinha sido a demissão de Donald Rumsfeld, personagem com um longo currículo no Médio Oriente: logo em 1983
tinha estado em Bagdad, com os serviços diplomáticos norteamericanos, contribuindo para reatar relações com o governo
do Iraque, interrompidas desde 1967, com a Guerra dos 6 Dias.
Durante a sua estadia em Bagdad, Rumsfeld reuniu longamente
com Tarik Aziz (o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Iraque)
e com Saddam Hussein, declarando no final que a “reunião tinha
resultado em grande benefício para os interesses dos Estados
Unidos na região”.
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Os conservadores dos Estados Unidos vão inventando os seus
inimigos externos, álibis para a barbárie da agressão e para um
expansionismo militar imperialista: depois da queda do Muro de
Berlim e da derrocada dos regimes comunistas europeus,
o exército norte-americano encontrou no Médio Oriente um novo
palco de Guerra, que procura justificar globalmente como
um choque de civilizações entre o Ocidente e o Oriente.
Como se tem visto, não é disso que se trata
Na altura o Iraque estava em guerra com o Irão e Rumsfeld
ajudou a encontrar outros aliados para os EUA contrariarem o
poder de Teerão. A partir desse momento, o governo dos EUA
passou a colaborar com a Al Qaeda, aproveitando a presença desta
organização no Paquistão para minar e descredibilizar o governo
do Irão. Vinte anos depois, os amigos tornam-se inimigos e álibi
para uma sangrenta invasão.
RUMSFELD ENTRE ABU-GRAIB E GUANTANAMO
Uma investigação fortemente condicionada realizada em 2004
descreveu “numerosos actos de abuso criminoso sádico, flagrante e
desenfreado infligidos a vários presos”, esclarecendo também que
tais práticas eram do conhecimento dos principais responsáveis
militares e políticos pela segurança dos EUA, tendo sido durante
vários meses ocultado da opinião pública. De resto, mesmo depois de se tornar conhecido o relatório, nunca foram implicadas
as primeiras figuras dos EUA nas responsabilidades sobre estes
evidentes e inaceitáveis abusos.
Aliás, nunca teve vida fácil quem tentou investigar as condições de detenção nas cadeias de Abu-Graib ou de Guantanamo:
mesmo quando começaram a generalizar-se as greves de fome
em Guantanamo, onde mais de 500 detidos não tinham sequer
acusação, Rumsfeld negou a um grupo de investigadores dos
direitos humanos da ONU a oportunidade de visitar a tristemente
célebre cadeia instalada em Cuba.
No entanto, Rumsfeld pode vir a ser julgado em outros países:
na Alemanha, uma queixa apresentada por um grupo de advogados alemães e americanos refere casos de tortura e maus-tratos nas
prisões de Abu-Graib e Guantanamo, pretendendo que Rumsfeld
seja julgado por crimes de guerra. De resto, os voos ilegais da CIA,
com alegado transporte de prisioneiros para prisões clandestinas
na Europa, África e Médio Oriente, continuam sob observação da
Comunidade Internacional, apesar do manifesto encobrimento que
está a ser feito, por exemplo, por governos europeus (incluindo
o português).
Durante a sua passagem pelo governo, Rumsfeld não deixaria
de agradecer os valiosos serviços de um governante português: o
ex-ministro da Defesa Paulo Portas foi condecorado no Pentágono
pelos «serviços públicos distintos» prestados com a manutenção
do comando da NATO em Oeiras, a posição portuguesa na guerra do Iraque ou a opção por duas fragatas norte-americanas no
reequipamento das Forças Armadas, processo que está agora a
ser investigado pela Polícia Judiciária, por suspeita de desvio de
fundos para pagamento de comissões indevidas.
Desde que a liderança de Rumsfeld no Pentágono começou a
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ser questionada por generais do Exército americano, alguns fiéis
aliados vieram a público defendê-lo. Um caso conhecido foi o do
banquete anual de 2006 da famigerada National Rifle Association,
que, sem se meter em política, proclamou a sua homenagem ao
“patriotismo” de Rumsfeld, afirmando que não importam os 2.400
soldados americanos mortos no Iraque (até podiam ser 240.000,
esclareceu um veterano de guerra, quando está em causa a conquista da liberdade).
SIMPLIFICA. DEPOIS, EXAGERA!
A ideia messiânica de que os Estados Unidos são um instrumento de Deus para libertar o Mundo das Trevas representa
um certo fundamentalismo católico e tem sido explorada pelos
neo-conservadores. Como salientou Rui Borges, em recente texto
publicado no portal www.esquerda.net, “esta aliança entre neoliberais e fundamentalistas cristãos em torno do Projecto para um
Novo Século Americano” assenta em “projectos de privatização
da sociedade e dominação global” que “criam uma cada vez
maior desigualdade social e o empobrecimento de camadas cada
vez mais largas da sociedade”; (...) “o projecto social desta santa
aliança entre neoliberais e fanáticos religiosos resume-se assim
a mais dinheiro para os ricos e mais moral e bons costumes para
os pobres”.
Numa crónica do início deste ano publicada pelo insuspeito
“Financial Times”, lembrava-se um editor do “The Economist”
que nos anos 50 tornaria célebre uma máxima para a prática
jornalística: “Simplifica! Depois, exagera!”, pedia aos seus jornalistas. Segundo o cronista, essa máxima foi explorada até ao
máximo pelos neo-conservadores norte-americanos, com ampla
intervenção na comunicação social. De resto, foi esse o estilo
que deu ao jornal “Independente” notoriedade nacional. Não há
coincidências: Paulo Portas é um amigo próximo dos neo-cons.
David Frum é um desses jornalistas / assessores de comunicação, a quem se atribui a generalização da equívoca expressão
“Eixo do Mal”, em nome do qual se justificaram massacres. Frum é
hoje um dos principais dirigentes da AEI, uma influente organização empresarial de inspiração neo-con que promove estudos sobre
gestão pública. Um banquete realizado este ano por esta organização revelou a importância atribuída à intervenção da imprensa,
quando Dick Cheney apresentou Charles Krauthammer, colunista
do “The Washington Post”, para este fazer o seu discurso.
Como seria de esperar, Krauthammer levou a simplificação ao
extremo para justificar um exagerado papel para os Estados Unidos: tal como contribuíram nos anos 40 para derrubar os regimes
autoritários da Alemanha e do Japão, os Estados Unidos estariam
agora a contribuir para a instauração de regimes civilizados,
decentes, não-beligerantes e pró-ocidentais no Afeganistão ou
no Iraque. Um mundo unipolar, de inspiração divina, controlado
pelos americanos.
Os conservadores dos Estados Unidos vão inventando os seus
inimigos externos, álibis para a barbárie da agressão e para um
expansionismo militar imperialista: depois da queda do Muro de
Berlim e da derrocada dos regimes comunistas europeus, o exército
norte-americano encontrou no Médio Oriente um novo palco de
Guerra, que procura justificar globalmente como um choque de
civilizações entre o Ocidente e o Oriente. Como se tem visto, não
é disso que se trata.
O Orçamento de Estado norte-americano traduz cruamente as
opções ideológicas que os neo-cons introduziram na governação
americana: 2,7 biliões de dólares para o sector da Defesa em 2007,
mais do que todos os outros países do Mundo juntos. Bush reforçou o contingente militar no Iraque este ano e vai alimentando a
cadeia de violência: presença militar, retaliação com atentados,
reforço dos meios para a luta anti-terrorista... Apesar do descrédito das personalidades neo-conservadoras junto de uma opinião
pública cada vez mais contrária à presença de forças militares
norte-americanas no Médio Oriente.
NOTAS
* O Príncipe das Trevas, Combate, Abril de 2003
** Neo-cons à Conquista do Mundo, Combate, Abril de 2005
* João Romão é dirigente do Bloco de Esquerda.
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