EDUCAÇÃO DO CAMPO DE JOVENS E ADULTOS: AVANÇOS E DESAFIOS
Monalisa P. Araújo
Maria Alves
RESUMO
Este artigo visa discutir a educação do campo de jovens e adultos, a partir da execução do
Projeto de Escolarização de Jovens e Adultos em áreas de assentamentos rurais paraibanos,
realizado pela parceria entre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Comissão Pastoral da Terra
(CPT), explicitando os avanços e os desafios. Apresentamos o PRONERA, suas características
e orientações, pautadas nos princípios do diálogo, da práxis e da transdisciplinaridade. Em
seguida, estabelecemos uma relação entre a educação do campo e a educação de jovens e
adultos, à luz de autores como Kolling, Cerioli, Caldart, (2002), Arroyo (2009), Oliveira (2004),
entre outros. Finalizamos o artigo, indicando os avanços alcançados com o projeto, bem como
os desafios e dificuldades enfrentados. Concluímos que embora a educação do campo tenha
avançado na última década, ainda há muito para ser conquistado, principalmente no que
concerne à formação docente, às estratégias de enfrentamento à evasão escolar e ao convívio
com o processo burocrático de financiamento.
Palavras-chave: Educação do campo, Educação de Jovens e Adultos, PRONERA.
RESUME
Cet article a le but de discuter l´éducation des jeunes et adultes, d´après la mise en oeuvre du
Projeto de Escolarização de Jovens e Adultos dans les domaines de l'habitat rural de l´Etat de
Paraíba, realisé par un partenariat entre le Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) et l´ Universidade Federal da Paraíba (UFPB) et la Comissão Pastoral da Terra
(CPT), explicitant les progrès et les défis. On présente le PRONERA, sés caractéristiques et
orientations, basées dans les principes du dialogue, de la praxis et de la transdisciplinarité.
Ensuite, on établit un rapport entre l´éducation de l'habitat rural et l´éducation des jeunes et
adultes, à la lumière des auteurs comme Kolling, Cerioli, Caldart (2002), Arroyo (2009),
Oliveira (2004), parmi d´autres. On finalise l´article, indiquant l'avancement du projet ainsi que
les défis et les difficultés rencontrées. On conclut que, bien que l'éducation de l'habitat rural a
progressé au cours de la dernière décennie, beaucoup reste encore à conquérir, notamment en
ce qui concerne la formation des enseignants, aux stratégies pour faire face à l'évasion scolaire
et à la convivialité avec le processus bureaucratique de financement.
Mots-clés : Education de l´habitat rural, Education des Jeunes et Adultes, PRONERA
Algumas considerações sobre o PRONERA
O estudo em questão trata-se da experiência do Projeto de Escolarização de Jovens e
Adultos do Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária (PRONERA),
visando discutir os avanços e desafios vivenciados durante os dois anos de atuação deste
projeto em acampamentos e assentamentos rurais do Estado da Paraíba.
Antes de refletir acerca da Educação do Campo de Jovens e Adultos torna-se
necessário alguns esclarecimentos sobre este programa. O PRONERA é entendido enquanto
uma política pública de educação do campo, desenvolvendo projetos em áreas da reforma
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agrária, desde a alfabetização de jovens e adultos, a escolarização em nível fundamental, médio
e superior e a formação técnico-profissional. De acordo com o Manual de Operações, ele é
“um programa articulador de vários ministérios; de diferentes esferas do governo; de
instituições e movimentos sociais e sindicais de trabalhadores (as) rurais para qualificação
educacional dos assentados da Reforma Agrária” (2004, p. 17).
Esse programa tem como objetivo geral:
Fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando,
propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos
educacionais, utilizando metodologias voltadas para a
especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a
promoção do desenvolvimento sustentável (IDEM).
Assim, constitui-se em um programa que traz grandes contribuições para a construção
de uma nova forma de pensar e fazer a educação do campo. No caso específico, do Projeto de
Escolarização e Jovens e Adultos, o programa objetiva: “garantir a alfabetização e educação de
jovens e adultos acampados (as) e assentados (as) da Reforma Agrária” (IDEM).
O referido Projeto, no caso específico da Paraíba, ocorreu em parceria com a
Universidade Federal da Paraíba - UFPB, tendo uma abrangência sócio-territorial considerável,
já que envolvia seis (06) Pólos de atuação (Litoral Norte, Litoral Sul, Agreste, Várzea,
Guarabira e Alagoa Grande) distribuídos em vinte e dois (22) municípios paraibanos. Foram
quarenta e seis (46) turmas e educadores (as), vinculados à Comissão Pastora da Terra – CPT e
trezentos e trinta e quatro (334) educandos e educandas concluintes. Todos os educadores
residiam nos próprios assentamentos e/ ou acampamentos, tornando o trabalho mais
proveitoso, pois eles (as) vivenciavam o cotidiano da comunidade, o que propiciou o
desenvolvimento de uma prática educativa contextualizada. Além disso, contou com a
participação de três (03) coordenadores (as) sendo dois da UFPB e um da CPT, seis (06)
professores (as) especialistas/ UFPB, seis (06) alunos estagiários/ UFPB, seis (06)
coordenadores locais/CPT.
Os princípios pedagógicos que orientam a prática educacional do PRONERA são: o
diálogo, valorizando os diferentes saberes, respeitando a cultura do grupo e produzindo
coletivamente o conhecimento; a Práxis, construindo uma prática educativa que se baseia no
movimento de ação-reflexão-ação e na perspectiva de transformação da realidade, com uma
dinâmica de ensino/ aprendizagem que, simultaneamente, valorize e provoque o envolvimento
dos educandos e educandas em ações sociais concretas e auxilie na interpretação crítica e no
aprofundamento teórico necessário a uma atuação transformadora; a transdisciplinaridade,
construindo um processo de educação que contribua para inter-relação e articulação entre os
conteúdos e os saberes locais, regionais e globais, tornando-se imprescindível que os sujeitos
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possam identificar suas necessidades e potencialidades e busquem estabelecer relações que
contemplem a diversidade do campo: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero,
geração e etnia. Dessa forma, a educação do PRONERA deve ser problematizadora, dialógica e
participativa.
Esta concepção de educação se aproxima da perspectiva de uma prática educativa que
articula os conhecimentos formais/ escolares e os saberes locais/ não escolares. Isso permite a
redefinição do espaço escolar como uma instância de organização e participação da
comunidade local, e não mais o predomínio de uma cultura que faz da escola um lugar isolado
dos processos sociais locais.
Outro ponto importante a ser destacado sobre o PRONERA é que apresenta em sua
proposta a parceria, como princípio operacional, na qual se defende o desenvolvimento de uma
gestão participativa em que as responsabilidades sejam assumidas por todos (as) em uma
construção coletiva tanto na elaboração e no acompanhamento, bem como na avaliação dos
projetos. Destacamos como principais parceiros: movimentos sociais e sindicais de
trabalhadores (as) rurais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, as
instituições públicas de ensino, as instituições comunitárias de ensino sem fins lucrativos e os
governos municipais e estaduais.
No caso específico da Paraíba e do Projeto de Escolarização de Jovens e Adultos, aqui
relatado, a parceria estabelecida foi entre o INCRA/PB, a Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A parceria com a CPT garante a constante relação entre a escola e o movimento social,
pois, principalmente no campo, ele tem desempenhado um importantíssimo papel.
Os Movimentos Sociais tem cumprido no campo um papel político e
pedagógico que não pode deixar de ser reconhecido pelos
educadores. Os Movimentos, através das suas lutas e suas formas de
organização e expressão, têm ajudado a afirmar direitos, a humanizar
as pessoas criando novas possibilidades de viver com dignidade; nos
ajudam a enxergar os sujeitos, à medida que os fazem aparecer diante
da sociedade, escancarando suas injustiças, desigualdades, mentiras
[...] (KOLLING, CERIOLI, CALDART, 2002, p.132).
A autora fala que além do papel político, os Movimentos Sociais exercem um papel
pedagógico relevante, especialmente na construção de uma pedagogia do movimento. Eles
contribuem para a formação e politização dos sujeitos. Segundo Arroyo (2009), o movimento
social situa a educação na esfera dos direitos e “o direito coloca a educação no terreno dos
grandes valores da vida e da formação humana” (Ibid, 21). Ele também afirma que “o
movimento social no campo representa uma nova consciência dos direitos, à terra, ao trabalho,
à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, à saúde e à educação” (IDEM, p, 22). O
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autor defende, igualmente à Caldart, que o movimento é educativo pelas suas lutas, gestos e
palavras, formando novos valores, nova cultura, enfim, novos sujeitos, quer dizer, os
camponeses como sujeitos de direitos.
Os Movimentos Sociais desempenham um papel educativo que não pode ser
desconsiderado, principalmente no campo, onde os homens e mulheres sofrem mais
marginalizações e preconceitos, e ainda possibilitam a formação de uma nova consciência em
relação aos direitos, inclusive o direito a educação. Uma educação que por ser do campo não
pode desconhecer suas vivências, experiências, expectativas, temores e possibilidades de seus
participantes, que não pode reforçar estereótipos, mas que deve ser construída, elaborada,
pensada e repensada a partir dos interesses de seus sujeitos e com a participação deles.
Educação do Campo de Jovens e Adultos
As políticas públicas direcionadas para atender as camadas populares, especialmente
àquelas ligadas ao campo, apresentam um histórico de negação de suas historicidades, exclusão
e ausência de relação como o contexto e as reais necessidades dos grupos sociais do campo.
Muitas vezes, desenvolveu-se como extensão da educação urbana, enfatizando uma concepção
utilitarista, transmitindo conteúdos totalmente desarticulados das experiências vivenciadas
pelos camponeses. Esse tipo de educação é herdeiro de uma visão que entende o Campo como
a representação social do atraso, e por conseqüência disso houve a predominância da lógica de
estudar para negar suas tradições culturais.
A proposta de educação que defende o PRONERA e seus parceiros pauta-se, numa educação
voltada para as pessoas do campo, desenvolvida e pensada com a sua participação, levando em
consideração suas vivências e suas necessidades. Uma Educação No e Do Campo, como
esclarece Kolling, Cerioli e Caldart (2002, p. 26): “No: o povo tem direito a ser educado no
lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua
participação; vinculada à sua luta, cultura e às suas necessidades humanas e socais”.
A defesa por uma educação do campo parte da necessidade de vincular a luta por
educação com o grupo de lutas por transformações das condições sociais de vida no campo,
sendo um instrumento de resistência cultural e buscando a humanização. Uma educação
elaborada a partir dos seus sujeitos, refletindo os seus anseios e carências e valorizando seu
modo de vida e sua cultura.
Os sujeitos envolvidos no projeto que acompanhamos e estudamos, são trabalhadores
e trabalhadoras rurais, marcados pela cultura camponesa, que incorporaram em suas práticas
sociais a condição de acampados e assentados que lutam por mais justiça no campo. Para
explicar melhor quem são esses sujeitos recorremos à concepção de Kolling, Cerioli e Caldart
(IDEM, p. 30):
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São os sujeitos da resistência no e do campo: sujeitos que lutam
para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de
agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e
pela Reforma Agrária; sujeitos da luta por melhores condições de
trabalho no campo.
Esse entendimento é imprescindível para a superação das noções distorcidas que se
têm sobre os camponeses, considerando-os como ignorantes, ingênuos, povo pacífico e sem
conflitos, representantes do atraso, por isso à margem da sociedade. Devemos perceber que os
sujeitos do campo são povos de diferentes culturas, que tem seus conflitos e buscam construir
sua identidade enquanto grupo sem desconsiderar as identidades individuais.
É imprescindível, para desenvolver a Educação do Campo nessa perspectiva, a reflexão
sobre quem são os educandos e educandas (também os educadores), considerando-os mediante
suas situações existenciais concretas: social, econômica, política e sua faixa etária.
O corpo social do projeto é composto pelos jovens, adultos e idosos que sofrem
preconceitos por serem assentados ou acampados, e ainda, analfabetos; são os
“marginalizados” pelo sistema econômico-social, numa faixa etária fora das exigências do
ensino regular, necessitando de uma assistência pedagógica específica, enquanto jovens e
adultos. Conforme aponta Oliveira,
[...] para compreendermos a Educação de Jovens e Adultos
precisamos saber suas especificidades em relação a que são os
jovens, adultos e idosos atendidos [...] Devemos ter consciência de
sua condição de “pessoas humanas” e de sua condição social:
“não-crianças”, “excluídos” e “membros de determinados grupos e
classes sociais” (2004, p. 61).
A Educação de Jovens e Adultos - EJA deve considerar essas especificidades para
superar as concepções de educação visando superar aos entraves sócio-educativos que atendam
suas reais necessidades, a saber: a visão essencialista, que concebe a infância como melhor
período para a aprendizagem, visto que é nessa fase que ocorre o desenvolvimento físico,
racional, moral e social, enquanto no adulto esse processo de desenvolvimento já terminou e,
portanto, os adultos apresentarão dificuldades em iniciar ou dar segmento aos estudos; e a
visão pragmática, que apresenta um caráter utilitarista da educação, na qual educar adultos é
inútil, pois os mesmos já passaram à vida inteira sem serem alfabetizados e não apresentam
mais nenhuma perspectiva de futuro.
Este fazer pedagógico que reconstrói as experiências dos envolvidos, especialmente os
camponeses dos assentamentos rurais, parte dos princípios freireanos e apontam a criação de
uma Pedagogia do Movimento, a qual incorpora a dimensão da participação das pessoas no
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movimento social ou das lutas sociais, extraindo lições dessa pedagogia para a formação dos
sujeitos destas lutas; “pedagogia da terra”, compreendendo a dimensão educativa na relação do
ser humano com a terra, que cultiva vida e luta. Combinar as “pedagogias” com vistas a
construir um projeto de educação que considere toda especificidade presente na vida do campo
e dos camponeses, em destaque os jovens, adultos e idosos, enfatizando a cultura como matriz
de formação do ser humano é meta básica a se buscar nesse programa.
Com o PRONERA, aprendemos a defender práticas educativas do campo que
respeitem os seus educandos enquanto trabalhadores da terra, enquanto sujeitos de
transformações sociais, detentores de diferentes práticas e de diferentes culturas e finalmente
como sujeitos de direitos. É entendendo-os dessa forma que buscamos sempre um
planejamento contínuo e sistemático das atividades pedagógicas, em parceria com os
educadores e coordenação geral e local, que visasse à valorização da cultura de seus sujeitos
com o intuito de reconstruir e fortalecer a identidade dos campesinos e que a escola fosse um
espaço de fortalecimento dessas culturas.
Avanços e Desafios da Educação do Campo de Jovens e Adultos: a experiência com o
PRONERA
A partir dos dados obtidos no Relatório Final do Projeto de Escolarização de Jovens e
Adultos do PRONERA e considerando os relatórios de alguns educadores, além da nossa
própria experiência no Projeto, buscamos evidenciar o que se destacou enquanto avanços e
desafios ao longo do desenvolvimento da proposta.
Destacamos como avanços:
1. O fortalecimento da articulação entre a escola e comunidade
O fortalecimento da articulação entre a escola e a comunidade ocorreu através do
desenvolvimento de atividades didáticas que buscavam envolver os educandos e educadores em
problemáticas da comunidade, visando encontrar saídas viáveis para o enfrentamento de
algumas questões que incomodam a comunidade. Podemos evidenciar nas diversas atividades
pedagógicas desenvolvidas, dentre elas, sobre a questão do lixo nos assentamentos e
acampamentos, um problema social, ambiental e de saúde pública, como confirma o relato de
um dos educadores:
Falamos do lixo da comunidade e das casas, como fazer para não
jogar o lixo no meio do acampamento, qual o compromisso que
todos teriam diante da comunidade e como iríamos fazer para
manter todos comprometido com os acampados e jovens da
comunidade, além de conscientizar para não jogar em todo canto.
(Educador A – Pólo Litoral Norte)
Vemos nesse relato, a preocupação com questões referentes à comunidade,
possibilitando o aumento da participação e engajamento dos educandos e educadores em ações
7
que favoreçam a própria comunidade. Além disso, foi evidenciada, em alguns assentamentos,
uma maior participação dos alunos nas ações das associações do assentamento.
2. O compromisso com a Educação do Campo de Jovens e Adultos
A existência de projetos voltados para o campo, e em especial, para Educação de
Jovens e Adultos já representa uma grande avanço, devido ao descaso histórico para com essa
modalidade educativa. Além disso, a valorização dada aos planejamentos quinzenais nos Pólos,
com a participação efetiva dos educadores, do envolvimento efetivo da coordenação
local/CPT; o envolvimento das bolsistas/ UFPB com o projeto, por meio da realização dos
encontros semanais para estudo, discussão e planejamento das atividades de forma coletiva. Os
momentos de reunião geral entre coordenação do projeto, coordenadores locais, bolsistas e
professores especialistas para estudo e encaminhamentos em relação ao projeto, também são
destacados como valorização da Educação do Campo.
3. A valorização da cultura do campo
Construção de uma proposta educativa que buscou considerar a cultura local dos
camponeses na produção do conhecimento. Alguns educadores do Pólo Litoral Norte
perceberam mudanças de comportamento entre os educandos ao trabalharem aspectos da
cultura local, em sala de aula: “O modo de se comportar com as pessoas, no modo de trabalhar
a terra, na participação na comunidade, etc.” (Educador A); “Alguns já não fazem
desmatamentos, refloresta e estão valorizando mais o folclore” (Educador B); “A valorização
que os alunos deram a terra” (Educador C).
Esses depoimentos demonstram a importância de uma ação educativa que valorize a
cultura de seus educandos, possibilitando a assunção de suas identidades e apresentando
resultados que podem ser vislumbrados desde ações concretas, como trabalho com a terra,
participação na comunidade, reflorestamento, até aspectos subjetivos, como modo de se
comportar com o outro e a valorização do folclore, das místicas, do saber popular e da terra. E
esses representam elementos centrais da cultura do campo.
4. A escola do campo de jovens e adultos
A partir das vivências neste projeto, vários jovens e adultos tiveram acesso à
escolarização, podendo estudar e construir aprendizagens de forma contextualizada e adequada
às especificidades do campo e da EJA. A presença da escola no próprio assentamento
representa a concretização do direito à educação aos jovens e adultos do campo, relegados ao
longo da história pelas políticas públicas de educação.
Quando situamos a escola no horizonte dos direitos, temos de
lembrar que os direitos representam sujeitos – sujeitos de direitos,
não direitos abstratos -, que a escola, a educação básica tem de se
propor tratar o homem, a mulher, a criança, o jovem do campo como
sujeitos de direitos (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2009, p. 74).
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5. A alfabetização/escolarização de jovens e adultos
A partir do Projeto de Escolarização de Jovens e Adultos do PRONERA, vários
jovens e adultos tiveram acesso à alfabetização e à escolarização. Conforme o Relatório Final
do Projeto de Escolarização (2008), concluíram a última etapa do Projeto 334 alunos e alunas,
que ampliaram seu universo de leitura e escrita, lendo palavras contextualizadas, frases e
pequenos textos, conseguindo resolver cálculos matemáticos simples com as quatro operações.
Mas, o que é mais importante, conseguiram ampliar significativamente sua visão sobre a
realidade através de práticas educativas. “Por isso é que essa educação, em que educadores e
educandos se fazem sujeitos de seu processo, superando o intelectualismo alienante, superando
o autoritarismo do educador “bancário”, supera também a falsa consciência do mundo”
(FREIRE, 2004, p. 86).
Diante disso, vemos que a escolarização para esses jovens e adultos apresenta o caráter
de conscientização e de desenvolvimento do senso crítico dos educandos e educadores.
Quanto aos principais desafios vivenciados durante o Projeto, podemos destacar:
1. A articulação entre o projeto e o poder local
Quando citamos o poder local estamos nos referindo às secretarias de educação e às
prefeituras, que por vezes lançaram empecilhos ao desenvolvimento da proposta educativa.
Como esclarece o Relatório Final,
ainda é um grande desafio para todos nós, em alguns momentos é
que somente contamos com a participação mais efetiva de algumas
secretarias, ainda existe um certo distanciamento, apesar de muitas
salas funcionarem nas dependências de escolas municipais (2008, p.
38).
A educação do campo, em todas as suas modalidades, necessita ser assumida por todos,
não só pelos que fazem o projeto, mas também, pelo Estado e poderes locais para que se possa
construir e fortalecer a Educação do Campo de Jovens e Adultos como um sistema público
(ARROYO, CALDART, MOLINA, 2009).
2. O papel da escola no desenvolvimento social local
A escola do campo assume um importante papel para o desenvolvimento social local,
sendo também através dela que se disseminam conhecimentos e se propicia a reflexão em
torno de questões que envolvam os problemas enfrentados pela comunidade. Mesmo com
passos dados nesse sentido, ainda temos muito a avançar para que a escola nos assentamentos e
acampamentos possam se tornar instrumento de desenvolvimento local. Mas é preciso que
entendamos que a escola sozinha não pode ser responsável por esse projeto, pois o mesmo
envolve outras dimensões, sendo necessária a construção de “um amplo programa de
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desenvolvimento social que inclua: alfabetização de jovens e adultos, escola pública do campo,
atendimento de saúde pública, construção de moradias, serviços de correios e telégrafos,
atividades de cultura e lazer” (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2009, p. 48).
3. A formação docente
Um dos desafios enfrentados quanto à formação docente, foi o fato de alguns
educadores, não compreenderem a especificidade do fazer pedagógico em turmas de EJA, que
apresenta a necessidade do desenvolvimento da liderança, de uma relação afetiva e respeitosa,
valorização dos conhecimentos prévios, metodologias adequadas aos adultos e, principalmente
à sala heterogênea de sujeitos, relações e saberes. Embora a formação tenha ocorrido em
diferentes momentos do projeto, analisamos como um aspecto bastante frágil, no projeto.
Houve assentamentos, nos quais a escolha do educador foi feita não pelo compromisso com o
processo educativo, mas por tal educador ser a pessoa de maior escolaridade, naquele lugar, ou
porque estava precisando trabalhar. Sabemos o quanto esses fatores intervêm no processo de
ensinar: formação, compromisso e envolvimento com a profissão. Além da especificidade da
modalidade educativa, os professores ainda se depararam com o caráter também peculiar da
Educação do Campo e da EJA.
3. Evasão
A evasão foi um dos grandes desafios enfrentados nesse Projeto de Escolarização. Em
sua conclusão apresentou um índice de aproximadamente 70% de evasão decorrente de vários
fatores, tais como: trabalho sazonal, problemas de saúde e fadiga, problemas de visão,
desestímulo diante dos intervalos entre as etapas de desenvolvimento do Projeto. Para os
educadores a evasão foi o mais desafiador de todos os desafios. Vejamos o que disse um
educador: “nesse trabalho as dificuldades que tive foi a evasão escolar que teve na turma essa é
uma preocupação e dificuldade, mas os alunos que permanecem está superando as minhas
dificuldades e também fortalecendo os trabalhos realizados na sala de aula” (Educador D). A
partir desse depoimento vemos as dificuldades e o desgaste dos educadores para tentar
desenvolver o trabalho com poucos estudantes, mas dando o devido valor a cada um dos que
permaneceram em sala.
4. O financiamento e administração
No tocante ao financiamento no Projeto, o Relatório ressalta a dificuldade de liberação
dos recursos.
Os recursos foram suficientes para realizarmos os trabalhos dentro
do programado, no entanto, muitos transtornos ocorreram com os
atrasos dos mesmos. Na última parcela, o atraso foi de
aproximadamente 10 meses, o que representou um grande desafio
para a equipe manter o trabalho. Imaginemos uma sala de aula de
jovens e adultos que pára por 10 meses, como reconquistar a
freqüência e fazer que os educando e comunidade acreditem ainda
10
nesta escola, o que trouxe mudanças e problemas no calendário
escolar, sobretudo no cumprimento da carga horária (RELATÓRIO
FINAL, p. 29)
As dificuldades provenientes do atraso na liberação dos recursos ocasionaram
dificuldades para dar sequência às atividades do Projeto, resultando na evasão de alguns
estudantes e desestímulo por parte de alguns educadores.
5. A parceria
Embora a parceira seja o princípio de operação estabelecido no Projeto, segundo o
Relatório Final, várias dificuldades foram vivenciadas por não haver clareza
sobre o que seja parceria por parte das instituições envolvidas no
projeto, enquanto uns se preocupam com as questões pedagógicas e
de articulações locais, outro apenas fiscalizam e se preocupam com
as questões administrativas e financeiras, ou seja, duas lógicas, dois
tempos, duas posturas que não se encontram apesar de estarem no
mesmo projeto (2008, p. 30).
Vemos que os desafios se interdependem, uma vez que uma formação docente
consistente poderia indicar estratégias de melhor intervenção para a evasão escolar, porém é
imprescindível que para tanto, o projeto ocorra sem interferências, o que foi ocasionado pelos
atrasos nos repasses financeiros.
Considerações finais
Diante do exposto, consideramos que a Educação do Campo, nos últimos anos, vem
avançando tendo por base o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária do
Ministério do Desenvolvimento Agrário. São inúmeros projetos chegando aos assentados e
seus filhos na área educacional, pautados numa pedagogia que considera a especificidade dos
camponeses, ampliando as oportunidades de escolarização.
A partir dessas experiências, muito se tem produzido do ponto de vista teórico acerca
da educação do campo e da educação de jovens e adultos. Discutir essas duas áreas é um
desafio duplo, uma vez que a população do campo em nosso país conta com os menores
índices de escolarização e os jovens e adultos, sejam do campo ou da cidade, carregam a marca
de fracasso, por não terem tido escolarizados na “idade regular”.
Vários fatores interferem na implementação de um projeto de escolarização baseado
nos princípios do dialogo, da práxis e da transdisciplinaridade. Embora constatemos o avanço
em produções teóricas acerca da educação do campo norteada por esses princípios, ainda
estamos longe da efetivação de uma proposta realmente pautada nessas orientações. Desafios
de ordem estrutural como ausências de salas de aula ou instalações ainda precárias, fragilidade
no processo de escolha e formação dos educadores, assim como interrupções no calendário
11
letivo, devido aos atrasos dos repasses financeiros, arriscam a encobrir os avanços obtidos nas
46 turmas concluintes, embora bastante reduzidas.
Com a taxa de evasão de 70% dos alunos matriculados corremos o risco de não
identificarmos os avanços obtidos com o projeto. A compreensão da escola como parte do
assentamento, assim como a valorização e resgate da cultura do campo foram aspectos
positivos deste projeto. Constatar a alegria e a satisfação de jovens, senhores e senhoras pela
conquista de concluir o processo de escolarização da 1ª fase do ensino fundamental, foi uma
oportunidade ímpar para todos nós que fizemos o projeto desde sua articulação inicial até o
encerramento. Para os alunos concluintes, o projeto fez a diferença. E para os participantes da
universidade, bolsistas e professores, assim como da CPT, coordenadores e educadores, o
projeto contribuiu decisivamente com a formação continuada, ampliando a compreensão da
educação do campo de jovens e adultos.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel Gonzalez. CALDART, Roseli Salete e MOLINA, Monica Castagna. Por
Uma Educação do Campo. 4ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popular na Escola Cidadã. Petrópolis-RJ:
Vozes, 2002.
BRASIL, MDA/ INCRA. Manual de Operações do Projeto N acional de Educação na
Reforma Agrária. Edição Revista e Atualizada, Brasília, abril de 2004.
CALADO, Alder Júlio Ferreira. Educação Popular nos Movimentos Sociais no Campo:
potencializando a relação macro-micro no cotidiano como espaço de exercício de cidadania, In
SCOCUGLIA, Afonso Celso; NETO, José Francisco de Melo (org). Educação Popular:
outros caminhos. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999, p. 135 a 151.
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática de Liberdade. 26 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
2002.
__________. Pedagogia do Oprimido. São Paulo, Paz e Terra, 38 ed., 2004.
KOLLING, Edgar Jorge; CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete (org).
Educação do Campo: Identidades e Políticas Públicas. Brasília, DF: articulação nacional
Por Uma Educação do Campo, n°. 4. 2002
LEITE, Celani Sérgio. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo:
Cortez, 1999.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Princípios Pedagógicos na Educação de Jovens e
Adultos. In: Revista da Alfabetização Solidária, v.4, n.4, São Paulo: Unimarco, 2004.
Relatório Final do Projeto de Escolarização da EJA – PRONERA – João Pessoa, Maio de
2008. Digitado.
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