UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
HELENA DOS SANTOS MOSCHOUTIS
PELA LEI NATURAL DOS ENCONTROS:
Experiências de mediação artística no espaço expositivo e na sala de aula
Pelotas, 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
HELENA DOS SANTOS MOSCHOUTIS
PELA LEI NATURAL DOS ENCONTROS:
Experiências de mediação artística no espaço expositivo e na sala de aula
Trabalho de conclusão de curso apresentado
à Universidade Federal de Pelotas como
requisito parcial para obtenção do título de
Licenciada em Artes Visuais.
Orientadora: Profª. Ms. Carolina Corrêa Rochefort
Banca examinadora:
Profª. Diana Kolker Carneiro da Cunha
Profª. Drª. Eduarda Azevedo Gonçalves
Prof. Dr. João Carlos Machado
Pelotas, 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
HELENA DOS SANTOS MOSCHOUTIS
PELA LEI NATURAL DOS ENCONTROS:
Experiências de mediação artística no espaço expositivo e na sala de aula
Trabalho de conclusão de curso apresentado
à Universidade Federal de Pelotas como
requisito parcial para obtenção do título de
Licenciada em Artes Visuais.
Banca examinadora:
___________________________________________________________________
Profª. Diana Kolker Carneiro da Cunha
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Eduarda Azevedo Gonçalves
___________________________________________________________________
Prof. Dr. João Carlos Machado
Pelotas, 2013.
AGRADECIMENTOS
Espinosa escreveu que o afeto do agradecimento ou da gratidão “é o desejo ou o empenho de
amor pelo qual nos esforçamos por fazer bem a quem, com igual afeto de amor, nos fez bem”.
É, portanto, com tamanho afeto do amor que realizo esses agradecimentos em que certamente
as palavras não darão conta.
Ao encontro com a Professora Carolina Rochefort por orientar esta pesquisa, sempre
empenhada em ajudar-me teoricamente e emocionalmente de maneira horizontal e
emancipadora. Citando, ainda, Spinoza sobre o afeto do reconhecimento “é o amor por alguém
que fez bem a um outro”, e refiro-me a todo o bem que ela me ocasionou sempre procurando
aumentar meu potencial de ação .
Aos Professores e Professoras do Centro de Artes que colaboraram para minha formação, em
especial aos Professores Duda Gonçalves e Chico Machado por aceitarem participar desse
processo importante de aprendizagem pelo qual estou passando e também por terem sido
professores determinantes para minha formação, apresentando-me entendimentos
diferenciados sobre arte e educação em experiências e reflexões práticas. Agradeço, também,
à Professora e Mediadora Diana Kolker por aceitar fazer parte da banca, pelas conversas, pela
liberdade de atuação e por acreditar e potencializar minha prática de mediadora.
Aos amigos e amigas Débora, Patrezi, Lílian, Valentim, Camila, Cris, Fausto, Lucía e outros
tantos que participaram dessa pesquisa, seja com conceitos e discussões teóricas, seja com
cerveja e dança.
Ao amigo e designer Henrique de Almeida pelo amor e amizade profunda e por diagramar este trabalho.
Ao encontro com os Patafísicos e com os amigos mediadores da Bienal que contribuíram para
esse trabalho e para minha formação como mediadora/educadora imensamente. Entre
devaneios, liberdade, debates, teorias e muita prática estabelecemos um vínculo e um
compromisso entre nós e com a educação.
Ao Beto pelo carinho, amor, paciência, livros, textos e conversas repletas de poesia e arte.
À minha tia Rosângela, ao tio Marcelo, à Carol e ao Rafa pela amorosa acolhida durante o período
em que fui mediadora na Bienal do Mercosul e por terem tornado esses dias mais prazerosos.
Àqueles com quem compartilho um amor imenso: Rachel e Laura, por me completarem
procurando fazer sempre de mim uma pessoa melhor. Pai e Mãe, pela liberdade sempre
concedida, pela poesia e pela determinação. Vocês quatro são o melhor de mim.
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é a arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Samba da benção, Vinicius de Moraes
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Mediação e educação: encontros possíveis
1.1 Encontros históricos entre museu, público e educação
1.2 Entrelaçamentos entre conceitos – experiência, encontro e
mediação artística
11
20
20
28
CAPÍTULO II
Professor mediador: atravessamentos entre mediar e educar
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novas perguntas, outros encontros
61
REFERÊNCIAS
65
LISTA DE IMAGENS
Figura 1: Esboço de organização do Trabalho de Conclusão
de Curso realizado por mim e pela orientadora.
Carolina Rochefort e Helena Moschoutis, 2012.
11
Figura 2: Projeto de Extensão Ações Educativas em Arte.
Foto: Duda Gonçalves. Fonte: Acervo pessoal, 2010.
14
Figura 3: 8ª Bienal do Mercosul Ensaios de Geopoética.
Foto: Diana Kolker. Fonte: Acervo pessoal, 2011.
15
Figura 4: Projeto de Extensão Patafísica: mediadores do imaginário.
Foto: André Ziegler. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
17
Figura 5: Registro de atividade do clube infantil (1948) no
Museu de Arte de São Paulo.
22
Figura 6: Registro da Proposição Baba Antropofágica
(1973) de Lygia Clark.
24
Figura 7: Tropicália (1966-7) de Hélio Oiticica no
Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro.
25
Figura 8: Desenho de um espaço expositivo em
que acontecem roteiros aventureiros Helena moschoutis, 2013.
33
Figura 9: Projeto de extensão Patafísica: mediadores do imaginário.
Foto: Carolina Rochefort. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
37
Figura 10: 8ª Bienal do Mercosul Ensaios de Geopoética.
Foto: Autor desconhecido. Fonte: Acervo pessoal, 2011.
43
Figura 11: Esboço realizado a partir da estrutura física da
sala de aula do estágio supervisionado. Helena Moschoutis, 2012.
44
Figura 12: Esboço realizado a partir da estrutura intelectual
hierárquica percebida na sala de aula do estágio supervisionado.
Helena Moschoutis, 2012.
46
Figura 13: Esboço realizado a partir da estrutura intelectual
ansiada na sala de aula do estágio supervisionado.
Helena Moschoutis, 2012
52
Figura 14: Mapa da cidade de pelotas com as intervenções dos alunos. 55
Figuras 15 e 16: Alunos do estágio realizando performance.
Frame de vídeo-registro filmado por aluno. Fonte: Acervo pessoal, 2012. 59
RESUMO
A presente pesquisa investiga possíveis relações entre mediação artística e
educação formal, partindo das práticas pessoais que tive nos dois âmbitos.
Buscando compreender a dimensão de possíveis contribuições das
experiências com mediação artística para minha prática docente em ambiente formal, utilizo as experiências com mediação que ocorreram durante os
anos de 2010, 2011 e 2012 e as experiências com educação formal
provenientes do estágio supervisionado.
No primeiro momento do trabalho, apresento aspectos históricos da
educação em espaços culturais e da arte/educação no Brasil para definir o
conceito de mediação artística. No segundo, vou ao encontro de uma escrita
fenomenológica cujo fio condutor foram as vivências iniciais do estágio
supervisionado em relação à experiência anterior com mediação. Nesta
escrita relaciono e analiso acontecimentos marcantes e significativos da
experiência nos dois âmbitos. Os conceitos experiência e encontro são
desenvolvidos neste trabalho por serem importantes para meu entendimento de um processo educativo potencializador do pensar, sentir, perceber
e agir nos âmbitos formais e ou/ não formais de educação.
Palavras-chave: arte; educação; mediação artística; educação formal;
experiência; encontro.
ABSTRACT
The current research investigates possible relations between artistic mediation and formal education starting from the practis that I had in both scopes.
Aiming to understand the extent of possible contributions from experiences
with artistic mediation to my teaching practice in formal environment, I use
the experiences with artistic mediation that happened during the years of
2010, 2011 and 2012 and the experiences with formal education from my
supervised internship.
At the first moment of work I introduce history aspects of education in
cultural spaces and of art/education in Brazil, aiming to define the concept
of artistic mediation. At the second moment, I utilize a phenomenological
writing that has as common thread the experiences lived in the beginning of
my internship at the expense of my previous experience as a mediator. In this
writing I analyse and report striking and significant events from experiences
in both scopes. The concepts experience and meeting are deseveloped in
this work because they are important for my understanding of a potent
educational process at formal or not formal education.
Keyworks: art, education, artistic mediation, formal education, experience,
meeting.
INTRODUÇÃO
Fig. 1: Esboço de
organização do trabalho de
conclusão de curso
realizado por mim e pela
orientadora. Carolina
Rochefort e Helena
Moschoutis, 2012.
11
1. Este conceito será desenvolvido
ao longo deste trabalho.
2. Existem três modalidades
possíveis de educação: formal,
informal e não formal. Guilherme
Nakashato diferencia essas três
situações educativas: “Enquanto
a educação informal emerge das
situações de relação social de
maneira difusa, a distinção entre
a formal e a não formal pode ser
descrita pela profundidade da
sistematização de seus
procedimentos ou pelas
disposições normativas sobre a
educação formal.” (2012, p. 34).
3. A exposição ReCotada
aconteceu em março de 2010,
promovida pelo Centro Acadêmico
das Artes Visuais, do qual eu fazia
parte. Foi coordenada pela
professora Adriane Hernández
(CA/UFPel) e tinha duas
premissas principais: ser curada e
organizada por alunos - já que a
iniciativa era dos estudantes – e
não selecionar artistas para expor,
todos os inscritos poderiam
participar.
Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas,
Passado, presente,
Participo sendo o mistério do planeta
O tríplice mistério do "stop"
Que eu passo por e sendo ele
No que fica em cada um,
No que sigo o meu caminho
E no ar que fez e assistiu
Abra um parênteses, não esqueça
Que independente disso
Eu não passo de um malandro,
De um moleque do Brasil
Que peço e dou esmolas,
Mas ando e penso sempre com mais de um,
Por isso ninguém vê minha sacola
(Mistério do Planeta, Novos Baianos, 1972).
A lei natural dos encontros deu a origem a este estudo. Encontros
com pessoas, grupos, jeitos, formas, modos diferentes de pensar. Como na
música dos Novos Baianos, nesses encontros deixei e recebi um tanto que
potencializou as origens desta pesquisa. A partir desses encontros surgiram
muitas questões que, hoje, solicitam atenção. Assim sendo, parto de minhas
experiências com mediação artística1 e as relaciono com o estágio
supervisionado realizado em meados de 2012 buscando desenvolver
entrelaçamentos acerca dos processos educativos, bem como, da relação do
espaço formal com o espaço não formal em educação2.
Tomei conhecimento do campo da mediação artística na
organização da exposição ReCotada3, quando se fez necessária essa
atividade. O envolvimento com a mediação teve seguimento através do
12
projeto de extensão Ações Educativas em Arte: Mediação, coordenado pela
Professora Eduarda Gonçalves (Centro de Artes/UFPel) quem também
coordenou as mediações da exposição ReCotada. No ano seguinte (2011),
intensificou-se meu envolvimento e interesse pelo campo, quando fui
mediadora da Bienal do Mercosul. Atualmente sou mediadora do Grupo
Patafísica: Mediadores do Imaginário, também projeto de extensão,
coordenado pela Professora Carolina Rochefort. Esse envolvimento com
mediação fez com que eu tivesse um tipo de experiência educativa
diferenciado, percebendo na mediação artística um espaço potente (Spinoza,
2010) para se pensar a educação da arte. Portanto, esse estudo se origina
da relação entre a trajetória com mediação artística e o estágio
supervisionado e busca refletir e teorizar a partir dessas experiências.
O trabalho de mediadores em espaços culturais vem sendo
estudado há alguns anos no Brasil sendo constatável através de publicações
como as de Mirian Celeste Martins (2005), Luis Guilherme Vergara (1996),
Ana Mae Barbosa e Rejane Galvão Coutinho (2009 – entre outras
publicações), além das pesquisas produzidas nas universidades e das
publicações referentes aos programas educativos de diversas instituições
culturais. Cada vez mais, nessas produções, o mediador de exposições de
arte é entendido também como educador, portanto essa atuação é pensada
como um momento delicado, em que estar entre a obra de arte e o fruidor
não é estar somente entre dois, mas entre uma gama de possibilidades
interpretativas. Por isso, esse mediador não explica coisa alguma, e sim
instiga, pergunta, potencializando a experiência, o prazer e a profundidade de
um momento artístico em um espaço expositivo.
Pensando essas questões, observando que meu contato com esse
campo se deu apenas através de experiências não curriculares e percebendo
que minhas práticas de mediação artística influenciaram minha forma de
pensar a educação formal, aponto o seguinte tema de pesquisa: A relação
entre mediação artística e educação formal de artes visuais. Esse tema se faz
13
Fig. 2: Projeto de extensão Ações
Educativas em Arte. Foto: Duda
Gonçalves. Fonte: Acervo
pessoal, 2010.
4. Este conceito será
desenvolvido ao longo deste
trabalho.
relevante, porque percebo que discussões sobre educação em espaços
culturais ainda são pouco desenvolvidas no meio acadêmico em que atuo,
fala-se pouco sobre mediação, seja pensando o professor mediador4 , seja
discutindo a necessidade de as pessoas - nós e nossos futuros alunos - terem
a experiência da visita a um espaço de arte.
Esta pesquisa se justifica, pois pretende contribuir para as
discussões sobre mediação artística no meio acadêmico a partir de minha
própria experiência como mediadora, experiência essa que foi fundamental
para meu entendimento de educação, indicando a necessidade da discussão
sobre mediação artística na formação de professores de artes visuais por
meio de uma disciplina voltada para o tema e de experiências com mediação,
dada a demanda crescente de programas educativos em espaços culturais e
14
Fig. 3: 8ª Bienal do Mercosul
Ensaios de Geopoética. Foto:
Diana Kolker. Fonte: Acervo
pessoal, 2011.
da importante visita de alunos a esses espaços e a possibilidade de
entendimentos da educação com mais um viés.
O problema central da pesquisa encontra-se no seguinte
questionamento: de que forma a prática de mediação pode contribuir para a
formação de professores de artes visuais? Trabalhei com a hipótese de que
as vivências em mediação foram fundamentais para mim. Desde a 8ª Bienal
do Mercosul, acrescentaram conhecimentos tanto em minha postura como
mediadora, como futura arte/educadora. Percebi, no estágio curricular
supervisionado que as preocupações e questões mais recorrentes estudadas
no campo da mediação artística são muito próximas àquelas do estágio.
Portanto, as experiências com mediação artística ampliaram a visão que
tenho de arte/educação.
15
Dessa forma, o objetivo geral de minha pesquisa consiste em
investigar as possíveis relações entre mediação artística e educação formal,
partindo das diferentes formações que tive, dos referenciais teóricos que me
foram apresentados, de algumas mediações que foram pontuais para meu
entender do que é mediação artística, bem como, da relação dessas
questões com minha prática de estágio supervisionado. Para tal procurei
definir, com base em referenciais teóricos e em minhas experiências, o
conceito de mediação artística, situando-o no contexto educacional
contemporâneo, analisei meu trabalho como mediadora nos diferentes
contextos em que atuei, relacionando mediação com minha prática de
estágio, a fim de compreender de que forma essas experiências foram
determinantes para minha formação enquanto educadora.
Para realizar tal análise e desenvolver a presente escrita alguns
pensadores como Benedictus de Spinoza (2010), Jacques Rancière (2011) e
Larrosa Bondía, além de Merleau-Ponty (1999) foram fundamentais. Tais
autores fizeram-se importantes à pesquisa, pois versam sobre questões
pertinentes no entender que faço de mediação artística e educação, em
especial os conceitos experiência e encontro.
A partir de meus escritos, memórias e fotografias de mediações e
das aulas do estágio curricular supervisionado, elaborei uma narrativa
fenomenológica de situações que julgo terem sido especialmente marcantes
para minha formação. Estabeleço relações entre a prática de mediação e a
do estágio. Isso foi fundamental para que eu percebesse a dimensão da
influência das experiências com mediação artística em minha prática em
educação formal.
A escrita fenomenológica consiste em uma escrita que não pretende
colocar-se com um olhar de fora do acontecimento (do fenômeno), mas estar
imersa nele, considerando ao máximo as relações e os atravessamentos
possíveis do fenômeno no mundo. A fenomenologia, segundo Merleau-Ponty
é o estudo das essências e repõe as essências na existência:
[...] não pensa [a fenomenologia] que não se pode compreender o
16
Fig. 4: Projeto de extensão
Patafísica: Mediadores do
Imaginário. Foto: André Ziegler.
Fonte: Acervo pessoal, 2013.
17
homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua
“facticidade”. [...] é também uma filosofia para a qual o mundo já
está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma presença inalienável,
e cujo esforço todo consiste em reencontrar esse contato ingênuo
com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 5)
Procurando esse contato ingênuo primeiro com as experiências que
tive é que a escrita fenomenológica se fez importante, para que os
fenômenos fossem resgatados a partir da vivência inicial em estágio
supervisionado que gerou o que chamarei a partir de agora de “crise”.
A palavra crise vem do grego krisis utilizada por médicos para
designar o momento de virada da doença do enfermo após medicado, a
partir do momento de crise o paciente morre ou recupera-se (Disponível em:
http://origemdapalavra.com.br/pergunta/pergunta-723.
Acesso
em:
17/02/2013). A crise que será tratada neste trabalho está relacionada a
esse momento de desfecho, de acontecimento, de expectativa. Para o
dicionário Aurélio (1993, p. 154), crise quer dizer, entre outras definições,
“Fase difícil, grave na evolução das coisas, dos sentimentos, dos fatos;
colapso.”. Portanto, a “crise” da qual falo se trata de um momento de
profundo repensar de minha atuação e as possibilidades educacionais
como um todo. Essa “fase difícil, grave na evolução das coisas” interrompeu
ideias e esperanças que eu tinha sobre e no espaço formal e não formal de
educação. Embora a questão não estivesse entre viver e morrer, como um
paciente, cheguei a um momento de colocar em questão minha atuação
enquanto professora e enquanto mediadora. Porém, a crise que nos
paralisa, pode também nos fazer refletir. Foi a partir das reflexões e da
escrita fenomenológica que “a crise” (de forma emotiva e espontânea)
originou este trabalho.
Essa forma de escrita/pesquisa permitiu que eu não elegesse
previamente categorias de análise para as experiências, e sim que elas
fossem sendo percebidas na experiência de reflexão que o ato de escrever
18
proporciona. A maioria dos acontecimentos narrados no segundo capítulo
não foi escolhido previamente, veio à tona, porque gerou inquietações e
reflexões durante a escrita fenomenológica. Como uma prática de mediação
ou um plano de ensino, houve um projeto de pesquisa a ser seguido, mas de
forma maleável e inconstante, respeitando as particularidades da memória,
das vivências e do momento, do instante em que a escrita reflexiva ocorreu.
19
Capítulo I
Mediação e educação: encontros possíveis
Este primeiro capítulo é voltado para a definição de mediação
artística e a inserção desse conceito no contexto da arte/educação.
Relacionados à definição de mediação artística, serão desenvolvidos
dois conceitos, encontro e experiência, considerados por mim importantes
para o entendimento de um processo educativo potente, no qual o
desenvolvimento dos saberes ocorre de forma multilateral e sem hierarquias.
1.1 Encontros históricos entre museu, público e educação
As primeiras notícias que se tem de uma coleção (ou antiquarium)
exibidas ao público datam de 1471, ocasião em que o Papado organizou suas
coleções em uma exposição iniciada pelo Papa Pio VI (REFE p.22). Algumas
das realezas europeias tiveram a iniciativa de demonstrar seus objetos
históricos e demais relíquias (ainda de forma restrita), entretanto é a partir dos
movimentos revolucionários de oposição ao sistema monárquico do final do
século XVIII, na Europa que os museus passam a permitir definitivamente ao
público o acesso às grandes coleções, conforme aponta Marlene Suano:
A revolução burguesa organizou o saber e o conhecimento de forma a
consolidar o poder recém-adquirido. [...] O museu prestava-se muito
bem às necessidades da burguesia de se estabelecer como classe
dirigente. No ano de 1791, as assembleias revolucionárias
propuseram, e a convenção nacional aprovou em 1792, a criação de
quatro museus, de objetivo explicitamente político e a serviço da nova
ordem. (1986¿, p. 28)
5. Por instituições culturais
entendo Museus de Arte, Centros
Culturais e Galerias de Arte,
espaços que se propõem a expor
e discutir arte.
No Brasil, foi a fuga de Dom João VI em 1808 das forças do
Imperador Napoleão que trouxe os primeiros quadros das coleções da Escola
Real (SUANO, 1986, p. 33). A chegada da realeza portuguesa impulsionou
profundamente as instituições culturais5 brasileiras e produções artísticas. No
20
6. Percebo que os termos
projeto/programa e
educativo/pedagógico são
utilizados por instituições para se
referirem às suas ações
educacionais. Projeto vem do
latim PROJECTUM “plano, esboço,
esquema”, já a palavra Programa,
do grego PROGRAMMA, refere-se
a “escrito dado a público” PRO –
“à frente”, GRAMMA – “letra,
escrita” (Dicionário Etimológico,
disponível em:
http://origemdapalavra.com.br,
acesso em: 30/11/2012).
Entendo a palavra programa
como algo que está mais bem
estruturado e, por entender que
as ações educativas dessas
instituições são profundamente
organizadas e pensadas antes de
ocorrerem, utilizo neste trabalho a
terminologia programa. Quanto
aos termos educativo e
pedagógico, Betina Guedes
(2012, p.11) questiona a
utilização do pedagógico pela
Bienal do Mercosul, pois na
origem epistemológica desta
palavra fica implícita a noção de
condução, de chegar a algum
objetivo anteriormente
estruturado, estabelecendo
hierarquias, “atuando não na
produção, mas na captura da
experiência”. Opto pela utilização
do termo educativo por acreditar
que este está em maior
consonância com o tipo de
mediação/educação que procuro
desenvolver neste trabalho e em
minhas atuações educacionais.
entanto, “A esmagadora maioria dos demais museus brasileiros foi criada a
partir dos anos 30 e 40, sempre como iniciativas oficiais.” (SUANO, 1986, p.
34).
Nas décadas seguintes ocorreram as primeiras movimentações de
atividades práticas educativas dentro das instituições culturais brasileiras.
Essas atividades foram conduzidas por Ecyla Castanheira e Sígrid Porto nos
anos 1950, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro, conforme Ana Mae
Barbosa escreve:
No período dominado pelo modernismo, a criação de ateliês livres,
oficinas ou atividades de animação cultural foi prática freqüente nos
grandes museus como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), com o
Clube Infantil (1948), e o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, que
movimentou a cidade com os Domingos da Criação e com o ateliê para
crianças e adolescentes conduzido por Ivan Serpa. Posteriormente, a
Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Centro Cultural São Paulo
também tiveram muito bem orientados ateliês livres. (BARBOSA, 2004,
disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?
id=3733, acesso em: 16/10/2012)
Os acontecimentos acima citados são precursores da aproximação
do público às exposições, influenciando as gerações seguintes a
desenvolverem os projetos educativos dentro das instituições de arte. Pode-se
constatar nos anos de 1980 e 1990 a proliferação de setores educativos em
instituições de arte se intensificou. Esses setores foram incorporados
permanentemente por importantes instituições e criaram força. Isso
aconteceu, a princípio, por três motivos aparentes: o primeiro, consiste na
mudança de paradigma que ocorreu nas artes visuais; o segundo, na luta pela
valorização da arte/educação como uma área do conhecimento humano e o
terceiro, pela proliferação de incentivos privados aos projeto/programas
educativos/pedagógicos6.
A mudança de paradigma que ocorreu nas artes visuais modificou o
entendimento das instituições culturais. O artista não opera mais somente
para um público passivo, mas para um público fruidor que participa, inclusive,
da construção de sentido de uma obra de arte. Marcel Duchamp, artista
21
Fig. 5: Registro de atividade do
Clube Infantil (1948) no Museu
de Arte de São Paulo.
22
emblemático para essa mudança de paradigma, escreveu no texto “O ato
criador” que
[...] o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público
estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior,
decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta
forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador. (DUCHAMP, 1965,
disponível em http://asno.files.wordpress.com/2009/06/duchamp.pdf,
acesso em 31/08/2012)
Duchamp aponta que a arte buscava, já desde então, aproximar arte
e vida. Que o público é quem dá sentido a obra, ele participa do "ato criador".
Já no Brasil, com o movimento neoconcreto (1959), em especial com
os artistas Hélio Oiticica e Lygia Clark, foi intensificada a participação do
espectador na construção do objeto artístico, aumentando a necessidade de
mudança de comportamento das instituições culturais em relação a seu
público, que não age somente na construção de sentido da obra de arte, mas
é parte dela chegando a, inclusive, ser parte desse acontecimento obra entendendo a experiência com a arte enquanto obra.
É importante dizer que, mais do que produtor de objetos de arte, o
artista torna-se também um propositor de experiências. Em Baba
Antropofágica (Fig. 6) Lygia Clark propicia ao público (que se tornam
participantes do acontecimento obra) uma experiência que envolve o corpo
como um todo, a entrega, a confiança e a quebra de tabus ao propor que os
participantes babem fios e depositem sobre outro participante que está
deitado, entregue à ação. Em 1967 ocorreu no Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro a Exposição “Nova Objetividade Brasileira” (Fig. 7) que reuniu obras
de arte propositivas de artistas do movimento neoconcreto, dentre eles, Hélio
Oiticica que em entrevista para Mário Barata (1967) falou sobre a potência da
experiência do espectador dentro dessa exposição:
No Penetrável maior, o participador entra em contato com uma
multiplicidade de experiências referentes à imagem: a táctil, fornecida
por elementos dados para manipulação, a lúdica, e puramente visual
(patterns), a do percurso (o “pisar” também estaria incluído na táctil),
23
Fig. 6: Registro da proposição
Baba Antropofágica (1973) de
Lygia Clark.
até chegar ao fim do labirinto, no escuro, onde um aparelho de
televisão (receptor) encontra-se ligado permanentemente: é a imagem
que absorve o participador na sucessão informativa, global. Considero
isto como um exercício experimental da imagem, a tomada de
consciência, pela experiência de cada um que penetre aí, de que o
mundo é uma coisa global, uma manipulação das imagens e não uma
submissão a modelos preestabelecidos (Pedrosa). Estas obras são
obras de transformação pelas quais pretendo chegar ao outro lado do
conceito de antiarte – à pura disponibilidade criadora, ao lazer, ao
prazer, ao mito do viver, onde o que é secreto agora passa a ser
revelado na própria existência, no dia-a-dia. (OITICICA, 1967, p. 100)
Através das palavras de Oiticica é possível perceber que a presença e
participação sensível do espectador/participador entraram em foco nas
discussões não só no campo da produção artística como no comportamento
24
Fig. 7: Tropicália (1966-7) de
Hélio Oiticica no Museu de Arte
Moderna, Rio de Janeiro.
das instituições museais em relação a seu público na medida em que provoca
uma relação do público com a arte, pois pensa a experiência artística
enquanto obra. Isso provocou a necessidade de mudança do comportamento
dos museus em relação a seu público. Martin Grossmann, no texto “Museu
como interface”, apresenta uma série de acontecimentos que contribuíram
para essa mudança de paradigma e para revisão do papel do museu na
25
atualidade. Ele escreve que processos históricos para além do campo da arte
“influenciaram transformações pontuais, no entanto marcantes, na gestão de
certos museus de arte e em suas programações.” (2011, p.208). Narrando
uma série de acontecimentos marcantes em algumas instituições de São
Paulo e de fora do país, Grossmann escreve que:
Este conjunto de proposições inovadoras referenciam o papel central
do visitante/usuário/partícipe/atuante na modelagem de seus
espaços, propondo assim uma outra ritualização, um outro mis em
scène, bem como novas formas de fruição e recepção da arte, mais
complexas e integradas à realidade, à vida. (2011, p. 220)
7. No artigo 26, parágrafo
segundo da Lei 9394/96 diz: “O
ensino da arte constituirá
componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento
cultural dos alunos.” (Site do
Senado. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legisl
acao/ListaTextoIntegral.action?id
=75723. Acesso em:
14/12/2012).
8. É importante salientar que,
segundo Nakashato, o Movimento
Escolinhas de Arte (a partir de
1950) tratava-se de um ambiente
não formal de educação, mas
que, juntamente com a
sistematização da Abordagem
Triangular para o ensino da arte
em 1980 - deu início para este
processo histórico que ocasionou
a obrigatoriedade do ensino da
arte no ambiente formal de
educação. (2012, p. 28).
Portanto, as mudanças na concepção de arte foram determinantes
para o desenvolvimento das reflexões acerca do papel atual do museu que
vem buscando intensificar a atenção para o espectador/participador.
Concomitante a isso, salienta-se como segundo motivo a trajetória de
luta dos arte/educadores no Brasil pela garantia do ensino da arte dentro do
ensino formal. A defesa é para o reconhecimento da arte como um campo do
conhecimento humano e, portanto, como tendo “um domínio, uma linguagem
e uma história” (BIASOLI, 1999, p.80), além de seu aspecto sensível e poético,
não se tratando somente de uma atividade prática recreativa sem muita
importância, conforme aponta Carmen Biasoli:
A década de 1980 é identificada como a década da crítica da
educação imposta pela ditadura militar. É o período de luta pelo
prestígio educacional, pela reconquista do “espaço perdido” [...]
Nesse quadro, insere-se o ensino da arte. Nesse panorama, surgem
profissionais da área preocupados com a própria prática pedagógica,
o isolamento da arte no contexto educacional, a necessidade de uma
política educacional para o ensino da arte e da reflexão sobre a
formação profissional. (BIASOLI, 1999, p. 76)
Fruto dessa movimentação política é a relativamente recente Lei de
Diretrizes e Bases Darcy Ribeiro que em, 19967, torna obrigatória a inserção
da disciplina de artes no ensino público brasileiro8. Isso evidencia a conquista
26
de uma luta pela democratização da arte, ainda que as condições para
ensinar arte não sejam as mais propícias, em muitos casos.
As mudanças no campo da produção artística que agora atenta para
o espectador/participador e as no âmbito educacional com o movimento da
arte/educação criaram a necessidade da valorização da arte/educação
também dentro dos espaços expositivos. O peso das pesquisas acerca do
ensino da arte no Brasil e a busca pela disseminação dos conhecimentos da
arte interferiram nos projetos de instituições culturais, que passaram a tratar
o objeto artístico e essas instituições como agentes formadores. A Abordagem
Triangular9 desenvolvida por volta de 1980 por Ana Mae Barbosa foi
incorporada pelo programa educativo do Museu de Arte Contemporânea de
São Paulo (MAC) e Museu Lasar Segall, evidenciando a influência das
pesquisas e posicionamentos políticos dos arte/educadores da época, além
de interferir fortemente na formação de professores, conforme Barbosa:
9. Segundo Rejane Coutinho, a
Abordagem Triangular foi
desenvolvida por Ana Mae
Barbosa entre os anos de 1987 e
1993 quando esteve na direção
do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade
de São Paulo. “[...] propõe que o
currículo escolar articule as
dimensões da leitura das
produções do campo da arte, sua
produção e contextualização.”
(2009, p. 1987).
Os departamentos educativos do Museu Lasar Segall e do Museu de
Arte Contemporânea (MAC/USP), a partir do fim da década de 80
foram muito influentes na formação dos professores de Arte
introduzindo-os à condição pós-moderna.
Os ateliês para crianças e adolescentes destas duas instituições já
não eram comandados pelo expressionismo, mas educavam para
linguagens específicas como a gravura e o design. No MAC foi
sistematizada a Proposta Triangular, que modificou o ensino da Arte
na escola fundamental e média no Brasil, introduzindo o
conhecimento da Arte ao lado da prática com os meios artísticos. A
Proposta Triangular salientou a importância da interpretação da Arte e
das vantagens de ver e analisar as obras ao vivo. (BARBOSA,
disponível
em:
http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?
id=3733, acesso em: 17/10/2012)
Assim, iniciou-se um processo de democratização das instituições
culturais que convida o público de fora do meio artístico a adentrar e participar
das exposições de arte.
No entanto, para além das intenções de democratização, existe o
terceiro motivo apontado como causador da proliferação dos programas
27
educativos em instituições culturais: o crescente interesse por parte de
empresas privadas nesses programas. Por perceberem que os programas
educativos são capazes de inflar o número de visitações a essas exposições,
empresas privadas encontraram uma forma de atrelar suas marcas a projetos
sócio-educativos (SILVEIRA, 2012, p. 49) e, de quebra, abater esse
investimento de seu imposto de renda, criando um sentido mercadológico que
permeia muitos programas educativos causando uma intencionalidade
diferente daquela que de fato é educativa. Rafael Silveira desenvolve essa
questão:
[...] não é por acaso que em diversos contextos vemos tensões entre
as motivações dos educadores que atuam em setores educativos e os
interesses das instituições nas quais estes atuam. Uma vez que o
sucesso de uma exposição costuma ser avaliado pelas instituições
segundo a quantidade de visitantes e de coberturas midiáticas que
esta recebe, ou seja, avaliando segundo a repercussão de seu caráter
espetaculoísta. (SILVEIRA, 2012, p. 50)
Muitas instituições com seus programas educativos encontram-se
completamente atreladas a esses investimentos por falta de incentivo do
Ministério da Cultura, obrigando-se, muitas vezes, a acatar exigências de
marketing da iniciativa privada em nome da sobrevivência dos programas
educativos. As verbas para manter espaços culturais (quando não públicos)
são captadas através de editais públicos ou de patrocínio garantido por Leis
de Incentivo a Cultura (LIC), como a Lei Rouanet que isenta do imposto de
renda empresas que patrocinam atividades culturais. Atrair o investimento
dessas empresas implica números de visitação impressionantes,
independentemente da potencialidade educativa dessas visitas.
Embora com esse panorama, muitos programas educativos se
estruturaram de forma a criar um vínculo permanente com a comunidade
escolar e o público espontâneo.
1.2 Entrelaçamentos entre conceitos – experiência, encontro e
mediação artística
28
10. Desde sua segunda edição
(1953),a Bienal de São Paulo teve
ações educacionais, mas essas
ações eram pontuais, sem que
tivessem uma continuidade
aprofundada. No ano de 2010 a
educadora Stela Barbieri assumiu
a curadoria educativa na 29ª
Bienal de São Paulo e pôde dar
continuidade ao programa por ela
iniciado na ocasião da exposição
Em nome dos Artistas – Arte
Contemporânea Norte-Americana
na Coleção Astrup Fearnley
(2011) e na trigésima edição da
Bienal de São Paulo (2012)
(Apresentação Educativo Bienal.
Disponível em:
http://www.bienal.org.br/FBSP/pt
/Educativo/Paginas/Apresentaca
o.aspx, acesso em: 30/11/2012).
11. No ano de 2007, ocasião da
6ª Bienal de Artes Visuais do
Mercosul, o projeto pedagógico
passou a ser plenamente
incorporado ao projeto curatorial
na figura de Luiz Camintzer, o
primeiro Curador Pedagógico
dessa Bienal (Projeto Pedagógico.
Disponível em:
http://www.fundacaobienal.art.br
/novo/index.php?option=com_co
ntent&task=view&id=1226&Itemi
d=43, acesso em: 15/10/2012).
Nas bienais seguintes o aspecto
pedagógico foi intensificado e a
curadoria pedagógica ficou a
cargo de Marina de Caro (7ª
Bienal/2009) e Pablo Helguera
(8ª Bienal/2011). Na próxima
edição, pela primeira vez, a
curadoria pedagógica ficará a
cargo de uma mediadora das
primeiras edições da Bienal do
Mercosul, Mônica Hoff.
As discussões em torno de métodos de mediação artística crescem
constantemente não só em torno da figura do mediador artístico, como
também dentro dos projetos curatoriais e expográficos que, segundo a nova
museologia, são também entendidos como fatores que interferem na
aproximação ou distanciamento do público. A disposição e conexão de uma
obra com outras, os textos explicativos ou até mesmo os fones de ouvido, que
informam acerca da obra ou do processo artístico, são formas de mediar o
público visitante. Pensando nessas questões, no sentido pedagógico de uma
curadoria, em 1996, Guilherme Vergara cunhou o termo Curadoria Educativa:
“Uma Curadoria Educativa tem como objetivo explorar a potencialidade da
arte como veículo de ação cultural. [...] Tornar arte acessível é torná-la ativa
culturalmente.” (p. 59). Miriam Celeste Martins complementa este conceito:
Envolve também a interpretação do educador, não como uma
armadilha para a resposta de questões, mas como proposição de um
processo instigante de descobertas e estranhamentos. Ampliar o
olhar, mais profundo e inquieto, para além do simples reconhecimento
de autorias, a curadoria educativa pode despertar a fruição, não
somente centrada na imagem, mas em uma experiência, um caminho
que leve a pensar a vida, a linguagem da arte, provocando leitores de
signos. (2005, p. 125)
Atualmente, a figura do Curador Pedagógico e os programas
educativos vêm se tornando mais frequentes no país, sendo peças chave para
as duas maiores bienais, a Bienal Internacional de Artes Visuais de São
Paulo10 (São Paulo/SP) e a Bienal de Artes Visuais do Mercosul11 (Porto
Alegre/RS). Em outras instituições existe a figura de um coordenador
educativo, como é o caso da Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre/RS).
Nessas e em outras instituições as formas de se convidar o público para
ocupar os espaços culturais são muitas, como, por exemplo, cursos de
formação continuada para professores, distribuição gratuita de materiais
educativos acerca das exposições, além da figura do mediador artístico que é
quem recebe o público e dialoga com ele. Também podem ser considerados
29
12. Conceito desenvolvido por
Mirian Celeste Martins,
caracterizando a recepção e o
convite para passear pelo espaço
expositivo. Segundo Martins: “[...]
o acolhimento é o primeiro
movimento vivido em uma
mediação nas instituições
culturais. [...] O acolhimento é
necessário para disponibilizá-los
[os visitantes] ao encontro com a
obra de arte, buscando um
diálogo que aproxima, que
problematiza, que traga novas
questões” (2005, p. 124).
mediadores de uma exposição os críticos, colunistas, historiadores da arte,
pois, de alguma forma, aproximam as exposições do público, formando
opinião e discutindo, inclusive, os sentidos propostos pelos curadores.
Embora muitas instituições estejam investindo na formação de
mediadores e do público através da mediação artística, existem diferentes
entendimentos sobre essa função e, também, diferentes nomenclaturas. Por
vezes, são chamados de facilitadores ou monitores, dependendo da
instituição em que atuam. O termo mediador é mais recente e aparece junto à
ampliação e aprofundamento do conceito de mediar exposições, esse termo é
mais próximo do sentido educativo desta ação e de uma exposição de arte.
O mediador das obras de arte - mediador artístico - é aquele que
acolhe12 o público visitante e o acompanha na experiência da exposição.
Acompanhar na experiência não é explicar (embora isso aconteça e, às vezes,
o público exija) o que as obras de arte querem dizer, uma vez que o
significado de uma obra de arte é demasiadamente amplo para ser apenas
dito. O mediador orienta/desorienta/provoca/forma/deforma as possíveis
construções de sentidos.
Escolho o termo mediação artística (e não apenas mediação), pois
esse se refere tanto ao espaço (espaços de arte) como à ação de utilizar as
interpretações e vivências do público para a construção de outros sentidos,
outras interpretações e visões sobre o que o artista parece propor.
Considerando que a arte é uma experiência, o mediador é, em parte, também
artista. Além da existência do discurso do artista (que pode estar na obra de
arte em maior ou menor grau), penso que por vezes faça-se necessário que o
mediador junto com o público recrie o sentido da obra para pensar em
discursos possíveis além dos já produzidos por curadores e artistas. Lygia
Clark, em uma de suas cartas para Hélio Oiticica, escreve sobre a importância
do espectador no acontecimento da obra de arte: “[...] nem ponho as minhas
máscaras ou roupas e espero sempre alguém para dar sentido a essa
formulação. E quanto mais diversas forem as vivências, mais aberta é a
30
proposição, e então é mais importante.” (CLARK, 1968, p. 15). As obras de
arte que não procuram o apelo sensorial, como as de Lygia Clark, também
carregam consigo uma potência infinita para ocasionar relações com
memórias, acontecimentos, sensações que não se limita às intenções do
artista. Essa postura educativa/experiencialista dos mediadores artísticos
possibilita que mediadores e público encontrem juntos, sem hierarquias de
inteligências e de forma emancipadora outras relações possíveis conforme
aponta Rancière:
[...] num teatro, diante duma performance, assim como num museu,
numa escola ou numa rua, sempre há indivíduos a traçarem seu
próprio caminho na floresta das coisas, dos atos e dos signos que
estão diante deles ou os cercam. O poder comum aos espectadores
não decorre de sua qualidade de membros de um corpo coletivo ou de
alguma forma específica de interatividade. É o poder que cada um tem
de traduzir à sua maneira o que percebe, de relacionar isso com a
aventura intelectual singular que o torna semelhante a qualquer outro,
à medida que essa aventura não se assemelha a nenhuma outra.
Esse poder comum da igualdade das inteligências liga os indivíduos,
faz que eles intercambiem suas aventuras intelectuais, à medida que
os mantém separados uns dos outros, igualmente capazes de utilizar
o poder de todos para traçar seu caminho próprio. (RANCIÈRE, 2012,
p. 20 e 21)
O que Rancière escreve é de fundamental importância para se
pensar um processo de livre fruição da arte: não se faz necessário manter
roteiros, discursos e orientações pré-estabelecidas na mediação artística. O
mediador artístico deixa-se levar pela condução cambiante e mutável da
conversa, dos cruzamentos. Ele assume como roteiro a dúvida, a aventura e
troca com entusiasmo experiências e saberes. Sandra Corazza, em um texto
acerca das reflexões de Gilles Deleuze sobre a educação, escreve:
Esse Currículo-Ignorante ensina que importa perder tempo para
aprender e para enamorar-se dos Signos, de sua necessidade e
urgência, inevitabilidade e força. Currículo-Aventureiro, não propõe
gestos a serem reproduzidos ou conteúdos a serem reconhecidos,
nunca diz – Faça como eu faço!, mas convida: - Venha, faça comigo!
31
Encadeando sensibilidade, intuição e pensamento para sacrificar os
Imperativos dos Objetos, as Palavras de Ordem da Linguagem e a
Facilidade das Recognições, funciona como um atrator-caótico,
contagiando e propagando, puxando, arrastando matérias e
encontros para um devir-vagabundo, feito da proliferação de
possíveis e da ramificação de não-sensos.(p. 26)
13. Projeto curatorial consiste no
projeto conceitual da exposição. É
a partir das questões levantadas
pelos curadores é que se
estabelecem os eixos entorno dos
quais a exposição irá girar.
Artistas, obras, lugares e
montagem estarão todos
confluindo para esse caminho
apontado.
Assim, encarando também a visita à exposição como uma aventura
(Fig. 8), é possível também se pensar em um Roteiro-Aventureiro em que
mediador e público reelaboram os sentidos das obras e da exposição.
Entretanto, mesmo que a mediação artística não esteja atrelada
somente ao conceito elaborado pelo artista ou curador, é parte do trabalho do
mediador estar profundamente interado sobre as questões que o artista
propõe e do projeto curatorial13 com o qual trabalha. Aos poucos, durante a
mediação artística, essas informações podem ser utilizadas em favor da
construção de sentidos que os visitantes e o mediador estejam elaborando, à
medida que a conversa e os questionamentos vão surgindo em meio à
pluralidade, às diversas percepções.
Pablo Helguera (2011) escreveu sobre o peso da utilização de
informações biográficas ou políticas acerca de obras ou artistas como
ferramentas para a mediação. Elas podem ser utilizadas em casos para os
quais esses dados sejam de fato relevantes, mas nunca como justificativa
para o trabalho artístico ser dessa ou daquela forma. O cuidado e a
sensibilidade de perceber quando utilizar essas informações fazem parte do
sentido educativo de uma mediação artística, já que, conforme aponta
Bondía, informação não é experiência:
Vamos agora ao sujeito da experiência. Esse sujeito que não é o
sujeito da informação, da opinião, do trabalho, que não é o sujeito do
saber, do julgar, do fazer, do poder, do querer. Se escutamos em
espanhol, nessa língua em que a experiência é “o que nos passa”, o
sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo
como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum
modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns
32
Fig. 8: Desenho de um espaço
expositivo em que acontecem
roteiros aventureiros.
Helena Moschoutis, 2013.
33
vestígios, alguns efeitos. (BONDÍA, 2002, p. 24)
Bondía nos fala da potencialidade da experiência para que possamos
compreender melhor o mundo, ampliando nossa percepção e nos tornando
mais disponíveis. Ninguém é capaz de nos explicar o gosto ou a textura de
uma maçã, por exemplo, é o contato de nosso corpo com esse alimento que é
capaz de descobrir o que significa comer uma maçã. Corremos o risco, no
entanto, de não sermos capazes de identificar o açúcar da fruta se
esperarmos o doce do leite condensado: tudo depende da vivência de quem
prova. Merleau-Ponty escreve sobre o saber do corpo ao conhecer o mundo:
Nós reaprendemos a sentir nosso corpo, reencontramos, sob o saber
objetivo e distante do corpo, este outro saber que temos dele porque
ele está sempre conosco e porque nós somos corpo. Da mesma
maneira, será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele
nos aparece enquanto estamos no mundo por nosso corpo, enquanto
percebemos o mundo com nosso corpo. Mas, retomando assim o
contato com o corpo e com o mundo, é também a nós mesmos que
iremos reencontrar, já que, se percebemos com nosso corpo, o corpo
é um eu natural e como que o sujeito da percepção.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 278)
14. Entendo o momento poético
como o momento de fruição da
vida. Esse é um momento que
pode ocorrer no espaço expositivo
ou, por exemplo, dentro de um
ônibus; é o prazer e o encontro
consigo mesmo, quando somos
capazes de perceber a vida (e a
nossa vida) além da rotina.
É por esse motivo que o mediador não pode ser um banco de
informações. A experiência com a obra de arte varia de acordo com as
memórias, percepções, a disponibilidade e o entendimento da vida. O trabalho
do mediador é trazer essas percepções para dentro do campo da arte e
discutir aquilo que de fato nos toca, ou nos passa. O processo de aprendizado
mais profundo e sensível não é aquele que conhece fatos e informações, mas
aquele que consegue sentir.
Por isso, o trabalho do mediador artístico não se limita às obras de
arte, vai além delas, discute o mundo que rodeia a exposição, conversa sobre
a vida que acontece no mundo e trabalha com a ideia de que os visitantes
podem ter momentos poéticos14, não só dentro da exposição, mas, também,
fora dela. Walter Benjamin escreveu, em seu texto “O narrador”, sobre o
34
contínuo desaparecimento de narradores, aqueles que dividem através da
comunicação oral sensações, lugares distantes e próximos, percepções,
sentimentos, histórias suas e, ao dividir, passam a fazer também parte do
repertório do outro. Benjamin escreve:
[...] o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar
conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos
casos, como o sábio. Pois pode recorrer a um acervo de toda uma vida
(uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em
grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua
substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é
poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o
homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir
completamente a mecha de sua vida. (BENJAMIN, 1936, disponível
em:
www.ciadono.com/walter-benjamin-o-narrador1%20(1).doc,
acesso em: 16/02/2013)
Dessa maneira disponível para com o outro e para com as nossas
histórias permitimos que nos aconteçam afecções, nos tornando disponíveis
para que ocorram encontros. O filósofo Spinoza escreveu sobre os afetos, ou
seja, as afecções do corpo, aquilo que surte em nós quando ocorrem os
encontros, ele diz: “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais
sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao
mesmo tempo, as ideias dessas afecções.” (2010, p. 163).
Nesse sentido é que penso a mediação artística como um encontro,
à medida que somos capazes de nos deixar afetar.
Pela lei natural dos encontros, bons ou maus, as afecções podem
nos potencializar. Rochefort escreve sobre o conceito de Spinoza: “Eu só
conheço as misturas dos corpos e só conheço a mim mesmo pela ação dos
outros corpos sobre mim, pelos contatos.” (2010, p.140 e 142). É a partir dos
encontros que somos capazes de perceber a nós mesmos, aos outros e àquilo
que as afecções produzem em nós.
No encontro a experiência é muito profunda e capaz de ultrapassar
as obras, os conceitos e até as paredes das exposições. É um momento de
troca entre as pessoas, os corpos, as vidas e as vivências. As experiências que
35
compartilhamos se confundem umas com as outras e é por esse motivo que
nenhum outro artifício de mediação dos projetos curatoriais é capaz de
substituir o fator humano que um mediador pode trazer. É por conta da ação
potencializadora da experiência do mediador artístico que um grupo se forma
e compartilha experiências e sensações criando vínculo, dando liga, chegando
ao encontro, conforme escreve Miriam Celeste.
A mediação pode ser compreendida como um encontro, mas, não
como qualquer encontro. Um encontro sensível, atento ao outro. Tal
qual uma situação de empatia, apreciador e mediador olham o objeto
de fruição e aprendem pelo olhar do outro artista/mediador/aprendiz.
(MARTINS, 2005, p. 44)
Nada impede que um grupo possa ter uma experiência sem
mediação poética e profunda dentro de uma exposição de arte, ou mesmo no
cotidiano, mas o mediador artístico é alguém que foi preparado para
recepcionar o público e que utiliza as informações ou conhecimentos que têm
para desenvolver a conversa e gerar outros sentidos. Além disso, o mediador
artístico é um morador da exposição, sua experiência com as obras é
constante e, em alguns casos, diária. Em uma situação ideal, ele esteve em
contato com os curadores, com os artistas, participou da montagem, está em
constante conversa com outros mediadores, sabe quais obras necessitam de
mais cuidados, quais já tiveram que ir para a manutenção e - a mais vibrante
de todas as vivências do mediador dentro de uma exposição - ele está em
contato com as diferentes leituras que o público faz das obras de arte.
Durante a mediação, as diferentes interpretações e experiências dos
visitantes passam a fazer parte do repertório do mediador, entretanto a forma
de jogar com essas experiências e informações e colocá-las em relação com o
novo público visitante é algo bastante delicado e sensível – e muitas vezes
pessoal. Uma das formas de abordagem de público que mais me foram
apresentadas é a tática de devolver a pergunta ao visitante, com o objetivo de
não dar respostas frias e determinantes que terminariam por liquidar com
36
Fig. 9: Projeto de extensão
Patafísica: Mediadores do
Imaginário. Foto: Carolina
Rochefort. Fonte: Acervo
pessoal, 2013.
qualquer outra interpretação. É certo que existe um limite nessa devolução já
que o intuito é instigar e não irritar o visitante. Indagar “será mesmo?”,
“alguém pensa diferente?”, e colocar diferentes visões em relação, são formas
de pôr em cheque “verdades universais”. Os versos do refrão da música “Tô”
(1976), de Tom Zé e Elton Medeiros, ilustram bem a atmosfera de
instabilidade que o mediador pode propor:
Eu to te explicando
Prá te confundir
Eu to te confundindo
Prá te esclarecer
Tô iluminado
37
Prá poder cegar
Tô ficando cego
Prá poder guiar
Mediar, portanto, é colocar-se ao lado do visitante, ficar cego para
poder guiar, estar disponível, provocar o encantamento, procurar manter-se
encantado, desconstruir qualquer tipo de relação hierárquica, descobrir com.
De modo geral, discutir arte é colocar-se em contato com a
complexidade de estar vivo e das relações que estabelecemos. Por isso as
palavras de Tom Zé ilustram bem o encontro entre mediador artístico e
visitante, uma vez que nem sempre conseguimos explicar já que viver é
confuso e existe beleza e graça em não ser dono de respostas objetivas.
Na mediação não existem respostas fixas ou corretas, existem
percepções sensíveis ou não.
Conforme escrevi na introdução deste trabalho, busco com esta
escrita compreender de que maneira a experiência como mediadora de
exposições artísticas pode contribuir para minha prática como
arte/educadora. A aproximação da metodologia de trabalho da mediação com
a educação formal foi desenvolvida pela autora Milene Chiovatto no texto “O
Professor Mediador” no qual ela observa a importância de o professor não ter
todas as respostas:
A idéia de que é necessário saber previamente as respostas a todas
as perguntas imprime sobre o profissional uma pressão irreal. Em
grande parte, em se tratando de arte, é a soma das diferentes
interpretações possíveis de um objeto, amalgamadas pelo professor,
que amplia o significado e o interesse acerca dele. (CHIOVATTO, 2011,
p. 61 e 62)
Portanto, o não saber do professor significa uma constante porta
aberta para a passagem de diferentes interpretações, isso representa uma
reação à tradição educacional baseada na hierarquia. O professor mediador
torna-se alguém que orienta, desloca e coloca em crise verdades
38
determinantes, estabelecendo uma relação horizontal e cheia de
atravessamentos entre conhecimento, professor e alunos. Essa relação
culmina em uma formação que é capaz de causar mudanças de
posicionamento também, frente ao mundo, promovendo a emancipação
(Rancière, 2011) dos alunos, já que não existe o reconhecimento de
alguém/instituição que é detentora do saber. O desenvolvimento do
conhecimento passa a ser construído coletivamente, não apenas por uma
pessoa que tem o poder de instruir. O processo educativo não depende
somente do professor, ele é parte desse processo e aprende com ele.
A busca do professor mediador, para além do desenvolvimento de
conteúdos, implica a promoção da emancipação do aluno ao longo da
trajetória do aprendizado/experiência, agenciando interesses. O professor
mediador, portanto, deixa claro que sempre existirão ângulos diferentes de
olhar para um mesmo fato/obra/história/poesia e, consequentemente,
diferentes interpretações ou sensações. Dessa forma, não existe uma forma
pronta, mas formas deformadas.
Deformação talvez seja uma palavra importante para os educadores.
Vamos imaginar que os conteúdos, saberes, informações são massas que
podemos pegar na mão e amassar, esticar, mudar a textura, dividir, reduzir,
aumentar e muitas outras ações que o leitor poderá aqui encontrar.
Considerando que exista processo criativo no ato de aprender/ensinar e a
posição do professor mediador talvez seja a de assumir essa condição de
maleabilidade. Essa massa de conteúdos não é moldada apenas pelo
professor, mas por todos aqueles que participam desse processo.
Essa perspectiva maleável, que encontrei ao ser mediadora em um
espaço não formal de educação, causou-me um estranhamento muito profundo
quando tive contato com a educação formal. O desconforto físico, corpóreo e
intelectual que senti fizeram com que eu colocasse em questão minhas ações e
repensasse sobre as limitações da atuação educativa no contexto escolar. Desse
desconforto, que chamarei de crise, é que surgiram as questões que serão
39
discutidas e analisadas adiante neste trabalho: como ser uma
professora/mediadora/emancipadora em um contexto tão diferente do espaço
expositivo e tão carregado de uma tradição educacional baseada na hierarquia?
40
Capítulo II
Professor mediador:
atravessamentos entre mediar e educar
“Tudo isso talvez não seja claro. Mas a evidência da percepção que tive é a
única coisa que tenho.” Lygia Clark, 1965.
Neste capítulo apresento a relação entre a mediação artística e a
educação formal, para a compreensão do exercício/postura de um professor
mediador. Para tanto, busco em minhas experiências os materiais para
estabelecer essa relação. Essas experiências são fruto de meu trabalho
como mediadora em projetos de extensão da UFPel e na Bienal do Mercosul
(2011) colocadas em relação com a prática do estágio supervisionado
realizada no primeiro semestre de 2012. Dessa forma, procuro
compreender de que maneira as experiências com mediação são capazes
de contribuir para a formação do professor de artes visuais.
Foi a partir de meu estágio curricular supervisionado que dei início
a esta discussão e que, então, entrei em “crise”. A experiência de mediação
artística é anterior à da sala de aula e, portanto, minha expectativa de
influência dessa experiência em relação à da sala de aula foi
predominantemente positiva. É importante notar que a crise não tem
sentido negativo, foi um momento de desconforto, de reestruturação,
quando passo a ter um olhar crítico sobre formas de mediar o conhecimento.
A experiência de estágio é breve e, talvez, não tenha sido
suficientemente profunda para que todas as crises que eu pudesse ter
viessem à tona. Por outro lado, esse foi meu primeiro choque, a primeira vez
que eu deveria conduzir uma série de encontros estruturados em um plano
de ensino com objetivos, conteúdos e metodologia, momento em que
deveria confrontar a teoria desenvolvida nas aulas do curso de graduação
com a estrutura escolar. Esse momento desconfortável transformou-se em
crise, pois minha concepção de professora mediadora estava em cheque.
41
Fui surpreendida pelo conflito entre uma situação e outra.
Desde o momento em que estive observando as aulas do professor
titular, busquei encontrar a presença ou ausência de traços da mediação
artística. Esse não foi um ato programado, percebi que já fazia isso com
meus professores de graduação e em outros espaços formais de educação.
Minhas experiências em mediação, anteriores e concomitantes às
aulas do estágio, contribuíram para aquilo que eu esperava conseguir
realizar quando professora. Embora não tenha tido contato com discussões
sobre mediação artística nas aulas do curso de graduação, esse método de
mediar conteúdos foi referência para minhas experiências no estágio.
Uma das questões presentes nas mediações artísticas que mais me
encanta é a possibilidade de estarmos próximos. Nas exposições não
existem mesas ou cadeiras, somos um grupo que circula, que debate, que
negocia. Além disso, aprendi, em todas as formações de mediadora das
quais participei, que não se explica uma obra de arte. Isso por que, como já
mencionado no capítulo anterior, uma obra de arte não é passível de
explicação objetiva. Penso que essa postura pode ocorrer também na sala
de aula e, para isso, precisamos nos colocar em situação de igualdade, de
proximidade física e intelectual. Entretanto, ainda que a escola onde estagiei
dispusesse de uma sala de artes em que a configuração das mesas não
fosse a convencional (Fig. 10), no primeiro encontro, em que assumi a
turma, percebi que havia uma distância imensa entre mim e o grupo.
Minha percepção corporal em relação ao espaço percebido
colocaram meus pensamentos e sensações em crise. Sobre tal percepção,
Merleau-Ponty, na obra Fenomenologia da Percepção, escreve que é a partir
do nosso próprio corpo, do “corpo vivido” que estamos nos relacionando com
as coisas e as pessoas. Não apenas estamos no mundo, mas vivenciamos o
mundo e nos colocamos em relação às coisas que vimos e que estamos
vendo. Estar em uma sala de aula significou perceber o espaço e misturar
essas sensações, o sensível, a sala de aula e a sensação, meu corpo:
42
Aquele que sente e o sensível não estão um diante do outro como
dois termos exteriores, e a sensação não é uma invasão do sensível
naquele que sente. É meu olhar que subtende a cor, é o movimento
de minha mão que subtende a forma do objeto, ou antes meu olhar
acopla-se à cor, ou antes minha mão acopla-se ao duro e ao mole, e
nessa troca entre o sujeito da sensação e o sensível não se pode
dizer que um aja e que o outro padeça, que um dê sentido ao outro.
Sem a exploração de meu olhar ou de minha mão, e antes que meu
corpo se sincronize a ele, o sensível é apenas uma solicitação vaga.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 288)
A sensação da qual falo, a partir de Merleau-Ponty, refere-se,
inicialmente, à fisicalidade de se estar em uma sala de aula. A distância
física foi meu primeiro desconforto. A sensação que tive era a de que existia
uma linha entre o que é ser aprendiz e o que é ser professor.
Na mediação, por outro lado, além da estrutura, em alguns casos,
só me diferenciava pelo uniforme, mas fisicamente estava misturada e
imersa com o público visitante, nunca longe, nunca sentada em uma mesa
melhor e maior, nunca presa em uma organização imóvel de pessoas. No
entanto, em algumas mediações, apesar dessa configuração de grupo mais
livre, houve distanciamento, e senti dificuldade em encontrar o grupo.
Então, me perguntava, na condição de professora daquela turma de estágio:
como vamos nos encontrar se já começamos tão distantes?
Contudo, a sensação de distância não cessou em pensar mesas,
cadeiras ou até mesmo corpos distantes. Percebi uma relação educacional
hierárquica (Fig. 12). A sensação que resultou de meu contato com o
sensível refere-se a uma linha que separa o ensinador do aprendedor. Tal
limite impôs uma condição de distância intelectual, uma estrutura que
partia da distinção entre aquele que ensina e aquele que aprende, entre
aquele que detêm o conhecimento e aquele que o ignora. E, por ser a
professora, a sensação era a de que eu necessariamente deveria ser a mais
sábia e, portanto, ensinar coisas que eu considerava que fossem
importantes. No entanto, ser sábio ou estar sábio pouco se refere à
43
Fig. 10: 8ª Bienal do Mercosul
Ensaios de Geopoética. Foto:
autor desconhecido. Fonte:
Acervo pessoal, 2011
formação acadêmica simplesmente, implica, isso sim, em uma infinidade de
sentidos que, quando admitidos, potecializam o aprendedor a caminhar
para a emancipação que significa ser também ensinador de si e dos que o
cercam. Pois, como escreve Rancière:
Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre
este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se
fundar. Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente
opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende
reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou
se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências
desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e
o segundo emancipação. (2011, pag. 11 e 12)
Entendo que um processo educativo que envolva a mediação dos
44
Fig. 11: Esboço realizado a partir
da estrutura física da sala de
aula do estágio supervisionado.
Helena Moschoutis, 2013.
45
conhecimentos e saberes pode potencializar a aproximação e promover a
emancipação, pois parte da experiência.
A necessidade de trazer à tona as vivências e saberes dos alunos se
intensificou, quando assumi uma turma do Programa de Educação de
Jovens e Adultos no estágio curricular. O programa da escola na qual estagiei
é direcionado para trabalhadores da construção civil e, portanto, o conteúdo
programático deveria estar voltado para a relação entre arte e cidade.
Os alunos dessa turma eram mais velhos que eu, com uma longa
vivência no mercado de trabalho da cidade onde vivemos e maior
experiência na vida como um todo. Contribuíram em discussões que eu
nunca poderia imaginar.
E, ainda que a escola na qual realizei o estágio dispusesse de boa
estrutura e prezasse pela autonomia dos professores, senti que ali,
enquanto professora dentro da sala de aula, era esperada de mim uma
postura de quem "sabe mais". Se os alunos não esperavam isso, eu
esperava, talvez porque sou fruto dessa estrutura educacional impositiva e
distante. Percebi que existe uma série de códigos, jeitos de falar, formas de
agir possíveis para ser “levada a sério” pelos alunos. Pensando nisso,
questionava-me: como podemos nos encontrar em um ambiente onde o
encontro é tão limitado a regras, imposições e códigos de autoridade?
Como, então, ser uma professora mediadora partindo de tamanha
distância?
Buscando a proximidade, procurei ouvi-los. No primeiro encontro,
quis saber quem eram, o que gostavam de fazer, como se sentiam em
relação às artes visuais, ou à cidade em que viviam. No entanto, conhecê-los
aumentou meu conflito: como relacionar o conteúdo a ser desenvolvido em
sala de aula, que parece estar distante do trabalho e dos problemas
enfrentados por esses trabalhadores, às experiências de vida deles? Como
considerar meu conteúdo programático importante? Incomodada com essas
questões, escrevi no relato de minha segunda aula de estágio:
46
Fig. 12: Esboço realizado a partir
da estrutura intelectual
hierárquica percebida na sala de
aula do estágio supervisionado.
Helena Moschoutis, 2013.
47
Às vezes acho que alguns deles não me reconhecem muito como
professora, o que é normal, porque eu sou estagiária e muitos anos
mais nova que a grande maioria deles. Às vezes eu fico nervosa com
o foco das discussões, alguns deles que falam bastante tem a
tendência a levarem a discussão sempre pro senso comum, sem
levar em consideração algumas coisas que eu falo. Incomodo-me
com isso e com o fato de me incomodar com isso. Fico receosa de
estar tentando mudar eles, de ser autoritária e nem isso conseguir
fazer direito. Não tenho muita certeza de quando avanço muito com
o que eu penso e tenho medo de desrespeitar o que eles pensam da
vida. Qual é o papel do professor? (Relato do dia 30 de maio de 2012)
Diferente dessa estrutura hierárquica e embrutecedora atrelada à
escola, a experiência que tenho com mediação é de rápida proximidade. O
mediador e o grupo não se conhecem muito bem, mas o encontro é, na
maioria das vezes, muito pulsante. Acredito que os fatores físicos tenham
influência na potência do encontro entre mediador/visitante e, também,
acredito que entre professor/aluno. Na mediação nós estamos em um local
não comum, diferente da sala de aula. O passeio de ônibus, a saída da
escola e a visita a um local cheio de excentricidades, estranhamentos,
inseguranças e desafios já é, por esses motivos, uma experiência marcante.
É um local onde a mobilidade física é parte do processo de transitar entre as
obras/conteúdos traçando relações entre elas a partir do vivido, do sentido
percebido dos visitantes, buscando aproximações, deslocamentos e
deformações.
Os grupos escolares chegam ao espaço expositivo testando os
limites do novo espaço habitado. O dia, o tempo, o caminho percorrido até a
exposição, as novas pessoas envolvidas e as muitas imagens e sensações
que nos interpelam no percurso e na exposição fazem parte da visita. De
modo geral, esses fatores favorecem a mediação: sair do lugar comum onde
permanecemos sentados nos mesmos lugares e de costas uns para os
outros para visitar um espaço que possui outra organização estrutural. O
público visitante sente-se em situação de descobrimento.
Contudo, como ser uma professora mediadora sem um espaço
48
expositivo? Penso que a escola, apesar de ter uma estrutura rígida e
hierárquica, tem um entorno. Existe um percurso que se faz até chegar nela
e uma série de pensamentos nos sujeitos que a habitam. A estrutura não é
a ideal e está distante do processo educativo que, talvez, tenhamos
projetado em nossos planos de ensino, mas é dentro dela que encontro os
alunos e é a partir dela que o encontro pode ser potente.
A partir das experiências que tive, penso que não é somente por
conta do aspecto físico que o encontro parece mais dificultoso. Quando
mediadora, existiram situações que não foram as ideais para que nos
aproximássemos intelectualmente, como nas situações em que precisei
receber grupos muito grandes ou em momentos nos quais o grupo não era
receptivo para estabelecer uma conversa. Os problemas não estão somente
vinculados a questões estruturais ou ideológicas, acontecem também porque
trabalhamos com pessoas e para pessoas. No entanto, são nos momentos
de “crise” que acontece a autocrítica e que nos aventuramos na mudança.
Eduardo Galeano (1991) nos diz que a utopia serve para que não deixemos
de caminhar, pois, quando chegamos perto dela, ela se distancia mais um
pouco. Talvez os processos educativos sejam também assim. Mesmo em
uma escola que consiga quebrar a rigidez hierárquica tradicional acontecerão
crises para que possamos continuar repensando nossas atuações.
Penso que, enquanto educadores, estamos fadados a repensar a
vida, o mundo, o entorno, as pessoas, as ações e a repensar-nos. Na ocasião
da Bienal do Mercosul (2011), as “crises” que enfrentei foram mais
efêmeras, porque meu contato com os grupos eram mais rápidos, mas não
eram menos intensos. A crise para repensar minha atuação existiu de
diferentes formas e sob diferentes perspectivas. A mediação também é um
risco constante e é muito mais difícil perceber se o processo educativo
ocorreu em um breve encontro do que em aulas semanais. No relato de
minha terceira mediação da Bienal do Mercosul (2011), transpareço uma
crise parecida com a da sala de aula. A mostra em que fui mediadora tratava
49
de conflitos territoriais e o grupo recebido era proveniente do bairro Restinga
de Porto Alegre, conhecido, aos olhos dos de fora, por ser foco de tráfico de
drogas e de constante violência:
Hoje tive a sensação de recolhimento e necessidade de humildade,
é muito difícil, talvez, falar pra eles de conflitos de lugares distantes,
mas pra eles o conflito muitas vezes é ali na esquina. [...] Fiquei
muito tocada e incomodada com essa mediação, um pouco
decepcionada pela minha necessidade de falar dados específicos
das obras. E também não quero sentir pena de quem vive na
Restinga, eles mesmos falaram que vivem bem lá, que quem
trabalha lá é muito gente boa. Hoje me senti meio que procurando
um meio termo e mais humildade pra aprender e me colocar ao lado
do público na mediação. Nem tudo que eu digo é importante ou
interessante, nem mesmo minha presença, nem sempre vou
conseguir coordenar um grupo porque ele é feito de pessoas vivas
que decidem suas coisas, nem que seja os lugares por onde querem
andar e os assuntos que querem falar em uma exposição de arte.
(Relato do dia 14 de setembro de 2011)
O incômodo, que essa mediação me causou, possibilitou que eu
repensasse minha ação para as próximas mediações. Ainda que eu tenha
considerado minha atuação ruim, ela aumentou minha potência de agir a
partir da reflexão. Optar por abrir mão de ter o controle total do percurso das
discussões é um risco e, por vezes, não obtive sucesso. Mas certamente,
nas ocasiões em que o encontro ocorreu, discussões que eu nunca havia
imaginado foram provocadas. Esse estar em exposição ao vivido, ao
sensível, como já mencionado através de Merleau Ponty, potencializa minha
reflexão. O fenômeno faz agora parte de meu repertório e o utilizo para
minha prática educativa, seja de mediadora ou de professora – ou dos dois
ao mesmo tempo.
A possibilidade de receber um grupo de moradores de rua, também
na Bienal do Mercosul (2011), proporcionou-me um desafio enorme: que
importância tem, afinal de contas, artes e artistas para pessoas que em
muitas situações não tem o que comer? O que devo dizer? De que forma
50
devo agir? Pensando na invisibilidade dessas pessoas junto à sociedade
decidi me propor a somente ouvi-los, deixando obras e artistas (os
conteúdos da exposição) em segundo plano. Eu quis, antes de tudo, que eles
se sentissem bem naquele espaço.
Não tenho como calcular os resultados dessa visita, mas, durante o
passeio pelo pavilhão em que trabalhava, conseguimos conversar sobre a
vida deles e também sobre a minha. Várias vezes nossa conversa foi
atravessada por questões que a Bienal estava propondo, seja por ocasião
das obras, seja por a arte contemporânea confundir-se tanto com a vida.
Nesse sentido, penso que estarmos juntos nesse breve momento serviu
para que, em diferentes níveis e sem comparações, nos encontrássemos em
um processo educativo marcante. Do que ficou para eles pouco posso dizer,
posso afirmar que para mim foi tão engrandecedor que tenho dificuldades
em contar com palavras. Isso talvez não seja acadêmico ou objetivo, mas
certamente é o “corpo vivido”, estando no “mundo”. É “essa comunicação
vital com o mundo que faz com que ele [o corpo] se torne presente como um
local presente em nossa vida” (MERLEAU-PONTY apud COELHO JÚNIOR,
CARMO, 1991, p.49).
Posso relacionar essas vivências na mediação ao estagiar com a
turma do EJA, pois meu impulso foi parecido. As discussões políticas acerca
da cidade em que vivemos eram muito fortes e meu esforço para trazer esse
potencial crítico para dentro do conteúdo que eu deveria "vencer" foi
bastante grande. Mas de que valeria vencer o conteúdo sem o encontro?
Muitas vezes estive insegura e com dificuldade de intervir nas discussões
sem ser impositiva. Com o tempo procurei encontrar formas para relacionar
o conteúdo com as discussões que eles faziam. Nossa relação ficou mais
próxima e alguns códigos de quem é professor e quem é aluno foram
sutilmente deixados de lado. Com o avançar das aulas fui percebendo que
instigar o debate e questioná-los é muito mais desafiador e mais capaz de
nos aproximar (Fig. 13).
51
15. Esse método da igualdade
era, antes de mais nada, um
método da vontade”. (RANCIÈRE,
2011, p.30)
16. O Movimento Situacionista
surgiu em 1957 a partir da
fundação da Internacional
Situacionista na Itália,
definindo-se como uma
vanguarda “artística e política”. A
ideia do movimento está
relacionada “[...] à crença de que
os indivíduos devem construir as
situações de sua vida no
cotidiano, cada um explorando
seu potencial do modo de romper
com a alienação reinante e obter
prazer próprio.” A partir de
caminhadas chamadas
deambulações os situacionista
faziam do ato de caminhar pela
cidade um momento de arte. (Site
Itaú Cultural. Disponível em:
http://www.itaucultural.org.br/apli
cexternas/enciclopedia_ic/index.c
fm?fuseaction=termos_texto&cd_
verbete=3654, acesso em:
13/12/2012).
Em meu entendimento, o ponto principal de uma mediação é a
possibilidade de o mediador estar também em situação de descobrimento e
aprendizagem, em situação de experiência, quando ele se coloca em
situação de igualdade com os visitantes. Essa igualdade não é um objetivo,
mas é parte do processo educativo como um todo, um método15: “Quem
estabelece a igualdade como objetivo a ser atingido, a partir da situação de
desigualdade, de fato a posterga até o infinito. A igualdade jamais vem após,
como resultado a ser atingido. Ela deve ser colocada antes.” (RANCIÈRE,
2011, p.11). Foi esse o método que busquei utilizar na sala de aula.
No terceiro encontro do estágio supervisionado em que procurei
relacionar o conteúdo (arte e cidade) com a prática diária dos alunos
(trabalhadores da construção civil), levei um mapa de uma deambulação
realizada nas ruas de Paris para que conversássemos sobre o Movimento
Situacionista16, e, paralelamente, ficou circulando entre os alunos um mapa
da cidade de Pelotas para que eles marcassem todos os lugares onde já
tinham realizado alguma obra (construção civil). No final da aula analisamos
o mapa (Fig. 14) de uma cidade construída por eles conforme relato a seguir:
Pedi que todos se aproximassem e falei que ainda que as intenções
fossem distintas, os dois mapas se relacionavam porque um
interferia na paisagem e o outro buscava a interferência na
paisagem. Eles ficaram felizes, aparentemente. Eu fiquei feliz.
Porque ali estava uma relação concreta entre conteúdo e vivência,
entre arte e vida. Falei que o que eles fazem pode não ser uma
proposição artística, mas interfere diretamente no cotidiano das
pessoas e que pensar nisso é muito bonito. Falei que nós nos
chocamos com outras pessoas e que quando o tempo está feio está
feio para todos nós, compartilhamos coisas sem nos conhecermos.
Eles balançavam as cabeças, alguns disseram que é muito bom se
ver no mapa, como se fossem parte daquilo. Comentaram que um
dos colegas esteve na construção de alguns prédios da escola onde
estávamos e que é bonito ver que agora ele estuda lá, pedi que ele
falassem disso, ele comentou que não gosta de ficar falando toda
hora sobre isso, mas às vezes aponta algumas coisas que fez para
os colegas. (Relato do dia 22 de junho de 2012).
52
Fig. 13: Esboço realizado por
mim a partir da estrutura
intelectual ansiada no sala de
aula do estágio supervisionado.
53
Esse exercício gerou uma série de discussões e surtiu um efeito
muito emotivo na sala de aula. Alguns comentaram que hoje não podem
entrar em construções que participaram, outros (trabalhadores do serviço
de abastecimento de água e saneamento da cidade) contaram sobre as
inusitadas reações da população quando eles fecham as ruas para chegar
às instalações hidráulicas enterradas.
Considero que nesse momento nos encontramos, porque
conseguimos estabelecer uma relação de troca. Eu, como professora, gerei
a discussão, mas foi a partir do que eles trouxeram de suas experiências que
se estabeleceu o aprendizado. As informações e conceitos do campo da arte
serviram como mote gerador para que conversássemos sobre as formas que
nos relacionamos com a cidade.
Conforme o Movimento Situacionista, a possibilidade de nos
percebermos na cidade, de percebermos os momentos poéticos que a
cidade pode nos ocasionar e todos os afetos que podem surgir diariamente
no convívio com tantos jeitos, cheiros, vozes, formas de pensar faz com que
não sejamos simplesmente levados por essa multidão de acontecimentos. A
cidade faz parte de nós, através dela nossa potência de agir aumenta e
diminui a todo o momento. Interessava-me que, desses encontros dentro da
sala de aula, pudéssemos sair para o entorno, para além das paredes e
olhar com carinho e crítica para o que nos cerca a fim de pensarmos formas
possíveis de gerar encontros potencializadores.
O incômodo e a busca por quebrar a rigidez estabelecida na sala de
aula talvez tenha surtido algum efeito, pois, encontrei nas avaliações
escritas solicitadas aos alunos menção a um “diálogo aberto” que
possivelmente tenha se estabelecido em aula. Abaixo transcrevo algumas
considerações apresentadas pelos alunos:
Aula muito interessante com bastante descontração. Me fez olhar a
cidade e objetos com um olhar diferente. A professora muito
atenciosa mostrou interece em nos mostr um pouco de arte no dia a
dia. Foi importante pois interagimos com os colegas, muito útil para
54
formarmos uma turma mais unida. (ALUNO 1, 2012)
Professora Helena conseguiu, com muito jogo de cintura,
entusiasmo, simpatia, expor suas idéias, motivar pessoas de uma
faixa etária um pouco mais avançada a participarem de suas aulas
como se estivessem nas aulas do ensino fundamental ou seja nos
trouxe para a aula não apenas como meros alunos expectadores e
sim nos fez sentir, importantes e participantes de suas aulas, nos
ouvindo, permitindo o debate aberto, aceitando nossas opiniões
mais variadas e compreendendo nossa dificuldade de entender
algumas manifestações artisticas mais modernas. (ALUNO 2, 2012)
Eu sinto ter entrado em um mundo até então desconhecido para
mim, que é o mundo da arte. Aprendi a observar coisas que antes
não observava no mundo da arte visual, espero ter continuação.
(ALUNO 3, 2012)
Muito proveitoso, nos ficamos muito solto com nossa professora, [...]
aprendi muitas coisas que antes não prestava atenção, hoje ando
pela cidade com olhos clínicos nas artes, mesmo não entendendo
muito o que quer dizer as vezes. As aulas foram de bom texto deu
muito debate [...]. (ALUNO 4, 2012)
Bom eu amei as aulas da professora Helena por ela ter trazido
bastante temas interessantes, as aulas foram divertidas a
professora é um amor super querida e sabe nos envolver na aula
dela quando menos percebemos estávamos todos debatendo
assuntos que nem bem conhecíamos, com ela aprendi a ver a arte
de uma maneira diferente, “muito louca”. (ALUNA 5, 2012)
Eu achei as aulas muito interessante e divertidas, a professora nos
apresentou vários trabalhos de artistas diferentes, e nós alunos
debatemos muito sobre estes artistas tipo que ideia eles tiveram
para apresentar suas obras [...].(ALUNO 6, 2012)
Apesar de não ter recebido nenhuma crítica que certamente
poderia merecer, os alunos apontaram questões (que são muito caras a
mim) de forma espontânea. A necessidade da participação deles durante os
encontros foi percebida por eles, de acordo com o que escreveram sobre
nossas aulas. A percepção do momento poético nos percursos pela cidade
55
Fig. 14: Mapa da cidade de
Pelotas com as intervenções
dos alunos.
56
que busco atentar e sublinhar nas discussões não só nas aulas, mas
também durante as mediações, foi apontada por alguns deles, mostrando
que ocorreram alguns afetos potencializadores durante as aulas.
Ao ler o que a Aluna 5 mencionou “[...] quando percebemos
estávamos todos debatendo questões que nem bem conhecíamos [...]”,
recordo-me das considerações de Rancière sobre o mestre que é capaz de
ensinar aquilo que não sabe. Muitos dos assuntos que eles “não sabiam”
estavam sendo descobertos também por mim naqueles momentos.
Sentia-me insegura quando ingressávamos em algum assunto que eu não
dominava, justamente devido ao fato de que minha prática docente estar
impregnada a necessidade de saber para ensinar, conforme já apontei.
Ocorre que, a sensação que tenho, é que naquelas discussões em que
embarcamos juntos em territórios desconhecidos descobrimos juntos e
produzimos, através da fala (da narração sobre a qual Benjamin (1994)
escreveu, agora inserido também no contexto da sala de aula),
conhecimentos. Acredito não ter deixado claro que eu também não sabia
uma série de coisas. Hoje, gostaria que eles soubessem.
Essas narrações, em que, por vezes, nos encontrávamos e, por
vezes, nos distanciávamos, estavam pautadas por um programa, um
currículo e um planejamento que, em parte, era minha proposição e, em
outra parte, era orientação da instituição de ensino em que estávamos
inseridos. Essas instaurações de objetivos, conteúdos, metodologia me
incomodaram profundamente. Isso por que as mediações artísticas, apesar
de terem as obras como mote gerador, geram uma liberdade de
funcionamento mais fluída, talvez por estarem fora do espaço educacional
formal. Além disso, em algumas situações que estávamos em nossas
discussões cambiantes, precisei ter uma postura de trazer o debate para
“dentro” do conteúdo, o que não é de todo mau, mas fez com que eu me
perguntasse em que medida “meu” conteúdo é mais importante do que o
debate para onde a conversa nos levou.
57
Fayga Ostrower, em sua experiência com operários da Gráfica Primor S/A
que deu origem ao livro Universos da Arte (2004), aponta questões próximas
com as que menciono. Ela nos ensina sobre a importância de reservar a
maleabilidade dentro do conteúdo:
Com linhas mestras definindo o rumo geral do curso, achei
imprescindível preservar uma certa flexibilidade de abordagem nos
detalhes concretos de cada aula. Queria poder improvisar em cima
de questões que os próprios operários viessem a colocar, através de
seus enfoques, suas dúvidas e curiosidades. De fato, sempre
preparava alguns exemplos alternativos e ilustrações para cobrir
eventuais assuntos que pudessem surgir nas conversas. Assim, o
que se falava e se fazia nas aulas poderia manifestar-se com maior
espontaneidade e, mesmo quando os interesses aparentemente
divagassem para outro campo, a linha do pensamento não perderia
em sentido ou coerência. Era necessário resguardar essa
maleabilidade, pois de outro modo não haveria como estabelecer
um diálogo. (2004, p. 5 e 6)
Não tenho como saber se o espaço de maleabilidade que admiti
permitiu que o fluxo da conversa caminhasse por conta, e se isso foi
suficiente para potencializar as aulas. Também não tenho como saber se o
conteúdo era do agrado dos alunos ou se minha busca por um debate mais
aberto e livre os cativou. Tenho apenas algumas pistas sensíveis. Através
dessas pistas penso que em muitas situações conseguimos transgredir as
limitações do conteúdo programado, alcançando, quem sabe, a
aproximação desse Currículo–Aventureiro (Corazza, 2007) em que, entre
idas e vindas tortuosas das narrativas plenamente recheadas de
experiências, saíssemos através das palavras de dentro do espaço da sala
de aula e passássemos a prestar atenção na “cidade com olhos clínicos nas
artes” conforme apontou o Aluno 4.
Esse percurso aventureiro que percorremos em algumas situações
só foi possível através da disponibilidade e vontade de fala dos alunos. Foi
por conta das voltas que eles davam com os assuntos que conseguimos
conversar sobre tantas coisas. O fluxo da conversa (mesmo que minha
58
presença e voz mediasse o debate) era direcionado pelas relações que eles
estabeleciam com o que estava sendo dito, seja relacionado ao conteúdo ou
não. Eu não teria conseguido desenvolver encontros tão potencializares sem
a força da experiência deles.
A avaliação do Aluno 2 que escreveu “[...] nos trouxe para a aula não
apenas como meros alunos expectadores e sim nos fez sentir, importantes e
participantes de suas aulas, nos ouvindo, permitindo o debate aberto [...]”
me causou surpresa e satisfação ao ver que um deles, de maneira
consciente, percebeu-se importante em aula.
Acredito que ele se sentiu motivado a participar das aulas como se
estivesse no ensino fundamental, por conta da performance que eles
realizaram como atividade final da disciplina, a qual deveriam perceber o
espaço físico da escola e encontrar ali alguma situação que merecesse
algum tipo de intervenção de forma a ativar poeticamente aquele espaço.
Fui surpreendida pela intervenção proposta por eles: formar uma fila nos
telefones públicos da escola, porque “hoje em dia todo mundo usa celular”,
conforme disseram em aula na ocasião. Alguns com vergonha, outros com
empolgação, desceram e formaram a tal fila ocupando os telefones públicos
por cinco minutos. Esta intervenção gerou um vídeo cujos frames
encontram-se nas figuras 15 e 16.
Todo esse processo foi acontecendo dentro da escola, na sala de
aula repressiva e autoritária a que me referi no início deste capítulo. Não que
a estrutura educacional tenha melhorado de um dia para o outro, mas fui
percebendo que o encontro nem sempre é instantâneo e que a nossa troca
vai se adensando, conforme vamos nos conhecendo. E, se não houvesse
ocorrido mais encontros, o primeiro encontro do estágio poderia ter sido
uma mediação que me potencializou no sentido de questionar minha
prática. Entretanto, no decorrer dos encontros, de alguma forma o mundo de
fora da sala de aula esteve mais presente do que eu poderia supor,
especialmente na fala de meus alunos. Sem essas falas não existiria
59
Fig. 15 e 16: Alunos do estágio
realizando performance. Frame
de vídeo-registro filmado por
aluno. Fonte: Acervo pessoal,
2012.
60
processo educativo. A mediação morou aí, mesmo com uma linha, um vão,
um quilômetro entre nós, fomos nos aproximando e trocamos saberes e
ficamos, quem sabe, em pé de igualdade. Mais uma vez, essa pode ter sido
somente a sensação que tive, e só posso dizer de mim. O certo é que o meu
aprendizado aconteceu a partir deles também.
61
Considerações finais:
novas perguntas, outros encontros
Quando eu já não estiver, o vento estará, continuará estando.
Eduardo Galeano, O ar e o vento
17. No livro Ética, Spinoza (2010,
p. 235) define uma série de
afetos que ocorrem nos
encontros. Esses afetos estão
relacionados ao desejo, à alegria
ou à tristeza. Quando
relacionados aos dois primeiros,
os afetos são capazes de
aumentar nossa potência,
quando relacionados ao último, à
tristeza, nossa potência de agir é
diminuída ou refreada.
Antes de iniciar a escrever as possíveis considerações finais, é
preciso dizer que a escrita fenomenológica que ocorreu esteve permeada
por todas as pessoas que encontrei por esses encontros de mediação. Em
especial os colegas mediadores artistas e os alunos do estágio curricular
supervisionado. A epígrafe desta parte é dedicada a esses encontros,
porque eles continuam estando em mim e em cada palavra deste texto.
Da mesma forma, essa pesquisa também continuará estando em
mim e continuará se transformando. Assim como as mediações e as
experiências docentes são capazes de nos causar marcas e encontros, um
processo de pesquisa também é capaz de causar afetos17, tais como o
medo, a angústia, a alegria, o prazer, a paciência e tantos outros.
Começando pelo que me afetou a pesquisar, iniciei essa escrita
pelo meio, pelo capítulo da experiência. Durante o desenvolvimento do
segundo capítulo procurei estabelecer relações e criar atritos entre as
experiências que me atravessaram. Acredito que iniciar a partir desse ponto
possibilitou que eu tivesse uma escrita inicial mais livre, sem preocupações
com o que viria antes ou depois. Após desenvolver conceitos, analisar
teoricamente e propor intersecções, retornei ao segundo capítulo e percebi
que meus entendimentos da pesquisa e do ato de pesquisar foi se
modificando no decorrer da escrita. Como, por exemplo, meus
entendimentos percepções do que seria esse professor mediador ou daquilo
que ele é capaz ou não de modificar no sistema formal de educação.
Além disso, assim como a escrita, pude perceber que, às vezes, os
encontros podem acontecer muito tempo depois de estarmos juntos.
Existem questões que surgiram durante as mediações, nas aulas do estágio
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supervisionado ou, durante essa escrita que ainda não pude aproveitar
porque não as percebi, mas que poderão vir à tona em outros momentos,
ocasionando novos encontros. Não existe um momento certo para que
ocorram processos educativos, é preciso cultivar olhares delicados e atentos
às inquietações. Dessas inquietações é que surgiu este trabalho que tomo
como ponto de partida para outros encontros.
O momento de entrega desta pesquisa à banca é o momento de
entender que cheguei ao final dessa etapa. No entanto, tenho a certeza de
que os constantes movimentos e atravessamentos referenciais me farão
voltar a essas questões muitas outras vezes. As conclusões aqui
apresentadas são apenas provisórias.
Realizar um trabalho sobre educação gerou o afeto da angústia.
Não posso ignorar todos os relatos que ouvi dos colegas já professores, de
prazer ou desagrado em estar em sala de aula. Obviamente, os relatos de
sucesso e prazer nos enchem de coragem, mas o contrário, deixam-nos
inseguros – inclusive em relação a esta pesquisa. Esse escrito partiu apenas
de minha breve experiência em sala de aula e em mediações artísticas, por
isso pensar nas próximas experiências provoca ansiedade, mais perguntas,
outras reflexões e novas crises.
Da pergunta que fiz no início desta pesquisa “de que forma a
prática de mediação pode contribuir para a formação de professores de
artes visuais?”, posso respondê-la dentro daquilo que me propus, a partir de
minha experiência. Responder às perguntas com outras perguntas, aceitar o
risco de estar errada, falar sobre uma obra somente após meus alunos
terem falado, buscar quebrar a sistemática da sala de aula, partir da fala
dos alunos. Muito mais que isso, em um sentido mais subjetivo, acredito que
a mediação está presente em minhas práticas docentes na preocupação
que sinto, na necessidade de proximidade, no estranhamento do espaço e
nas relações horizontais que procuro estabelecer.
Em um sentido contrário, penso que a prática docente que
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questiona e não se contenta com os lugares e discursos pré-estabelecidos
também pode contribuir para a mediação artística. Os espaços
institucionais de cultura também têm suas limitações (relacionadas às
exigências de patrocinadores já mencionadas) que terminam, também, por
limitar o trabalho do educador. Essas pequenas experiências que tive em
sala de aula permitiram que eu percebesse a lida diária da escola em que
são encontradas tantas intermitências e momentos confusos - como os
horários, sinal de recreio, planos de ensino. “Driblar” diariamente essas
circunstâncias para que se consigam eventuais encontros, fez com que eu
repensasse também a mediação concebendo-a de maneira diferente, talvez
permitido que eu aumentasse minha percepção sobre os momentos em que
acontecem falas e situações que não posso deixar de explorá-las. Da mesma
forma, as circunstâncias caóticas em que se encontram, muitas vezes, os
espaços expositivos precisam ser desviadas e nisso a prática na educação
formal colabora muito com a mediação artística.
Outras “crises” vêm surgindo com a decorrência de outro estágio
supervisionado (que esta pesquisa não se propõe a analisar) em outra
escola, cuja estrutura difere muito da anterior. Por vezes, não consigo
perceber a mediação artística em nenhum dos meus movimentos. Venho
tentado fazer com que esses encontros não diminuam minha potência de
agir, mas que sejam capazes de impulsionar meus atos e não me deixem
desistir dos encontros.
Sinto preocupação com as posturas que são necessárias para que
sejamos reconhecidos como educadores e para que algo mínimo toque os
alunos (e a mim). Assusta exigir de mim as mesmas posturas que não
admiro e que tanto critico. A mediação ajudou a perceber essa relação
hierárquica que já mora em mim.
No entanto, mesmo que as condições sejam as mais propícias, será
que se consegue sempre chegar aos objetivos? A prática de mediação
artística nos mostra que não, pois estamos sempre abrindo espaço para a
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surpresa e para a crise. Ela contribui na formação de um arte/educador,
quando apresenta outra possibilidade de educar/aprender e proporciona a
experiência de presenciar distintos processos educativos em situação de
educação não formal. Muito se fala que o modelo de educação formal que
temos é ultrapassado e nada tem a ver com um mundo em que o
aprendizado acontece em diferentes circunstâncias. Talvez o professor
mediador não seja capaz de mediar em sala de aula, talvez seja atravessado
e engolido pelo sistema educacional e pela burocracia. Mas talvez ele
consiga, ao menos, colocar em cheque o formato de educação estabelecido
há muito tempo e saiba que existem formas distintas e mais prazerosas de
educar e se educar nas quais a experiência é a prioridade para se chegar ao
encontro. O que ele busca não são aulas sobre arte, mas aulas que sejam
em si arte. O professor mediador deve ser um experimentador de outras
possibilidades educacionais que anda e pensa sempre com mais de um e
por isso ninguém vê sua sacola de bagagens maleável e quase sempre
imperceptível e silenciosa.
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