SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP
Reitor
Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva
Vice-Reitor
Prof. Dr. Luís Roberto de Toledo Ramalho
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Prof. Dr. Fernando Mendes Pereira
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
Diretor
Prof. Dr. Luiz Antonio Soares Hentz
Vice-Diretora
Profa. Dra. Irene Sales de Souza
Coordenadora de Pós-Graduação
Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
Serviço Social & Realidade
Franca v.8, n.1
ISSN 1413-4233
p.1-196 1999
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
Editora
Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld
Comissão Editorial
Profa. Dra. Maria Angela Rodrigues Alves de Andrade
Profa. Dra. Lilia Christina de Oliveira Martins
Prof. Dr. Ubaldo Silveira
Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld
Publicação Semestral/Semestral publication
Solicita-se permuta/Exchange desired
Correspondência e artigos para publicação deverão ser encaminhados a:
Correspondende and articles for publicacion should be addressed to:
Faculdade de História, Direito e Serviço Social
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CEP 14400-690 - Franca –SP
Endereços Eletrônico / e-mail
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SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE (Faculdade de História, Direto e Serviço Social –
UNESP) Franca, SP, Brasil, 1993 1993 - 1999, 1 – 11
ISSN 1413-4233
APRESENTAÇÃO
Como é dado a alguém que se vê na
contingência de bem compreender os diversos envolvimentos dos
cursos do seu câmpus, a surpresa é uma constante quando se
envolve com disciplinas fora de sua formação pessoal. Assim,
embora atento às transformações sociais e aos movimentos na
área da Educação em geral, meus estudos em Economia e Direito
sempre ocuparam um espaço razoável, em detrimento de outros
campos do conhecimento, igualmente importantes.
Daí que a leitura, atenta e diligente dos escritos
que compõem este número da Revista Serviço Social &
Realidade, propiciou não só a compreensão necessária das
análises e comentários ao Serviço Social como prática
educacional, científica e didaticamente disciplinada, mas
especialmente o valor das contribuições do(as) professor(as) e
pesquisador(es). São estudos sérios sobre o Serviço Social e seu
impacto na Educação atual.
Destaca-se, dentre esses, o relato da Profa. Dra.
Raquel Santos Sant'Ana, sobre a trajetória histórica do Serviço
Social e a construção do seu projeto ético-político.
Aos autores, aos membros da Comissão
Editorial e à Editora, Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza
Lehfeld, reservam-se os méritos da publicação ora apresentada
ao público leitor.
Prof. Dr. Luiz Antonio Soares Hentz
Diretor da FHDSS
SUMÁRIO/CONTENTS
APRESENTAÇÃO
5
SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO
• Desafios ao Novo Currículo de Serviço Social
Challenges to the New Curriculum of Social Service
Raquel Gentilli .........................................................
9
• A prática do Ensino no Curso de Serviço Social –
reflexões necessárias
The practice of the Teaching in the Course of Social
Service - necessary reflections
Maria Angela Rodrigues Alves de Andrade.............
31
• O Serviço Social na área da Educação
The Social Service in the area of Education
Eliana Bolorino Canteiro Martins ........................
57
• A trajetória histórica do Serviço Social e a construção do
seu projeto ético-político
The historical trajectory of the Social Service and the
construction of its ethical-political project
Raquel Santos Sant'Ana .........................................
73
• Iniciação Científica no Serviço Social
Cientific Iniciation in the Social Service
Neide Aparecida de Souza Lehfeld
89
SERVIÇO SOCIAL E PESQUISA CIENTÍFICA
• Critérios de avaliação para classificação sócioeconômica: elementos de atualização
Means of avaliaton Social-economic classification:
Update elements
Albério Neves Filho, Maria Inês Gândara Graciano
e Neide Aparecida de Souza Lehfeld ..................... 109
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7
• A família como espaço privilegiado para a construção da
cidadania
The family as privileged space for the construction of the
citizenship
Mário José Filho ..................................................... 129
• Nordeste Paulista, Antecedentes, Caminhos e Ocupação
Northeast of São Paulo, antecedents, ways and
occupation
Cláudia Maria Daher Cosac ..................................... 151
ÍNDICE DE ASSUNTOS ........................................................ 187
SUBJECT INDEX ..................................................................
189
ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX ............................ 191
8
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 1-196, 1999
DESAFIOS AO NOVO CURRÍCULO DE SERVIÇO SOCIAL1
Raquel GENTILLI*
•
RESUMO: Este texto discute a formação profissional do serviço a partir das
referência das diretrizes para o novo currículo de serviço social, tomando
como posto de observação, as querelas decorrentes das ações privativas
dos Conselhos Regionais e Federal. Esta reflexão chama atenção ainda
para a necessidade de uma participação mais ampliada e decisiva dos
profissionais da prática, sobretudo dos supervisores, no processo de
formação profissional.
•
PALAVRAS CHAVE: Formação profissional do serviço social; Prática
profissional do serviço social; Diretrizes para reformulação do currículo.
Este texto tenta debater sobre a formação profissional do
serviço social num contexto um pouco diverso daquele que
geralmente vem sendo posto no debate recente do novo currículo.
Além de refletir sobre algumas questões à luz das diretrizes gerais
de ABEPS, inclui alguns aspectos que se apresentam, não só no
espaço acadêmico, mas também no da fiscalização do seu
produto, ou seja, no campo das atribuições legais de um Conselho
Regional de Serviço Social.
Deste olhar emergem ponderações sobre alguns dilemas
centrados em dificuldades teóricas e práticas que geralmente
eclodem em torno dos empecilhos derivados da manipulação das
metodologias profissionais e das interpretações teóricas da
realidade, protagonizados, na maioria das vezes, pelos
profissionais que vivenciam a realidade da prática profissional no
cotidiano.
Apresenta-se portanto como um texto híbrido (pois se
imiscua em diversas veredas do exercício e da formação
profissionais) e tenta suscitar alguma reflexão sobre mazelas
crônicas destas realidades, ao mesmo tempo em que pretende
1
*
Texto produzido em julho de 1999 originariamente para subsidiar a discussão
da COFI (Comissão de Orientação e Fiscalização do CRESS -17ª Região /
Espírito Santo).
Assistente Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em
Ciências Sociais e Doutora em Serviço Social, ambos pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Presidente do CRESS-17ª Região
(Espírito Santo), gestão 1996-1999 e 1999-2002.
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9
sinalizar para o enfrentamento das mesmas, alongando-se das
questões teóricas mais gerais até as mais diretamente ligadas ao
estágio supervisionado.
Assim, estas e outras questões, nem sempre explícitas,
sinalizam para a existência de ásperos problemas sentidos pelos
assistentes sociais no mercado de trabalho. Aqui, tais questões
estão sendo trabalhadas por mim como uma tentativa de
apreensão - que me foi possível realizar -, daquilo que Goldmann
denomina “consciência possível”2 sobre o assunto neste
momento. Toma-se, para tanto, como referência a experiência
coletiva recente do CRESS-ES 3 ,assim como minhas próprias
reflexões acumuladas sobre o assunto nos últimos anos.
A medida em que foram sendo arrolados problemas,
naturalmente foi sendo construída uma reflexão espontânea sobre
a formação profissional desejável, numa perspectiva um pouco
diferenciada da do espaço acadêmico, pois ela se baseava nos
resultados que se apresentam no cotidiano da entidade, e não no
projeto de formação profissional.
Neste sentido, o olhar aqui apresentado, esforça-se para
expressar exatamente esta reflexão acumulada sobre tais efeitos,
que se espera possa, dialeticamente, contribuir para o debate do
projeto de formação em curso.
Como conseqüência, a reflexão aqui gerada assume uma
perspectiva de reivindicação, de demanda expressa e explicita às
Unidade de Ensino, responsáveis principais que são, como
artífices de uma determinada concepção de profissão que vem
sendo construída coletivamente. Ao mesmo tempo lança um
desafio aos supervisores profissionais a se inserirem em parcerias
efetivas para conhecer, supervisionar e fiscalizar a formação e o
exercício profissionais como um todo.
Por tomar, como posto de observação, as querelas
decorrentes das ações privativas dos Conselhos Regionais e
Federal, esta reflexão chama atenção ainda para a necessidade
2
Ver este conceito na obra de Lucien Goldmann, principalmente nas obras
Dialética e Cultura. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991, e Ciências Humanas e
Filosofia: o que é a sociologia? São Paulo: Difel, 1980.
3
Esta reflexão aqui proposta está presente no projeto do Curso de Serviço Social
da Faculdade Salesiana de Vitória, de minha autoria, que está sendo
submetido à aprovação do MEC.
10
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
de uma interferência mais ampliada e decisiva dos profissionais
da prática, sobretudo dos supervisores, no processo de formação
profissional no sentido de acompanhar a transmissão de um
saber, de uma cultura e de uma identidade profissional que se
quer democrática e cidadã.
I – Razões para uma reflexão mais ampliada
O apelo a uma participação mais ampliada no processo de
formação profissional, envolvendo inclusive os Conselhos Federal
e Regionais, deve-se ao simples fato das Unidade de Ensino
realizarem um processo de formação e autorização legal para o
exercício profissional, que, no sentido restrito, cessa com a
colação de grau do aluno. Aos Conselhos cabe, entretanto, por
meio da fiscalização do exercício e da ética profissionais, a
responsabilidade sobre a profissão que se realizará ao longo da
vida profissional do assistente social, tendo que se haver com as
lacunas deixadas pela formação.
Outra razão importante para tal investida se deve ao fato de
terem sido identificados, ao longo da experiência realizada na
gestão 1996-1999, alguns pleitos e indagações de colegas da
prática, apoiadas em suas experiências organizacionais, assim
como nos chamados “campos de estágio”, sobre as referidas
lacunas.
Além das razões profissionais, políticas e pedagógicas, há
que se reconhecer também que, perante a justiça, a ninguém é
facultado o direito de alegar desconhecimento da legislação em
vigor. Isto significa que existem razões práticas para promover
uma aprendizagem mais concreta dos elementos normativos da
profissão, além das motivações teleológicas.
Por mais estranho que possa parecer às Unidades de
Ensino, tais conteúdos ainda não fazem parte das rotinas de uma
quantidade enorme de profissionais que se encontram no
mercado. E muitos, ao serem surpreendidos pelas novas formas
de demandas do mercado, como gerenciamento organizacional,
planejamento, recursos humanos, novas especializações sociotécnicas (que sinalizam exatamente para o aprofundamento,
expansão e complexificação das respostas que a profissão é
chamada a dar às demandas que estão sendo postas pelo
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mercado de trabalho), tendem a pôr em questão a identidade e a
formação profissionais.
Para enfrentar o desafio de refletir desde lugar, toma-se
como pressuposto para a reflexão uma concepção de formação
profissional, que não desconsidera o papel e as atribuições
específicas das Unidades de Ensino, mas responsabiliza a todos,
professores, supervisores, organizações da categoria e os
próprios alunos por este processo.
Assim, procurando expandir o foco da reflexão sobre a
formação profissional para um debate mais ampliado, pretende-se
trazer para a reflexão as seguintes questões:
1)
Existe hoje na prática uma gama muito variada de
focos de atenção dos assistentes sociais em relação aos
problemas concretos cotidianos que estão completamente
dispersos, sem uma boa articulação com os conteúdos mais
genéricos da formação profissional. Esta característica não é
nova, apenas se encontra hoje mais ampliada e complexifica.
2)
Recentemente a profissão retornou ao debate
teórico da metodologia, da prática e da instrumentalização
profissionais. Entretanto, este debate ainda se realiza com certa
dificuldade pedagógica e em âmbito restrito, o que dificulta a sua
apropriação na graduação e, consequentemente dificulta o diálogo
com os supervisores nos “campos de estágio”.
3)
Muito tem se discutido sobre relação teoria-prática,
mas as pesquisas sobre supervisão e estágio têm apontado que
muito ainda temos a construir nas Unidade de Ensino e nas
organizações que funcionam como “campo de estágio”. Este
passo é fundamental para que fiquem assegurados na formação
do aluno as reflexões sobre a finalidade da profissão na
sociedade, os produtos da ação profissional em meio aos
objetivos das organizações e o lugar da ética na profissão.
4)
Os procedimentos que envolvem o processo de
supervisão construíram ao longo da história profissional uma
cultura de tradição oral e teoricamente assistemática que
sobrevive fortemente. Esta tem socorrido os alunos em relação
aos métodos, às habilidades técnicas e aos procedimentos
operativos e processuais na condução de levantamentos,
planejamento, administração e gestão social, assim como nas
intervenções profissionais individuais, grupais e coletivas.
12
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
5)
Apesar da existência de uma clara exigência de
qualidade do desempenho e da competência profissionais pelas
instituições da categoria, nem sempre se tem conseguido
estabelecer clara interlocução entre práticas pedagógicas e
práticas profissionais que articule clara e organicamente razões
éticas, amadurecimento intelectual e valores humanitários,
libertários e participativos no processo de formação profissional.
A discussão da profissão sobre problemas como estes é
bem antiga e vem sendo acumulada e amadurecida ao longo de
muitos anos de debate. Entretanto, o produto deste acúmulo, e
que foi inclusive incorporado nas recentes medidas reguladoras4,
ainda não se encontra consolidada como uma realidade empírica
em todas Unidades de Ensino.
Tais diretrizes para a formação, de certa forma, já se
encontram assinaladas nos instrumentos de controle e disciplina
da profissão, que são o Código de Ética e a Lei 8662, ambos em
vigor desde 1993. Por mais que tenhamos avançado nesta
década, falta ainda em grande medida - na prática - uma
expressão orgânica destes elementos normativos nos novos
conteúdos teóricos e práticos da formação profissional.
O eixo teórico central da reflexão que aqui está sendo
trazida sobre a formação profissional, e logicamente sobre o novo
currículo, está centrada na concepção de que o assistente social é
um profissional demandado socialmente para responder à questão
social por meio de programas e políticas sociais, estabelecidas
nas mais diversas organizações públicas e privadas,
governamentais e não-governamentais.
Ao atender a estas demandas, o assistente social opera
ações e processos em respostas aos problemas sociais, que
envolvem
sofrimentos
psicossociais
dos
usuários,
simultaneamente ao desenvolvimento de ações práticas de
natureza política. Assim, o profissional se encontra inserido em
relações sociais complexas que fazem emergir uma ação
4
Wanderley , Mariângela Belfiore. Formação profissional no contexto da reforma
do sistema educacional. Cadernos ABESS, n.8, demonstra como a comissão
de especialistas do Serviço Social na SESu/MEC conseguiu incorporar às
novas diretrizes da formação profissional um parâmetro de qualidade
compatível com o processo de discussão interna da categoria, no espírito da
LDB n.9394 de 20/12/96, sem deixar de atender os novos padrões
universitários estabelecidos para uma formação profissional pela instituição.
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profissional atada às múltiplas dimensões sociais, culturais,
políticas e econômicas que estruturam as sociedades modernas.
Insere-se portanto, no cerne dos objetos das organizações
que se instituem socialmente para atender - ainda que de forma
fragmentada, desordenada e muitas vezes irracional -, aos
problemas mais candentes da questão social na vida concreta dos
trabalhadores e dos setores excluídos de direitos e de
prerrogativas sociais na sociedade capitalista moderna.
Neste processo, o objeto profissional, não raro, confunde-se
com as formas assumidas pelo objeto organizacional - dada a
própria natureza dos serviços -, mas, apesar de não se reduzir a
ele, vem sistematicamente se diluindo nele. Nestes espaços,
muitas vezes, os objetos da ação do assistente social tem se
consolidado mais em decorrência da legitimidade “a doc”,
atribuída aos profissionais por seus empregadores, que
propriamente pela institucionalização da profissão a partir de seus
termos normais e legais.
Mas isto não significa que deva continuar a ser assim. Afinal
é pelo reconhecimento de seu estatuto de profissionalidade que o
serviço social iniciou seu longo processo de auto-transformação
desde o “Movimento de Reconceitualização” e não mais parou.
As características de profissão de forte apelo prático,
precisam ser levadas em consideração na condução da
implantação do novo currículo, uma vez que tais peculiaridades
são definidoras das formatações e das expressões do ser
profissional no cotidiano do serviço social.
E mais, estas expressões de forma, são tão variáveis e
complexas, que muitos profissionais já não se reconhecem mais
enquanto tais, em determinadas atividades que passaram a
assumir
no
mercado
de
trabalho,
comprometendo
substancialmente a identidade profissional, subordinando-a a uma
identidade funcional (derivada de um cargo ou de uma
especialização).
Tomar consciência dos mecanismos, que originam essas
diferenciações que se materializam na realidade concreta do
cotidiano profissional, constitui-se num pré-requisito fundamental
para o cumprimento dos compromissos da formação profissional
em relação aos valores éticos, às razões políticas e à observância
às normas instituídas pelos instrumentos legais da profissão.
14
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
Assim, o domínio do conhecimento do Código de Ética e da
Lei 8662/93 é tão importante ao assistente social quanto o
conhecimento dos objetivos, das rotinas, dos procedimentos
regulamentares e culturais das organizações, dos critérios de
elegibilidade, das metodologia, das teorias e dos demais
elementos que delineiam os contornos das ações profissionais no
interior das organizações.
Nesse processo, o serviço social tem sido levado a se
envolver numa nova lógica e racionalidade, que tem alterado
substancialmente o seu fazer cotidiano. Este se afirmar
simultaneamente para um campo de atuação altamente
competitivo e complexo e como uma estrutura profissional bem
mais rica e complexa que as formas até agora existentes.
Nestes dois casos, a profissão não pode deixar de se
oferecer no mercado como uma estrutura de saber polivalente,
dinâmica, empreendedora e que se apresente como uma
alternativa de domínio de saber profissional para toda abrangência
do social. Deve além disto ser capaz de gerar respostas que
atendam às necessidades sociais daqueles que se apresentam
demandando serviços sociais nas relações organizacionais onde
trabalham.
Sabe-se que a transformação de problemas sociais em
“demandas” a serem atendidas pela profissão não se constituem
processos que envolvem apenas a vontade e a qualificação dos
profissionais. A essas, soma-se, sobretudo, o senso de
oportunidade, com o qual os atores políticos privilegiados
transformam os problemas sociais em agendas políticas, além dos
interesses e relações de poder postos na organizações sociais.
II – Problemas profissionais hoje existentes no mercado
O aspecto da realidade profissional - que envolve
diretamente os agentes profissionais e suas instituições - está
determinado, pelo menos, por três pontos fundamentais e
extremamente imbricados entre si, e que demandam atenção da
atual formação profissional.
O primeiro se refere ao fato de que precisamos nos habilitar
para a transmissão de um saber profissional que possa enfrentar
os dilemas que são operados por razões, emoções e perspectivas
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
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políticas muito diferenciadas e que circulam entre os diferentes
agentes profissionais no interior das relações organizacionais.
O segundo está relacionado ao fato da diversidade de
fazeres e atribuições funcionais (aos quais os assistentes sociais
estão sendo submetidos no mercado) estarem deslocando a
identidade profissional do eixo que existira na formação original.
Isto ocorre, sobretudo, quando os profissionais deixam de se
utilizar no cotidiano do trabalho que realizam na organização, os
discursos (teóricos e técnicos) com os quais foram formados na
academia.
Por fim, o terceiro é referente ao fato de que, nos diferentes
fazeres funcionais - aos quais muitos assistentes sociais têm sido
chamados a atuar -, não exige como pré-requisito básico para a
ocupação do cargo, a formação em serviço social. Geralmente
para tais funções se requer alguma especialização ou se aceita
profissionais de formações profissionais próximas a do serviço
social
Nestes casos, não raro, os assistentes sociais colocam um
sério novo problema a ser enfrentado pela profissão como
instituição, que é o desligamento do Conselho “por não ser mais
assistente social”. Esses profissionais geralmente foram
reciclados em alguma especialização, progrediram na carreira e
até encontram-se, não raro, ganhando melhores remunerações.
Possuem competência reconhecidamente mais moderna e melhor
adaptada ao novo perfil do mercado de trabalho.
Neste campo onde o serviço social atua, com o advento do
fenômeno atual da competitividade da força de trabalho, prestígio,
“status” e reconhecimento profissional não mais decorrem,
imediatamente, do estatuto legal desta ou de qualquer profissão
da área social.
O profissional precisa saber defender idéias e convicções,
saber fazer valer seu poder pessoal e capacidade de liderança,
sua iniciativa e capacidade de empreendimento. Estas são as
regras básicas da competitividade para todos os profissionais que
se encontram vendendo sua força de trabalho no mercado, até
para aqueles que se declaram comprometidos com os valores
humanitários, como os subscritos pelo serviço social.
O grande desafio prático que vem se escancarando para os
assistentes sociais está exatamente na convivência conflituosa
16
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
entre a observância às novas técnicas, rotinas e discursos
administrativos (nos quais estamos todos sendo submetidos), e as
necessidades ética, política e legal de honrar os compromissos
com a consolidação da cidadania, da liberdade, da justiça social,
dos direitos humanos, do estímulo à participação política dos
usuários dos serviços que prestamos na profissão.
Desta perspectiva, hoje além de indagar a respeito das
atuais inflexões das demandas sociais sobre a profissão, o novo
currículo deve inquirir também sobre as formas de desenvolver
ações que revelem potencialidade e capacidade de provocar
modificações na realidade imediata, além de encaminhar as lutas
a médio e longo prazos em favor dos usuários do serviço social e
de processos políticos mais generosos.
Mais que isso, a nova formação deve quebrar o círculo
vicioso da crítica feroz que imobiliza ou que leva os profissionais a
se deterem frente a questões com as quais não poderiam
tergiversar. Para tanto a esta formação necessita investir mais
deliberada e organizadamente em práticas pedagógicas que
contribuam decisivamente para a construção da democracia em
nossa sociedade. Por mais paradoxal que possa parecer, tais
práticas têm se alastrado nos mais variados campos de atuação
profissional dos assistentes sociais, mas estas ainda pouco se
apropriaram do rico debate teórico que existe sobre o tema,
inclusive nas Unidades de Serviço Social.
A função destas relações pedagógicas seria exatamente o
estabelecimento de mediações que tornassem mais próximas do
cotidiano profissional e, portanto, dos alunos, dos professores de
disciplinas mais técnicas e dos supervisores, as grandes
polêmicas desenvolvidas num contexto socio-político mais amplo.
Infelizmente, tais ações ainda têm sido tímidas e pouco
sistematizadas no âmbito da atual formação, e não se pode ainda
avaliar a dimensão que poderá vir a assumir no novo currículo.
Essas ações, quando existem, têm servido mais como indicadores
de qualificação e distinção dos cursos que não como indicadores
de atribuição e responsabilidade de todos: professores,
profissionais e alunos.
Os assistentes sociais, muitas vezes, quedam impotentes
diante da complexidade da vida organizacional e mal conseguem
esboçar comportamentos resistentes, nem sempre organizados
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
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politicamente. Acuados, infelizes e desgastados mentalmente,
uma boa parcela da categoria torna-se incapaz de oferecer
proposições alternativas aos empregadores e aos usuários.
Na prática observa-se, muitas vezes, que os profissionais
recuam perplexos e impotentes diante da falta de perspectiva
futura ou de uma boa razão para empreender algum tipo de luta
coletiva. Mas este não tem sido o grande tema do atual currículo?
O que está se passando no processo de formação, que tantos
profissionais saem dos cursos considerando-os tão “teóricos”, isto
é, abstratos, sem enraizamento em suas vidas pessoais e
profissionais?
Toda a complexidade da realidade humano-social, que
atravessa as manifestações objetivas nas quais a profissão se
espraia, apresenta enormes dificuldades para a sustentação da
ética profissional, hoje codificada. Arrola demandas multifacetadas
tanto para a formação, quanto para o próprio exercício profissional
do serviço social, a ponto, inclusive, de impor o estabelecimento
de ações educativas adicionais, por parte dos Conselhos
Regionais, tanto em relação à fiscalização do exercício, quanto
em relação à ética profissionais.
Face ao exposto, considera-se que o ensino profissional
necessita, não só se estruturar para uma formação plena, capaz
de habilitar os assistente social no desempenho de suas
atribuições técnico-funcionais por meio do exercício da crítica
teórica e de uma prática responsavelmente desenvolvida5, mas
também investir no desenvolvimento de uma identidade
profissional fortemente centrada nos valores veiculados pelas
instituições regulamentadoras da profissão e que ancorem toda
esta diversidade e inovações emergentes.
Ou seja, é necessário que a formação profissional torne bem
claro ao assistente social os desígnios de sua identidade
profissional, além do entendimento dos produtos de sua ação para
as organizações sociais e para a sociedade. Logicamente, isto
requer uma certa clareza das Unidades de Ensino (seus
professores, alunos e supervisores de prática) dos resultados que
5
Sobre o atual estatuto de criticidade da profissão ver artigo produzido por
Cardoso et all, Proposta básica para o projeto de formação profissional: novos
subsídios para o debate, Cadernos ABESS, n.7.
18
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
a implantação do projeto político e pedagógico em curso pode
trazer para o fortalecimento da profissão.
Para atender às demandas postas na perspectiva aqui
defendida, entende-se que as disciplinas e as matérias da grade
curricular precisarão levar em conta, não só os eixos teóricos
básicos da formação arrolados pelo novo currículo, mas também
serem estabelecidos fundamentalmente novos parâmetros de
ensino, de diálogo e de parcerias com o conjunto da categoria, e
não só com as suas lideranças e instituições representativas.
Também não bastam novos conteúdos teóricos, sem o
desenvolvimento de procedimentos pedagógicos que possibilitem
o treino das habilidades e das condutas desejáveis de serem
manifestas pelos futuros assistentes sociais. Há que se reconstruir
novas formas de comunicação entre os agentes profissionais, pois
o treino de tais habilidades e condutas nem sempre está inscrito
nos atuais ritos de transmissão de conteúdos teóricos existentes
nas Unidades de Ensino. Os ritos acadêmicos atuais tendem a se
orientar predominantemente pelos processos cognitivos.
Assim, além dos conteúdos das disciplinas, dos núcleos
temáticos e dos instrumentos que habilitem os alunos, há que se
recorrer a procedimentos pedagógicos que, de forma mais
orgânica, viabilizem uma conexão dinâmica entre os conteúdos
teóricos a serem ministrados, os objetivos profissionais e as
razões éticas e políticas que sustentam a finalidade social da
profissão.
Para se qualificar o futuro profissional na apreensão do
acervo dos conteúdos teóricos, dos instrumentos da ação e das
condutas éticas, não tem sido suficiente as reflexão sobre os
nexos metodológicos gerais ou sobre as relações entre as teorias
e seus respectivos métodos científicos e sobre a realidade. Há
que se avançar para o estabelecimento de outras mediações que
realizem o passo seguinte, aquele que atribuirá materialidade à
ação profissional propriamente dita, pois essa não é meramente
derivada da compreensão intelectual e moral da realidade.
Os assistentes sociais operam (ou deveriam operar)
processos eminentemente de mudança social. Promover
mudanças implica em quebrar bloqueios e barreiras psicossociais
que acomodam e alienam os indivíduos às relações já postas.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
19
Não raro a resistência à mudança de realidade - sentida
tanto objetiva quanto subjetivamente pelos diversos atores sociais
envolvidos no processo (inclusive pelos próprios assistentes
sociais) - é percebida como ameaçadora e leva os indivíduos à
acomodação e ao vazio existencial e político.
Essa resistência é uma das principais razão pela qual se
torna imperativo transmitir aos futuros profissionais os
mecanismos de intervenção na realidade que a profissão vem se
apropriando na sua prática, ao longo de sua história.
A construção de tantas derivações metodológicas quantas
forem necessárias para instrumentalizar uma ação eficiente de
intervenção na realidade se apresenta como uma necessidade
concretamente sentida por muitos profissionais na prática. Essa
construção, infelizmente, é ainda num grande desafio que recai
sobre a profissão em qualquer perspectiva teórica e ideológica
que se adote.
Um novo e revigorante papel pode ser destinado ao ensino
no novo currículo, desde que ele não dê as costas a toda
variabilidade e diversidade existente na profissão. Esse pode
enfrentar exatamente os problemas a partir de dificuldades
explicitadas na prática cotidiana.
Além disto, pode-se ainda resgatar a instrumentalização
profissional do “pecado original” de ter nascido neotomista,
pragmática e funcionalista e desenvolvê-la a partir dos novos
debates temáticos e das lógicas teóricas, hoje consagradas nos
debates da profissão6 e que estão sendo amadurecidas a partir
das pesquisas realizadas nos mestrados e doutorados de serviço
social.
III – Das diretrizes gerais às realidades específicas
Atendidas às exigências fundamentais do Projeto de
Formação Profissional da ABEPS7, conforme estabelecidas pelo
currículo mínimo aprovado em assembléia extraordinária em
6
7
Nobuco, K. A trajetória da produção de conhecimentos em serviço social:
avanços e tendências (1975 a 1977), Cadernos ABESS n.8, como a
diversidade das pesquisas de mestrado e doutorado expressam a variedade de
temas tratados pelos profissionais nos últimos anos.
ABESS/CEDEPSS, Diretrizes Gerais para o curso de serviço social: com base
no currículo mínimo aprovado em assembléia geral extraordinária de 8/11/96.
São Paulo: Cadernos ABESS n.7, p.58-75.
20
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
novembro de 1996, as Unidades de Ensino terão condições de
resolver os problemas básicos da estrutura cognitiva dos
conhecimentos a serem ministrados aos alunos.
Com tais conteúdos e diretrizes poderão ser estruturados os
eixos básicos que constituem o núcleo central da formação
profissional. Não se pode, porém, acreditar que estas serão
capazes de abarcar toda a complexidade da formação
profissional, sob pena de se incorrer no engessamento que se
quer evitar.
Para se viabilizar um movimento emancipatório internamente no processo de implantação da reforma curricular que contemple conteúdos, procedimentos e regras de condutas
para todos, torna-se importante que o novo projeto articule
dinamicamente os projetos pedagógicos das diversas Unidades
de Ensino, observando particularidades regionais e locais.
Existe um grande problema a ser enfrentado para se
atender concretamente as diretrizes gerais, para que os mesmos
possam ser mais que meros papéis engavetados. A massa dos
professores das diversas Unidades de Ensino - geralmente
ausentes dos debates das oficinas das organizações da categoria
-, não guardam muita identidade direta com ele, nem dominam os
conteúdos nele requeridos.
A construção coletiva de um projeto pedagógico para o
curso de serviço social vai muito além da observância formal dos
conteúdos indicados nas novas diretrizes de ABEPS ou em normas
do MEC. A construção de tal projeto que se quer implantar não virá
por decreto. O acatamento, sem submissão mecânica às diretrizes
gerais do projeto político e pedagógico hegemônico, dependerá do
convencimento moral, da reflexiva apropriação dos conteúdos e
de um processo de reciclagem massivo do conjunto dos
professores.
Este conjunto de determinações que incidem - simultânea e
desafiadoramente sobre a realidade profissional em geral e sobre
o “ensino da prática” em particular -, precisará ser enfrentada não
só no cotidiano da sala de aula, mas também nas vivências
instrumentais e de práticas, nas oficinas de ensino de manejo de
técnicas e nas pesquisas de alunos, supervisores, professores e
assistentes sociais em geral.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
21
Será preciso também se abrir um diálogo mais amiúde das
disciplinas
teóricas
(geralmente
contempladoras
das
determinações gerais) com as organizações onde funcionam os
“campos de estágio” e seus temas especializados; expressos nas
“migalhas de trabalho” da profissão e nos âmbitos de atuação
minúsculos da prática 8.
Só assim haverá uma razoável convergência para um
campo de preocupações teórico e prático comuns das
abrangentes categorias teóricas gerais, genéricas e universais e
as necessidade prementes de referências instrumentais na
compreensão da dispersa materialização do cotidiano profissional.
Mais que isto, a formação profissional, de forma mais elaborada,
poderá também estabelecer metas plausíveis e viáveis para
projetos de mudança social9, associando expectativas a curto
prazo para micro-realidades singulares e específicas a estratégias
de emancipação social a longo prazo.
Não bastam definição de grandes metas e estratégicas para
a implantação de um projeto político profissional. Estas são
fundamentais para a mobilização política, mas se esvaem em
retórica inconsistente, se não forem buscadas em cada Unidade
de Ensino, a tradução desse projeto em programas de ação; em
processos de gestão; em controle dos resultados da formação
realizada; e principalmente, na apropriação dos parâmetros pelos
quais a fiscalização do exercício profissional (no futuro) deverá ser
realizada.
Para que tudo isto se torne acessível aos futuros assistentes
sociais, faz-se necessário que os profissionais atuais tomem para
si a responsabilidade de demonstrar como estas referências se
interligam com as realidades concretas e históricas que cada um
deles está operando na cotidianidade da prática, da formação e da
efetiva fiscalização profissionais.
8
9
Pinto, Rosa Maria Ferreiro. Estágio e Supervisão: um desafio teórico-prático do
serviço social, PUC-SP, NEMESS, agosto, 1997, indica como a imediaticidade
e a operatividade da profissão se revelam plenamente frente à realidade prática
desencadeada pelo processo ensino-aprendizagem.
- Mais de uma vez os entrevistados para a pesquisa de Marta Buriolla, (1994)
sobre supervisão fazem alusão ao papel desta uma pedagogia identificada com
a mudança e com a construção da identidade profissional. Por meio da função
supervisora, o aluno teria acesso a um paradigma profissional a seguir ou a
contestar.
22
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
Esta demonstração envolve um reiterado movimento de
explicitação de conteúdos teóricos, simultaneamente vinculado a
um refinado processo de reflexão sobre dados empíricos da
realidade com a qual os assistentes sociais lidam cotidianamente,
mediados por um domínio metodológico de um fazer instrumental
e técnico, capaz de operar sobre a realidade social, organizacional
e pedagógica que se que transformar.
Isto não é um processo que possa ser resolvido pelo esmero
de alguns intelectuais; meia dúzia de professores mais aplicados
ao ensino da metodologia profissional ou de uns dois ou três
supervisores dedicados. Só resultará em uma formação
profissional satisfatória se for decorrente de um esforço coletivo
que envolva sobretudo professores, supervisores e alunos, um a
um, além dos representantes da categoria e assistentes sociais
em geral10.
Na realidade, tais projetos, apesar de distintos em suas
singularidades, fazem (ou deveriam fazer) parte deste grande
pacto político profissional, construído em torno da Lei 8662-93 e
do Código de Ética de 1993. Ou seja, devem (ou deveriam)
explorar todas as possibilidades da realidade social, assim como
as potencialidades dos atores que nela se encontram envolvidos
na luta cotidiana pela superação das adversidades vividas pelos
usuários de nossos serviços profissionais e pela sociedade em
geral.
O grande desafio começa exatamente pelo estabelecimento
de estratégias de irradiação deste conteúdo acumulado pelos
representantes
ao
longo
processo
de
discussão
e
amadurecimento do novo conteúdo. Envolver os demais docentes,
supervisores e alunos e atingir, de alguma forma a categoria, é um
tarefa hercúlea, mas necessária.
Esta é a grande razão pela qual o processo de irradiação
deste novo conhecimento precisa se tornar acessível ao maior
número de assistentes sociais possível. Deve empreender-se para
10
O processo pedagógico que envolve a supervisão e o estágio supervisionado,
vistos por Rosa Maria Ferreiro Pinto no texto Estágio e Supervisão: um desafio
teórico-prático do serviço social, op. cit., indica a importância fundamental e
estratégica desta prática pedagógica para a formação dos futuros assistentes
sociais. Deste processo a autora desta as determinações da interatividade, no
cotidiano e na construção da competência profissional.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
23
além da observação sistemática de processos em sala de aula.
Deve-se partir dos desafios postos nas vivências dos campos de
estágio, das experiências de extensão das Unidades de Ensino e
das experiências concretas de embates travados nas situações de
fiscalização do exercício profissional.
A tradução local das grandes determinações da formação
(as diretrizes gerais para o curso de serviço social) em conteúdos
particulares, específicos e singulares poderão iluminar e dar
visibilidade às formas de objetivação e materialização ao futuro
trabalho profissional. Mas é só no difícil exercício da tolerância
política de um real pluralismo de idéias que se consolidará uma
significativa mudança na forma dos profissionais responderem às
demandas socialmente postas à profissão pela via do mercado.
Estes conteúdos possivelmente estarão presentes nas
pesquisas empíricas e nas observações sistemáticas das
realidades específicas. Nelas, possivelmente estarão apontados,
com mais precisão os fatores determinantes de cada realidade
social, pois nem tudo que é bom para São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília, ou qualquer outro grande centro, vale para o resto do
Brasil.
Apesar das determinações gerais da realidade serem as
mesmas, as manifestações particulares de cada região, bem
como a interpretação da economia e das dinâmicas políticas
locais, contêm especificidades que não podem ser descuidadas. O
processo da passagem e autorização para a vida profissional
requer uma série de cuidados, por se tratar de algo nem sempre
tranqüilo e fácil. Por meio desta, os alunos deverão processar uma
metamorfose pessoal na qual entram jovens despreocupados e se
tornam adultos cheios de compromissos e responsabilidades para
com uma vida profissional.
Este processo necessita de ajustes sutis aos complexos
conteúdos, quase sempre mal assimilados pelos alunos e nem
sempre dominados pelos professores e supervisores, que
necessitam de reciclagem e aprofundamentos teóricos, maiores
aproximações com as mediações das vivências de práticas, das
técnicas e clareza da dimensão ética das relações profissionais no
movimento ação concreta do cotidiano.
Os estágios obrigatórios e o próprio TCC - que se constituem
em momentos privilegiados da reflexão dos conteúdos teóricos
24
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
gerais à luz dos dados emergentes da realidade concreta -,
podem ser oferecidos como campos de expressão cotidiana de
um fazer e de um dizer profissional que emergem destas relações.
Desta construção dialética contínua e ininterrupta não pode ser
descartada, em hipótese alguma, a participação ativa dos
professores das chamadas disciplinas básicas, como sociologia,
política, etc.
A partir destes procedimentos alunos, professores e
supervisores de campo podem ter maior aproximação com as
questões mais complexas, sutis e decisivas para o agir
profissional, propriamente comprometido com os processos de
mudança social que se engendram no interior das relações
profissionais. A partir da realidade singular de cada experiência
pedagógica e de cada região brasileira serão possíveis ajustes
finos à realidade concreta.
Muitas são as questões e os dilemas dos professores,
assistentes sociais e alunos em face dos estágios
supervisionados. Muitas Unidades de Ensino desenvolvem
normalizações, discriminando as competências dos supervisores
das Unidades de Ensino, dos supervisores diretos, dos alunos e
dirigentes. Entretanto, nem sempre estas regras são seguidas por
todos e a formação da prática profissional passa a depender das
contingências do próprio processo de ensino da prática e de
circunstâncias de toda ordem.
Buriolla11 identifica no estágio supervisionado a emergência
de conteúdos referentes ao:
1)
próprio campo do estágio e os problemas das
limitações do mesmo para a inserção dos alunos;
2)
aos elementos decorrentes da própria realidade
organizacional;
3)
à realidade acadêmica particular vivenciada por
seus diferentes atores;
4)
ao debate teórico que circula nas diversas
instituições profissionais;
5)
ao “ser profissional” (estagiário, professor,
assistente social) mediante suas relações e sentimento e
6)
ao contexto conjuntural onde a supervisão se dá.
11
Buriolla, Marta. O estágio supervisionado. São Paulo: Cortez, 1995.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
25
Estes elementos por ela indicados, consistem exatamente
nas categorias que se articulam na prática profissional e que são
decorrentes da própria essência da formação e expressam
contradições e interdições existentes nas relações entre os
diferentes segmentos que interferem na formação profissional.
Vários feixes de fatores existem e alguns podem ser apontados
como estruturantes destas situações de dificuldades:
1)
Existe em princípio uma limitação estrutural, da qual
não temos como fugir. Esta decorre do fato de que o
conhecimento humano é absolutamente inferior à complexidade
da realidade concreta. Todas nossas representações sobre a
realidade está contaminada com as nossas perspectivas, nossos
valores, nossas opiniões. A realidade a nós se oferece a partir da
angulação pela qual observamos o mundo. Não temos como fugir
desta determinação que nos submete a todos igualmente,
independente do mérito de nossas idéias.
2)
As
interações
produzidas
nos
espaços
organizacionais (e esta observação vale também para as
Unidades de Ensino públicas e privadas) expressam as
possibilidades geradas no processo do ação concreta. Em tais
possibilidades estão colocados os conflitos e as contradições
entre as relações de poder e saber que ali se materializam, as
formas de reprodução e as manifestações concretas das
ideologias e, sem dúvida nenhuma, as próprias grandezas e
mesquinharias humanas em seus mais diferentes disfarces
discursivos.
3)
Existe uma limitação decorrente da própria
estruturação do saber hoje posto no interior da profissão. Trata-se
de problemas teóricos ainda não superados pela produção
intelectual da profissão. Muitas manifestações particulares da
realidade social na prática profissional ainda não se encontram
devidamente compreendidas tanto por falta de mediações teóricas
que explicitem os movimentos do real, como por falta de
articulação entre as políticas de ensino, os interesses que
envolvem as Unidades de Ensino e as organizações campos de
estágio.
4)
Raras são, ainda hoje, as experiências de trocas
efetivas e satisfatórias de parte a parte. Supervisores diretos de
estágio aludem a uma certa expropriação de seu “trabalho a mais”
26
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
não remunerado e, sempre que podem (a depender de sua
perspectiva de “compromisso profissional” que expressam e das
relações pessoais e profissionais com as Unidades), se esquivam
das responsabilidades que lhe foram atribuídas pela Lei 8662 e
pelo Código de Ética. Professores e coordenadores de estágios se
ressentem da falta de “interesse” na capacitação dos alunos e do
“aprofundamento do debate teórico” por parte de alguns colegas.
Enfim, de parte a parte todos sentem dificuldades e lidam
com grandes faltas, mas pouco dialogam, e quando o fazem,
pouco se entendem e pouco avançam na superação de problemas
que atinge a toda categoria no seu conjunto, rebatendo sobre as
dificuldade de reconhecimento e de valorização profissionais, que
tantos se queixam.
IV - Os muitos desafios da prática
As reflexões aqui apontadas não podem deixar de pontuar
algumas das muitas dificuldades que se materializam na prática
profissional dos assistentes sociais, seja nos chamados campos
de prática, seja na experiência didática, com complexo
comprometimento do exercício profissional cotidiano, que eclodem
no cotidiano da fiscalização do exercício profissional e da ética
profissional do conjunto CFESS-CRESS. Trata-se de dificuldades,
até há bem pouco tempo tratadas como problemas menores da
formação, quase sempre encaminhadas por soluções
“domésticas”.
Dificuldades teóricas e didática para o ensino das
metodologias e para o uso dos instrumentos, são problemas reais
de longa data, ainda não superados no ensino da prática
profissional. O acompanhamento dos alunos por meio do relato de
uma prática suposta, nem sempre tem sido suficiente para da
emprestarem veracidade e confiabilidade aos procedimentos
adotados e orientados. Por outro lado, os esclarecimentos mais
preciosos e convenientes nas aulas teóricas ou nas supervisões
de estágio tem apresentado, não raro, um descolamento da
realidade concreta que desafia a todos.
O super-desenvolvimento das habilidades reflexivas dos
alunos tem levado-os à experiência concreta da prática
profissional com uma visão bem desfocada das singularidades do
fazer profissional, da importância e das dificuldades do manejo do
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
27
instrumental e do lugar da teoria na compreensão política, técnica
e ética da profissão. Torna-os inoperantes e completamente
confusos em face dos procedimentos mediadores (mais
adequados de serem adotados) que precisam ser estabelecidos
para serem processados os conteúdos genéricos que
aprenderam, em meio às particularidades da realidade do campo
especializado (da política social que atuam) e das singularidades
das respostas profissionais a serem oferecidas caso a caso.
A aprendizagem da “prática” com o foco de atenção
centrado nos debates políticos da realidade profissional - ou na
sua oposta relação com o agir imediato -, relega a prática
profissional a um estatuto quase “mágico”. Na primeira forma,
mitifica as teorias historicamente construídas, transformando-as
num fetiche como outro qualquer. No segundo, despreza todo o
saber historicamente construído e os atores passam a reinventar
as teorias já consolidadas, refazendo caminhos elementares,
reiteradamente nivelando o conhecimento profissional a
conteúdos óbvios e superficiais. As coisas se passam como se a
aprendizagem se esgotasse nos ritos acadêmicos, que cumpridos,
asseguram a passagem à vida profissional, independente de uma
condução reflexiva , como se bastasse observar e repetir.
Tal atitude assemelha a “prática profissional” a algo que
possa ser apreendido por mera observação de fazeres meramente
pontuais, por distanciadas que se encontra nas representações
profissionais sobre as categorias eleitas para as reflexões mais
importantes.
Considerando-se, que o aluno encontra-se em fase de seu
amadurecimento profissional e que oscila entre o amor e o ódio às
idéias que lhe são transmitidas por seus diversos professores e
supervisores, há ainda que se prestar atenção para uma
tendência comum nas experiências didáticas: o aluno tende a
responder às exigências de cada professor por meio do cumprindo
restrito às prescrições que cada um estabelece, sem
necessariamente estabelecer vínculos indentitários mais
profundos com o produto de seu trabalho acadêmico.
Não raro, essas prescrições apresentam grandes nichos de
contradições teóricas e incoerências práticas entre si, não
esclarecidas por ninguém. Assim, os espaços da supervisão se
oferecem como lugares ricos de possibilidades para a elaboração
28
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
de sínteses dinâmicas do percursos individualizados de iniciação
na vida profissional, que muito poderiam ajudar no enfrentamento
destas lacunas que naturalmente vão restando no processo.
Não existem respostas prontas a todos estes dilemas, mas
estas certamente poderão ser construídas no avanço do debate
plural e da parceria cooperativa que seja capaz de superar
atitudes e práticas que implicam em posições autoritárias,
maniqueistas, voluntaristas e prescritivas que ainda sobrevivem
na cultura pedagógica e profissional de muitos professores,
supervisores e assistentes sociais em geral.
Emancipatório e dialético não devem ser somente os
discursos das organizações e instituições da categoria por força
de uma razão que faz sentido à luz da justiça social, e protege
particularmente os usuários dos serviços profissionais dos
assistentes sociais. Tal razão tornou-se Lei e Código de Ética, e
seus ditames devem submeter professores, supervisores e alunos
no processo de formação profissional ao qual não se tem como se
furtar.
Resta ainda, uma velha questão pedagógica que se
recoloca reiteradamente para todos os assistentes sociais no
desempenho destas atribuições: Como educar os atuais
profissionais para que o atual projeto de formação profissional
consolide uma profissão, esperança de um devir que realize suas
promessas?
GENTILLI, Raquel. Challenges to the new Curriculum of Social Service. Serviço
Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.9-30, 1999.
•
ABSTRACT: This text discusses the professional formation of the service
starting from the references of the guidelines for the new curriculum of social
service, taking as a point of observation, the private actions of the Regional
and Federal Council. This reflection still gets attention for the need of an
enlarged and decisive participation of the professionals of the practice,
mainly the supervisors, in the process of professional formation.
•
KEY WORDS: Professional formation of the social service; Practice
professional of the social service; Guidelines for curriculum reformulation.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999
29
A PRÁTICA DO ENSINO NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL –
REFLEXÕES NECESSÁRIAS
Maria Angela Rodrigues Alves de ANDRADE*
•
RESUMO: O presente estudo privilegia a “sala de aula” como campo
investigativo prioritário, procurando a partir dela, desvelar os elementos que
consubstanciam o exercício da prática de ensino no curso de Serviço Social.
•
PALAVRAS CHAVE: Formação Profissional, prática de ensino, sala de aula.
Introdução
Existem na prática docente aspectos fundamentais que
devem ser considerados quando nos propomos a estudar o
processo de ensino: o posicionamento filosófico e político do
professor, o conhecimento sobre a matéria que ensina (conteúdo),
a habilidade para organizar e trabalhar os conteúdos propostos
(método de trabalho) e, as interações que professor e aluno
estabelecem ao longo do processo.
As dificuldades do exercício da prática do ensino não são
restritas ao domínio do conhecimento teórico ou à produção do
conhecimento, nem aos aspectos técnicos inerentes às
metodologias de ensino. Os comportamentos, tanto do professor
como do aluno, revela um compromisso social, político, que
conseqüentemente determinam o ato educativo. O que nos leva a
agir de uma determinada maneira e não de outra?
A respeito especificamente da formação profissional do
assistente social, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social - ABEPSS1, tem desempenhado papel de
extrema importância. Significativos estudos foram realizados e
publicados, representando sem sombra de dúvidas, um salto
qualitativo na preparação acadêmica e profissional dos
Assistentes Sociais, tendo em vista os aspectos pertinentes à
estruturação de um projeto profissional; entre eles destacam-se: a
orientação pedagógica dos cursos, a grade curricular, a
adequação dos currículos às demandas sociais e a formação
profissional.
*
1
Departamento de Serviço Social - UNESP – Franca.
Até os anos 98 denominada ABESS – Associação Brasileira de Ensino em
Serviço Social.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
31
Desde 1970 a Associação vem encabeçado diversos
momentos de revisão curricular no processo de formação
profissional, articulando-se sempre às demandas postas pela
realidade brasileira. Como conseqüência desse trabalho, em 1982
foi aprovada pelo Conselho Federal de Educação (Parecer 412 de
5/8/85) a revisão curricular para os cursos de Serviço Social de
todo o Brasil. O “novo currículo” buscava romper a visão
fragmentada da realidade, levando a termo uma proposta de
formação crítica e comprometida com a transformação social. A
implementação desse novo currículo, que representou um avanço
no que diz respeito à direção social e política do curso, foi feita
progressivamente de acordo com a realidade administrativa de
cada Faculdade.
A ABESS vem dando continuidade a revisão de todo este
processo; a maioria das discussões e atuais pesquisas por ela
encaminhadas, dizem respeito aos paradigmas e às matrizes
teórico-metodológicas que devem nortear as direções sociais das
disciplinas e dos cursos de Serviço Social.
Marilda V. Iamamoto (s/d) em trabalho divulgado chama
atenção para o fato de que para além do esforço da integração
dos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos dos cursos
de Serviço Social, há de se proceder também um esforço
investigativo no que diz respeito ao acompanhamento acadêmico,
das “formas adotadas para sua operacionalização na estrutura
curricular” (p.22).
Sem descartar, a importância das discussões em torno do
caráter político da profissão, de seu significado social e histórico,
da dimensão social e técnica do curso, há que se considerar
também o modo como vem sendo concretizado o ensino no curso
de Serviço Social.
Em artigo publicado em 1984, na Revista Serviço Social e
Sociedade n.14, que traz por título “O Projeto de investigação da
formação profissional do Assistente Social no Brasil determinações Históricas e perspectivas”, as autoras2 já refletiam
que, para além das questões teórico-filosóficas, da fragmentação
curricular, das deficiências nas condições do trabalho, do
profissional e do mercado de trabalho, existe a necessidade de
2 Carvalho, Alba Maria P., Bonetti, Dilséia A., Iamamoto, Marilda V. Serviço Social
& Sociedade, São Paulo, n.14, p.104-143, abr. l984.
32
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
estudar a questão da relação pedagógica para se poder tornar
visível o modo de fazer o ensino do Serviço Social.
É possível perceber uma cultura discursiva no interior do
Serviço Social que, geralmente, aparece descolada da realidade,
do fazer a prática de ensino em sala de aula. Por isso, investigar o
processo pedagógico, além de desafio, constitui-se necessidade.
A relação pedagógica professor/aluno é um dos aspectos
fundamentais no processo da formação profissional no meio
universitário, constituindo-se um dos espaços básicos em que se
expressam as relações de poder no interior da Universidade. No
âmbito específico do Serviço Social, esta relação não tem sido
suficientemente discutida enquanto uma relação de poder que
tem uma especificidade e um significativo peso no processo de
formação profissional. (Carvalho et al, 1984, p.33-134).
No momento atual em que o Serviço Social procede à nova
revisão curricular e vive por isso, outro momento de redefinição da
proposta de formação profissional, estas questões precisam ser
equacionadas.
Nenhum projeto de curso é aplicado “no abstrato”. Ele é
construído cotidianamente, no processo de formação acadêmica,
nas relações que se estabelecem nos espaços institucionais,
inclusive, e principalmente, na sala de aula. Isto faz sentido se
pensarmos a sala de aula enquanto fenômeno que também pode
revelar a própria essência de um projeto de formação profissional,
de uma concepção de universidade e de educação.
Considerar a “sala de aula” como um dos espaços
privilegiados da formação profissional e campo investigativo
prioritário, significa desvelar os elementos que consubstanciam o
exercício da prática de ensino nos cursos de Serviço Social.
Um currículo precisa ter uma expressividade de vida e de
vivências, quer dizer, tem que superar as tendências
burocratizadas e efetivar-se na flexibilidade, abarcando as
necessidades peculiares dos conhecimentos relativos ao exercício
da profissão, ao mesmo tempo em que torna possível um projeto
de transformação social. Consideram-se, portanto, novamente as
mediações e estratégias para pôr em curso os objetivos da
profissão.
É possível priorizar essas mediações da prática de ensino
preocupando-se com o conjunto de conhecimentos peculiares ao
Serviço Social, e também com a formação de habilidade inerentes
à prática profissional.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
33
Despertar para a questão pedagógica, mais pontualmente
para as mediações e articulações entre teoria e prática significa
desvelar como se processa a prática de ensino no curso de
Serviço Social e, conseqüentemente, como se dá o processo de
formação profissional no curso.
A partir da problematização do modo como professores e
alunos articulam a prática de ensino na sala de aula, procurase conhecer não só como ela se dá, mas até que ponto é
determinado pelas concepções que fundamentam a prática
docente, o projeto pedagógico, os conteúdos que são priorizados,
os métodos que são utilizados e os processos interativos
presentes nesta relação.
Ao elegermos como objeto de estudo a “sala de aula”
objetivamos desvelar as múltiplas determinações presentes no
exercício do ensino, nem sempre explicitadas. Desvelar o sentido
político da prática de ensino e a forma que se desenvolve, pode
representar uma contribuição para a construção de um projeto de
formação profissional que contribua para a transformação social.
Nenhum projeto de curso se efetiva sem coerência e
consistência interna, mesmo no plano micro da sala de aula.
A Sala de Aula e o Ensino no Curso de Serviço Social
As
questões
que
envolvem
a
estruturação
e
desenvolvimento de um projeto de formação profissional não
podem ser reduzidas a simples definições de disciplinas que irão
dar estrutura a uma grade curricular, bem como ao conjunto das
matérias e conteúdos que irão compô-las.
O Currículo, longe de se constituir uma simples
justaposição de conteúdos programáticos, é a expressão de um
conjunto de concepções, é a explicitação de tendências políticas,
teóricas e metodológicas que são imanentes à direção social que
se deseja imprimir a um projeto de formação profissional,
incorporado num projeto educacional de curso.
Para isso é necessário ampliar a visão do que seja o
currículo. Como observa Gatti (1995, p.2) o currículo é “um meio
articulado e intencional de formação e desenvolvimento de
pessoas...”, que conseqüentemente expressa, através de
determinadas vertentes de pensamento, um compromisso político
com um projeto profissional.
34
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
Mais ainda: “o conhecimento e a compreensão da proposta
curricular de um curso são fundamentais para uma atuação
profissional, atuação exercida de modo consciente, reflexivo e
integrado” (p.2) visto que é o currículo, um meio articulado e
intencional de formação; é a escola em movimento. A organização
curricular nesta perspectiva está condicionada à leitura,
compreensão e consciência da realidade, à fundamentação
teórica que a orienta e a instrumentalização técnica do trabalho.
Queremos dizer com isso, que, a implementação de um currículo,
pressupõe uma seleção intencional de conteúdos e de
comportamentos que compõem o ato de ensinar (p.3). A
organização curricular precisa ser continuamente confrontada com
os objetivos educacionais. Pressupõe um posicionamento sobre o
significado da educação e a sua concretude. Neste sentido, o
currículo serve como apoio e orientação para os meios de ensino.
Falar sobre decisões curriculares implica em falar sobre quais
conhecimentos ensinar, para quem ensinar e como fazê-lo.
Podemos afirmar, que há na literatura educacional de forma
geral, uma ausência de estudos e análises sobre as práticas de
ensino desenvolvidas na sala de aula na universidade e mais
especificamente no Serviço Social. O ensino desenvolvido na sala
de aula continua sendo uma “caixa preta” que necessita ser
considerada, revelada.
É razoavelmente simples identificar as alterações ocorridas
no que se refere à estrutura curricular dos cursos e até às
mudanças administrativas e organizacionais da própria
Universidade brasileira, se a relacionarmos a um processo mais
geral de mudanças na sociedade. No entanto, o mesmo não
ocorre se “mergulharmos” no nível da prática cotidiana de ensino
e se, ao mesmo tempo, procurarmos compreendê-la inserida nas
relações que mantém com a totalidade.
Com efeito, o conhecimento transmitido na sala de aula é o
resultado dos confrontos que se estabelecem entre as diferentes
alternativas de compreensão de mundo, articuladas a um
currículo. Compreendido desta forma, o reducionismo atribuído às
atividades da sala de aula é negado, ou seja, a forma como o
ensino se realiza, assenta-se em teorias de ensino que regulam
sua prática.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
35
A sala de aula é parte de um todo. Está inserida em uma
instituição educativa, que por sua vez está inserida em um
sistema sócio-econômico, político e cultural. É possível então,
considerar a sala de aula como referencial e campo investigativo
para compreender a atividade do ensino no curso de Serviço
Social.
Assim como existe uma preocupação com o fazer
profissional-institucional do assistente social, a preocupação aqui
é com o fazer profissional produzido na sala de aula e que como a
prática direta do Serviço Social revela um determinado projeto de
curso e de profissão.
No espaço sala de aula que se desenvolvem e se vivenciam
situações de tensões que derivam das representações dos
sujeitos envolvidos nesta prática. Nele se expressam, visões e
concepções de mundo, de homem, de educação, de
Universidade, e é nele que se processa a maioria das relações de
ensino. Nele, que se manifestam às expectativas e necessidades
tanto dos professores, como dos alunos e que se põe em curso
um projeto de formação profissional. O espaço sala de aula é,
portanto, determinado pela mediação que os professores e alunos
realizam entre o conjuntural-estrutural e a demanda educacional.
Além da questão política, pesa também na construção
desse projeto, a dimensão pedagógica. Instaurar, junto a
professores e alunos, um processo contínuo de reflexão acerca da
prática de ensino tal como acontece na sala de aula, tentando
explicitar os pressupostos que a sustentam possibilitando-nos
elucidar suas contradições, ultrapassando os limites da
consciência ingênua.
O exercício da prática educativa requer, um projeto político
que estabeleça finalidades, que expresse intencionalidades, mas
requer também a capacidade de captar a dinâmica da sala de aula
em toda sua complexidade. A prática de ensino torna-se então o
instrumento de mediação entre as finalidades da educação e a
sua plena realização.
Repensar a prática de ensino como uma prática mediadora
implica em construir um conhecimento teórico-prático que tenha
sempre como referência à realidade social. Empenhar-se neste
objetivo significa fundamentar política e tecnicamente todo o
processo. Significa buscar caminhos para a elaboração de uma
36
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
prática de ensino, fundamentada em pressupostos claramente
definidos.
O aclaramento do verdadeiro sentido da prática de ensino
aponta para a necessidade de mudanças no conteúdo do ensino,
mas também, mudanças na forma de ensinar.
Pensar e produzir a ação educativa de forma articulada
coloca-se como um desafio àqueles que têm um projeto e o
compromisso de transformação da Universidade e de
democratização da sociedade.
Retomar esta questão, e encaminhá-la para a prática
cotidiana da sala de aula é tarefa crucial, se o que se pretende, é
realizar um ensino coerente com uma visão “crítica” de
Universidade.
No âmbito teórico o ensino é constituído por um conjunto de
idéias e conhecimentos, e no âmbito prático, por um conjunto de
meios que são colocados em ação para a realização do processo.
Assim, teoria e prática precisam ser compreendidas de forma
articulada. Observando que, esta proposta de prática de ensino
pressupõe a busca de um saber, que jamais poderá ser adquirido
espontaneamente ou desorganizadamente, sua construção deve
ser orientada.
Se a tarefa do educador é uma tarefa de transformação, é
preciso que ele não ignore que a transformação social e
individual tem regras. É preciso que as conheça. Se a mudança
individual e social acontecer por intermédio de um agente da
educação, é porque este consciente ou inconscientemente,
seguiu certos passos, certas leis, certos caminhos e evitou outros
que o conduziram ao oposto. (Gadotti, 1992, p.76)
Certamente, desenvolver um processo de ensino que
abarque esta perspectiva requer que, no desenrolar do processo
de planejamento, desenvolvimento e avaliação do ensino todas as
decisões sejam tomadas tendo como eixo o projeto de
Universidade comprometido com o processo de formação crítico e
científico.
Além da questão política, pesa também na construção
desse projeto, a dimensão pedagógica. Instaurar, junto aos
professores e alunos, um processo contínuo de reflexão acerca da
prática de ensino tal como ela acontece na sala de aula, tentando
explicitar os pressupostos que a sustentam e elucidando suas
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
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contradições, nos permite ultrapassar o nível da consciência
ingênua.
O exercício da prática educativa requer um projeto político
que estabeleça finalidades, que expressem intencionalidades,
mas requer também a capacidade de captar a dinâmica da sala de
aula em toda sua complexidade. A prática de ensino torna-se
então o instrumento de mediação entre as finalidades da
educação e a sua plena realização.
Nesta perspectiva, o que se espera do professor, é que ele
detenha um conhecimento sobre os conteúdos de sua matéria,
domine as formas de transmiti-los, preocupando-se ainda, em
adotar procedimentos que garantam a participação e o
envolvimento dos alunos. A prática de ensino precisa recuperar a
perspectiva integradora do “saber, saber fazer e saber ser”.
As dificuldades do exercício desta prática não são restritas
ao domínio do conhecimento teórico ou a produção do
conhecimento, nem aos aspectos técnicos inerentes às
metodologias de ensino. Os comportamentos, tanto do professor
como do aluno, revela um compromisso social, político, que
conseqüentemente determinam o ato educativo.
No curso de Serviço Social, podemos afirmar que a primazia
das discussões é sem dúvida alguma, a direção político-social do
curso, seus paradigmas filosóficos e propostas curriculares
(entendida aqui como a grade curricular e o conteúdo das
disciplinas). Até o momento, não existem estudos avaliativos
qualificados capazes de indicar se este processo de formação
profissional proposto e oferecido pelos cursos tem correspondido
aos valores democráticos, à construção da cidadania e à
contribuição para o reordenamento das relações sociais a que se
propõe. A prática de ensino que desempenhamos, pautada em
princípios transformadores, comprometida com uma pedagogia
“crítico-social” tem de fato privilegiado a participação e
desenvolvimento autônomo dos alunos ou, de forma velada,
consiste ainda numa prática tradicional? O discurso seria um, e a
prática outra?
Partindo destas considerações, procuramos percorrer uma
trajetória em busca de nossos objetivos, enfocando basicamente a
relação de ensino produzida por professores e alunos no espaço
da sala de aula.
38
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
A Contextualização das Escolas de Serviço Social
A trajetória do Serviço Social inicia-se no Brasil em 1936,
quando é criada a primeira Escola de S. Social. O contexto em
que surge, expressa o complexo quadro econômico, político e
social que caracteriza o Brasil naquele momento de acumulação
capitalista - de transição das atividades agrárias e de exportação,
para a consolidação de um pólo industrial vinculado à economia
do mercado mundial - que traz em seu bojo um processo de
urbanização acelerado e o agravamento da chamada “questão
social”.
Em função disto, o Estado Brasileiro assume paulatinamente
uma ação corporativa, que pretendia canalizar sob sua órbita,
interesses divergentes que emergiam das contradições entre as
classes sociais, permitindo a integração de diferentes interesses,
em direção da chamada “harmonia social”. Para isso o atual
regime utilizou estratégias como: a legislação sindical e
trabalhista, o seguro social, a assistência social, até medidas de
repressão da organização do proletariado, tudo isso em nome de
“servir ao bem comum”.
Concomitante à formulação destas estratégias por parte do
Estado, ocorre no âmbito da Igreja Católica uma mobilização no
sentido de abandonar sua passividade e redefinir suas relações
com o Estado e a sociedade. Sua ação política será conduzida
pelo movimento laico e dirigida em dois sentidos: o da mobilização
do eleitorado católico e a do apostolado social.
Da aliança entre Igreja e Estado, tanto do ponto de vista
ideológico quanto do ponto de vista dos interesses político-sociais
é que surgirá o Serviço Social, com a finalidade específica de
amenizar as contradições e conflitos oriundos da relação entre
capital e trabalho. A trajetória profissional do Serviço Social
revelava uma “prática humanitária, sancionada pelo Estado e
protegida pela Igreja, como uma mistificada ilusão de servir”
(Martinelli, 1989, p.57) transformando-se num importante
instrumento da burguesia.
As primeiras escolas são fundadas pela Igreja Católica inicialmente a partir de uma influência européia - tendo como
fundamento para a formação dos assistentes sociais a Doutrina
Social da Igreja, de caráter essencialmente moral e doutrinário,
que ratificava a linha do apostolado social.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
39
As décadas de 40 e 50 serão significativas para a
institucionalização do Serviço Social - no sentido de crescimento
do mercado de trabalho - pelo surgimento das grandes instituições
de Assistência Social que evoluem no Brasil, a partir da ação
estatal que tenta responder à pressão das novas forças sociais
urbanas.
Paulatinamente - sobretudo após a Segunda Guerra Mundial
- a hegemonia européia na formação dos assistentes sociais no
Brasil vai sendo substituída pela influência norte-americana, que a
partir de 1945 “passa a dar ênfase a instrumentalização técnica,
com a valorização do método” (Silva, 1984, p.41). Apesar da
permanência da influência católica, a ênfase é a da ação eficaz no
trabalho social. Marcada agora por uma perspectiva
metodologista, a formação acadêmica terá como preocupação
central à sistematização do trabalho social, através da
implementação dos métodos de Serviço Social de Caso, de Grupo
e posteriormente de Comunidade. Preocupados com a formação
técnica, distancia-se da busca da compreensão da relação
imediata existente entre acumulação capitalista e reprodução
ampliada da pobreza. Diz Martinelli (1989 p.22): “... transitando
pelo mundo dos fenômenos externos, das representações
comuns, das aparências enganadoras, enfim, pelo mundo
reificado próprio da sociedade capitalista, distanciam-se da
possibilidade de obter um conhecimento mais pleno do real, de
atingir os fenômenos com os quais operavam”.
No início da década de 60, este cenário começa a se alterar,
em função do acirramento dos conflitos entre as classes sociais e
da crescente massa de pobreza existente no país, resultando no
golpe militar de 64.
Paradoxalmente, foi neste cenário que grupos de
assistentes sociais iniciaram um processo de revisão crítica da
profissão, através de uma série de questionamentos ideológicos,
político, teóricos, de objetos, que desembocarão no chamado
“Movimento de Reconceituação”, o qual buscava alcançar o
desafio de articular uma nova direção para a prática profissional.
Esse movimento, no entanto, não irá atingir o vasto segmento
profissional, não obtendo “... uma resposta unívoca, pois a cisão
do único, sobre o qual o capitalismo se constrói, havia penetrado
na categoria profissional, transformando-a em categoria
40
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
fragmentada, fragilizada e desunida” (Martinelli, 1989, p.130).
Apesar disso, é evidente o salto qualitativo deste movimento: o do
reconhecimento da dimensão política da profissão.
Só a partir da década de 70, observa Silva (1984, p.49)
pode-se afirmar que: “... os segmentos do Serviço Social no Brasil
começam a assumir a perspectiva dialética da reconceituação,
buscando formular um quadro de categorias que permita um
entendimento global da sociedade, em termos estruturais e
conjunturais ao mesmo tempo em que busca uma aliança com os
movimentos populares, vislumbrando uma perspectiva de
transformação da sociedade”.
É assim que, nos fins da década de 70 e início da década de
80 o processo de formação profissional dos assistentes sociais,
passa a ser questionado, desencadeando um movimento de
renovação do Serviço Social; que desembocará numa seqüência
de debates, envolvendo docentes e discentes no sentido de
construir um novo projeto de formação profissional, que incluía
uma revisão curricular de seus cursos. Concebido a partir de
formulações amplas, este projeto extrapolava o entendimento de
uma mera mudança de currículo tendo como ponto crucial um
Projeto Educacional de Serviço Social, comprometido com uma
postura crítica, com os reais interesses da classe dominada.
Atribui-se, portanto, uma intencionalidade ao projeto profissional.
Sob a coordenação da ABESS, em 1975, inicia-se intenso
processo de discussão do projeto acadêmico e curricular do S.
Social. De 75 a 81, este foi o tema principal das Convenções
Nacionais da ABESS, que buscavam uma posição hegemônica,
no que se diz respeito a um projeto de S. Social que objetivasse
contribuir com o processo de transformação da sociedade
brasileira. A justificativa no Documento Básico encaminhado ao
Conselho Federal de Educação dizia:
Tomamos a liberdade de realizar este trabalho, por sentirmos no
cotidiano de nossas salas de aula o imperativo de novos
enfoques, novos abordagens, novos conhecimentos, para fazer
frente a uma sociedade em célebre ritmo de mudança e carente
de profissionais aptos a participarem ativamente do processo de
desenvolvimento social integrado que vive a nossa nação.
(ABESS, Documenta, Brasília, v.261, ag.,1982)
A proposta de currículo mínimo foi aprovada no período,
pelo Conselho Federal de Educação através do Parecer 412/82,
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
41
ficando determinado o prazo de dois anos para sua
implementação em todas as Unidades de Ensino do país,
vigorando até os dias de hoje.
No Brasil, existem hoje, 66 escolas de Serviço Social
espalhadas pelo território nacional, 22 delas no Estado de São
Paulo. A inserção do Serviço Social na realidade paulista guarda
toda a marca histórica e características do processo de
surgimento do Serviço Social a nível nacional.
As primeiras escolas fundadas no Estado sofrem a
influência direta de grupos atuantes da ação católica; são os
casos da Escola de Serviço Social (fundada em l936) que mais
tarde foi incorporada a PUC de São Paulo, a Faculdade Paulista
de Serviço Social (fundada na década de 40) e a Faculdade de
Serviço Social da PUC de Campinas (fundada em l949). Na
década de 50 foi fundada a Faculdade de Serviço Social de Lins,
a 1ª no interior do Estado. Na década de 60 aparecem três novas
unidades de ensino: as Faculdades de Piracicaba, a de Ribeirão
Preto e a de Bauru - estas duas últimas de caráter laico. Contavase assim, ao final da década de 60, com 7 unidades de ensino
todas de caráter privado.
Os anos 70 serão considerados como o grande marco na
criação das unidades de ensino no Estado: doze delas, de um
total das 22 existentes hoje. Seguindo um modelo de política
educacional adotada neste período - de expansão do ensino
privado, sem, no entanto, perder a maioria delas o “vínculo
religioso” - nascem em escolas ou institutos isolados, mas são
logo integradas a Faculdades ou Universidades. São os casos das
Faculdades de Serviço Social de Santos e Taubaté (1970); na
cidade de São Paulo a das Faculdades Metropolitanas Unidas FMU (1972); o Depto. de Serviço Social da Faculdade de Ciências
Aplicadas de São José dos Campos (1973); a de São Caetano do
Sul e na cidade de São Paulo a da Universidade São Francisco
(1974); a de Limeira, a da Universidade Cidade de São Paulo; a
de Americana e a de Santo Amaro (1975); a de Marília (1976) e a
de Franca (1977) 3. Foram fundadas nos anos 80, as Faculdades
de Botucatu, Presidente Prudente e São José do Rio Preto.
3 Cabe observar que a Faculdade de Serviço Social de Taubaté foi criada pela
Prefeitura de Taubaté em 1963 por um projeto apresentado pelo então
mercador - assistente social e professor Ulisses Pereira Bueno. A Faculdade
42
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
Segundo Jorge (1993 p.420): “Essa aproximação entre a
época da fundação das Unidades de Ensino e o projeto político educacional brasileiro vem constituir um dos elementos de
caracterização das referidas unidades, ao se tratar de suas
origens, desde os anos 36 até 1989...”.
A Construção da Pesquisa
O estudo, que ora apresentamos, tem a intenção de colocar
em debate a prática educativa no curso de Serviço Social, que,
articulada ao conjunto de conhecimentos já produzidos na
profissão, possam contribuir, para o enfrentamento das questões
relativas à qualidade da formação profissional.
Trata-se de um estudo quantiqualitativo, de natureza
compreensiva e explicativa em que pretendemos analisar a prática
de ensino, ouvindo professores e alunos, com o objetivo de
descobrir tanto evidências quanto idéias e fatos subjacentes ao
cotidiano do processo de formação profissional em Serviço Social.
Nosso interesse foi, a partir da relação professor e aluno na
sala de aula, compreender e explicar o modo como articulam
a prática do ensino.
Dada a natureza do estudo, levamos em conta a importância
de estar o mais próximo possível dos atores desse processo: o
professor e o aluno. Isto significa, analisar o ensino e a formação
profissional desenvolvida nos cursos de Serviço Social através
das representações, das expectativas e do modo de proceder de
seus atores.
Para realização deste estudo consideramos cinco
faculdades de Serviço Social do Estado de São Paulo: ITE –
Instituição Toledo de Ensino de Bauru, UNESP – Universidade
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Franca, PUCC –
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, o Departamento de
Ciências Aplicadas da Universidade Vale do Paraíba – UNIVAP de
São José dos Campos e a PUC – São Paulo.
O critério para a escolha da amostra considerou inicialmente
o maior número de alunos e professores. Esta amostra nos
de Franca, única de caráter oficial, estadual, no território paulista foi criado pelo
Decreto n.9449 de 26.01.77, o mesmo que suprimiu outros cursos na nova
regulamentação dos antigos institutos isolados, agora incorporados a
Universidade Estadual
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
43
permitiu atender a um outro critério básico: o de garantir a
representatividade em cada sub-região do Estado, de pelo menos
uma escola.
Da amostra definida, tomamos como sujeitos da pesquisa
em cada Faculdade:
•
2
professores
que
ministravam
disciplinas
consideradas pela ABESS como “eixos” no processo de formação
do curso de Serviço Social quais sejam: História do Serviço
Social, Teoria do Serviço Social e Metodologia do Serviço Social.
Para esses professores consideramos ainda, como critério: maior
tempo de serviço naquela instituição, entendendo que estes
sujeitos abarcam certa experiência no processo de ensino, bem
como garantiriam o conhecimento do processo de formação
profissional desenvolvido na instituição.
•
alunos das séries finais do curso, qual seja, 3º e 4º
anos, que no momento da aplicação da pesquisa se dispusessem
a participar.
Nosso universo de pesquisa foi composto então por: 5
(cinco) FACULDADES DE SERVIÇO SOCIAL, 10 (dez)
PROFESSORES no exercício direto da prática de ensino e 351
ALUNOS matriculados nas séries finais do curso.
Para o estabelecimento dos instrumentos de pesquisa
procuramos escolher aqueles que nos possibilitassem o máximo
de informações e dados que revelassem as representações, as
atitudes, as relações e as contradições estabelecidas na prática
de ensino e no processo de formação profissional no Serviço
Social. Nesta configuração optamos pela coleta de depoimentos
junto aos professores e a aplicação da escala tipo “Likert” para os
alunos. A escolha dos instrumentos foi intencional, considerando
que a coleta de depoimentos é um instrumento rico para a
descrição do cotidiano do professor na sala de aula e a escala
Likert é um instrumento que tem a possibilidade de medir “quanto
uma atitude é mais ou menos favorável” (Gil, 1995, p.142).
Selecionados os dois instrumentos de pesquisa, procuramos
definir o conteúdo e a forma de trabalhar com cada um deles,
tendo como pressupostos quatro grandes questionamentos: como
se dá a prática do ensino em sala de aula no curso de Serviço
Social? Quais as concepções que fundamentam esta prática?
Como se dá à relação entre professor e aluno no espaço da sala
44
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
de aula? Que significados professores e alunos atribuem a este
espaço?
Para o desenvolvimento da pesquisa operamos conforme
passamos a especificar.
•
Na coleta de depoimentos, deveriam os professores
relatar livremente suas experiências na sala de aula: como
ministravam seus cursos, como os planejavam, como se
relacionavam com seus alunos, enfim, os aspectos que
considerassem importantes para serem relatados. Os
depoimentos foram obtidos através de entrevistas não
estruturadas em que mantivemos o firme propósito de não
conduzir a expressão do pensamento do depoente, possibilitando
que fosse ele próprio o selecionador daquilo que considerava
importante.
Utilizamos para a coleta destes dados, um pequeno
gravador que ficava sobre a mesa, no local determinado pelo
professor e que objetivava o registro de suas falas. A análise
realizada se respaldou tanto no conteúdo manifesto quanto no
conteúdo latente dos depoimentos. A linguagem oral aqui é
entendida “... como uma construção real de toda a sociedade e
como expressão da existência humana, que, em diferentes
momentos históricos, elabora e desenvolve representações
sociais no dinamismo que se estabelece entre a linguagem pensamento e ação”. (Franco, 1986, p.8).
Esta etapa do trabalho constituiu-se no momento de deixar
vir à tona os dados, permitindo que eles se mostrassem in natura,
sendo os próprios professores os selecionadores dos conteúdos.
•
A opção pela escala “tipo Likert” para os alunos teve
por objetivo, buscar outros ângulos da mesma situação com a
intenção de chegar o mais próximo possível da realidade da
prática de ensino desenvolvida.
A diferença está no fato de que, com ela era possível atingir,
num período de tempo relativamente curto, um número
significativo de sujeitos, sem perder o rigor científico, obtendo ao
mesmo tempo a medição de concordância ou discordância a
respeito de diferentes afirmações. “No processo de coleta de
dados, o pesquisador pode optar por querer saber a quantidade
ou a freqüência com que o fenômeno ocorre em uma determinada
realidade. Evidentemente, seus resultados serão expressos em
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
45
número, porém se contextualizados e interpretados à luz da
dinâmica social mais ampla, sua análise será eminentemente
qualitativa...” (Franco, 1986, p.34-5).
A escala Likert exigiu um outro nível de organização, que
considerando também os pressupostos e questionamentos
apresentados anteriormente, contemplassem afirmações, que
fizessem referência ao processo de ensino como um todo.
O estudo e análise do material coletado foram feitos
considerando também peculiaridades de cada instrumento.
Tivemos que trabalhar primeiro com o depoimento dos
professores, para em seguida trabalhar com as escalas
preenchidas pelos alunos e só então pudemos estabelecer a
relação do conjunto de dados obtidos através dos dois
instrumentos.
Escolhemos como metodologia de análise da coleta de
depoimentos, a “análise de discurso”, por ser uma metodologia
que por si só garante uma rica produção de conteúdo (da fala oral,
materializada no texto escrito).
Partindo dos conteúdos apresentados pelo material empírico
que compõem os depoimentos e os objetivos da pesquisa,
procuramos trilhar um caminho de sistematização particular - de
cada depoente - para posteriormente buscar a composição geral,
que evidenciaria as categorias elegidas.
Assim, o discurso é caracterizado muitas vezes por
dispersões, por uma certa desordem, fazendo-se necessário,
realizar o desvelamento do conteúdo considerado. Das
aproximações sucessivas ao material de pesquisa, emergiram
diferentes categorias empíricas que serviram de base para uma
análise preliminar do material coletado.
Dos depoimentos dos professores emergiram: trajetória
profissional, elaboração de programas, conteúdo das disciplinas,
significado atribuído à disciplina, desenvolvimento das atividades
na sala de aula, relação que estabelecem com os alunos,
avaliação do processo de ensino, perfil do aluno, nível de
participação, significado que atribuem ao fato de serem
professores e o significado que atribuem à sala de aula.
46
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
Já com a escala, o procedimento consistiu inicialmente na
apresentação dos resultados por item4, para em seguida, buscar
no conjunto delas e de acordo com o conteúdo das afirmações o
estabelecimento das categorias, quais sejam: relação entre
objetivos da disciplina e da profissão; conhecimento e domínio de
conteúdo; valorização do ensino, da disciplina e sala de aula;
avaliação; relação entre professor e aluno; formação intelectual e
desenvolvimento de uma visão crítica; relação teórica e prática;
preparação do curso para a realidade social; a prática pedagógica
e o projeto profissional.
Finalmente, da interação e aproximação sucessivas entre
campo teórico e campo de referência empírica, emergiram as
categorias que subsidiaram a análise final do material coletado
- tanto nas entrevistas, quanto das escalas:
•
a sala de aula: conjunto de elementos que nos
permitem resgatar o significado atribuído a um espaço
determinado da relação pedagógica e da construção de
conhecimentos;
•
relação entre professor e aluno: conjunto de
elementos que nos permitem traçar um perfil da figura do
professor e do aluno no curso de Serviço Social e que, no
processo interativo favorece detectar o modo de produzir o ensino
e construir o conhecimento em Serviço Social;
•
a prática de ensino: conjunto de elementos e
procedimentos que caracterizam um modo de intervenção que
contempla um projeto político, um planejamento, um conteúdo,
uma metodologia de trabalho, uma relação educador / educando e
um processo de avaliação.
Conclusões: os Caminhos Apontados
A pesquisa que realizamos permitiu-nos destacar alguns
pontos que consideramos relevantes e que podem contribuir não
só para o debate sobre o processo de ensino em Serviço Social,
como também para futuras revisões curriculares.
Identificamos alguns elementos marcantes que procuramos
sistematizar em três categorias: o espaço da sala de aula, o papel
do professor e do aluno e a prática de ensino. Separar estas
4 Maior concordância, maior discordância e maior heterogeneidade de opiniões
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
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categorias foi um recurso metodológico utilizado para ressaltar a
análise, posto que no exercício do ensino elas não se dissociam e
não têm sentido isoladamente.
1) O papel que professores e alunos desempenham ou
representam na prática de ensino no curso de Serviço Social
O exame dos dados revela que no curso de Serviço Social,
professores e alunos tendem a corresponder a atitudes e
comportamentos incorporados socialmente ao que se representa
ser professor e ser aluno, sem muita reflexão sobre o significado
destes papéis.
O sentido atribuído ao “o que significa ser professor”,
apresenta-se multifacetado, e o que mais fortemente se destaca
nos depoimentos dos professores é a responsabilidade que
sentem pelo processo de formação. Expressam como objetivo
prioritário, conduzir o aluno à apropriação dos conhecimentos já
definidos pelo currículo.
O aluno caracteriza-se para os professores, como aquele
cuja condição de vida econômico-social assemelha-se a própria
clientela do Serviço Social. Nomeiam os alunos como
trabalhadores, associando a isto, uma visão paternalista da
pessoa do aluno, que é pobre, cansado, que não participa.
No entanto, não é isso que os dados empíricos mostram:
menos de 50% dos alunos trabalham, nenhum deles se queixa de
não participarem por cansaço, mas por não se sentirem motivados
a fazê-lo, ou porque a metodologia utilizada não contribui para
isso, ou ainda, pela impossibilidade de terem respeitado suas
idéias.
Os papéis desempenhados por professores e alunos
supõem uma prática de ensino onde um ensina e o outro aprende.
A figura do professor e do aluno, vinculada à idéia de
sujeitos articuladores de projetos que objetivem a criação, a
reconstrução, ou a construção de novos conhecimentos, nos
parece ainda uma proposta um tanto quanto ousada para os
cursos de Serviço Social.
Na verdade, cabe aos professores decidirem “o que fazer” e
“como fazer”, e para eles, sala de aula parece ser local em que se
dá a transmissão de conteúdo. Demonstram preocupação com o
48
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
acesso e domínio de conhecimentos já sistematizados e
produzidos.
2) A prática de ensino no curso de Serviço Social na visão de
seus protagonistas
Sem formação didática específica, buscam os professores
do curso no cotidiano da sala de aula, metodologias consideradas
mais adequadas para o desenvolvimento do trabalho.
As metodologias de ensino utilizadas (aula expositiva, aula
expositiva dialogada e estudo de textos) indicam a manutenção de
padrões já amplamente experimentados. Embora nos discursos
desvelem a intenção de estilo de atuação docente com
características democráticas, os procedimentos adotados
explicitam uma condução de curso pouco participativa.
Contraditoriamente os professores vêem os alunos ainda
dependentes e pouco participativos.
A tentativa de inovar está muito mais relacionada à
necessidade de prender a atenção do aluno, a que de construir
um projeto político e educativo mais dinâmico, condizente com as
expectativas e necessidades do presente.
A questão metodológica parece ser vista de forma reduzida,
mais limitada à dimensão técnica do trabalho, ou seja, com
características de natureza mais instrumental do que articuladora
de saber.
Os professores continuam desenvolvendo a prática de
ensino alicerçada em velhos modelos, tendo como justificativa a
não participação dos alunos. Em contrapartida, os alunos dizem
que se sentem desmotivados porque não podem expressar seus
pontos de vista. Este é um primeiro ponto crítico do curso: os
alunos adotam uma teoria que lhes possibilita realizar análise
crítica da realidade social, mas que lhes é imposta pelo processo
de formação.
A formação profissional parece concentrar excessiva
preocupação com a teoria e “solidez científica” mais pouca
preocupação com a atividade prática. O aluno se queixa da
ausência de análise do estágio prático como campo que
possibilita a articulação de sua formação teórico-prática.
Este seria o segundo ponto crítico do curso: a análise do
estágio enquanto espaços de aprendizagem profissionais
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
49
precisam ser efetuados também no contexto do ensino teóricoprático do curso. Caso contrário, pode acarretar cada vez mais o
descolamento e a desarticulação entre o discurso acadêmico e o
cotidiano da ação profissional.
Os professores precisam trazer para o interior da sala de
aula a prática profissional, procurando compô-la à própria
essência do processo de formação dos alunos. Contribuir para o
estabelecimento de uma relação entre os conhecimentos já
produzidos na profissão e a realidade cotidiana da prática de
estágio faz parte da prática de ensino na profissão, assim, o
cotidiano refletido se transforma em conhecimento ativo.
Mas, há que se perguntar então: qual a verdadeira causa da
desmotivação dos alunos: seria o cansaço? Seria o ritmo da aula?
O pouco respeito a seus modos de pensar? Ou seria ainda, a
dificuldade em estabelecer relação entre o conteúdo teórico e a
prática de estágio?
Envolver os alunos de forma participativa, nos processos de
reflexão, de troca de experiência, de construção conjunta, revelase um desafio. No discurso dos professores a participação
imprescindível, mas os alunos questionam se esse interesse é
verdadeiro.
Decorrente deste modelo de ensino, os alunos afirmam que
não participam porque não podem expressar seus pontos de vista,
e porque, de certa maneira existe uma direção ideológica no
currículo que lhes suscita a formação de um pensamento crítico,
mas que não lhes permite reflexão aberta, democrática.
O curso de Serviço Social tem como matéria viva, o combate à
exclusão social; no entanto, o próprio professor cultiva um modo de
exclusão dentro da sala de aula ao impor seu conhecimento, suas
idéias, sua ideologia, aceitando a passividade do aluno.
Nesta perspectiva, a prática de ensino tem se revelada
extremamente reprodutora de uma relação social de opressão.
Estabelecer um clima de respeito entre sujeitos é condição
necessária para que o ensino cumpra suas finalidades e
consubstancie outra orientação à formação profissional.
Um processo educativo se define por atitudes, valores e
pela clareza de suas finalidades; não há na prática de ensino no
curso de Serviço Social, atitudes, que revelem preocupações em
alterar esta condição formativa, ainda participação e decisão
50
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
constituem iniciativas que poderiam contribuir para a inovação,
recriação e possibilidade de superar esse eterno movimento
reprodutivo.
Outro aspecto que reafirma a presente análise refere-se à
queixa dos alunos quanto ao fato dos professores dizerem-se
“especialistas de um campo de saber”.
Essa afirmação demonstra um certo paradoxo que se
estabelece entre o discurso e a ação docente, reproduzindo na
relação entre professor e aluno, clara contradição entre o que é
proposto pela profissão e o agir profissional. De certo modo, o
aluno ainda é objeto e não sujeito do conhecimento.
3) Significado atribuído ao espaço da sala de aula no processo
de formação profissional dos alunos do curso de Serviço Social
O material empírico mostra contradições. Para o professor,
a sala de aula é um lugar objetivo, concreto, real que permite a
relação direta com os sujeitos de sua atividade profissional; os
alunos. É o lugar onde aprende a conhecer o aluno, de refletir
desenvolver conteúdos e construir conhecimento.
Este espaço é considerado pelos professores como nuclear
na atividade do ensino, o mais relevante no processo de formação
profissional do aluno.
O aluno já não atribui tanto valor, ou a mesma força de
significado à sala de aula porque, ele tem uma expectativa maior
em relação à realidade social e à capacidade interventiva da
profissão. Parece que o professor através do currículo, dos
conteúdos e das disciplinas priorizadas no Serviço Social, não
consegue aproximar-se do próprio objeto da profissão, a própria
situação e realidade social.
A sala de aula não é um locus fixo, rígido, como espaço
demarcado, fechado. É um campo de criação, de debate, de
construção, de reflexão, de interação. Não tem limites, a não ser
aqueles postos pelos modos como dela nos ocupamos.
Optar por uma prática de ensino fundamentado em novos
referencial educativo como os propostos pela Pedagogia
Histórico-Crítica, parece uma possibilidade ainda remota. A
compreensão de que professores e alunos constituam-se em
sujeitos articuladores de projetos que objetivem a criação, a
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
51
reconstrução ou a construção de novos conhecimentos, consiste
uma proposta a ser alcançada.
Um currículo é a expressão de uma determinada concepção
teórico, político - metodológica; precisa guardar coerência para
atingir expressividade. Como o novo projeto curricular pode ter
parceiros, se os alunos não conhecem de forma explícita este
projeto?
A implementação efetiva de um currículo supõe uma
seleção intencional de conteúdos, mas também o confronto entre
a organização curricular e os objetivos educacionais. Isso significa
construir a base do processo de formação: não se ensina aquilo
que não se faz.
Contemporaneamente, a ABEPSS, ao definir um currículo
que busca romper com uma visão fragmentada da realidade,
privilegia uma formação crítica e comprometida com a
transformação social; para empreender esta proposta necessita
de parceiros que sejam capazes de desenvolve-la. Isto requer
mais investimentos na área docente, maior valorização da
atividade de ensino, debates mais abertos entre outros.
Trabalhar de forma diferenciada do que aí está posto,
exigiria um esforço e compromisso de professores e alunos. Se
por um lado é necessário criar uma nova postura do professor em
relação ao aluno, buscar descobrir novos caminhos de
intermediação na efetivação da prática do ensino é preciso
também que o aluno ultrapasse o caminho da reprodução do
conhecimento, supere a atitude passiva, de ouvinte, e exercite a
crítica. Isso significa redimensionar o papel do professor e do
aluno, ambos agentes do processo, pois não há transformação do
aluno, se não houver transformação do professor.
Cabe a professores e alunos descobrirem-se sujeitos no
processo de ensino. A forma de realização disto se dá através de
uma reflexão sobre a prática de ensino pautada no real, não no
ideal: os alunos não são aquilo que os professores gostariam que
fossem, nem os professores aquilo que os alunos gostariam. Se
querem participação, porque dão tantas aulas expositivas? Porque
dirigem o estudo de texto? Porque avaliam os alunos através de
provas que exigem reprodução de idéias? Porque não trabalham
as questões do estágio? Porque trabalham conteúdos
ideologicamente orientados?
52
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
Instaurar junto aos professores e alunos um processo de
reflexão sobre a prática de ensino nos cursos de Serviço Social,
explicitando seus fundamentos, seu sentido político, seu caráter
mediador, constituem-se componentes necessários para a sua
reformulação.
Para além de um projeto profissional fundado em uma
ideologia transformadora, há que se construir uma prática
educativa coerente com este projeto de formação profissional, que
na perspectiva Histórico-Crítica requer também um pensamento
pluralista. Não se constrói um currículo em função exclusiva de
uma profissão, mas em função de um projeto educativo.
A ausência deste debate colabora para o exercício de uma
prática intuitiva, que não é tomada como matéria de análise,
reflexão, investigação, questionamento e, conseqüentemente de
aperfeiçoamento.
O material empírico evidenciou que esta preocupação deve
ser colocada. São dados que dão conta de uma realidade onde
coexistem concepções e práticas diferenciadas, muitas vezes até
contraditórias. No conjunto, eles ajudam a entender, para além do
espaço da sala de aula, uma concepção de universidade e de
educação. Neles estão expressos algumas dificuldades e algumas
possibilidades que devem ser consideradas para se encaminhar à
revisão do novo projeto curricular do curso, numa perspectiva de
uma formação emancipatória e plural.
A relação professor e aluno, a prática pedagógica, os
objetivos das disciplinas, seus conteúdos, o estágio prático e a
própria sala de aula são temas que merecem maior rigor.
Nesta perspectiva a sala de aula é o locus que possibilita
estabelecer relações entre a prática de ensino, os pressupostos
teóricos que a embasam e o projeto maior que a formação
profissional e a universidade definem para si.
A transposição de um currículo para outro, jamais poderá
ser garantida considerando apenas o aspecto do conteúdo
programático do curso. Há que se pensar os “porquês”, “para
quem”, o “como” e “aonde chegar”. Há que se considerar o que
ocorre de fato na sala de aula. Significa perguntar o que
professores e alunos estão fazendo e o porquê desta ação.
Temos hoje a certeza que estas questões precisam ser
colocadas em debate, quando se quer rever um projeto de
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
53
formação profissional ou se quer propor um projeto de revisão
curricular. Na verdade a sala de aula precisa ser entendida como
parte integrante no momento de uma revisão curricular, porque é
ali que efetivamente se estabelece a relação do que ensinar, por
que ensinar, como faze-lo e aonde chegar. Significa perguntar o
que professores e alunos estão fazendo e o porque desta ação.
O grande desafio a ser enfrentado é exatamente o de
manter-se uma concepção crítica da profissão, mas também uma
concepção crítica da educação, ao mesmo tempo em que se
busque uma proposta que a viabilize de forma diferenciada. Para
isso nossa interlocução deve expandir dos horizontes internos,
deve expandir os limites da categoria, ampliando nossos debates
principalmente junto à Educação.
ANDRADE, M.A.R.A. The practice of the teaching in the course of Social Service
- necessary reflections. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.3156, 1999.
•
ABSTRACT: The present study privileges the "classroom" as an
investigative and priority field, trying to discover the most important elements
of the teaching practice in the course of social service.
•
KEY WORDS: Professional formation, teaching practices, classroom.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999
55
O SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA EDUCAÇÃO
Eliana Bolorino Canteiro MARTINS*
•
RESUMO: Apresentação da experiência do Serviço Social na área da
educação, realizada no período de 1995 à 1997, no projeto de extensão
universitária da Faculdade de Serviço Social - Instituição Toledo de Ensino
de Presidente Prudente. O relato pretende explicitar a constatação de uma
demanda real, posta para o Assistente Social dentro da escola pública,
considerando a urgência histórica de enfrentamento das questões sociais
que perpassam a escola de hoje, com vistas a luta por uma escola nova. O
principal objetivo da atuação do Serviço Social na área da educação é
contribuir para o ingresso, regresso, permanência e sucesso da criança e
adolescente na escola, intervindo nas questões sociais que interferem no
processo de ensino/aprendizagem. A intervenção do Serviço Social foi
realizada a nível micro (unidades escolares) e macro (delegacia de ensino)
desenvolvendo as seguintes ações: apoio e orientação as famílias/alunos;
capacitação dos educadores no trato das questões sociais; articulação da
educação com as organizações governamentais e não governamentais. O
principal resultado desta experiência é que o Serviço Social proporcionou
um elo de articulação entre os sujeitos do contexto escolar-familiarcomunitário, possibilitando a efetivação do projeto sócio-pedagógico que
possibilita uma gestão flexível, participativa, interconectando agentes e
serviços numa rede de complementariedade, para o atendimento das
demandas da população alvo das políticas educacionais.
•
PALAVRAS CHAVE: Educação, Serviço Social, Formação profissional.
Introdução
Este estudo, pretende explicitar como a experiência do Serviço
Social na área da Educação, se constituiu, mostrando a real
demanda posta para o Assistente Social dentro da escola pública.
Para compreender a relação da educação com o Serviço
Social, torna-se indispensável esclarecimentos sobre as
concepções fundantes da presente análise.
O Serviço Social, inserido no quadro sócio-histórico, é uma
profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, que
surgiu num dado contexto histórico, para atender a determinadas
*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Faculdade de
História, Direito e Serviço Social - UNESP - Franca/SP.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
57
necessidades sociais. No momento em que o Estado se amplia
visando tratar as seqüelas das questões sociais, acirradas pelo
estágio de desenvolvimento do capitalismo (monopolista) é que
surge este espaço sócio-ocupacional para a profissão.
Portanto as demandas atendidas pelo Serviço Social estão
imbricadas nas alterações que ocorrem na sociedade, isto é, no
mundo do trabalho, nas esferas governamentais e não
governamentais.
Na contemporaneidade o agravamento das múltiplas
expressões da questão social, base sócio-histórica da requisição
social da profissão, requer do profissional apropriar-se dessas
demandas como espaços de intervenção.
Por outro lado, a “Educação” também se opera num processo
dialético com a totalidade, não podendo deslocá-lo do processo
político econômico presente na sociedade, hoje globalizada que
vem colocando a educação como prioridade mundial.
Observa-se que, nos últimos anos apesar do esforço, do
investimento financeiro técnico pedagógico nas escolas, a
incidência dos fatos e dados estatísticos revelam o fracasso
escolar, a violência presente no interior das escolas. Os reflexos
das questões sociais estão cada dia mais presentes na escola
dificultando o cumprimento de sua finalidade maior, contribuir na
formação da cidadania dos brasileiros.
É importante esclarecer que não há intenção de discordar
da pedagogia histórico-crítica, cuja função e especificidade da
escola é a transmissão do conhecimento socialmente acumulado
pela sociedade, porém questiona-se como desempenhar esta
função básica na atual conjuntura social.
O reequacionamento do papel da educação no mundo
contemporâneo é inevitável, vivemos a terceira revolução
industrial, com profundas alterações no mundo do trabalho e nas
relações sociais, cabendo a educação uma agenda exigente e
desafiadora, considerando sua importância neste contexto.
O projeto ético-político do profissional do Serviço Social,
técnico compromissado política e socialmente com as demandas
das classes populares, lutando pela cidadania, democracia,
equidade e justiça social demonstram o ponto de conversão com a
educação, na identidade social e política destes profissionais e
nos objetivos pelos quais acreditam e lutam.
58
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
Desenvolvimento
1 – Histórico
A Faculdade de Serviço Social da Instituição Toledo de
Ensino de Presidente Prudente, com intuito de efetivar a função
social da Universidade, prestando serviços a comunidade, bem
como proporcionar aos alunos a efetivação da relação teóricoprática, através do espaço adequado para vivenciar a prática
profissional – estágio supervisionado, organizou o Projeto de
Extensão Universitária1 – Serviço Social da Área da Educação.
Segundo Fernandes, Silva, Joanini (1998) a extensão é
inerente a profissão, dada a especificidade do Serviço Social, logo
está inserida na totalidade e no contexto do processo educativo,
permitindo estreitar a relação Faculdade-Professor-AlunoSociedade, no sentido de interação, complementação e
modificação recíproca; a compreensão interdisciplinar das
questões sociais; o redimensionamento do espaço, onde se dá o
ato de aprender, da sala de aula a um contexto social mais
imediato e vice-versa; o vínculo orgânico com a população no
exercício da cidadania: a concretização do compromisso social da
Universidade junto a sociedade.
Os determinantes que contribuíram para a opção da
implantação deste projeto na educação foram os seguintes:
•
Momento histórico da política educacional do Estado
de São Paulo, com a organização e implantação da “Escola
Padrão”, efetivando os princípios de democratização do ensino,
autonomia das unidades escolares e enfatizando a participação da
família e da comunidade na escola;
• A análise crítica da realidade da escola pública e as
determinações das questões sociais que incidem no processo de
1
“A extensão é inerente a profissão, dada a especificidade do Serviço Social,
logo está inserida na totalidade e no contexto do processo educativo,
permitindo estreitar a relação Faculdade-Professor-Aluno-Sociedade, no
sentido de interação, complementação e modificação recíproca; a
compreensão interdisciplinar das questões sociais; o redimensionamento do
espaço, onde se dá o ato de aprender, da sala de aula a um contexto social
mais imediato e vice-versa; o vínculo orgânico com a população no exercício
da cidadania: a concretização do compromisso social da Universidade junto a
sociedade”. Fernandes, Maria C.T.; Silva, Mathilde A.B. da; Joanini, Sandra
C.F.; título etc.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
59
ensino-aprendizagem que extrapolam a prática pedagógica mas
estão presentes no espaço escolar.
Estes fatores culminaram na possibilidade de demonstrar,
através de práxis profissional, o espaço sócio-ocupacional do
Serviço Social como um recurso a mais, contribuindo para o
enfrentamento dos fenômenos de ordem social.
Na trajetória histórica do Projeto de Extensão Universitária é
possível destacar dois momentos: no período de 1992 a 1994, a
atuação foi realizada em três escolas padrão da Rede Oficial de
Ensino de Presidente Prudente e no período de 1995 a 1997 o
projeto foi desenvolvido em duas escolas públicas e na Delegacia
de Ensino.
A experiência vivenciada pela autora foi no segundo período
citado ao qual se deterá esta apresentação.
2 – Objetivos da Prática Profissional do Serviço Social na
Área da Educação
• Contribuir para o ingresso, regresso, permanência e
sucesso da criança e adolescente na Escola Pública, intervindo
nas questões sociais que interferem no processo ensino
aprendizagem.
• Favorecer a relação família-escola-comunidade
ampliando o espaço de participação destas na escola, incluindo a
mesma no processo educativo.
• Ampliar a visão social dos sujeitos envolvidos com a
educação, decodificando as questões sociais.
• Proporcionar articulação entre educação e as demais
políticas públicas e organizações não governamentais,
estabelecendo parcerias, facilitando o acesso da comunidade
escolar aos seus direitos.
3 - Concretização da proposta de intervenção do Serviço
Social na área da Educação
O trabalho do Serviço Social na área da educação foi
realizado em duas unidades escolares e na Delegacia de Ensino
de Presidente Prudente.
Intervir nestas duas instâncias de prestação de serviços da
Política Educacional emerge do desafio de relacionar as situações
60
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
singulares presentes no cotidiano das unidades escolares a um
contexto mais amplo, visando um trabalho coletivo e
interdisciplinar que multiplique as ações para todas as unidades
escolares.
O primeiro procedimento do Serviço Social foi aproximar-se
da realidade educacional, desvendando as múltiplas expressões
das questões sociais que envolvem a população, alvo de
intervenção, construindo um acervo de dados e informações sobre
a vivência dos indivíduos neste contexto.
O processo de investigação, pressuposto da ação do
Serviço Social, encarado como componente indissociável do
exercício profissional, possibilitou refletir sobre a demanda
institucional e profissional.
Segundo Pontes (1995, p.168), a demanda institucional é
compreendida como os resultados esperados dentro do objetivo
da instituição e a demanda profissional é a legítima demanda
advinda das necessidades sociais dos segmentos demandatários
do Serviço Social. Está incorporada a demanda institucional, mas
não se restringe a mesma, devendo ultrapassá-la.
A construção da demanda profissional impõe ao profissional
a recuperação da mediação ontológica e intelectiva que dão
sentido histórico a particularidade do Serviço Social.
As bases teórico-metodológicas do Serviço Social
iluminaram a leitura crítica desta realidade, decifrando e clareando
as condições estruturais e conjunturais.
Para aproximar o Serviço Social do movimento da realidade
concreta, captando a gênese e manifestação das questões
sociais, foi utilizado a documentação existente, contatos formais e
informais com todos os segmentos envolvidos pelo processo
educativo.
Considerando a demanda solicitada pela Unidade Escolar,
foi realizado uma pesquisa referente a evasão escolar, justificando
pelo fato da unidade apresentar o índice mais elevado da região
(18,78%).
Nesta mesma pesquisa foram levantadas as expectativas da
família em relação a escola e a atuação do Serviço Social.
O resultado da pesquisa foi muito significativo para o
Serviço Social. Em relação as famílias, constatou-se que
possuíam dificuldade de vislumbrar perspectivas de futuro, pela
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
61
ausência de condições dignas de vida e pela negação constante
de seus direitos.
No tocante a educação, os pais reproduzem os valores
ideológicos presentes no discurso da sociedade, valorizando o
“estudo” como a única forma de obter ascensão social. Mas por
não compreenderem a dimensão e a complexidade da educação,
atribuem aos seus filhos a culpa pelo fracasso escolar,
desmotivando-os para o estudo.
De forma geral os motivos que levam a evasão escolar,
relacionam-se em problemáticas inseridas na própria dinâmica
das relações sociais no interior da escola, consubstanciando-se
em falta de atrativo na escola até os problemas que desembocam
nos aspectos sócio-econômico-cultural das famílias.
A aproximação com o cotidiano destas famílias revelaram as
suas condições materiais de vida e principalmente os sentimentos
de inferioridade e incapacidade social, esculpidas historicamente,
por suas condições de classe subalterna.
As transformações societárias que emergem no mundo
contemporâneo, sob a égide do grande capital financeiro em
relação ao capital produtivo que agrava o desemprego. A redução
do emprego aliada a retração do Estado em suas
responsabilidades públicas na prestação de serviços e direitos
sociais, agrava a pobreza e a miséria, influenciando a vida escolar
das crianças e dos adolescentes.
Em relação aos educadores constatou-se dificuldades dos
mesmos para lidar com as determinadas situações sociais
apresentadas pelos alunos e famílias oriundas das classes
populares, que extrapolam a prática pedagógica mais incidem
sobre ela. Compreende-se aqui o social como o conjunto de
determinações ideológicas-políticas-econômicas e sociais,
presentes em um determinado contexto histórico e permeia a
instituição escolar e o processo educativo.
Enfim a análise das demandas revelam uma gama de
dificuldades enfrentadas pela escola-família, provenientes das
condições materiais, biológicas, sociais e culturais dos diferentes
sujeitos presentes neste cenário.
Este leque de situações apropriados e decifrados pelo
Assistente Social, constituíram demandas para a intervenção
profissional, tais como:
62
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
•
•
•
•
•
•
•
Problemas de dinâmica familiar
Problemas de saúde
Uso indevido de drogas
Problemas de sexualidade
Dificuldades sócio-econômicas
Freqüência irregular na escola ou evasão escolar
Dificuldades dos educadores no trato das questões
sociais
•
Desinteresse do aluno e família pela escola
Diante do exposto, na ótica da totalidade e na apreensão da
dinâmica da vida humana, a apropriação teórico-metodológica do
Serviço Social permitiu descobrir caminhos para a intervenção
profissional.
A utilização dos instrumentais técnico-operativos do Serviço
Social tais como: entrevista, reuniões, visita domiciliar, dinãmica
através de abordagens individuais e grupais foram o suporte para
desenvolver as seguintes ações:
•
Apoio e orientação à família-alunos
O Serviço Social facilitou o acesso das famílias-alunos aos
seus direitos, favorecendo a participação nos processos
decisórios no ambiente escolar, ampliando informações e
conhecimentos referentes a vida familiar e comunitária.
A ação sócio-educativa do Serviço Social com os pais e
alunos propiciou desencadear um processo de mudanças de
hábitos, modos de pensar, comportamentos e práticas nas
diversas relações sociais estabelecidas na sociedade.
O vínculo estabelecido com estas famílias possibilitou ao
Serviço Social captar as reais necessidades, interesses e
sentimentos, subsidiando novas alternativas de trabalho
envolvendo os educadores na própria unidade escolar e também
na Delegacia de Ensino.
Esta relação restabeleceu o diálogo escola-família dirimindo
dificuldades que interferem no processo educativo, concebendo a
criança e o adolescente como pessoas em condições peculiar de
desenvolvimento, formando-os como sujeitos de direitos e deveres
perante a sociedade.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
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Por outro lado, o processo educativo foi estendido a família,
fortalecendo-a como instituição responsável pela educação da nova
geração contando com o apoio complementar da instituição escola.
•
Capacitação dos educadores referentes ao trato
nas questões sociais
Ao propor esta ação o Serviço Social fundamentou-se na
noção de interdisciplinaridade, concebida como a construção do
conhecimento coletivo que deve elaborar-se num equilíbrio e
consonância, como um corpo humano, em pleno funcionamento.
Para funcionar, os membros precisam estar em sintonia.
Portanto, não importa a hierarquia, a dimensão do seu
papel, o importante é funcionar o conjunto.
O primeiro passo deste processo foi conhecer-nos
mutuamente, as especificidades do saber, os desejos e as
aspirações com o objetivo de efetivar um projeto único de
educação democrática, formando cidadãos críticos.
O Serviço Social foi conquistando espaços, demonstrando a
sua contribuição técnico-profissional na consecução das metas e
objetivo da política educacional, participando portanto do resultado
global do trabalho coletivo.
Nas unidades escolares esta ação ocorreu através das
Reuniões de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo - HTPC,
quinzenalmente reservadas para o Serviço Social. A oportunidade
de refletir diversos temas de interesse dos professores
enriqueceram o saber dos educadores no que tange as questões
sociais e seus desdobramentos no cotidiano familiar e escolar das
classes populares.
Este processo de ação - reflexão, vice-versa, desencadeou
o fortalecimento da consciência crítica, valorizou a prática
democrática, desmestificando concepções cristalizadas, muitas
vezes, focalizando apenas no aluno/família, a culpa por suas
condições de vida, comportamentos e o fracasso escolar,
desvinculados da análise da estrutura e conjuntura.
Na Delegacia de Ensino, foi realizado, a priori, uma análise
institucional permitindo uma leitura da realidade, considerando os
aspectos objetivos e subjetivos, através de dados, documentos e
informações, compreendendo-a como um organismo vivo,
dinâmico e contraditório.
64
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
O resultado deste trabalho, culminou na organização de um
documento sobre a “Estrutura e Funcionamento da Delegacia de
Ensino”, resgatando inclusive seu histórico e objetivos, enquanto
instância
governamental
responsável
pela
execução,
acompanhamento e avaliação administrativa e técnica da Política
Educacional Estadual.
Este documento foi divulgado para todos os setores da
Delegacia de Ensino, oferecendo aos funcionários uma visão
ampla, totalizante da Instituição.
Avançar no conhecimento a quem se dirige os serviços
profissionais do Assistente Social, atribui feições, limites e
possibilidades no exercício profissional. Neste sentido, este
trabalho, aproximou o Serviço Social da Oficina Pedagógica (setor
da Divisão de Ensino, cujo objetivo maior é a capacitação técnicopedagógica dos educadores das unidades escolares),
constituindo-se uma parceria. O Serviço Social foi incluído nesta
equipe como um recurso a mais, na capacitação dos educadores,
agentes
multiplicadores,
com
informações,
orientações
específicas de domínio do conhecimento do Assistente Social,
através dos encontros, debates, reuniões, entre outros.
Dentre as ações desenvolvidas, foi marcante a realização,
por iniciativa do Serviço Social, do I Encontro sobre “Infância e
Juventude na Perspectiva das Políticas Públicas de Assistência
Social e Educação: a busca de caminhos”, com a presença do
pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, articulando pela
primeira vez as diversas instâncias governamentais, municipais e
estaduais.
Outra conquista do Serviço Social, foi participar da equipe
interdisciplinar composta pela Delegacia de Ensino contando com
os seguintes segmentos:
• Assessoria de Planejamento
• Assistência Técnica-Pedagógia - Oficina Pedagógica
• Assessoria Jurídica
• Supervisão de Ensino
• Serviço Social - Projeto de Extensão Universitária
• Psicologia.
A inclusão do Serviço Social nesta equipe, apesar de não
estar inserido na estrutura administrativa da Delegacia de Ensino,
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
65
confirma o apoio e reconhecimento do Serviço Social pelos
educadores.
•
Articulação da educação com os órgãos
governamentais e não governamentais
“A luta pela efetivação da democracia e da cidadania é
indissociável da ampliação progressiva da esfera pública, em que
se refratam interesses sociais distintos, enquanto ultrapassa a
lógica privatista no trato social em favor dos interesses da
coletividade.
Ao alcançar a cena pública, os interesses das maiorias
adquirem visibilidade tornando-se passíveis de serem
considerados e negociados no âmbito das decisões políticas.
A esfera pública deve transcender a forma estatal ou privada
e articular sociedade civil e estatal para atender os interesses das
classes populares” (Iamamoto, 1998, p.11).
Partindo destes pressupostos e considerando a
complexidade das relações sociais neste universo acelerado de
modificações estruturais e conjunturais, evidencia-se que somente
o esforço e desempenho isolado dos interlocutores presentes no
âmbito da educação não serão suficientes para efetivar a função
social da escola, de acordo com a expectativa e demanda da
sociedade neste virada de século.
Democratizar a escola, abrangendo o espaço comunitário,
articulando a outras organizações governamentais e não
governamentais, é um esforço necessário tanto para a escola
como para a sociedade, sendo a mesma o locus do processo
educativo, ancorando a esperança de efetivar e ampliar os direitos
inerentes a cidadania.
O Serviço Social concentrou grandes esforços neste
sentido, tendo como resultado a negociação de algumas
parcerias, tais como:
• Secretaria Municipal de Assistência Social, Saúde e
Educação, visando a implantação do Centro Diagnóstico e
Tratamento a Criança e Adolescentes com necessidades
especiais;
• Secretaria Municipal de Assistência Social Departamento de Ação Comunitária.
66
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
Articular as Unidades de Ensino ao Projeto Criança Cidadã,
desenvolvido nos núcleos descentralizados, bairros considerados
bolsões de pobreza de acordo com o “Mapa de Exclusão Social
de Presidente Prudente”. O objetivo deste projeto é desenvolver a
ação sócio-educativa com estas crianças e famílias, visando a
permanência e sucesso escolar.
• Conselho Tutelar de Presidente Prudente.
A Delegacia de Ensino e o Conselho Tutelar organizaram
um fluxograma facilitando os procedimentos jurídicos-sociais dos
canais competentes, com a finalidade de concretizar as novas
diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que
concerne a educação.
• Fórum de Presidente Prudente - Vara da Infância e
Juventude.
Integrar a Delegacia de Ensino (Unidades Escolares), a
Rede Criança, cujo objetivo é a prevenção, notificação e
encaminhamentos da Violência Doméstica.
A relação do Serviço Social com as demais instâncias
permitiu o acesso da comunidade escolar aos serviços sociais das
diversas políticas sociais além de aglutinar forças progressistas
comprometidas com a formação de projetos societários de
interesse da população, criando propostas alternativas de ação
conjunta.
4 - Estágio supervisionado: relação Assistente Social estagiários na Educação
O objetivo principal do estágio supervisionado é aproximar o
conhecimento de cunho teórico-metodológico ao exercício da
prática profissional cotidiana, proporcionando ao estagiário, a
utilização de estratégias técnico-operativas que correspondam a
demanda posta para a profissão, na área específica “Campo de
Estágio”.
O Projeto de Extensão Universitária - Serviço Social na área
de educação, por contar com um supervisor-professorprofissional, contribuiu no processo
de aprendizagem dos
estagiários, pois a prática docente, possibilita relacionar as
diretrizes curriculares com a prática profissional. O
estabelecimento dos eixos necessários para a relação teóricoServiço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
67
prática, facilita a compreensão do aluno sobre o trabalho do
Assistente Social.
O aluno deve adquirir visão crítica daquilo que está fazendo,
refletindo: O que fiz? Como fiz? Por que fiz?
Portanto o processo de supervisão em Serviço Social,
pressupõe do Assistente Social clareza da concepção de
educação e da própria profissão.
Constatou-se que os 20 estagiários que participaram do
Projeto de Extensão tiveram oportunidade de planejar, executar e
avaliar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social,
despertando a percepção crítica da realidade, indicando propostas
de ação, bem como reconhecendo e defendendo os princípios
éticos-profissionais do Serviço Social, através do processo de
supervisão.
Os resultados perseguidos pelo Assistente Social supervisor
foram os seguintes:
•
Favorecer o acompanhamento ético-político e a
aplicação dos paradigmas teóricos-metodológicos do Serviço
Social;
•
Possibilitar ao estagiário contato com a prática
profissional do Assistente Social e de outros profissionais,
compreendendo a dimensão do trabalho em equipe
interdisciplinar;
•
Desvendar, no cotidiano profissional, o modo de
viver e pensar das classes subalternas, contribuindo com
práticas alternativas, articulando parcerias com o Estado e
Sociedade Civil;
•
Visualizar novos horizontes de práticas profissionais,
para enfrentamento das questões sociais.
A intervenção do Serviço Social na área da educação, por
ser um espaço rico em determinações sócio-econômica-culturais,
contribui significativamente para o projeto de formação
profissional.
Considerações Finais
“É preciso romper a estagnação e realizar a travessia, pois é no
meio da travessia que o real se dispõe para gente”. (Guimarães
Rosa)
68
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
A escola não pode ser pensada independente do modo de
visa e de produção das condições de existência em seu conjunto,
ou seja, de uma estrutura social determinada, contraditória e em
movimento. Deve ser pensada sempre tendo como referência a
sociedade concreta, da qual é parte integrante e indispensável,
isto é, o conjunto das relações próprias do capitalismo.
Iluminar nossas reflexões neste sentido, significa
compreender que a escola é o espaço institucional mais presente
no cotidiano de vida das classes populares, onde afloram uma
gama de refrações da questão social. Nesta lacuna, na
intercessão entre escola-família-comunidade, é que o Serviço
Social poderá contribuir como mais um recurso na área da
educação.
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação, reflete o
movimento histórico da sociedade explicitando a sua
intencionalidade de privilegiar a aproximação dos sujeitos
envolvidos no processo educativo, vinculando-se ao mundo do
trabalho e a prática social.
As avaliações quanti-qualitativas realizadas com os sujeitos
envolvidos com a práxis profissional do Assistente Social no
Projeto de Extensão Universitária, revelam a repercussão e
aceitação do Serviço Social na Escola Pública.
O principal resultado desta experiência é que o Serviço
Social proporcionou um elo de articulação entre os sujeitos do
contexto familiar-escolar-comunitário, possibilitando a efetivação
de um projeto sócio-pedagógico que visa uma gestão flexível,
participativa, interconectando agentes e serviços numa rede de
complementariedade, para o atendimento das demandas da
população alvo das políticas educacionais.
Notamos e vivenciamos a existência do espaço sócioocupacional no Serviço Social na Educação como uma nova
demanda profissional, sendo a educação uma prioridade diante
das transformações societárias no mundo contemporâneo.
A intencionalidade do Serviço Social no ambiente
educacional é contribuir com a função social da escola,
construindo espaços de intervenção nas relações sociais
estabelecidas no seu interior e na comunidade onde a mesma se
insere. Considerar para isto, o movimento dialético, o espaço, o
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
69
tempo, os sujeitos e as correlações de forças existentes na
realidade contextualizada política-cultural e socialmente.
Portanto a prática do Serviço Social aponta algumas
atribuições na escola pública:
•
Melhorar as condições de vida e sobrevivência das
famílias-alunos;
•
Favorecer a abertura de canais de interferência dos
sujeitos nos processos decisórios da escola;
•
Ampliar o acervo de informações e conhecimentos, a
cerca do social, da comunidade escolar;
•
Estimular a vivência e o aprendizado do processo
democrático no interior da escola e com a comunidade;
•
Fortalecer as ações coletivas;
•
Efetivar pesquisas que contribuam para a análise da
realidade social dos alunos-família;
•
Maximizar a utilização dos recursos da comunidade;
•
Contribuir com a formação profissional do Assistente
Social, oferecendo campo de estágio adequado as novas
exigências do perfil profissional.
A visão de globalidade da vida humana, característica do
conhecimento profissional do Serviço Social, possibilita ao mesmo
tempo conhecer para intervir:
•
O processo histórico da sociedade;
•
Os aspectos políticos-sociais-econômicos e culturais
da sociedade;
•
As relações sociais que se estabelecem nesta
realidade social;
•
Os protagonistas presentes nestas relações: pessoas,
grupos, movimentos, instituição, partidos, enfim todos os
seguimentos da sociedade.
Portanto o Assistente Social é um técnico que tem
compromisso com uma prática competente: técnica, teórica e
política, investindo na ampliação e qualificação dos serviços
prestados pela educação.
MARTINS, E.B.C. The Social Service in the area of education. Serviço Social &
Realidade (Franca), v.8, n.1, p.51-72, 1999.
70
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
•
ABSTRACT: Presentation of the experience of the Social Service in the area
of Education, realized in the period from 1995 to 1997, in the university
extension project of the Social Service College "Instituição Toledo de
Ensino" of Presidente Prudente. The report intends to explain the
verification of a real demand analysed by the social worker of the public
School, considerind the historical urgency to face the social subjects that we
find in the school today. The main objective of the perfomance of the Social
Service in the area of the Education is to contribute for the entrance, return,
permanence and the child's success and adolescent in the school,
intervening in the social subjects that interferes in the teaching/learning
process. The intervention of the Social Service process was concerned to
schools, "Delegacia de Ensino" and teaching developing the following
actions: Support and orientation of the families/students; the teachers'
training in the treatment of the social subjects; articulation of the education
with the government and not government organizations. The main result of
this experience is that Social Service joined the subjects of the schoolfamily-community facilitating the realization of the social pedagogic project
that facilitates a flexible administration, participation, interconnecting agents
and services in a large net to attend the students.
•
KEY WORDS: Education, Social Service, professional formation.
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72
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL E A
CONSTRUÇÃO DO SEU PROJETO ÉTICO-POLÍTICO
Raquel Santos SANT'ANA*
•
RESUMO: Este artigo faz uma reflexão sobre os desafios postos ao serviço
social na efetivação de seu projeto ético-político, no atual contexto. As
contradições postas por esta realidade social vão ter uma rebatimento direto
nas profissões. Para entender o serviço social, hoje, procura-se fazer uma
breve retrospectiva histórica destacando elementos do contexto social e,
também, as reservas teóricas metodológicas acumuladas pela profissão na
construção de seu projeto ético-político.
•
PALAVRAS CHAVE: serviço social, trajetória histórica e projeto ético-político
do serviço social.
Este artigo faz uma reflexão sobre o serviço social como
profissão inserida na divisão sócio técnica do trabalho e que traz,
portanto, no bojo de sua ação cotidiana os rebatimentos dos
diversos momentos históricos. A nossa reflexão sobre os desafios
postos ao serviço social neste fim de século é realizada a partir de
uma breve retomada de sua trajetória e do reconhecimento da
estrutura sincrética que é um elemento que marca profundamente
a profissão. Esta estrutura sincrética, como afirma Netto (1996)
decorre de três elementos fundamentais: o contexto, o tipo de
demanda posta ao serviço social e à sua dimensão
eminentemente interventiva. As respostas que a profissão pode
dar a estas questões evidentemente ultrapassam o âmbito
específico do serviço social, porém o enfrentamento dos desafios
passa, também, pelo acúmulo teórico-metológico atingido pela
categoria profissional; daí a importância da discussão sobre o
projeto ético-político do serviço social e o empenho na superação
do hiato, hoje, existente entre a vanguarda profissional e a base
da categoria. É preciso reconhecer que as profissões são campos
de luta e muito ainda há para ser percorrido pelo serviço social.
O Serviço Social no Brasil e as marcas de sua trajetória histórica
No movimento da história, o capitalismo se institui como
modelo societário e cria relações sociais, políticas, econômicas e
*
Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
73
culturais marcadas por sua lógica que, hoje, possui hegemonia em
nível planetário.
A mercantilização da vida se plasma no mundo da
mercadoria. As desigualdades sociais e o empobrecimento
relativo (ou absoluto) da classe trabalhadora assumem uma
aparência cada vez mais naturalizada. A complexidade das
relações sociais, o avanço tecnológico, o embate entre as classes
sociais e seus diversos segmentos vão estabelecendo mudanças
acirradas no Estado e em suas formas de manter o controle
social. No mundo do trabalho, diferentes formas de produzir e
administrar alteram toda a dinâmica do processo produtivo.
As profissões se modificam de acordo com a divisão social
do trabalho, o avanço tecnológico, o embate entre as classes.
Algumas se subalternizam ou desaparecem, outras se
desenvolvem e ganham destaque. Essas mudanças reproduzem a
tensão característica das relações capitalistas, em sua lógica
implacável pelo lucro. As profissões, no entanto, são exercidas por
homens e mulheres que, ao se constituírem como sujeitos sociais
interferem no processo remodelando-o, fazendo adaptações,
resistindo e criando alternativas.
O Serviço Social é uma dentre tantas outras profissões
criadas pelo capitalismo para satisfazer suas necessidades.
Inserido na divisão sócio-técnica do trabalho, o assistente social é
um profissional requisitado pelo capital para manter o controle
político e ideológico das classes trabalhadoras.
Uma das peculiaridades da profissão é a sua origem ligada
às práticas de assistência e caridade realizadas por entidades
religiosas ou filantrópicas.1 Na realidade, a caridade e a filantropia
sempre estiveram presentes nas relações entre os homens, mas
assumem diferenciadas formas de ser e aparecer nos vários
períodos históricos. É a partir da sociedade moderna, com a
ascensão do capitalismo, que estas práticas irão ser mediadas
pelo Estado que passa a requisitar profissionais especializados
para a sua execução.
1
A prática assistencial de cunho religioso desdobrou-se em vários estigmas para
a profissão. Estevão (1984, p.7), para elucidar esta marca da profissão, define
o assistente social de acordo o imaginário popular dos anos 70: “É a moça
boazinha que o governo paga para ter dó dos pobres”.
74
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
Iamamoto (1985) utiliza o termo “modernos agentes da
filantropia e caridade” para referir-se aos profissionais de Serviço
Social que foram requisitados para manter sob controle a
chamada questão social, que de um lado expressa as mazelas
postas pelas relações capitalistas (fome, violência, desemprego),
de outro mostra a tensão das relações de classe.
A questão social não é senão as expressões do processo
de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu
ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado e do
Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a
exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e
repressão. (Iamamoto & Carvalho,1985, p.77)
No Brasil, na década de 30, com o início do processo
chamado de industrialização pesada, uma série de questões
sociais e políticas vão ter rebatimento direto na vida do país. O
crescimento do proletariado urbano e suas condições precárias de
vida e trabalho vão desencadear uma série de lutas e greves dos
trabalhadores2.
E é exatamente nesta década que surge o Serviço Social,
vinculado à doutrina social da Igreja católica. Sua atuação é ainda
embrionária porque faz parte da estratégia da Igreja no sentido de
fazer cumprir seu ideário de justiça e caridade dentro da “ordem”.
A partir da década de 40 e 50, o serviço social se legitima
como profissão a partir da criação e expansão de uma série de
instituições
sócio-assistenciais
estatais,
para-estatais,
autárquicas3 que demandam o trabalho profissional.
2
As manifestações e lutas dos trabalhadores urbanos já vinham ocorrendo desde
a virada do século. Em 1902, ocorreu a primeira greve geral no Rio de Janeiro.
Em 1906, ferroviários de São Paulo entraram em greve contra a redução dos
salários. Em 1917, ocorreu uma das maiores greves realizadas no país até
1930. “Pararam as fábricas, os moinhos, as ferrovias e os bondes da cidade
(São Paulo)”. Participaram 45.000 trabalhadores. (Alencar, 1983, p.220-6).
3
A primeira grande instituição assistencial foi a Legião Brasileira de Assistência
(LBA) criada em 1942. Ainda neste ano, é criado o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI). Em 1946, surge o Serviço Nacional da
indústria (SESI) e a Fundação Leão XIII. Para um estudo mais profundado
sobre o surgimento e as atribuições destas instituições e de sua relação com o
Serviço Social. Cf. Iamamoto & Carvalho (1985, p.241-96).
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
75
Neste período, a atuação mescla referenciais teóricos que
dão uma estrutura sincrética à profissão. Esta assume um
discurso ético-moral, calcado num reformismo conservador que
oscila entre os preceitos de justiça e caridade propostos por Santo
Tomás de Aquino e, ao mesmo tempo, incorpora - ainda que de
forma incipiente - uma linguagem mais técnica, característica das
ciências sociais de base funcionalista (principalmente norteamericana).
o Serviço Social emerge como uma atividade com bases mais
doutrinárias que científicas, no bojo de um movimento de cunho
reformista-conservador. O processo de secularização e de
ampliação do suporte técnico científico da profissão (...) ocorre
sob a influência dos progressos alcançados pelas Ciências
Sociais nos marcos do pensamento conservador, especialmente
de sua vertente empiricista norte-americana. (Iamamoto &
Carvalho, 1985, p.21)
A partir da década de 60, com a crise do modelo
desenvolvimentista no Brasil e na América Latina, cria-se um
clima de efervescência e agitação política que vai desencadear
diferentes respostas do serviço social como profissão diretamente
vinculada às instituições governamentais.
A doutrina social da Igreja cede lugar a referenciais
positivistas e funcionalistas ou à correntes psicanalíticas. Os
métodos do serviço social tradicional de Casos e Grupo são
sistematizados. Concomitante a isto, a prática profissional se volta
para a comunidade, com novas técnicas, porém, sempre na
perspectiva da integração e do ajuste do indivíduo à sociedade.
Neste período, já é possível apreender o surgimento,
mesmo que incipiente, de uma minoria profissional voltada para o
questionamento do papel atribuído ao serviço social como
reprodutor da ordem vigente.
O questionamento das bases funcionais e do papel exercido
pelo serviço social tem início num momento histórico em que o
cenário internacional e, do Brasil em específico (pré-64),
propiciava o debate e a organização dos diversos segmentos
sociais.
A crise do serviço social tradicional (que fez parte de um
fenômeno internacional) gesta-se no período citado, porém, sua
eclosão completa, no Brasil, vai ser precipitada pelo movimento de
abril de 64.
76
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
Durante a vigência do regime militar, o serviço social passa
por grandes alterações não só no que diz respeito às demandas
postas à profissão, como também nas respostas que dá as
mesmas.
O período da ditadura não é homogêneo. Silva e Silva
(1995, p.29) separa três momentos vivenciados pela sociedade
brasileira:
- de 1964 a 1968, com a definição das bases do Estado de
Segurança Nacional, a formulação de novos mecanismos de
controle e a reforma constitucional; a institucionalização do novo
Estado e sua grande crise em 1967- 1968, quando o governo
militar institui o ato Institucional n.5 (AI-5);
- de 1969 a 1974, o mais rígido da ditadura militar;
- de 1974 a 1985, da distensão à retirada dos militares da
cena política, como atores de frente.
No primeiro período, o serviço social continuou sofrendo as
influências do Movimento de Reconceitualização4 que estava
ocorrendo em todo o continente sul americano. Este procurava
refletir sobre o referencial teórico metodológico do serviço social a
partir das condições de exploração e dependência vigentes em
toda América Latina.
Com a promulgação do Ato Institucional n.5 e o
recrudecimento do regime militar, a vertente mais crítica
impulsionadora dos questionamentos tem que recuar devido a
repressão generalizada.
As políticas sociais são implementadas através da
distribuição de benefícios e diversos mecanismos de controle.
Neste período, frente ao arrocho salarial e a pauperização
constante dos trabalhadores, as empresas privadas expandem
seus serviços de assistência como uma forma de salário indireto
e, entidades privadas filantrópicas passam a ter uma participação
maior no campo da assistência, principalmente através de
convênios celebrados com o governo.
4
Silva e Silva (1995, p.72) tem uma visão ampla e abrangente do Movimento de
Reconceitualização, apreendendo-o como um processo que “... constitui-se, no
interior da profissão, num esforço para desenvolvimento de propostas de ação
profissional condizentes com as especificidades do contexto latino –
americano, ao mesmo tempo em que se configura como um processo amplo de
questionamento e reflexão crítica da profissão.”
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
77
Expande-se o mercado profissional para o serviço social.
Neste momento a ênfase é dada à modernização e à garantia da
eficiência da ação profissional através do avanço técnico, da
participação em planejamentos, na coordenação e administração
dos serviços em equipes interprofissionais.
Os encontros de Araxá (1967) e Teresópolis (1972) vão
demonstrar esta busca de eficiência técnica e consolidar a
tendência entitulada por Netto (1991) de ‘vertente modernizadora’
que faz parte do processo de renovação do serviço social.
O pluralismo profissional desencadeado pelo processo de
renovação, apesar de manter um cunho modernizador, trouxe a
possibilidade de interlocução com os problemas e disciplinas
sociais e mesmo que, numa posição minoritária, com as teorias
críticas, principalmente vinculadas à tradição marxista.
Na segunda metade da década de 70 e nos anos 80, de um
lado ocorre a reorganização da sociedade civil e de outro o fim do
Milagre Brasileiro. O serviço social, no bojo deste processo vai
rearticular-se e tentar retomar a proposta crítica esboçada na
década de 60 e que, no período áureo de repressão do regime
militar, havia ficado quase em estado de latência.
A apropriação do referencial marxista vai tornar-se
predominante nos setores de vanguanda da profissão, porém os
equívocos na sua apropriação vão desencadear algumas
distorções: a assimilação do marxismo via corrente objetivista
althusseriana vai fazer com que o peso das estruturas políticas e
econômicas seja visto como intransponível. Com isso, nega-se o
trabalho institucional ou confunde-se prática política com prática
profissional.
Durante a vigência da autocracia burguesa5, as
modificações ocorridas no bojo da profissão e que ficaram
conhecidas como Renovação do Serviço Social, tiveram como
todo processo histórico, características heterogêneas e
5
A autocracia burguesa instaurada no Brasil pelo regime militar, a partir de abril
de 64 e perdurou até o início de 80. Caracterizou-se pela implantação de uma
política econômica voltada para o grande capital, fundamentada nos nos
monopólios imperialistas. No plano político ideológico desfechou intensa
repressão marcada na doutrina da segurança nacional. A esse respeito Cf.
Netto (1991) .
78
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
diferenciadas. Segundo Netto (1991), esse processo deu-se em
três direções:
1- Perspectiva modernizadora: procurou adequar o
Serviço Social às exigências da autocracia burguesa.
ela aceita como inquestionável a ordem sócio política derivada
de abril e procura dotar a profissão de referências e instrumentos
capazes de responder às demandas que se apresentam nos
seus limites. (Netto, 1991, p.155)
A renovação é pensada a partir da revisão de métodos e
técnicas para adequar-se ao perfil tecnocrático exigido. O
profissional é visto como elemento dinamizador e integrador do
processo de desenvolvimento.
O lastro sincrético dessa vertente decorre da tentativa de
assimilar concepcões tradicionais no bojo da diretriz dada pelo
funcional estruturalismo que a partir de então, passa a ser o
principal referencial de ação.
Esta postura tem hegemonia até meados dos anos 70,
quando entra em crise junto com a autocracia burguesa.
2- Reatualização do Conservadorismo. Essa vertente
recupera o que há de mais conservador na herança profissional,
pois essencial e estruturalmente devolve à profissão traços
microscópicos da intervenção subordinados ao pensamento
católico profissional.
A crítica ao positivismo e ao marxismo dá-lhe o aspecto de
uma “terceira via”, pois concede importante relevo à subjetividade
das relações sociais, enfocando-as numa perspectiva psicológica.
O extremo conservadorismo dessa corrente estaria, não só
no seu referencial tradicional vinculado à tradição cristã, como
também, ao seu embasamento científico. Se auto-entitulando
como legatários da tradição fenomenológica, na concepção de
Netto (1991), eles na realidade, constróem uma relação do
Serviço Social a partir de uma
cientificidade evanescente, em nome da “compreensão”,
dissolvem-se quaisquer possibilidades de uma análise rigorosa e
crítica das realidades macrossocietárias e, devidamente, de
intervenções profissionais parametradas e avaliadas por critérios
teóricos e sociais objetivos. (Netto, 1991, p.158)
no
6
O autor6 faz uma crítica contundente a essa vertente porque
seu entendimento, apesar de se auto-proclamarem
A análise específica desta corrente está nas páginas 201-46.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
79
fenomenólogos, na realidade eles se apoiam numa metodologia
tradicional e conservadora e não no legado husseliano. Ao
apropriar-se de um referencial filosófico altamente complexo, viade-regra, através de fontes secundárias, essa vertente contribui
para psicologizar as relações sociais e com isso, camuflar a
essência das relações de dominação.
A referência básica da metodologia do Serviço Social na
perspectiva fenomenológica é o diálogo sobre a situação
existencial problematizada. A relação entre o profissional e o
usuário se constitui de uma forma tal que, a partir do diálogo,
haveria a percepção e a tomada de consciência por parte do
usuário da sua situação existencial. Ao se chegar à essência do
fenômeno, seria possível apreender seus determinantes e, a partir
disso, lutar para transformar a situação. Silva e Silva et al (1995,
p.100) descreve sinteticamente a operacionalização da proposta
defendida por uma das principais representantes dessa vertente: a
autora7 se refere a uma ação direta em dois níveis: o psicológico e
o social, e apresenta a dinâmica do processo através de cinco
momentos:
objetivação
de
SEP
(Situação
Existencial
Problematizada), análise crítica da SEP, síntese-crítica da SEP,
construção de um projeto e retorno-reflexivo. A autora admite
ainda que, por trás dos movimentos de cada momento do
processo social, encontra-se a transcendência que expressa,
através da consciência, um saber novo, representado por uma
análise cada vez mais crítica. Assim, o sentido de transformação
social se refere a uma ultrapassagem do ser pessoal (no âmbito
da consciência).
Depois desta breve síntese, os autores reafirmam a posição
de Netto (1991) colocando essa vertente como mais uma corrente
conservadora do serviço social.
Apesar da polêmica sobre a apropriação ou não do legado
da fenomenologia, essa vertente tem se constituído como
interlocutora do serviço social tanto no que se refere às produções
científicas quanto em experiências de trabalho desenvolvidas em
diversos locais.
3- A Intenção da ruptura. Essa vertente é que elabora
críticas mais contundentes ao Serviço Social tradicional. Netto
7
Silva e Silva et al estão se referindo à Ana Augusta de Almeida que é uma das
principais representantes da corrente fenomenológica no serviço social.
80
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
(1991) designa-a como intenção de ruptura porque devido a
diversas questões de ordem sócio-política ou mesmo teórica, essa
perspectiva até os anos 80, mais teve a intenção do que
realmente conseguiu romper com a tradição conservadora.
As dificuldades de efetivação desta vertente deveram-se a
fatores de ordem política, teórico-cultural e profissional, pois seus
referenciais negavam a autocracia burguesa e o perfil profissional
dado pela corrente modernizadora, até então hegemônica.
O seu nítido caráter de oposição fez com que, durante os
períodos áureos da repressão militar, essa vertente tivesse um
rebatimento ínfimo na categoria, ficando restrita à academia.8
Foi a partir do arrefecimento da repressão militar que, no
início da década de 80, esta vertente torna-se uma das principais
interlocutoras
do
serviço
social.
Com
inspiração
predominantemente marxiana, ela passou a ter hegemonia na
produção teórica do serviço social, porém a sua propagação
continuou pequena no seio da categoria.
Uma revisão crítica elaborada por Netto (1991, p.245-5),
aponta duas principais dificuldades que provocaram este hiato:
De um lado, há um descompasso entre o universo simbólico
a que a produção teórico-metodológica e profissional das
vanguardas remete e aquele que parece pertinente à massa da
categoria - e para este descompasso tanto contribui a formulação
nem sempre límpida das vanguardas (condicionada por
exigências de comunicação teórica mais rigorosa e/ou pelos
vieses da academia) quanto o próprio empobrecimento cultural
recente do assistente social (determinado basicamente pela
degradação
do
nível
da
formação
na
universidade
refuncionalizada pela ditadura). (...) A outra dificuldade relacionase à pobreza de indicativos prático-profissionais de
operacionalização imediata que esta perspectiva tem oferecido
aos profissionais - mais precisamente à inadequação entre muitos
de seus indicativos e as condições objetivas do exercício
profissional pela massa da categoria.
8
Durante os anos 72 e 75, a experiência desenvolvida pela Universidade de
Minas Gerais é um exemplo claro de resistência em condições absolutamente
adversas. Para conhecer mais detalhes sobre o método B.H. Cf. Santos (1983).
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
81
O serviço social, na década de 80, incorporou com matrizes
diversas, estas concepções alinhavadas aqui de forma sintética e
acrescentou outras à cultura profissional.
A influência das correntes críticas no processo de
Renovação do Serviço Social vai trazer rebatimentos nos três
níveis constitutivos da profissão: na organização da categoria; na
formação e produção acadêmica e no plano da intervenção
profissional.
É neste período (final da década de 709 e nos anos 80) que
se formam diversas entidades de organização da categoria como
a ANAS (Associação Nacional dos Assistentes Sociais), os
sindicatos e outras associações. As oposições se rearticulam e
assumem o Conselho Federal de Assistentes Sociais e a
Associação Nacional de Ensino em Serviço Social que vão dar um
novo direcionamento ao serviço social, agora voltado para o
compromisso com os usuários.
Na produção acadêmica se consolidou a hegemonia da
vertente marxiana no serviço social. Na Segunda metade da
década de 70, a formação profissional havia se constituído em
objeto de debate, culminando com a aprovação do currículo de
1982. Em 79, surge a Revista Serviço Social e Sociedade que se
constitui como um espaço para a divulgação do pensamento
emergente do serviço social. Em 1981, começa a funcionar o
único curso de Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e no ano posterior, a pesquisa em serviço social é
reconhecida
oficialmente
pelo
Conselho
Nacional
de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq).
No plano da intervenção profissional, a influência da
corrente marxiana continua incipiente. Algumas experiências
significantes que se desencadearam durante a ditadura foram
duramente reprimidas. Na década de 80, mesmo com a ampliação
das liberdades democráticas, a intervenção profissional se renova
mantendo muito mais um cunho modernizador.
9
No serviço social, 1979 ficou conhecido como “o ano da virada”. No III
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, a direção conservadora foi
questionada e os representantes do Regime Militar que eram os convidados
especiais foram substituídos por líderes dos trabalhadores. A esse respeito Cf.
Silva e Silva (1995, p.29-43).
82
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
Os limites vivenciados pela base da categoria não
impediram, porém, que a profissão assumisse uma direção social
estratégica de rompimento com o serviço social tradicional, no
início pelo eixo da modernização, e a partir de 80, com as
correntes críticas principalmente de inspiração marxiana.
A década de 80 marcou o aprofundamento cada vez maior
da crise brasileira. Combinando desemprego, recessão, inflação,
esse período trouxe à tona um clima de efervescência política. O
protagonismo dos movimentos sociais, as conquistas
democráticas contribuíram para o avanço da vanguarda
profissional que se tornou cada vez mais politizada e combatente.
Em contrapartida, o hiato entre vanguarda e a categoria
continuou presente durante toda a década e no início dos anos 90,
já tinha um traço mais nítido devido à dinâmica percorrida pela
profissão. De um lado, o serviço social se firma como pertencente
ao debate intelectual das teorias e disciplinas das ciências sociais
e consolida um quadro de intelectuais (via de regra, ligados à
academia) como pesquisadores e produtores de conhecimento (a
hegemonia teórica das produções se vinculam às teorias críticas,
com predominância para a inspiração marxiana). De outro, o
conservadorismo profissional e mesmo a inadequação das teorias
críticas à realidade vivenciada pela massa de profissionais de
campo, associados à realidade conjuntural repletas de mudanças
e tensões, colocam parte dos profissionais despreparados no
mercado para a construção de mediações necessárias ao
exercício profissional e para inserirem-se em novos espaços.
Nas últimas três décadas, mas principalmente agora, nos
anos 90, diversas modificações ocorridas no cenário político e
econômico nacional e internacional vão provocar a reestruturação
das funções do Estado e de sua relação com a sociedade
No Brasil, a ênfase do Governo, norteado pelo ideário
neoliberal, vai desrespeitar diversos avanços assegurados na
Constituição de 1988. As políticas públicas de assistência, que
legalmente têm um caráter universalizante, são implantadas de
forma fragmentada e norteadas por critérios clientelísticos. Os
planos econômicos do Governo beneficiam o grande capital
nacional e internacional em detrimento da maioria da população.
Nos anos 90, a crise atinge o serviço social sob diversos
aspectos porém, é a partir desta década, que a profissão passa a
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
83
explicitar com maior clareza o seu projeto ético político que foi
gestado nas duas décadas anteriores. O Código de Ética
aprovado em 1993, consegue articular compromisso ético político
e o exercício da prática profissional reconhecendo as mediações
necessárias entre projeto societário e projeto profissional.10
A superação posta no código de 1993 é parte do processo de
desenvolvimento teórico-prático do projeto profissional de
ruptura; entre outros, ela se apresenta em dois avanços
fundamentais; especifica quais são os valores representativos da
ética profissional e estabelece a mediação entre compromisso
ético e valores. Tal mediação é posta na realização competente
dos direitos sócio-políticos dos usuários dos serviços sociais, na
direção da ampliação da liberdade, das conquistas democráticas,
da justiça social e da cidadania sócio-política. (Barroco, 1998,
p.7)
As mediações propostas, conectadas à teleologia indicada
no Código que aponta para a construção de uma nova sociedade,
são estratégias colocadas em face do momento histórico e não,
finalidades em si.
Como espaço contraditório, no entanto, o serviço social, no
decorrer desta década, vai passar por diversos questionamentos
na direção hegemônica dada pelas correntes marxianas. O
pluralismo presente no seio da profissão vai colocar este
questionamento não através de um confronto direto, mas pela
desqualificação das proposições sustentadoras do universo
cultural da profissão.
A medida que entram para o debate novas teorias
sistêmicas-organizacionais, estas irão se adequar à vertente
modernizadora, que ganha fôlego por dar respostas eficientes (do
ponto de vista do capital) às novas relações de trabalho.
Outra vertente teórica presente nos anos 90, é a dos pósmodernos que acreditam que a ciência vive, hoje, uma crise
10
O Código de Ética Profissional anterior havia sido aprovado em 1986 e foi
resultado dos diversos embates e avanços dos setores de vanguarda nesta
década. Este Código supera os princípios humanistas abstratos e a- históricos
dos Códigos anteriores o de 1947, o de 1965 e o de 1975) e reafirma o
compromisso de classe com os trabalhadores. Seus princípios, porém,
extravasam o âmbito de um projeto profissional. Um Código de Ética deve
estabelecer compromisso com valores e não com as classes sociais, mas para
não cair em abstrações deve garantir as mediações entre os valores e as
estratégias necessárias à sua efetivação.
84
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
estrutural, pois os paradigmas que a sustentam estão abalados11,
como é o caso da racionalidade moderna (o racionalismo dialético,
inclusive, é considerado parte da racionalidade positiva e,
portanto, algo a ser superado).
Os pós-modernos não constituem um bloco homogêneo,
mas possuem em comum a superação da razão moderna e, no
Serviço Social, a apropriação destas teorias tem desencadeado o
privilégio do micro-social, da mudança cultural, a centralização
nas singualaridades, a ênfase nas especificidade, a valorização do
trabalho focalizado.
Todos estes elementos colocados reforçam que o projeto
hegemônico do serviço social, ao estar calcado em princípios
diferentes do projeto societário hoje hegemônico na sociedade
(neoliberal), dá-nos a impressão de remar na contra corrente da
história.
Esse debate cada vez mais fecundo, presente no interior da
profissão atinge de maneira diferenciada, a massa dos
profissionais. Na categoria o que existe, hoje, é a sobreposição de
referenciais teóricos, de concepções ideológicas e indicativos
práticos profissionais que consolidam o sincretismo profissional.
A dicotomia entre direção social estratégica da profissão e o
grande contingente de profissionais tornou-se mais nítida a partir
dos anos 80 e não se resolveu neste século, deixando o desafio
para o século XXI.12
No enfrentamento deste desafio, diversos elementos se
fazem presentes:
a hegemonia mundial do capitalismo e o avanço das
idéias neoliberais que acirram as desigualdades sociais
dificultando os avanços democráticos e as lutas sociais;
o avanço tecnológico que, apropriado pelo capital ao
invés de trazer melhorias reais para a população mundial, acaba
11
Para analisar a chamada crise paradigmática das ciências, cf. Santos, B.S:
1989,1996.
12
É evidente que parte desta vanguarda que dá a direção social estratégica são
profissionais que estão atuando diretamente. A dicotomia não está exatamente
entre academia/ profissionais da prática e sim, entre aqueles que, mesmo
sendo minoria encaminham a profissão para assumir posições críticas e
transformadoras e, outra majoritária, que mesmo tendo incorporado um
discurso mais crítico, na prática, mantém posições conservadoras ou no
máximo, modernizadoras.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
85
por desencadear problemas sociais (doenças, desemprego),
ecológicos (destruição da natureza), psicológicos (stress,
competitividade), econômicos (empobrecimento relativo ou
absoluto dos trabalhadores), políticos (guerras, dominações),
culturais (xenofobias, violências, desenraizamento) etc.;
a crise dos modelos de transformação social
desencadeada pela queda do socialismo real e pelo
questionamento da teoria marxista associados ao refluxo dos
movimentos sociais.
Somadas a estas questões ou, intrínsecas a elas, mudanças
específicas ocorrem no seio da profissão e que podem assumir
nortes diferenciados de acordo com seus protagonistas:
o mercado de trabalho exige uma contínua reciclagem
profissional. Esta pode passar a incorporar maiores contingentes
profissionais ao debate político ideológico presente na profissão;
o amadurecimento da profissão, o seu acúmulo cultural
e a consolidação do seu projeto ético- político, neste final de
século, pode trazer o avanço de posições progressistas e
revolucionárias ou, ao contrário, refluir dando espaço para as
posições conservadoras de diversas matrizes.
Toda profissão é um campo de luta onde as tensões
refletem os diferentes projetos sociais em curso. O caminho a ser
trilhado pela profissão é algo, portanto, em constante construção.
S'ANTANA, R.S.
The historical trajectory of the social service and the
construction of its ethical-political project. Serviço Social & Realidade
(Franca), v.8, n.1, p.73-87, 1999.
•
ABSTRACT: This article makes a reflection on the challenges to the Social
Service in the effectivation of its ethical-political project, in the current
context. The contradictions for this social reality will have a direct influence
in the professions. To understand the social service today, we try to do a
brief historical retrospective highlighting elements of the social context and
also, the methodological theoretical reservations accumulated by the
profession in the construction of its-political project.
•
KEY WORDS: Social service, historical trajectory and project ethical-political
of the Social Service.
Referências bibliográficas
ALENCAR, F., CARPI, L., RIBEIRO, M. V. História da sociedade
brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1983. 339p.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999
87
INICIAÇÃO CIENTÍFICA NO SERVIÇO SOCIAL
Neide Aparecida de Souza LEHFELD*
A tarefa do professor: mostrar a frutinha vermelha. Comê-la diante
dos olhos dos alunos. Erotizar os olhos. Provocar a fome. Fazê-los
babar de desejo. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça
fica grávida: prenha de idéias. E quando a cabeça engravida não
há nada que segure o corpo.
Rubem Alves
•
RESUMO: A iniciação científica significa um processo de aprendizagem no
mundo ciência e da construção de conhecimento científico através de
investigações sociais projetadas por graduandos, acompanhadas e
orientadas por um pesquisador-orientador de experiência nessa
aprendizagem. É ao mesmo tempo um desafio para uma nova forma de se
enxergar o processo de formação profissional principalmente por poder se
revestir de uma ação pedagógica de qualidade, transformadora, que
estimula a apropriação e a produção de conhecimentos científicos.
•
PALAVRAS CHAVE: Iniciação científica; formação profissional; Serviço
Social.
O desenvolvimento de projetos de pesquisa, em nível de
iniciação científica no Serviço Social é fato mais desenvolvido
nesta década apesar dos curriculuns anteriores do curso de
graduação terem ênfase a elaboração do antigo trabalho de
conclusão de curso (TCC). Na realidade, já era a elaboração de
uma monografia científica sem ter essa denominação e também
os passos mais cuidadosos quanto à vigilância epistemológica e
sem o sentido de que nós Assistentes Sociais, considerados no
período como "pequenos estudiosos", no mundo científico,
pudéssemos estar construindo conhecimento científico.
Contudo, excelentes trabalhos monográficos foram
elaborados e retratavam desde aí a tendência do Serviço Social
ou seja, de relato de experiências profissionais importantes e de
resultados interessantes, de projetos de intervenção para
determinadas realidades sociais, enfim de relação entre teoria e
prática.
*
Departamento de Serviço Social – UNESP - Franca.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
89
Com as mudanças significativas do mundo acadêmico e
científico, propiciando uma abertura maior à caracterização do que
seja científico e mesmo de ampliação da dimensão da ciência
vemos florescer uma série de estudos, no Serviço Social. Estes,
delineando muito bem o quanto crescemos e amadurecemos no
ato e na metodologia de pesquisar cientificamente e a diminuição
do medo em participar deste meio tão mistificado por modelos
científicos já superados ou transformados.
Pelas nossas experiências em orientar e também em
desenvolver projetos e pesquisa científica no Serviço Social, ou na
área de humanas em geral visualizamos a cada dia o crescimento
desse movimento. Assim, acabamos por nos defrontar com
propostas de pesquisa de alunos que iam desde projetos
sinalizando boas condições de desenvolvimento e de temáticas
interessantes, a proposições inconsistentes e que nos conduzirão
a resultados significativos.
A iniciação científica significa, como sua denominação já
anuncia, um processo de aprendizagem no mundo da ciência e da
construção de conhecimento científico através de investigações
sociais projetadas por graduandos, acompanhadas e orientadas
por um pesquisador- orientador de experiência nessa
aprendizagem.
Esse aprendizado resultará da inter-relação entre fatores
como:
a) o entendimento sobre as exigências e limites no e do
processo de produção científica, seu planejamento, execução e
compromisso em termos de controle do nível de qualidade do
trabalho realizado.
b) a preocupação com a função pedagógica que o próprio
processo investigativo toma a medida em que se relaciona teoria e
prática bem como se estabelecem degraus a serem superados em
termos de dificuldades existentes inerentes a todo processo de
pesquisa científica.
c) a dimensão e o caráter complexo da pesquisa nos
induzem sempre a um exercício de atividades coletivas. Mais
interessante e completo será um estudo se conseguirmos realizálo com um caráter de interdisciplinariedade ou seja, entrelaçando
diferentes ângulos de visão e de abordagem ao objeto de estudo.
90
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
d) a valorização do caráter formativo e estratégico da
iniciação científica ao canalizar esses esforços empreendidos para
formar e sedimentar conhecimentos em ciência e tecnologia que
poderão ser posteriormente, aprimorados e aproveitados pelos
seus iniciantes em programa de pós - graduação em nível de
mestrado e doutorado na área.
Como se vê, está sempre em foco a questão da formação
do Assistente Social - profissional que valoriza a pesquisa
científica como elemento fundamental para pensar e planejar a
sua ação profissional e como compromisso básico para o
despertar de vocações para o campo da ciência.
A Iniciação Científica portanto, é ao mesmo tempo um
desafio para uma nova forma de se enxergar o processo de
formação profissional principalmente por poder se revestir de uma
ação pedagógica de qualidade, transformadora, que estimula a
apropriação e a produção de conhecimentos científicos. Quando
se pensa em formar assistentes sociais críticos e competentes
não se pode deixar de lado essas características.
É interessante registrar depoimentos de docentes pesquisadores integrantes de programas institucionais de
Iniciação Científica quanto aos resultados que estes trazem aos
seus orientados, seja em nível de aplicação de leituras e,
consequentemente, maior capacidade de elaboração e de
argumentação, seja em nível de mudanças significativas em
termos de consciência mais crítica e mais elaborada da realidade
social e dos fenômenos que a compõem.
A Iniciação Científica tem aberto caminhos e um rol maior de
alternativas ao graduando mesmo em relação a suas
possibilidades e potencialidades educacionais. O próprio mercado
de trabalho valoriza, com mais possibilidades nesta década,
aqueles formandos que desenvolveram projetos de Iniciação
Científica durante o seu curso. Valoriza assim o desenvolvimento
de habilidades cognitivas e de desenvolvimento emocional,
colocando-se que estes candidatos estão mais aptos a adaptação
e produtividade em realidades diversas e diferenciadas. Ou seja,
estes profissionais teriam maior capacidade em buscar mais
rapidamente novas informações e formas de trabalho e
adaptação, ou maior capacidade de encontrar significados e de
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
91
proceder a relação e compreensão necessárias entre fatos e
dados.
Há muito tempo, o discurso existente na academia é o de
que a mera transmissão de informações ou um ensino que
privilegie somente um processo de acúmulo, por parte do aluno,
do que é transmitido pelo professor, dentro de quatro paredes, da
sala de aula não faz mais sentido e não pode ser o modelo da boa
escola.
As mudanças no cenário mundial globalizado, nos últimos
tempos, determinaram alterações fundamentais no perfil de uma
"boa" escola e também para um "bom" aluno. Há aí instituída uma
nova ordem social, educacional que apresenta exigências radicais
que levam à mudança da postura do professor, das atitudes dos
alunos e de suas próprias famílias. Sabe-se que de um modo
geral os pais optam por instituições educacionais que possam dar
a seus filhos uma formação mais global, somando-se e
acumulando-se informações e conhecimentos em muitas áreas,
habilidades e especializações porém, possuem uma certa
resistência em aceitar processos mais inovadores de ensino do
que os tradicionais.
Voltando-nos à Iniciação Científica podemos agora sintetizar
as várias interpretações a ela admitidas:
a) como maneira de se aprender a desenvolver ciência e
tecnologia.
b) como passo inicial à carreira de um pesquisador mas
basicamente aprimorando o processo de formação profissional.
c) como envolvimento numa pesquisa científica realizada
com um professor- orientador.
d) como função didático -pedagógica.
Para nós, a iniciação em pesquisas científicas não deve se
diferenciar muito de outros processos de iniciação na vida de cada
estudante que lhe tragam o encantamento de descobertas
agradáveis e alegrias na superação de desafios e possibilidades
de desenvolvimento de potencialidades. Queremos relacionar a
Iniciação à ciência como uma passagem de uma fase de pretensa
curiosidade a uma fase de trabalho responsável, motivado, criativo
e de produção de novos conhecimentos.
Para tanto, a pesquisa tem que ser ativa e interativa. Ao
mesmo tempo que eu conheço também contribuo não só para o
92
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
avanço do conhecimento da área como para com os sujeitos com
que passo a me relacionar nos contatos com a realidade
estudada. Todas as áreas em que o Assistente Social trabalha assistência social, educação, saúde, habitação, etc, pressupõe o
caráter humano do trabalho e o compromisso deve nos orientar
nas nossas pesquisas no sentido de alimentar as teorias
científicas modificando-as e atualizando-as.
Para Rubem Alves a ciência é meio indispensável para que
sonhos sejam realizados. Sem a ciência não se pode plantar nem
cuidar do jardim. Mas há algo que a ciência não pode fazer: ela
não é capaz de fazer os homens desejarem plantar jardins. Assim,
a vontade, a iniciativa de pesquisar para conhecer e/ou
compreender mais profundamente uma situação ou problema
social deve ser sempre estimulada e otimizada.1
O entrosamento entre docente-orientador e aluno-orientado
O ato de ensinar a pesquisar pressupõe o conhecimento por
parte daquele que se propõe a isso, seja qual for o tipo de
pesquisa desenvolvido. Esse conhecimento deve favorecer
motivação, segurança, e bom aprendizado ao orientando.
O professor- pesquisador por deter maior conhecimento
sobre a temática enfocada pelo aluno estará apto a condução de
processos indutores de busca de conhecimentos novos ou a olhar
o abjeto de pesquisa por outros ângulos de forma arguta, múltipla
e totalizadora. Para isso é, necessário que esse professor seja
pesquisador em sentido "lato". Isso é, tenha desenvolvido as
habilidades inerentes a uma atitude inquieta, investigativa,
reflexiva e crítica.
Esse professor- orientador deve também ser capaz de
estabelecer a interface de estudo entre graduação e pósgraduação ou seja, não só em níveis de aprofundamento e
complexidade do estudo bem como de incentivo à participação do
bolsista de iniciação científica em grupos de pesquisa dos
programas de pós- graduação.
A inserção de alunos da graduação nos grupos mais
estruturados de pesquisa, vinculados a programas de pósgraduação, e que tratem o ensino, a pesquisa e a extensão de
1
Palestra proferida na 51ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC).
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
93
modo indissociável, tem se constituído em uma das
possibilidades de formação de docentes para a escola básica
conteúdos de um espírito investigativo, imprescindível às
necessidades que se impõe a uma educação de qualidade.
(Calazans, 1999, p.138-9)
É nesse sentido que o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica do Conselho Nacional CNPq, nas
universidades brasileiras, públicas e privadas procura privilegiar, o
mérito das pesquisas propostas e a formação de profissionais,
educadores
e
pesquisadores
comprometidos
com
as
transformações e desenvolvimento social de nosso país e com o
avanço teórico- científico.
As condições de trabalho na Iniciação Científica
Para que a Iniciação Científica propicie todos os resultados
já assinalados deve-se considerar com cuidado as condições de
desenvolvimento do projeto de pesquisa do graduando. Observar,
quais são as condições pessoais e de formação do iniciante e da
pesquisa propriamente dita em trazer resultados significativos à
formação daquele que se propõe a pesquisar, da produção de
conhecimentos científicos e de se legitimar esse como processo
como científico.
Com relação as condições do estudante que se pretende
realizar uma pesquisa científica no seu curso e estágio
profissionalizante por exemplo, devemos salientar:
a- disposição e disponibilidade para leituras e busca de
conhecimentos teóricos a respeito da problemática ou assuntoobjeto de estudo.
b- tempo necessário para dedicar-se à pesquisa. Saber
aproveitar, medir e discernir seus conhecimentos gerais para
aplicá-los no processo de investigação.
c- capacidade de iniciativa própria, organização, disciplina
para o trabalho investigativo.
dcuriosidade;
desenvolvimento
da
observação
assistemática e sistemática; criticidade.
e- persistência para superar os obstáculos que comumente
surgem na implantação e desenvolvimento dos projetos de
pesquisa bem como, sabedoria ao receber as críticas e
observações do professor- orientador que possam conduzir a
melhores resultados.
94
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
Assim, ao aluno, na iniciação científica, cabe estudar mais,
liberando a sua imaginação criadora bem como realizar o que foi
orientado, programado e solicitado pelo professor orientador,
cuidando dos prazos estabelecidos para entrega de relatórios e
para se inscrever em eventos científicos (Congressos de Iniciação
Científica; Semanas de Estudos e outros) para apresentação de
comunicações científicas sobre os resultados da sua pesquisa.
As condições de trabalho também englobam ambiente físico
de estudo, as relações humanas (orientador- orientando;
pesquisador- pesquisados) e as possibilidades de inserção no
campo de pesquisa.
A Pesquisa Científica e os espaços para criação e
descobertas
Visando alcançar a participação de maior número de
universitários do Serviço Social no trabalho científico,
pesquisando suas temáticas de interesse com projetos bem
definidos metodologicamente é que apresentamos a seguir
alguns elementos que poderão servir como orientação e ao
mesmo tempo como desencadeadores de um processo de
ensino, formação profissional e de produção de conhecimento
científico.
Portanto, é preciso em primeiro lugar explicar e conceituar
alguns termos fundamentais:
a) O que significa pesquisar e como uma pesquisa pode ser
qualificativa e/ou diferenciada como científica?
Para nós pesquisar é estudar, investigar, conhecer
determinadas coisas, objetos ou realidades. É desvendar o não
conhecido. A pesquisa científica é aquela que se baseia num
processo metodológico sistemático e controlado para sua
realização. Por exemplo, as pesquisas que fazemos no dia a dia,
de preços mais baixos para o nosso consumo, sem uma
metodologia previamente estabelecida e sem ser colocada, em
prática, fase por fase, com técnicas apropriadas de levantamento
de dados não poderão ser qualificadas como científicas.
Assim a pesquisa científica se compõe de processos e
relações tais como.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
95
PesquisaAPRENDIZAGEM
CONHECIMENTO
CRIATIVIDADE
MÉTODO
AÇÃO
REGISTRO E COMUNICAÇÃO DO CONHECIMENTO
b) O que é Metodologia? Qual a relação existente entre
Ciência e Metodologia Científica?
A metodologia é entendida como uma disciplina que se
relaciona com a Epistemologia. Consiste em estudar e avaliar os
vários métodos disponíveis, identificando suas limitações ou não
em nível das implicações de suas utilizações. Isto é, num nível
aplicado, a metodologia examina, avalia as técnicas de pesquisa
bem como a geração ou verificação de novos métodos que
conduzem à captação e processamento de informações e dados.
A metodologia corresponde, portanto, a um conjunto de
procedimentos utilizados na obtenção de conhecimento. Através
da Metodologia Científica, o acadêmico, o professor, o
pesquisador- orientador conseguem um contato mediador do
conhecimento mediante o questionamento construtivo e
reconstrutivo do objeto de pesquisa possibilitando a colocação do
saber no plano sócio- histórico e político.
Enquanto suporte da pesquisa, a Metodologia Científica a
formaliza na postura crítica do pesquisador à medida em que lhe
permite o questionamento sistemático da realidade.
96
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
A ciência não deixa de ser uma forma especial de
conhecimento da realidade social. É um tipo de conhecimento
obtido através da instrumentalização da metodologia científica.
c) Metodologia Científica e Iniciação Científica
A metodologia científica é aprendida e interiorizada na
prática, através da execução de projetos de iniciação científica.
Com eles, o estudante além de aprender a fazer pesquisa, adquire
um novo olhar sobre o mundo, pois terá às mãos um instrumental
diferenciado para isso. É por meio dessa iniciação em sua
formação científica que o aluno chega então a um nível de
reflexão que supera o senso comum, abstraindo e elaborando
conhecimento novo. A prática da pesquisa vai induzindo a uma
relação diferenciada com o processo de aprendizagem e de
conhecimento diversos daqueles existentes dentro de quatro
paredes de uma sala de aula. A metodologia científica é então
apresentada por intermédio do exercício da pesquisa.
Com a iniciação científica, o estudante passa a ter contato
com questões maiores sobre o conhecimento científico,
adentrando a um caminho de maior autonomia e independência
diante do seu processo de formação pessoal e profissional.
Além do acompanhamento sistemático do orientando no
desenvolvimento de seu projeto de pesquisa, analisando suas
dificuldades e valorizando os seus avanços, o professor orientador
pode também programar e realizar, em conjunto com seus
orientandos ou com outros docentes da área, algumas atividades
importantes para a sua formação como pesquisadores e também
para o incentivo do próprio processo de aprendizagem da
pesquisa científica, bem como para a socialização dos seus
resultados. Entre estas atividades podemos citar algumas que têm
trazido bons resultados aos nossos orientandos:
a) Seminários de Pesquisa - internos e externos.
Realização periódica de seminários de pesquisa com
participação de outros pesquisadores para apresentação de
resultados, da metodologia usada e debates de leituras já
realizadas sobre a temática.
b) Congressos de Iniciação Científica - Esses eventos
caracterizam-se hoje como meio fermentativo desse processo
pedagógico aqui delineado.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
97
A apresentação de sua pesquisa através de Comunicações
Científicas, não só conduz à uma maior desenvoltura do aluno
iniciante como o introduz a processos de discussão e debates
sobre as temáticas, os procedimentos investigativos, ao
conhecimento e entrosamento com outros grupos interessados na
mesma linha de investigação. São momentos de convívio com a
cultura do mundo científico e de seus procedimentos.
c) Orientações realizadas pelo professor orientador, com
várias equipes de trabalho de pesquisa ou orientações coletivas
visando o surgimento de uma postura de estudos científicos e
reativação para a ampliação de leituras técnico- científicas.
Como se vê, o professor orientador deve estabelecer uma
agenda criativa e dinâmica de trabalho com seus orientandos,
introduzindo-os numa prática disciplinada e sistemática para
manter um ritmo mais constante de produção motivada e
segurança. Enfim, um bom desempenho para os seus aprendizes.
Esse ritmo é necessário também por facilitar aos orientandos, a
elaboração de seus relatórios (parciais e finais) e resumos da
pesquisa para apresentação do trabalho em reuniões científicas.
A relação orientando e orientador deve portanto ser de
confiança, responsabilidade, respeito e ao mesmo tempo de
camaradagem. É uma relação interativa, participativa, sem medos
e receios mas respaldada pela autoridade implícita do professor
orientador no sentido de que ele tem já um maior conhecimento
e/ou melhor aproximação àquela temática estudada. Na verdade,
o orientador ensina mas sobretudo aprende mais a cada projeto
de pesquisa que orienta.
"É nesse sentido que a prática da pesquisa é uma prática
pedagógica, que sistematiza a formação por intermédio do
trabalho orgânico dos sujeitos integrados num coletivo, exercido
de forma democrática, buscando contribuir historicamente para o
progresso do conhecimento"... (Calazans et al, 1999, p.65)
Assim, é muito importante que o aluno- pesquisador registre
os fenômenos observados, contextualizando e historicizando as
situações em que os mesmos foram então observados,
articulando sempre o quadro referencial teórico na compreensão e
interpretação dessas realidades.
Nesta linha de concepção da atividade de pesquisa, como
um processo maior de aprendizagem e formação do jovem
98
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
pesquisador estaremos desenvolvendo habilidades básicas para a
produção de conhecimento científico, para o trabalho em equipe
seja ou não interdisciplinar, para a construção de argumentações
técnico- científicas e para a vida profissional.
Cabe ao professor orientador a responsabilidade, nesta
função, enquanto um pesquisador e educador, de enfatizar o
saber, o fazer e o prazer pelo que se consegue realizar. É
fundamental indicar os avanços obtidos pelo iniciante à pesquisa
científica relacionando-os com o currículo de seu curso, com a sua
formação profissional, social e política. Incentivar continuamente o
compromisso com trabalho e, principalmente, com os sujeitos
participantes de seu estudo no sentido de se preocupar no retorno
do conhecimento produzido através deles próprios, a revisão de
sua prática cotidiana e a necessidade de se dedicar por inteiro
aperfeiçoando o seu modo de ver e sentir as coisas ao seu redor.
Assumem uma postura de criticidade em sua análise fugindo do
senso comum.
Muitos depoimentos colhidos nas avaliações feitas pelos
próprios alunos, na iniciação científica, apontam para a mudança
que eles sentem, em si mesmos, quanto à observação dos fatos e
sobre facilidade que adquirem à medida em que suas
experiências se ampliam e se acumulam nas pesquisas
bibliográficas, nos bancos de dados "on line" e nas pesquisas de
campo. Isto é, o manejo de instrumentos e de metodologias de
levantamento e coleta de dados fica mais aperfeiçoado e mais
rápido.
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC)
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), no nosso país, ao desenvolver o PIBIC,
procura introduzir o aluno da graduação no mundo da pesquisa
científica bem como estimular o professor- orientador, através de
quotas institucionais distribuídas aos estabelecimentos de ensino
e pesquisa a formar equipes de pesquisa e também servir de
instrumento de formulação de política de desenvolvimento de
pesquisa em Universidade públicas ou particulares. Com este
processo visa mais a longo prazo diminuir o tempo de formação
de mestres e doutores nos programas de pós-graduação no nosso
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
99
país. Para tanto, há a recomendação do CNPq para os processos
seletivos, instituídos na própria Universidade, de que haja o
aproveitamento de projetos de pesquisa bem elaborados, de
temáticas originais e interessantes realizados por "jovens
universitários com bom rendimento e desempenho acadêmico.
As bolsas de Iniciação Científica são concedidas pelo CNPq
desde sua criação (1951). Nesse período, eram sendo concedidas
diretamente aos pesquisadores. Estes, tinham autonomia em
selecionar seus bolsistas e eram os responsáveis pela distribuição
das bolsas já que os recursos financeiros eram remetidos a uma
conta bancária do docente pesquisador. Somente em 1988, o
CNPq iniciou a concessão de quotas institucionais, obtendo desta
forma, o envolvimento das instituições de ensino.
Nos anos de 1999/2000, o CNPq mantém o programa com
14.191 bolsas distribuídas, no país, por regiões, sendo a região
sudeste a mais favorecida com aproximadamente 50% do total.
No Serviço Social, neste campo, temos muito a fazer para
obtermos um espaço maior de participação em termo de
ampliação das quotas para os alunos bolsistas nas nossas
faculdades e universidades.
Principalmente, quando a perspectiva futura, na nossa
realidade brasileira destes programas de fomento à pesquisa, não
é nada estimuladora. Isto é, a cada dia se constata um quadro de
desaceleração e redirecionamento da política nacional de ciência
e tecnologia, com denominação de recursos para o fermento à
pesquisa social.
Assim, a tendência presente é a de caminhar-se para a
maior valorização dos estudos que abordem temáticas mais
urgentes e cruciais para o desenvolvimento social e político do
país. Não há quase recursos para pesquisas sociais de resultados
mediatos e que possam ter aplicabilidade mais rápida para a
melhoria de vida e bem estar da população brasileira e de
possibilidade de venda de tecnologias para países em situações
semelhantes às nossas.
Como as Universidades conseguem integrar ao Programa?
- As instituições se cadastram no Programa mediante a
apresentação de solicitação formal, conforme explicitado no
calendário do CNPq.
100
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
- As bolsas de iniciação científica são concedidas,
anualmente, sob a forma de quota às instituições de ensino e
pesquisa ou institutos e centros de pesquisa.
- A renovação, ampliação ou redução da quota anual far-seá com base na avaliação do desempenho da instituição no
Programa e em sua capacidade de orientação.
Como projetar a sua pesquisa
A marca maior do desenvolvimento da ciência é a
permanente capacidade que nós seres humanos temos em
questionar e discutir o que já existe em termos de produção
científica e sobre o que ainda está meramente explicado pelo
senso comum.
Temos encontrado propostas individuais de Iniciação
Científica no Serviço Social na nossa Universidade (Universidade
Estadual Paulista - Campus de Franca, interior do Estado de São
Paulo) extremamente interessantes e importantes definidas a
partir das próprias indagações dos alunos motivados pelas
práticas de estágio, de problemas sociais emergentes cruciais.
Assim, temos analisado projetos a serem enviados para o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (CNPq) e
para a Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) que se voltaram para as temáticas
que já enunciam um compromisso político com a sociedade. Tudo
o que é humano ou que se relaciona com ele nos interessa.
Desta forma, os graduandos pesquisam a realidade para
satisfazer um desejo motivado e voltado para conhecimento e
compreensão de questões visando melhorar as condições práticas
de existência e para se realizar na condição de ser humano.
A pesquisa científica não constitui uma atividade acidental do
procedimento humano, mas uma forma de ação que lhe é natural
porque realiza uma exigência de sua essência, a de se
aperfeiçoar, a de progredir no desenvolvimento de sua
humanização, jungindo as forças cegas da natureza aos seus
desígnios conscientes. (Pinto, 1979, p.425)
Estamos tentando mostrar que o perfil profissional atual
baseia-se em capacidade de decisão, iniciativa e no hábito de
pensar com a própria cabeça. Além do domínio geral, técnico e
lógico (saber pensar e resolver) deve-se também ter a capacidade
de contribuição autônoma, de geração de sabedoria científica. A
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
101
pesquisa enquanto exercício da intencional atividade intelectual do
sujeito- pesquisador, envolve uma ação teórica e uma ação
prática, indissociáveis, conduz a essa capacidade de contribuição
autônoma e dá significação à realidade social através da
elaboração e construção de categorias teóricas de análise..." a
teoria é a geradora e organizadora das ciências e da cultura.
Qualquer de nossas ciências compõem-se de um conjunto
metodicamente organizado de problemas e soluções já
levantados, ou atualmente em desenvolvimento, relativos a uma
dada necessidade humana". (Santos, 1999, p.18)
Alguns critérios podem ser utilizados para identificar a
natureza metodológica dos processos investigativos. Podem ser
caracterizados segundo a construção e natureza do objeto que é
pesquisado, segundo objetivos, procedimentos metodológicos de
coleta e segundo as fontes utilizadas na coleta de dados. O
quadro abaixo tenta elucidar essa caracterização
Classificação:
Construção e natureza
Do objeto
•
•
•
Segundo objetivos
•
•
•
Metodologia de coleta
•
•
Fontes de informação
Dados
•
•
•
•
O mundo das coisas físicas e materiais
- área das ciências materiais e exatas
Centrado na pessoa enquanto autor e
sujeito do mundo
conhecer para explicar questões
sociais
conhecer para controlar questões
sociais
conhecer para intervir e transformar
modelos Quantitativos e estatístico
(experimental/manipulativo)
modelos quantiqualicativos (objeto de
estudo inserido num conteúdo sóciohistórico específico)
modelos eminentemente participativos
(pesquisa - ação)
Bibliografias
Materiais eletrônicos
Laboratório
Campo: - fontes de informação, do
diálogo e argumentação.
O projeto de pesquisa
102
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
A intenção em abordar este item, apesar de encontrá-lo
desenvolvido em muitas obras de metodologia científica e
pesquisa, é a de orientar os interessados em se desenvolver na
iniciação científica, apresentando de forma mais aproximativa no
Serviço Social, alguns caminhos de como planejar e esquematizar
suas propostas de estudo.
Queremos também "desmistificar" um pouco esta fase da
pesquisa quanto a sua complexidade uma vez que na grade
curricular do curso de Serviço Social também existe a disciplina de
Planejamento Social que já favorece muito a condução do
raciocínio e dos procedimentos lógicos de elaboração. Ou seja,
poder-se-ia, a grosso modo, afirmar que teríamos menor grau de
dificuldade em construir mentalmente o quê se pretende pesquisar
e como pesquisar.
Portanto, quando falamos em projetar a pesquisa queremos
dizer que se trata de um desenho do estudo enunciando suas
fases, submetendo-se além de um planejamento metódico, uma
proposta viável de realização.
Alguns itens devem ser amplamente discutidos com o
professor- orientador:
a) a discussão ética e social da pesquisa a ser realizada. O
próprio ato de produção de conhecimento possui uma dimensão
ética- política no sentido de não só tender ao desenvolvimento
acadêmico do sujeito que a realiza mas também porque alimenta
e cria novas práticas sociais. Há uma parte entre o conhecimento
que recebemos, o que estamos obtendo e o que vamos chegar.
b) a extensão do estudo. Em palavras mais simples, o
iniciante em pesquisa pretende sempre abraçar tudo de uma vez.
Esquece de que o conhecimento científico se caracteriza muito
mais pela verticalidade, a profundidade do estudo do que a
extensão, do seu objeto construído. É melhor conhecer bem.
c) os métodos de estudo. Discussão dos procedimentos, dos
caminhos e os instrumentos a serem visados, os autores que
pretende ler, interpretar e nos quais se apoiar para suas
explicações sobre o "objeto de estudo". O Assistente Social tem
muitas possibilidades neste nível em termos de técnicas de
levantamento de dados e informações. A experiência nos
demonstra que sempre é mais indicado utilizarmos de
metodologias de estudo que pressupõem proximidade crítica ao
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
103
campo de trabalho e que já foram por nós testadas em outros
estudos.
d) as possibilidades de estudo interdisciplinar. O saber não é
posse e sim possibilidade de construir um mundo em que a
existência humana seja melhor. O maior desafio é o aprender a
conhecer partindo do princípio de que o conhecimento não é um
ato solitário, não se fecha e nem termina na sua própria atividade.
O especialista solicitado, neste final de milênio, é aquele que
conhece substantivamente a sua área de conhecimento na sua
relação com a totalidade.
Alguns autores colocam a necessidade de se elaborar um
pré-projeto de pesquisa, como uma primeira atividade de
planejamento, e, nele abranger cinco passos básicos que, na
realidade, referem-se aos pontos acima apresentados: escolha do
tema, revisão de literatura, problematização, seleção/delimitação
do estudo e geração de hipóteses. (Santos, 1999, p.49)
Contudo, não existem regras fixas, como não há modelos
prontos e acabados para a elaboração do projeto de pesquisa. A
sua estruturação dependerá da abrangência estabelecida no
estudo, bem como a linha metodológico, do estilo de seu
pesquisador e das influências das instituições geradoras e
avaliadoras da pesquisa.
Devem ser respeitos os modos de trabalho e de
encaminhamento que o pesquisador possui para chegar a
apresentação em forma de documento, de seu projeto desde que
não se afaste demasiadamente de normativas metodológicas
legitimados na área de conhecimento. Por exemplo, nas áreas de
saúde e ciências biológicas o projeto de pesquisa se compõe de
itens que se diferenciam das humanas em razão do tipo de
metodologia utilizada na investigação.
O projeto deve ser um documento explicitador das ações
fundamentais para a consecução do processo de investigação.
Este, serve como fonte de consulta para o próprio pesquisador,
como ponto de análise para aqueles que contratam os seus
serviços e para os órgãos que financiam parcial ou integralmente
as pesquisas.
De certa maneira, o projeto de pesquisa envolve e
estabelece alguns elementos que respondem ás indagações:
- Como será construído e delimitado o objeto de pesquisa?
104
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
- Quais serão os aspectos problematizados sobre este
objeto?
- Quais expectativas e justificativas estão orientando a
pesquisa?
- Quais os resultados que se buscam com a realização do
estudo?
- Em que tipo de abordagem metodológica nos apoiamos?
- Quais instrumentos e recursos serão utilizados?
- Qual período de tempo previsto para o estudo e para a
apresentação de seus resultados?
- Como socializar os resultados da pesquisa aos sujeitos
envolvidos no estudo bem como a todos interessados no estudo?
A reflexão sobre os aspectos acima descritos nos conduz
diretamente aos elementos requeridos para a composição do
corpo do projeto de pesquisa, traduzidos nos seguintes títulos:
a) Tema de estudo
b) Problematização ou formulação do problema de pesquisa
c) Justificativa do estudo
d) Objetivos/ resultados pretendidos
e) Caracterização do estudo/ identificação e / ou natureza da
pesquisa
f) Hipóteses de estudo
g) Metodologia/ Procedimentos Metodológicos ou Material e
Método
- universo e amostragem do estudo
- fases metodológicas
- definição de instrumentos e técnicas para a coleta de
dados
- plano de análise e interpretação de dados / revisão de
literatura
- previsão das formas de apresentação dos resultados.
h) Cronograma do processo investigativo
i) Orçamento
j) Bibliografia ou Referências Bibliográficas
Considerações finais
Finalizando, podemos dizer que á medida em que os
docentes dos cursos de Serviço Social obtém uma titulação maior,
na sua formação, ou seja em termos de pós-graduação,
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
105
principalmente os doutores, ampliam-se as possibilidades de
desenvolvimento da iniciação científica na graduação. As
possibilidades e contribuições que a iniciação científica trazem ao
acadêmico foram então indicadas ao longo deste texto, tanto as
previstas pelos órgãos financiadores à pesquisa no país, como
pelos docentes pesquisadores e também pelos jovens iniciantes.
Basicamente, a principal contribuição está relacionada a
formação de um profissional que possui uma postura crítica e
sensível à prática da pesquisa assimilando seus subprodutos
como desenvolvimento de um "novo olhar" nas questões do
cotidiano, estimulação da capacidade de reflexão, argumentação
e abstração. Ao ser um graduando motivado às leituras e ás
habilidades intelectuais possuirá uma postura mais crítica perante
o conhecimento que a Universidade lhe transmite e ao mesmo
tempo estará apto a reivindicar a efetivação de um processo de
formação profissional qualificado.
O mais importante contudo, é a possibilidade que esta
postura individual pode multiplicar-se para o coletivo á medida em
que os universitários que fazem iniciação científica trazem suas
experiências e questionamentos para a sala de aula num
processo de trocas e de discussão conjunta, tornando as
atividades de ensino mais criativas.
A iniciação científica não se trata de uma predisposição,
motivação e /ou vocação de alunos gênios ou que possuem um
grau intelectual maior do que seus companheiros. O perfil do
cientista para o senso comum, sempre esteve relacionado com
traços de genialidade, com capacidade supra - humanas e
diferenciadas dos demais homens e profissionais.
Atualmente, sabemos que, na realidade, a formação de
pesquisadores e cientistas depende basicamente de uma boa
preparação acadêmica, predisposição a leitura e à motivação ao
conhecimento do ambiente da pesquisa, no caso de laboratórios
por exemplo e grupos de pesquisa, capacidade de estabelecer
relações e articulações teóricas e práticas e vice-versa.
Outra concepção mais moderna e importante é a de que a
prática da pesquisa não precisa ser, necessariamente, solitária e
individual. O trabalho coletivo, na pesquisa, é sempre mais
promissor e produtivo.
106
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
Não se deve identificar a construção do conhecimento
científico com uma atividade desagradável, árdua e sacerdotal.
Não deve ser vista ainda como uma forma de saber privilegiada e
elitizada pois dessa forma estaremos restringindo a poucos a sua
execução e conseqüentemente o seu progresso e sua renovação.
LEHFELD, N.A.S. Cientific Iniciation in the Social Service. Serviço Social &
Realidade (Franca), v.8, n.1, p. 89-108, 1999.
•
ABSTRACT: A scientific initiation means a learning process in the world of
the science and of the construction of scientific knowledge through social
investigations projected by graduate students, accompanied and guided by
a researcher - teacher of experience in that learning. It is achallenge at the
same time for a new form of if to see the process of professional formation
mainly in the pedagogical action, that stimulates the appropriation and the
production of scientific knowledge.
•
KEY WORDS: Initiation scientific; profesional formation; Social Service.
Referências Bibliográficas
CALAZANS, Maria Julieta. Iniciação Científica: construindo o
pensamento crítico. São Paulo: Cortez, 1999.
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos
da pesquisa científica. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
SANTOS, Antonio R. dos. Metodologia Científica: a construção do
conhecimento. Rio de Janeiro: DP SA, 1999.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999
107
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO PARA CLASSIFICAÇÃO SÓCIOECONÔMICA: ELEMENTOS DE ATUALIZAÇÃO
Maria Inês Gândara GRACIANO*
Neide Aparecida de Souza LEHFELD**
Albério NEVES FILHO***
•
RESUMO: Este estudo objetiva fundamentalmente a atualização da
metodologia da classificação sócio-econômica proposta pela autora
Graciano (1980), assistente social do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais, da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), frente ao
processo mudancista vivenciado pela sociedade brasileira nas últimas
décadas, exposto na Revista Serviço Social & Realidade, 5 (2) 1996 (Neves
Filho, 1996). Trata-se de uma reedição do artigo de 1996 (Graciano, Lehfeld
e Neves Filho, 1996).
•
PALAVRAS CHAVE: sócio-econômico; classificação,
instrumental, metodologia, critérios avaliativos.
estratificação,
Introdução
O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo (HRAC-USP) - Bauru/SP, implantou
em 1980, uma metodologia de classificação sócio-econômica
criada pela assistente social Graciano, (1980) coordenadora do
Serviço Social. Este instrumental, até recentemente, serviu como
referencial para uma série de orientações para a equipe
interdisciplinar responsável pelo tratamento. Contudo, sentiu-se a
necessidade de sua atualização, a fim de que pudesse abranger
as mudanças significativas que tivemos em nossa sociedade, nas
últimas décadas, mudanças essas decorrentes de fatores
múltiplos e complexos.
Essas mudanças que se expressam na modernização sócioeconômica, por certo incompleta, no desenvolvimento econômico,
desequilibrado em suas várias matizes, e na reconstrução das
normas e instituições políticas da sociedade brasileira, colocaram*
Diretora do Serviço Social do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões
Lábio-Palatais da Universidade de São Paulo (HPRLLP-USP), Bauru-SP e
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
**
Professora Livre-Docente da UNESP - câmpus de Franca.
***
Professor da UNESP - câmpus de Franca e Doutor em Economia pela
UNICAMP.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
109
nos frente a um país renovado. Os dados relacionados ao nosso
crescimento econômico ou mesmo a observação, empírica, das
transformações relacionadas à vida urbana, à situação regional e
aos aspectos sócio-culturais de nossa sociedade são suficientes
para atestar esse processo mudancista.
Todas essas transformações em curso, colocaram novas
problemáticas para aqueles segmentos sócio-profissionais cujos
pressupostos para a ação profissional, sócio-cultural, política, etc.,
são determinados pela apreensão adequada da realidade onde
devem ocorrer sua intervenção e reflexões teórico metodológicas.
Valeria para esses casos a afirmativa de que tão maior a
abrangência das mudanças em curso, maior a necessidade de
reformulações, de novas sugestões e de revisão dos princípios
orientadores da ação, dos conceitos e das teorias, dos elementos
e instrumentos anteriormente utilizados como suporte àquelas
intervenções.
É dentro desse quadro de interesse que desenvolvemos
uma proposta de reformulação e continuidade do aporte teórico e
instrumental desenvolvido, no início da década de 80, pelo Serviço
Social do HRAC-USP, sintetizado em uma nova metodologia de
Classificação Sócio-Econômica.
Nessa oportunidade, a elaboração de critérios para
classificação sócio-econômica, nos termos da autora Graciano,
(1980), Assistente Social do HRAC-USP, foi justificado como
sendo uma "necessidade de estudar e definir perfeitamente as
condições sócio-econômicas das famílias para que a equipe de
reabilitação planeje o tratamento adequado, verifique a provável
influência do meio ambiente no aparecimento das malformações,
oriente adequadamente as famílias com vista a reabilitação total
dos pacientes e atue através da genética no campo da
prevenção."
Aqui o que segue tem por objetivo retomar essas
preocupações iniciais e avançar nos supostos ali contidos,
demonstrando as questões de fundamentação do aparato
instrumental, a metodologia e os critérios utilizados na formulação
do novo instrumental, bem como os resultados obtidos na
configuração dessa nova tipologia de classificação sócioeconômica dos usuários dessa instituição.
110
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
Optou-se portanto, por uma redefinição orgânica entre as
questões teóricas, metodológicas e conceituais e de caráter,
estatístico, refundando uma outra concepção
Critérios de Avaliação
Construção dos indicadores e elaboração do instrumento de
intervenção
A construção dos indicadores necessários a classificação
sócio-econômica seguiu aqui os procedimentos rotineiros, e foi
elaborada tendo em vista fazer refletir nela as situações
encontradas socialmente, sendo portanto, um esforço de
construção tipológica daquele processo analisado anteriormente e
também, para servir de instrumento de aproximação dessa
mesma realidade, que se coloca mediante aos próprios
indicadores. Finalmente, foram reelaborados tendo em vista a
finalidade da intervenção que se quer executar na instituição, e os
objetivos já formulados.
A proposta da equipe do Serviço Social deste Hospital era
manter os indicadores originários dessa metodologia ou seja:
situação econômica da família, número de membros, escolaridade
e profissão do(s) chefe(s) bem como a habitação, observando-se
uma redefinição conceitual, teórica e metodológica.
Com relação as caracterizações sugeridas também
originalmente pela autora (Graciano, 1980), referente aos diversos
estratos ou seja: BI - Baixa Inferior, BS - Baixa Superior, MI Média Inferior, M - Média, MS - Média Superior e A - Alta, foram
também mantidas por atenderem as necessidades do Serviço
Social e do próprio Hospital que os utiliza em seus levantamentos
quantitativos e qualitativos tanto nos programas de atendimento
aos usuários como em programas de pesquisa da equipe
interdisciplinar.
Posto isso, em primeiro lugar, a classificação recaiu sobre a
família, mais propriamente, sobre as condições da família como
um todo, visto que essa é a responsável, em última instância, pela
indução ao tratamento do cliente, como também pela continuidade
ou não desse tratamento ao longo de todo processo de
reabilitação no HRAC-USP, dos portadores de malformações e
outras deficiências. Junta-se a isso o fato de que os diversos tipos
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
111
de orientação nesse processo terão na família o ponto de apoio
fundamental e, para tanto, faz-se necessário, o levantamento de
um rol de informações e considerações sócio-analíticas sobre
suas entradas (rendas), natureza da atividade que seus membros
exercem, composição demográfica familiar, nível educacional e
habitação, que subsidiem as intervenções.
Em segundo lugar, tomar a família como unidade de análise
permite perceber, com maior nitidez, a maneira pela qual os
recursos, de diversas fontes e naturezas, são por ela alocados, ao
mesmo tempo que inserindo-se indicadores individuais nesse
conjunto, pode-se analisar, também a capacidade de ganho de
seus membros, a natureza desses, bem como, por agregação, o
rendimento total auferido por essa.
Assim, dispomos os indicadores sócio-econômicos para nos
informar sobre o total da renda familiar e o(s) tipo(s) de
rendimento(s) a que tem acesso, a(s) ocupação(ões) e o(s)
setor(es) de atividade(s), de onde derivaremos inferências sobre o
tipo e o grau de inserção da família na estrutura social e no
quadro de clientela da Instituição. Vejamos-los mais de perto. No
que se refere aos rendimentos brutos, auferidos, realizamos uma
ordenação
por
valores
monetários,
acompanhando
o
procedimento em uso pelo IBGE com algumas alterações para os
nossos fins e que podem ser encontrados na série de Anuários
Estatísticos, que vai de nenhuma renda a mais de 100 salários
mínimos, conforme material denominado "Rendimentos brutos,
valores monetários do IBGE, 1988". Qualitativamente, abrimos
janelas para obtermos informações sobre o tipo de rendimento,
salário, honorários, retirada pró-labore, rendimento financeiro,
aluguéis, aposentadoria, pensionista, etc., tendo em vista a
necessidade de construirmos um quadro familiar próximo àquela
encontrado no interior da sociedade.
A distribuição de seus membros segundo a ocupação e o
setor de atividade, complementa o perfil de rendimento da família
e é indicativo, tanto para estabelecermos sua posição na estrutura
social, e sua condição de classe, como para nos esclarecer, sobre
o tipo de rendimento e a renda auferida bem como a forma de
inserção ou não de seus membros no mercado de trabalho e/ou
de bens. Na elaboração desta nos utilizamos das ocupações e
das atividades segundo a Classificação Brasileira de Ocupações
112
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
do MINISTÉRIO DO TRABALHO DO BRASIL (1995) de 1977,
Estrutura Agregada, base para as demais classificações em uso
atual na literatura. Vide também Metodologia da População
Economicamente Ativa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 1988).
Por sua vez, os indicadores que nos informam sobre sua
qualidade de vida focalizam as condições e a situação
habitacional, o número de membros que a integram residentes no
mesmo imóvel, e o nível de escolaridade dessas pessoas. Através
destes, portanto, podemos realizar inferências de caráter
qualitativo sobre o percurso social da família, as expectativas
geradas por essas em relação aos seus membros, associadas à
escolaridade, ocupações profissionais, processos migratórios e
outros ou a estratégia de mobilidade social, de ascensão social,
etc., e ainda inferir acerca de seu nível de bem-estar ou de
expectativas sobre este.
Podemos ainda nos utilizar desses indicadores para
consolidarmos o quadro de inserção social da família, em relação
à posição de classe que ocupa na sociedade, analisando
possíveis gastos ou posições de status social derivados desses
elementos qualitativos. Nesse particular, a habitação por estar
relacionada à propriedade, torna-se um indicador importante para
consolidar a posição social dessa no interior da estrutura social,
permitindo maiores inferências sobre a família e sua condição
social.
De qualquer forma como pode ser observado por Pastore et
al, 1983, sobre o "Ciclo de Vida da família segundo grupos de
renda familiar 1970-1980", os resultados obtidos por esse
conjunto de indicadores, caminham no sentido de ser adequado
ao perfil mais geral de nossa economia e nossa sociedade, como
ainda, de servir de instrumento de pesquisa que estimule
maiores esclarecimentos sobre essa mesma sociedade e essa
mesma economia, o que abre ampla flexibilidade e níveis
controlados de decisões autônomas para aqueles que o utilizam.
O novo Instrumental e seus elementos estatísticos
A proposta de atualização do instrumental para a
classificação sócio-econômica, ora apresentado foi norteado por
esse novo referencial teórico e construído com a participação de
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
113
todos os Assistentes Sociais do HRAC - USP coordenados por
Graciano1, em parceria com a UNESP - Franca ora representada
por NEVES FILHO e LEHFELD, co-autores dessa nova
metodologia de intervenção do Serviço Social.
INSTRUMENTAL DE CLASSIFICAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA - 1997
Quadro 01 - Situação econômica da família
Renda bruta mensal
acima de 100 UM ❁
60 ┤ 100 UM
30 ┤ 60 UM
15 ┤ 30 UM
09 ┤ 15 UM
04 ┤ 09 UM
02 ┤ 04 UM
½ ┤ 02 UM
0 ├┤ ½ UM ❁
UM = 01 Salário mínimo
PONTOS
21
18
14
12
09
05
03
02
01
Tipo de rendimento:
( ) salário ( ) retirada pró-labore ( ) rendimento financeiro
aluguéis
( ) honorários ( ) aposentadoria ( ) pensionista
outros. Especificar: ____________________________
Quadro 02 - Número de membros, residentes da família
até 02
02 ┤ 04 ❁
04 ┤ 06
06 ┤ 08
acima 08
1
(
(
)
)
PONTOS
06
04
03
02
01
Assistentes Sociais do HPRLLP - USP - Bauru/SP (colaboradores) BLATTNER,
Soraia Helena Bonfim; CAMARGO, Raquel Bastazini; CUSTÓDIO, Silvana
Aparecida Maziero; FORMENTI, Norma Sueli; FRANCELIN, Madalena
Aparecida; GARCIA, Regina Celia Meira; LUIZ, Maria Isabel Rojas; MENDES,
Eliana Fidêncio Oliveira; MESQUITA, Sonia Tebet; OLIVEIRA, Elisabeth de;
ROCHA, Odaléia Silvestre; TRUITE, Mariza Brunini; VALENTIM, Regina Célia
Arruda Almeida Prado. Outros Colaboradores: PINHEIRO, Sandra Passeri
Bim (normalização do trabalho) e LOPES, Maria José Bento (digitação do
trabalho)
114
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
Quadro 03 - Escolaridade dos membros da família - PONTUAÇÃO =
Maior nível educacional / responsável
Nível educacional
* Especificar
PONTOS
Superior
07
Superior incompleto / colégio completo
05
Colégio incompleto / ginásio completo
04
Ginásio incompleto / primário completo
03
Primário incompleto
02
Sem escolaridade / alfabetizado
01
Sem escolaridade / analfabeto
00
Sem idade escolar
N
Obs: Colégio= segundo grau / Ginásio e primário= primeiro grau
* Especificar nível educacional dos membros da família. Pontuar o
maior nível dentre os “responsáveis” (com rendimentos)
Quadro 04 - Habitação
PONTOS
Condição / situação
Própria
Financiada
Alugada
Cedida por benefício
Outras
(barraco / favela)
Prec.
06
05
04
02
Ins.
07
06
05
03
Reg.
08
07
06
04
Boa
09
08
07
05
Ótima
10
09
08
06
00
00
00
01
02
Localidade:
Rural ( )
Urbana ( )
( ) Suburbana
* Condição / situação: Precária, Insuficiente, Regular, Boa, Ótima
(tipo, propriedade, zona, infra-estrutura, acomodações, etc.)
___________________________
LEGENDA DE SINAIS
Semi aberto à direita: a ├ b - indica o conjunto dos números reais iguais ou maiores que
“a” e menores que “b”.
Semi aberto à Esquerda a ┤ b - indica o conjunto dos números reais maiores que “a” e
menores ou iguais a “b”.
Fechado: a├┤ b - indica o conjunto dos números reais iguais ou maiores que “a” e
menores ou iguais a”b”. (SOUZA, 1995)
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
115
Quadro 05 - Ocupação dos membros da família - PONTUAÇÃO: Maior
nível ocupacional / responsável
Ocupação / setor / membros
Especificar
PONTOS
Empresários: Proprietários na agricultura , agroindústria,
indústria, comércio, sistema financeiro, serviços, etc.
13
Trabalhadores da alta administração: Juízes, Promotores,
Diretores, Administradores, Gerentes, Supervisores,
Assessores, consultores, etc.
11
Profissionais liberais autônomos: Médico, Advogado,
Contador, Arquiteto, Engenheiro, Dentista, Representante
comercial, Oculista, Auditor, etc.
10
Trabalhadores assalariados administrativos, Técnicos e
Científicos, Chefias em geral, Assistentes, Ocupações de nível
superior, Analistas, Ocupações de nível médio, Atletas
profissionais, Técnicos em geral, Servidores públicos de nível
superior, etc.
09
Trabalhadores assalariados: Ocupações da produção,
da administração (indústria, comércio, serviços, setor público
e sistema financeiro), Ajudantes e auxiliares, etc.
07
Trabalhadores por conta própria: autônomos - Pedreiros,
Caminhoneiros, Marceneiros, Feirantes, Cabelereiros,
Taxistas, Vendedores etc.
Com empregado ❁
07
Sem empregado ❁
06
Pequenos produtores rurais: Meeiro, Parceiro, Chacareiro, etc.
Com empregado
05
Sem empregado
03
Empregados domésticos: Jardineiros, Diaristas, Mensalista,
Faxineiro, Cozinheiro, Mordomo, Babá, Motorista Particular,
Atendentes, etc.
Urbano
03
Rural
02
Trabalhadores rurais assalariados, volantes e assemelhados :
Ambulantes, Chapa, Bóia-Fria, Ajudantes Gerais, etc.
01
Especificar: ( ) ativo ( ) aposentado (
) desempregado.
Relacionar a ocupação.
Setor:
( ) Primário (recursos da natureza)
( ) Secundário (atividades
industriais)
( ) Terciário (comércio e prestação de serviços)
116
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
OBS.: Especificar a ocupação dos membros da família. Pontuar somente
o maior nível ocupacional dentre os responsáveis com rendimentos.
Quadro 06 - Sistema de Pontos
Pontos
Classificação
00 ┤ 20
Baixa Inferior
20 ┤ 30
Baixa Superior
30 ┤ 40
Média Inferior
40 ┤ 47
Média
47 ┤ 54
Média Superior
54 ┤ 57
Alta
Siglas
BI
BS
MI
ME
MS
AL
Intervalos
20
10
10
07
07
00
Códigos
6 - F
5 - E
4 - D
3 - C
2 - B
1 - A
❁ Alterações efetuadas a partir de 09/1997.
A pontuação relativa a cada quadro considerado pode ser
examinada neste instrumental e diz respeito àquele critério de
valoração do menos complexo ao mais complexo. Entretanto,
cabe algumas qualificações conceituais sobre o material em uso.
No quadro 1 "Situação econômica da família" o termo
rendimento expressa, na forma a mais genérica possível, a
maneira pela qual se dá a distribuição da renda para as diversas
classes e segmentos sociais em uma economia monetária
capitalista. Aqui, a espécie de rendimento é caracterizada pelos
salários, lucros, rendimentos financeiros, honorários e
aposentadorias obtidos pelas categorias sociais e profissionais
ocupadas nos diversos setores da economia. Os intervalos
corresponderam aos dados obtidos nas estimativas salariais das
diversas categorias profissionais e estão referenciados às
ocupações e setores econômicos.
No quadro 2 "Número de membros residentes da
família" a composição familiar, responde as transformações pelas
quais passaram a família brasileira, emprestando maior peso
àquelas famílias, cujo número de membros é menor. Por sua vez,
a variável "residentes" expressa a restrição e a relação que deve
haver entre a família e os moradores da mesma residência
recortando-a espacialmente.
No quadro 3 "Escolaridade dos membros da família",
busca-se conhecer o seu nível de escolaridade, sendo destaque o
maior nível declarado do responsável o qual determina número de
pontos aí obtidos.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
117
O quadro 4 "Habitação", extrai elementos quantitativos e
qualitativos, possíveis em função da dupla entrada permitida no
quadro. Primeiro, os elementos qualitativos, próprios a situação da
moradia, esses expressam variáveis valorativas associadas a infra
estrutura física e de bem estar sócio-econômica familiar e
reafirmam, nessa perspectiva, os pontos dos limites inferiores e
superiores determinados pela condição, ou seja: precária,
insuficiente, regular, boa e ótima. Nesse caso, em segundo lugar,
a condição de posse e de propriedade da moradia, base para
qualquer classificação sócio-econômica, determina os valores
possíveis de serem aí alcançados. A localização espacial da
residência, rural ou urbana, amplia a visão qualitativa sobre os
dados familiares.
No quadro 5 "Ocupação dos membros da família",
através do recorte profissional da família obtemos uma outra
variável significativa para a classificação sócio-econômica.
Particularmente, aí estão as ocupações mais usuais, associadas
aos diversos setores econômicos. Como pode ser observado,
coerente aos tipos de rendimento obtido, as categorias distribuemse segundo sua inserção na ocupação tendo como critério a
propriedade que exerce sobre seus meios de produção ou de
trabalho. De saída convém observar que para a pontuação a
entrada é determinada pelo maior nível ocupacional do
responsável.
Observado isso, explicitaremos conceitualmente, cada uma
das categorias:
Empresário: aquele que é proprietário do negócio que
dirige e responsável pelas decisões, em última instância, sobre
produção, preços, investimentos, etc, da empresa.
Trabalhadores da Alta Administração: compreende
aqueles associados aos empresários no gerenciamento de seus
negócios e recursos diversos.
Profissionais Liberais Autônomos: são por definição,
aqueles segmentos que vendem serviços a terceiros e
proprietários dos meios de trabalho e de produção necessários a
esses fins.
Trabalhadores Assalariados Administrativos: Técnicos e
de ocupação científica: definem-se pela inserção em atividades
de escritório ou de rotina, cujo dado fundamental é o
118
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
distanciamento das decisões da Alta Administração associado ao
fato de venderem sua força de trabalho.
Trabalhadores Assalariados: vendedores de força de
trabalho e inseridos no processo de produção de mercadorias,
bens e serviços.
Trabalhadores por conta própria: vendedores de
mercadorias, bens e serviços inseridos em suas atividades com
algum meio de trabalho ou de produção.
Pequeno Produtor Rural: produtos de mercadorias do
setor agropecuário que ora usa seu trabalho pessoal e da família,
ora usa o trabalho de empregado, restringindo, sempre pelo
tamanho da área de produção, tipo de contrato e às vezes,
condição da propriedade.
Empregado doméstico: aquele que vende serviço ou força
de trabalho para domicílios.
Trabalhadores
rurais
assalariados,
Volantes
e
Assemelhados: trabalhadores assalariados ou vendedores de
mercadorias ou serviços temporários e precarizados
Obs.: Aposentado: A categoria aposentado deverá ser
relacionada a ocupação em vigor e sua respectiva pontuação.
Estatisticamente, a elaboração deste instrumental voltou-se
para um sistema de pontuação simples que deve resultar, por
correlações, em um tipo de classificação por estratos. Nesse
sentido, a classificação foi feita de forma convencional
abrangendo seis estratos definidos pelo número de pontos
acumulados. São eles: estratos baixos inferior e superior; estratos
médios inferior, médio, propriamente dito, e superior; e o estrato
alto.
Obviamente, primeiro procuramos estabelecer nessa
ordenação um conjunto de relações assimétricas, cujas variáveis
independentes são aquelas referentes a renda e ocupação.
Dispondo de forma correlacionada os indicadores, serão esses
que determinarão, com o auxílio mais tênue dos demais, o número
de pontos alcançados e o correspondente estrato da família. Para
tanto, a valoração perseguiu, como sempre mais ou menos
arbitrariamente, a escala da menor complexidade e necessidades
para a maior complexidade e necessidades, seja nos intervalos
internos dedicados a cada um dos quadros, seja na somatória
total, referente a distribuição dos estratos constitutivos.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
119
Mas também, segundo, ao incorporarmos variáveis
adicionais, com potenciais explicativos, temos em vista que nos
importa uma visão conjunta sobre a família. Um benefício daí
resultante é que graças a inclusão dessas variáveis no corpo do
instrumental, não apenas sintetizamos novos aspectos sobre a
classificação da família, mas nos encontraremos mais aptos para
corrigir possíveis erros de informação e portanto, de sua
classificação no interior dos estratos.
Posto isso, os intervalos e os limites de classes são visíveis
no instrumental apresentado. Os pontos médios são: quadro 1 Situação Econômica da Família, 9,5; quadro 2 - Número de
Membros residentes na família - 3,5; quadro 3 - Escolaridade dos
membros da família - 3,0; quadro 4 - Habitação - 0,5 a 7,0;
quadro 5 - Ocupação dos membros da família - 6,5. As
freqüências esperadas são estimadas em maior quantidade para
os limites inferiores de cada quadro e em menores quantidades
para os limites superiores. Por outro lado, as maiores pontuações
são estimadas para os limites acima dos pontos médios de cada
intervalo de classe. Os indicadores de renda, quadro 1, e o de
emprego, quadro 5, são aqueles que possuem os maiores valores
para os maiores estratos, 21 e 13, respectivamente, respondendo
por 36,85% e 22,80% da somatória dos limites inferiores e
superiores do total dos intervalos das respectivas classes. Sendo
que o indicador referente a habitação, quadro 4, foi fixado em
17,55% daquela mesma somatória. Nos casos dos indicadores
restantes, membros da família e escolaridade, quadros 2 e 3,
respondem por 10,52% e 12,88%, respectivamente.
Algumas inferências amostrais e sua análise
A consolidação dos indicadores e de suas relações internas,
quantitativas e qualitativas, demandou uma experiência amostral
que teve a participação de toda equipe do Serviço Social do
HRAC - USP, durante seus atendimentos aos usuários. Nesse
experimento, distribuímos a população da amostra segundo sua
classificação
sócio-econômica
e,
tendo
em
vista
a
representatividade e a aleatoriedade dessa, verificamos,
comparando com as pesquisas anteriores do Serviço Social, a
validade e consistência tanto dos indicadores em uso, como das
120
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
conseqüências ocorridas para a definição em classes e estratos
sociais das famílias consideradas.
Por outro lado a aplicação prévia deste permitiu observar,
somado às entrevistas qualitativas realizadas pelas Assistentes
Sociais, primeiro, a consistência e a suficiência dos
encadeamentos existentes nas relações intraquadros, pela
pontuação dada aos indicadores, e com isso, propor
características gerais para as classes sociais e seus estratos,
particularizando-as analiticamente, seja em relação as demais
classes e estratos sociais, seja em relação aos indicadores que
lhe são próprios.
Segundo, demonstrou a importância dos instrumentos
qualitativos
no
acompanhamento,
permanente,
e
na
complementação das inferências realizadas quantitativamente.
Posto isso, a amostra em um total de 132 casos, válidos e
efetivos, para uma previsão de 141 casos não efetivada, foi
distribuída da seguinte forma: 41 (31,1%) casos para o estrato
baixo inferior; 42 (31,9%) para o baixo superior; 30 (22,7%) para o
estrato médio inferior; 13 (9,8%) casos para o estrato médio; e 06
(4,5%) para o médio superior. Os resultados obtidos
demonstraram: a) que os indicadores em uso refletem de forma
consistente o quadro social das famílias pesquisadas e da
clientela da instituição; b) a rede de encadeamento entre esses,
base para o desenrolar do fluxo da análise, é consistente e
permite a realização de inferências quantitativas e qualitativas de
vulto, base para o desenvolvimento de estratégias orientadoras; c)
o sistema de pontuação utilizado permite caracterizações sócioeconômicas compatíveis com a situação e a posição social
empiricamente observável no trato com as famílias; d) resultado
final consolida características gerais e específicas das diversas
classes e estratos, delimitando-os, de maneira adequada ao
quadro social global de nossa sociedade e de nossa economia,
com recorte analítico pronunciados.
Assim, os resultados gerais obtidos com a aplicação da
amostra permitiram compor a seguinte configuração para os
estratos sociais, segundo o maior número de ocorrências para
cada tipo de indicador:
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
121
CONFIGURAÇÃO DOS ESTRATOS SOCIAIS
CLASSES
RENDA
FAM.
0,5 a 2 sal.
m. (43,90%
)
MEMBROS
FAM.
04 a 06
pes. (48,78%
)
ESCOLAR
IDADE
Primária
inc
(39,02%)
HABITAÇÃO
OCUPAÇÃO
Cedidas e
precária
(43,90%)
Trabs.assal.
-(29,26%)
empreg.dom
.-(19,51%)
trabs./conta
volantes
(14,34%)
02 a 04
sal.m. (31,
70%) 04 a
10
sal.m. (34,
14%)
Até 04
pes. (65,85%
)
2o grau
comp.
(34,14%)
prim.inc. a
2o grau
própria +
não
satisfatória
(43,90%)
Trabs.assal.
- (46,34%)
Média
Inferior
10 a 15 sal.
m. (58,62%
)
Até 04
pes. (65,51%
)
própria +
boa situaçã
o (48,27%)
Trabs.
Assal.
Admin.téc. (37,93%)
Prof.lib.aut. (24,13%)
Média
15 a 35 sal.
m. (85,71%
)
Até 04
pes. (50%)
prof.lib.autô
nomos (64,
28%)
Média
Superior
35 a 100
sal.m. (66,
66%)
própria +
ótima
situação (8
5,71%)
própria +
ótima
situação
(66,66%)
Alta
100 sal. +
Baixa
Inferior
Baixa
Superior
Até 04 pes.
(66,70%)
n.
incomplet
o
(29,26%)
2o grau
comp
ao sup.
inc./comp.
(41,37%
)
Superior
compl. (7
8,57%)
superior
(66,66%)
n.
n.
prof.alta
adm(50,00%)
empresários
-(25,00%)
prof.liberais
- (25,00%)
.n
O estrato baixo inferior, com um intervalo de 00 a 20
pontos, em regra situa-se nas faixas de rendimento de 1/2 a 2
UM*, de 0,5 a 2 salários mínimos, 43,90% dos casos; possuem
família com 04 a 06 pessoas, 48.78% dos casos;
predominantemente o responsável cursou, de maneira incompleta,
o primário, portanto têm menos de 04 anos de estudo formal,
39,02% dos casos; vivem em moradias cedidas e de situação
*
UM - Unidade(s) Monetária(s).
122
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
precária, 43,90% dos casos; e em regra compõem-se de
trabalhadores assalariados, 29,26% dos casos, empregados
domésticos da zona rural 19,51% dos casos, trabalhadores por
conta própria sem empregados, 14,63% dos casos, e de
trabalhadores volantes ou assemelhados, 14,63% dos casos.
O estrato baixo superior, com um intervalo de 20 a 30
pontos, em regra situa-se nas faixas de 2 a 4 UM*, de 02 a 04
salários mínimos, 31,70% dos casos, e na faixa de 04 a 10 UM*,
34,14% dos casos; possui até 04 pessoas na família, 65,85% dos
casos, em regra têm nível de escolaridade até o segundo grau
completo, ou seja até 12 anos de estudos, 34,14% dos casos ou
nível de escolaridade do primário completo ao segundo grau
incompleto, 29,26% dos casos, ou seja, menos 09 a mais de 04
anos de estudo, morando em casa própria ainda que em
condições não satisfatórias, 43,90% dos casos; compondo-se por
trabalhadores assalariados em sua grande maioria, 46,34% dos
casos.
No caso do estrato médio inferior, em um intervalo de 30 a
40 pontos, observamos que situa-se na faixa de 10 a 15 UM, 10 a
15 salários mínimos, 58,62% dos casos, possuem até 04 pessoas
na família, 65,51% dos casos; a escolaridade varia do segundo
grau completo até o superior completo ou incompleto, ou seja,
com até 16 anos de estudo e no mínimo 12 anos, 41,37% dos
casos; vivem em habitação própria e de boa situação, 48,27% dos
casos; são trabalhadores assalariados administrativos, técnicocientíficos, 37,93% dos casos, ou profissionais liberais autônomos,
24,13% dos casos. Enquanto que o estrato médio propriamente
dito, situa-se na faixa de 15 a 35 UM, 15 a 35 salários mínimos,
85,71% dos casos; tem até 04 membros na família, 50,00% dos
casos; com nível superior, mais de 16 anos de estudo, 78,57%
dos casos; vivendo em casa própria em ótima situação 85,71%
dos casos; e em regra, são profissionais liberais autônomos,
64,28% dos casos.
O estrato médio superior, por sua vez, no intervalo de 47 a
54 pontos, situa-se na faixa de 35 a100 salários mínimos, 66,66%
dos casos; com até 04 membros na família, 66,70% dos casos;
tendo realizado estudos até o nível superior completo, 66,66% dos
casos; mora em casa própria em ótima situação, 66,66% dos
casos; e são trabalhadores da alta administração, 50,00% dos
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
123
casos, ou empresários, 25,00% dos casos, ou profissionais
liberais, 25,00% dos casos. Para o estrato alto não houve
amostra.
Esse mesmo instrumental foi objeto de uma outra pesquisa
denominada “Aproximação e configuração da realidade sócioeconômica dos usuários do HRAC-USP" (Graciano et al, 1999)
numa amostragem de 3.059 casos, indicando algumas alterações,
incorporadas nessa nova edição. Verificou-se que nesse estudo o
índice de aprovação do instrumental foi de 98,8%, demonstrando
mais uma vez a sua viabilidade e eficácia.
O Instrumental frente as novas exigências da profissão Assistente Social: elementos conclusivos
Contemporaneamente, entre os diversos desafios colocados
para o Serviço Social, em razão do processo sócio-histórico
mudancista já analisado, está a necessidade de revisão e
ampliação dos instrumentos operativos para atuação profissional.
No caso, dos profissionais - Assistentes Sociais do HRACUSP, é de inegável valor a preocupação contínua com a avaliação
do trabalho executado e, consequentemente da metodologia de
ação e seus resultados.
A diferenciação deste grupo de profissionais de outros, em
outras instituições sociais e mesmo em hospitais, é resultante da
cultura de um trabalho comprometido e de reflexão sobre a
prática, criada pela coordenação do Setor de Serviço Social em
conjunto com suas colaboradoras de atuação.
O Serviço Social na área da saúde se destaca de outros
campos profissionais por ter se legitimado historicamente, em
primeiro lugar, frente a outros profissionais, que tiveram mais
dificuldades em fazê-lo. Conforme depoimentos apresentados por
Madre Mesquita (1995), uma das profissionais pioneiras nesta
área de trabalho, a classe médica valoriza muito a ação do
Serviço Social no Hospital das Clínicas de São Paulo, pelos idos
de 1940 a 1960.
O conhecimento da profissão de Assistente Social pelos
médicos não se resumia aos seus objetivos mas também sabiam
sobre as suas funções e técnicas de abordagens. É também neste
período que as Assistentes Sociais, no Hospital das Clínicas,
124
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
implantam a Seleção Econômica Social como uma das
especialidades do Serviço Social.
O Serviço Social foi chamado a realizar a Seleção
Econômica Social dos pretendentes ao atendimento da instituição
hospitalar. Isto se fazia necessário porque os recursos disponíveis
para o atendimento a população eram escassos e, portanto, havia
a necessidade de delimitar a população a ser atendida.
Este tipo de serviço foi criado como função subsidiária das
demais funções do "Serviço Médico Social", na época assim
designado, devendo ser acompanhado do estudo do paciente e de
seu problema.
Após a implantação da diretriz da universalidade de
atendimento à saúde nos hospitais-escola, principalmente, houve
a suspensão deste serviço porém, nunca se deixou de valorizá-lo
como parte integrante da ação profissional.
Neste estudo, procuramos resgatar a aplicação deste
instrumental de investigação diagnóstica por concebê-lo como
meio importante de aproximação e de conhecimento da realidade
do paciente, bem como forma de orientação aos responsáveis
pelo desenvolvimento e acompanhamento de seu tratamento. É
meio também de se evidenciar através de sua operacionalização
contínua do dinamismo da sociedade brasileira e de suas
demandas sociais relativas à questão da saúde.
Com base em Martinelli e Koumrouyan (1994), entendemos
instrumental como o conjunto articulado de instrumentos e
técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional
resultante de uma dada visão crítica da realidade com
interferências tanto de natureza estratégica ou tática como técnica
decorrentes do uso de conhecimentos - habilidade e criatividade.
O instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados
isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma
unidade (entrevista/relatório, visita, reunião, observação
participante, etc.) , produto desta visão concebida.
É por excelência uma categoria relacional e abrange não só
o campo das técnicas como também conhecimentos, métodos e
habilidades.
É portanto, uma categoria que se constrói a cada momento,
a partir das finalidades da ação que se vai desenvolver e dos
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
125
determinantes históricos, políticos, sociais e institucionais à ela
referidos.
O HRAC-USP através do Serviço Social reconstruiu seu
novo instrumental de classificação sócio-econômica não somente
com o objetivo de incluir as pessoas em seus programas de
reabilitação, mas com a finalidade de conhecer as condições de
vida de seus usuários para que o tratamento interdisciplinar seja
planejado de forma global em atendimento as suas carências,
necessidades, expectativas e possibilidades.
Tem, portanto um eixo valorativo - que se reporta ao campo
das finalidades e objetivos - um eixo metodológico - que se
reporta ao campo da operacionalização bem como um eixo
operativo, que se reporta ao campo das estratégias e táticas.
A direção e alcance do uso desse instrumental são portanto,
determinados essencialmente, pelo agente institucional por sua
consciência crítica e por sua criatividade. Temos consciência que
cabe ao Hospital enquanto organização - exigir instrumentais que
garantam dados quantitativos sem que se negue o seu valor - pois
fazem parte da lógica institucional, mas torna-se indispensável
que se possa complementá-los com instrumentais de natureza
qualitativa - construídos pelos próprios agentes institucionais, que
os determinam socialmente e os produzem historicamente a
exemplo desse novo instrumental construído coletivamente pela
equipe do Serviço Social na sua ação cotidiana visando o estudo
social de seus usuários.
Esse procedimento também denominado no Serviço Social
como "triagem sócio-econômica", deve ser percebido como um
registro vivo do cotidiano dos usuários dos serviços e suas
carências e de suas estratégias de sobrevivência e resistência.
Segundo Sposatti et al (1985) tem também o papel
fundamental de veiculação de informações referentes ao direito de
cidadania, a compreensão da burocracia institucional e a
motivação para a busca dos serviços que necessita e de
organização sócio-comunitária de seu cotidiano.
Entendemos assim, que a "triagem" independentemente de
sua instrumentalização, deve propiciar a prestação de assistência
ao indivíduo como um direito, devendo ser visualizado numa
perspectiva mais ampla, pois permite o conhecimento da história
de vida dos usuários, suas necessidades e suas experiências.
126
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
É preciso então, recuperar o sentido dessa "triagem" no
Serviço Social, pois o ser social enquanto ser político comparece
na organização social do Estado como um cidadão e essa
passagem do ser social para a cidadania é um espaço constitutivo
do trabalho do Serviço Social, precisando ser fortalecido na sua
prática cotidiana, devendo portanto esse novo instrumental
favorecer essa passagem.
GRACIANO, M.I.G., LEHFELD, N. A. S., NEVES FILHO, A. Evaluation criterion
for a social economic on: Bringing up to date elements. Serviço Social &
Realidade (Franca). v.8, n.1, p.109-128, 1999.
•
ABSTRACT: The fundamental purpose of this study is to bring up to date the
methodology of social-economic classification proposed by the author
Graciano (1980), who is a social worker for Hospital de Pesquisa e
Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, from São Paulo University (HPRLLPUSP), because of the changing process which the Brazilian society has been
living in the last decades as it was shown in Part I.
•
KEY WORDS: social-economical classification, stratification, instrumentation,
methodology, assessment criterion.
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128
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999
A FAMÍLIA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA A
CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA1
Mário JOSÉ FILHO*
•
RESUMO: Falar de famílias é remontar às nossas origens, é desnudar
nossas crises quando buscamos arquétipos ideais que preencham o vazio
de nossas indagações, que são universais. A família neste final de século
passa por diversas transformações, que sem dúvida alguma exigem novas
reflexões e novas posturas na compreensão de sua real necessidade para o
existir humano. Daí o enfoque dado à família, como espaço privilegiado para
a construção da cidadania, na esperança de que, encontrando uma
presumível resposta para nossas inquietações, possamos, como ser político
que somos, trabalhar efetivamente para o bem comum. Preocupamo-nos,
inicialmente, em estabelecer subsídios teóricos que dessem embasamento
ao objeto de nossa pesquisa e, nesse sentido, retornamos à origem da
humanidade, trazendo à luz de nosso trabalho a trajetória do homem
inserido no contexto de família, entendendo-a como instituição que ela
representa. Sendo a família objeto de preocupação dos órgãos
internacionais no sentido de que é ela a principal responsável pela
alimentação e pela proteção da criança, da infância à adolescência, bem
como em toda vida humana, consideramos que deveríamos destacar a
importância da atuação do SERVIÇO SOCIAL, quando este atua como
“processo político transformador”, enfatizando a assistência social. Num
segundo momento, tendo sido a presente abordagem elaborada com a
preocupação de ser dado enfoque científico ao tema, foram colhidas do
cotidiano de famílias representativas da classe média brasileira,
amostragens que nos apontam perspectivas, aproximando-nos de quais são
as expectativas da população em relação a esse assunto, verificando-se que
os sujeitos de nossa pesquisa foram unânimes em afirmar que é a família
um espaço privilegiado para a construção da cidadania, reconhecendo
muitas vezes sua limitação. Acreditamos que este tema não se encerra aqui,
por ser ele demais abrangente, contudo ao compreender o processo
evolutivo da família como instituição, entendemos que “até o momento ainda
não descobriram outra forma mais eficiente de se ensinar gente a ser gente”
e, portanto, exercer seus direitos e deveres de cidadão, resgatando dessa
forma a noção de cidadania.
•
PALAVRAS CHAVE: Família; cidadania; serviço social; assistência.
1
Tese de Doutorado em Serviço Social, defendida em 29 de Maio de 1998 na
Universidade Estadual Paulista – UNESP – Franca – S.P.
*
Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
129
A Família como espaço privilegiado para a construção da
cidadania
Antes de qualquer exposição, é importante salientar que em
todos os grupos sociais, mesmo culturalmente diversos,
encontramos a “FAMÍLIA”, como algo que é concreto na história
dos homens.
Podemos nos perguntar: alguém conhece e poderia informar
se existe alguma forma de viver, ou melhor, de sobreviver, sem ter
alguém que “cuide” do ser humano? O homem conseguiria
sobreviver se não houvesse alguém que substituísse o que é
natural na vida das pessoas? Certamente todos nós carregamos
dentro de nós uma concepção de família, que em sua definição
não varia muito de uma pessoa para outra, apresentando sempre
um modelo ideal, referente à família. Os laços que vão sendo
valorizados, o comportamento esperado de seus membros, a
expectativa dos papéis sociais que deverão ser cumpridos pelos
membros da família, revelam respostas semelhantes, próximas e
valores comuns. Podemos dizer que a família é e sempre será o
local privilegiado de “gente ensinar a ser gente”, pois desde a
origem da humanidade a família passou por inúmeras
transformações, seja de sua composição, seja em suas funções,
seja em suas formas e suas delimitações classificatórias, mas é
nela que são introjetados e vividos conteúdos por todos nós.
Para estudar este tema lemos aproximadamente duzentas
obras e podemos afirmar que não há um modelo ideal de família a
ser adotado hoje. Christine Colange em seu livro “Defina uma
Família” (1994) coloca: “São tantos, atualmente, os modelos de
família, que se tornou impossível classificar e principalmente julgar
os bons e os maus “planos de família”,- Como poderíamos dizer
de um “plano de carreira”. Alguns encontram seu equilíbrio numa
relação estável e fechada, uma célula voltada sobre si mesma que
eles fortificam contra as agressões e mudanças de qualquer tipo.
Eles exigem muito dos seus parentes, mas em troca se
prontificam em dar muito de si mesmo. Outros, ao contrário, nada
querem sacrificar da sua aventura pessoal, preferem uma fórmula
de família “personalizada”, sem constrangimento e sem
obrigações, onde os indivíduos vêm basicamente recarregar as
suas baterias antes de saírem mais uma vez pelo mundo afora.
Ao juntar a documentação para este livro, vocês nem podem
130
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
imaginar o número de famílias que eu pude catalogar! Fascinados
pela diversificação destes modelos, demógrafos dão uma
demonstração de uma criatividade inaudita, vejam só: família
“casulo”, família “Disneilândia”, família “clube”, família “moderna”,
família “tradição”, família “cepa”, família “monoparental”, família
“em kit”, família “reconstituída”, família “aberta”, família “invisível”,
família “new-look”, família “nuclear”, família “comunitária”, família
“fragmentada”, família “parceira”, família “de fusão”...vou parar por
aqui. Já temos a nossa prova: a diversidade de parentesco, a
variedade de modos tornam qualquer classificação impossível.
Lembro-me de uma canção da minha infância que dizia:
“Um amor como o nosso, um amor sem igual
Não é como os outros, o nosso é fenomenal...”
É só substituirmos “amor” por “família”, aí teremos uma
representação bastante correta da situação atual. Família como a
minha, família como a sua, provavelmente não há duas iguais...”.
Com estas idéias e com este procedimento reflexivo sobre o
tema chegamos a uma formulação conceitual sobre a família.
Podemos definir família como: “Um homem e uma mulher que se
unem para um relacionamento estável e duradouro. Desse
relacionamento estável e duradouro podem ou não ter filhos,
frutos de seu amor, e estão abertos para o mundo”.
Delimitamos assim um tipo de família que, ainda hoje em
nossa sociedade, se faz presente em sua maioria. Podemos dizer
que suas atribuições funcionais estão sendo transformadas pela
evolução
dos
tempos,
a
“Família
Nuclear”
mudou
significativamente.
O significado da família para cada indivíduo pode ser muito
diferente, entretanto é certo que todas as pessoas, vieram de uma
família, seja ela como for, e é fato real que essa relação teve e
tem a ver com o desenvolvimento educacional, moral, religioso de
cada indivíduo dentro da sociedade. O homem necessita de algo
para protegê-lo, ensiná-lo e guiá-lo por algum tempo, pois este é
um fato natural da humanidade.
De acordo com a literatura e estudo sobre o assunto, a
família brasileira seria o resultado da transplantação e adaptação
da família portuguesa ao ambiente colonial brasileiro, tendo assim
gerado modelos patriarcais e tendências conservadoras em sua
formação.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
131
A família brasileira no período colonial, apresentou uma
característica complexa, absorvendo em seu núcleo componentes
de várias origens criando assim uma miscigenação muito ampla.
As famílias eram em sua maioria nucleares, com poucos filhos se
levarmos em consideração fatores ocorridos na época, como alta
taxa de mortalidade infantil e facilidade de mobilidade espacial da
população. Era muito importante preservar a linhagem dentro do
casamento assim como a fortuna e o grupo social, o
consentimento do pai para a realização dos casamentos e optar
pelo futuro dos filhos era incontestável.
A família patriarcal foi o tipo de família que existiu do século
XVI ao século XIX, onde considera-se toda a formação social do
Brasil. Durante todo esse tempo a sociedade colonial foi composta
pela família patriarcal que era considerada "uma família" e a "não
família", que era constituída pelos desagregados reunindo a
maioria da população.
Na família patriarcal, as práticas sociais eram consideradas
como a submissão da mulher e o casamento entre parentes como
forma de demonstrar a importância da linhagem e de seu contexto
histórico dentro da sociedade da época.
A família patriarcal, vista do lado funcional, estava
constituída numa sólida estrutura de relações econômicas e
políticas, mas não era vista dentro de uma relação afetiva de
procriação e relação sexual dentro do espaço do casal. Pode-se
afirmar que a família constituía uma organização de produção e
administração, em defesa do status social dos seres envolvidos e
dela dependente. As relações de procriação, afeto, satisfação
sexual ocorriam de forma demasiada fora do convívio familiar,
considerando assim um foco de "desordem" dentro de uma
estrutura que defendia a "ordem".
Durante essa trajetória da família patriarcal não poderíamos
deixar de lado os negros que constituíam formas de organizações
alternativas impostas pelos "senhores". De uma forma muito
genérica podemos dizer que a mistura de raças começou com o
cruzamento de "nobres" com escravos, mas por pior que fosse
sua organização familiar, poderia ser considerada melhor do que a
família patriarcal, pois esta vinha da massa da população não
tendo uma estrutura econômica e social relacionada com a
estrutura familiar.
132
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
Uma análise estrutural feita no Piauí na época colonial
indicou que a família patriarcal não poderia mais ser vista como
única forma de organização familiar, pois já nessa época muitas
famílias eram chefiadas por mulheres e o homem de certa forma
deixou de ser o único ser absoluto dentro do espaço familiar,
sendo assim chamada de "Moderna Família Conjugal".
Esse tipo de estrutura familiar possibilitou a criação de uma
nova estrutura influenciada por pressões do mundo capitalista e
pela industrialização, surgindo a necessidade de ter arranjos
familiares diversos.
Após a Independência não havia proibições legais para
impedir o casamento de pessoas desiguais (cor, raça, posição
social), desde que houvesse o consentimento paterno. Durante
esse período e depois percebeu-se a ausência constante de
casamentos atingindo pessoas de ambos os sexos e de qualquer
condição social.
Com a fundação da República (1889, fim do trabalho
escravo e o começo da urbanização e da industrialização), teve
início a discussão sobre a formação da nacionalidade e da
cidadania, que englobou três raças, o constrangimento foi um fator
inevitável para os "contras" a esse tipo de política.
Considerando o conjunto da sociedade as classes populares
e os negros foram vítimas de arranjos políticos que garantissem
sua exclusão. Era difícil pensar em educar a massa da população
e ex-escravos para a nacionalidade e a cidadania.
Na virada do século XIX para o XX pouco se podia fazer
para as famílias populares de origem africana, pelo determinismo
biológico estabelecido, inferiorizando os negros e as classes
populares de qualquer política social confinando-os à exclusão e a
não nacionalidade.
"Seres inferiores" era uma forma taxativa de lidar com a
população pobre, pois não poderia haver uma política de
educação se essas pessoas não podiam aprender. Essa forma de
organização atrasou muito o país com relação às políticas sociais.
A história é clara e taxativa e talvez por esse motivo a realidade é
tão desoladora.
Foi no Estado Novo que surgiram as primeiras políticas
públicas na área da educação e da família, com segundas
intenções ao autoritarismo.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
133
Nesse período começa a ser dada a importância à idéia de
“família regular”, “saudável” apostando no branqueamento da
sociedade brasileira, juntamente com a Igreja que ajuda o Estado
dando suporte teórico e prático para uma maior eficiência das
políticas públicas na área da família e da educação.
A Igreja foi a instituição que apresentou as primeiras
medidas educacionais com as famílias, por serem portadoras de
conhecimentos teóricos e práticos. Foi a Igreja Católica que
preencheu os espaços deixados pela República nas políticas
sociais de atendimento à família e à educação.
Apesar das mudanças e dos conflitos a família é única em
seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade,
afetividade, responsabilidade dos indivíduos em especial na
infância e adolescência. A família não é só um tecido fundamental
de relações, mas um conjunto de papéis definidos que devem ser
trabalhados como forma de um crescimento conjunto não só
dentro do âmbito familiar mas dentro da vivência social dos
indivíduos.
A família desde a sua formação, durante todo o processo de
desenvolvimento passou por muitas transformações, adaptações
e nos dias atuais, ainda passa por muitas modificações em seus
conceitos, sua função e seu significado perante ao homem e a
sociedade.
É difícil imaginar a família durante todo o processo histórico
que acabamos de abordar, no entanto são muito coerentes os
fatos, apesar de remotos muitas vezes coincidem com a realidade
atual.
Um fator muito importante que enfatizamos neste trabalho é
o significado da família como veículo de transmissão de valores
considerados “corretos" (Justiça, Solidariedade, Educação,
Saúde, Respeito, Responsabilidade), para a construção de um
homem mais cidadão, mais saudável e correto dentro do convívio,
seja ele familiar ou comunitário. É preciso considerar que hoje a
família pode ser formada de diversas maneiras e não estamos
aqui para julgar qualquer tipo de família, mas sim, para pesquisar
e questionar a validade do ambiente familiar e qualificá-lo como
uma base de construção da cidadania para cada indivíduo.
Segundo estudos realizados por alguns pesquisadores
sociais como Mário Ferrari coordenador de Programas da UNICEF
134
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
e Silvio Manoug Kloustian oficial de políticas sociais da UNICEF, a
família é um espaço privilegiado para a prática de valores como
responsabilidade, respeito e o aprofundamento de relações de
solidariedade, no entanto hoje este quadro está muito distorcido.
Com a crise econômica e social pela qual o país e o mundo vem
passando, o nível de qualidade de vida entre as famílias
brasileiras vem caindo muito, não que seja a pobreza a
responsável pela desestrutura familiar atual. Mas a pobreza é
também um fator muito importante neste quadro que deve ser
analisado de forma específica.
A família é o espaço privilegiado para a socialização, divisão
de responsabilidade, prática de tolerância, busca da
sobrevivência, lugar inicial para o exercício da cidadania e base
de conhecimento sobre igualdade, respeito, direitos e deveres
dentro da sociedade.
De forma clara, é fácil perceber que deveria ser simples
ajudar um indivíduo a se formar e se transformar em um homem
de bem, porém não o é. É desta forma que desenvolvemos nosso
trabalho, colocando a família como primeira privilegiada para a
construção da cidadania.
Não há dúvida de que a situação de bem estar das crianças
e adolescentes está diretamente relacionada a um
desenvolvimento familiar estável e consequentemente um
crescimento psicossocial mais aberto às mudanças e dificuldades
do dia a dia.
A família na vida de um indivíduo é o seu ponto de
referência para a vida que terá lá fora, a começar da escola, que é
o segundo passo para sua socialização e a formação do caráter
do adulto que será um dia. Como lei própria e injustiça social é
nesta primeira fase que a criança começa a ser selecionada
dentro de seu ambiente de convívio, pela situação sócioeconômica de sua família, e desta forma vão se criando grupos de
uma mesma natureza ou pelo menos de uma mesma condição
social.
As famílias das classes populares têm encontrado muitas
dificuldades com relação às políticas públicas de assistência pela
resistência que há em empreender a perversidade do sistema
ideológico, uma vez que as diferenças étnico-culturais não são
respeitadas.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
135
A valorização da família, enquanto produção de identidade
social, é fundamental para a formação de cidadania ativa e
consistente de cada indivíduo para que ele possa cumprir seu
papel de sujeito principal e criador de sua história. É importante
ter-se em mente que de norte a sul, de leste a oeste, ricos e
pobres fazem parte de uma mesma nação e enquanto tal deve-se
de forma uniforme tentar reconstruir um papel forte de identidade
pessoal dentro de suas famílias, pois esta é o princípio de
formação da cidadania de qualquer indivíduo.
O objetivo deste trabalho não é traçar perfis, mas afirmar
que é na família que se encontra o espaço privilegiado para a
construção da cidadania, motivando as famílias para assumirem
sua função de construtoras de cidadãos.
Hoje uma questão que está em todas as instâncias da
sociedade, é a “Seca do Nordeste”, sabemos que inúmeras coisas
dependem
de
uma
política
governamental,
mas
a
SOLIDARIEDADE, tão falada, onde a adquirimos? É no espaço
familiar um dos primeiros locais que podemos vivenciá-la.
As questões que se impõem sobre a Cidadania, não deixam
de ter um pano de fundo nas questões familiares.
É na relação em família que acontecem os fatos mais
marcantes da vida de cada um de nós: a descoberta do afeto, da
subjetividade, da sexualidade, a experiência de vida, a formação
da identidade pessoal, o nascimento e a morte. Portanto, quando
falamos de família nos referimos a algo que a maioria de nós
experienciamos, carregado de significados afetivos, de
representações, opiniões, juízos e expectativas atendidas ou
frustradas. “Falar de famílias é rememorar a nossa identidade e o
nosso espaço mais íntimo de existência. É tocar no locus que dá
origem à nossa história. (Carvalho, 1994, p.5).
Educação para a cidadania
...”A família educa, o mundo, a escola, a televisão
muitas vezes deseduca...”
A cidadania vem sendo construída historicamente pela luta
dos excluídos, pois existe uma carência global de necessidades
do homem se fazer sujeito de seus direitos, uma questão de
princípios e não de benevolência.
136
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
A educação para a cidadania deve ser um princípio básico
para a formação do indivíduo. Podemos dizer que a família é um
fator fundamental para o crescimento sadio e estabelecedor de
princípios verdadeiros das pessoas.
Na análise de como se dá a cidadania dentro do espaço
familiar é fácil perceber que a educação para a cidadania se inicia
na família, porém a questão da cultura é um outro fator
indispensável nessa análise.
O Brasil por ser um país explorado desde seu
descobrimento teve um fator histórico importante durante seu
processo de desenvolvimento, o princípio de uma “cultura
deficitária” onde a construção para o exercício da cidadania não é
um elemento muito relevante. A cultura constitui o contexto próprio
para a educação, porque este é um elemento de mobilização,
então podemos afirmar que a educação é um fator fundamental
para a formação do cidadão desde seu nascimento, dentro da
família e depois na escola, onde seus primeiros conceitos de
sociedade serão formados.
A maior virtude da educação é a de ser um instrumento de
participação política, sendo necessária a qualquer indivíduo,
porém percebemos que só esta não é suficiente, existem outros
elementos que devem ser analisados dentro deste contexto.
A participação, a liberdade, a família são processos de
conquista que estão fundamentadas na dimensão básica da
cidadania, e com ela um crescimento contínuo de sujeito de
participação do seu cotidiano político e social dentro desta
sociedade a qual pertence. A participação é um elemento
qualitativo e o desenvolvimento do indivíduo dentro da sociedade
não o é, pois na lógica do poder, não se aprecia o cidadão crítico
e produtivo, mas o manipulado e o dependente, sendo isto motivo
para reflexão.
A questão político-participativa em política social coloca questões
complexas, a partir do reconhecimento de que política social não
se restringe à atuação pública. Diante da questão social – da
desigualdade social –, o confronto entre iguais e desiguais se dá
na arena pública e civil, sendo esta muitas vezes mais decisiva, e
sempre mais fundante. Esta característica serve, ademais, para
testar a qualidade política de uma sociedade:
onde a
desigualdade é somente confrontada na arena pública, reina a
tutela sobre a sociedade, que acaba cristalizando, novos
conteúdos históricos. Condição fundamental de cidadania é
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
137
reconhecer criticamente que a emancipação depende
fundamentalmente do interessado. Não dispensa apoios – os
públicos são sempre necessários – e instrumentais. A estratégia
secular de obstaculização do processo de formação da cidadania
inclui a tutela em particular políticas sociais assistencialistas, que
aplacam o potencial reivindicativo e transformador em troca de
migalhas (Demo,1992, p.20).
O poder tem por lógica oferecer escolas pobres para
crianças pobres, saúde pobre para doentes pobres, uma política
pobre para as pessoas que ele próprio reproduz, “pobre” sempre
pobres em habitação, educação, saúde, lazer, justiça.
A esfera pública da educação tem por função a transmissão
de conhecimento e de aprendizagem, pois as famílias preparam
as crianças para ir à escola para que possam aprender a ler, a
escrever, a viver em sociedade. A socialização dentro da escola é
uma reprodução ideológica de conhecimentos, como hábitos,
atitudes e expectativas de vida, no entanto devemos enfatizar que
a educação de um indivíduo dentro do espaço familiar e escolar é
imprescindível para uma formação “correta”. É fácil perceber,
neste momento, a questão da cultura dentro deste contexto, pois o
Brasil por muitos fatores sejam eles econômicos, sociais ou
relações de poder não cultiva esse tipo de cultura, o de
aprendizagem. Uma aprendizagem correta sobre o mundo que
envolve as pessoas dentro da sociedade, onde têm direitos e
deveres, e têm acima de tudo o compromisso de participar e estar
consciente dos fatos e acontecimentos em sua volta e que dizem
respeito a todos os cidadãos como um todo.
Dentro desta análise podemos dizer que a estrutura de
poder organiza a educação de forma universal, visando à
sedimentação da cidadania da camada da população mais pobre.
Porém não podemos perder de vista o sentido real da educação
que é a participação como introdutora da cidadania, como
processo formativo do indivíduo como sujeito de sua história.
Pedro Demo em seu livro “Participação é Conquista”, coloca
que o projeto de cidadania envolve vários elementos que achamos
de extrema importância evidenciar:
a) noção de formação;
b) noção de participação, de autopromoção, de autodefinição;
c) noção de sujeito social;
d) noção de direitos e deveres;
138
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
e) noção de democracia;
f) noção de liberdade, igualdade, comunidade;
g) noção de acesso à informação e ao saber;
h) noção de acesso à habilidades (1988, p.52-53).
A educação para a formação de cidadania é um processo
lento e profundo que poderá levar gerações para se perpetuar
concretamente dentro do espaço social. A dimensão de
construção é muito ampla e longa, pois trata-se de construir
“gente”, além de meros trabalhadores treinados e alienados,
estamos falando de construir “pessoas” informadas e conscientes
de sua situação e condição dentro da sociedade a qual lhe atribui
direitos e deveres sociais.
É importante não perdermos de vista que a pobreza, a falta
de educação, saúde, cidadania não é destino ou sina, mas fruto
de um processo histórico opressor, que a sociedade precisa com
muita consistência superar.
Ao buscarmos alinhavar algumas reflexões sobre a temática
da família no Serviço Social, deparamo-nos com impasses da
profissão na relação teoria/prática. Percebemos pela pesquisa
bibliográfica e/ou documental que pouco se tem produzido sobre o
tema família em Serviço Social, se relacionarmos com outras
profissões.
Existem experiências que vão se sistematizando e
documentando, na perspectiva de se construir matrizes teóricas
para conceituação e definição da postura teórico metodológica
frente à temática.
Dessa forma, o debate no âmbito da profissão continua
incipiente, o que não condiz com a tradição que o Serviço Social
tem no trato com famílias (Nedder, 1995), nem com suas
possibilidades para desenvolver uma discussão original que venha
contribuir tanto para o debate interdisciplinar como para a vida dos
muitos profissionais (assistentes sociais ou não) que intervêm
quotidianamente em questões familiares.
A articulação das idéias família e cidadania passa por
diversos momentos e estágios que vão se aprimorando através da
história e da sedimentação da cultura.
Com segurança podemos dizer que os jovens carecem de
um sólido núcleo familiar, fundamentalmente no plano social, sem
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
139
o qual não tem orientação e nem grandes possibilidades de
estabelecerem uma personalidade adulta.
Por isso é que nessas condições se encontram
tremendamente sós, no meio de uma multidão que os ignora. Na
busca de uma família à qual desejam pertencer, já que a sua está
partida, conseguem até inventá-la. Surge assim, o hippie (ou seus
herdeiros), que inventa a "família hippie", de protesto amoroso;
drogado que procura escapar da realidade, ou o "delinqüente" que
quer arrancar da sociedade o que sente que esta lhe deve.
A enfermidade não admite saídas excessivamente fáceis,
como os qualificativos habituais de "comunistas" ou "rebeldes"
(que também existiam nos países que eram comunistas). Agora
são os jovens do Terceiro Mundo, os moreninhos da América do
Sul ou do Norte da África.
A solução não está na surra dos pais, ou em qualquer outro
tipo de repressão em nível sociopolítico ou militar. É conveniente
lembrar que a violência só gera violência... Sumiu o problema
Leste-Oeste e veio o Norte-Sul, ricos-pobres. Tudo igual, os
nomes e o cenário mudam, o conteúdo, a luta, a doença mental e
os conflitos humanos são idênticos.
O fundamental - não nos cansamos de repetir - é consolidar
a família sobre bases de amor e respeito pela personalidade e
oferecer à criança - para hoje e para seu futuro - a segurança de
uma
vivenda
digna,
possibilidades
de
se capacitar
profissionalmente e de realizar seus ideais e vocações genuínas.
Devemos propiciar uma educação ampla e estimular o sentimento
da necessidade de saber quem é quem, o que cada jovem poderá
ser no futuro. Não recusemos essa responsabilidade e essa
obrigação, que devem iniciar-se na família e estender-se aos
grupos sociais e à sociedade como um todo.
Inúmeras pesquisas apontam que ao olhar sobre a realidade
percebe-se que a família sofreu e está sofrendo profundas
mudanças, tanto em sua estrutura, quanto em suas funções,
devido a uma nova compreensão das relações intrafamiliares, às
novas concepções e técnicas de procriação, à redução do número
de filhos, às mudanças políticas e econômicas externas e
internas, à emancipação e ao trabalho da mulher, à mudança na
maneira como se dá o conflito das gerações. a existência ou
140
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
superposição de vários modelos familiares e outras razões.
Estamos diante de uma realidade difícil de ser abarcada.
As novas circunstâncias que descrevemos no corpo de
nosso trabalho revelam os tempos modernos e apresentam um
amplo leque de constituições familiares. A simples enumeração
desses diferentes tipos de famílias nos coloca diante de várias
interrogações: Para que existe a família? Por que nem todos os
homens e mulheres conseguem viver o sentido da família?
Todas as sociedades sempre cercaram o casamento e a
família de ritos e celebrações. As leis culturais que regem a
formação e a vida da família manifestam o ser de cada povo e
muito têm a ver com a fisionomia de cada sociedade.
O ser humano, ao contrário da maioria das espécies
animais, precisa de tempo relativamente dilatado para se
desenvolver, buscar sua própria sobrevivência e atingir uma certa
maturidade humana para assumir responsabilidades no mundo.
Necessita de um ambiente familiar onde possa assimilar uma
cultura e ser educado. O tempo de educação do ser humano é
lento e necessita da esfera protetora da família.
Em nossa análise, e colocando-nos em íntima relação com
nosso sujeitos da pesquisa pudemos perceber que, profundas
mudanças foram ocorrendo na sociedade brasileira neste século,
mormente a partir dos anos cinqüenta e sessenta. Tais
transformações da sociedade inevitavelmente haveriam de ter
reflexo na família, na autocompreensão que esta tem de si
mesma. Pode-se dizer que a família não dita normas para a
sociedade, mas é regida por forças que lhe chegam do exterior.
Evidentemente, comportamentos familiares vão se modificando.
Do universo amplo de nossos casais ( 10.000 ) observamos
que se enquadram nos Indicadores Sociais – IBGE pois ...”A
predominância das famílias integradas por casal com filhos vem
revelar a permanência de um padrão que tem se constituído
historicamente como o modelo básico de arranjo doméstico. Podese detectar, no entanto, nos anos recentes, a partir das
transformações sócio-econômicas as mudanças de valores que se
vêm forjando, o surgimento de uma tendência de modificações
nos padrões familiares, com expansão de outras formas de
arranjo conjugal, que não chegam, contudo, a abalar o padrão
dominante”. (IBGE, 1969, p.12).
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
141
Frente a isso podemos dizer que na realidade, homem e
mulher sempre se buscaram. Nunca terminará essa peregrinação
do masculino para o feminino e vice-versa. Essa pequena célula
social conhece transformações importantes através dos séculos e
das diferentes culturas.
Com os depoimentos dos casais na reunião focal, pudemos
elencar alguns posicionamentos dos mesmos, apontando
elementos positivos nestes últimos cinqüenta anos.
- Percebem a recuperação do amor como centro e cerne do
matrimônio para além de toda forma de institucionalização.
- Existe uma superação das discriminações (autoritarismo,
rnachismo, feminismo) com insistência da participação de todos
na vida da família.
- Num mundo massificado, frio, técnico-burocrático, vê-se o
esforço de fazer da família um lugar de felicidade, gratificação,
realização pessoal, embora com o risco de não se buscar uma
transformação da realidade; na mesma linha, verifica-se a
transformação da família em unidade essencialmente afetiva,
caracterizada pelo diálogo, marcada pela convivência e por
expressões de afeto em clima de segurança.
Em dois relatos observamos que nas classes média e alta,
verifica-se o fenômeno da adolescência prolongada, isto é, os
jovens ficam dependentes dos pais por mais tempo, sem projeto
de vida definido, sem vontade e condições de assumirem
responsabilidades adultas.
Ao lado de uma concepção de família fechada, cresce
também a consciência da responsabilidade social da família.
Com a valorização da mulher e de seu trabalho profissional,
redefinem-se nem sempre com facilidade e da forma mais
adequada, os papéis de homem e de mulher, na esteira da
predominância da subjetividade, tão característica de nossa
sociedade moderna, aumentam as uniões unicamente alicerçadas
no pacto de amor pessoal; o trabalho da mulher, tanto das classes
média e alta, quanto das classes menos favorecidas, exige que as
crianças permaneçam muito tempo em creches e fora de casa, ou
na rua; com a diminuição da pressão social, o vínculo conjugal se
torna mais frágil; presa do trinômio industrialização-urbanizaçãomigração, a família se desloca de um lugar para o outro com certa
facilidade, com todas as conseqüências daí advindas: moradia,
142
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
desraizamento sócio-religioso, afetivo; o secularismo atinge as
famílias de muitas maneiras, diminuindo o espaço ocupado pela
tradição e prática de valores religiosos.
Esses elementos que acabamos de elencar estão presentes
nas “falas” de nossos sujeitos da pesquisa e que se articulam com
o conceito e cidadania por nós apresentado.
Podemos ainda à guisa de conclusões apresentar que
historicamente temos uma tradição de favorecimento a parentes e
conhecidos. Tal fato tem sido grave problema para a vida pública
nacional. O fenômeno ocorre em altas esferas do poder, onde
políticos influentes empregam parentes e correligionários,
favorecendo interesses familiares, e chega até os patamares mais
humildes, onde o pequeno funcionário sempre encontra maneira
de favorecer os seus.
Não é de todo incomum que mães e pais ensinem seus
filhos a “escapar" das filas ou usar outros expedientes que
subvertem os direitos de outras pessoas. Ter um amigo ou
parente no serviço público ou em grandes empresas é um meio
usado, sem disfarce, para conseguir o que deveria ser obtido por
caminhos regulares, mas demorados. O que é coletivo ("orelhão",
praça pública, escolas, jardins, equipamentos comunitários) nem
sempre é tratado como propriedade da comunidade e com o
devido respeito.
Algumas famílias têm como ponto de honra cultivar os
valores humanos da hospitalidade, da solidariedade, da prestação
de serviço aos vizinhos, principalmente em caso de doença ou
catástrofe. Essa tendência natural do povo brasileiro vem
perdendo terreno porque muitos abusam da generosidade alheia.
As comunidades eclesiais de base e grupamentos, sobretudo de
povo mais simples, vivem esse espírito solidário.
Na família da grande cidade, morando em apartamentos,
pode-se observar uma postura de isolacionismo com relação à
sociedade e às outras famílias. Muitas pessoas estão
profundamente imbuídas do espírito individualista. Cada um
defende o que é seu. Evita-se o convívio, prefere-se a
acomodação e a tranqüilidade egoísta. Nota-se uma falta de
solidariedade e busca-se a privacidade. Não se leva em
consideração que a família pode ser agente de transformação. Os
amigos são selecionados e vive-se sempre com os mesmos.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
143
Nas comunidades de base, grupos de vivência cristã de
famílias e movimentos conjugais, no qual se insere o Movimento
das Equipes de Nossa Senhora, está nascendo uma consciência
política nova na linha de abertura para a sociedade e
transformação de suas estruturas injustas. A análise feita por
famílias da periferia está levando a urna leitura crítica da
realidade. Grande papel de transformação realizam os grupos
bíblicos de reflexão em famílias, há mesmo mobilizações locais ou
nacionais na linha da defesa dos direitos da família e infelizmente,
essas iniciativas ainda são tímidas e não conseguem seu intento
com pleno êxito.
A família se situa dentro do panorama cultural do país, onde
o trabalho é visto como meio individual de subsistência, em
primeiro lugar e poucas vezes é concebido como serviço prestado
à coletividade. Nem sempre as famílias demonstram sensibilidade
para com injustiças, distorções e preconceitos no mundo do
trabalho, a não ser nos casos em que um de seus membros é
prejudicado. Há, muitas vezes, um esforço na linha da ascensão
individual, sem consciência da necessidade de transformar as
relações de trabalho em seu todo. Na educação dos filhos, ainda
em nossos dias, a família mostra preconceito para com certas
profissões, valorizando umas e depreciando outras.
Por último, abrimos um espaço nestas conclusões para
apresentar a Família como Espaço Privilegiado para a Construção
da Cidadania.
Por sua própria dinâmica interna, a família tende a
ultrapassar os próprios esposos à medida que podem gerar filhos,
eles não os geram para si próprios mas para o mundo, para a
sociedade. O Papa João Paulo II em sua Exortação Apostólica
“Familiaris Consortio n.60” exorta as famílias: É vossa tarefa
formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em
todas as relações humanas, de modo que o amor fique aberto à
comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e de respeito
para com os demais, cônscio da própria responsabilidade para
com a (mesma) sociedade”.
Um adequado ambiente familiar vai moldando tanto valores
pessoais quanto valores sociais, todos eles intimamente
interligados. Entre estes valores, podemos destacar: a formação
da personalidade humana, base de uma sociedade saudável.
144
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
Com efeito, é no seio da família que a criança vai tomando
consciência de ser sujeito, que deve conviver com os outros,
partilhar com eles seus desejos e as aspirações. A experiência de
comunhão e participação, que deve caracterizar a vida cotidiana
da família, representa a sua primeira e fundamental contribuição à
sociedade.
É no seio da família que a criança toma consciência de estar
mergulhada numa história que tem passado, é vivenciada no
presente e aponta para o futuro. Nem a criança nem a sua família
podem sobreviver isoladamente: fazem parte de um todo maior,
que é exatamente "este mundo". Neste caminho destinado a se
enriquecer enriquecendo os outros, os apelos do amor exercem
uma função toda especial: é através dele que os filhos aprendem
a "deixar pai e mãe" e projetar-se para fora do ambiente familiar. É
assim que a criança pode, progressivamente, ir se integrando nas
comunidades humanas mais abrangentes, tais como a escola, a
cidade, a igreja, o mundo. Destarte, a família pode, efetivamente,
manifestar-se naquilo para qual é vocacionada: ser primeira
escola daquelas virtudes sociais que são a alma da vida e do
desenvolvimento da própria sociedade, ser célula primeira da
sociedade e protagonista de uma autêntica política familiar.
A família se insere no contexto de uma sociedade. Por mais
importante que seja, "a função social da família não pode
certamente fechar-se na obra procriativa e educativa”... (João
Paulo II, 1988) Enquanto comunidade educativa, a família deve
ajudar o homem a discernir a própria vocação e a assumir o
empenho necessário para uma maior justiça, formando-o desde o
início, para relações interpessoais, ricas de justiça e de amor.
A vida familiar tem incumbência de exercer uma função
social e política. “...As famílias devem com prioridade diligenciar
para que as leis e as instituições do Estado não só ofendam, mas
sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres.
Em tal sentido, as famílias devem crescer na consciência de
serem participantes da chamada política familiar e assumir a
responsabilidade de transformar a sociedade ...”. (João Paulo II,
1988).
É nesta altura que emerge como grande desafio a situação
de numerosas famílias: instituições e leis que desconhecem
injustamente os direitos invioláveis da família e da mesma pessoa
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
145
humana, e a sociedade, longe de se colocar a serviço da família,
agride-a com violência nos seus valores e nas suas exigências
fundamentais. Assim, a família, que é célula base da sociedade,
sujeito de direitos e deveres antes do Estado e de qualquer outra
comunidade, encontra-se corno vítima da sociedade, dos atrasos
e da lentidão das suas intervenções e ainda mais de suas
patentes injustiças.
Para muitos, ser cidadão confunde-se com o direito de votar.
No entanto, quem já teve alguma experiência política, no bairro,
no sindicato, na escola, na igreja, sabe que o ato de votar não
garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de
determinadas condições de nível econômico, político, social e
cultural.
Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e
deveres. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da
Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, que tem suas
primeiras matrizes marcantes nas Cartas de Direito dos Estados
Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1798). A proposta mais
funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda
que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E
ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o
acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o
direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é
direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos
políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus
valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem.
Isso tudo diz mais respeito aos direitos do cidadão. Ele
também deve ter deveres: ser o próprio fomentador da existência
dos direitos a todos, ter responsabilidades em conjunto pela
coletividade, cumprir as normas e propostas elaboradas e
decididas coletivamente, fazer parte do governo, direta ou
indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos
sociais, ao participar de assembléias, no bairro, na escola, no
sindicato ou partido.
Na realidade essas propostas são difíceis de serem
efetivadas, pois quem detém o poder cuida de encaminhar as
coisas na direção que atenda basicamente aos seus interesses, e
não aos interesses de todos, apesar da aparência contrária.
146
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
Contudo, existe a Carta Universal e ela transparece, em maior ou
menor grau, nas Constituições de cada país.
A Constituição é urna arma na mão de todos os cidadãos,
que devem saber usá-la para encaminhar e conquistar propostas
mais igualitárias. Por esse motivo, o conteúdo do exercício da
cidadania (direitos e deveres) é algo possível mas dependente do
enfrentamento político adotado por quem tem pouco poder.
Podemos dizer que só existe cidadania se houver a prática
da reivindicação, da apropriação de espaços, de fazer valer os
direitos do cidadão. Neste sentido, a prática da cidadania pode
ser, por excelência, a estratégia da construção de uma sociedade
melhor. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja
assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o
conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a
população.
As pessoas tendem a pensar a cidadania apenas em termos
dos direitos a receber, negligenciando o fato de que elas próprias
podem ser o agente da existência desses direitos. Acabam por
relevar os deveres que lhes cabem, omitindo-se no sentido de
serem também, de alguma forma, parte do governo, ou seja, é
preciso trabalhar para conquistar esses direitos. Em vez de meros
receptores, são acima de tudo sujeitos daquilo que podem
conquistar.
Se existe um problema em seu bairro, ou em sua rua, por
exemplo, não se deve esperar que a solução venha
espontaneamente. É preciso que as famílias se organizem e
busquem uma solução capaz de atingir vários níveis, entre eles o
de pressionar os órgãos governamentais competentes.
Sendo assim, a cidadania é o próprio direito à vida no
sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído
coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades
básicas, mas em termos do acesso a todos os níveis de
existência, incluindo o mais abrangente, o papel dos homens no
Universo.
Por questões metodológicas apresentamos anteriormente os
direitos do cidadão em três dimensões. Estes direitos devem
existir interligados, sua divisão é didática.
Direitos civis dizem respeito basicamente ao direito de se
dispor do próprio corpo. Esses direitos parecem óbvios, mas na
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
147
realidade são muito pouco respeitados pela maior parte da
população mundial, inclusive a do Brasil.
Lembremo-nos da experiência do Brasil de quase duas
décadas, período de anticidadania, de cerceamento da expressão
e da liberdade. A existência do esquadrão da morte, grupos de
extermínio que consideram determinados homens como se não
valessem nada. O quadro torna-se mais grave quando refletimos
sobre quem são esses marginais, em sua maioria a população
advinda da classe trabalhadora, levada à marginalidade devido à
própria exclusão. Poderíamos elencar inúmeros outros exemplos,
tais como os "escravos de fazendas", os "bóias-frias", os
trabalhadores rurais, e outros tantos que vivem em situação de
marginalização.
A luta pelos direitos civis de locomoção e de liberdade de
expressão tem sido intensa, mas ainda há muito a fazer para que
estes sejam respeitados.
Direitos Sociais dizem respeito ao atendimento das
necessidades humanas básicas. São todos aqueles que devem
repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano alimentação, habitação, saúde, educação. Dizem respeito
portanto, ao direito ao trabalho, a um salário decente e, por
extensão, ao chamado Salário Social, relativo ao direito à saúde,
educação, habitação.
É precisamente sobre esses direitos que os detentores do
capital e do poder têm construído a sua concepção de cidadania.
Com ela procuram administrar a classe trabalhadora, mantendo-a
passiva, "receptora" desses direitos que devem ser agilizados
espontaneamente pelos capitalistas e pelos governantes. À
medida em que os trabalhadores reverterem o quadro e
procurarem ocupar efetivamente os espaços acenados para os
direitos, podemos acenar para uma sociedade melhor.
Direitos políticos, referem-se principalmente à convivência
com os outros homens e, organismos de representação direta
(sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos,
associações de bairro) ou indireta (pela eleição de governadores),
resistindo às imposições dos poderes, por meio de greves,
pressões, movimentos sociais. Os direitos políticos dizem respeito
a deliberações dos direitos civis e sociais, esclarecendo quais são
esses direitos e de que modo chegar a eles.
148
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
Essas três dimensões de direitos, que compõe os direitos do
cidadão, não podem ser desvinculados, pois sua efetiva
realização depende de sua relação recíproca. Esses direitos, por
sua vez, são dependentes da correlação de forças econômica e
políticas para se efetivar.
Podemos dizer que a cidadania é a realização desses
direitos, que dá ao cidadão a condição de ter voz, voto, e vida
digna.
A cidadania como um direito, em nossa sociedade, precisa
ser recuperada, isto significa, reconhecer os direitos e deveres de
todos os que compõem a sociedade organizada. Na perspectiva
dos direitos seria a plena realização dos direitos humanos,
assunto tão amplamente discutido, mas que é ainda possível de
muitas outras discussões.
Em outra perspectiva aparecem os deveres principalmente o
compromisso comunitário de cooperação e co-responsabilidade.
Apesar de todos nós termos uma "cidadania individual", por
força da natureza humana, temos que participar de uma
"cidadania organizada", pois não se interessar por formas de
participação organizada, significa ter uma visão ingênua do
processo social. Na verdade por mais criticidade que haja na
cidadania individual, isto não quer dizer que tenha relevância
social corno estratégia de transformação.
Nesse sentido o desafio que se impõe às famílias que
compõem a sociedade brasileira para alcançar a cidadania, é
cada vez mais a participação social, pois ser cidadão é ser
"homem participante".
Não temos a visão de que a cidadania seria um consenso
definitivo, mas sim, a unidade dos contrários, o cidadão que vive
dentro do conflito de interesses, marcados pela provisoriedade do
dever.
A cidadania na sociedade acontece quando esta sabe tomar
consciência das injustiças, descobre os direitos e vislumbra
estratégias de reação para mudar o rumo da história. Podemos
concluir que a cidadania é a qualidade social e política de famílias
numa sociedade organizada.
Com estas idéias reflexivas sobre tudo o que vimos até
agora podemos terminar esta fase dos estudos que abrem novas
e inúmeras perspectivas para continuarmos a aprofundar o tema.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999
149
Uma coisa é certa que nos parece sensato retomar, acreditamos
na família como união estável e duradoura de um homem e uma
mulher, que podem ou não ter filhos, aberta para o mundo e como
espaço privilegiado para a construção da cidadania.
JOSÉ FILHO, M. The family as privileged space for the construction of the
citizenship. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.129-152, 1999.
•
•
ABSTRACT: Speaking about families is to come back to our origins, when
we looked for ideal archetypes that fill the emptiness of our inquiries, that
are universal. The family, at the end of this century, is suffering several
transformations that requuires new reflections in the understanding of the
real need of the human being. The focus given to the family, as a privileged
space for the construction of the citizenship, give us the oportunity to work
together. Initially we worried in establishing theoretical subsidies that gave
us support to the object of our research and in that sense, we come back to
our origin, bringing to the ligth of our work the man's trajectory inserted in
the family context, understanding it as an institution that it represents. The
international organs worries about the family because the family is the
responsible for the feeding and for the child's protection, of the childhood to
the adolescence, as well as in whole human life that we would highlight the
importance of the perfomance of the Social Service, when it acts as "a
political process that makes changes", emphasizing the social attendance.
In a second moment, having been the presente elaborated explanation with
the concern of giving scientific focus to the theme we collected from daily
routine of the Brazilian middle class families samples that shows the
expectations of the population in relation to that subject. We noticed that the
family is a space privileged for the construction of the citizenship recognizing
their limitation. We believe that this theme doesn't stop here, and we
understand that until now we don't know another more efficient from of
teaching people to perform its rights and duties' citzens.
KEY WORDS: Family; citizenship; social service; attendance.
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151
NORDESTE PAULISTA, ANTECEDENTES, CAMINHOS E
OCUPAÇÃO1
Claudia Maria Daher COSAC*
•
RESUMO: A situação social, econômica e política da região de Ribeirão
Preto, encontra-se estreitamente vinculada ao processo histórico da
formação do capitalismo agrário em nosso país. Originou-se através da
oligarquia cafeeira com bases no desenvolvimento do campo. E o mais
interessante é que esta história pode ser contada de 1850 até os dias de
hoje, ou seja, pouco mais de cem anos, o que a caracteriza como
praticamente nova e recente. A partir do contexto de expansão e
colonização regional, é importante notar a reconstrução do vínculo histórico
da formação do capitalismo agrário nessa região. Reviver esta história é
reconstituir a vida dos agricultores e pecuaristas, das fazendas e dos
fazendeiros.
•
PALAVRAS CHAVE: Nordeste Paulista; História Regional; Fazendas e
Fazendeiros; Café; Agroindústria Canavieira.
A origem deste estudo histórico provem de uma entrevista
concedida por um fazendeiro em julho de 1997, tendo em vista
sua importância e influência no processo de desenvolvimento da
agroindústria canavieira na região de Ribeirão Preto, objeto de
estudo da tese de doutorado “As Práticas Profissionais doa
Assistentes Sociais – Dimensão Interventiva na Agroindústria
Canavieira – Região de Ribeirão Preto-SP”.2
Nascido em 1926 em São Paulo, criado na fazenda
Invernada, município de Orlândia, no Nordeste Paulista, é
representante vivo de uma história muito presente. Pessoa
estudiosa e interessada nas descobertas sobre as raízes locais e
regionais, completa e ao mesmo tempo empresta seus
conhecimentos, integrando-se a uma equipe de pesquisadores do
Centro de Estudos Rurais e Urbanos - CERU - preocupados em
desvendar a história sobre a ocupação da área compreendida
entre os rios Pardo e Grande. O livro “Entrantes no Sertão do Rio
1
Este estudo provem de pesquisa realizada na elaboração da tese de doutorado
cujo tema liga-se à prática profissional do assistente social na agroindústria
canavieira na Região de Ribeirão Preto (para maiores esclarecimentos,
consultar a mesma na biblioteca da FHDSS-UNESP/Franca-SP).
*
Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca.
2
A ele devo meu agradecimento!
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
153
Pardo – o povoamento da freguesia de Batatais – séculos XVIII e
XIX”, foi o primeiro. O segundo já se encontra a caminho.
O relato do entrevistado foi preservado e veiculado neste
estudo mesmo tendo em vista o recorte temporal da investigação
definir-se na atualidade3. A reconstrução do contexto histórico
passa pela visão regional da história paulista, mais
especificamente da porção nordeste do Estado de São Paulo,
independentemente da década de 1930, quando da crise do café,
marcar a gradativa substituição pelo plantio da cana-de-açúcar na
região de Ribeirão Preto. Por esse motivo transmitimos a versão
dos fatos do entrevistado referente ao recorte temporal que indica
abertura de caminhos, aponta os antecedentes e a ocupação do
belo sertão desconhecido.
Outro esclarecimento pertinente ao próprio depoimento oral:
não houve a intenção de esgotar o entendimento da região
através apenas de uma versão mas destacá-la pela sua
particularidade, na ótica de um sujeito significante, participante e
integrante do processo de desenvolvimento agrário da região de
Ribeirão Preto. As particularidades históricas fundem-se sem no
entanto se confundirem.
Para ampliar a significação histórica do contexto regional,
sem a pretensão de reconstruir uma história total, misturando-se à
fala do depoente foram inseridas referências historiográficas. Foi
também respeitada a linguagem coloquial imprimida durante a
entrevista acrescida, por nós, de citações pertinentes à
historiografia clássica brasileira, historiadores locais, regionais,
memorialistas e cientistas sociais até que a história se fundisse ao
relato vivo.
Não é possível estabelecer um traçado histórico sem se
envolver com ele. Ainda mais quando se trata de um traçado que
retrata, nostalgicamente, a história do lugar onde partilhamos vida,
felicidades, tristezas, conquistas e recuos diversos. Torna-se um
empreendimento audaz do qual não podemos nunca perder de
vista a perspectiva do tempo. Tempo singular, em um país cujo
3
Os assistentes sociais, sujeitos da investigação, foram incorporados no
complexo agroindustrial a partir da aprovação do PAS – Programa de
Assistência Social aos trabalhadores rurais que ganha força em nossa região
na década de 1970.
154
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
passado é curto. Corre-se o risco de ficar apaixonadamente ligado
ao que ele pode nos oferecer com sua magia.
Os quase quinhentos anos da descoberta do Brasil
reduzem-se a pouco mais de cento e cinqüenta anos, precedentes
no tempo, dos caminhos e ocupação da região de Ribeirão Preto,
a porção nordeste do Estado de São Paulo4.
Sobre a denominação da Região
‘A denominação vem da importância regional da cidade
de Ribeirão Preto’.
‘A região Norte/ Nordeste do Estado de São Paulo está,
geograficamente, situada entre a margem direita dos rios MogiGuaçu/Pardo ao Sul e Oeste, Norte e Este com a fronteira do
Estado de Minas Gerais, rios Canoas e Grande Os rios MogiGuaçu e Pardo nascem em Minas e cortam a região Confluindo na
altura de Pontal (SP), deságuam no rio Grande com o nome
predominante de rio Pardo’.
‘As divisões administrativas ficam ao sabor das autoridades
Porém, as geográficas são determinadas por acidentes
topográficos notáveis (rios, serras), além do clima, vegetação e
outros. Antigamente, a divisão eclesiástica abrangia a nossa
região e também a vizinha região mineira de São Sebastião do
Paraíso. Claro, isto se dava no Império, quando a Igreja Católica
era funcionalmente dependente do Estado. Cuidava, além dos
serviços religiosos, dos registros civis e fundiários’.
‘As regiões administrativas variam muito. Araraquara, por
exemplo, sempre foi uma divisão à parte da nossa e hoje parece
estar incluída, pelo menos no que tange a Secretária da
Agricultura, Escritório Regional de Desenvolvimento Rural de
Ribeirão Preto (antiga Divisão Regional Agrícola - DIRA). O Termo
de Batatais era um, o de Araraquara era outro. Anteriormente,
ambas fizeram parte do Termo de Itu, que abrangia todo o
Norte/Nordeste do Estado de São Paulo. Mais tarde a região foi
desmembrada e a nossa parte ficou dependente de Mogi-Mirim,
separada de Araraquara. Mas isso é uma decisão administrativa.
4
O sinal gráfico representado pelas aspas simples neste estudo foram usadas
para distinguir o relato do entrevistado.
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155
A região geográfica é outra coisa, imutável. O Nordeste paulista
situa-se ao Norte da calha do Mogi/ Rio Pardo’.
‘É uma região típica de solo diabásio, famosa terra roxa,
vinculada às grandes plantações de café’.
Orientando-se pela presença de padrões vegetais, pelos blocos
de basalto conhecido como pedra-ferro) no fundo dos ribeirões,
os fazendeiros buscam uma terra profunda para seus cafezais.
As raízes afundam até três metros na terra roxa de Ribeirão
Preto... Nas zonas em que o basalto apresenta-se em processo
de escamação, as cores passam do marrom-avermelhado ao
alaranjado e ao negro... Às qualidades físicas, a terra roxa pura
acrescenta vantagens de ordem química, que provém de seu alto
teor em matéria orgânica. (Monbeig, 1984, p.77-8).
Antecedentes
‘Temos que limitá-la à região Nordeste. Não podemos
esquecer que o Brasil é muito grande e o Estado de São Paulo é
do tamanho de um país. A região nordeste, inicialmente era
passagem das bandeiras paulistas que iam para Goiás em direção
às minas de ouro em Villa Bôa (hoje Goiás Velho). Seu
desbravamento já vinha de um período anterior à abertura do
Caminho dos Goyazes pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da
Silva, o Anhangüera II, na segunda década do século XVIII’.
‘É possível que esse caminho tenha sido uma picada feita
pelos índios Kayapós, primeiros habitantes desta região. Mas, a
partir de Anhangüera II, começa a ser desbravada, florescendo os
pousos, primeiros núcleos populacionais criados ao longo da
Estrada dos Goyazes’5.
‘O Bandeirante conquistou o território, mas não o povoou,
abriu pequenas clareiras, pousos de parada que davam sustento,
amparo e apoio aos viandantes e mineradores que passavam pelo
Sertão do Rio Pardo’.
A maioria dos pousos surgiram em sesmarias abandonadas ou
em terrenos ainda não requeridos pois a maior parte dos
sesmeiros acabou por não se fixar no 'sertão desconhecido' até o
inicio do século XIX. (Lages, 1995, p.23-9)
5
Considerando a saída por São Paulo até Goiás Velho, o traçado da estrada era
em linha reta: São Paulo, Judaí, Campinas, Mogi-Mirim, região de Mocóca,
Casa Branca, Tambaú, perto de São Simão, Cajuru, Altinópolis, Batatais e
Franca. Ribeirão Preto era sertão bruto, sem nenhum habitante e fora da rota
de Estrada.
156
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‘Com a descoberta do ouro de Goiás por Bartolomeu Bueno
da Silva, o Anhangüera II, em 1722, houve uma valorização dessa
estrada. No período seguinte à descoberta do ouro, uma
distribuição de sesmarias ao longo dela’.
Nos pousos viviam os descendentes dos bandeirantes,
pardos e índios segundo Chiachiri Filho (1986, p.17), brasilíndios
ou mamelucos segundo Darci Ribeiro (1995, p.106). Esta primeira
fase do povoamento do Sertão do Rio Pardo foi uma realização
inteiramente paulista. (Chiachiri Filho,1986, p.32)
‘São Paulo foi uma capitania que deu muito de si. Ela foi se
abrindo para o pais todo6 e se despovoando. Refazia sua
população com índios que preava no sertão para substituir os que
morriam nas bandeiras, no cultivo das roças e no estafante
serviço de carregar as cargas nos ombros entre São Paulo e
Cubatão através da Serra do Mar. Os paulistas capturavam índios
pare cultivar suas roças cujos produtos vendiam nos pousos aos
viandantes, e mesmo vendê-los a outras capitanias como Rio de
Janeiro e Bahia’.
Esse foi um período de relativa importância para a capitania
de São Paulo, tendo em vista que durante toda a história colonial
ocupa o centro do sistema de comunicações do planalto. Todos
os caminhos fluviais ou terrestres que cortam o território paulista
vão dar nele e nele se articulam. O contato entre as diferentes
regiões povoadas e colonizadas se faz necessariamente pela
capital. (Prado Jr., 1972, p.104)
‘Com a descoberta das minas de ouro, o paulista foi
deixando de ser um preador de índios, pare se transformar em
garimpeiro. Ao se tornar garimpeiro, foi se fixando nos garimpos
de Minas, Goiás e Cuiabá. Com isso São Paulo sofreu um
esvaziamento’.
‘São Paulo conservou sua relevância enquanto as estradas
para atingir as regiões das minas, passavam pela capitania
bandeirante. O porto de Santos dava acesso às minas por São
Paulo, Guarulhos, Camanducáia. Ao passo que do Rio de Janeiro,
6
“As três maiores estradas no Brasil Colônia eram, respectivamente, Estrada dos
Goyases que ligava São Paulo a Villa Bôa de Goiás, a do Vale do Paraíba que
atingia Minas Gerais e a de Sorocaba que ia ao Paraná e Rio Grande do Sul.
Mas a Estrada de trânsito fácil era a dos Goyases em função dos aclives e
declives pouco mais suaves que possibilitavam o trânsito dos carros de bois,
poupando o transporte por tropas de muares”. (Prado Jr., 1972, p.101-7).
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157
para chegar às minas, passava por Parati e de lá, por Cruzeiro ou
Taubaté. Em 1702, por deterrninação do governador Artur de Sá
Menezes, Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias Paes
Leme, abriu a Estrada dos Cataguazes, ligando Vila Rica
diretamente ao Rio de Janeiro. Então, todo o transito deslocou-se
para o Rio de Janeiro, que foi elevado a capital do Brasil Colonial’.
‘O Brasil rico daquele tempo era a região mineira de Villa
Rica, Sabará, Barbacena e adjacências’.
‘Bobadela, Governador Geral, que segundo a tradição, tinha
muita raiva dos paulistas, fez abrir a estrada de Vila Rica a Goiás,
esvaziando de vez a importância de São Paulo. O esvaziamento
de São Paulo levou a um desinteresse pela Estrada do
Anhangüera e portanto da nossa região, que mal nascia’.
‘Em razão desse abandono das estradas paulistas, o
interesse por doações de sesmarias ao longo dessa estrada
cessaram por volta de 1730. Alguns sesmeiros daquela época,
participantes da bandeira do Anhangüera obtiveram, a título de
compensação das despesas e pelo benefício que trouxeram à
coroa portuguesa com a descoberta do ouro, o privilégio da
cobrança de passagem nos rios cortados pela estrada.
Descendentes de alguns deles, como os Nunes da Silva do
Calção de Couro (Ituverava), os Barbosa Magalhães, entre Cajuru
e Mocóca, ainda lá permanecem’.
‘Porém, com esse esvaziamento, a Capitania de São Paulo
perdeu de tal forma a sua importância, que foi anexada ao Rio de
Janeiro, em 1748. Em 1750, o Tratado de Madri, praticamente
revogou o Tratado de Tordesilhas e definiu, mais ou menos, a
figura territorial que o Brasil tem hoje. Isso, como resultado dos
esforços dos bandeirantes no sul e dos canoeiros paraenses no
norte. A eles devemos as bases territoriais do Tratado’.
‘Nessa época, ascendeu ao governo de Portugal, como
Primeiro Ministro de D. José I, o Marquês de Pombal. O marquês
imprimiu um dinamismo novo ao governo português. Para o Brasil,
mandou homens da administração portuguesa de primeiro plano.
Deu novas perspectives ao desenvolvimento colonial’’.
‘Com a restauração da Capitania de São Paulo em 1765,
enviou Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado
de Mateus, militar e nobre português, que governou a Capitania
de 1765 a 1775. O Morgado buscou reforçar São Paulo, frente a
158
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ameaça castelhana. Os paulistas eram vistos por Portugal, como
os melhores sentinelas da fronteira sul e portanto do Tratado de
Madri. Tratado mais tarde, alterado pelo Tratado de Santo
Idelfonso, em 1777. Neste período, começam a ser dirimidas as
dúvidas, com relação às fronteiras brasileiras’.
‘O direito de posse, uti-possidetis, defendido por Alexandre
de Gusmão desde 1720, foi formalmente reconhecido no Tratado
de Madri. Daí em diante, cabia ocupar as terras pare firmar a
posse. O direito à terra cabia a quem estivesse na posse. Grande
influência teve este enunciado no movimento para o Oeste
brasileiro. É preciso lembrar que o Meridiano de Tordesilhas
passava pouco para lá de Barretos’.
‘O Morgado de Mateus tomou uma série de medidas para o
desenvolvimento da Capitania de São Paulo: criou novas vilas,
procurou concentrar as populações nas cidades e fortalecer a
capitania com indústrias. Foi ele quem reanimou o cultivo da canade-açúcar. Cultivo, que apesar de ter tido o seu primeiro engenho
em São Vicente não conseguiu manter-se frente a concorrência
dos engenhos de Pernambuco. Lá, não só as terras eram mais
férteis como a proximidade com a Europa valorizava o produto.
Ainda mais naquele tempo do navio a vela quando a distancia era
condição "sine qua non" para essa valorização’.
‘Morgado de Mateus restabeleceu o cultivo da cana em
Capivarí, Itu e redondeza. O açúcar deu nova força ao
desenvolvimento, criando outros interesses econômicos,
juntamente com o comércio de tropas de mulas trazidas do Sul. E
posteriormente, trouxe também benefícios à região norte/nordeste
da Capitania de São Paulo, tanto como produtora de alimentos
como de gado de corte e de trabalho’.
‘Na mesma época, as minas de ouro de Minas Gerais,
entravam em decadência. As de Goiás e Mato Grosso, já de muito
haviam decaído. Para se dar o justo valor ao que representou a
mineração de ouro em Minas, basta dizer que lá se extraiu mais
ouro que em todas as minas das três Américas juntas, excluídas
as da Califórnia. O ouro brasileiro financiou a industrialização
inglesa’.
‘Os ingleses, de certa maneira, garantiam a existência do
império português depois da restauração da independência de
Portugal da Espanha. Portugal tornou-se quase um protetorado
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
159
inglês com o Tratado de Methuen. O ouro brasileiro ia para a
Inglaterra via Portugal, conforme a dependência econômica e
política da época’.
‘A situação gerada pela decadência das minas de ouro
agravou-se com a proibição portuguesa sobre a industrialização
brasileira. A industrialização nasce naturalmente da atividade
urbana. Um engenhosinho, uma cerâmica, uma tecelagem, uma
fábrica de bebidas, e assim por diante ela vai nascendo. É própria
da vida urbana’.
‘Com a morte de D. José em 1775, subiu ao trono português
D. Maria I, a Louca, que proibiu peremptoriamente a
industrialização através de leis e medidas de força. Toscas
industrias, que se esboçavam, foram quebradas por soldados’.
Darci Ribeiro comenta sobre isso, dizendo que houve uma
ruralização em uma população citadina
...com a decadência da mineração, toda área submerge numa
economia de pobreza com regressão cultural resultante. Os
mineradores se fazem sitiantes... O artesanato local de roupas
rústicas e de utensílios, volta a ganhar terreno e com ele, uma
economia autárquica para subsistência Todavia, a presença de
contingentes europeus e africanos integrados à sociedade
mineira permite explorar algumas técnicas, como a fundição do
ferro, a edificação, a carpintaria fina, a indústria de panos, bem
como certo grau de erudição livresca que impediriam a
sociedade mineira decadente de regredir à rusticidade do tronco
paulista Com efeito, somente a industrialização poderia abrir
novos horizontes de ocupação produtiva aos capitais
acumulados, e sobretudo, à massa antes engajada na
mineração, que estiola agora nas cidades decadentes e nos
campos paupérrimos... O obstáculo fundamental à realização
desse desígnio residia numa proibição expressa. Efetivamente,
as tentativas mineiras de instalar fábricas toscas pareceram à
Coroa tão atentatórias aos seus interesses que sodas elas foram
destruídas pelas tropas coloniais e se dispôs, em 1785, que
jamais se tornassem a levantar... Antigos mineradores e
negociantes se transformaram em fazendeiros; artesãos e
empregados se fazem posseiros de glebas devolutas. Citadinos
ruralizados espalham-se pelos matos, selecionando as terras já
não pela riqueza aurífera, mas por suas qualidades para moradia
e cultivo. Fazem-se roceiros de lavouras de subsistência,
criadores de gado, de cavalos, de burros e de porcos,
espraiando-se pelas vastidões dos vales que descem e se abrem
das serranias onde se explorava o ouro. (1995, p.380-2)
Complementa seu raciocínio dizendo
160
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
O único recurso com que conta essa economia decadente são as
enormes disponibilidades de mão de obra desocupada e de
terras virgens despovoadas e desprovidas de qualquer valor, que
os mais abonados obtêm por concessão em enormes sesmarias
e os mais pobres e imprevidentes apenas ocupam como
posseiros. (p.383)
‘A sociedade que existia em Minas não era rural. Mineração
não é uma atividade agrícola. Não que não existisse roça ou gado,
mas a peça principal que movia tudo era o ouro, sua mineração e
seu comércio. Nem à agricultura, nem à pecuária, embora elas
fossem aos poucos crescendo em volta das cidades, devia-se a
vida do país. Mas, ao ouro’.
‘E foi também para o Sertão do Rio Pardo, Caminho dos
Goyazes, que se dirigiram esses mineiros7, em grande massa
migratória, buscando terras férteis e boas pastagens.
Como explica Chiachiri Filho
Sertão era o oposto dos arraiais, das vilas, dos núcleos urbanos.
Era um deserto: deserto de homens. Território vasto e hostil onde
só penetravam os ousados e fugitivos. A civilização parava à sua
entrada. Dai para frente eram a 'gentilidade bárbara as feras, as
matas, os perigos, o isolamento, a vida selvagem dos trópicos
resguardada em sua autonomia O Sertão também era liberdade:
a justiça, a administração, o fisco, raramente rompiam suas
fronteiras à cata de criminosos e extraviadores que nele se
escondiam. Neste Sertão as convenções urbanas perdiam o
conteúdo e não havia lugar para as regras de etiqueta. Rude e
áspero deveria ser o desbravador, pois rude e áspera era a terra
que iria conquistar. (1986, p.40)
‘’Com a proibição formal da industrialização e o
escasseamento do ouro, as populações buscaram na vida rural a
solução. Começaram então a se esparramar, a se dispersar num
"movimento demográfico centrífugo", como diz Caio Prado Jr.
(1953, p.69-78). Foram se esparramando, se dispersando até
saírem de Minas. Foram para o Norte do Rio de Janeiro, o
Sudeste de Minas (Leopoldina), o vale do Paraíba, Goiás e o
Nordeste de São Paulo, nossa região. Foram se dispersando em
busca de subsistência’.
‘Praticavam então a cultura de coivara, herdada do índio
através do bandeirante. Derrubavam o mato, queimavam,
juntavam a galhada que levava o nome de coivara, e depois
7
Designados por Chiachiri Filho (1986) e Brioschi (1991) de ‘entrantes’, por
Prado Jr. (1953) de ‘generalistas’.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
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plantavam nas cinzas da queimada. Usavam poucas ferramentas,
machado, faca, foice e para plantar, o enxadão ou um pau de
ponta chamado saraquá pelos guaranis. Plantavam milho, arroz,
abóbora, um pouco de algodão, um pouco de cana para fazer
rapadura e pinga’.
‘Nisto limitava-se a agricultura da época. Como
desconheciam o uso do arado, as terras iam endurecendo,
criando mato maninho. Eles então abandonavam aquela
derrubada por outra. Um pouco mais adiante, derrubavam outro
pedaço de mato. Quer dizer, iam mudando de lugar, caminhando
com essa agricultura itinerante de subsistência8.
‘Em Minas, cresceu a criação de gado, mais interessante
que a roça. Naquele tempo, não haviam estradas e o gado
caminhava por suas próprias pernas até o mercado. Eram 30, 40,
50 dias de marcha. Muitas léguas de distancia. Assim foi se
desenvolvendo a pecuária. Esses "entrantes", como eram
chamados os mineiros que para cá vierarn, herdaram este sistema
de cultura dos bandeirantes que por sua vez, haviam herdado dos
índios beneficiando-se assim tanto do deu conhecimento quanto
de sua convivência’.
‘Os emboabas, portugueses que vieram atraídos pelo ouro,
superaram os bandeirantes em número e capacidade
empreendedora. Aderiram também a este sistema de viver
mameluco. Assimilaram usos e costumes, tais como não enrolar
criança recém nascida, cultivar mandioca, cultivar produtos da
terra, derrubar a mata no sistema de coivara e caminhar, de
derrubada em derrubada, como o mameluco fazia’.
‘Desta simbiose bandeirante-emboaba, nasceu o entrante’.
‘A procura de terras determinou a marcha para o Oeste,
cada vez para mais longe, em busca de expansão. Ainda não se
apurou, se houve atrás, um impulso do governo português. Mas a
verdade é que o Brasil tinha que ser povoado e o "uti- possidetis"
garantido’.
‘As sesmarias, ao contrário do que pregam alguns,
continham uma série de exigências, cláusulas sociais, como se diz
hoje, que obrigavam o sesmeiro a plantar, a cultivar, e a preservar
8
A referência à trajetória histórica é pertinente ao Norte/Nordeste do Estado de
São Paulo, de Minas para a região de Ribeirão Preto. O resto do Brasil tem
outras formações.
162
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
algumas árvores de Lei. Daí o nome, madeira de Lei. Exigiam
também que cultivassem um tanto e respeitassem os posseiros
existentes na gleba. Nem sempre essas obrigações e direitos
eram respeitadas, porque o governo era ausente e distante. O
governo estava lá em Lisboa, um pouquinho presente no litoral,
mas firme na cobrança dos quintos do ouro e das pedras
preciosas. O resto era por conta de quem podia mais’.
Na realidade, nada interessava senão o quinto: que fosse pago,
por bem ou a força; tudo mais não tinha importância Os mineiros
que se arranjassem lá com fosse possível; porque em caso
contrário havia as derramas, os confiscos, as masmorras do
Limoeiro ou as deportações para a costa da África Mas com
derramas e tudo, o quinto foi minguando; e durante meio século
em que seu rendimento baixou em Minas Gerais de 118 arrobas
em 1754, máximo percebido, para 35 apenas, exatamente
cinqüenta anos depois, não ocorreu sequer uma só vez à
administração outra explicação que a fraude. Donde a violência
que todos conhecem. Afinal, quando a indústria mineradora da
colônia era uma ruína, e sobre seus escombros gemia uma
população empobrecida cuja miséria flagrante não podia mais
iludir ninguém, nem a miopia da administração, nem a
inconsciência do ganancioso fisco, veio a reforma Em 1803
tenta-se introduzir na gestão da matéria um pouco de
competência, os abusos mais escandalosos foram aparados; até
o quinto se reduziu ao décimo. Mas já se chegara a um tal ponto
de degradação, que tudo se torna inútil Não foi possível corrigir
os abusos e nem ao menos se encontraram pessoas capazes de
introduzir as reformas... não foi possível vencer a resistência
passiva de uma burocracia comodamente refastelada em seus
privilégios, e se fazendo de mau entendedor a quaisquer projetos
que viessem ameaçar-lhe as posições. Cinco anos depois de
promulgado, e quando ainda nem se ensaiara de executá-lo, o
alvará de 1803 é revogado, e tudo ficou como dantes. (Prado Jr.,
1953, p.172-3)
‘Os entrantes foram migrando de Minas Gerais para as
regiões limítrofes. Na nossa região, entraram a povoar a região de
Franca e São Simão. São Paulo, dizia o Morgado de Mateus, "é
escasso de gente". O primitivo povoamento de São Paulo,
limitava-se ao Planalto de Piratininga, a algumas cidades do Vale
do Paraíba, algumas no caminho de Curitiba, Itu e o litoral.
Configurava a região dos bandeirantes e de onde eles partiram,
São Paulo, Taubaté, Sorocaba, Paranaíba, Itu’.
‘Os bandeirantes não visavam o povoamento e sim a
preação de índios e mais tarde, as minas de ouro. Eles tinham o
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
163
sentido de explorar e não o de povoar. Minas povoou-se em
função do ouro. Vila Rica chegou a ter 40 mil habitantes no Brasil
Colônia. Os limites da Capitania de São Paulo - de Cruzeiro passava por Caxambu, descia o rio Sapucaí-Guaçú, e pelo rio
Grande abaixo. Aos poucos os paulistas foram sendo empurrados
pelos mineiros’.
‘O conde de Bobadela, determinou a Tomas Rubim Barreto
(ouvidor da Comarca do Rio das Mortes em 1749), que traçasse a
divisa bem mais a Oeste, pelo morro do Lobo, perto de Atibáia’.
Desde o último quartel do século XVIII,
esta corrente demográfica que se encaminha para o sul da
capitania (Minas Gerais), ultrapassa-lhe os limites e invade São
Paulo. A longa questão das divisas entre as duas capitanias,
provincial, e ainda como estados, só resolvida definitivamente em
1936, tem aí sua origem...Esta penetração da capitania de São
Paulo por colonos de Minas, então em início, se acentuaria para
o futuro, quase todos os núcleos povoados desta região, e
formados na primeira metade do século XlX são de origem
mineira: Franca, Ribeirão Preto, São Simão, Descalvado, São
João da Boa Vista e outros. (Prado Jr., 1953, p.72-73)
‘Na época, em que aqui começaram a chegar, os mineiros
queriam a divisa no rio Pardo. Daí a importância da elevação de
Franca à Vila pelo general Antônio José da Franca e Horta.
Franca tornou-se uma espécie de sentinela, garantindo os direitos
do paulista’.
‘Estendeu-se então a ocupação da nossa região, tendo por
base a pecuária. O principal povoado foi Franca, seguido de
Batatais, Caconde, São Simão, Casa Branca. Os entrantes
atravessaram o rio Sapucaí e depois o rio Pardo. Em Ribeirão
Preto a penetração foi iniciada de Batatais, por José Dias
Campos. Foi ele o primeiro posseiro onde hoje está a cidade.
Posteriormente, chegou outro posseiro, Reis de Araújo. A origem
de Ribeirão Preto deriva da dispute entre os Dias Campos e os
Reis de Araújo’.
‘Esses entrantes vêm chegando à região desde 1800. Deles
descendem muitas famílias da nossa região, os Junqueira, que
chegaram em Morro Agudo em 1812, os Pereira Lima em 1818,
os Figueiredo em 1810. O impressionante é que em 1780 quase
não havia ninguém ao longo da estrada do Anhangüera. Os
Nunes da Silva por exemplo, são dos poucos que figuraram no
censo de 1775. Mas, de repente, em poucos anos, 1820 a 30, a
164
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região estava ocupada, com fazendas maiores ou menores, de
todo tamanho e jeito’.
‘As terras ocupadas tinham dono, por título (originados das
sesmarias), herança, compra ou posse. Mas ainda não podiam ser
consideradas povoadas porque poderia ser entendido por uma
densidade maior da população, o que não existia na época. Ao
mesmo tempo, não podemos esquecer a realidade econômica do
período Colonial. Uma agricultura precária de subsistência, uma
pecuária de criatório e um mercado de consumo longínquo’.
‘Região de solo diábase, terra vermelha, com predominância
vegetal de campos nativos e cerrados. Apenas cerca de 30% da
região era coberta de mata, o resto era cerrado e campo. A
pecuária desenvolveu-se nestes campos e cerrados’.
‘As cidades mais importantes, nascidas naquela época,
foram Franca, Batatais, São Simão, Caconde (que também teve
mineração de ouro), Mocóca, Casa Branca e Araraquara, já do
outro lado do Mogi. O local da Ribeirão Preto de hoje, por sua
situação geográfica, ficava à margem da rota e foi povoada mais
no fim do século XIX’9.
‘A confluência dos rios Mogi-Guaçu e Pardo, e as matas do
Guatapará, dificultavam a passagem para quem seguia para o
Norte (Minas e Goiás). Ao passo que o espigão a direita do rio
Pardo, de campos e cerrados, sem obstáculos, não causavam
maiores dificuldades. De Mogi Mirim, Casa Branca, Batatais,
Franca, Ituverava (antiga Carmo), o viajante chegava ao Porto da
Espinha por onde passara Bartolomeu Bueno. Ou então de
Batatais, passando por Nuporanga (antigo Espirito Santo de
Batatais), Ipuã (antiga Santana dos Olhos D'Água), chegava ao
Porto dos Antunes no rio Grande. Havia uma trilha margeando o
rio Mogi até o pontal dos dois rios’.
‘Antônio de Almeida Prado10, escreveu um livro de
memórias, “Crônicas de Outrora”, onde faz uma análise rápida dos
modismos do falar de paulistas e mineiros. Os mineiros falam com
o "u" fechado, fuguete, fugão e nós paulistas falamos com "o". E
enxurrada, que se pronuncia com "u", os mineiros pronunciam
9
Ribeirão Preto tornou-se freguesia em 1870; em1871, vila; e só integrou-se ao
mercado de café em 1883.
10
Tio e Padrinho do entrevistado.
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165
com "o", enxorrada. São em modismos como estes, que a gente
sente a origem mineira’. (Almeida Prado, A., 1963, p.53-5)
‘Foi feito um levantamento do gado da região, a partir de
1825. Tratava-se da atividade econômica mais importante na
época. O levantamento acusou mais de 30 mil cabeças na região.
Esse documento (Brioschi, l991,p.69 a 230) registra o nome e
sobrenome de quase todos que viviam por aqui. Sobrenomes que
confirmam a origem mineira do nosso povoamento’.
A chegada do café
‘O café começou a ser cultivado em nossa região, por volta
de 1870. São Simão foi a Meca do café por muitos anos, até ser
suplantado por Ribeirão Preto, a partir de 1883. Os fazendeiros
fluminenses e paulistas do Vale do Paraíba, figuram entre os
principais introdutores da cultura do cafeeiro, nas terras roxas de
São Simão’.
Numa reportagem publicada no jornal 'A Província de São
Paulo' em 1877, Martinho Prado Júnior ressalta a importância e a
precedência dos filões de diabásio nas terras roxas de Ribeirão
Preto e revela seu valor aos plantadores de café. Ele próprio
tendo adquirido um domínio de 6.000 alqueires, organizou a
fazenda Guatapará, que contava com 1.767.000 pés de café.
(Monbeig: 1984,p.140-141)
‘Introduzido no Amazonas por Melo Palheta, o café chegou
ao Rio Janeiro, dobrou a Serra da Mantiqueira para Minas Gerais
e subindo o Vale do Paraíba, chegou ao planalto paulista onde
encontrou o seu "habitat" preferido. O café teve uma importância
enorme, durante o Império, no Rio de Janeiro. Foi o esteio da
riqueza do Brasil Imperial’.
O grande cenário geográfico das lavouras cafeeiras será os
largos espaços do planalto paulista, situados mais para o interior
e afastados do litoral, e que além de sua favorável topograf a,
apresentariam solos da mais alta qualidade, em particular a
famosa terra roxa. (Prado Jr., 1989, p.88-89)
‘O café encontrava nas terras virgens das matas derrubadas
o seu sucesso. A agricultura, daquela época era empírica, não
usava adubo, valia-se da fertilidade natural do solo. O Rio de
Janeiro era montanhoso e em 50 anos a erosão destruiu a
fertilidade de seu solo. As fazendas fluminenses, cujo esplendor
enfeitou o Império, faliram com a erosão provocada pela chuva
166
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nos cafezais plantados de morro abaixo. O famoso Breves,
português que chegou a ter 2.000 escravos e milhões de pés de
café em Vassouras, antes de morrer estava na miséria. O café no
Rio de Janeiro começa com D. Pedro I, chega ao seu auge com
D. Pedro II, e agoniza com o Império’.
‘As populações punham muita esperança na riqueza e
progresso que o plantio do café traria. A Câmara de Franca, por
volta de 1850, votou Leis buscando obrigar os fazendeiros a
plantarem cafezais, sem sequer levar em conta o custo do carreto.
O transporte feito no lombo dos burros, não comportava a
despesa e a lei não teve efeito’.
‘As regiões litorâneas exportavam café através dos portos
de Ubatuba, São Sebastião, Parati. Lá, a proximidade dos portos
possibilitava o transporte em lombo de burro. O interior teve de
esperar a chegada das estradas de ferro, que se deu depois da
segunda metade do século passado. A riqueza trazida pelo café
despertou o interesse dos ingleses pela estrada de ferro Santos/
Jundiaí’.
O que permitirá acesso... de lavouras rentáveis e a custos sem
paralelo em qualquer outro lugar (que foi o que assegurou o
quase monopólio brasileiro, mais especificamente paulista),
serão as estradas de ferro. A expansão cafeeira que marcará em
todo centro- sul do país, particularmente em São Paulo, o avanço
e instalação do povoamento, essa expansão se ligará de tal
forma ao traçado das ferrovias (ou antes o inverso, pois são as
ferrovias que acompanham a expansão), que as diferentes zonas
em que se dividirá a Província serão batizadas com o nome das
linhas de estrada de ferro que as percorrem, nomes que
conservarão até hoje: Paulista, Mogiana, Alta Paulista,
Sorocabana, Noroeste, etc. (Prado Jr., 1989, p.89)
Em nossa região,
a lavoura cafeeira, em 1873, dava os primeiros passos na então
Vila de Batatais. Somente na última década do século XIX é que
o café passou a ter um papel significativo na economia da região.
Em 1886, os trilhos da Cia. Mogiana alcançaram Batatais e
estimularam o crescimento da lavoura cafeeira, barateando o
frete e revolucionando o sistema de transportes. Sem dúvida, o
advento do café provocará uma série de alterações na realidade
sócio-econômica da região. Dentre essas mudanças destaca-se
a de ordem demográfica Além da corrente migratória de Minas
Gerais que, ao longo do tempo atenua-se mas não cessa,
recebeu o antigo Sertão do rio Pardo os migrantes fluminenses,
paulistas, nordestinos e os imigrantes europeus, especialmente
os italianos. (Brioschi, l991,p.53).
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As mudanças
‘A década de 1885 a 1895 é crucial na História do Brasil.
Muda o regime de trabalho com a abolição da escravatura e o
regime político com a proclamação da República. O café sobe
pare o planalto levando riqueza. A estrada de ferro substitui as
tropas de mulas. A derrubada definitiva da mata para uma cultura
permanente do café, muda o panorama do País. Muda a etnia
com a imigração européia (principalmente do Espírito Santo pare
o Sul). Precisamos lembrar que até então éramos uma nação
luso-africana. É uma nova era na vida Nacional’.
‘Os historiadores platinos denominam o tempo histórico que
vai da Independência à intensificação da imigração européia,
período que na nossa História corresponde ao Império, de
"período criollo": o fim do domínio europeu (1810) à retomada da
América pelos imigrantes, mais ou menos em 1880. São os Cem
Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques, que marcaram o
caráter de nossa sociedade’.
‘Estes anos de isolamento político plasmaram o sulamericano, a ponto dele poder influir, com sua cultura rude, o
imigrante que chegava. Nenhum imigrante, europeu ou asiático,
continuou sendo europeu ou asiático, nacionalizou-se. Os
imigrantes, que aqui chegaram, da mesma forma que modificaram
os costumes nacionais, também foram modificados por eles’.
A chegada dos imigrantes
‘Com a proibição do tráfico em 1852, começou a se esboçar
um novo interesse pela imigração de trabalhadores europeus. Em
1885 esse movimento se intensifica e começam a chegar os
imigrantes em grande número: italianos, portugueses, espanhóis,
alemães, austríacos. O maior número era de italianos. Grande
parte dos italianos eram cidadãos austríacos, porque, naquele
tempo, o Norte da Itália pertencia a Áustria e além disso, a mãe do
nosso imperador era austríaca, o que enfatizava a afinidade
preferencial por essa imigração. Organizou-se uma corrente
imigratória européia. Nessa ocasião, aqui no Brasil, votaram-se
Leis de incentivo à imigração. O Conselheiro Antonio Prado,
paulista, Ministro da Agricultura e Indústria do fim do Império,
contribuiu muito para o sucesso desse processo’.
A partir de princípios do século passado, mais precisamente
desde a transferencia para o Brasil da corte e do governo
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português, entra em cena um novo fator que contribuirá
consideravelmente não só para o povoamento do Brasil, mas
para grandes transformações de ordem econômica e social. É a
corrente imigratória européia cujo afluxo e fixação no país são
provocados e estimulados deliberadamente, ou por uma política
oficial de povoamento, ou por iniciativa de interesses
particulares... esta corrente povoadora,... modificaria tão
profundamente o aspecto e as condições de vida de algumas das
mais importantes regiões do Brasil. (Prado Jr.,1972, p.234)... A
imigração européia não foi assim entre nós fato espontaneo e
natural, como aquela que se verificou nos Estados Unidos. Aqui
ela foi provocada, estimulada, planificada e deliberadamente
promovida. E até mesmo, em boa parte subvencionada,
pagando-se a passagem e demais despesas dos imigrantes
desde seu lugar de origem, embora fosse nalguma perdida aldeia
dos Apeninos, até as fazendas. (Prado Jr., 1989, p.101)
‘Cordeiro de Faria, Interventor Federal do Rio Grande do Sul
com a Revolução de 1930, publicou um artigo muito bem feito
comparando a imigração no Estado de São Paulo e no Rio
Grande do Sul. Ele dizia que a imigração européia iniciada em
1820, no Vale do rio Sino no Rio Grande do Sul, não teve o
mesmo sucesso que em São Paulo, porque eles não se
mesclaram com o gaúcho. O gaúcho vivia na fronteira
campeando, tomando chimarrão, guerreando os orientais11. Os
imigrantes ficavam na serra, isolados. Haviam colônias que não
sabiam falar o português. Aprenderam "a muque" com a revolução
de 1930, quando o próprio Cordeiro de Faria mandou fechar as
escolas alemãs e obrigou a falar o português’.
‘Aqui não. Aqui o imigrante já encontrou uma rede de
estradas, de fazendas, de plantações de café em andamento, e
entrou na estrutura regional que já existia. Com sua energia,
revigorou tremendamente esta estrutura, deu outro desempenho,
outra grandeza. Ao mesmo tempo, assimilaram com os costumes
da terra. Esta é a razão da inexistência de quistos raciais. Não
temos quisto racial. O intercâmbio cultural entre os recém
chegados e os antigos moradores (descendentes dos
bandeirantes e emboabas) criou uma nova versão cultural. Não
podemos confundir orgulho cultural, conquistas raciais,
saudosismo, nostalgia de velhos costumes perdidos. São
positivos, quisto racial não’.
11
Os uruguaios eram denominados orientais em contra posição aos argentinos
que ocupavam a margem ocidental do Rio da Prata.
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‘Os sobrenomes da Lista Telefônica ou estampados nas
portas de consultórios, escritórios e lojas de Ribeirão Preto é o
maior exemplo de miscigenação. Espelham uma verdadeira
salada mista de sobrenomes’.
‘O quisto existe quando uma população se sente como um
estranho no ninho, desamparada, sem convivência. No caso do
Rio Grande do Sul, o imigrante foi encaminhado para a região
serrana. Ele recebia um sítio, uma vaca, um machado e uma
gleba com árvores que ele nunca tinha visto tão grandes. O
vizinho que era igual a ele, também não tinha ninguém. O pastor
ensinava a rezar em alemão e o professor, mantido por eles, a
escrever em alemão. Passaram de duas a três gerações só
falando alemão. Com os católicos alemães ou de outras origens
como italianos e poloneses, não era diferente’.
‘Aqui não. Já nos primeiros anos da imigração estrangeira,
surgiram paródias descrevendo a mixórdia da língua. Meio
português, meio italiano. Além do mais, integraram-se a uma
sociedade com dinâmica própria. Ao contrário do que dizem
alguns, não havia rejeição ao imigrante e nem impedimento para
adquirir terras. À medida em que iam ganhando dinheiro, foram
comprando. Já em 1900, os sobrenomes de origem não
portuguesa, eram expressivos no rol dos proprietários, urbanos e
rurais. O café foi o grande responsável por este sucesso de
integração do imigrante à sociedade brasileira, e Ribeirão Preto é
o melhor exemplo’.
‘A existência anterior de uma organização econômica, social
e política capaz de receber e absorver o imigrante, tem a fazenda
de café o seu verdadeiro esteio’.
‘No meio rural, o imigrante veio para ocupar o espaço
provocado pela abolição da escravatura. Veio, principalmente,
como mão de obra rural para as fazendas de café’.
‘De certo modo, São Paulo é um estado republicano.
Durante o Império, teve uma expressão econômica e política,
muito pequena. Estava colocado entre o 8° ou 9° estado do Brasil
em importância econômica. Na frente dele vinham Rio de Janeiro,
Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e outros estados’.
‘São Paulo, grimpado em cima da Serra de Paranapiacaba,
tinha na rampa de Cubatão a Santo André o grande empecilho de
seu progresso. A zona de São Paulo que primeiro progrediu foi a
170
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do Vale do Paraíba que na realidade era uma extensão do Rio de
Janeiro. O renascimento do estado paulista começa com a
administração do Morgado de Mateus (1765/75) pare cá. O café
vem na frente, criando condições econômicas para a linha de trem
ser puxada. Com o café, o progresso sobe a serra’.
‘Acompanhado pelos trilhos do trem, o café chega a São
Simão, e de lá a Ribeirão Preto. Na primeira fase do café, São
Simão foi a pioneira na região. Por São Simão era conhecida a
nova zona cafeeira, erroneamente chamada de Oeste Paulista’.
‘Houve uma fase, na década de 1920, em que se procurou
industrializar a região, com indústria de base, aproveitando a
capitalização gerada pelo café. A iniciativa importante na época foi
a fundação de uma metalúrgica em Ribeirão Preto. Até hoje são
vistos, no bairro do Tanquinho, a imponência de suas
construções, hoje ocupadas pela indústria Penha. A estrutura de
ferro dos prédios, foi fundida em Ribeirão Preto por seu
idealizador, o engenheiro Uchôa (Plínio Mendonça Uchôa,
alagoano, casado com uma Silva Prado e o irmão, com uma
Junqueira). Eram pessoas importantes e levantaram o capital da
Metalúrgica entre os grandes fazendeiros da região de Ribeirão
Preto’.
Sobre a posse e posterior processo de discriminação de
terras
‘A Ação Discriminatória de Terras e seu processo, visavam
determinar quais os legítimos donos de uma gleba de terra,
determinar a área de cada um e legitimar a situação existente’.
‘Os processos de discriminação que nascem depois de
1850, por efeito da Lei de Terra são muito interessantes. Aparece
a figura do juiz, que 'tomava aposento', ficava 'aposentado' em
uma das fazendas, com o intuito de verificar a documentação que
as pessoas tinham sobre a ocupação da terra. Às vezes, o
documento limitava-se a um simples bilhete, outras vezes era uma
declaração feita de próprio punho pelo declarante’.
‘Um exemplo pare o qual chamo a atenção é o Processo da
fazenda São Joaquim (Brioschi, l991,p.144-53), arquivado em
Batatais. Tratava-se de uma grande área que começou a ser
vendida em 1820. No correr dos anos, um foi vendendo ou
comprando do outro. Com a Lei de Terras de 1852, os posseiros e
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proprietários, trataram de legitimar a situação. O Processo levou
20 anos e repartiu a gleba em 70 e tantos sítios e fazendas. As
alegações de posse iam de simples declarações testemunhadas,
Cartas de Venda, a Escrituras passadas em Cartório’.
‘A Lei das Sesmarias (portuguesa), que fazia certas
exigências e obrigações, foi revogada com a Independência, em
1822. A Lei de Terras só foi promulgada em 1850 e posta em
vigor em 1852. Portanto, ficamos 30 anos sem nenhuma Lei que
disciplinasse o Direito da Terra, por 30 anos! As pessoas
tomavam posse de qualquer jeito. Com a lei de 1850, o governo
tentou acabar com o regime de posse criando a exigência de
licitação para as Terras Devolutas’.
todo século XVIII, não foram suficientes para a conquista do
'Belo Sertão'. Muitas das sesmarias concedidas não passaram
pelo processo de demarcação e, abandonadas, acabaram
permanecendo como terras devolutas. (Brioschi, 1991, p.43)
‘Com a nova exigência as terras em poder do Estado tinham
que ser adquiridas mediante licitação pública, etc. A nova Lei
resguardou tudo quanto já havia sido feito antes. Mas esta foi uma
Lei que não pegou, porque o Brasil era grande demais para ser
administrado pela fraca estrutura imperial. Com a República, o
Direito Fundiário foi revisto, passando seu domínio para os
Estados como conseqüência do espírito federalista da
Constituição de 1891’.
‘Cada Estado passou a ter uma política própria de terras e
uma Lei Estadual regulando o assunto. No Estado de São Paulo,
reconheceram-se as posses e seus posseiro por donos legítimos’.
Com a Lei de Terras, a Igreja, ligada ao Estado, assumiu a
obrigação dos registros, Registros Paroquiais de Terras.
... feito em função da lei n.601 de 18 de setembro de 1850, que
resumidamente, confirmava as sesmarias e posses cultivadas ou
com principio de cultural e morada habitual... os interessados
deveriam fazer o devido registro de suas terras, declarando a
forma de aquisição, amigos proprietários, localização, descrição
de divisas e outras informações julgadas pertinentes. (Brioschi,
1991, p.70).
‘O vigário, que tinha por obrigação fazer o registro das
pessoas, batismo, casamento e morte, passou também a cuidar
do registro das terras depois de 1852. Estes registros eram vagos,
quando muito designavam os Pontos Cardeais: do lado Sol,
vizinho de Antônio, no poente João, ou então, as águas vertentes
172
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e os espigões e assim por diante’. A descrição da fazenda
Lambari (que estendia-se da atual Via Anhangüera em Orlândia,
ao rio Pardo) em 1843, ilustra o exemplo:
Uma fazenda denominada Lambari, que se compõe de matas
virgens, capoeiras, campos de criar e serrados, suas divisas tem
principio na barra do corrego das Areias e por este acima sempre
divisando pelo veio dagua com a fazenda Agudo ate suas
cabeceiras e daí entrando pela mata adentro o mesmo vai
apanhar o espigão que verte águas para o córrego da Gameleira
e Agudo e por este sempre divisando com o Agudo ate subir o
serrado a divisar com a fazenda, Boa Vista e daí principiando a
divisar com terras da fazenda Santa Barbara e findo este
principia a divisar com terras da fazenda de Manoel Antunes
Soares, ate subir o barranco do Rio Pardo e por este abaixo a
fechar na barra das Areias que teve fim. (Brioschi, 1991, p.197).
‘O Dr. Oliveira Pimenta12 (obra póstuma prestes a ser
lançada), descreveu bem essa época: os entrantes criavam o
porco, o porco dava o toucinho, vendiam o toucinho e comiam os
miúdos, criavam vaca, da vaca tiravam o leite, faziam queijo para
vender, o boi não comiam, porque era para vender, e a terra, o
latifúndio, o sem-dono Ihes deu’.
‘Para explicar melhor esta história, convém lembrar do
Morgado de Mateus. Ele visava fortalecer a Capitania de São
Paulo em 1765 para poder enfrentar os castelhanos. Dizia que os
melhores combatentes dos espanhóis eram os paulistas por causa
da tradição de lutas contra os jesuítas no Paraná. Tinham lutado
no Rio Grande do Sul e na sustentação do forte de Iguatemi no
Mato Grosso do Sul. Instituiu Listas dos Moradores. São Paulo é o
único estado que tem recenseamento desde 1765, ou por aí. São
muito curiosos esses documentos: o sujeito, fulano de tal,
entrante, comprou tanto de sal, produziu tantos carros de milho,
etc., etc. Relacionava a produção e mais ainda, a lista do vigário
delatava o comportamento de cada um. Ficou registrado lá: fulano
de tal, homem sério, sujeito correto; fulana de tal, mulher de vida
livre; beltrano, sujeito desonesto; um fulano era fidalgo, outro
ladrão, outro fascínora, bêbado. O padre fazia esta lista para
12
Médico em Caldas, Minas, falecido há mais de vinte anos. Escreveu sobre a
história e a formação da região de Poços de Caldas, designado por ele de
Planalto da Pedra Branca. Deixou uma obra Póstuma que foi enviada pela
família ao Sr. Eduardo Dinis Junqueira para apreciação.
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
173
saber quem era quem13. Constavam das informações, não só as
riquezas e posses, mas o comportamento, o caráter das pessoas.
O padre atendia no confessionário e informava ao governo. O
confessionário não servia apenas para remissão dos pecados’.
Do café à cana de açúcar
‘A crise da bolsa de Nova Iorque de 1929 teve reflexos
mundiais. Aqui na nossa região, o café como produto mais
importante, foi o mais atingido. Ele já acumulava um preço
falsamente valorizado, fruto da política inaugurada no Convênio
de Taubaté, que valorizava o produto através do empréstimo em
ouro. O empréstimo buscava recursos para tirar o produto do
mercado, diminuindo a oferta e assim, manter o preço
artificialmente alto. Redundou numa dupla crise, a internacional e
a do café valorizado’.
‘Porém, essa política de valorização não era apenas
praticada no Brasil. Outros países faziam a mesma coisa com
outros produtos. Os EE.UU mantinham os preços acima do
mercado mundial, dando vazão à crise’.
‘Aqui em nossa região, houve um choque e um
empobrecimento generalizado. Do dia para a noite, ricos
fazendeiros viram-se na pobreza. Sob o ponto de vista fundiário,
muitas fazendas foram postas à venda, e houve um retalhamento
de propriedades. Muita gente que mantinha situação herdada,
perdeu essa situação e deram lugar a outros. A sociedade como
um todo, após o corre-corre econômico e financeiro causado pela
quebradeira de muitos, acabou beneficiada. As falências são
saneadoras’.
‘O que teve muita importância no interior de São Paulo, e
amenizou os efeitos da crise foi o Plano de Fomento da Cultura do
Algodão, do governo Armando Sales Oliveira, em 1934. Político
progressista e inteligente, que governou São Paulo de 1934 a
1937 ( quando foi traído pelo golpe de Getúlio Vargas), através da
13
Chiachiri Filho encontrou no Arquivo Público da cidade de São Paulo, uma lista
singular, única, sobre o registro do comportamento dos moradores do povoado
de Franca. O governador João Augusto Oyenhausen em 1819 passou pelas
cercanias, solicitou ao vigário Joaquim Martins Rodrigues que fizesse o
levantamento da moral dos moradores, e ele fez.
174
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Secretaria da Agricultura impulsionou a cultura do algodão,
reanimando a economia do Estado’.
‘Firmas de beneficiamento européias e americanas,
instalaram-se para comprar e exportar algodão. Na verdade, o
algodão evitou que o Estado de São Paulo sofresse tão
amargamente a crise’.
‘O algodão é uma planta anual e portanto de expansão
rápida. Sales Oliveira criou campos de cooperação, a fim de
estimular os próprios fazendeiros a produzirem a semente, sob a
orientação da Secretaria da Agricultura introduziu novas
variedades da planta e modernas práticas agrícolas de cultivo. O
Plano foi de um sucesso extraordinário e de importância capital
para nossa região. Além do mais, facilitou o aparecimento do
pequeno agricultor independente, o meeiro, o arrendatário e o
pequeno proprietário’.
Sobre esse assunto, Monbeig (1984, p.291-293) esclarece:
Dentre os fatores que contribuiram para o desenvolvimento do
algodão em São Paulo, e especialmente na sua franja pioneira,
há um que não pode ser subestimado: o trabalho de pesquisa a
que se consagraram os cientistas do Instituto Agronômico de
Campinas. A partir de 1923, começou a atividade de seu Serviço
Especial de Estudos do Algodão... A finalidade principal dos
pesquisadores de Campinas era melhorar a qualidade da fibra. A
partir de 1930, em plena crise cafeeira, os serviços científicos do
algodão estavam capacitados a vender uma semente que...
fornece um produto oscilando entre 22 e 35 mm.... Paralelamente
aos progressos realizados na qualidade do produto, os paulistas
desenvolveram a indústria dos subprodutos: utilização do línter,
fabricação de óleo e de tortas. Ao mesmo tempo, a Secretaria da
Agricultura intensificou a propaganda para incitar a melhor
cultivar e colher o algodão. Divulgando os métodos de
classificação da Bolsa (do Comércio de São Paulo), procurou
encorajar o produtor a melhorar os processos da colheita e a
entregar um algodão limpo, seco e capaz de obter um número
baixo e, portanto, ser melhor pago... Mas foi nas zonas pioneiras
(e entre elas o Norte/Nordeste do estado de São Paulo) que são
os principais centros de produção e onde se estava introduzindo
pela primeira vez a cultura algodoeira, que os benefícios da
pesquisa científica foram mais tangíveis".
‘Naquele tempo, todo o trabalho agrícola era manual ou de
tração animal. Os tratores eram raros. As variedades de algodão
de ciclo longo, com os capulhos se abrindo por meses, dava
tempo para a mesma família cultivar e colher o produto de sua
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roça. Com o passar dos anos, a mecanização, o aumento das
pragas, a toxidez dos inseticidas e o abreviamento da colheita,
acabaram com o meeiro e com o pequeno agricultor’.
‘A cultura do milho era para o gasto próprio, não tinha preço
no mercado. O arroz era vendido domesticamente e seu comércio
era restrito. Em 1938, São Paulo tinha aproximadamente de 700 a
800 mil habitantes, mas o mercado interno era fraco. O algodão,
como o café, eram produtos de exportação e geravam mais
riqueza’.
‘Em 1944, após a segunda grande guerra, o produto mais
importante era o café, seguido do algodão. Com o crescimento da
população urbana, o arroz e o milho passaram a ter mercado. A
cana entrou muito depois’.
‘Nessa época começaram a prevalecer as roças. Culturas
anuais. O café não desapareceu. O que ocorreu com o café em
nossa região, foi que começou a sofrer uma concorrência pesada
das regiões novas de Marília a Noroeste, e do Paraná. Lá, porque
as terras eram mais novas, dava muito mais café do que aqui’.
‘Começamos a perder gente, a diminuir a população rural.
Os corretores de terras do norte do Paraná, de Marília, vinham
aqui, entravam nas colônias e seduziam o pessoal para comprar
terras ou ir formar cafezais. Os nossos colonos tinham em mente
os dias ricos do café, do passado’.
‘Os colonos que tinham algumas economias compravam
terras, os que não tinham, assinavam contratos de formação de
lavoura. Enfim, iam embora de mala e cuia’.
‘A queda do café causou grande prejuízo para nossa região:
o despovoamento, a redução da população e baixa produção. O
algodão surge em 1934, como cultura substitutiva mas o café,
dava continuidade como a grande cultura do Estado de São
Paulo. Em 1938, Sebastião de Almeida Prado14, de Morro Agudo,
contratou um trator então utilizado para arrancar cafeeiros velhos,
com o fim de desmatar cerrado. Esse trator pertencia a um grupo
de agrônomos recém formados em Piracicaba. Um deles é o
Fernando Penteado Cardoso, hoje dono da Maná, outro o
Pacheco Chaves, que chegou a presidente do MDB, os irmãos
Lanari Do Val fazendeiros na região de Ribeirão Preto e o
14
Tio do entrevistado.
176
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tratorista, Felix Abujanra, daqui de Ribeirão Preto. Fizeram o
desmatamento de 60 alqueires de cerrado, na fazenda
Castelhano, em sociedade com Sofia Almeida Prado Junqueira15,
sua irmã. O resultado foi uma excelente roça de arroz. Mas aí,
quebrou o trator, quebrou a firma e veio a guerra’.
‘Sebastião Almeida Prado ficou com isso na cabeça. Com o
fim da guerra em 1945, ele importou um trator HD-14 com lâmina,
para desmatar cerrado. Foi o primeiro trator deste porte,
importado exclusivamente com destino agrícola, que foi usado
para desmatar cerrado. Esta iniciativa pioneira, constituiu um
marco na história agrícola do Brasil. “Temos terra, não temos
fazenda, fazenda a gente faz” dizia orgulhosamente Almeida
Prado’.
‘Muita gente passou a comprar trator com o mesmo fim.
Assim iniciou-se o ciclo do arroz. Desmatar, arar mais ou menos,
plantar arroz, um pouco de milho (porque milho não se dá bem no
cerrado). O fazendeiro arrancava o cerrado, plantava arroz
durante dois anos e depois plantava capim jaraguá. A nossa
região cresceu em importância agrícola’.
‘O café foi injustamente acusado de monocultura. Hoje, a
cana é mais monocultura do que foi o café nas primeiras décadas
do século XX. Mas não se pode falar em monocultura do algodão,
pois sempre conviveu com o milho, com o arroz e ainda com a
pecuária’.
‘A policultura, perdurou até 1970, mais ou menos, quando foi
suplantada pela cultura da cana-de-açúcar’.
‘Depois da segunda guerra, o IRI, um instituto ligado à
fundação Rockfeller, com profissionais, agrônomos do mais alto
gabarito, instalou-se em Matão. Veio para colaborar na
modernização das condições e métodos agrícolas no Brasil. De
Matão, tiveram eles uma importância capital para o nosso
desenvolvimento regional’.
‘Em Matão, o IRI fez uma série de experiências sobre o uso
do cerrado e constatou a deficiência do enxofre em nosso solo.
Foram eles que divulgaram o uso do calcário na correção da
acidez do solo e novas práticas agrícolas na forma de arar e
cultivar a terra. O uso do calcário foi crucial na exploração do
15
Mãe do entrevistado.
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cerrado, cuja acidez inviabilizava outras culturas, que não a do
arroz. O arroz é muito resistente ao PH ácido. Através da EMA,
Empresa de Mecanização Agrícola, o IRI, participou também do
desmatamento do cerrado’.
‘Nisto, o governo brasileiro enveredou para uma política de
aproximação com os países da cortina de ferro. Os americanos
foram embora. O Brasil deixou de ser mercado para suas
máquinas agrícolas. Herdamos, então, toda a ineficiência das
máquinas russas, tchecas, romenas e quejandos. Além da má
qualidade, não eram adequadas para o nosso meio. Foi um atraso
tecnológico para nossa a agricultura. Um acordo bilateral, entre o
governo brasileiro e o governo russo, ou balança descompensada,
obrigou a gente a comprar essas máquinas, em detrimento de um
progresso agrícola com a orientação norte-americana. Isso
aconteceu de 1957, 1958 para frente’.
‘Em 1952 a soja aparece como a real viabilizadora do
cerrado. O arroz se auto-intoxica. Seu cultivo dura dois anos, no
terceiro não dá mais. A soja não. Tratando-se de uma leguminosa,
enriquece o solo. O calcário deu vez para a produção da soja.
Melhorando o solo, de repente, solos que antigamente se
cultivavam apenas com arroz e capim, passaram a produzir milho
e outras culturas mais exigentes. É o que nós estamos vendo por
aí até hoje. Um beneficio formidável, que ampliou a área de
produção agrícola’.
‘De 1960 em diante, aos poucos, fomos sentindo as
dificuldades criadas com o declínio do café. A cultura anual é
desgastante. Principalmente a do algodão. Uma luta sem fim
contra a erosão do solo, pelas águas da chuva. A cultura da canade-açúcar vinha crescendo desde a época da segunda guerra’.
‘Já antes da guerra, o governo brasileiro tinha problemas
com a produção do açúcar do Nordeste. Com a revolução de
1930, a intervenção do governo no setor econômico consagrou-se
no Brasil. O café, através do Instituto Brasileiro do Café - IBC. O
açúcar, através do Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA. Outros
produtos ou atividades, em outros Institutos. Estes Institutos,
autarquias inspiradas na legislação fascista italiana, foram criados
na ditadura de Getúlio Vargas. Baseavam-se também nas teorias
econômicas de Lorde Keynes, de mecanismos de controle do
Estado, na economia nacional’.
178
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
‘O IAA passou a administrar a produção de açúcar e álcool.
Com este fim foi criado o Estatuto da Lavoura Canavieira, aliás,
muito bem feito. O Estatuto reproduzia a situação nordestina.
Porém, foi imposto a todo o País. Em beneficio do Nordeste,
continha o desenvolvimento canavieiro por aqui’.
‘Com a situação criada pela guerra, o Instituto foi obrigado a
facilitar a produção açucareira no Sul. Mesmo porque, não
tínhamos comunicação terrestre entre o norte e sul e a ação dos
submarinos do Eixo, nas nossas costa, cortou a comunicação por
mar. São Paulo começou a produzir mais açúcar e álcool também.
Álcool para substituir a gasolina. Usávamos gasogênio e álcool.
Na década de 30, já produzíamos álcool como carburante’.
‘Em 1963, a cana toma um vulto cada vez maior na região,
sob a liderança de Sertãozinho. Como agricultores em Orlândia,
sentíamos a necessidade de ter uma cultura permanente, que
viesse substituir o café na estabilidade econômica das fazendas
para não ficar só no risco das culturas anuais. De Sertãozinho
para outras cidades, a cana foi se esparramando, crescendo cada
vez mais e modificando o ambiente agrícola da nossa região’.
‘Em 1966, houve um crise de superprodução açucareira
muito forte. O IAA, como autarquia, teve de intervir. O governo,
então, em conseqüência, criou Leis defendendo a produção do
açúcar e coibindo o aumento do número de usinas (porque havia
excesso de produção) e aumentou o seu poder de intervenção no
setor. As usinas de São Paulo já haviam superado em
importância, produção e influência, as usinas do Nordeste’.
‘Em 1973, tivemos um plano de modernização das usinas de
açúcar e álcool no País. Lastreava o Plano os recursos
acumulados no IAA com a exportação de açúcar a altos preços.
Em conseqüência, o setor açucareiro teve um desenvolvimento
além do previsto. Nova crise avizinhava’.
‘Em 1975, com a crise do petróleo, o governo Geisel
fomentou a produção de álcool, com a criação do Programa
Nacional do Álcool - Pró-álcool. Objetivava produzir de 8 a 10
milhões de litros/ano. Já tínhamos usinas e cana (ameaçadas de
superprodução) o essencial para o sucesso do programa’.
‘Com o programa do álcool, surgiram muitas Destilarias
Autônomas e os canaviais se estenderam por novas terras. Foi
uma revolução. O Pró-álcool, quebrou a castanha do monopólio
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
179
da produção do açúcar e as novas Destilarias, posteriormente,
transformaram-se em usinas’.
‘O Estado de São Paulo, quase não participava do mercado
açucareiro de exportação. O Brasil, mais por conta do Nordeste,
exportava 20% da produção, os 80% restantes iam para o
consumo interno. Hoje a participação paulista na exportação
aumenta ano a ano. Estamos colocando em perigo todo o mundo
açucareiro. Se o álcool fracassar, vamos adoçar o Atlântico’.
‘Disputamos com a Índia o primado da produção de açúcar
de cana. A Índia produz tanto açúcar quanto o Brasil. Mas o
canavial deles é a metade do brasileiro. Só produzem açúcar. Um
pouco mais que a metade do canavial brasileiro destina-se à
produção do álcool. Hoje, cerca de 55 a 60% da nossa cana vai
para o álcool e 40 a 45% para o açúcar’.
‘O presidente Color acabou com o IAA. O presidente
Fernando Henrique, com o propósito do fim da Era Vargas,
ampliou a abertura política e econômica brasileira. Passamos de
um regime de absoluta tutoria do governo sobre o setor
açucareiro, para total liberdade. Estamos até tomando uma
bebedeira de liberdade. Uma situação que vai bem, mas pode
tornar-se preocupante. Não podemos esquecer o tal Custo Brasil.
Se nós não melhorarmos nossos portos, nossas ferrovias, se não
reduzirmos os custos, também não teremos condições de
concorrência. Mas parece que isso vai acontecer’.
‘A Austrália, por exemplo, que é um país de economia livre,
tem uma organização de controle da produção açucareira. A
Europa, que é um grande produtor de açúcar de beterraba,
também tem este controle. Os próprios Estados Unidos têm um
certo controle sobre a produção do açúcar. Nós que tínhamos
controle total, estamos sem nenhum. Pode ser perigoso mesmo’.
Sobre o Pro-Álcool
‘Um dos pais do Pro-álcool foi o Cícero Junqueira Franco,
diretor da Usina Vale do Rosário’.
‘Nos primeiros motores de ciclo-oto, que são os motores dos
automóveis, o álcool foi usado como carburante no início do
século, na França. Nesta época, o combustível mais usado era o
carvão que posteriormente cedeu lugar ao petróleo’.
180
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
‘Vivemos o século do petróleo. Aqui no Brasil depois na
década de 30, tentou-se o uso do álcool como carburante. Na
revolução de 1932, o álcool foi usado em substituição à gasolina’.
Eduardo Diniz Junqueira quando criança assistiu seu pai
comprar galões de álcool para colocar no automóvel .
‘Em 1942, com a situação provocada durante a Segunda
Guerra Mundial, a Usina Junqueira, em Igarapava, distribuía o
"Alcool Quito", porque de novo recorreu-se ao uso do álcool
carburante, incentivando a criação de algumas destilarias. Em
nossa região, diversas das atuais usinas de hoje, nasceram de
destilarias criadas nessa época, incentivadas à produção do álcool
combustível. A maioria dos automóveis andavam com gasogênio’.
‘Em 1975, com a crise do petróleo no oriente, o governo do
presidente Geisel lançou o programa do Pró-álcool como recurso
para minorar a crise dos energéticos automotivos. Nossa região
teve participação fundamental nesse programa’.
‘O ministro Shigheaki Ueki, das Minas e Energia e expresidente da Petrobrás, diante da crise do petróleo, procurou
Lamartine Navarro Jr., solicitando sua colaboração na crise dos
automotivos. O eng. Lamartine Navarro, paulista, ligado à
Ultragás, estava familiarizado com os problemas do petróleo e
procurou o eng. Cícero Junqueira Franco, superintendente da
Usina Vale do Rosário, em Morro Agudo, que trouxe pare o
assunto Maurílio Biagi (pai), da Usina Santa Elisa em Sertãozinho
e Presidente da Zanini’.
‘Os engenheiros do Instituto de Engenharia, Barros Siciliano
e Eduardo Sabino de Oliveira, em debate no próprio Instituto,
entusiasmaram-se com a retomada do álcool como carburante. Na
ocasião, o venerando eng. Eduardo Sabino de Oliveira, exclamou:
"Estamos exumando um defunto". Ele e o eng. Barros Siciliano,
haviam desenvolvido o uso do álcool na década de 30’.
As raízes de nossa Região
‘O background cultural, de uma grande parte da população
brasileira, advém da taba e da cubata. O máximo da sabedoria
aqui era saber fazer monjolo. O imigrante, que para cá veio, tinha
mais conhecimento. Entre os imigrantes, um era artista, outro
pintor, escultor, ferramenteiro, funileiro e outras coisas. Mas acima
de tudo, tinham uma forte cultura familiar e o conhecimento das
Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
181
coisas comuns, da economia caseira, do trabalho assíduo e
constante. Muitas vezes podiam ser analfabetos, mas sabiam
fazer as coisas’.
‘As fazendas paulistas do meu tempo de menino, produziam
muito do que consumiam. Tinham uma vida própria muito grande’.
‘A imigração trazida pelo café integrou o imigrante à
população brasileira. Alguns imigrantes tornaram-se grandes
fazendeiros e uma parte foi para as cidades onde criaram
pequenas indústrias e oficinas tais como consertadores de
carroças, funileiros, ferreiros e ainda outros que se transformaram
em grandes empreendimentos. Aqui em Ribeirão Preto temos
inúmeras famílias desta origem, que prosperaram e hoje figuram
no primeiro plano social, político e econômico da cidade. Os
Laguna na mecânica de motores, os Delloiagno na fabricação de
móveis, os Biagi nas usinas de açúcar, Calil no comércio e tantos
outros. Com trabalho, perseverança, habilidade e inteligência
foram ganhando espaço e se estabeleceram. Mudaram para as
cidades e criaram a pequena burguesia, para depois comporem a
grande burguesia. A beleza desse processo foi ter acontecido sem
quistos. Isso é importante. Eles foram se misturando, brasileiros,
italianos, árabes, japoneses, fundindo toda diferença racial,
cultural, religiosa numa só brasilidade’.
‘O imigrante não foi para o nordeste, porque lá já existia
mão-de-obra. São Paulo recebeu muito imigrante porque era um
Estado pobre durante o Império e nossa região, despovoada. O
sul de maneira geral era despovoado, principalmente porque a
cultura da cana era feita no Nordeste do país’.
‘São Paulo está situado em cima da serra. Enquanto não foi
possível vencer a serra, também não foi possível qualquer
progresso. A descida e subida da Serra do Mar era realizada ou
em lombos de burros ou levando as coisas nas costas. O planalto
paulista ficou reservado, ficou à espera de sua vez, pelas
condições quase inacessíveis de sua topografia. Na passagem do
século, São Paulo tinha cerca de 150 mil habitantes. Monteiro
Lobato escreveu que o Brás (bairro dos imigrantes) "de dia
trabalha e de noite gesta". Assim cresceu essa gente. Alcântara
182
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Machado16 revela em seus contos e paródias a admiração sobre
essa gente que ia chegando com tanto sofrimento’.
‘Mas de todos que para cá vieram, os que mais lutaram e
sofreram, foram os que primeiro aqui aportaram. Tinham os índios
na frente e os piratas nas costas. A eles devemos o nosso
agradecimento’.
COSAC, M. D. D. Northeast of São Paulo, antecedents, ways and occupation.
Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.153-186, 1999.
•
ABSTRACT: The social, economical and political situation of the area of
Ribeirão Preto is linked to the historical process of the formation of the
agrarian capitalism in our country. Originated through the oligarchy of coffe
with bases in the development of the field. And it is interesting that this
history can be told from the days of 1850 to today, or, not more than a
hundred years, what characterizes as practically new and recent. From the
expansion context and regional colonization, is important to notice the
reconstruction of the link historical of the formation of the agrarian capitalism
in that area. To revive this history is to reconstitute the farmers'life.
•
KEY WORDS: Northeast of São Paulo; regional history; farms and farmers;
coffee.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999
185
ÍNDICE DE ASSUNTOS
Agroindústria canavieira, p.153
Assistência, p.129
Café, p.153
Cidadania, p.129
Critérios de avaliação, p.109
Diretrizes para reformulação do currículo, p.9
Educação, p.57
Família, p.129
Fazendas e fazendeiros, p.153
Formação profissional do Serviço Social, p.9, 31, 57, 89
História regional, p.153
Iniciação científica, p.89
Nordeste paulista, p.153
Prática de ensino, p.31
Prática profissional do Serviço Social, p.9
Projeto ético-político do Serviço Social, p.73
Sala de aula, p.31
Serviço Social, p.57, 73, 89, 129
Sócio-econômico, p.109
Trajetória histórica, p.73
Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998
187
SUBJETC INDEX
Attendance, p.150
Citizenship, p.150
Classroom, p.54
Coffee, p.183
Education, p.71
Farms and farmers, p.183
Family, p.150
Guidelines for curriculum reformulation, p.29
Historical trajectory, p.86
Initiation scientific, p.107
Instrumentation, p.127
Northeast of São Paulo, p.183
Practice professional of the Social Service, p.29
Professional formation of the Social Service, p.29, 54, 71, 107
Project ethical-political of the Social Service, p.86
Regional history, p.183
Social-economical classification, p.127
Social Service, p.71, 86, 107, 150
Stratification, p.127
Teaching practices, p.54
Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998
189
ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX
ANDRADE, M. A. R. A., p.31
COSAC, C. M. D., p.153
GENTILLI, R., p.9
GRACIANO, M. I. G., p.109
JORGE, M. R. T., p.29
JOSÉ FILHO, M., p.129
LEHFELD, N. A. S., p.89, 109
MARTINS, E. B. C., p.57
NEVES FILHO, A., p.109
SANT'ANA, R.S., p.73
Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998
191
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS
Informações gerais
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE publica trabalhos
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ou internacionais, na forma de artigos, revisões, comunicações,
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de livros que tenham sido publicados no Brasil, nos dois últimos
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Os trabalhos poderão ser redigidos em português ou
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texto, escritos no idioma do artigo, os que sucedem o texto, em
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Preparação dos originais
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retiradas de Thesaurus da área, quando houver); Texto;
Agradecimentos; Abstract e Keywords (versão para o inglês do
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do próprio artigo); Referências Bibliográficas (trabalhos citados no
texto).
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Referências bibliográficas. Devem ser dispostas em
ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro autor e seguir a
NBR 6023 da ABNT.
• Livros e outras monografias
LAKATOS, E.M., MARCONI, M.A. Metodologia do trabalho
científico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1986. 198p.
• Capítulos de livros
JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C.S.
Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p.
47-66.
• Dissertações e teses
BITENCOURT, C.M.F. Pátria, civilização e trabalho: O ensino nas
escolas paulistas (1917-1939). São Paulo,1988. Dissertação
(Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
• Artigos de periódicos
SCHONS, Selma Maria. Assistência social na perspectiva do
neoliberalismo. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 16,
n. 49, p. 5-19, nov. 1995.
• Trabalho de congresso ou similar (publicado)
MARIN, A.J. Educação continuada: sair do informalismo? In:
CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO
DE EDUCADORES, 1, 1990. Anais... São Paulo: UNESP,
1990. p. 114-8.
Citação no texto. O autor deve ser citado entre
parênteses pelo sobrenome, separado por vírgula da data de
publicação (Barbosa, 1980). Se o nome do autor estiver citado no
texto, indica-se apenas a data entre parênteses: “Morais (1955)
assinala...” Quando for necessário especificar página(s), esta(s)
deverá(ão) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s)
de p. (Mumford, 1949, p. 513). As citações de diversas obras de
um mesmo autor, publicadas no mesmo ano, devem ser
discriminadas por letras minúsculas após a data, sem
espacejamento (Peside, 1927a) (Peside, 1927b). Quando a obra
tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (Oliveira &
194
Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998
Leonardo, 1943), e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro
seguido de et al (Gille et al, 1960).
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