ANGELA RODRIGUES IUNG
A CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE AÇÕES
AFIRMATIVAS IMPLEMETADO PELA UFSC
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto
Bastos Júnior.
São José
2008
2
ANGELA RODRIGUES IUNG
A CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE AÇÕES
AFIRMATIVAS IMPLEMENTADO PELA UFSC
Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração:
São José, novembro de 2008
Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior
UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Rodrio Mioto dos Santos
UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. MSc. Daniel Lena Marchiori Neto
Membro
3
Dedico este trabalho as minhas mães queridas, Menar e Fabiane que sempre me
apoiaram e me incentivaram nos momentos em que mais precisei, nunca deixando
que eu desistisse. Principalmente pela confiança em investir na minha educação.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado à oportunidade de estudar.
Agradeço a todos os meus os meus familiares, em especial ao meu grande
companheiro Mauricio pelo apoio, carinho e paciência dispensados, principalmente
pela compreensão nos momentos de ausência.
Agradeço ao meu orientador, Luiz Magno por sua dedicação e por ter despendido
seu tempo em minha formação acadêmica.
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 31 outubro de 2008.
Angela Rodrigues Iung
6
RESUMO
O programa de ações afirmativas implementado pela Universidade Federal de Santa
Catarina não fere o principio constitucional da igualdade preconizado na Constituição
Federal de 88. A CF obriga o estado a criar mecanismos destinados a erradicar a
pobreza e as desigualdades sociais. Não obstante, as obrigações internacionais
assumidas pelo Brasil legitimam as ações voltadas a erradicar todas as formas de
discriminação e desigualdade social. Ademais, o sistema implementado será
constitucional se os critérios estabelecidos identifiquem os beneficiários como
passíveis de proteção. A UFSC no seu primeiro vestibular elegeu como destinatários
do programa de ações afirmativas os negros, os indígenas e os alunos provenientes
de escola pública. No primeiro vestibular restou demonstrado que as desigualdades
de acesso de fato diminuíram e parte das ações foram implementadas, diga-se a
reserva de vagas e os cursinhos preparatórios oferecidos pela instituição, estão de
acordo com o que preconiza a Constituição Federal. Em relação as demais ações
não há possibilidade de avaliação tendo em vista que é o primeiro vestibular da
instituição com tal política.
Palavra-chave: principio da igualdade - ações afirmativas – universidades públicasUFSC
7
ABSTRACT
The program of affirmative actions implemented by the Federal University of Santa
Catarina does not injure the constitutional beginning of the equality extolled in the
Federal Constitution of 88. The CF obliges the state to create mechanisms destined
to eradicate the poverty and the social inequalities. Nevertheless, the international
obligations assumed by Brazil legitimize the actions turned to eradicate all the forms
of discrimination and social inequality. Besides, the implemented system will be
constitutional if the established criteria identify the beneficiaries as susceptible to
protection. UFSC in his first college entrance exam, elected as participants, of the
program of affirmative actions, the black men, the natives and the students which
used to study in public school. In the first college entrance exam it remained
demonstrated that the inequalities of access in fact were reduced and part of the
actions were implemented, such as the reserve of vacancies and the preparatory
courses offered by the institution, those are according to what extols the Federal
Constitution. Referring to other actions there aren’t any possibilities of evaluation
insofar as it is the first college entrance exam of the institution with such politics.
Key- words: Principle of the equality - affirmative actions – public universities-UFSC.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA ............................................ 12
1.1 IGUALDADE EM SENTIDO FORMAL........................................................................ 12
1.1.1 Evolução Histórica do Principio da Igualdade ...................................................... 12
1.1.2 Igualdade Como Dever de Tratamento Igualitário................................................ 15
1.1.3 Discriminações Constitucionais: Fator de Discriminação e Desequiparação
Proporcional ................................................................................................................. 17
1.2 IGUALDADE EM SENTIDO MATERIAL..................................................................... 24
1.3 TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA.................... 26
2 SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL ............................... 31
2.1 A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL........................ 31
2.1.1 Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial .................................................................................................... 31
2.1.2 Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias
Correlatadas................................................................................................................. 35
2.1.3 Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial..................... 37
2.1.4 Estatuto da Igualdade Racial ............................................................................... 39
2.2 MÉRITO X AÇÃO AFIRMATIVA................................................................................. 41
2.3 POLÍTICA DE COTAS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO PAÍS......... 47
2.4 CRITÉRIOS ADOTADOS NAS DIFERENTES INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR PÚBLICAS DO BRASIL ................................................................................ 52
2.4.1 NEGRO e NEGRO/PARDO ................................................................................. 52
2.4.3 INDÍGENA ........................................................................................................... 56
2.4.4 ESCOLA PÚBLICA.............................................................................................. 58
2.4.5 ORIGEM GEOGRÁFICA ..................................................................................... 60
3 ANÁLISE DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA IMPLEMENTADA PELA UFSC61
3.1 CONTEXTO DE CRIAÇÃO E ATUAÇÃO DA COMISSÃO ......................................... 61
3.2 PRINCIPAIS ELEMENTOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA DEFINIDA PELA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC........................................... 63
3.2.1 Dos Beneficiários................................................................................................. 64
3.2.2 Tipos de Políticas Implementadas ....................................................................... 64
3.2.3 Mecanismo de Reserva de Vagas ....................................................................... 65
9
3.2.4 Processo Classificatório....................................................................................... 66
3.3 A BATALHA JUDICIAL TRAVADA EM RELAÇÃO AO VESTIBULAR 2008-1 DA UFSC
......................................................................................................................................... 66
3.3.1 Dificuldade de identificar o negro e racismo......................................................... 68
3.3.2 Autonomia universitária ....................................................................................... 70
3.3.3. Principio da igualdade......................................................................................... 71
3.3.4 Cotas para egressos de escola pública ............................................................... 74
3.3.5 QUADRO SÍNTESE DAS DECISÕES ................................................................. 74
3.3.6 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.................................... 76
3.4 ANÁLISE DA EXECUÇÃO DO PLANO DE AÇÃO AFIRMATIVA ............................... 83
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 90
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 93
10
INTRODUÇÃO
A presente monografia decorre de um assunto que esta em discussão em
todo o território nacional: as ações afirmativas. Com a implementação por algumas
universidades públicas do país dessas medidas especiais, o tema está na pauta do
dia.
O problema da desigualdade social do país é alarmante, criar programas e
ações com o intuito de propiciar igualdade de oportunidades aos grupos
marginalizados da sociedade cria um campo de discórdia entre vários setores da
sociedade.
Em Santa Catarina após o primeiro vestibular da Universidade Federal com
a implementação de programas de ação afirmativa, o tema ganhou maior projeção,
principalmente quando se remete ao sistema de reserva de vagas.
Muitos são os argumentos contrários e favoráveis à utilização desta política
pública, a opção por este estudo é oportuna visto que no Judiciário o debate tem se
intensificado, sendo que os estudos voltados a esta temática se apresentam como
uma importante contribuição para um assunto que gera tanta polêmica.
O objetivo deste trabalho consiste em investigar a constitucionalidade do
programa de ações afirmativas implementado pela UFSC, assumindo como
pressuposto de que a questão não pode ser enfrentada de maneira simplista e
absoluta. Especificamente trata de investigar se tais ações que permitem o acesso
privilegiado de determinados grupos vulneráveis ao ensino superior ofendem o
principio da igualdade presente na Constituição Federal de 88, levando em
consideração que o próprio texto constitucional permite certas discriminações
positivas.
O método utilizado para a confecção deste trabalho é o dedutivo, tendo em
vista que se parte de uma premissa maior que é o principio da igualdade passando
para uma premissa menor que é a avaliação da constitucionalidade do programa de
ações afirmativas implementado pela UFSC.
O trabalho é dividido em três capítulos quais sejam: o principio da igualdade
e ação afirmativa, o sistema de cotas no ensino superior do Brasil e a análise da
política de ação afirmativa implementada pela UFSC.
11
No primeiro capítulo, será apresentado o principio da igualdade, a forma
como essa temática era tratada nos tempos mais antigos até sua evolução para os
dias atuais, tendo em vista que sua concepção inicial que era puramente formal
passou a tomar outra perspectiva, agora além de obrigar ao Estado que proporcione
tratamento igualitário aos indivíduos perante a lei (sem concessão de privilégios)
passa a ser obrigação do estado proporcionar condições para a supressão das
barreiras que impedem a existência de condições materiais entre os indivíduos.
Não obstante, será demonstrado as situações em que a Constituição permite
tratamento diferenciado entre indivíduos sem ofensa ao principio igualitário.
Ainda é apresentado o conceito de ações afirmativas e o contexto em que se
insere. Demonstrando suas características e formas de implementação.
O segundo capítulo destina-se a apresentar a trajetória da política de ação
afirmativa que está sendo implementada no Brasil, seu contexto nacional e
internacional, bem como as propostas e projetos de lei que apóiam essa temática.
Ademais, será brevemente a questão do mérito como forma de acesso ao
ensino superior, analisando se as cotas violam ou não tal principio. Será feito ainda
um breve panorama das instituições públicas do país que estão implantando ações
afirmativas, bem como serão apresentados os critérios adotados por estas
instituições para proceder o tratamento diferenciado.
Com efeito, será apresentado quais os tipos de ações que estão sendo
aplicadas, suas principais características.
O terceiro capítulo será destinado a analisar o sistema de cotas
implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Inicialmente se demonstrará a atuação
da
Comissão
criada pela
Universidade para averiguar as possibilidades de implementação do sistema, bem
como as características e os elementos da política de ação afirmativa implementada.
Será trazido a baila a discussão que vem ocorrendo no Poder Judiciário,
apontando como vêm se posicionamento nessa temática.
Por fim, será feita a analise da política implementada, levando em conta o
primeiro vestibular realizado pela instituição, para verificar se as cotas que estão
sendo implentadas estão de acordo com o que preconiza a Constituição Federal de
88.
Este estudo tenta apresentar-se como uma contribuição para o debate que
esta ocorrendo em todos os setores da sociedade.
12
1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA
Neste primeiro capítulo será apresentado o principio da igualdade, a forma
como essa temática era tratada nos tempos mais antigos até sua evolução para os
dias atuais, tendo em vista que sua concepção inicial que era puramente formal
passou a tomar outra perspectiva, agora além de obrigar ao estado que proporcione
tratamento igualitário aos indivíduos perante a lei (sem concessão de privilégios)
passa a ser obrigação do estado proporcionar a igualdade material (de fato) entre os
indivíduos.
Não obstante, será demonstrado as situações em que a Constituição permite
tratamento diferenciado entre indivíduos.
Outra questão importante que será tratada neste capítulo diz respeito às
ações afirmativas, suas características e formas de implementação.
1.1 IGUALDADE EM SENTIDO FORMAL
1.1.1 Evolução Histórica do Principio da Igualdade
A temática da igualdade vem sendo discutida desde os tempos mais antigos.
A idéia de igualdade apresenta registros entre os pensadores da Grécia Clássica e
Roma Antiga, sendo disseminado a partir das Revoluções dos séculos XVII e XVIII
(SILVA, 2003, p. 330). Na modernidade a noção de igualdade estava intimamente
ligada à idéia do liberalismo, da dissolução dos sistemas absolutistas.
Em nível constitucional, a França foi o primeiro país a formalizar a idéia
jurídica da igualdade, estampando no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, a idéia em sentido formal de igualdade, concretizando no
plano-jurídico-positivo um poderoso instrumento contra os privilégios pessoais e
contra a hierarquização das classes sociais (CASTRO, 2005, p. 358), os direitos
fundamentais tornaram-se assim, oponíveis e exigíveis nos moldes dos demais
13
direitos constitucionais, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa
humana (SELL, 2002, p. 40).
O liberalismo francês preconizava a abolição dos privilégios pessoais,
atribuídos a nobreza e ao clero, tentando impor limites à atuação abusiva do Estado,
tendo como único foco o combate às agressões provenientes do Estado, impedindo
que o legislador tratasse desigualmente os iguais, era a exigência de simples
igualdade entre os sujeitos de direito diante da ordem normativa, impedindo a
criação de tratamento legislativo diverso para idênticas ou assemelhadas situações
de fato (CASTRO, 2005, p. 359).
Todavia, a regra igualitária nasceu individualista no tocante à distribuição da
riqueza e dos meios de sobrevivência no convívio social, era necessário apenas que
a lei fosse igual para todos, ou igual para os iguais, a não adoção de privilégios
bastava, os direitos se reduziam a liberdade, segurança e propriedade (PIOVESAN,
2003, p. 192).
O ideal de igualdade que se conseguiu concretizar foi a puramente formal,
Carlos Roberto Siqueira de Castro traz “sua função, destarte, não era outra senão a
de permitir que a liberdade capitalista pudesse operar como força motriz do
desenvolvimento sócio econômico - em linha de crescente acumulação de riqueza –
dando a cada um o que é seu, por direito de herança ou conquista” (2005, p. 359),
nesse sentido traz Sandro César Sell (2002, p. 42):
Era mais simples, e politicamente conveniente, atribuir igualdades
formais a todos e fazer vistas grossas às diferenças materiais
verificadas entre os diferentes grupos da sociedade. Afinal, a
burguesia, mentora intelectual dos novos direitos, queria que estes
formassem a base de um mundo que os protegesse, e não de um
mundo que os eliminasse enquanto classe privilegiada na sociedade.
Ao Estado era requerido uma obrigação negativa, a este cabia apenas não
conceder privilégios, não era uma obrigação do Estado proporcionar aos cidadão
igualdade de condições, assim, o liberalismo francês não conseguiu impedir que
emergissem as diferenças sociais e as discriminações.
Os avanços dos movimentos socialistas em prol da redução das injustiças
sociais fez resultar o conflito entre a limitada noção da igualdade jurídica francesa e
o desejo de igualdade real, a igualdade de fato (material) entre os homens no meio
social (CASTRO, 2005, p. 359). Assim, torna-se importante e necessário repensar o
valor da igualdade, a fim de que as especificidades e as diferenças sejam
14
observadas e respeitadas, somente mediante essa nova perspectiva é que se
concretizou o processo de multiplicação dos direitos humanos, com a conseqüente
extensão da titularidade desses direitos (PIOVESAN, 2003, p. 193).
A tradução de direitos humanos em normas constitucionais fez com estes se
tornassem em tese, oponíveis e exigíveis nos moldes dos demais direitos
constitucionais (CANOTILHO, 2004, p. 403). Os direitos fundamentais têm sido
tradicionalmente entendidos como direitos de defesa, cujas funções principais são:
limitar a ingerência do poder público na esfera individual; atribuir ao indivíduo poder
para exercer os direitos que sob a rubrica dos fundamentais foram constituídos,
desta forma, tanto o Estado quanto a sociedade, são tidos como pacientes do
comando constitucional de tratamento isonômico e não atentatório a dignidade dos
indivíduos em geral (SELL, 2002, p. 40). Cumpre mencionar, que uma das funções
dos direitos fundamentais é o combate a toda forma de discriminação (CANOTILHO,
2004, p. 403).
No Brasil, a primeira Constituição, de 1824, apenas remetia o legislador
ordinário à equidade, veio a República e na Constituição de 1891, previu-se de
forma categórica que todos eram iguais perante a lei, eliminando-se privilégios, tais
como foros de nobreza, extinguiram-se as ordens honoríficas e todas as
prerrogativas e regalias a elas inerentes, permanecendo, todavia, com uma
igualdade puramente formal, a Constituição de 1934 dispôs também que todos
seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios nem distinções por motivo
de nascimento, sexo, raça, classe social, riqueza, crenças religiosas, etc.; nas
constituições de 1937 e 1946 reafirmou-se o principio da igualdade1.
Nesse momento, em 1948, deu-se a Declaração Universal dos Direitos do
Homem declarando “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja
de raça, cor, sexo, língua, opinião púbica ou de outra natureza, origem nacional ou
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, a partir daí no cenário
1
Constituição de 1937 - Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros
residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes: 1º) todos são iguais perante a lei;
Constituição de 1946 - Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º Todos são iguais perante a
lei.
15
nacional surgiram às primeiras leis penais sobre discriminação (FARIAS DE MELLO,
2002, p. 15).
A Constituição de 1967 não trouxe inovações, restringiu-se a garantir a
igualdade puramente formal, previu-se, no entanto, que a discriminação racial seria
punida por lei. A Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de
Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil em 19682 contribuiu para a idéia de que
não seria tolerada discriminação (FARIAS DE MELLO, 2002, p. 15).
Nesse contexto, de igualdade puramente formal, os constituintes de 1988
sinalizaram uma mudança de postura, já no preâmbulo da Constituição ao se
comprometem a instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o
exercício de direitos sociais e individuais, garantindo a liberdade, a segurança, o
bem estar, o desenvolvimento, e principalmente a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade.
Logo em seu primeiro título a Constituição de 88 trouxe como objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da
marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais.
O principio da igualdade veio previsto no rol dos direitos fundamentais, “art.
5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.
A supressão das desigualdades veio consagrar o principio da igualdade
tanto em seu sentido formal quanto em seu sentido material.
Cumpre ressaltar que o artigo 5°, XLII, trouxe a pratica do racismo como
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
1.1.2 Igualdade Como Dever de Tratamento Igualitário
A igualdade descrita no caput do artigo 5º, da CF/88 trouxe a proibição para
o Estado de estabelecer qualquer tipo de distinção ao editar uma lei, garantindo aos
2
Ratificada em 27 de março de 1968, a Convenção passou a vigorar no país a partir de 4 de
janeiro de 1969 (Decreto nº 65.810 - de 8 de dezembro de 1969).
16
cidadãos tratamento jurídico igualitário (fato que vincula a igualdade ao principio da
legalidade).
Nesse sentido, Bandeira de Mello assinala: “O alcance do princípio não se
restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei
não pode ser editada em desconformidade com a isonomia” (2005, p. 9).
Desta feita, pode-se concluir que a redação constitucional que traz o
principio da igualdade é voltado tanto para o legislador, quanto para o aplicador do
direito, servindo o principio isonômico como limitador do poder legislativo
(BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 9). Nesse ínterim, leciona Canotilho (2004, p.
417):
Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A
lei, ela própria, deve tratar igualmente todos os cidadãos. O princípio
da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o a criação
de um direito igual para todos os cidadãos.
O conteúdo político-ideológico absorvido pelo principio da igualdade e
assimilado pelos sistemas normativos vigentes assinala que a lei não deve ser fonte
de privilégios ou perseguições, mas sim, instrumento regulador da vida em
sociedade que necessita tratar eqüitativamente todas as pessoas (BANDEIRA DE
MELLO, 2005, p. 10), fato este que vincula a igualdade com o direito à liberdade.
Bandeira de Mello assinala que: “a igualdade é o principio que visa a duplo
objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual contra perseguições e, de
outro, tolher favoritismos” (2005, p. 23). Não é permitido que o legislador edite lei
que apresente disciplinas diversas para situações equivalentes, estabelecendo, por
conseqüência, a vedação de discriminações, proteção que se apresenta de forma
genérica e abstrata (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 10).
Todavia, verifica-se a necessidade de conferir a certos grupos, uma proteção
especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Nesse aspecto, o
tratamento isonômico associa-se à finalidade da aplicação da lei e não às
diferenciações efetivamente feitas (SELL, 2002, p. 43). Significando que a diferença
não seria mais utilizada para aniquilação dos direitos, mas sim para a promoção de
tais direitos (PIOVESAN, 2003, p. 195). Tais proteções não se apresentam como um
descumprimento ao artigo 3º, IV da Constituição, pois tal artigo implica em uma
postura positiva do Estado, designando um comportamento ativo na busca da
concretização da igualdade positivada no texto constitucional (MENEZES, 2007, p.
236).
17
Nesse mesmo norte, Celso Ribeiro Bastos conceitua a igualdade formal
como: “o direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância
com os critérios albergados ou a menos não vedados pelo ordenamento
constitucional” (1989, p. 7).
1.1.3
Discriminações
Constitucionais:
Fator
de
Discriminação
e
Desequiparação Proporcional
Considerando que a igualdade pressupõe diferenciações (CANOTILHO,
2004, p. 418), a Constituição de 1988 trouxe dispositivos específicos que adotam
como sujeito de direito, aquela parcela da população que apresenta certas
peculiaridades como, por exemplo, a prerrogativa dos Deputados e Senadores
prevista no artigo 53 do texto Constitucional, institui que estes sujeitos são
invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Nada mais justo caso contrário, comprometeria seu papel de representantes dos
interesses da população, bem como, entravaria seu trabalho.
Outra forma de discriminação justificável é a que determina proteção
especial a crianças e adolescentes (artigos 203, II e II; 227)3, é notória a
necessidade de amparo a esses sujeitos, pois, se apresentam mais vulneráveis
diante da outra parcela da população.
Outra situação pertinente seria o caso de uma lei fiscal impositiva da mesma
taxa de imposto para todos os cidadãos ser formalmente igual, porém seria
profundamente desigual quanto ao seu conteúdo, pois equipararia todos os
3
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
18
cidadãos, independentemente dos seus rendimentos, dos seus encargos e da sua
situação familiar (CANOTILHO, 2004, p. 418)4.
Nesses exemplos pode-se perceber diferentes necessidades, uma de
interesse público da população e outra devido ao desequilíbrio que de fato existe
entre certas pessoas, desta feita, conclui-se que a lei é fonte de discriminações, a
característica funcional da lei é ser discriminatória (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.
9):
Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o
grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei
raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase
sempre atende a diferenças de sexo, profissão, de atividade, de
situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior;
raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens,
quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a
raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente
qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo
fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que
se produzem, ou conforme a repercussão que tem no direito geral.
Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional
dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e
não ferem o principio da igualdade. Servem, porém, para indicar a
necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis
arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a
tarefa do órgão do Poder Judiciário (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.
66).
Pimenta Bueno faz um alerta (1857 apud BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.
18): “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou
prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do
bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”.
Nesse contexto, surge, necessariamente, a indagação feita por Celso
Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 11) “afinal, que espécie de igualdade veda e
que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem
quebra e agressão aos objetivos transfundidos no principio constitucional da
4
Cumpre destacar, que a Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio da capacidade
contributiva no artigo 145 § 1º que estabelece: sempre que possível, os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,
facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Segundo Leandro Paulsen (2006,
p.71): “decorre deste princípio, basicamente, que o Estado deve exigir que as pessoas
contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, de
maneira que nada deve ser exigido de quem só tem para sua própria subsistência, a carga
tributária deve variar segundo as demonstrações de riqueza”.
19
isonomia?” (2005, p. 11), o que permite instituir a uns a rubrica de iguais e a outros
de desiguais, qual é o critério (fator) sem agravos a isonomia que autoriza distinguir
pessoas e situações para fins de tratamento jurídico diverso? (BANDEIRA DE
MELLO, 2005, p. 11).
Para responder este importante questionamento torna-se, segundo Bandeira
de Mello (2005, p. 11), importante a análise de três critérios, que, cumulativamente,
devem ser obedecidos para que a diferenciação procedida seja adequada ao
conteúdo do principio da igualdade formal.
O primeiro diz com o elemento tomado como fator de desigualação; o
segundo, a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de
discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, o
terceiro reporta-se à consonância desta correlação lógica com os interesses
absorvidos no sistema constitucional (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 21). Celso
Ribeiro Bastos (1989, p. 7) traz:
Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério
discriminatório e, de outro lado, se há justificativa para, à vista do
traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico
construído em função da desigualdade proclamada.
a) Fator de Discriminação
Segundo Bandeira de Mello (2005, p. 23) para análise do fator de
discriminação é necessário que sejam obedecidos dois requisitos:
A lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico
que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um
sujeito a ser tolhido pelo regime peculiar
O traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na
pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento
algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para
assujeitá-las a regimes diferentes.
Considerando que a igualdade tem como objetivo propiciar garantia
individual contra perseguições e tolher favoritismos, a lei que singularize o
destinatário está fora do que determina o principio da igualdade, porém, sem
agravos à isonomia, a lei pode atingir uma categoria de pessoas ou então se voltar
para um só indivíduo se em tal caso visar a um sujeito indeterminado e
indeterminável no presente (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 25).
Para melhor entendimento é necessário analisar a classificação das normas
jurídicas quanto a sua estrutura (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 25). A norma é
20
geral quando se apanha uma classe de sujeitos, opondo-se a individualização, que
se volta a um único sujeito, uma lei é abstrata quando supõe situação reproduzível,
diferente do concreto que é relativo a uma situação única, sem hipotetizar sua
renovação (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 26).
Assim, uma lei geral e abstrata não ofende o principio da igualdade quando
a norma se aplica a uma classe de pessoas com uma situação reproduzível
(BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.26), por exemplo, uma lei que concedesse isenção
tributária federal aos pequenos agricultores que habitem regiões atingidas por secas
ou excessos de chuva prejudiciais a sua atividade de plantio, lei constitucional,
ainda, uma norma que reserve X% das vagas nas universidades a estudantes
negros não é considerada inconstitucional, pois, abarca situação que se aplica a
uma classe de pessoas e não aquela pessoa, bem como, é uma situação
perfeitamente reproduzível (SELL, 2002, p. 45).
Desta feita, conclui-se que, uma norma que individualize seu destinatário de
forma tão detalhada que impossibilite sua reprodução, se apresenta como uma
ofensa ao principio isonômico, mesmo que a repetição não seja logicamente
impossível, a possibilidade remota de ocorrer torna essa norma agressora à
igualdade, pois criaria um regime de privilégio a uma única pessoa (SELL, 2002, p.
45).
Porém há situações em que a lei permite o benefício de uma única pessoa,
somente se, no momento da edição da lei, o futuro beneficiário for indeterminado ou
indeterminável, o que afasta a idéia de uma lei editada para beneficiar uma pessoa
especifica. Uma lei que fosse elaborada hoje que oferecesse determinado benefício
ao primeiro tenista brasileiro que fosse o número um do mundo, segundo o ranking
tal, apresenta uma ofensa ao principio isonômico por ser esta pessoa nos dias de
hoje perfeitamente determinável, porém se esta mesma lei fosse editada quando
nenhum tenista brasileiro aproximava-se desta possibilidade estaria plenamente de
acordo com o principio isonômico (SELL, 2002, p. 45).
Bandeira de Mello afirma que: "sem agravos a isonomia a lei pode atingir
uma categoria de pessoas ou então voltar-se para um só indivíduo, se em tal caso,
visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no presente" (BANDEIRA DE
MELLO, 2005, p. 25).
Também, uma norma, que não seja geral, mas que seja abstrata não fere o
principio da igualdade, a repetibilidade da aplicação da lei a isenta de tal
21
inconstitucionalidade, pois a protege da acusação de conceder privilégio a um único
indivíduo previamente determinado, como, por exemplo, uma norma que conceda
um prêmio todo ano ao melhor aluno do curso, pode ser qualquer indivíduo (SELL,
2002, p. 46).
Não obstante, tratando-se de regra concreta, destinada a evento não
repetível, só será inconstitucional se for também individual e com destinatário certo,
se não individualizar previamente o sujeito não fere a isonomia (SELL 2002, p. 46).
Perante a isonomia, é inadmissível também, discriminar pessoas, situações
ou coisas mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes, as
classificações devem fazer referência a discrímens pessoais apenas, assim, o fator
tempo jamais será um critério diferencial5, aquilo que é igual para todos não pode
ser tomado como critério de diferenciação, aquilo que é diferençiável, por algum
traço ou aspecto desigual pode ser diferençado (BANDEIRA DE MELLO, 2005,
p.32).
Assim, o que pode ser tomado como fator de discriminação é o
acontecimento transcorrido em certo tempo, pois as diferenças de tratamento só se
justificam perante situações diferentes. Em situações qualificadas, a lei apanhou
algum ou alguns pontos de diferença a que atribuiu relevo para fins de discriminar
situações, inculcando a cada qual efeitos jurídicos correlatos e, de conseguintes
desuniformes entre si (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p 34). Nesse sentido, elucida
Bandeira de Mello (2005, p. 35):
O que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em
si e a correlação entre o tratamento desequiparador e os dados
diferenciais radicados nas coisas...donde não há como desequiparar
pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores
desiguais.
Só se tem por lesado o princípio constitucional da igualdade quando o
elemento discriminador não se encontre a serviço de uma finalidade acolhida pelo
direito, desta feita, é constitucional se a norma se adaptar às finalidades encapadas
pelo Texto Maior, implícitas ou explícitas (que pode caso das ações afirmativas,
promover a igualdade social), agora se a lei não for implícita ou explicitamente
acolhida ou rejeitada pela constituição, esta norma será considerada neutra e para
5
“Tempo, só por só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua
neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais
22
um juízo de constitucionalidade não será suficiente o manuseio do texto
constitucional, será mister ir a cata de valores dominantes e das concepções
vigentes à época (BASTOS, 1989, p. 10), nesse sentido leciona Celso Ribeiro
Bastos (1989, p. 10):
É por ser este caminho que se dá a constitucionalização de certas
discriminações outrora repelidas. Da mesma forma, distinções que
em épocas pretéritas eram tidas por razoáveis perdem esta
qualidade em face da evolução axiológica do meio cultural.
Desta feita, verifica-se que o elemento discrímen é uma decorrência do
elemento finalidade devendo ser escolhido em função deste (BASTOS, 1989, p. 10).
Nesse ínterim, Celso Bastos se manifestou: “uma vez definida a finalidade, o
discrímen há de ser aquele que delimite com rigor e precisão quais as pessoas que
se adaptam à persecução do telos normativo” (BASTOS, 1989, p. 10).
Nesse contexto, tem-se que o fator de discrímen deve ser legítimo, ou seja,
o problema da isonomia só pode ser resolvido a partir da consideração do binômio
elemento discriminador - finalidade da norma (BASTOS, 1989, p. 9), como por
exemplo, se o elemento discriminador é a raça, a finalidade da norma tem que ser
relevante, promover igualdade.
No sistema de cotas adotado em algumas faculdades públicas do país, o
fator que une os desiguais é a diferença da qualidade de ensino, neste caso, elegeuse como critério que diferencia os estudantes o fato de terem estudado em escola
pública ou particular. Considerando que, na atual realidade brasileira o que se
verifica é que, enquanto alunos provenientes de escola particular têm uma maior
possibilidade de ingresso em uma universidade pública, o mesmo não se verifica em
alunos provenientes de escola pública, pois o ensino é, em geral, de qualidade
inferior. Ou ainda, em concursos públicos para policiais exigem vigor físico, mesmo a
constituição não permitindo a discriminação em concurso público para deficientes
físicos, nesse caso o discrímen é legítimo, pois não haveria como permitir o acesso
dos deficientes, devido à necessidade da profissão.
pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme,
23
b) Correlação Lógica Entre Fator de Discrímen e a Desequiparação Procedida
Após a análise do elemento fator de discrimen, verificou-se que qualquer
elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei
como fator discriminatório, todavia, não é no traço de diferenciação que se deve
buscar algum desrespeito ao principio isonômico (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.
17), Bandeira de Mello (2005, p. 17) explica esta questão:
As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula
igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de
correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por
residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela
conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com
interesses prestigiados na Constituição.
Esse critério de verificação consiste em avaliar se há uma justificativa
racional para atribuir tratamento jurídico diferenciado em função do fator de
discriminação eleito, a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita (BANDEIRA
DE MELLO, 2005, p. 39). Nesse ínterim, traz Bandeira de Mello (2005, p. 39):
A lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou
desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras
de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional
entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se
inserem na categoria diferençada.
Por exemplo, sabemos que é vedada distinção em função do sexo, assim,
não pode ser procedida distinção entre homens e mulheres para uma vaga em
concurso público, todavia, se a vaga diz respeito a serviço de carregamento de
produtos de grande peso, que na prática não é possível à realização por mulheres,
não há que se falar em desobediência ao principio da igualdade, pois é uma função
que necessita de força masculina. O que deve verificar é se existe a correlação
lógica entre o fator tomado como discriminatório e os efeitos atribuídos.
c) Consonância da Correlação Lógica com os Interesses Absorvidos no Sistema
Constitucional
Este último critério determina que não pode ser utilizado qualquer elemento
para proceder discriminações legais, não basta estabelecer racionalmente um nexo
sob pena de violência a regra da isonomia” (MELLO, 2005, p. 32).
24
entre a diferença e um conseqüente tratamento diferenciado, requer-se, que o
vínculo demonstrável seja compatível com os interesses acolhidos no sistema
constitucional (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 42). Bandeira de Mello (2005, p. 42)
demonstra esta questão:
Não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a
lei distinga situações sem ofensa à isonomia. Também não é
suficiente o poder-se argüir fundamento racional, pois não é qualquer
fundamento lógico que autoriza desequiparar, mas tão só aquele que
se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica
máxima. Fora daí, ocorrerá incompatibilidade com o preceito
igualitário.
Em relação a este critério a Constituição Federal de 88 determina em que
situações poderá haver as desigualações como, por exemplo, na proteção aos
idosos, prevista no artigo 230 onde fica determinado que é dever da família, da
sociedade e do Estado o amparo as pessoas idosas, pois é evidente que há um
nexo de causalidade entre a idade avançada e a conseqüente necessidade de
tratamento diferenciado a estas pessoas. A Constituição assegura que aos maiores
de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos
(§ 2° do referido artigo).
1.2 IGUALDADE EM SENTIDO MATERIAL
A progressiva ampliação dos direitos humanos fez com que o princípio da
igualdade perca seu caráter estritamente individualista, segundo Flávia Piovesan
(2003, p.193), torna-se “necessário repensar o valor da igualdade, a fim de que as
especificidades e as diferenças sejam observadas e respeitadas”.
O principio igualitário muda seu objetivo. Se antes objetivava a legitimação
de um Estado com a mínima interferência nas relações intersubjetivas, sustentado
pela idéia de igualdade natural de todos, hoje se torna uma diretriz de equalização
nas relações, deixando de ser uma vinculação negativa e passando a ser positiva,
na medida em que obriga, não só o legislador, mas também o operador do direito, a
tomar medidas que equilibrem essas relações que não podem ser socialmente
equilibradas, sem qualquer intervenção estatal protetiva (NOYA, 2005).
25
Nesse contexto, emerge o conceito de igualdade material, sendo aquela que
busca uma igualdade real e efetiva a todos, perante todos os bens da vida (SILVA,
2003, p. 33), tendo por finalidade a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos
os aspectos, até mesmo jurídico. Compartilha desse mesmo entendimento Daniel
Sarmento (2006, p. 141):
A isonomia prometida pela Constituição de 88 não é apenas formal.
Ela não representa só um limite, mas configura também verdadeira
meta para o Estado, que deve agir positivamente para promovê-la,
buscando a redução para patamares mais decentes dos níveis
extremos de desigualdades presentes na sociedade brasileira, bem
como a proteção dos mais débeis, diante da opressão exercida pelos
mais fortes no cenário sócio-econômico.
Importante trazer à baila as palavras do jurista português Guilherme Dray
(1999 apud GOMES 2003, p. 19):
A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no
princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser
questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não
era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era
socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os
indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar os
primeiros ao mesmo nível de partida. Em vez de igualdade de
oportunidades, importava falar em igualdade de condições
Essa nova concepção de igualdade, baseada na justiça social, obrigou o
Estado, a ter uma atitude positiva diante das desigualdades existentes, devendo
este estabelecer bases mais éticas e justas para a convivência social no país, com
respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais (SARMENTO, 2006, p.
141). Ao invés de se preocupar apenas com o tratamento igualitário, como na
igualdade formal, passa a ter importância os seus resultados concretos desta
tipificação legal. Requer-se também a viabilidade para que todos os cidadãos
tenham acesso a todos os bens da vida, como educação, saúde, trabalho, lazer,
previdência, etc.
Essa nova visão trouxe a possibilidade de proteger os interesses das
pessoas menos favorecidas, “na sua compreensão, a igualdade deixa de ser
simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um
objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e Sociedade” (GOMES, 2003, p.
21).
26
A igualdade material tem assento em vários dispositivos da Constituição,
dentre eles, importante citar o artigo 3º6da Carta Magna, que obriga o estado a
erradicar a pobreza, a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e
regionais, “o que se mostra em plena consonância com o modelo social pluralista
adotado pela Constituição” (SARMENTO, 2006, p. 142).
Contudo, na prática, o que se verifica é que as desigualdades em nosso país
se apresentam de maneira marcante. Assim, pode-se concluir que o problema
consiste em promover o bem de todos e isso incumbe em implantar uma justiça
distributiva igualdade de oportunidades), ou seja, promover a inclusão social7. Nesse
sentido, leciona Joaquim Barbosa Gomes (GOMES, 2003, p. 20):
Da transição da ultrapassada noção de igualdade ‘estática’ ou
‘formal’ ao novo conceito de igualdade ‘substancial’ surge à idéia de
‘igualdade de oportunidades’, noção justificadora de diversos
experimentos constitucionais pautados na necessidade de se
extinguir ou de pelo menos mitigar o peso das desigualdades
econômicas e sociais e, conseqüentemente, de promover justiça
social.
Assim, essa nova perspectiva resultou no surgimento, em diversos
ordenamentos jurídicos nacionais e no Direito Internacional de políticas sociais de
apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados (GOMES,
2003, p. 20), esses grupos serão os destinatários dessas novas políticas sociais.
1.3 TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA
Ações afirmativas são espécies de políticas públicas, que por sua vez, se
caracterizam pelo forte intervencionismo estatal8, que são definidas como
6
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir
uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
7
“As sociedades que primam pelo respeito aos direitos de seus membros são, de regra,
muito mais estáveis, seguras, harmônicas e prósperas do que aquelas em que tais direitos
são sistematicamente violados”. (SARMENTO, 2006, p. 71).
8
Intervencionismo nesse tópico não é com relação a intervenção na atividade privada, mas
sim um intervencionismo voltado ao bem estar social (Estado Social de Direito) que se volta
tanto para a ação de indivíduos e organizações quanto para as ações do próprio estado.
(BUCCI, 2002, p. 247).
27
“programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do
Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente
relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, 2002, p. 241)9.
As ações afirmativas, originariamente, foram implementadas pelo governo
dos Estados Unidos da América, a partir de meados do século XX, mas hoje já é
adotada em diversos países europeus, asiáticos e africanos, com as devidas
adaptações à realidade do país (GOMES, 2003, p. 37).
As ações afirmativas, segundo Joaquim Barbosa Gomes se definem como
(GOMES, 2001, p. 40):
Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para
corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de
acesso a bem fundamentais como a educação e o emprego.
Renata Malta Vilas Boas (2003, p. 57) conceitua ações afirmativas como:
“um conjunto de medidas especiais e temporárias tomadas ou determinadas pelo
Estado com o objetivo específico de eliminar as desigualdades que foram
acumuladas no decorrer da história da sociedade”.
Essas políticas representam uma mudança na postura do Estado frente aos
grupos minoritários, ao invés de apresentar políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo puramente proibitivo, que apenas
ofereciam às vítimas uma reparação do dano, passou-se a implementar mecanismos
de inclusão social, que visam a efetiva igualdade de oportunidades a que todos os
cidadãos tem direito (GOMES, 2001, p. 41).
Ademais, essas políticas são concebidas como forma de promover a
igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na
cultura dominante de uma sociedade (ROCHA 1985 apud GOMES, 2001, p. 42),
todavia, as ações afirmativas não apresentam objetivo único, além do ideal da
igualdade de oportunidades essas políticas visam “induzir transformações de ordem
cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a idéia de
9
As políticas públicas se exteriorizam através de planos (leis), e podem ter caráter geral,
regional ou setorial, no plano se estabelecem os objetivos dessa política, os instrumentos
para sua realização e condições de implementação, essa é fase mais importante, pois é
onde se vai definir o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos e
prioridades das políticas e onde se tem a participação de agentes públicos e privados.
(BUCCI, p. 259).
28
supremacia e de subordinação de uma raça em relação à outra, do homem em
relação à mulher” (GOMES, 2001, p. 44).
A implementação das ações afirmativas apresenta efeitos positivos para
uma sociedade, estas são capazes de implementar certa diversidade e uma maior
representatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios de atividades
públicas e privadas do país, tendo em vista que esses grupos normalmente não são
encontrados em posições de domínio no mercado de trabalho nem em atividades
estatais, assim, além de propiciar diversidade elimina barreiras que os grupos
marginalizados encontram ao tentar ingressar em uma melhor oportunidade de
emprego por exemplo (GOMES, 2001, p. 48).
Joaquim Barbosa Gomes afirma que “agir afirmativamente significa zelar
pela pujança econômica da nação”, considerando, que oferecer oportunidades
efetivas de educação e emprego a todos os segmentos da sociedade propicia um
país com grande competitividade, produtividade e mão de obra qualificada (GOMES,
2001, p. 48).
Assim, as ações afirmativas cumpririam o objetivo de criar personalidades
emblemáticas, ou seja, a possibilidade de mobilidade social das minorias, através de
políticas positivas, o que tornaria um exemplo para a sociedade que vê personificada
a possibilidade de acesso a uma vida melhor (GOMES, 2001, p. 49).
Ademais, as sociedades que respeitam os direitos de seus membros
apresentam-se mais estáveis, seguras e harmônicas favorecendo o bem estar geral
(SARMENTO, 2006, p. 71).
No que tange à fundamentação das ações afirmativas são diversos os seus
postulados filosóficos, sendo que tais postulados são filiados ao pensamento liberal
onde se encontra de um lado a Justiça Compensatória (que visa compensar os
séculos de discriminação)10, e de outro, a Justiça Distributiva (partilha de riquezas e
recursos)11.
10
Joaquim Barbosa Gomes entende que as sociedades que por longo tempo adotaram
políticas discriminatórias de um ou vários grupos ou categorias de pessoas devem corrigir
os efeitos perversos de uma discriminação passada (2001, p. 62).
11
“A tese distributivista propõe a adoção de ações afirmativas, que nada mais seria do que a
outorga aos grupos marginalizados, de maneira eqüitativa e rigorosamente proporcional,
daquilo que eles normalmente obteriam caso seus direitos e pretensões não tivessem
esbarrado no obstáculo intransponível da discriminação” (GOMES, 2001, p. 68).
29
Em ambos fundamentos filosóficos os objetivos das ações afirmativas se
vislumbram na igualdade de tratamento e de oportunidades e na eliminação ou
mitigação das discriminações raciais, sexuais, etc. (SANTOS, 2003, p.99).
Adotar estas políticas consiste em aplicar uma norma jurídica discriminatória
que só será aceita se tiver por objetivo beneficiar as partes mais desfavorecidas,
assim como deve assegurar que o tratamento diferenciado possua a mínima
diversidade de discriminação possível para atingir ao fim visado (SELL, 2002, p. 55).
No Brasil, após a Constituição de 1988, as ações afirmativas ganharam
força, pois a Carta Magna trouxe uma série de garantias fundamentais e proteções
aos grupos minoritários.
O sistema de cotas é o tipo de ação afirmativa mais conhecida no Brasil,
segundo Joaquim Barbosa Gomes além das cotas pode ser entendido como ação
afirmativa o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e
incentivos fiscais. “A ação afirmativa não se confunde nem se limita às cotas”
(GOMES, 2003, p. 53), ela atinge os portadores de deficiência, mulheres, crianças,
negros e idosos.
No Brasil alguns grupos considerados minoritários receberam e recebem
mais atenção no que tange a inclusão social. É o caso dos portadores de
necessidades especiais12 e das mulheres13, pois estes grupos já contam com o
reconhecimento de suas necessidades pela população, ou pela maioria dela pelo
menos.
Na educação o sistema de cotas atinge duas minorias, diga-se: os negros e
os alunos oriundos de escola pública. Todavia, quando se fala nos negros a
aceitação não é tão simples assim, primeiro porque não há um efetivo
12
Os portadores de necessidades especiais dispõe de uma de uma série de proteções com
a finalidade da inclusão social, tais como a obrigatoriedade do estabelecimento de cotas
para os cargos ou empregos públicos (artigo 37, VIII CF), possibilitar o acesso e o uso
daquilo que é rotineiramente usado pela população em geral, assim como previsto no artigo
Art. 2º da Lei 7853/89: Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas
portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à
maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bemestar pessoal, social e econômico.
13
As mulheres contam com expressas garantias constitucionais como a igualdade perante
os homens, proteção do mercado de trabalho (artigo 6º, XX), igualdade de direitos e deveres
no que tange à sociedade conjugal (artigo 226, § 5º). Ainda de grande importância se pode
citar a Lei Maria da Penha (11340/06) que trouxe específica proteção à mulher contra a
violência doméstica.
30
reconhecimento da discriminação existente, bem como, não se aceita como legítima
uma ação afirmativa para esta parcela da sociedade14, pois não é tão clara a idéia
que os afros-descendentes fazem parte de uma minoria que carece de proteção.
As políticas de ação adotadas por várias instituições visam a promoção de
grupos desprivilegiados, a redução das desigualdades, ao aumento da mobilidade
social e a formação de elites que expressem a diversidade de cada nação e para isto
é necessário focalizar segmentos específicos da sociedade que sofreram e sofrem
discriminações de diferentes formas. Implementar as cotas significa reconhecer que
essas discriminações existem e de que é preciso combatê-las do ponto de vista
social, político, econômico e educacional (BUCCI, 2002, p. 253).
14
Uma pesquisa realizada por alunos do curso de Engenharia Mecânica da Universidade
Federal de Santa Catarina indicou como é a receptividade de estudantes da UFSC ao
regime de cotas da instituição. Dos resultados obtidos extrai-se: 60,74% dos opinantes são
contra qualquer tipo de cota no vestibular, 8,15% são a favor de cotas para negros enquanto
que 34,01% são a favor das cotas socioeconômicas, e 8,96% são a favor das cotas para
deficientes (BURGASRDT, 2008).
31
2 SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL
Neste capítulo será apresentada a trajetória da política de ação afirmativa
que está sendo implementada no Brasil, seu contexto nacional e internacional, bem
como as propostas e projetos de lei que apóiam essa temática.
Ademais, será abordada brevemente a questão do mérito como forma de
acesso ao ensino superior, analisando se as cotas violam ou não tal principio.
Ainda um breve panorama das instituições públicas do país que estão
implantando as ações afirmativas. Por fim, será apresentado quais os tipos de ações
que estão sendo aplicadas.
2.1 A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL
2.1.1 Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial
Após o término da Segunda Guerra Mundial, frente às atrocidades
cometidas, a comunidade internacional vislumbrou a necessidade de reiterar o
reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, criou-se então uma
nova ordem internacional de proteção a esses direitos (PIOVESAN, 2007, p. 135).
Cumpre destacar, a carta da ONU de 1945, que estabelece em seu artigo 55
que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, sendo que em 1948 a declaração Universal dos Direitos
Humanos, vem definir o rol dos direitos e liberdades fundamentais, consagrando
conseqüentemente valores básicos universais (PIOVESAN, 2007, p. 136).
Todavia, a declaração não apresentou força jurídica obrigatória15 assim,
após larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz de assegurar o
reconhecimento e a observância dos direitos nela previstos, firmou-se o
32
entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado
internacional, juridicamente vinculante e obrigatório (PIOVESAN, 2007, p. 157).
Nesse ínterim, em 1966 foram elaborados dois tratados internacionais
distintos que incorporam os direitos constantes na Declaração Universal, quais
sejam: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIOVESAN, 2007, p. 136).
A partir daí, outras declarações e convenções foram elaboradas, algumas
trazendo novos direitos, outras foram trazidas para tratar de determinados grupos
caracterizados como vulneráveis, o sistema internacional passa reconhecer direitos
endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às vitimas de tortura e de
discriminação racial, entre outros (PIOVESAN, 2007, p. 184).
Nesse sentido, elucida Flávia Piovesan (2007, p. 185):
A esfera internacional, se numa primeira vertente de instrumentos
internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção
geral, genérica e abstrata refletindo o próprio temor da diferença (que
na era Hitler foi justificativa para o extermínio e a destruição),
percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a
determinados grupos uma tutela especial e particularizada, em face
de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não
mais seria utilizada para a aniquilação desses direitos mas, ao revés,
para a promoção desses direitos.
É nesse contexto que se apresentam os sistemas especiais16 de proteção
aos direitos humanos: a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a mulher, a Convenção sobre os Diretos da Criança, a
Convenção contra a Tortura, dentre outros (PIOVESAN, 2007, p. 187).
A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial foi adotada pela ONU em 21 de dezembro de 1965 e se apresentou como um
código de atuação e de conduta para os Estados integrantes, criando um parâmetro
internacional para a proteção dos direitos humanos, com o conseqüente
reconhecimento universal desses direitos (PIOVESAN, 2007, p. 158).
16
Os sistemas geral e especial se complementam, pois o sistema geral protege o individuo
genérica e abstratamente sendo que o sistema especial de proteção é voltado a prevenção
da discriminação ou a proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente
vulneráveis, merecedores de tutela especial (PIOVESAN, 2007, p.184).
33
Cumpre destacar que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)17, a existência
desse instrumento internacional revela um grande avanço no combate à
discriminação no país (PIOVESAN, 1996, p. 367).
A Convenção traduz o consenso da comunidade internacional acerca da
urgência em se eliminar o racismo e ao mesmo tempo, promover a igualdade
material substantiva. Através da Convenção se busca a proteção dos valores da
igualdade e tolerância, baseados no respeito à diferença consagrando a idéia de que
a diversidade étnica - racial deve ser vivida como equivalência e não como
superioridade ou inferioridade (PIOVESAN, 1996, p. 367).
Em seu preâmbulo a Convenção reafirma o propósito das Nações Unidas
que é a promoção e respeito universal dos direitos humanos, sem discriminação de
raça, sexo, idioma ou religião. Enfatiza os princípios da Declaração Universal dos
Direitos Humanos que proclama que todos os seres nascem livres e iguais em
dignidade e direitos, sem distinção de qualquer espécie ou raça, cor ou origem
nacional, bem como assinala que qualquer doutrina baseada em diferenças raciais é
cientificamente, falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa,
inexistindo justificativa para a discriminação racial em teoria ou prática, em lugar
algum.
Fundamentalmente, a Convenção objetiva erradicar a discriminação racial
em todas a suas formas e manifestações, como também, estimular estratégias de
promoção da igualdade. É uma combinação da proibição da discriminação com
políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo, sendo
essenciais às estratégias capazes de incentivar a inserção e a inclusão social dos
grupos historicamente vulneráveis (PIOVESAN, 1996, p. 367).
Logo em seu primeiro artigo, a Convenção define juridicamente o conceito
de discriminação racial:
Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial"
significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada
em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha
por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo
ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
17
Assinada em New York, em 07/03/1966, a Convenção foi aprovada pelo Decreto
Legislativo nº 23 de 21/06/1967, e ratificada pelo Brasil em 27/03/1968. Entrou em vigor em
04/01/1969, sendo promulgada pelo Decreto nº 6581 de 08 de dezembro de 1969.
34
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida
pública.
Importante trazer a baila o parágrafo quarto deste mesmo dispositivo:
Não serão consideradas discriminação racial as medidas
especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o
progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de
indivíduos que necessitem da proteção que possa ser
necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual
gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades
fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em
conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes
grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus
objetivos (grifo nosso).
Nesse sentido, as ações afirmativas voltadas a construir uma igualdade
material não são consideradas discriminação racial, de acordo com expressa
disposição convencional.
A convenção traz uma série de obrigações aos Estados-partes, por exemplo,
o comprometimento em adotar uma política de eliminação da discriminação racial e
promoção da igualdade, sendo que estes estados devem eliminar em seus territórios
todas as praticas de segregação racial.
Ademais, o artigo 6º traz o dever do estado de assegurar a qualquer pessoa
que estiver sob sua jurisdição, proteção e recursos eficazes perante os tribunais
nacionais contra quaisquer atos de discriminação racial ou ainda o direito de pleitear
reparação justa e adequada por qualquer dano decorrente de discriminação.
Permite ainda, que cada Estado-parte favoreça as organizações e
movimentos multirraciais, bem como outros meios próprios para eliminar as barreiras
entre as raças e a desencorajar aquilo que tenda a fortalecer a divisão racial.
O artigo 7º traz importante dever:
Os Estados - partes comprometem-se a tomar as medidas
imediatas e eficazes, principalmente no campo do ensino,
educação, cultura, e informação, para lutar contra preconceitos
que levem à discriminação racial e promover o entendimento, a
tolerância e a amizade entre nações e grupos raciais e étimos, assim
como propagar os propósitos e os princípios da Carta das Nações
Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial e da presente Convenção (grifo
nosso).
35
Em relação ao impacto que a Convenção tem no Direito Brasileiro, observase que esta introduz relevantes mecanismos internacionais de monitoramento dos
direitos que enuncia, exigindo do Estado Brasileiro, por exemplo, a apresentação de
relatórios que evidenciem o modo pelo qual o Brasil tem conferido cumprimento aos
dispositivos da Convenção (PIOVESAN, 1996, p. 367).
A convenção de 1965 estimulou o aperfeiçoamento legislativo sobre a
matéria. A Constituição Federal de 1988 asseverou como um dos seus objetivos
fundamentais a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem comum,
sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação (artigo 3º, III, IV) bem como em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII
estabelece que: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”, ainda, “a prática do racismo constituiu crime inafiançável e
imprescritível, sujeito a pena de reclusão”, transformando o racismo em crime
(PIOVESAN, 1996, p. 367).
No que tange às legislações infraconstitucionais, destacam-se as leis n.
7716/89 e 9459/97. A primeira define os crimes resultantes de preconceito de raça
ou cor, tipificando condutas que obstem o acesso a serviços, a cargos e empregos
em razão de preconceito. A segunda lei acrescentou a proibição de discriminação
em razão da etnia, religião e procedência nacional, acrescentando ainda um
parágrafo ao artigo 140 do código Penal prescrevendo pena de reclusão se o crime
de injúria consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
origem.
2.1.2 Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, Xenofobia e
Intolerâncias Correlatadas
Após a terceira Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo,
Xenofobia e Intolerâncias Correlatadas, realizada em Durban, na África do Sul, em
2001, os governos e organizações da sociedade civil, de todas a partes do mundo,
se comprometeram a elaborar medidas globais contra o racismo, discriminação, a
intolerância e a xenofobia.
36
O programa de ação18 elaborado após a Conferência traz orientação a todos
os Estados para que se oponham ao racismo “declaramos que todos os seres
nascem livres e iguais em dignidade e direitos e têm o potencial de contribuir
construtivamente para o desenvolvimento e bem-estar de suas sociedades” (item 7
da Declaração e Programa de Ação da Conferência).
Não obstante, cumpre mencionar o item 18 do programa de ação da
Conferência:
Enfatizamos que a pobreza, o subdesenvolvimento, a
marginalização, a exclusão social e as disparidades econômicas
estão intimamente associadas ao racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlatada, e contribuem pra a persistência
de práticas e atitudes racistas as quais geram mais pobreza.
O documento oficial brasileiro apresentado pela Delegação Brasileira propõe
a adoção de cotas ou outras medidas afirmativas para garantir o acesso de negros
às universidades públicas brasileiras (FOLHA ON LINE, 2001).
Outra proposta do documento é a recomendação para que o Estado
brasileiro reconheça que a escravidão de africanos e indígenas configuraram
violações aos direitos humanos fundamentais, não determina obrigatoriedade de
reparação pecuniária para os descendentes de negros e indígenas, mas propõe
medidas reparatórias por meio de políticas públicas de superação das desigualdades
(FOLHA ON LINE, 2001).
O documento traz ainda proposta para combate à discriminação no mercado
de trabalho, estabelecendo para tanto a alteração de critérios de desempate em
licitações públicas onde seria considerada vitoriosa a empresa que tiver mais
negros, homossexuais e mulheres em diversos níveis de hierarquia (FOLHA ON
LINE, 2001).
Em seu item 99 o plano solicita aos Estados que implantem políticas e
medidas de ação, incluindo as ações afirmativas para assegurar a não discriminação
relativas ao acesso a educação, emprego, moradia, saúde, etc.
Cumpre mencionar, que o documento apresenta recomendações para
combater a discriminação contra portadores de deficiência, mulheres, africanos e
indígenas.
18
O programa de ação elaborado na Conferência de Durban foi adotado em 8 de setembro
de 2001. Disponível em: http://www.lpp-urej.net/olped/documentos/1693/pdf, acesso em
28/10/2008.
37
2.1.3 Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR) foi criada pelo Governo Federal no dia 21 de março de 2003 (Lei nº
10.678/03), com a missão de estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais
no País (SEPPIR).
A SEPPIR é primeiro órgão governamental voltado para o acompanhamento
e realização de ações afirmativas governamentais, a criação deste órgão decorre da
obrigação internacional assumida pelo Brasil de promover mecanismos institucionais
para que os compromissos internacionais se materializem no campo interno.
Seus principais objetivos são: promover a igualdade e a proteção dos
direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos afetados pela discriminação e
demais formas de intolerância, com ênfase na população negra; acompanhar e
coordenar políticas de diferentes ministérios e outros órgãos do Governo Brasileiro
para a promoção da igualdade racial; articular, promover e acompanhar a execução
de diversos programas de cooperação com organismos públicos e privados,
nacionais e internacionais; promover e acompanhar o cumprimento de acordos e
convenções internacionais assinados pelo Brasil, que digam respeito à promoção da
igualdade e combate à discriminação racial ou étnica; auxiliar o Ministério das
Relações Exteriores nas políticas internacionais, no que se refere à aproximação de
nações do Continente Africano (SEPPIR).
A SEPPIR é composta por um Conselho Nacional de Políticas de Igualdade
Racial (CNPIR) que por sua vez, é um órgão colegiado de caráter consultivo que tem
como finalidade propor, em âmbito nacional, políticas de promoção da Igualdade
Racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da
população brasileira.
Além de combater o racismo, o CNPIR tem por missão propor alternativas
para superar as desigualdades raciais, tanto do ponto de vista econômico quanto
social, político e cultural, ampliando, assim, os processos de controle social sobre as
referidas políticas (SEPPIR).
A SEPPIR utiliza como referência política o programa Brasil sem Racismo,
que abrange a implementação de políticas públicas nas áreas do trabalho, emprego,
38
renda, cultura, comunicação, educação, saúde, terras de quilombos, mulheres
negras, juventude, segurança e relações internacionais (SEPPIR).
Nesse ínterim, em 20 de novembro de 2003, foi lançada a Política Nacional
de Promoção da Igualdade Racial – PNPIR (instituída pelo Decreto nº 4.886/03),
onde o Governo Federal assume o compromisso de direcionar suas ações e
incentivar os diversos segmentos da sociedade e esferas de governo a pautarem
suas atuações na busca da eliminação das desigualdades raciais no Brasil, através
das ações afirmativas, da igualdade de oportunidades e das políticas de governo de
promoção da igualdade racial (SEPPIR).
Cumpre destacar que, recentemente (10/09/08), Brasil e Estados Unidos se
reuniram para discutir o Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da Discriminação
Étnico-Racial e a Promoção da Igualdade.
O Plano de Ação Conjunta foi assinado em 21 de março de 2008, em
Brasília, pelo ministro Edson Santos e a secretária de Estado dos Estados Unidos,
Condoleezza Rice, sendo que o objetivo principal do protocolo é a cooperação entre
os dois países por meio de intercâmbio e troca de experiências (SEPPIR).
A cooperação ocorre nas áreas da educação, cultura, esporte, justiça,
trabalho e saúde.
Especialmente na área da educação, foco deste estudo, a cooperação se
dará de várias formas: fortalecimento do intercâmbio entre universidades brasileiras
e universidades historicamente negras dos Estados Unidos; fortalecimento do
intercâmbio com centros de documentação e bibliotecas universitárias; cooperação
para divulgação da cultura e da história africanas no Brasil e nos Estados Unidos;
apoio à preparação de candidatos negros ao ingresso na carreira diplomática;
promoção da participação das minorias no processo político – programa
internacional de visitantes; intercâmbio na área de empreendimento da juventude
negra brasileira; cooperação com a Associação Nacional pela Igualdade de
Oportunidades na Educação Superior (grifo nosso); entre outros (SEPPIR).
Ainda, no campo internacional, a SEPPIR através de seu ministro se reuniu
junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar do Anteprojeto de
Convenção Interamericana contra o Racismo e toda forma de Discriminação e
Intolerância, uma versão final do anteprojeto esta em exame para ser submetida à
Assembléia Geral da OEA.
39
2.1.4 Estatuto da Igualdade Racial
Em 2000 foi proposto pelo Deputado Paulo Paim, o projeto de lei n.
3198/2000, que institui o Estatuto da Igualdade Racial com o objetivo de combater a
discriminação e as desigualdades raciais que atingem os afro-brasileiros19.
O artigo 1º apresenta o conceito de discriminação20, de políticas públicas21 e
traz disposições sobres ações afirmativas:
§ 5º: para efeito deste estatuto, consideram-se ações afirmativas os
programas e medidas especiais adotados pelo Estado para a
correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade
de oportunidades.
Ressalta o dever do estado e da sociedade em garantir a igualdade de
oportunidades,
adotando
como
diretriz
político-jurídica
além
das
normas
constitucionais e garantias fundamentais, a reparação, compensação e inclusão
das pessoas que foram vítimas da desigualdade e a valorização a diversidade
racial (grifou-se, artigo 2º e 3º).
O artigo 4º do estatuto determina como será promovida a participação dos
afro- brasileiros, em condições de igualdade de oportunidades na vida econômica,
social, política e cultural do País. Ressalte-se o parágrafo único deste artigo:
Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas
iniciativas reparatórias, destinadas a iniciar a correção das distorções
e desigualdades raciais derivadas da escravidão e demais práticas
discriminatórias racialmente adotadas, na esfera pública e na esfera
privada, durante todo o processo de formação social do Brasil e
poderão utilizar-se da estipulação de cotas para a consecução
de seus objetivos (grifou-se).
Estabelece ainda, medidas de proteção e inclusão relativas à saúde,
educação, cultura, esporte, lazer, direito à liberdade de consciência e crença, livre
19
Artigo 1º, § 3 º: Para efeito deste Estatuto, consideram-se afro-brasileiros as pessoas que
se classificam como tais e/ou como negros, pretos, pardos ou definição análoga.
20
Artigo 1º, § 1º: Para efeito deste estatuto, considera-se discriminação racial toda distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional
ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
igualdade de condições, de direitos, de liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.
21
Artigo 1º, § 4º: Para efeito deste estatuto, consideram-se políticas públicas as ações,
iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições
intitucionais.
40
exercício dos Cultos Religiosos, trata ainda em capítulo especifico sobre questões
relativas à terra e ao mercado de trabalho.
Prevê a criação e um fundo de promoção da igualdade racial para a
implementação de políticas públicas voltadas aos afro-brasileiros, gerando mais
oportunidades nas áreas da educação e emprego.
Em relação ao sistema de cotas determina a reserva mínima de 20% das
vagas para a população afro-brasileira relativas aos concursos públicos em todas as
esferas da administração pública, nos cursos de graduação em todas as instituições
de educação superior e nos contratos de financiamento estudantil (FIES) (artigo 52).
Ademais, estabelece que todas as empresas com mais de 20 empregados
deverão manter uma cota de 20% para trabalhadores afro-brasileiros (artigo 53).
Estabelece alteração ao artigo 10 da lei 9504/1997, onde acrescenta que
todos os partidos deverão reservar o mínimo de 30% para candidaturas de afrobrasileiros (artigo 54).
Determina que todos os filmes, programas e peças publicitárias veiculados
pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afrobrasileiras em proporção não inferior a 20% do número total de atores e figurantes.
Em relação ao sistema de cotas o Senador Paulo Paim (2000) justifica a
proposta como uma forma de minimizar os efeitos do preconceito sobre as
populações discriminadas “sabemos que nossas universidades e nosso mercado de
trabalho são freqüentados por uma maioria esmagadora de brancos”.
No que tange ao acesso a justiça o Estatuto traz disposição especifica,
destaca-se a criação de varas especializadas para o julgamento das demandas
criminais e cíveis originadas de legislação antidiscriminatória e promocional da
igualdade racial.
Importante trazer a baila as palavras do Senador Paulo Paim quando de sua
apresentação do Estatuto em 07/06/2000:
Não queremos a cultura afro-brasileira vista, sentida e experimentada
somente nas práticas religiosas, música ou alimentação. Queremos a
cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas
universidades, pois o negro faz parte do povo brasileiro. Cultivar as
raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da
composição étnica do povo é o caminho mais seguro para
garantirmos a afirmação de nossa identidade nacional e
preservarmos os valores culturais que conferem autenticidade e
singularidade ao nosso País.
41
Atualmente este projeto já foi aprovado no Senado e está em tramitação na
Câmara dos deputados22.
Não obstante, esta em discussão o projeto de lei n. 3627/0423, que
estabelece a reserva de 50% das vagas das instituições federais de ensino superior
público para alunos oriundos do ensino médio público, segundo o rendimento do
aluno durante o ensino médio e dentro destes 50%, seria reservado percentual
proporcional à população de negros e indígenas de cada estado para estudantes
auto declarados negros ou indígenas. Este projeto de lei já foi aprovado em três
comissões da Câmara Federal e está em plenário24.
2.2 MÉRITO X AÇÃO AFIRMATIVA
Tradicionalmente, o ensino superior é estruturado a partir de critérios
meritocráticos e o vestibular sempre foi considerado, por excelência, o mais efetivo e
igualitário instrumento para seleção dos candidatos que demonstrariam a aptidão
para o ingresso nos ensino superior.
Ademais, a Constituição Federal de 88 traz em seu artigo 208: “o dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ....V- acesso aos
níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um”, desta forma o sistema de cotas não estaria violando o
principio meritocrático?
A meritocracia pode ser definida como “um conjunto de valores que postula
que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser conseqüência do mérito de
cada um, ou seja, do reconhecimento público da qualidade das realizações
individuais” (BARBOSA, 1999, p. 22). Essa forma de entender o mérito valoriza e
avalia as pessoas independentemente de suas trajetórias, não atribuindo
22
De acordo com a tramitação de proposições da Câmara dos deputados, este projeto esta
na
mesa
diretora.
Disponível
em
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=307731 acesso em 25/08/08.
23
Oriundo do projeto de lei 79/99 de autoria da deputada Nice Lobão.
24
Este projeto possui dez emendas, estando desde 20/01/2006 em plenário para votação.
Módulo de tramitação de proposições da Câmara dos deputados. Disponível em
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=307731, acesso em 25/08/08.
42
importância a variáveis sociais, como origem, posição social, etc., “por essa lógica, o
progresso e o fracasso das pessoas são vistos como diretamente proporcionais aos
talentos, às habilidades e ao esforço de cada um, independentemente do contexto”
(BARBOSA, 1999, p. 26).
No vestibular se aplica o conceito acima citado. Entram na instituição os
alunos mais hábeis e mais aptos, independente da forma como conseguiram tal
habilidade ou aptidão. Se considerarmos que o concurso vestibular é aplicado a
todos em igualdade de condições, o mérito como forma de acesso à universidade
seria perfeitamente aceito.
Com efeito, o mérito é prática que não deve ser eliminada, mas sua
aplicação deve ser revista, tendo em vista que esta forma de acesso privilegia
aqueles que têm melhores condições financeiras.
A questão do mérito acaba sendo colocada como uma das principais razões
pelas quais há forte oposição em relação à adequação de políticas de ação
afirmativa, contrapondo essa questão a educadora Raquel Coelho Lenz César,
Coordenadora do Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro traz (2004, p. 33):
Esse é um problema que toca num dos pontos paradoxais da
sociedade brasileira que defende a tese da racionalidade das
relações e oportunidades sociais, ao mesmo tempo em que reproduz
a distribuição de benefícios segundo concepções da elite
patrimonialista. Assim, é que a questão do mérito agrada não só ao
senso comum que ignora a exclusão promovida pelo sistema cego
de vestibular e pelas demais barreiras visíveis e invisíveis que
excluem o individuo discriminado, como também é apoiada por
alguns educadores para quem a etilização do conhecimento é tão
natural quanto o é a desigualdade do país.
De acordo com o artigo 206 da CF/88 “o ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola”, destaca-se que o sistema de cotas não viola tal condição.
Considerando que a prova prestada (vestibular) para o ingresso nas
instituições é a mesma para todos os candidatos seja cotista ou não, tampouco, há
dispensa de fazer a prova, as provas são obrigatórias e a mesma prova é aplicada
para todos os candidatos “absolutamente, sob o ponto de vista formal todos
participam igualmente (...) ora, não basta que todos os candidatos se submetam à
mesma prova, assegurando-lhes igualdade formal! É necessária a igualdade
material, efetiva, ou seja, que todos tenham a oportunidade de realmente disputar
43
uma vaga em uma universidade pública e gratuita!” (BRASIL. JFSC. ACP n.
2008.72.00.000331-6. Juiz Federal Rafael Serlau Carmona, j. 24/09/2008).
A igualdade material de condições não há, pois se sabe que os alunos que
ocupam as vagas nos cursos mais disputados são oriundos de escola particular,
bem como se sabe que a qualidade de ensino de escolas públicas não é a mesma
das
particulares.
Vejamos
(MIRANDA
apud
BRASIL.
JFSC.
ACP
n.
2008.72.00.000331-6. Juiz Federal Rafael Serlau Carmona, j. 24/09/2008):
A Constituição não se cinge a estatuir uma igualdade formal e uma
selecção adequada ao interesse geral da colectividade. Exige, além
disso, a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema
(...) ou (para parafrasear o que se lê no art. 20°, n° 1, 3ª parte, a
respeito do acesso à justiça) que a todos que tenham capacidade
não seja denegado o acesso ao ensino superior por insuficiência de
meios econômicos. Nisto reside a terceira regra constitucional sobre
a matéria.
Nesse ínterim, outra questão a ser levantada é se a admissão de candidatos
a partir de critérios diferenciados poderia colocar em xeque este sistema meritório
admitindo candidatos potencialmente “menos aptos” aos estudos superiores.
Opositores do sistema de cotas sustentam que sua adoção eliminaria o
mérito e o conhecimento prévio, premiando os menos capazes (HIRSCHMAN, 1992
apud MARENCO, 2007).
A avaliação que o vestibular faz não é de todo eficiente em aferir mérito, já
que nem sempre os melhores colocados nos testes de admissão serão os
profissionais mais qualificados “o mérito do vestibular nem sempre define o mérito
profissional. Primeiro pela própria mecânica excludente do sistema. Segundo,
porque não impossibilita que os alunos tenham bom desempenho nas matérias
especificas de sua habilitação profissional” (CESAR, 2004, p. 33).
Ademais, os cotistas se submetem as mesmas provas que qualquer outro
aluno e assim como eles também estão submetidos à nota de corte, ou seja, devem
atingir o mínimo de pontos para classificação, um nível de conhecimento é exigido.
Com efeito, deve ser lembrado que o vestibular é um sistema classificatório
que precisa identificar pequenas diferenças que sejam capazes de estabelecer uma
ordem de candidatos para que ocupem as poucas vagas disponíveis (CIÊNCIA
HOJE, 2005).
Cumpre mencionar, pesquisa realizada pela Comissão Permanente para os
Vestibulares da Unicamp - Comvest concluiu que alunos ingressantes através do
44
Programa de Ações Afirmativas apresentaram maior rendimento acadêmico do que
os demais alunos25.
O referido estudo também avaliou o avanço médio de posição dos alunos do
PAAIS em relação aos demais. Os cursos que tiveram maior avanço de posição
foram Engenharia Mecânica e Medicina (33 posições), isso significa que um aluno
do PAAIS concluiu o primeiro semestre letivo destes cursos 32 posições na frente da
posição de que ele ocupava na lista do vestibular (PEDROSA, 2004).
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro esses dados se repetem de
acordo com pesquisa realizada na Instituição os alunos com as melhores médias
finais no vestibular não apresentam o mesmo desempenho durante o curso da
graduação, isso nos leva a concluir que alunos com bom desempenho no vestibular
não implica em qualidade de ensino (CIÊNCIA HOJE, 2005)
Em relação ao impacto social da medida essa mesma pesquisa concluiu que
a reserva de 20% das vagas para alunos que cursaram todo o ensino médio nas
escolas públicas levaria ao ingresso de maiores proporções de alunos oriundos de
famílias de baixa renda, especialmente nos cursos de alta demanda (CIENCIA
HOJE, 2005):
Em termos de inclusão social, sistema de reserva de vagas
baseados na ampliação dos anos de escolaridade na rede pública
seriam mais eficazes que aqueles baseados em reservas de
proporções maiores para alunos que cursaram somente o ensino
médio em escolas públicas (.....)sistemas de acesso diferenciado
poderiam trazer para as universidades em geral, e para a UFRJ em
particular, benefícios que têm sido pouco apreciados nas discussões
sobre o tema, em geral devido a preocupação com os riscos de
queda de qualidade dos cursos. A maior diversidade social e étnica
dos alunos certamente contribuiria para enriquecer as discussões tão
características da vida universitária, com pontos e vista que se
encontram hoje sub-representados ou mesmo ausentes dos espaços
onde tais debates são travados.
A desembargadora Maria Lucia Luz Leiria, quando do julgamento da
Apelação 20087200002254-0, se manifestou de forma clara no tocante à alegação
de que não há ofensa ao sistema meritório, do corpo do acórdão extrai-se:
Primeiro, porque, ao estabelecer que o "acesso aos níveis mais
elevados do ensino" é realizado "segundo a capacidade de cada um"
o dispositivo constitucional, reproduzindo, em parte, o art. 26.1 da
25
Em 29 cursos, os alunos do PAAIS tivera uma melhora em relação ao desempenho no
vestibular, bem como um rendimento acadêmico médio maior dos que os demais. Por
exemplo, nos cursos de Física noturno o rendimento foi 14,4% maior, engenharia agrícola
11,5% maior, tecnologia em construção civil 9,3% (PEDROSA, 2004).
45
Declaração Universal dos Direitos Humanos, não estabeleceu o
"mérito" como critério único e distinto para acesso ao ensino
superior.
Segundo, porque é o sistema fixado pela Universidade, nos editais
de vestibular, que estabelece as bases nas quais o mérito do
candidato será avaliado. Previsões similares, em relação aos
concursos públicos, por exemplo, ao estabelecer percentual de 10%
para portadores de necessidades especiais, nunca foram tidas como
violadoras do "mérito", independentemente do fato de estarem
previstas na Constituição. A previsão, pois, de reserva de vagas não
rompe com o sistema de mérito: busca, ao contrário, estabelecer
critérios conjugados de inclusão social para seu aperfeiçoamento e
alteração.
Terceiro, porque as universidades estabelecem "nota de corte" para
preenchimento de vagas, ou seja, os candidatos, independente de
estarem ou não incluídos no sistema de cotas, devem atingir uma
nota mínima.
Quarto, porque, estabelecendo a reserva de vagas, com um sistema
universal e outro de "inclusão social", não há porque afirmar-se que o
candidato "cotista" retira vagas que "são de direito" de determinado
vestibular. Estão concorrendo por sistemas diferentes e a vagas
distintas. Ademais, os vestibulares têm previsto que no caso de nãopreenchimento de vagas para "negros e pardos" estas são revertidas
para as de "inclusão social" e não havendo candidatos para estas, a
reversão para o "sistema universal". Desta forma, não atingida a
"nota de corte", o acesso não será dado nem a "cotistas" nem a
candidatos do "sistema universal".
Quinto, porque inexiste algo que constitua "mérito" em abstrato. A
própria alegação de que o mérito somente pode ser aferido pelo
"vestibular" implicaria constitucionalizar este procedimento de
seleção, como se fosse a única possibilidade de ingresso
universitário ou que o modelo não pudesse ser alterado. Neste
sentido, o jusfilósofo Ronald Dworkin, ao alertar que não há nenhuma
combinação de habilidades e qualidades e traços que constitua
'mérito' em abstrato, salientava, por exemplo, a diferença para definir
"qualificações" em concursos de beleza, em programas de perguntas
e respostas, premiações de livro, premiações por coragem ou para
escolha de um médico. Segundo ele, ninguém escolhe um médico
"em homenagem às suas habilidades ou para recompensá-lo por
curas passadas: escolhe o médico que espera fazer melhor por ela
no futuro, e só considera o talento inato ou as realizações anteriores
do médico, porque, e na medida que, sejam indicadores do valor do
médico para ela no futuro". A competição por vagas na universidade,
no seu entender, é uma competição deste último tipo: "os
responsáveis pelas admissões não devem oferecer as vagas como
premiações por realizações ou trabalhos passados, nem como
medalhas por talentos ou virtudes inerentes: seu dever é escolher um
corpo discente que, no todo, venha a dar a maior contribuição
possível às metas legítimas que a instituição definiu" (A virtude
soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 569). Sendo pagas pela comunidade, as
universidades e faculdades têm "responsabilidades públicas: devem
escolher metas que beneficiem uma comunidade muito mais ampla
do que os seus próprios corpos docente e discente" ( idem, p. 569).
46
A doutrina, nos Estados Unidos, há muito rechaçou a alegação de
que a correção de injustas passadas tinha o condão de atingir
"vítimas inocentes". Neste sentido, tem-se entendido, com base em
Ronald Ficus e Ronald Dworkin, que "não há vítimas inocentes com
direitos violados, mas sim benefícios indevidos decorrentes do
racismo. A questão correta, portanto, não é de desprezo do mérito da
vítima inocente, mas sim de evitar privilégios indevidos decorrentes
da histórica supremacia branca. Trata-se de proteger o direito dos
indivíduos negros a concorrerem aos benefícios sociais de forma
equânime, livres na medida do possível da injustiça estrutural que
decorre do racismo e de seus efeitos" (RAUPP RIOS, Roger. Ações
afirmativas no Direito Constitucional brasileiro: reflexões a partir do
debate constitucional estadunidense. IN: SARLET, Ingo Wolfgang.
Jurisdição e direitos fundamentais. V. I, tomo I. Porto Alegre: do
Advogado, 2005, p. 290). Ao passo que pessoas negras foram e são
sistematicamente prejudicadas no acesso ao ensino superior, "muitos
brancos obtiveram vagas universitária graças ao privilégio ligado à
sua condição racial- circunstância que excluía e continua alijando da
disputa pelas vagas um grande número de pessoas" ( idem, p. 301).
Sexto, porque a alegada objetividade na escolha dos candidatos
selecionados, ainda que possa e constitua a melhor forma de
seleção, não pode olvidar o fato de que o componente subjetivo na
escolha dos temas, formulações de problemas, tipos de raciocínio e
outros fatores contribuem para que sejam aferidos determinados
conhecimentos ou estabelecidos determinados resultados. Assim,
por exemplo, a formação legalista tem repercutido na formulação dos
concursos públicos, "em que as provas também reproduzem o
paradigma normativista do direito, com questões que exigem, muitas
vezes, apenas domínio técnico das leis e das decisões judiciais", o
que tem marcado, inclusive, não só a primeira fase de seleção para
ingresso nas magistraturas, mas também as etapas subseqüentes,
em que "o candidato poderia demonstrar um conhecimento
interdisciplinar e crítico" (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma
revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 82).
(TRF4. AP. n. 20087200002254-0, j. 26/09/08 – grifo nosso).
Desta feita, pode-se verificar que o mérito não pode ser utilizado como
argumento contra o sistema de cotas, tendo em vista que existe ainda uma aferição
dos mais aptos, todavia, a continuidade desta forma de acesso sem a reserva de
vagas, da possibilidade de ingresso somente àqueles que possuem condições
financeiras de freqüentar cursinhos e se preparar para o vestibular.
47
2.3 POLÍTICA DE COTAS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO PAÍS.
As ações afirmativas estão em debate no cenário nacional há algum tempo,
sendo discutidas as possibilidades e os limites das políticas públicas de inclusão
social.
Baseadas na autonomia universitária que lhes confere o artigo 207 da CF26,
diversas universidades federais, estaduais e uma municipal estão adotando as
ações afirmativas. Cumpre destacar que, no estado do Rio de Janeiro há uma lei
estadual que determina a implementação do sistema, nesse caso não é a
universidade baseada na sua autonomia que implementa as cotas.
Após um levantamento feito pelo Laboratório de Políticas Públicas da UERJ
(Universidade do estado do Rio de Janeiro) mostrou que 51 instituições públicas
oferecem por meio de cotas ou de bonificação no vestibular, acesso diferenciado a
alunos negros, de escolas públicas, deficientes ou indígenas. Isso significa que mais
da metade das universidades estaduais do país (51%) possuem sistema de cotas.
Não obstante, das 53 universidades federais do país, 22 têm ações afirmativas
(GOIS, 2008).
Além das universidades há também centros universitários e Cefets (Centro
Federal de Educação Tecnológica) que estão implantando as ações.
O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro do país a implantar o sistema de
cotas. Desde 2003, após ser promulgada a Lei 4151/03, o sistema de cotas para
ingresso nas Universidades Públicas Estaduais é obrigatório. De acordo com a lei o
sistema de reserva de vagas da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e
Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) visa garantir o acesso de
estudantes carentes.
A lei determina que, nos primeiros cinco anos de sua vigência, as
universidades reservarão 45% no mínimo de vagas, sendo 20% para alunos
oriundos de escola pública, 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência,
integrantes de minorias étnicas, filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares
26
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, traz em seu artigo 51 “as
instituições de educação superior credenciadas como universidades, ao deliberar sobre
critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos
desses critérios sobre orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos normativos
do sistema de ensino”.
48
e de inspetores de segurança e administração penitenciária mortos em razão do
serviço (alteração deste tópico foi dada pela Lei 5074 de 17/07/2007).
A Universidade de Brasília – UnB também foi uma das pioneiras na adoção
do sistema de cotas. A justificativa apontada pela universidade foi a seguinte
(UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA):
A constatação de que a universidade brasileira é um espaço de
formação de profissionais de maioria esmagadoramente branca,
valorizando assim apenas um segmento étnico na construção do
pensamento dos problemas nacionais, de maneira tal que limita a
oferta de soluções para os problemas de nosso país.
A política foi implantada pela universidade em junho de 2004 e faz parte do
Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB e será aplicada por
um período de 10 anos, sendo que um dos seus principais objetivos é o
enfrentamento de um quadro de desigualdades raciais.
Foram reservadas 20% das vagas em cada um dos cursos oferecidos pela
Instituição sendo que para concorrer às vagas o candidato deverá se autodeclarar
negro e passar por uma banca avaliadora. Todavia, para ser aprovado deve obter,
no mínimo nota maior que zero na prova de língua estrangeira, 10% da nota na
prova de Linguagens e Códigos e Ciências Sociais, 10% da nota na prova de
Ciências da Natureza e Matemática, 20% da nota no conjunto das provas
(UNIVERSIDADE DE BRASILIA).
Na Universidade de Campinas – Unicamp, criou-se o Programa de Ação
Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), com o objetivo de tornar o vestibular mais justo
a proposta se apresenta de forma um pouco diferente das outras instituições, os
candidatos que tiverem cursado o ensino médio em escolas públicas têm direito a 30
pontos extras e os negros 40 pontos27.
Cumpre mencionar, que na Unicamp até o vestibular de 2004 (antes das
ações) 28% dos alunos eram oriundos de escolas públicas enquanto que em 2005
(já com as ações) o percentual subiu para 34%, sendo que nos cursos mais
27
Os estudantes que optarem pelo PAAIS na inscrição para o vestibular receberão
automaticamente 30 pontos a mais na nota final, ou seja, após a segunda fase. Candidatos
autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino médio em escolas
públicas terão, além dos 30 pontos adicionais, mais 10 pontos acrescidos à nota final
(UNICAMP-COMVEST).
49
concorridos como Medicina, por exemplo, a participação saltou de 10% para 31%
(LOBO, 2006, p. 34)28.
Na Universidade Estadual de Londrina/PR, desde 2005, ocorre a aplicação
das ações afirmativas, baseada no seu Estatuto que descreve como finalidade da
Instituição propiciar condições para a transformação da realidade, visando a justiça e
equidade social (artigo 3º, inciso IX, do Estatuto). A Universidade reserva 20% das
vagas de cada curso para alunos oriundos de Instituições Públicas de Ensino e 20%
para candidatos que se autodeclararem negros29 ou pardos e cumulativamente
oriundos de escolas públicas de ensino, por um período de 7 anos30.
A Universidade Federal do Paraná estabelece cotas para pessoas
portadoras de deficiência física, auditiva, visual e mental.
Não obstante, no país há uma universidade municipal que também
implementa o sistema de cotas. Desde a sua origem o Centro Universitário de São
José/SC – USJ aplica o sistema de cotas, nesta Instituição 70% das vagas são
reservadas para alunos oriundos da rede pública do município 31.
Cumpre esclarecer, que as universidades onde o percentual de vagas é
reservado a um grupo são as mais comuns, sendo que apenas sete instituições
adotam o sistema da bonificação (sem percentual de vagas preestabelecidas).
No caso dos negros (somatório dos auto declarados pretos e pardos) restou
constatado que 33 instituições têm políticas voltadas para eles e 18 não, sendo que
o critério da autodeclaração é o mais utilizado, onde é o próprio candidato quem
define qual a sua etnia ou da cor da pele.
A seguir apresenta-se uma tabela com as instituições que implementaram o
sistema de cotas no país:
INSTITUIÇÃO
TIPO DE AÇÃO AFIRMATIVA
Cotas para deficiente
e/ou escola pública*
RIO DE JANEIRO
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
28
X
Bônus**
Indígenas***
Negros****
X
X
Ao final do primeiro semestre depois de quatro meses na universidade os egressos de
escola pública se encontravam à frente dos colegas vindos de escolas particulares em mais
de 29 cursos (LOBO, 2006, p. 35).
29
Uma Comissão foi criada para homologar a matrícula dos candidatos autodeclarados
negros.
30
Resolução CU n. 78/2004, assinada pela Reitora Pofessora Lygia Lumina Pupatto em
23/07/2004.
31
A destinação de 70% das vagas tem relação direta com o número de alunos matriculados
em São José: 78% nas escolas públicas e 22% nas particulares.
50
(UERJ)
Universidade do Norte Fluminense (UENF)
Centro Universitário Estadual da Zona
Oeste (Uezo)
Fundação de Apoio à Escola Técnica do
Rio de Janeiro (Faetec)
Universidade Federal Fluminense (UFF)
MINAS GERAIS
Universidade Estadual de Minas Gerais
(UEMG)
Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes)
Universidade Federal de Juiz de Fora
SÃO PAULO
Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp)
Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp)
Faculdade de Medicina S. J. do Rio Preto
(Famerp)
Universidade de São Paulo (USP)
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Faculdade de Tecnologia de São Paulo
(Fatec)
Centro Universitário de Franca (Facef)
Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar)
ESPÍRITO SANTO
Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes)
AMAZONAS
Universidade do Estado do Amazonas
(UEA)
PARÁ
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Universidade Federal Rural da Amazônia
(Ufra)
TOCANTIS
Universidade Federal do Tocantis (UFT)
DISTRITO FEDERAL
Universidade Federal de Brasília (UnB)
Escola Superior de Ciências da Saúde
(ESCS-DF)
GOIÁS
Universidade Estadual de Goiás (UEG)
MATO GROSSO
Universidade do Estado do Mato Grosso
(Unemat)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
51
MATRO GROSSO DO SUL
Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul (UEMS)
ALAGOAS
Universidade Federal de Alagoas
BAHIA
Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB)
Universidade Estadual de Santa Cruz
(Uesc)
Universidade do Estado da Bahia (Uneb)
Centro Federal de Educação Tecnológica
da Bahia (Cefet-BA)
MARANHÃO
Universidade Federal do Maranhão
(UFMA)
PARAÍBA
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
PERNAMBUCO
Universidade Estadual de Pernambuco
(UPE)
Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE)
Centro Federal de Educação Tecnológica
de Pernambuco (Cefet-PE)
RIO GRANDE DO NORTE
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN)
Centro Federal de Educação Tecnológica
do Rio Grande do Norte (Cefet-RN)
PIAUÍ
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
SERGIPE
Centro Federal de Educação Tecnológica
do Sergipe (Cefet-SE)
PARANÁ
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG)
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR)
RIO GRANDE DO SUL
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
52
Universidade Estadual do Rio Grande do
X
Sul (UERGS)
Universidade Federal de Santa Maria
X
X
(UFSM)
SANTA CATARINA
Universidade Federal de Santa Catarina
X
X
X
(UFSC)
Centro Universitário de São José (USJ)
X
Fonte: Laboratório de Políticas Públicas da Uerj
* Cotas: sistema onde há reserva de um percentual de vagas na universidade para um
determinado grupo (em regra para alunos provenientes de escola pública).
* Bônus: política que oferece a um grupo específico pontos a mais no vestibular, mas sem
reservar um percentual de vagas.
*** Negros: universidades que optaram por reservar um percentual de vagas aos estudantes
que se autodeclararem pretos ou pardos.
2.4 CRITÉRIOS ADOTADOS NAS DIFERENTES INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR PÚBLICAS DO BRASIL
Este item tem o intuito de identificar as razões materiais que são comumente
usadas pelas universidades para estabelecer os critérios quando da implementação
do sistema de cotas.
2.4.1 Negro
Após a extinção da escravidão no Brasil com a promulgação da lei Áurea
(1888) o negro alcançou a igualdade jurídica, todavia, mantinha-se não só a
desigualdade econômica e social entre brancos e negros, mas ainda a antiga
ideologia que definia bem a diferença entre os dois reservando ao negro uma
posição de submissão (VALENTE, 1999).
Escravizados por mais de 400 (quatrocentos) anos e falsamente
libertados em 1888, após muitos embates e negociações, negros e
mestiços tornaram-se “cidadãos” brasileiros, por decreto da noite
para o dia, sendo verdadeiramente, em sua esmagadora maioria,
abandonados pelos seus antigos proprietários e pelo Estado a sua
própria sorte (PEREIRA DA SILVA, 2005, p. 12).
53
Nascia
uma
massa
de
quase
1,3
milhão
de
marginalizados
e
desempregados, sem alfabetização, sem participação política, sem propriedades,
sem poder econômico, não houve uma preocupação em inserir socialmente esses
ex-escravos, resultando em um agravamento de seus problemas sociais que foram
tão graves que prejudicam até hoje suas gerações (PEREIRA DA SILVA, 2005). A
inserção do negro na ordem social o colocou como sub-cidadão no conjunto dos
demais grupos étnicos existentes (PEREIRA DA SILVA, 2005)
Um forte agravante que piorou ainda mais a situação do negro foi a política
de imigração de trabalhadores europeus, uma das inovações no mundo capitalista.
Para o negro não havia emprego, pois todas as terras agrícolas já estavam
ocupadas pelos imigrantes que tinham mão de obra mais qualificada.
Os negros que viviam na cidade encontravam-se agora perambulando pelas
ruas como mendigos e começaram a habitar cortiços que deram origem as favelas,
ocupando as funções mais modestas onde eram mal remunerados (VALENTE,
1999).
Com a falta de trabalho inicia-se a reprodução da deterioração do nível de
vida do negro, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de
trabalhador livre, gerando um estrutura de privilégios a favor da população branca
(VALENTE, 1999). Assim, para os brancos admitirem o negro como cidadão
implicaria na perda desses privilégios, o preconceito e a discriminação ganham
espaço como meios de defesa dos brancos para manter seus privilégios (VALENTE,
1999). Darcy Ribeiro elucida essa questão (1995, p. 231/232):
Examinando a carreira do negro no Brasil se verifica que, introduzido
como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à
execução de tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de
todos os setores produtivos. Tratado como besta de carga exaurida
no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir
o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de
sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes
ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de
exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe
permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se
tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido
ao exercício de seu antigo papel, que continuava sendo
principalmente o de animal de serviço. (grifo-nosso)
Em todos os países, os descendentes dos africanos escravizados continuam
sendo, ainda, as grandes vítimas dos preconceitos e discriminações, alimentados
por uma ideologia racista que, embora hoje não existe oficial e institucionalmente em
54
nenhum pais do mundo, existe ainda na sociedade (preconceito velado) (PEREIRA
DA SILVA, 2005).
As tentativas de tirar a população negra brasileira da marginalização se
iniciaram quase um século depois da assinatura da Lei Áurea. Durante todo esse
período, o país convive com o mito da democracia racial, que seria caracterizado
pela inexistência de conflitos raciais e pela igualdade de direitos entre os cidadãos,
todavia, o que se constata na sociedade brasileira é o conflito racial aberto e velado
(PEREIRA DA SILVA, 2005).
Renata de Malta Vilas Boas (2003, p. 58) elucida a questão do negro no
país:
A forma brutal como eles (afros-descendentes) ingressaram no
Brasil, arrancados de suas famílias, instalados nas piores condições
possíveis e libertos da noite para o dia, sem qualquer preparo,
atenção e cuidados, sempre foram tratados de forma desumana e
até hoje a sociedade, de forma geral associa o afro-descendente a
tarefas consideradas subalternas, de menor importância.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
recente publicação onde apresenta uma análise das condições de vida da população
brasileira em 2007, dentre 187,2 milhões de habitantes do país (2006), 49,7% se de
declararam brancos, 6,9% pretos e 42,6% pardos32.
Dentre os indicadores sociais apresentados pelo IBGE (PNAD, 2006)
destacam-se dois conjuntos devido a sua relevância para este estudo: os que se
referem à educação e os que dizem respeito à participação econômica das pessoas.
Em relação à educação, as taxas de analfabetismo e de freqüência escolar
apresentam diferenças significativas entre os níveis apresentados pela população
branca e os da população preta e parda.
Em 2006, o Brasil possuía cerca de 15 milhões de analfabetos dentre eles
os negros e pardos representavam 10 milhões. As taxas de analfabetismo para a
população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos e de mais que
o dobro, 14%, para pretos e pardos.
32
A principal fonte de informação para a construção dos indicadores foi a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios - PNAD para o ano de 2006, cuja cobertura abrange todo o
Território Nacional. A característica cor ou raça foi declarada pelas pessoas com base nas
seguintes opções: branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana
etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra
cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia).
55
No que tange à média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais
de idade mostra mais uma vantagem para os brancos que possuem 8,1 anos de
estudos, enquanto que pretos e pardos apresentam 6,2 anos33.
No que diz respeito à freqüência escolar, em idades entre 18 e 24 anos,
mostra também significativas diferenças entre os grupos analisados, o percentual de
brancos que aparecem como estudantes de nível superior é de 56% enquanto que o
de pretos e pardos alcança 22%, demonstrando a grande diferença de acesso e
permanência dos grupos raciais neste nível de estudo34.
Importante ressaltar que no Brasil, em 2006, apenas 8,6% da população
possuía nível superior de escolaridade, desse conjunto 78% eram de cor branca,
enquanto os de cor preta, 3,3%, e os pardos, 16,5%. O pesquisador José Luiz
Petruccelli (2004, p. 22) demonstra como a desigualdade entre brancos e negros no
acesso ao ensino superior não tende a mudar:
É necessário alertar para o fato de que se continuar a
proporcionalidade de representação racial no nível superior como
tem sido até agora – 1 estudante negro em cada 5 estudantes que
freqüentam alguma universidade, no total de menos de 1 milhão e
meio de ingressos por ano nas universidades publicas e privadas,
mais de 1 milhão de jovens negros com nível médio concluído, entre
18 e 24 anos, continuarão a serem excluídos no ensino superior no
país.
Associado a estas desigualdades educacionais, os rendimentos médios
percebidos por pretos e pardos se apresentam sempre menores que os dos brancos,
todavia, as diferenças de rendimentos não podem ser explicadas pelas
desvantagens de escolaridade da população de cor ou raça preta e parda, pois,
comparando os rendimentos por cor ou raça dentro dos grupos com igual nível de
escolaridade, constata-se a persistência do efeito racial, enquanto os negros
recebem cerca de 1,8 (salário-mínimo) os brancos 3,4, quase 40% a mais do que os
pretos e pardos35.
33
Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou raça,
segundo as Grandes Regiões – 2006.
34
Percentual dos estudantes de 18 a 24 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo o
nível de ensino freqüentado - Brasil - 2006. Incluindo as pessoas sem declaração de anos
de estudo,bem como Graduação, Mestrado e Doutorado.
35
Rendimento médio mensal de todos os trabalhos, em salários mínimos, das pessoas de 10
anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, com rendimento de trabalho,
por cor ou raça, segundo as Grandes Regiões – 2006.
56
Em relação à distribuição de renda as desigualdades também aparecem,
comparando a distribuição dos grupos entre os 10% mais pobres e entre o 1% mais
rico demonstra que, entre os mais pobres os brancos alcançaram 26,1% do total e
entre os que estavam na classe mais favorecida eles representaram quase 86% dos
mesmos. Por sua vez, os pretos e pardos eram mais de 73% entre os mais pobres e
somente correspondiam a pouco mais de 12% entre os mais ricos36.
Para fins e demonstração da desigualdade na representação por grupos de
cor no ensino superior, o Brasil no ano de 2000 contava com aproximadamente 284
mil médicos, sendo que destes 86% se declaravam da cor branca “um percentual
bem acima da média nacional de 54% da população total nesse grupo de cor”
(PETRUCCELLI, 2004, p. 28).
Um aspecto importante que deve ser apontado diz respeito à dificuldade de
identificação do negro, pois, sabe-se que o Brasil é um país que tem como
característica a miscigenação. Vejamos (SCHREIDER, 1963 apud BRASIL. JFSC.
MS n. 2007.72.00.011867-0. Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j.29/11/07) :
O diagnóstico fundado na morfologia e na constituição corporal não
autoriza a identificação de raça. Basta dizer que, muitas vezes, o tipo
étnico árabe, ou hindu, tem idênticas características do africano, sem
que ninguém, nem mesmo o especialista em classificação étnica,
para fins terapêuticos ou médicos, tenha condições de atestar a raça
por intermédio de uma aferição visual.
Esta é uma das críticas do sistema, pois, nas universidades em que o
sistema de cotas é para negros é utilizado o critério da auto-declaração que
posteriormente é validado ou não por uma Comissão. Como será definido quem é
negro e quem não é?
2.4.3 Indígena
A história do índio no Brasil é lamentável, pois, foram usados como mão de
obra, sendo caçados e colocados na posição de escravos37. Cumpre trazer a balia o
relato produzido por Darcy Ribeiro:
36
Distribuição do rendimento mensal familiar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de
idade, com rendimento de trabalho, entre os 10% mais pobres e o 1% mais rico, em relação
ao total de pessoas, por cor ou raça - Brasil – 2006.
37
A Constituição de 1988 reconheceu a permanente diversidade e especificidade cultural
dos índios. Em seu artigo 231, impõe ao Poder Público o reconhecimento, respeito e
57
Em cada século e em cada região, tribos indígenas virgens de
contato e indenes de contágio foram experimentando,
sucessivamente, os impactos das principais convulsões e pestes da
civilização, e sofreram perdas em seu montante demográfico que
jamais se recuperaram. O efeito dizimador das enfermidades
desconhecidas, somado ao engajamento compulsório da força de
trabalho e ao da deculturação, conduziram a maior parte dos grupos
indígenas à completa extinção. Em muitos casos, porém, sobrevive
um remanescente que, via de regra, corresponde àquela proporção
de um por 25 da população original.
Atualmente os índios vivem nos mais diversos pontos do território brasileiro
e representam, em termos demográficos, um pequeno percentual da população
brasileira (0,8%)38.
Após a Constituição Federal de 88, o critério de identificação do índio
mudou, não mais é utilizado aquele trazido pelo Estatuo do Índio, vigora o critério da
auto-identificação étnica. Ou seja, um grupo de pessoas pode ser considerado
indígena ou não se estas pessoas se considerarem indígenas, ou se assim forem
consideradas pela população que as cerca (FUNAI).
Cumpre destacar, que assim como o negro (incluindo os pardos) os
indígenas representam uma pequena parcela entre graduandos universitários,
enquanto que os brancos são uma maioria esmagadora. Esta desigualdade de
representação se manifesta também de forma exacerbada no ensino médio
reproduzindo a lógica de exclusão social predominante em múltiplos aspectos da
sociedade brasileira (PETRUCCELLI, 2004, p. 7).
De acordo com o Censo Demográfico de 2000 enquanto 13.701.803 da
população branca de 18 ou mais anos de idade aparece com o nível médio
concluído, os indígenas representam pouco mais de 45.000. A cada grupo de 100
pessoas 67,6 brancos concluíram o ensino médio sendo que os indígenas 0,2 (nem
ao menos um chega a completar o ensino).
proteção aos modos de vida dos índios: “são reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos
os seus bens”.
38
A principal fonte de informação para a construção dos indicadores foi a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios - PNAD para o ano de 2006, cuja cobertura abrange todo o
Território Nacional. A característica cor ou raça foi declarada pelas pessoas com base nas
seguintes opções:branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana
etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra
cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia).
58
Outro dado relevante diz respeito aos 4,8 milhões de pessoas de 25 anos ou
mais de idade com nível superior concluído, pois se verificou que 83% desse
contingente são brancos e apenas 0,1% são indígenas.
Na Universidade Estadual de São Paulo (USP) os estudantes de cor branca
representavam 70,7%, negros 4,4%, sendo que os indígenas representavam apenas
0,2%, o que demonstra a situação de desigualdade que o indígena se encontra em
relação aos outros segmentos da sociedade (GUIMARÃES, 2001).
Nesse ínterim, as ações afirmativas tem o objetivo de construir a igualdade e
resgatar a dívida que a sociedade brasileira tem com a população indígena. Permitir
o aumento de oportunidades no ensino superior público faz com que se tenha uma
maior democratização econômica e étnico-racial no acesso e permanência no ensino
superior o que é uma tarefa da universidade pública (COMISSÃO).
2.4.4 Escola Pública
O acesso ao nível superior de ensino, tanto na graduação quanto na pós
graduação constituiu uma das grandes demonstrações da discriminação no que diz
respeito a discriminação por cor ou raça sofrida pela população do país
(PETRUCCELLI, 2004, p. 17).
Diante do limitado número de vagas oferecidas pelo ensino superior pelas
universidades públicas do país, os estudantes que almejam continuar seus estudos
além do nível médio faz com que os alunos direcionem seus estudos para enfrentar
as provas do vestibular (PETRUCCELLI, 2004, p. 17). “As provas de exame
vestibular
para
o
ingresso
nas
universidades
públicas
passaram
a
ser
realizadas....num contexto de grande desigualdade de formação motivadas
principalmente pela renda familiar” (GUIMARÃES 2003 apud PETRUCCELLI, 2004,
p. 19).
Vários fatores influenciam o desempenho escolar diferenciado, tais como
renda familiar, necessidade de trabalhar durante os estudos, tipo de escola média
freqüentada
dentre
outros,
além
desses
existem
os
fatores
subjetivos
“experimentados por grupos em situação social subalterna que remetem a evidencia
59
inconteste de elementos de racismo introjetado interferindo nos resultados dos
grupos raciais de indígenas, pardos e pretos” (PETRUCCELLI, 2004, p. 27).
Diversos estudos comprovam o grave estado de concentração da riqueza e
da renda gerada no Brasil, dentre os 1% mais ricos do país 88% são da cor branca
enquanto que entre os 50% mais pobres representam menos de 37%. Enquanto os
mais pobres gastam maior parte de seu orçamento familiar com alimentos básicos,
remédios, aluguel e transporte urbano, deixando para educação menos de 1,4% do
seu orçamento, os mais ricos comprometem até 4% da sua renda com educação39
“sendo assim, pode-se constatar como os rendimentos auferidos pelos diferentes
estratos econômicos agem conjuntamente com as características de cor ou raça na
seleção das pessoas de 25 anos e mais de idade que chegam a concluir algum
curso universitário no país” (PETRUCCELLI, 2004, p. 38)40.
Desta forma, concluiu-se que o processo para aprovação no vestibular tem
intima ligação com a escolarização e a vida das pessoas. O ensino médio participa
deste processo fazendo, em um primeiro momento, uma triagem seletiva, nos
moldes gerais da discriminação socioracial que opera no pais, determinando as
proporções dos estudantes que conseguem finalizar, ou não, os estudos
(PETRUCCELLI, 2004, p. 26).
Logo em seguida, o total dos que completaram o ensino médio se constitui
em dois tipos de demanda para o acesso a universidade, uma primeira demanda
que apenas consegue completar este nível de estudos e uma outra demanda
composta por aqueles que estão em condições mais apropriadas para continuar
avançando nos seus estudos (PETRUCCELLI, 2004, p. 26).
De acordo com o Censo Escolar de 2007 no Brasil, estão matriculados
52.969.456 estudantes na educação básica, sendo que 46.610.710 em escolas
públicas e 6.358.746 em escolas privadas.
Esses dados demonstram que a maioria da população do país freqüenta
escolas públicas, seria normal que as universidades públicas tivessem na sua
maioria alunos provenientes de escolas públicas, porém, na pratica não é isso que
40
“Pesquisa do Núcleo de Apoio a Estudos da Graduação, NAEG, da USP,mostra eu só
uma rua nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, tem mais ingressantes na Universidade
que 74 bairros periféricos da zona sul da cidade, entre 1995 e 2004. Um pequeno número
de bairros em volta de centro, que compreendem apenas 19,5% da população de São
60
ocorre, na maioria das vezes a maioria dos alunos é proveniente de escolas
particulares, o que demonstra que a qualidade de ensino, aliado a renda de
caracteriza como fator determinante para o acesso a instituições públicas de ensino.
Isso pode se demonstrado quando observamos a origem dos alunos
classificados no vestibular. Na Universidade Federal de Santa Catarina, por
exemplo, de acordo com a Comissão Permanente do Vestibular da UFSC (Coperve)
no ano de 2004, somente 26,6% dos classificados eram alunos provenientes do
ensino público. No caso de se considerar os candidatos que realizaram o ensino
fundamental e médio em escolas públicas esse percentual cai para 19,1%
(COMISSÃO).
No caso da Universidade de São Paulo (USP) após a implementação do
sistema de cotas a participação dos alunos oriundos de escola pública aumentou de
24,7% em 2006 para 26,7% em 2007. (AGÊNCIA USP).
Assim, pode ser constatado que os segmentos mais ricos da sociedade são
os que se beneficiam do ensino superior gratuito, desta forma, as ações afirmativas
se justificam pois, não se pode admitir que todo o investimento da sociedade no
ensino superior público seja endereçado apenas a alguns grupos, prevalecendo
certos grupos sobre outros.
2.4.5 Origem Geográfica
Outro critério utilizado para desigualação é a origem escolar cumulada com
a origem geográfica. O Centro Universitário de São José possui o sistema de cotas
sociais reservando 70% das vagas para alunos das escolas públicas (municipal,
estadual, federal) situadas no município de São José.
Nesse caso especifico o aluno deverá ter realizado o ensino médio todo em
escola pública situada na cidade.
A justificativa da universidade cinge-se no fato de que no município 78% dos
matriculados encontram-se nas escolas públicas enquanto que 22% nas
particulares.
Paulo, açambarca 70,3% do total de vagas, enquanto que aos bairros periféricos, contendo
80,5% da população total da cidade, cabem 29,7% da vagas” (PETRUCCELLI, 2004, p. 42).
61
3 ANÁLISE DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA IMPLEMENTADA
PELA UFSC
O terceiro capítulo será destinado a analisar o sistema de cotas
implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Inicialmente se demonstrará a atuação
da
Comissão
criada pela
Universidade para averiguar as possibilidades de implementação do sistema, bem
como as características e os elementos da política de ação afirmativa implementada.
Será trazido a baila a discussão que vem ocorrendo no Poder Judiciário,
com seu atual posicionamento.
Por fim, será feita a analise da política implementada, levando em conta o
primeiro vestibular realizado pela instituição, para verificar se as cotas que estão
sendo implentadas estão de acordo com o que preconiza a Constituição Federal de
88.
3.1 CONTEXTO DE CRIAÇÃO E ATUAÇÃO DA COMISSÃO
Na Universidade Federal de Santa Catarina desde o vestibular realizado no
ano de 2007 que as ações afirmativas estão sendo aplicadas.
Com o objetivo de construir uma proposta que inscreva a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) em uma agenda contemporânea de valorização e
promoção da diversidade no ambiente acadêmico/social, foi criada em 03/04/2006,
pela Portaria 195/GR/2006, a Comissão para ampliação do acesso com diversidade
socioeconômica e étnico-racial da UFSC (COMISSÃO, 2006, p.1).
Composta por 19 membros41 a Comissão realizou várias atividades.
Organizou o Seminário “Cotas e Ações Afirmativas”, em 01/06/2006, para discussão
e fundamento de ações afirmativas, estruturou um grupo de trabalho específico
41
A Comissão é composta por representantes dos centros de ensino da UFSC, COPERVE,
Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia, APUFSC, Sindicato dos
Trabalhadores da UFSC (SINTUFSC), Indígenas e Movimento Negro.
62
sobre a educação indígena, lançou na Internet sua página www.acoesafirmativas.ufsc.br, abrindo forte discussão sobre o tema para colher subsídios para
implementação de uma política de inclusão. (COMISSÃO, 2006, p. 1).
A Comissão analisou dados sobre as desigualdades no ensino superior da
Universidade, trazendo a seguinte afirmação:
a situação de desequilíbrio é tão grave que, se fossem reservadas
100% das vagas de todos os cursos superiores de medicina para
negros, demoraria 25 anos para que houvesse uma proporção
equivalente entre os médicos negros e brancos no Brasil.
Importante ressaltar, que a Comissão realizou estudos sobre o possível
impacto das diferentes propostas para ampliação do acesso ao ensino público,
verificando, que a duplicação do número de vagas ou ainda a reserva de 50%
dessas vagas para egressos do ensino médio público não alterariam o perfil étnicoracial dos alunos (COMISSÃO, 2006, p. 1).
Restou constatado pela Comissão que nos cursos menos concorridos42 o
percentual de classificados vindos do ensino médio público chegava a 45%
enquanto nos cursos como Administração, Engenharia de Automação e de
Alimentos, Jornalismo e Medicina (os mais concorridos) esses alunos representam
menos de 10% (COMISSÃO, 2006, p. 7).
Quando a análise passa a considerar o aspecto étnico-racial a situação se
agrava, em 2006, 8,15 % dos candidatos se declararam pardos e 2,21% pretos,
dentre os pardos 7,58% se classificaram enquanto que apenas 1,05% dos
autodeclarados pretos conseguiram a classificação (COMISSÃO, 2006). Nesse
contexto, dada a seletividade socioeconômica e étnico-racial presente na UFSC
medidas de ação afirmativa são propostas para promover a diversidade.
A Comissão enfatiza que a formação dos graduandos será melhor em um
ambiente de diversidade, preparando os acadêmicos para uma sociedade cada vez
mais sensível às diferenças, pois, a qualidade do ensino está vinculada à
valorização da diversidade no ambiente de ensino. Desta feita, a Comissão (2006, p.
7) enfatiza a necessidade das ações afirmativas:
As ações afirmativas têm o objetivo de construir maior igualdade e
resgatar essa dívida que a sociedade brasileira tem com esses
segmentos da população. Permitir que o aumento de oportunidades
42
De acordo com a COPERVE os cursos menos concorridos são: Biblioteconomia, Ciências
Contábeis, Filosofia, Física Licenciatura, Geografia, Serviço Social, Letras Espanhol e
Italiano.
63
no ensino superior público se combine com maior democratização
econômica e étnico-racial no acesso e permanência no ensino
superior é uma tarefa da universidade pública.
3.2 PRINCIPAIS ELEMENTOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA DEFINIDA
PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
Inicialmente cumpre transcrever o conceito do Programa de Ações
Afirmativas editado pela Comissão de Acesso e Diversidade Socioeconômica e
Étnico Racial:
Um conjunto de ações e procedimentos referentes à preparação para
o acesso à universidade; à política de acesso propriamente dita
mediante o sistema de reserva de vagas para candidatos oriundos da
rede pública de ensino, negros e indígenas; à política de
permanência na universidade; e à política de acompanhamento da
inserção sócio-profissional dos alunos egressos da Universidade.
A referida Comissão entende que esta proposta do Programa de Ações
Afirmativas da UFSC procura expressar o compromisso de uma instituição pública
que
exige
responsabilidades
institucionais
em
resposta
aos
cenários
de
desigualdades socioeconômicas e raciais que imperam na sociedade (2006, p. 8)
O Programa de Ações Afirmativas apresenta os seguintes objetivos:
Promover uma formação humana e anti-racista com impacto nos
currículos das carreiras profissionais a partir de uma política de
acesso, de permanência e de inserção sócio-profissional dos/as
alunos/as da universidade; implantar uma política pública de ação
afirmativa, de inclusão de alunos oriundos da rede pública de ensino,
negros e indígenas numa instituição de ensino superior com alta
qualidade de ensino, pesquisa e extensão; direcionar investimento
público para diminuir os efeitos das desigualdades e discriminações
socioeconômica e étnico-racial no ensino superior, oportunizando o
acesso e a permanência na Universidade de segmentos
historicamente excluídos e discriminados; contribuir para o
desenvolvimento de estratégias institucionais compatíveis com os
desafios criados nas IES, a partir da implantação de sistema de
reserva de vagas para acesso de estudantes oriundos da rede
pública de ensino, negros e indígenas.
O Programa de Ações Afirmativas da UFSC foi criado em 10/07/2007 pelo
Conselho Universitário da UFSC que através do seu Presidente, Professor Lúcio
José Botelho, editou a Resolução Normativa n. 008/CUN/2007 que estabelece a
64
natureza, finalidade, vinculação e as disposições gerais do sistema implementado
pela Instituição.
A finalidade do programa de ações afirmativas implementado constitui-se,
segundo a Resolução, em um instrumento de promoção dos valores democráticos,
de respeito à diferença e à diversidade socioeconômica e étnico-racial, mediante a
adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação e de
estímulo à permanência na Universidade.
3.2.1 Dos Beneficiários
O programa se destina aos estudantes que tenham cursado integralmente o
ensino fundamental e médio em instituição de ensino público, bem como aos
estudantes que pertençam ao grupo racial negro, e aos estudantes que pertençam
aos povos indígenas.
3.2.2 Tipos de Políticas Implementadas
A Resolução Normativa 008/CUN/2007 especifica as ações orientadoras do
Programa que devem ser implementadas pela Universidade, tais como: preparação
para o acesso aos Cursos de Graduação da Universidade43, acesso aos cursos de
graduação da Universidade44, acompanhamento e permanência do aluno na
Universidade45, acompanhamento da inserção sócio-profissional dos alunos
egressos da Universidade46, ampliação de vagas nos cursos de graduação e criação
de cursos de graduação noturno47.
43
A UFSC possui o pré vestibular solidário o cursinho da UFSC surgiu para atender a
necessidade de estudantes que não dispõem de recursos financeiros para freqüentar cursos
preparatórios para o vestibular.
44
Política de reserva de vagas que será tratado no próximo item.
45
A Comissão propõe a ampliação do número de bolsas de estudo.
46
Política ainda não implementada.
65
3.2.3 Mecanismo de Reserva de Vagas
Para a implementação da ação afirmativa de acesso aos cursos de
graduação da Universidade será destinado 30% (trinta por cento) das vagas do
vestibular, em cada curso, que serão distribuídas da seguinte forma: 20% (vinte por
cento) para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e
médio em instituições públicas de ensino e 10% (dez por cento) para candidatos
auto declarados negros, que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e
médio em instituições públicas de ensino.
No que tange à reserva para negros, a Resolução determina que os
candidatos devem possuir fenótipos que os caracterizem na sociedade como
pertencentes ao grupo racial negro (Art. 8º), devendo comprovar no ato da matricula
a condição de pertencente ao grupo racial negro. Ressalte-se que os candidatos que
se auto declararem negros e forem classificados no vestibular poderão ser
submetidos à entrevista por comissão institucional que decidirá se atendem aos
requisitos estabelecidos para a modalidade de vaga para a qual optaram (art. 8º §
2º).
Em relação aos candidatos pertencentes aos povos indígenas serão criadas
5 (cinco) vagas suplementares, que serão preenchidas pelos candidatos melhor
classificados no vestibular (o candidato escolhe o curso ficando limitado 2 vagas em
cada um).
Para preencher a vagas pertencentes aos povos indígenas o candidato
deverá preencher o formulário de inscrição do vestibular informando qual o grupo
indígena a que pertence, à sua situação lingüística, à descrição da sua história de
vida e as expectativas em relação ao curso que deseja freqüentar.
A comprovação de pertencente ao grupo indígena dar-se-á no ato de
matrícula sendo que os candidatos poderão ser submetidos à entrevista por
comissão institucional, que decidirá se atendem aos requisitos estabelecidos para a
modalidade de vaga para a qual optaram.
A resolução prevê a criação de uma Comissão Institucional com a finalidade
de acompanhar o programa de ações afirmativas e proceder à avaliação e
47
Política ainda não implementada.
66
proposição de mecanismos relacionados às distintas dimensões e aos seus
resultados.
3.2.4 Processo Classificatório
Em 30/07/2007 a COPERVE lançou o primeiro edital da Universidade com a
reserva de vagas, destaca-se que neste ano o edital lançado (para ingresso em
2009) os parâmetros de distribuição e reserva de vagas se repetem (Item 4 do edital
04/COPERVE/2008).
Nos dias 10 a 12 de dezembro deste ano se realizará o segundo vestibular
da UFSC observando-se o Programa de Ações Afirmativas criado pela Resolução
Normativa N° 008/CUn/2007.
Importante destacar que as ações afirmativas no acesso à universidade têm
se mostrado um eficiente mecanismo de construção da diversidade. Os candidatos
escolhidos são sempre os melhores classificados em vestibulares dentre os oriundos
de escolas públicas e negros, ou em processos seletivos especiais, no caso de
indígenas (COMISSÃO, 2006, p. 12).
3.3 A BATALHA JUDICIAL TRAVADA EM RELAÇÃO AO VESTIBULAR 2008-1 DA
UFSC
O primeiro vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina fomentou
muitas discussões, tanto na sociedade e no espaço universitário entre os discentes e
docentes, como no judiciário.
Nesse ínterim, o Ministério Público impetrou Ação Civil Pública com pedido
de liminar visando a suspensão o sistema de cotas implementado pela UFSC, tal
liminar em primeira instância foi deferida.
67
Todavia, a Universidade Federal impetrou Agravo de Instrumento com o
intuito de suspender a liminar, obteve êxito em seu pleito e manteve os sistema de
cotas no vestibular 200848.
Cumpre destacar que em 26/09/2008, foi proferida a sentença da referida
Ação Civil, vejamos49:
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos e, efetivando
as normas constitucionais, CONDENO a UFSC a criar tantas vagas
suplementares quantas forem necessárias para atingir aqueles
percentuais de 20% e 10% mencionados no art. 6° da Resolução
CUn 08/2007, que institui o "Programa de Ações Afirmativas".
CONDENO ainda a UFSC, SEM PREJUÍZO DO SISTEMA DE
COTAS, a RECLASSIFICAR, a partir do Vestibular 2008, inclusive,
os candidatos não-cotistas considerando a totalidade das vagas
disponibilizadas nos cursos para os quais concorrem, procedendo-se
às suas convocações para matrícula de acordo com suas novas
classificações, juntamente com os convocados pelo Programa de
Ações Afirmativas.
CONDENO por fim a UFSC, representada por seu Reitor, a efetuar a
RECLASSIFICAÇÃO E CONVOCAÇÃO, 60 dias após o trânsito em
julgado desta sentença, dos candidatos que deixaram de ser
convocados a partir do Vestibular 2008 (JFSC. ACP n.
2008.72.00.000331-6, juiz Rafael Serlau Carmona, j. 26/09/2008).
De outro norte, o Judiciário também proferiu decisões favoráveis as cotas:
A ordem constitucional instituída possui como objetivos fundamentais
republicanos, além da garantia do desenvolvimento nacional, a
construção de uma sociedade não apenas solidária e livre, mas
também justa (...)
A prevalência dos fundamentos declarados e a perseguição
incessante dos objetivos expressamente discriminados, na
Constituição Federal de 1988, legitimam a instrumentalização por
meio de políticas públicas que procurem, a um só tempo, resgatar a
desigualdade histórica na formação da nacionalidade e promover
permanentemente a integração social (...)
A prevalência do indivíduo branco de matriz européia se mantém,
durante séculos, perpetuando-se entre várias gerações, mediante a
marginalização das camadas negras e indígenas e o impedimento de
naturalmente terem acesso aos bens, aos serviços, aos valores e
aos direitos disponíveis de modo mais facilitado àqueles que
exerceram continuadamente, em maior ou menor grau, o poder
dominante. Sob essa ótica, a ação afirmativa é operador efetivo da
consecução dos objetivos republicanos, no sentido de promover a
autorizada vontade do legislador constituinte de modificar o contexto
social de acentuada disparidade (...)
48
Agravo de Instrumento n. 200772000139052 julgado no TRF 4ª Região.
Destaca-se que tal ação ainda está pendente de julgamento no TRF 4ª Região –
Apelação-reexame necessário.
49
68
Na medida em que são fixados critérios válidos para corrigir as
distorções do sistema, toda ação administrativa encontra respaldo na
índole constitucional (....)
Gozam as universidades de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial (art. 207 da
Constituição Federal). Assegurou-lhes o constituinte originário,
portanto, liberdade para disporem sobre sua organização interna,
formulação de planos de ensino, destinação das verbas e forma de
selecionar os estudantes.
Submetem-se, assim, ao princípio da legalidade, mas prescindem,
por outro lado, de lei formal que discipline o modo pelo qual devam
selecionar seus alunos.
A regulamentação de tal questão, como disse acima, está
compreendida no âmbito da autonomia universitária. É perfeitamente
possível, assim, que as universidades o façam por resolução, o que
no caso concreto é o caminho natural de prenderem-se ao princípio
da legalidade. A este não apenas dizem respeito as normas
derivadas de lei formal, mas também o conteúdo de atos normativos
compatíveis às disposições constitucionais (...) (JFSC. MS n.
2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j.
17/10/2008).
De acordo com pesquisa realizada na Justiça Federal de Santa Catarina
entre os meses de novembro de 2007 a junho de 2008 verificou-se que foram
interpostas 54 ações contra o sistema de cotas da Instituição, sendo uma ação civil
pública e 53 mandados de segurança.
Várias são os argumentos apresentados, vejamos os mais debatidos.
3.3.1 Dificuldade de identificar o negro e racismo
Uma das questões mais debatidas diz respeito à dificuldade de identificar o
negro, a crítica é feita no sentido de que como será possível uma comissão dentro
da universidade verificar a veracidade da declaração do candidato negro, analisando
se o fenótipo do candidato se enquadra ou não nas características da raça negra,
tendo em vista que não se pode olvidar que no Brasil a miscigenação faz parte da
cultura dificultando enormemente a distinção entre negros e não negros ou negros e
brancos apenas pela aparência, o que pode levar a erro, pois, é possível um
descendente preponderantemente da raça negra possuir fenótipo europeu ou viceversa.
69
O fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele, por
sua vez, apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades. A ciência
contemporânea aponta que o ser humano não é dividido em raças,
não havendo critério preciso para identificar alguém como negro,
branco ou pardo, especialmente no Brasil em que a população
resulta da imigração de diversas origens (JFSC, MS n.
2007.72.00.014625-1, Juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j.
30/01/08).
O magistrado Paulo Henrique de Carvalho considera a reserva de vagas, por
si só discriminatória. “A reserva de vagas com base no fenótipo da pessoa, então
fere de morte a idéia de igualdade, pois privilegia não os que pertencem à raça
negra, mas os que parecem a ela pertencer” (JFSC. MS n. 2008.72.00001706-6, j.
14/02/2008).
O Juiz Federal Carlos Alberto Costa Dias considera que o negro não é
inferior para ser tutelado, afirma que a escravidão do "negro" no Brasil teve
conseqüências para a desigualdade social, mas que não admite a afirmação de que
após a abolição se iniciou um processo irreversível de mobilidade social, desacredita
na inferioridade do negro após a abolição da escravatura. “Não se sustenta,
portanto, a tese de que a escravidão teria deixado indelével a dívida histórica com a
raça "negra". Se há dívida social - como de fato há - não é exclusivamente com o
negro, mas com toda a universalidade dos que estejam socialmente em
desvantagem” (JFSC, MS n. 2007.72.00.011867-0, j. 29/11/07).
Outro ponto de argumentação diz respeito de considerar que o desempenho
do candidato "negro" ou pardo não é absolutamente equivalente à melhoria do seu
padrão de educação e de renda, que a discriminação racial não é fator direto de
obstáculo do acesso ao ensino.
O mesmo magistrado continua sua argumentação afirmando que a solução é
a melhora da qualidade do ensino, aumentando o número de vagas nas escolas
públicas de ensino público médio e fundamental, de forma igualitária e universal, de
modo a tornar também universal e igualitário o ensino universitário:
Diga-se o óbvio: atribuir título de Bacharel ao "negro" não significa
eliminação do racismo e não tem o condão de abrir - por si só oportunidade ao mais desfavorecido. Da forma preconizada pela
Universidade Federal de Santa Catarina, não causaria surpresa se o
ingresso do auto-denominado "negro" se transformasse em mais um
fator de acirramento das relações inter-raciais, por ser - por si só discriminatório
no
sentido
negativo
(JFSC,
MS,
n.
2007.72.00.011867-0, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j.
29/11/07).
70
O magistrado Osni Cardoso Filho que decide favoravelmente as cotas,
discorre a cerca dos fundamentos e objetivos expressamente trazidos na
Constituição Federal de 1988, considera que tais fundamentos legitimam a
instrumentalização por meio de políticas públicas que procurem resgatar a
desigualdade histórica na formação da nacionalidade, bem como com o intuito de
promover a integração social. Que a sociedade é caracterizada pela flagrante
desigualdade e pela injustiça manifesta, que sob esse ponto de vista, não é
equivocada a existência de ação afirmativa com o intuito de restaurar situações
sociais perdidas no tempo, como no caso das populações indígenas e negros que
tratados como animais a sociedade só lhes permitia e permite a integração na
condição de subproletariado.
Prossegue argumentando sobre a existência do racismo, que se perpetua
por vária gerações, mediante a marginalização desses individuo com o conseqüente
impedimento de naturalmente terem acesso aos bens, aos serviços, aos valores e
aos direitos disponíveis de modo mais facilitado àqueles que exerceram
continuadamente, em maior ou menor grau, o poder dominante.
Que as políticas públicas (ações afirmativas) se baseiam em uma justiça
compensatória, podendo também ser entendida a ação afirmativa como meio
prospectivo de “equalização de oportunidades para o fim de congregar
participativamente num ponto futuro todos os que, no momento de sua implantação,
estão privados de partilhar os benefícios sociais existentes e as conseqüências de
seu usufruto, por involuntária segregação das parcelas sociais a que pertencem”
(JFSC, MS n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08).
3.3.2 Autonomia universitária
Nesse ínterim, outra questão que causou muitas discussões diz respeito a
autonomia universitária, ou seja, a possibilidade da instituição do regime de cotas
por meio de regulamentação universitária.
O magistrado Cláudio Roberto da Silva se manifesta no sentido de considera
que a universidade não tem competência para sem Lei Federal autorizadora, criar ou
restringir direitos ou deveres por Resolução, o que consideram inconstitucionalidade
71
formal, sobretudo quando se considera que a reserva de 20% das vagas aos
"candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em
instituições públicas de ensino", tendo em vista que não pode automaticamente
serem colocados tais candidatos dentre as "pessoas pertencentes a grupos
socialmente desfavorecidos", pois não há Lei assim conceituando “tenho que padece
de vício de legitimidade a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, ao introduzir as
reservas de vagas para determinadas classes de candidatos, presente a
competência privativa da União Federal para legislar acerca de diretrizes e bases da
educação nacional (art. 22, XXIV, da CF/88)” (JFSC, MS n. 2008.72.00.000742-5,
Juiz Federal Cláudio Roberto da Silva, j. 20/05/08).
Ademais, nos termos do art. 37 da CF/88 a Administração Pública direta e
indireta está adstrita ao princípio da legalidade, dentre outros, estando a autonomia
administrativa da Universidade restrita ao seu próprio funcionamento, não podendo
estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária (JFSC, MS n.
2007.72.00.014625-1, Juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j. 30/01/08).
Não obstante, contrariando o exposto acima entende Osni Cardoso Filho
que de acordo com o artigo 207 da CF/88 as universidades tem liberdade para
disporem sobre sua organização interna, formulação de planos de ensino,
destinação das verbas e forma de selecionar os estudantes:
É perfeitamente possível, assim, que as universidades o façam por
resolução, o que no caso concreto é o caminho natural de
prenderem-se ao princípio da legalidade. A este não apenas dizem
respeito as normas derivadas de lei formal, mas também o conteúdo
de atos normativos compatíveis às disposições constitucionais
(JFSC, MS n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho,
j. 17/10/08.
3.3.3. Principio da igualdade
A grande discussão sobre a implementação do sistema de cotas gira em
torno do principio da igualdade. Vejamos os principais argumentos apresentados.
O magistrado Carlos Alberto da Costa Dias aduz que o edital publicado pela
UFSC ao eleger como fator de discrímen a qualidade de "ser negro", não resiste ao
controle de razoabilidade e proporcionalidade. Que não esta sendo respeitado o
requisito da adequação, tendo em vista que o edital do concurso vestibular não é o
72
meio normativo próprio para fomentar o objetivo de não-discriminação no acesso do
denominado "negro" ao ensino superior.
A título de perseguir o objetivo não-discriminatório, em realidade, a
norma discrimina os estudantes "negros", por serem "negros", que
concorrem em igualdade de condições, sob o critério de mérito, ao
acesso à universidade, sem que este fator: "ser negro", seja o motivo
pelo qual não têm acesso ao ensino universitário (JFSC,MS n.
2007.72.00.011867-0, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j.
29/11/07).
Traz ainda que o melhor meio para fomentar a não-discriminação seria a
criação de mais vagas e a melhoria da qualidade do ensino a todos aqueles que
desejem
o
ensino
universitário,
não
somente
ao
denominado
"negro",
exclusivamente por ser "negro".
Ao analisar o requisito da proporcionalidade alega que a limitação do
número de vagas a candidatos "não-negros" em favor dos "negros" não é condizente
com a idéia de assegurar o direito fundamental de acesso ao ensino universitário em
igualdade de condições, pois, “a reserva de vagas aos auto-denominados "negros"
implica diminuição da oferta geral de vagas no ensino público gratuito e subtrai, com
isso, direito subjetivo e fundamental dos "não-negros" que, em princípio, têm
capacidade e habilitação para cursar o estudo universitário".
Admite que é possível a discriminação positiva desde que o fator de
discrimen não seja arbitrário, para o magistrado ser negro não é o motivo
determinante de inferioridade intelectual.
Admitir que o fator de discrímen - ser negro - seja, como política
pública, determinante da dificuldade do acesso ao ensino é, por si só,
mais do que discriminatório, é estigmatizante, e não tem, como
demonstrarei no momento próprio, amparo na literatura especializada
(...) o ensino é serviço público e deve ser, por isso, universal e
igualitário. Não se nega que é sedutora, para não dizer demagógica,
a idéia de se prover ensino público da população "negra",
saneamento básico da população "negra", abastecimento de luz da
população "negra", necessidades de água da população "negra",
enfim, todas as necessidades básicas do "negro", mas isso não
significa que os demais brasileiros devem deixar de ter acesso ao
ensino, à luz, à água, ao esgoto, enfim, a todos os serviços públicos,
em favor do "negro" (JFSC,MS n. 2007.72.00.011867-0, Juiz Federal
Carlos Alberto da Costa Dias, j. 29/11/07).
.
Por fim, considera que discriminação imposta pelo sistema de cotas para o
ingresso em Universidade, chamada "positiva" sob o aspecto dos candidatos
beneficiados, se manifesta restritiva ou "negativa" para os demais diante da
73
conseqüente diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando
diretamente o princípio da igualdade assegurado no art. 5º da CF/88.
Em contrapartida o Juiz Osni Cardoso Filho entende que o sistema de cotas
esta em plena consonância com o principio da igualdade, tendo em vista que as
ações afirmativas são expedientes essenciais na concretização da igualdade, pois
buscam a igualdade material50 preconizada na Carta Magna.
Que a compreensão do princípio da igualdade deve ser no sentido de
entregar a todos os candidatos, no caso concreto, a idêntica chance de acesso ao
ensino superior, com a abstração do fato de sempre ter havido, nos concursos
vestibulares, uma extraordinária diferença entre candidatos por razões notoriamente
identificáveis.
Em qualquer atividade humana na qual se queira estabelecer de fato
a igualdade, por força de uma pretendida equiparação, desde logo
cumpre eliminar as naturais diferenças que poderiam ocasionar uma
vantagem indevida de uns em relação a outros, existentes ainda que
sob a aparente impressão de equânime concurso. Até então seria
mais provável afirmar, sim, a violação ao princípio da igualdade, pois
sempre foi totalmente desigual o acesso às salas universitárias
(JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso
Filho, j. 17/10/08)
De um lado, estudantes originários de escolas particulares, bem mais
preparados tecnicamente, inclusive com reforço de cursinhos pré-vestibulares. Do
outro, alunos vindos de escolas públicas, com as deficiências que até hoje não foram
supridas, em sua generalidade com muito menores condições de êxito em qualquer
vestibular (JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j.
17/10/08).
Do ponto de vista da classificação racial, destacam que os aprovados
sempre foram predominantemente brancos. “Poderia ser objeto de desafio a quem
tenha nível superior, a indicação nominal de amigos, colegas de turma, ou mesmo
conhecidos, feitos na vida acadêmica”(JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz
Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08).
Assim, considera que na medida em que são fixados critérios válidos para
corrigir as distorções do sistema, toda ação administrativa encontra respaldo na
índole constitucional.
50
Os magistrados apresentam ampla argumentação no que tange ao histórico do principio
da igualdade, o que jáfoi tratado no primeiro capitulo desta monografia.
74
Por fim, refere que a Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a
igualdade das pessoas perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, bem como
vedar qualquer preconceito de raça, cor, sexo, idade e outras formas de
discriminação, não impede a desigualação nem a utilização desses elementos como
forma de promover a isonomia.
3.3.4 Cotas para egressos de escola pública
No tocante à reserva para os candidatos egressos do ensino público, as
argumentações os magistrados se manifestam no sentido de que a iniciativa da
universidade deveria estar amparada em Lei. (JFSC, MS n. 2007.72.00.014625-1,
juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j. 30/01/08).
Os argumentos favoráveis já foram apresentados acima (autonomia das
universidades).
Cumpre destacar que das 54 ações impetradas 12 foram em favor da
Universidade e em 4 o Tribunal julgou procedente assim como 14 estão ainda
pendentes de julgamento seja em sede de apelação no Tribunal Regional Federal da
4 Região ou na Vara Federal para sentença. Dessas 14 ações pendentes de
julgamento, em primeiro grau 12 foram julgadas procedentes.
Algumas perderam o objeto devido à segunda chamada dos candidatos e/ou
desistência (18). Ocorreram 6 indeferimentos da inicial sem julgamento do mérito.
Em alguns casos a ação foi julgada procedente e não ocorreu a execução da
sentença pois o candidato não se classificou.
Desta forma, pode-se concluir que a jurisprudência não tem se apresentado
de maneira uniforme aparecem decisões nos dois sentidos e em números
praticamente iguais, o que demonstra o quanto esta questão é polemica.
3.3.5 Quadro Síntese das Decisões
A seguir será apresentado um quadro síntese das decisões proferidas em
cada processo impetrado perante a Justiça Federal de Santa Catarina:
75
N. processo
200872000003316
Ação
ACP
200872000021069
200872000019117
200872000018812
200872000018782
MS
MS
MS
MS
200872000018770
MS
200872000018356
200872000017601
200872000017066
200872000016487
MS
MS
MS
MS
200872000015355
200872000015008
MS
MS
200872000014855
200872000014454
200872000011404
200872000011398
200872000011313
200872000147528
MS
MS
MS
MS
MS
MS
200772000147346
200772000147292
200772000147334
200772000147322
200772000146482
MS
MS
MS
MS
MS
200772000146718
MS
Sentença de mérito, procedente determinando a UFSC que aumente o
numero de vagas
primeiro grau deferiu liminar TRF modificou, homologada desistência
Primeiro grau indeferiu liminar TRF manteve, concluso para sentença
Primeiro grau deferiu liminar, sentença homologou pedido de desistência
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve decisão, apelação
pendente
Primeiro grau indeferiu liminar, sentença modificou decisão, apelação
modificou decisão primeiro grau.
Primeiro grau indeferiu liminar, concluso para sentença
Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve
Primeiro grau deferiu liminar, extinto sem julgamento mérito, desistencia
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação manteve pois
aluno já esta freqüentando as aulas
Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve
Primeiro grau deferiu liminar, sentença extinguiu sem julgamento mérito
morte do titular
Primeiro grau deferiu liminar, sentença modificou
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente
Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação nega
seguimento
Primeiro grau deferiu liminar, sentença procedente, apelação pendente
Primeiro grau deferiu liminar, sentença procedente, perda objeto
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente o
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente
Primeiro grau deferiu liminar, sentença sem julgamento do mérito autor
pediu extinção
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação modificou
200772000146603
200772000146597
200772000146287
200772000146226
200772000146251
200772000146238
200772000145726
200772000144618
200772000118670
200872000009355
200872000007450
200872000007425
200872000006949
200872000005696
200872000006111
200872000004382
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
Indeferiu inicial, MS julgou extinto sem julgamento mérito, desistência
Indeferiu inicial, julgou extinto sem julgamento mérito, desistência
Primeiro grau deferiu liminar, homologada desistência
Primeiro grau deferiu liminar, perda objeto
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, sem apelação
Primeiro grau deferiu liminar, sentença revogou liminar, perda objeto
Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente j
Indeferiu inicial, julgou extinto sem julgamento mérito, desistência
Liminar indeferida, Sentença procedente, apelação pendente
Liminar deferida, sentença manteve, perda objeto
Liminar deferida, sentença manteve, apelação negado provimento
Liminar deferida, sentença manteve, apelação pendente julgamento
Liminar deferida, sentença manteve, apelação pendente julgamento
Sentença procedente
Liminar deferida, sentença improcedente
Sentença procedente, apelação pendente julgamento
76
200872000004370
200872000003286
200872000003341
200772000154806
200772000153322
200772000150977
200772000150217
200772000149513
200772000148600
200772000147796
200772000147784
200772000147802
200772000147840
200772000147772
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
MS
Liminar deferida, sentença improc.
Sentença procedente, perda objeto
Liminar deferida, sentença procedente, apelação pendente
Liminar deferida, sentença procedente, apelação modificou
Liminar deferida, sentença improcedente
Liminar deferida, sentença procedente, perda objeto
Liminar deferida, sentença procedente, apelação modificou
Liminar deferida, sentença procedente, apelação improcedente
Liminar deferida, homologada desistência
Liminar deferida, sentença procedente, desistência
Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência
Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência
Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência
Liminar deferida, homologada desistência
3.3.6 O Posicionamento dos Tribunais Superiores
Inicialmente cumpre mencionar que no Supremo Tribunal Federal não foram
encontradas manifestações no que tange ao sistema de cotas, todavia, este Tribunal
já se manifestou de forma favorável às ações afirmativas:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO
PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL.
AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90.
LEI Nº 7853/89. DECRETOS Nº 3298/99 E 5296/2004.
1.O candidato com visão monocular padece de deficiência que
impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é
o “melhor”. 2. A visão univalente – comprometedora das noções de
profundidade e distância – implica limitação superior à deficiência
parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação
dos fatores de desigualdade factual com medidas de
superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que
se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde
o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso ordinário provido
(STF, ROMS 26.071-1/DF, Rel. Ministro Carlos Ayres Britto, j.
13/11/07-grifo nosso).
Com efeito o STF ao tratar do inciso VIII do art. 37 da Constituição, afrimou:
"que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de
superioridade jurídica configuraria política de ação afirmativa que se inscreve nos
quadros de uma sociedade fraterna que a Constituição idealiza a partir das
disposições de seu preâmbulo e acrescentou-se a esses fundamentos o valor social
do trabalho" (STF.RMS 26.071/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/11/2007, Informativo
488).
77
Nesse mesmo norte, o STF, na ADIN 1.276-2/SP, analisando legislação do
Estado de São Paulo, que concedia incentivo fiscal a pessoas jurídicas que
possuam empregados com mais de quarenta anos, entendeu inexistir ofensa aos
princípios da igualdade e da isonomia. Nos termos do voto da Min. Ellen Gracie
(Relatora), tal violação não estava caracterizada, porque a legislação "procurou
atenuar um quadro característico do mercado de trabalho brasileiro: os obstáculos
para que as pessoas de meia-idade consigam ou mantenham seus empregos.
Pretende, assim, compensar uma vantagem que, notadamente, os mais jovens
possuem no momento de disputar vagas no mercado de trabalho."
Ou seja, apesar de ainda não ter se pronunciado sobre o sistema de cotas
nas universidades, há expresso reconhecimento de que a instituição de políticas de
ação afirmativa é compatível com o texto constitucional.
Já o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado de forma favorável ao
sistema de cotas:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO
PÚBLICO.
ANULAÇÃO
DO
CERTAME.
DESCUMPRIMENTO DE LEI ESTADUAL. RESERVA DE VAGAS
PARA
AFRO-DESCENDENTES.
CONSTITUCIONALIDADE.
IMPOSSIBILIDADE DE A AUTOMIA UNIVERSITÁRIA SOBREPORSE À LEI. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
RECURSO DESPROVIDO. 1. A reparação ou compensação dos
fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade
jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos
quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da
Constituição de 1988. 2. A Lei Estadual que prevê a reserva de
vagas para afro-descendentes em concurso público está de acordo
com a ordem constitucional vigente. 3. As Universidades Públicas
possuem autonomia suficiente para gerir seu pessoal, bem como o
próprio patrimônio financeiro. O exercício dessa autonomia não pode,
contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem a Constituição e as Leis. 4.
A existência de outras ilegalidades no certame justifica, in casu, a
anulação do concurso, restando prejudicada a alegação de que as
vagas reservadas a afro-descendentes sequer foram ocupadas.
Recurso desprovido (STJ. RMS 26089/PR, Rel. Ministro Felix
Fischer, j. 12/05/08 – grifo nosso).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem de forma geral se
manifestado favoravelmente ao Programa de Ações Afirmativas implementado pelas
universidades.
Recentemente a Desembargadora Federal Maria Lucia Luz Leiria proferirou
julgamento favorável ao referido programa:
78
DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÕES AFIRMATIVAS. "COTAS"
NAS UNIVERSIDADES. CRITÉRIO RACIAL. DISCRIMINAÇÃO.
ISONOMIA.
AUTONOMIA
UNIVERSITÁRIA.
MÉRITO
UNIVERSITÁRIO.
1.POLÍTICAS AFIRMATIVAS. Conjunto de políticas públicas e
privadas, tanto compulsórias, quanto facultativas ou voluntárias, com
vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e outras
intolerâncias correlatas. Técnicas que não se subsumem ao sistema
de cotas, ainda que com elas sempre relacionadas.
2.INEXISTÊNCIA DE BASE LEGAL. Previsão expressa no Plano
Nacional de Direitos Humanos, no Plano Nacional de Educação e
nas Leis nº 10.558/2002, que criou o programa "Diversidade na
Universidade" e Lei nº 10.678/2003, que criou Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Autorização, por via
legal, para implementação, pelo Poder Executivo, de políticas
afirmativas. Previsão em tratados internacionais.
3. CONSTITUIÇÃO. Previsão expressa no tocante à mulher ( art. 7º,
XX) e a portadores de necessidades especiais ( art. 37, VIII), a
sinalizar baliza fundamental para aplicação do princípio da igualdade
jurídica. Legislação infraconstitucional que estabeleceu cotas para
candidaturas de mulheres, para portadores de necessidades
especiais em concursos públicos e dispensa de licitação.
4. TRATADOS INTERNACIONAIS. Reconhecimento pelo Brasil da
competência do Comitê Internacional para eliminação da
discriminação racial. Internalização da Convenção sobre eliminação
de todas as formas de discriminação racial. Recepção dos tratados
internacionais anteriores à EC 45/2002, com status supralegal ou de
materialmente constitucionais, jurisprudência ainda não definida no
STF, mas a indicar a possibilidade de constituírem "bloco de
constitucionalidade", a ampliar núcleo mínimo de direitos e o próprio
parâmetro de controle de constitucionalidade.
5. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Revisão dos parâmetros clássicos, de
forma a reconhecer sua dupla faceta: a) proibição de diferenciação,
em que "tratamento como igual significa direito a um tratamento
igual"; b) obrigação de diferenciação, em que tratamento como igual
significa "direito a um tratamento especial". Rompimento com a visão
clássica, de forma que a igualação jurídica se faça,
constitucionalmente, como conceito positivo de condutas promotoras
desta igualação.
6. DISCRIMINAÇÃO. Conceito internalizado pelo Decreto nº
65.810/69, reconhecendo diferenciações legítimas e afastando
propósitos e efeitos de anular reconhecimento de direitos em pé de
igualdade em razão de raça, cor, descendência ou origem nacional
ou étnica. Quadro cultural brasileiro complexo no que diz respeito ao
reconhecimento da existência do próprio racismo, com a ideologia do
"branqueamento" e o "mito da democracia racial". Informes
internacionais questionando a dificuldade do aparelho estatal em
reconhecer
e
promover
atitudes
antidiscriminatórias.
Reconhecimento, por outro lado, de que a regra aparentemente
neutra pode produzir discriminação, que a Constituição proíbe.
7. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Art. 207, V, CF. Previsão
constitucional regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, tendo como norte "as normas gerais da União" e do
"respectivo sistema de ensino", podendo ser ampliadas ou reduzidas
as vagas ofertadas.
79
8. SISTEMA MERITÓRIO. A previsão constante no art. 208, V da
Constituição não estabeleceu o "mérito" como critério único e
decisivo para acesso ao ensino superior, nem constitucionalizou o
sistema do Vestibular. Existência de "nota de corte", a demonstrar
que o mérito é conjugado com outros critérios de índole social e
racial. Inexistência de "mérito" em abstrato.
9. AUTODECLARAÇÃO. Critério que não é ofensivo nem
discriminatório em relação aos "negros", porque: a) já é adotado para
fins de censo populacional, sem objeções; b) utilizado amplamente
no direito internacional; c) guarda consonância com os diplomas
legais existentes; d) constitui reivindicação dos próprios movimentos
sociais antidiscriminação.
10. DISCRÍMEN RAÇA. Possibilidade admitida quando agir "não
para humilhar ou insultar um grupo racial, mas para compensar
desvantagens impostas contra minorias". Congruência com os
ditames constitucionais de vedação ao racismo, na ordem interna e
externa, de modo a indicar: a) no aspecto negativo, a necessidade de
impedir qualquer conduta, prática ou atitude que incentive, prolifere
ou constitua racismo; b) no aspecto positivo, um mandamento de
otimização de medidas cabíveis e possíveis para erradicação de tal
prática. Inexistência de "raças" a indicar, contudo, a necessidade de
censura ao "racismo". Inteligência da decisão do STF no HC
82.424/RS. Preconceito, no Brasil, de fundo distinto daquele
praticado nos EUA e África do Sul ("preconceito de marca" ao invés
de "preconceito de origem"), a indicar a inaplicabilidade, aqui, das
discussões sobre percentuais de genes africanos, europeus ou
indígenas.
11. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Aplicação aos atos de
todos os poderes públicos, vinculando legislador, julgador e
administrador, mas com extensão e intensidade distintas conforme
se trate de atos legislativos, da administração ou da jurisdição.
Limites de "conformação" do administrador e do legislador a reduzir a
análise de todas as possibilidades de escolhas postas à disposição.
Verificação de: a) adequação, que não constitui o dever de escolher
o meio mais intenso, melhor e mais seguro, mas sim a anular o ato
somente quando a inadequação for evidente e não for, de qualquer
modo, justificável; b) necessidade, em relação ao meio eficaz e
menos desvantajoso para os cidadãos; c) proporcionalidade em
sentido estrito, comparando a importância da realização do fim e a
intensidade da restrição de direitos fundamentais. Metas fixadas para
educação nacional pelo Legislativo com duração de dez anos,
passíveis de revisão. Não-comprovação de que as premissas para
instituição de critérios de "inclusão social"- ampliação do acesso para
estudos de ensino público e autodeclarados negros, promoção da
diversidade étnico-racial no ambiente universitário, educação de
relações étnico-raciais - não são critérios adequados, necessários e
proporcionais para os fins constitucionais de repúdio ao racismo,
redução das desigualdades sociais, pluralismo de idéias, garantia de
padrão de qualidade do ensino, defesa e valorização da memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, valorização da
diversidade étnica e cultural e promoção do bem de todos, "sem
preconceitos de raça e cor e quaisquer outras formas de
discriminação". Percentuais de cotas que não constituem patamar
elevado, seja porque 87% da oferta de vagas vem do ensino público
médio e fundamental, seja porque a população negra brasileira é
80
superior ao percentual estabelecido nas cotas. Reconhecimento de
que os programas deixam sempre à disputa livre da maioria "a maior
parcela de vagas", como forma de "garantia democrática do exercício
de liberdade pessoal e realização do princípio da não-discriminação"
(Carmen Lucia Antunes) (TFR4. AP. n. 2008.71.00.002254-0, Des.
Federal Maria Lucia Luz Leiria j. 16/10/08 – grifo nosso)
De igual forma, o desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
profere decisão com a afirmação de que: "É simplismo alegar, em relação ao tema
sub examine, que a Constituição proíbe discrimen fundado em raça ou em cor”,
prossegue sua argumentação referindo que a partir da declaração dos direitos
humanos, buscou-se proibir foi à intolerância em relação às diferenças, o tratamento
desfavorável a determinadas raças, a sonegação de oportunidades a determinadas
etnias.
Não obstante, ao estabelecer como meta a eliminação dos diversos tipos de
discriminação, a Carta Constitucional enseja que as ações afirmativas façam parte
do arcabouço jurídico pátrio.
Afirma ainda, que não se trata de reparar no presente uma injustiça
passada, “a injustiça está presente nas universidades, formadoras das elites,
habitadas por esmagadora maioria branca. Permissa maxima venia, não há como
deixar de dizê-lo, ver a disparidade atual e aceitá-la comodamente é uma atitude
racista em sua raiz”.
Aduz que as cotas nas universidades não constituem a única providência
necessária, todavia, não são mero paliativo, “creio que uma elite nova, equilibrada
em diversificação racial, contribuirá em muito para a construção da sociedade
pluralista e democrática que o Brasil requer” (TRF4. AC n. 2008.71.00.002236-9,
Des. Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 19/09/08). O referido magistrado no
corpo do acórdão supra citado traz a seguinte decisão que transcrevo por considerar
de importante valia para o tema:
A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da
superação do problema do não cidadão, daquele que não participa
política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental
assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para
se igualar com os demais. Cidadania não combina com
desigualdades. República não combina com preconceito.
Democracia não combina com discriminação. Nesse cenário sóciopolítico e econômico, não seria verdadeiramente democrática a
leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria
verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe buscasse a alma,
apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa
81
história pelas mãos calejadas dos discriminados (...) O único modo
de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem
dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo
naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior
poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema
de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos
reverter inteiramente esta questão a curto prazo, podemos pelos
menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida
elite pensante do país. O descortinamento de tal quadro de
responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente
emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e
negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha
considerada como de pobreza, não permite que se vislumbre
qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3.708/01,
inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que
traduzem tão somente o cumprimento de objetivos fundamentais da
República (Agr. Inst. nº 2003.002.04409 da 11ª Câm. Cível do TJ/RJ,
16-10-2003, rel. Des. Cláudio de Mello Tavares).
Traz a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. VAGA E MATRÍCULA NO CURSO DE
MEDICINA, DE VESTIBULANDO NÃO CLASSIFICADO EM RAZÃO
DO SISTEMA DE COTAS. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. O art.
207, da CR/88, consagra o princípio da autonomia didáticocientífica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades.
A Resolução 37/04, do Conselho Universitário da apelada, está sem
dúvida legitimada por esse cânone constitucional. Por conseguinte, é
lícito à recorrida cotizar as vagas oferecidas à seleção de candidatos
como lhe aprouver, desde que não vulnere, como não está a vulnerar
"in casu", nenhuma outra regra matriz da Constituição. (TRF4, AMS
2005.70.00.006966-8, Relator Valdemar Capeletti, j. 25/10/2006)
MANDADO DE SEGURANÇA. INGRESSO VIA VESTIBULAR.
MATRÍCULA.
SISTEMA
DE
COTAS
SOCIAIS.
DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. Tendo em vista a
discricionariedade da Administração e o fato da reserva de vagas em
favor de afro-descendentes e de egressos de escolas públicas ter
previsão editalícia, ausente a fumaça do bom direito para a
concessão da liminar requerida. Prequestionamento quanto à
legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Agravo de
instrumento provido. (TRF4, AG 2005.04.01.011275-1, Relator
Fernando Quadros da Silva, j. 18/12/2006).
Importante trazer a baila, entendimento da Desembargadora Federal Maria
Lucia Luz Leiria no tocante à objeção de a condição de acesso ser a autodeclaração
argumenta que tal critério é legítimo tendo em vista ser o mesmo amplamente aceito
para fins de estatísticas e censos do IBGE, sendo também utilizado no direito
82
internacional guardando também consonância com inúmeros diplomas legais51, não
obstante, este critério foi amplamente reivindicado pelos movimentos indígenas e
negros, em âmbito nacional e internacional:
Não constituindo, um demérito ou uma nova forma de intimidação
para o "reconhecimento de identidade negra". Aqui, aliás, uma triste
ironia: a crítica à autodeclaração vem conjugada ao esquecimento de
que, no Brasil, a condição de "negro" é uma "heterodefinição". Como
diz Hédio Silva Júnior, ex- secretário de Justiça do Estado de São
Paulo, ´sempre que foi para discriminar, as pessoas nunca tiveram
dúvida sobre quem é negro e quem é branco. Agora, quando se
discutem políticas de inclusão, surge este debate falso´ (TRF4. AP n.
20087200002254-0, Desembargadora Maria Lucia Luz Leiria, j.
26/09/08).
A constitucionalidade das cotas também já foi objeto de apreciação do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde tem se posicionado de forma clara
sobre a constitucionalidade da medida:
ADMINISTRATIVO.
ENSINO
SUPERIOR.
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA. VESTIBULAR. SISTEMA DE
COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. A jurisprudência do Tribunal
Regional Federal da Quarta Região tem reconhecido a
constitucionalidade do sistema de cotas sem quaisquer limitações
(TRF4.Apelação em MS nº 2007.72.00.014671-8/SC, rel. Marcelo de
Nardi, j. 19/06/08).
ADMINISTRATIVO. EXAME VESTIBULAR. SISTEMA DE COTAS
RACIAIS E SOCIAIS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. A
partir da declaração dos direitos humanos, buscou-se proibir foi a
intolerância em relação às diferenças, o tratamento desfavorável a
determinadas raças, a sonegação de oportunidades a determinadas
etnias. Basta olhar em volta para perceber que o negro no Brasil não
desfruta de igualdade no que tange ao desenvolvimento de suas
potencialidades e ao preenchimento dos espaços de poder. O artigo
207 da Constituição Federal consagra a autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das
universidades, sendo lícito, portanto, à recorrida estabelecer sistema
de cotas para as vagas oferecidas à seleção de candidatos como lhe
aprouver, desde que não afronte, como não está a afrontar no caso
em tela, nenhuma outra regra matriz da Constituição. Ademais, com
relação à alegação de violação ao princípio da isonomia, cabe
esclarecer que a igualdade somente pode ser cotejada entre pessoas
que estejam em situação equivalente, sendo levados em
consideração os fatores ditados pela realidade econômica e social,
que influem na capacidade dos candidatos para disputar vagas nas
universidades públicas. Assim, não se há de reconhecer quebra de
51
Um exemplo de dispositivo infraconstitucional é Decreto nº 4.887, de 20-11-2003, em
relação aos quilombolas, que em seu art. 2º estabeleceu "segundo sua auto-atribuição".
83
igualdade no ato administrativo realizado pela parte apelada. O
interesse particular não pode prevalecer sobre a política pública; não
se poderia sacrificar a busca de um modelo de justiça social apenas
para evitar prejuízo particular. (TRF4, AC 2005.70.00.003167-7,
Relator Vânia Hack de Almeida, j. 07/02/2007).
3.4 ANÁLISE DA EXECUÇÃO DO PLANO DE AÇÃO AFIRMATIVA
Este tópico será destinado a avaliar os resultados do vestibular da UFSC
para ingresso em 2008, fazendo um contraponto com a referida resolução com o
intuito de verificar se o PAA esta de fato cumprindo seus objetivos. Para tanto serão
utilizados os dados fornecidos pela COPERVE através do relatório técnico do
vestibular 2008.
Cumpre mencionar que alunos auto-declarados negros devem possuir
fenótipos que o caracterizem na sociedade como pertencentes ao grupo racial
negro, considerados pela Universidade os pretos e pardos.
a) Das inscrições
Neste ano o vestibular teve 29193 inscritos, sendo que desses 4098 foram
classificados (4095 vagas oferecidas nos 65 cursos e mais três vagas suplementares
para indígenas).
Não obstante, verificou-se que a implementação do PAA não alterou o
número de inscritos negros e indígenas. Enquanto no ano de 2007 foram 95
indígenas inscritos no ano de 2008 esse numero caiu para 54, em relação aos
negros o número de inscritos teve pequeno aumento, 3005 candidatos no ano de
2007 e 3104 no ano de 2008.
Em relação a origem escolar, o numero de inscritos oriundos de escolas
privadas apresentou pequena queda, enquanto que as inscrições dos alunos de
escola pública aumentou, 700 alunos a mais inscritos.
b) Dos classificados
Em relação aos aprovados as diferenças começam a aparecer, pois apesar
do numero de inscrições ser praticamente o mesmo o número de classificados foi
seis vezes maior em relação aos pretos que no ano de 2007 representavam 37 das
84
3920 vagas e em 2008 passaram a ocupar 258 das 4098 vagas, no que tange aos
pardos foram 83 aprovados a mais.
Todavia, destaca-se que nem todos os candidatos negros concorreram às
vagas reservadas pelas cotas dos 652 aprovados 253 não eram optaram pelo
programa.
Os indígenas apresentaram pequena queda, no ano de 2007 foram 11
aprovados e em 2008 restaram aprovados 7 candidatos.
Antes da analise dos resultados obtidos pelos alunos oriundos de escola
pública, cumpre esclarecer que devido ao fato da reserva de 10% para negros ser
cumulada com a origem escolar, diga-se oriundo de escola pública, os dados
pertinentes à origem escolar dos classificados incluem os negros.
Os alunos de escola pública apresentaram significativa mudança em relação
a sua representação dentre os classificados, no ano de 2007 eram 699, sendo que
no ano de 2008 foram aprovados 1203 candidatos, destaca-se que nesse mesmo
vestibular os alunos provenientes de outra origem escolar se classificaram 2895 um
número ainda bastante grande se levarmos em consideração que Santa Catarina
possui mais alunos matriculados em escolas públicas do que em escolas privadas.
Vejamos a tabela que demonstra a distribuição dos candidatos inscritos e
classificados por tipo de escola ensino médio:
Inscritos
Nº
%
1 - Todo em Escola Pública
9522
32.62
2 - Todo em Escola Particular
15948
54.63
3 - Maior parte em Escola Pública
1782
6.10
4 - Maior parte em Escola Particular
1774
6.08
5 - Escolas Comunitárias
23
0.08
6 - Outros
144
0.49
Total
29193
Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008.
Tipo Escola
Classificados
Nº
%
1442
35.19
2244
54.76
185
4.51
208
5.08
2
0.05
17
0.41
4098
-
Analisando separadamente a situação dos negros observou-se que no ano
de 2007 foram 83 classificados e oriundos de escola publica enquanto que no ano
de 2008 esse número triplicou, a raça negra oriunda de escola pública agora conta
com 289 classificados. Mesmo quando o aluno negro é proveniente de escola
privada a classificação aumentou, agora conta com 98 classificados a mais em
relação ao ano de 2007.
85
Considerando que o PAA tem o objetivo de promover uma formação humana
e anti-racista através da inclusão de alunos oriundos da rede pública de ensino,
negros e indígenas numa instituição de ensino superior com alta qualidade de
ensino, pode-se concluir que este objetivo vem sendo em parte concretizado pois, de
fato houve um número relativamente maior de alunos provenientes de escola
pública, negros e ocupadas as vagas destinadas aos indígenas. Não obstante,
devido ao fato de ser o primeiro vestibular com este sistema não é possível avaliar
os impactos relativos à exclusão do racismo.
Todavia, destaca-se que a real oportunidade dessas minorias ao ensino
superior diminuiu a desigualdade desses grupos no que tange ao acesso, pois, sem
preparação para o vestibular não seria possível competir com alunos com maior
poder aquisitivo, criando assim um ambiente universitário com diversidade
socioeconômica e étnico-racial, o que faz com que a missão institucional da
Universidade seja cumprida, qual seja, a construção de uma sociedade justa e
democrática e na defesa da qualidade de vida.
c) Da distribuição das vagas
Outro aspecto importante a ser demonstrado diz respeito à ocupação das
vagas pelos alunos provenientes de escola pública, negros e indígenas nos cursos
mais concorridos, o que antes era uma exceção, ou melhor dizendo era quase
impossível tais alunos, com renda baixa e conseqüentemente pouca qualidade de
ensino freqüentarem esse cursos.
Os cursos mais concorridos no vestibular de 2008 foram administração
noturno, arquitetura e urbanismo, ciências Biológicas, direito, engenharia mecânica,
jornalismo, medicina (40 candidatos por vaga, negros 6 candidatos por vaga e
pardos 19 candidatos por vaga), oceanografia e odontologia.
Nesses cursos todas as vagas oferecidas pelo sistema de cotas foram
ocupadas, exceto no curso de engenharia mecânica que no caso de reserva para
negros das 10 vagas reservadas 4 foram ocupadas.
No total de 414 vagas oferecidas 323 foram ocupadas pelos candidatos auto
declarados negros o optantes do PAA, as demais vagas (91) foram ocupadas pelos
candidatos da classificação geral. Vejamos os cursos em que as vagas não foram
ocupadas:
86
Total de
Total de
Vagas Oferecidas Vagas Ocupadas
ADMINISTRAÇÃO - DIURNO
9
8
AGRONOMIA
9
4
ARTES CÊNICAS - HAB. EM TEATRO
3
2
CIÊNCIAS CONTÁBEIS - DIURNO
8
3
CIÊNCIAS CONTÁBEIS - NOTURNO
8
6
CIÊNCIAS ECONÔMICAS - DIURNO
9
4
CIÊNCIAS SOCIAIS - DIURNO
4
1
CINEMA
3
2
DESIGN
6
4
ENGENHARIA DE ALIMENTOS
5
4
ENGENHARIA DE AQÜICULTURA
6
3
ENGENHARIA DE MATERIAIS
6
2
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CIVIL
4
1
4
3
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO ELÉTRICA
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MECÂNICA
4
2
ENGENHARIA ELÉTRICA
10
7
ENGENHARIA MECÂNICA
10
4
FARMÁCIA
12
10
FILOSOFIA - VESPERTINO/NOTURNO
4
0
FÍSICA - BACHARELADO - DIURNO
5
1
FÍSICA - LICENCIATURA - NOTURNO
7
2
HISTÓRIA - DIURNO
5
4
LETRAS - LÍNGUA ALEMÃ
4
2
LETRAS - LÍNGUA ESPANHOLA
4
1
LETRAS - LÍNGUA FRANCESA
4
1
LETRAS - LÍNGUA ITALIANA
4
2
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA
8
2
LETRAS - SECRETARIADO EXEC. INGLÊS
4
3
MATEMÁTICA - LICENC. - DIURNO
7
1
MATEMÁTICA E COMPUT. CIENTÍFICA
3
1
ZOOTECNIA
6
4
Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008.
Curso
Em relação às vagas reservadas a alunos oriundos de escola pública todas
as vagas foram ocupadas em todos os cursos.
No que tange aos indígenas os cursos em que as vagas foram ocupadas
foram: 1 curso de direito noturno, 1 curso de enfermagem e 1 no curso de
engenharia sanitária e ambiental.
87
d) Da pontuação
Nesse aspecto será demonstrado a média da pontuação que os candidatos
classificados alcançaram:
Curso
Negros
ADMINISTRAÇÃO - DIURNO
ADMINISTRAÇÃO - NOTURNO
AGRONOMIA
ARQUITETURA E URBANISMO
ARTES CÊNICAS - HAB. EM TEATRO
BIBLIOTECONOMIA - NOTURNO
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
CIÊNCIAS CONTÁBEIS - DIURNO
CIÊNCIAS CONTÁBEIS - NOTURNO
CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO
CIÊNCIAS ECONÔMICAS - DIURNO
CIÊNCIAS ECONÔMICAS - NOTURNO
CIÊNCIAS SOCIAIS - DIURNO
CIÊNCIAS SOCIAIS - NOTURNO
CINEMA
DESIGN
DIREITO - DIURNO
DIREITO - NOTURNO
EDUCAÇÃO FÍSICA - BACHARELADO
EDUCAÇÃO FÍSICA - LICENCIATURA
ENFERMAGEM
ENG. DE CONTROLE E AUTOMAÇÃO
ENGENHARIA CIVIL
ENGENHARIA DE ALIMENTOS
ENGENHARIA DE AQÜICULTURA
ENGENHARIA DE MATERIAIS
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CIVIL
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ELÉTRICA
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
MECÂNICA
ENGENHARIA ELÉTRICA
ENGENHARIA MECÂNICA
ENGENHARIA QUÍMICA
ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL
FARMÁCIA
42.32
41.88
44.75
48.84
34.42
35.15
45.86
54.92
38.29
48.11
39.91
48.14
40.83
42.76
34.85
40.80
51.95
49.82
44.21
37.34
38.27
45.14
43.06
47.52
46.68
42.87
58.17
Escola
Pública
50.74
60.58
55.43
62.28
56.41
47.20
63.20
56.39
60.85
60.60
47.35
53.24
43.28
58.52
59.52
62.62
64.41
65.76
57.55
54.29
55.39
62.78
60.69
58.55
46.45
55.19
51.78
Não
Indigenas
optantes
66.42
67.26
59.16
72.94
57.86
47.26
71.75
59.55
60.92
69.02
65.06
62.87
59.90
59.23
69.46
68.32
77.93
76.39
44.87
60.65
55.75
58.73
34.49
78.44
71.01
69.14
59.57
72.55
70.74
-
44.70
59.03
70.01
-
60.94
52.41
75.46
-
50.43
50.08
52.44
42.51
45.24
61.96
67.91
63.88
59.48
60.56
72.60
79.12
75.80
71.94
64.96
30.12
-
88
57.18
FILOSOFIA - NOTURNO
37.65
FILOSOFIA - VESPERTINO/NOTURNO
52.16
FÍSICA - BACHARELADO - DIURNO
59.51
49.14
51.35
FÍSICA - LICENCIATURA - NOTURNO
52.65
GEOGRAFIA - DIURNO
44.87
54.74
GEOGRAFIA - NOTURNO
43.34
54.93
56.77
HISTÓRIA - DIURNO
45.12
51.65
HISTÓRIA - NOTURNO
38.91
JORNALISMO
43.94
64.55
LETRAS - LÍNGUA ALEMÃ
31.34
47.70
LETRAS - LÍNGUA ESPANHOLA
50.55
50.76
52.03
LETRAS - LÍNGUA FRANCESA
61.24
LETRAS - LÍNGUA INGLESA
38.34
57.43
LETRAS - LÍNGUA ITALIANA
53.61
47.50
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA
38.27
49.42
53.38
LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA - NOT. 48.69
LETRAS - SECRETARIADO EXEC.
54.44
45.11
INGLÊS
MATEMÁTICA - LICENC. - DIURNO
41.20
40.78
53.00
MATEMÁTICA - LICENCIATURA - NOT.
44.85
MATEMÁTICA E COMPUT. CIENTÍFICA
43.76
48.64
MEDICINA
52.41
75.31
NUTRIÇÃO
41.80
61.97
OCEANOGRAFIA
36.62
56.07
ODONTOLOGIA
41.07
62.35
PEDAGOGIA
40.09
47.40
PSICOLOGIA
47.08
59.74
QUÍMICA
43.02
55.18
SERVIÇO SOCIAL - DIURNO
40.23
46.61
SERVIÇO SOCIAL - NOTURNO
36.22
50.01
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO 40.83
63.72
NOTURNO
ZOOTECNIA
37.86
48.28
Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008.
57.66
52.69
62.41
48.48
58.00
57.24
62.81
60.28
72.98
49.13
51.06
54.21
59.72
50.79
50.48
53.10
-
55.19
-
47.03
53.45
59.55
83.17
67.16
69.70
70.33
47.54
65.44
61.35
44.08
47.28
-
67.14
-
54.43
-
A partir dessa tabela constata-se que nos cursos mais concorridos a média
obtida pelos candidatos não optantes do PAA foi de 19 pontos a mais no vestibular.
Não obstante, em alguns cursos como ciências contábeis, ciências sociais,
física bacharelado e letras língua espanhola a pontuação média foi muito próxima.
Nos cursos de serviço social, física licenciatura, letras língua francesa e italiana a
pontuação média dos optantes pelos PAA foi superior.
89
A partir dos dados coletados foi possível constatar que das cinco políticas
trazidas pela Resolução para serem implementadas pela Universidade Federal duas
estão sendo aplicadas.
A política de preparação para o acesso na universidade esta sendo aplicada
através do pré-vestibular da UFSC, que surgiu para atender a necessidade de
estudantes que não dispõem de recursos financeiros para freqüentar cursos
preparatórios para o vestibular.
O mecanismo de reserva de vagas fez com que alunos oriundos de escola
publica e negros tivessem real acesso aos cursos mais concorridos, neste último
vestibular pode-se perceber que a desigualdade de oportunidade de acesso
diminuiu. Os alunos atingidos pelas cotas agora tem reais possibilidades de
igualdade de acesso aos ensino superior público.
No que tange ao acompanhamento e permanência do aluno, bem como
acompanhamento para egressos ainda não há dados estatísticos nesse sentido,
pois, apenas há um semestre que a instituição tem implementada a política.
Em relação a ampliação das vagas e criação de cursos noturnos ainda não
há de fato ações da universidade.
90
CONCLUSÃO
A questão das ações afirmativas é tema bastante controverso, de pronto
concluiu-se que a argumentação de que a existência in abstrato de tais ações é
inconstitucional não se sustenta.
A Constituição Federal de 88 trouxe como objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, bem
como a redução das desigualdades sociais e regionais. A supressão das
desigualdades veio consagrar o principio da igualdade tanto em seu sentido formal
quanto em seu sentido material.
O principio da igualdade passa a ter outro objetivo além de obrigar que todos
sejam tratados de maneira igualitária perante a lei, agora traz também por finalidade
a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos os aspectos, embasando a
implementação de políticas públicas que visem atingir a igualdade de fato entre os
indivíduos.
Ademais, a obrigação de erradicar as desigualdades também encontra
respaldo nas obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.
O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial, tal instrumento internacional busca a
erradicação de todas as formas de discriminação, como também, visa estimular
estratégias de promoção da igualdade material entre os grupos marginalizados.
Considerando que as ações afirmativas são medidas especiais tomadas pelo
Estado com o objetivo específico de eliminar as desigualdades sociais acumuladas
no decorrer da história, elas se tornam plenamente constitucionais.
A reserva de vagas nas instituições universitárias faz parte de uma política
pública implementada pelo Estado com o intuito de compensar os séculos de
discriminação, bem como, distribuir as riquezas e recursos que os grupos
marginalizados teriam direito caso não sofressem tal discriminação.
As cotas adotadas por várias instituições visam a promoção de grupos
vulneráveis, a redução das desigualdades e o aumento da mobilidade social .
Todavia, para que a discriminação procedida seja adequada ao conteúdo do
princípio da igualdade preconizado no texto constitucional, o critério definido para a
91
identificação dos grupos menos favorecidos deve apresentar justificativa para o
específico tratamento jurídico diferenciado.
Para a implementação do sistema de cotas a justificativa é montada a partir
de um estudo social da realidade fática do país, especificamente do estado ou
município onde aquele sistema será aplicado.
No caso do negro, o critério é legítimo tendo em vista que este sofre a
discriminação racial oriunda de um passado escravocrata que impossibilitou sua
ascensão social. Acabando por ocupar as posições mais desprivilegiadas da
sociedade, sendo-lhe reservado os empregos subalternos e sendo-lhe negado o
acesso à educação de qualidade.
Os alunos egressos de escola pública também são eleitos como
beneficiários do sistema de cotas. Analisando o histórico das universidades públicas
nos últimos anos constatou-se que a maioria esmagadora das cadeiras universitárias
é ocupada por alunos egressos de escolas privadas, que os prepara para o
vestibular nas carreiras mais privilegiadas. Ademais, o fato de o ensino público
fundamental e médio do país não ter o objetivo de aprovar alunos no vestibular
aliado a uma qualidade de ensino inferior em comparação àquela oferecida pela
escola particular torna legítima a eleição desses alunos como pertencentes ao grupo
minoritário que carece de proteção.
Outro critério estabelecido diz respeito aos indígenas, esse grupo é legítimo
beneficiário do sistema de cotas, os índios na sua grande maioria não são
alfabetizados, encontram-se em precárias condições de vida, tampouco têm acesso
à educação em uma instituição de ensino superior público.
A constitucionalidade do sistema de cotas também fica evidenciado a partir
do fato de que a medida tem caráter temporário, as políticas cessam a partir do
momento em que se evidencia que tais ações cumpriram seus objetivos, elas
perdem sua legitimidade.
Atualmente as ações afirmativas vem sendo implementadas pelas
universidades públicas, que por sua vez editam sua forma de acesso com base na
autonomia universitária que lhes confere a Constituição Federal de 88. Todavia, está
em tramitação o projeto de lei n. 3198/2000 que visa estabelecer que todas as
instituições universitárias do país devem reservar 20% das vagas para afrodescendentes.
92
No que tange ao projeto de lei, há sérias dúvidas quanto a sua legitimidade,
pois a eleição dos critérios para desigualação depende das necessidades que cada
estado ou município enfrentam. É fato que a realidade vivida no Norte do país não é
a mesma vivida no Sul, as necessidades são diferentes, uma lei que determine
reserva especifica de vagas pode vir a eivar de inconstitucionalidade tais políticas de
inclusão.
Um estudo sobre as universidades do país que já implementaram o sistema
demonstrou que cada uma implantou um plano de ações afirmativas diferenciado,
com reservas maiores ou menores, sem reserva com sistema de bônus, etc. Tal fato
demonstra que para a constitucionalidade das ações a autonomia mostra-se
essencial.
No que tange ao Programa de Ações Afirmativas implementadas pela
Universidade Federal de Santa Catarina, até o momento não se pode levantar contra
ele nenhum óbice, todos os dados disponíveis até o momento demonstram que a
reserva de vagas alterou a composição sócio-economica e étnico-racial dos alunos
que ingressaram no primeiro semestre de 2008.
Neste primeiro semestre ingressam na universidade mais alunos de escola
pública do que em todos os anos anteriores, bem como o número de negros
aumentou de forma significativa.
Com efeito, ainda não é possível avaliar se a longo prazo esses bons
resultados vão se manter. Em relação às demais ações propostas como o
acompanhamento e permanência do aluno, bem como acompanhamento para
egressos ainda não há dados estatísticos nesse sentido, pois, apenas há um
semestre que a instituição tem implementada a esta política.
Por fim, em relação à ampliação das vagas e criação de cursos noturnos
ainda não há de fato ações da universidade.
A constitucionalidade do programa é evidente a universidade está cumprindo
seu objetivo de forma legítima, o sistema tem se apresentado de forma diminuir as
desigualdades existentes, compensando aqueles que necessitam.
93
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA USP. Universidade pode aumentar bônus para alunos de escola
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ANGELA RODRIGUES IUNG A CONSTITUCIONALIDADE